Nominalismo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

1.

Nominalismo
Michael J. Loux

Tradução de Vítor Guerreiro

O termo “nominalismo” refere-se a uma abordagem reducionista de


problemas sobre a existência e natureza de entidades abstractas;
opõe-se portanto ao platonismo e ao realismo. Enquanto o platónico
defende um enquadramento ontológico em que coisas como
propriedades, géneros, relacões, proposicões, conjuntos e estados de
coisas são tomadas como primitivas e irredutíveis, o nominalista nega
a existência de entidades abstractas e tipicamente procura mostrar
que o discurso sobre entidades abstractas é analisável em termos do
discurso sobre concretos particulares da experiência comum.
Em diferentes períodos, diferentes assuntos forneceram a direcção ao
debate entre nominalistas e platonistas. Na idade média, o problema
dos universais era de importância axial. Nominalistas como Abelardo e
Ockham insistiam em que tudo o que existe é particular.
Argumentavam que o discurso sobre universais é um discurso sobre
certas expressões linguísticas — as expressões de aplicação geral — e
procuraram fornecer uma explicação da semântica de termos gerais
suficientemente rica para acolher a ideia de que os universais devem
ser identificados com estes.
Os empiristas clássicos seguiram os nominalistas enquanto
particularistas, e procuraram identificar os tipos de representação
mental associada aos termos gerais. Locke argumentou que estas
representações têm um conteúdo especial. Chamou-lhes “ideias
abstractas” e afirmou que estas se formam subtraindo às ideias de
particulares os atributos específicos dos particulares em questão.
Berkeley e Hume, contudo, atacaram a doutrina de Locke da
abstracção e insistiram em que o conteúdo das ideias que
correspondem a termos gerais é inteiramente determinado e
particular, embora os termos sejam usados pela mente como
representantes de outras ideias particulares do mesmo tipo.
Um âmbito mais vasto de matérias dominou a recente discussão
ontológica, e o interesse pela existência e estatuto de coisas como
conjuntos, proposições, eventos e estados de coisas veio a tornar-se
tão importante quanto o interesse pelos universais. Além disso, a
natureza do debate mudou. Enquanto há filósofos que apoiam uma
abordagem nominalista para todas as entidades abstractas, um tipo
mais comum de nominalismo é o que reconhece a existência de
conjuntos e procura reduzir a discussão sobre outros tipos de
entidades abstractas a uma discussão sobre estruturas em teoria dos
conjuntos, cujos componentes últimos são particulares concretos.

1. Introdução
Numa acepção, “nominalismo” refere-se a um grupo de temas
filosóficos e teológicos relacionados entre si, e de um modo geral
articulados por alguns pensadores de finais do século XIV,
influenciados por Guilherme de Ockham. Estes pensadores
expressavam dúvidas acerca da metafísica aristotélica, em particular
acerca da sua eficácia em provar a existência de Deus. Concederam
prioridade à fé sobre a razão e enfatizaram a omnipotência divina de
maneiras que em ética levaram frequentemente à teoria dos
mandamentos divinos e a um cepticismo geral acerca do nosso
conhecimento tanto das relações causais como da distinção entre
substância e acidente.
Usado deste modo, o termo tem a sua raiz no seu uso mais comum,
referindo-se a uma orientação teórica geral face a questões sobre a
existência e natureza de entidades abstractas, uma orientação
exemplificada pelo trabalho do próprio Ockham. Os que são
nominalistas neste sentido rejeitam uma interpretação platónica ou
realista do discurso sobre coisas tão diversas como propriedades,
géneros, relações, proposições, conjuntos, estados de coisas e
modalidade. Frequentemente se diz que o nominalista sustenta a ideia
de que o tipo de discurso em questão é metalinguístico e que a
discussão sobre as chamadas entidades abstractas é na verdade
apenas uma discussão sobre nomina ou expressões linguísticas.
Caracterizado deste modo, o nominalismo é por vezes tomado em
oposição ao conceptualismo, outra abordagem reducionista a
questões ontológicas sobre entidades abstractas. A justificação é que
enquanto o conceptualista insiste na necessidade de referir a acção
de representação conceptual para acomodar o discurso recalcitrante,
o nominalista nega-o. Mas, em primeiro lugar, nem todos os que se
intitulam “nominalistas” sustentam uma interpretação metalinguística
do discurso em questão; e, em segundo lugar, uma vez que poucos
filósofos consideraram possível caracterizar a linguagem sem fazer
referência à actividade conceptual, tomar o nominalismo como uma
perspectiva oposta ao conceptualismo gera a conclusão de que
poucos pensadores normalmente tidos por nominalistas merecem a
etiqueta. Em consonância, tornou-se hábito entender como
nominalista qualquer abordagem reducionista de questões ontológicas
sobre entidades abstractas que se oponha à perspectiva platonista.

