Este ensaio discute como a concepção de "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda pode ser aplicada às experiências do autor em transportes públicos e como seu significado mudou nos tempos atuais. O autor argumenta que, embora as vontades particulares ainda entrem em conflito com as regras sociais, há agora um maior valor dado à alteridade e direitos humanos.
Este ensaio discute como a concepção de "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda pode ser aplicada às experiências do autor em transportes públicos e como seu significado mudou nos tempos atuais. O autor argumenta que, embora as vontades particulares ainda entrem em conflito com as regras sociais, há agora um maior valor dado à alteridade e direitos humanos.
Este ensaio discute como a concepção de "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda pode ser aplicada às experiências do autor em transportes públicos e como seu significado mudou nos tempos atuais. O autor argumenta que, embora as vontades particulares ainda entrem em conflito com as regras sociais, há agora um maior valor dado à alteridade e direitos humanos.
Este ensaio discute como a concepção de "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda pode ser aplicada às experiências do autor em transportes públicos e como seu significado mudou nos tempos atuais. O autor argumenta que, embora as vontades particulares ainda entrem em conflito com as regras sociais, há agora um maior valor dado à alteridade e direitos humanos.
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FLA0102 - Antropologia II - Questões de Antropologia Clássica
Professor: Marcelo Natividade / Turma: Noturno
Aluno: Felipe Paes Piva Número USP: 8981441
Ensaio “O Homem Cordial” de Sérgio Buarque de Holanda
A concepção cordialidade brasileira por Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do
Brasil”, expressa uma narrativa de uma peculiaridade fundante do imaginário social brasileiro. A peculiaridade brasileira, descrita pelo autor, seria um predomínio das vontades particulares sobre as vontades gerais no desenrolar histórico brasileiro. Em decorrência, as relações e as normas do âmbito privado acabam por fornecer os modelos obrigatórios de conduta social, há um imperativo do âmbito privado sobre o público, uma transcendência das fronteiras delimitadas dos espaços tidos como públicos ou privados. A ideia de um “homem cordial” se teria naturalizado, na identidade nacional, como uma forma de preservar as sensibilidades e emoções particulares intactas, por meio de uma afirmação da supremacia do indivíduo sobre o social. Dado seu aspecto expansionista, o olhar para com o “outro” se desenvolve através de uma redução deste à uma parcela social periférica, enquanto o “eu” o transpassa, como argumenta Buarque, “é um viver nos outros” marcado por uma aversão ao ritualismo social, criando assim, uma certa disciplina de simpatia e “concórdia”. O rigorismo social brasileiro, em comparação com outras identidades nacionais, seria uma forma mais humanizada e afrouxada das regras. Pretendo analisar neste ensaio como a concepção de “homem cordial” pode se enquadrar nas experiências que tive em transportes públicos e também uma mudança de significado que avalio que essa concepção adquiriu nos tempos atuais. O transporte público, desde muito cedo, teve uma grande importância no modo como me desloco entre os espaços, como me relaciono com o espaço comum, e também como um meio constitutivo de alteridade. Dividindo ocasionalmente um espaço determinado e limitado pelo tempo, pude desenvolver um treinamento do meu olhar, sem nenhum aspecto propriamente metodológico, fui aprendendo e entendendo melhor a diversidade das pessoas que me cercavam e as regras socialmente estabelecidas em prática. Assim, o desconhecido tornou-se mais inteligível, para mim, na percepção social que fui desenvolvendo com o tempo no ônibus - que utilizei com maior frequência por crescer numa cidade de interior - e o metrô - que só passei a utilizar quando mudei pra São Paulo em 2014 -, espaços em que se gerou uma dialética entre o meu senso de “eu” e o “outro”. Conforme precisei utilizar de forma mais regular do transporte público, desenvolvi