Ficha Informativa Felizmente Há Luar!

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PORTUGUÊS

Curso de Cantaria Artística

Ficha Informativa – Módulo 11 Ano Lectivo: 2008/2009

Nome: _________________________________________________ N.º ___ Data: Outubro/2008

Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro

Carácter épico da peça / Distanciação histórica (técnica realista;


influência de Brecht)
 
Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do
teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção
de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as
capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive.
Por isso, oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade
em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
         O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que
ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da
sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o
drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica,
purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do
espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa.
Brecht pretendia substituir “sentir” por “pensar”.
         Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos
de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal
oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos
anos 60 do século XX) e assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a
opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.
 

 Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da


violência
 
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século
XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que
pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à
presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores,
acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a
assistir.

Professora: Cristina Maia


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Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e
denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra (1961), precisamente sob a
ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início
do século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque
as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a história serve de pretexto
para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele
perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de
Salazar, interpretando as condições históricas que mais tarde contribuíram para a
Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal como a agitação e conspiração de
1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o triunfo do liberalismo,
também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e
a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia. 

Tempo da História 
  (século XIX – 1817) 
 
- agitação social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações
internas;  revolta contra a presença da Corte no  Brasil e contra a influência do exército
britânico
- regime absolutista e tirânico 
- classes sociais fortemente hierarquizadas 
- classes dominantes com medo de perder privilégios 
- povo oprimido e resignado  
- a “miséria, o medo e a ignorância”  
- obscurantismo, mas “felizmente há luar”  
- luta contra a opressão do regime absolutista
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria
- perseguições dos agentes de Beresford 
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento que, hipócritas, e sem
escrúpulos denunciam 
- censura à imprensa 
- severa repressão dos conspiradores  
- processos sumários e pena de morte 
- execução do General Gomes Freire, em 1817

Tempo da escrita
(século XX – 1961)
 
- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra
colonial
- regime ditatorial de Salazar
- maior desigualdade entre abastados e pobres
- classes exploradas, com reforço do seu poder
- povo reprimido e explorado
- miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas crença nas mudanças
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- luta contra o regime totalitário e ditatorial absolutista
- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem
- Perseguições da PIDE 
- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se
 disfarçam, para colher informações e denunciar
- censura
- prisão e duras medidas de repressão e de tortura
- condenação em processos sem provas
      
As personagens
 
GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança
do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É
acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado
pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade.
 
D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não
deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista.
 
PRINCIPAL SOUSA: fanático, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses
 
BERESFORD: poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico
 
VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa
material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado.
 
MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito.
 
MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente
perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas
luta sempre.
 
SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias
que Gomes Freire, mas não teve a coragem do General.
 
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA : perseguem, prendem e
mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a
execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas
para Matilde era uma luz a seguir na luta pela liberdade.

A linguagem em Felizmente Há Luar!


 
-Natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora
de algumas personagens;
-Uso de frases em latim, com conotação irónica, por aparecerem aquando da
condenação e da execução;
- Frases incompletas por hesitação ou interrupção;
-Marcas características do discurso oral
-Recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.

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A didascália
 
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença,
galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores;
tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários,
gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no
palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o
murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois
actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma
fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz
(“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque
“felizmente há luar”.

Os símbolos

1-  A saia verde


"   A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno, com
o dinheiro da venda de duas medalhas;
"   Ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a
“alegria” do reencontro (“agora que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o
peito”);
"   A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente
conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso,
envolvente e refrescante.

2- O título / a luz / a noite / o luar


O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das
personagens:

 D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer


sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: “Lisboa há-de cheirar toda a
noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-
se-ão do cheiro…” Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará
pela noite, mas felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada
na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia
desta execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários
pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se
pretendia exemplar.
 
          Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, “companheira de todas as
horas” do general Gomes Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo
se revolte contra a tirania dos governantes: “-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão
daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a
vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!”
 
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Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a
expressão “felizmente há luar” pode indiciar duas perspectivas de análise e de
posicionamento das personagens:
 
1.     As forças das trevas e do obscurantismo utilizam, paradoxalmente, o lume (fonte de
luz e de calor) para “purificar a sociedade” (a Inquisição considerava a fogueira como
fonte e forma de purificação);
2.     Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em
direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
 
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a
vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso
significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão “avisadas” e o efeito dissuasor pretendido
será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela
liberdade.
 

3. A fogueira/o lume
Após a prisão do general, num diálogo de “tom profético” e com “voz triste”
(segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: “Prenderam o General…Para nós, a
noite ainda ficou mais escura…”. A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir
também um carácter de profecia e de esperança: “É por pouco tempo, amigo. Espera pelo
clarão das fogueiras…”. Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra
ainda havia de “incendiar esta terra!”, mostra que a chama se mantém viva e que a
liberdade há-de chegar.

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