2. O período medieval
A orientação a que chamamos nominalista reporta-se tipicamente aos
debates medievais sobre universais. Uma fonte importante destes
debates foi o comentário de Boécio ao Isagoge de Porfírio, onde
encontramos uma discussão pormenorizada do estatuto ontológico
dos universais. O comentário de Boécio tornou-se um texto axial para
os filósofos medievais, e no século XII o debate sobre os universais
tinha-se tornado um tópico dominante das preocupações filosóficas.
Emergiram duas perspectivas opostas. Uma, defendida por Guilherme
de Champeaux, era uma forma extrema de realismo. Nesta
perspectiva, um género ou espécie é literalmente o mesmo em todos
os seus exemplos; os indivíduos abarcados pelo mesmo género
distinguem-se pela adição de formas à essência comum, sendo essas
formas predicados da essência. A perspectiva oposta, defendida por
Roscelin de Compiègne, representava uma versão extrema de
nominalismo. Insistindo em que todas as entidades são particulares,
Roscelin argumentava que a discussão sobre universais é meramente
uma discussão sobre expressões linguísticas que se podem aplicar a
uma quantidade de particulares diferentes, aderindo a uma
interpretação austera das expressões linguísticas para a qual os
universais são meros flatus vocis ou vocalizações.
Abelardo atacou as duas versões. Argumentou que uma vez que as
formas que alegadamente diversificam qualquer essência comum são
contrárias, o raciocínio de Guilherme compromete-nos com a ideia de
que uma entidade singular pode exemplificar simultaneamente
propriedades incompatíveis; e apelou à definição aristotélica de
universal como aquilo que pode ser predicado de muitos com vista a
pôr em dúvida a asserção de que as entidades não-linguísticas podem
ser universais. Aquela definição, argumentou, aplica-se
exclusivamente a coisas que podem funcionar como predicados em
frases do tipo sujeito-predicado, o que hoje em dia denominamos
“termos gerais”. Mas ao mesmo tempo que concordava com Roscelin
em que só podemos “atribuir a universalidade a palavras”, Abelardo
rejeitou a proposta de Roscelin de que os universais são apenas flatus
vocis, insistindo em que são expressões significativas ou dotadas de
sentido; e argumentou que qualquer explicação adequada dos
universais deve mostrar como, na ausência de uma essência comum,
os termos gerais podem ter sentido. Ao fazê-lo, deve responder a duas
questões: 1) qual a razão da imposição de um nome comum; e 2) o
que compreendemos quando compreendemos o significado de um
substantivo?
A resposta de Abelardo à primeira questão é desarmante. As coisas a
que o termo “homem” se aplica, por exemplo, concordam todas no
facto de serem homens. O facto de serem homens é o fundamento de
se lhes impor o substantivo “homem”. Abelardo nega, contudo, que
este acordo envolva alguma entidade comum. Considera ser um facto
irredutivelmente primitivo que todas as coisas denominadas “homens”
são todas homens. Em resposta à segunda questão, Abelardo
argumenta que o que compreendemos quando compreendemos o
substantivo “homem” não é qualquer dos homens particulares
nomeados por aquele termo; também não é o conjunto constituído por
todos aqueles particulares. Para explicar o tipo de cognição associada
a termos gerais, Abelardo apela para a distinção entre percepção e
intelecção. Na percepção, apreendemos o particular nomeado pelo
nome próprio; a cognição associada a termos gerais é, contudo,
intelectiva. Aqui, a mente dirige-se a um objecto de sua própria lavra,
a res ficta. A res ficta é um tipo de imagem, a qual é communis et
confusa (comum e indiferenciada). É comum a todos os itens
nomeados pelo termo geral associado não sendo específica de
nenhum deles. Em concordância, representa-os a todos
indiferentemente. Uma vez que se trata de algo distinto de qualquer
dos particulares abarcados pelas categorias aristotélicas, não é uma
substância nem um acidente. É o produto da actividade abstractiva do
intelecto, e é o que o termo geral associado significa — é o que
compreendemos quando compreendemos tal termo.
O século que se seguiu a Abelardo trouxe uma série de diferentes
desenvolvimentos. O aparecimento da totalidade
do corpus aristotélico proporcionou uma imagem mais clara das
posições de Aristóteles quanto aos universais, e o rico enquadramento
de conceitos semânticos associados com a nascente lógica terminista
tornou possível a articulação de uma forma de nominalismo mais
poderosa do que as defendidas por Roscelin e Abelardo. Essa
articulação deve-se a Guilherme de Ockham. Na esteira da lógica
terminista, Ockham distinguia entre termos categoremáticos e
sincategoremáticos. Os termos categoremáticos são expressões cuja
importância deriva de terem um “significado definido e determinado”.
Os termos sincategoremáticos, por contraste, não servem como
signos de objectos; a sua importância deriva dos papéis que
desempenham quando usados em conjunto com termos
categoremáticos. Os termos categoremáticos são posteriormente
divididos em termos discretos e comuns, sendo este o contraste entre
expressões que representam um só objecto e expressões que
representam vários e são portanto predicáveis de vários.
Como Abelardo, Ockham identifica os universais com termos comuns.
Insistindo em que cada coisa existente é um particular, concebe a
distinção entre universais e particulares como uma distinção entre
termos categoremáticos que representam uma coisa apenas e aqueles
que representam várias coisas. Mas enquanto Abelardo considera as
representações conceptuais como itens não-linguísticos que