o hábito de aproveitar o tempo do deslocamento para realizar alguma atividade desejada. Um momento exclusivo da minha rotina que em que eu aproveitava para ler um livro desejado, revisar uma matéria antes da prova, escutar música, tirar uma soneca, dentre outras coisas. O ônibus e metrô são espaços públicos e comuns no qual ritualizei uma série de atividades adequadas às minhas necessidades pertinentes, os transformei, de certa forma, em um espaço em que as minhas vontades e desejos pudessem ser atendidas na medida do possível. Entretanto as minhas vontades não são uma força imperativa alguma sobre os outros usuários, o meu desejo e o desejo individual alheio não são uma regra social, estes só podem se realizar dentro de determinadas regras sociais partilhadas pelos usuários. Estar em pé e cansado, em um ônibus ou metrô lotado, com um grande desejo de sentar, não dá a mim ou a outra pessoa autoridade alguma de pedir que alguém levante de um assento para que se possa utilizá-lo, assim como, nem um assento que se torna livre dá propriamente o direito imediato de ocupá-lo, pois há uma determinação social e jurídica que institui uma prioridade de quais determinadas pessoas - idosos, grávidas, pessoa acompanhada de bebê - têm uma preferência maior em ocupar aquele assento. Todavia, mesmo que conceder lugar ou reservar uma parcela dos assentos para atendimento prioritário seja uma lei não quer dizer que ela será devidamente respeitada. Se voltamos a imagem de cordialidade podemos ver, nesta situação, um conflito pertinente entre a vontade particular e a vontade geral. Conflito que produz uma negociação das regras instituídas com o desejo particular, dada uma certa maleabilidade das regras que há no ideário nacional no qual a fiscalização - tanto institucional quanto a um nível mais individual - é vista como uma tentativa de dar uma rigidez prática as regras. No exemplo utilizado, em diversas observações, os assentos prioritários são utilizados de maneira constante, tanto por aqueles para quais lhe foram designados quanto por qualquer outra pessoa que não se encaixe nesta designação. O respeito a regra citada é situacional, depende de uma série de fatores e marcadores sociais, uma pessoa pode ocupar um assento prioritário sem se enquadrar nos seus desígnios, porque a execução desta lei depende de uma reiteração social da regra por alguma das partes envolvidas, ou seja, a lei, neste caso, só tem valor prático, quando o meio social compartilhado se mobiliza em acionar-se a norma socialmente estipulada. Podemos ver como a cordialidade através da aplicação da lei de assentos prioritários no transporte público se apresenta numa cadeia de negociações - ditas e não ditas - entre as vontades particulares e a vontade geral, pode se dizer que “um viver nos outros”, nos dias atuais, possui uma ambiguidade em em relação ao significado empregado por Buarque. Hoje, temos como requerimento essencial um respeito à alteridade e uma empatia pelo “outro” maior que nos tempos anteriores. Isso não quer dizer que nos tornamos mais “humanos” ou mais bondosos, mas sim que há uma maior valoração social na imagem de sujeitos possuidores de direitos, direitos estes que não devem ser alienados. Se quero ser considerado como sujeito de direitos necessariamente preciso considerar o “outro” como sujeito de direitos também. É através desta afirmação mútua que pôde se consolidar uma mudança de sentido do “eu” e o “outro”, tendo a alteridade como um valor essencial para uma convivência social mais igualitária. Contudo, como dito no exemplo acima da lei, a alteridade só pode possuir um valor social, que não seja propenso de alienação, se há um engajamento coletivo crescente para reiterá-la como um objetivo a ser alcançado a longo prazo. As concepções entre as fronteiras do âmbito privado e público se tornaram muito mais difusas e interpostas, consequentemente, a cordialidade expressa por Buarque também mudou em sua forma, as diferenças entre as vontades particulares e as vontades gerais ainda existem de maneiras conflituosas e contraditórias, no entanto, como elas vêm sendo apropriadas no engajamento social e político tem dado novos valores sociais a elas.