funcionam como os significata dos diversos termos comuns, Ockham
pretende afirmar que um termo comum como “homem” representa os
vários particulares dos quais é realmente predicável, e que a própria
representação conceptual que corresponde ao termo “homem” é uma
entidade linguística. A sua ideia é a de que o pensamento é um
diálogo interior, susceptível de ser compreendido através dos
conceitos familiares, apropriados à linguagem escrita e falada. Assim,
os conceitos são termos mentais, os juízos são proposições mentais, e
as inferências são silogismos mentais. Os itens conceptuais
linguísticos diferem, contudo, das palavras escritas ou faladas na
medida em que enquanto os últimos só são convencionalmente
significantes, os primeiros são signos naturais. O fonema “homem”
tem o significado que tem apenas em virtude de um complicado
sistema de convenções, mas o conceito homem é algo cuja natureza
intrínseca consiste em desempenhar o papel linguístico que
desempenha; e apesar de descrevermos as representações
conceptuais por meio de conceitos derivados da nossa caracterização
da linguagem falada e escrita, a linguagem mental precede ambas. Tal
como a linguagem escrita é o desenvolvimento natural da linguagem
falada, a linguagem falada é uma extensão da linguagem mental, uma
espécie de “pensamento em voz alta”.
A distinção entre termos discretos e comuns, portanto, aplica-se a
representações conceptuais, de tal modo que há universais
conceptuais — representações conceptuais predicáveis de muitos — e
são estes os universais genuínos. Uma vez que são naturalmente
significantes, os termos comuns da linguagem mental são pela sua
natureza intrínseca itens predicados de muitos; e a sua universalidade
é a raiz da universalidade meramente convencional dos termos
comuns da linguagem escrita e falada. Em correspondência com o
termo escrito/falado “universal” há um termo comum
mental universal. De modo a acentuar o contraste entre a sua própria
forma de nominalismo e as suas alternativas realistas, Ockham diz-nos
que este termo mental é um termo que não representa entidades
extramentais mas, antes, intenções da alma, aquelas que pela sua
natureza intrínseca são signos de muitos.
Ao caracterizar os itens conceptuais que pela sua natureza intrínseca
são universais, Ockham menciona três perspectivas possíveis. Uma
delas relembra Abelardo e concebe o termo mental como uma res
ficta não presente em qualquer categoria aristotélica; a segunda
concebe os termos mentais como qualidades da alma que servem de
objecto aos actos de entendimento; a terceira identifica o termo
mental com o acto de entendimento mesmo. Ao longo da sua carreira,
Ockham hesitou entre estas perspectivas, mas veio por fim a defender
a terceira perspectiva com base na simplicidade teórica.
O nominalismo de Ockham vai além de uma preocupação com
universais e a distinção entre termos comuns e discretos. Interessou-
se também pela distinção entre termos concretos e abstractos, entre
termos como “homem” e “humanidade”, “corajoso” e “coragem”, e
preocupou-se em enfraquecer o que ao princípio parece uma
explicação plausível desta distinção. Uma resposta natural à distinção
consiste em dizer que enquanto os termos concretos representam
particulares familiares concretos (os particulares que são homens e
corajosos), as suas contrapartidas abstractas representam as
entidades abstractas (humanidade e coragem) que esses particulares
exibem. Uma vez que a distinção entre termos concretos e abstractos
está presente nas dez categorias aristotélicas, a perspectiva torna
explícito que para cada categoria há um tipo de entidade abstracta
categoricamente diferente tal que, em virtude de exibir uma entidade
desse tipo, um particular vem a ser caracterizado pelo termo concreto
apropriado.
Combatendo esta via, Ockham argumenta que as categorias não
representam uma classificação de objectos não-linguísticos; são, ao
invés, uma classificação de expressões linguísticas de acordo com o
seu modo de significação. Do seu ponto de vista, existem objectos não
linguísticos correspondendo apenas às categorias de substância e
qualidade, e as entidades em questão são todas particulares. Existem
então substâncias particulares (como este homem) e qualidades
particulares (como a brancura deste pedaço de papel). Os termos
abstractos da categoria da substância nada representam de distinto
das substâncias particulares representadas pelas suas contrapartidas
concretas. Termos abstractos da categoria da qualidade tendem a
representar entidades distintas das substâncias familiares que
dizemos serem brancas e corajosas; mas um termo como “coragem”
não representa uma qualquer qualidade que todos os indivíduos
corajosos partilham. A “coragem” é melhor entendida como um termo
geral representando qualidades individuais, as várias coragens em
virtude das quais se diz que os seres humanos individuais são
corajosos. Em nenhuma das outras categorias aristotélicas os termos
abstractos representam quaisquer entidades distintas das
representadas pelas suas contrapartidas concretas. Com efeito,
Ockham queria afirmar que os termos abstractos de outras categorias
que não a da qualidade são elimináveis do discurso, que as frases que
incorporam termos como “paternidade” e “roubo” podem ser
substituídas, sem perda de conteúdo, por frases nas quais esses
termos não aparecem, surgindo apenas as suas contrapartidas
concretas (“pai” e “ladrão”); e uma parte significativa das suas obras
de lógica/ontologia é dedicada a mostrar como funcionam estas
traduções.

3. Empirismo britânico clássico


Os empiristas clássicos seguiram Abelardo e Ockham quanto a negar
que os termos gerais representam universais. Assim, Hobbes faz
lembrar um tema conhecido quando diz que as únicas coisas que
existem são particulares e que os termos “geral” e “universal” são
apenas “nomes de nomes”. Tal como os seus antepassados medievais,
os empiristas reconheceram que a plausibilidade desta perspectiva
depende da nossa capacidade para produzir uma explicação
satisfatória da relação entre os termos gerais e as representações
interiores ou ideias que lhes correspondem. Locke, que concorda que
as entidades extramentais são cada uma e todas elas particulares,
argumenta que as palavras representam ideias e que as ideias que
correspondem a termos gerais são ideias abstractas — ideias
formadas a partir das nossas ideias de particulares subtraindo-lhes os
atributos específicos deste ou daquele particular, retendo “apenas o
que é comum” a todas as coisas às quais um dado termo geral se
aplica. Berkeley vai mais longe no seu nominalismo, negando que
temos ideias abstractas do género das que Locke descreve. Do ponto
de vista de Locke, o processo que produz a ideia abstracta de um
triângulo, por exemplo, consiste em separar todos os atributos
relativamente aos quais os triângulos diferem entre si; e o resultado
deste processo é uma ideia de triângulo que não é “nem oblíquo, nem
rectângulo, nem equilátero, nem isósceles, nem escaleno, mas todos
estes e nenhum deles simultaneamente”. Berkeley desafia-nos a
identificar uma ideia que corresponda a esta caracterização. Do seu
ponto de vista, as nossas ideias são determinadas em todos os seus
atributos e, em consonância, particulares no seu conteúdo.
Ao mesmo tempo que ataca a ideia de que as ideias são gerais em
virtude de serem abstractas, Berkeley concede que existem ideias
gerais; mas insiste que o carácter geral de uma ideia é uma função do
seu papel no pensamento e não um qualquer tipo de conteúdo. As
ideias são gerais não porque resultem de abstracção no sentido de
Locke, mas porque a ideia supostamente “representa ou significa
todas as outras ideias particulares do mesmo tipo”. Hume secundou
sem hesitar o ataque de Berkeley à abstracção e a sua explicação da
generalidade, dizendo-nos que as ideias gerais são “em si individuais,
ainda que se tornem gerais na sua representação. A imagem mental é
apenas a de um objecto particular, apesar de a sua aplicação no
raciocínio ser a mesma do que se fosse universal” (Hume 1740: 20).

4. O século XX
Tal como os debates ontológicos em períodos anteriores, as discussões
ontológicas na filosofia analítica nascente centravam-se tipicamente
no problema dos universais. Assim, Frege, Moore e Russell ansiavam
por enfraquecer as teorias nominalistas que procuravam analisar o
discurso sujeito-predicado sem referência a universais não
linguísticos; e quando o Wittgenstein tardio ataca a ideia de que o uso
de um termo geral como “jogo” se baseia no reconhecimento anterior
de uma propriedade ou conjunto de propriedades comuns a todos os
itens a que o termo se aplica, está, entre outras coisas, a desafiar as
suas explicações platónicas do discurso sujeito-predicado. Apesar de a
preocupação com os universais ter continuado ao longo do século XX,
as investigações de nominalistas recentes exibem um âmbito mais
vasto de assuntos que as dos seus antepassados medievais e
clássicos modernos. Além da preocupação com universais, os
nominalistas contemporâneos procuram fornecer explicações
reducionistas de coisas tão diversas como os conjuntos da
matemática, proposições, estados de coisas, acontecimentos e
mundos possíveis; e os filósofos de espírito nominalista têm atitudes
diferentes relativamente a diferentes itens desta lista. Alguns, por
exemplo, são nominalistas no que respeita aos universais tradicionais
enquanto insistem numa explicação platónica dos conjuntos; outros,
insistem na irredutibilidade de acontecimentos, mas fornecem
explicações reducionistas do aparente discurso sobre proposições,
estados de coisas e universais. De facto, poucos filósofos se têm
disposto a defender uma abordagem nominalista a todas as chamadas
entidades abstractas. Uma excepção é Wilfrid Sellars.
A explicação dada por Sellars é uma sofisticação da sugestão de
Ockham de que a discussão sobre entidades abstractas é discurso
metalinguístico. Esta sugestão foi elaborada anteriormente numa
proposta de Rudolf Carnap, The Logical Syntax of Language, de que
interpretamos a discussão sobre entidades abstractas como um modo
pseudomaterial de discurso, discurso em aparência mas não de facto
sobre objectos não linguísticos. Carnap ocupa-se com frases do
seguinte tipo:
1) A coragem é uma propriedade.
2) A humanidade é um género.
3) A paternidade é uma relação.
4) Que dois mais dois é igual a quatro é uma proposição.
A sua proposta é que tratemos estas frases como modos disfarçados
de fazer afirmações sobre a sintaxe de certas expressões linguísticas.
Assim, 1–4 convertem-se em:
1') “Coragem” é um adjectivo.
2') “Homem” é um substantivo comum.
3') “Pai de…” é um predicado poliádico.
4') “Dois mais dois é igual a quatro” é uma frase declarativa.
O problema desta proposta é que 1–4 acabam por ser afirmações
sobre expressões portuguesas. A proposta força-nos a tomar as
contrapartidas espanholas de 1–4, por exemplo, como afirmações
acerca de palavras espanholas, de modo que 1–4 e as que supomos
serem as suas traduções espanholas, nem sequer concordam em
referência. Sellars responde a este problema introduzindo um género
de citação que atravessa transversalmente as línguas, chamada
“citação com pontos”. Enquanto a citação canónica que encontramos
em 1'-4' gera expressões metalinguísticas que se aplicam
exclusivamente a palavras na língua que cita, a aplicação da citação
com pontos de Sellars a uma expressão gera um substantivo comum
metalinguístico que se aplica a todas as expressões,
independentemente da linguagem, que desempenham o mesmo papel
linguístico que a expressão citada desempenha na linguagem de
partida. Assim, “ homem ” é um substantivo comum que se aplica a
“hombre”, “homme” e “Mensch”. Nas suas respectivas línguas, estes
termos desempenham o mesmo papel que “homem” em português;
são todos “ homem ”s. Ora, Sellars quer afirmar que, recorrendo ao
dispositivo da citação com pontos, podemos fornecer uma
reconstrução satisfatória de 1–4:
1'')  Vermelho s são adjectivos.
2'')  Homem s são substantivos comuns.
3'')  Pai de s são predicados poliádicos.
4'')  Dois mais dois são quatro s são frases declarativas.
Sellars pensa que 1''-4'' representam afirmações acerca de expressões
linguísticas concebidas como símbolos e não como tipos; e a
discussão sobre símbolos linguísticos pode ser reformulada como uma
discussão sobre quem fala e inscreve. Até o aparente platonismo
envolvido na discussão sobre papéis linguísticos é ilusório uma vez
que a discussão sobre papéis linguísticos pode ser eliminada por
referência à discussão sobre os papéis linguísticos que regem o uso de
termos. Em consonância, a aparente discussão sobre entidades
abstractas é consistente com o mais austero nominalismo; é mero
discurso metalinguístico atravessando as línguas.
Sellars pensa que o tipo de explicação que propõe para 1–4 pode
alargar-se para lidar com todo o discurso que envolva as chamadas
entidades abstractas. Uma forma de nominalismo ligeiramente menos
radical encontra-se nos escritos de W. V. Quine. Cedo na sua carreira,
Quine adoptou um nominalismo tão austero quanto o defendido por
Sellars, mas ao tempo em que escreve Word & Object (1960), tinha
concluído que existe um tipo de entidade abstracta cuja existência
temos de reconhecer, o conjunto ou classe matemática. Contudo,
Quine permanece renitente em reconhecer coisas como propriedades,
relações, géneros e proposições. Ao contrário dos conjuntos, estas
alegadas entidades não têm condições precisas de identidade e não
deveriam desempenhar qualquer papel na nossa ontologia.
A maioria dos filósofos contemporâneos concorda com Quine em que
devemos adoptar uma ontologia de conjuntos. Esta perspectiva
fornece o cenário para a abordagem reducionista aos universais
defendida por G. F. Stout e D. C. Williams. Sustentam que existem
qualidades e propriedades particulares contrapostas a qualidades ou
propriedades gerais, coisas como a brancura deste pedaço de papel.
Assim, temos entidades abstractas além de conjuntos; mas estas são
particulares. Williams chama tropos a estes particulares abstractos e
diz-nos que constituem “o alfabeto do ser”. Os tropos são
ontologicamente primitivos, e os itens de outras categorias são
construídos a partir deles. Assim, o universal platónico é um conjunto
de tropos semelhantes; e os objectos concretos comuns são feixes de
tropos que entraram contingentemente numa relação de “colocação”.
Embora a teoria nominalista de tropos de Williams continue a gozar de
alguma popularidade, a mais proeminente forma de nominalismo na
arena contemporânea é a influenciada pelos desenvolvimentos da
semântica da lógica modal, onde encontramos a ideia de que o mundo
actual é apenas um de infinitos mundos possíveis e que falar sobre
necessidades e possibilidades é falar sobre mundos possíveis. Os
nominalistas contemporâneos alegam que o enquadramento dos
mundos possíveis fornece os recursos para uma explicação
reducionista de coisas como propriedades e proposições. Estes
filósofos propõem que tomemos os mundos possíveis como primitivos.
Cada um desses mundos, afirmam, pode caracterizar-se em termos
nominalistas como uma totalidade de particulares concretos, e
argumentam que podemos fornecer um tratamento nominalista de
coisas como propriedades e proposições identificando-os com
entidades de tipo transmundial em teoria de conjuntos. Podemos
identificar propriedades com funções de mundos para conjuntos de
objectos, relações com funções de mundos para conjuntos de n-túplos
ordenados e proposições com conjuntos de mundos ou funções de
mundos para os valores de verdade. A mais proeminente deste tipo de
perspectiva é de David Lewis. Ele invocou o enquadramento dos
mundos possíveis não simplesmente para fornecer uma explicação de
propriedades e proposições, mas para clarificar o conceito de
significado, estabelecer condições de verdade para contrafactuais e
fornecer uma análise da causalidade (1986).

Michael J. Loux
Publicado em Routledge Encyclopedia of Philosophy, org. Edward Craig
(Londres: Routledge, 1998)

Referências e leitura complementar


• Abelardo, P. (antes de 1120) “Logica “Ingredientibus"”, in R.
McKeon (org.) Selections from Medieval Philosophers, Nova
Yorque: Scribners, 1959, 202–258. (Fornece um esboço da
abordagem de Abelardo como a delineada em §2.)
• Armstrong, D. (1978) Universals and Scientific Realism,
Cambridge: Cambridge University Press, 2 vols. (Contém
discussões úteis do nominalismo.)
• Berkeley, G. (1710) A Treatise Concerning the Principles of
Human Knowledge in C. Turbayne (ed.) Principles, Dialogues and
Correspondence, Nova Yorque: Bobbs-Merrill, 1965. (A introdução
desta obra é particularmente relevante.)
• Carnap, R. (1934) Logishce Syntax der Sprache (The Logical
Syntax of Language), trad. A. Smeaton, Patterson, NJ: Littlefield &
Adams, 1959. (A tentativa de Carnap de clarificar a estrutura da
linguagem.)
• Goodman, N. (1956) The Problem of Universals, Notre Dame, IN:
University of Notre Dame Press (O capítulo intitulado “Um Mundo
de Universais” é particularmente relevante.)
• Hobbes, T. (1651) Leviathan, ed. M. Oakeshott and R. Peters,
Nova Yorque: Collier, 1962 (A parte 1, capítulo 4 contém a
exposição deste tópico por Hobbes.)
• Hume, D. (1740) A Treatise of Human Nature, ed. L.A. Selby-
Bigge, 2ª ed. (revista por P.H. Nidditch), Oxford: Clarendon, 1978.
(O livro 1, parte 1, secção 7 contém a resposta de Hume a
Berkeley acerca das ideias abstractas.)
• Lewis, D. (1986) On the Plurality of Worlds, Oxford: Blackwell.
(Usa os mundos possíveis como enquadramento para uma nova
perspectiva, como delineado no fim do §4.)
• Locke, J. (1689) An Essay concerning Human Understanding,
coligido e anotado por A.C. Fraser, Oxford University Press, 1894.
(Ver o livro II, capítulo 9, secções 9-10 e o livro III, capítulos 3 e
4.)
• Loux, M.J. (1978) Substance and Attribute, Dordrecht: Reidel
(Contém a discussão de várias formas diferentes de
nominalismo.)
• Ockham, Guilherme de (c.1329) “Summa Logicae”, parte I, in
M.J.Loux, Ockham's Theory of Terms, Notre Dame, IN: Notre
Dame University Press, 1974. (Uma tradução da mais clara
formulação da abordagem de Ockham à ontologia.)
• Quine, W. V. (1953) From a Logical Point of View, Cambridge, MA:
Harvard University Press. (O ensaio neste volume exprime a
anterior e mais austera forma de nominalismo de Quine.)
• Quine, W. V. (1960) Word and Object, Cambridge, MA: MIT Press.
(Fornece a doutrina “só os conjuntos são abstractos”.)
• Sellars, W. (1967) “Abstract Entities”, in Philosophical
Perspectives, Springfield, IL: Charles C. Thomas. (Exposição da
linha de pensamento delineada em §4.)
• Stout, G.F. (1921) The Nature of Universals and Propositions,
London Oxford University Press. (Conferência da Academia
Britânica onde se discute a “Teoria dos Tropos”, delineada em
§4.)
• Williams, D.C. (1953) “Elements of Being”, partes I e II, Review of
Metaphysics, 6: 3–18, 171–193. (“Teoria dos Tropos” delineada
em §4.)
• Wittgenstein, L. (1953) Philosophical Investigations, trad. G.E.M.
Anscombe, Londres: Macmillan. (A famosa passagem sobre
“semelhanças de família” começa no §65.)

Você também pode gostar