António Nóvoa - Evidentemente, Histórias Da Educação (2005) PDF
António Nóvoa - Evidentemente, Histórias Da Educação (2005) PDF
António Nóvoa - Evidentemente, Histórias Da Educação (2005) PDF
Familiar e estranho, estranhamente familiar, é talvez o que melhor define este livro.
Constitufdo por textos e imagens de uma procurada simplicidade, tem como
primeiro motivo servir de enredo ao CD-ROM A educação portuguesa - Corpus
documental (séc. XIX-XX).
e
O livro est~ desenhado como uma espécie de codovre exquis. uma montagem,
razoavelmente aleatória, e desordenada, de palavras e de imagens. Não h~ qualquer
intenção de definir um território, mas apenas de mostrar alguns dos acontecimentos
que nele tiveram lugar.
Assumi eu a tarefa (e a responsabilidade) da escrita, mas muito do que aqui está é
produto de v~rias mãos, é uma mistura de ideias e, sobretudo, de muitas horas de
trabalho conjunto. Digo-o com o orgulho de acreditar que, ao longo destes anos,
avançámos no sentido de uma investigação histórica que, tal como toda a ciência e
toda a arte, se faz na partilha, na confrontação, no debate, e não no isolamento.
-la fantaisie et la liberté d'imagination ne s'acquierent pas comme ça, qu'il 'I faut du
temps, de I'obstination, de la sévérité, de la rigueur, des mathématiques, de la raison-
(Philippe Sotlers).
O leitor aperceber'se-~, ao longo das posslveis leituras deste livro, que fomos colher
inspiração a Walter Benjamin e ao seu projecto inacabado das Arcadas (Das
Passogen-Werk). Os textos e as imagens são colagens de pedaços v~rios (ideias,
citações, acontecimentos, notas) que se organizam como -iluminações· de temas
históricos que poderão ser trabalhados a partir do corpus documental do CD-ROM.
As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias,
das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio. Banalidades.
Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem
novidade. Uns anunciam o parafso, outros o caos - a educação das novas gerações é
sempre pior do que a nossa. Ser~?! Muitas convicções e opiniões. Pouco estudo e
quase nenhuma investigação. A certeza de conhecer e de possuir ·a solução- é o
caminho mais curto para a ignorancia. Enão se pode acabar com isto?
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""
B-
Este livro nasce de uma necessidade de silêncio. Vivemos governados por um excesso
de estlmulos, amplificados por uma sociedade que encontra na permanente
exposição a melhor forma de se esconder, isto é, de não se pensar. Estranho modo de
vida, este, que nos leva de rurdo em rurdo, preferindo o "aborrecimento de viver" II
-alegria de pensar" (Gaston Bachelard).
Precisa-se, neste-tempo detergente: como diria Ruy Belo, de um pacto de silêncio, de
uma pausa que permita ver para além da poeira dos dias que correm. Pensar exige
tranqui lidade, persistência, seriedade, exigência, método, ciência.
"La métaphore sans limite n'est pas une maniere de dire.E1le est le dire d'une réalité
sans mémoire. Dire, non pas image, transcription ou ressemblance" (Pierre Torreilles).
Proponho-vos, pois, um texto contido, fragmentado, que não busca qualquer
completude, mas apenas a escrita de sinais sobre a história da educação. Sugerir mais
do que definir. Provocar mais do que explicar.
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• d
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mente
10-1/
50 imagens. Cada texto é acompanhado por uma ou mai~ imagens, multiplicando,
assim, os olhares e as leituras.
A escolha das imagens obedeceu aos mesmos prindpios enunciados para os textos.
Optou-se, sempre que possfvel, pela gravura ou pela fotografia a preto-e-
-branco e por retratos Mlimpos: sem excesso de conotações ou de denotações.
Convida-se o leitor a um exercicio de interpretações múltiplas, seja através da análise
da imagem, seja através da confrontação com o texto que a acompanha. Constrói-se,
assim, uma imagem texto para recorrer à expressão feliz de W.J. T. Mitchell.
Pretendemos chamar a atenção para a importância das imagens como relações, e
não como coisas. ·A arte não reproduz o visfvel, torna vislvel· (Paul Klee).
O funcionamento de uma imagem explica-se através da compreensão e
interpretação de alguém. ~ neste processo de apropriação e de relação com um
·vidente" que se organiza o campo da visualidade.
Régis Debray abre o seu livro sobre a vida e morte da imagem com uma história
curiosa:MUm imperador chinês pediu um dia ao pintor principal da sua corte para
apagar a cascata que tinha desenhado nas paredes do palácio, porque o barulho da
água o impedia de dormir~A história fascina-nos e inquieta-nos.
As perguntas tornam-se inevitáveis: Que imagens nos impedem de dormir? Equais
são aquelas que nos embalam o sono? O que é que nos atrai, nos agrada, nos irrita
ou nos aflige quando vemos o que vemos? Jogo de olhares? Jogo de memórias?
Gostarfamos de ver outros retratos no espelho da nossa história? Gostarramos que
ele nos devolvesse uma outra visão da escola que fomos (in)capazes de construir?
Ainda conseguiremos, neste tempo em que o excesso de visões asfixia o olhar,
deixar-nos instruir pelas imagens?
Obrigação de recusa. O que fica desta história de 200 anos de educação? Algumas
experiências notáveis, um punhado de educadores dedicadlssimos, uma retórica
copiosa e aflitivamente rebarbativa e... um universo de irrealizaçoes.
Uma após outra, as gerações do século XIX e do século XX elaboraram diagnósticos,
indignaram-se com o atraso do pais, avançaram programas de reforma, propuseram a
regeneração da sociedade. E. uma após outra, calram no des.\nimo dos seus próprios
fracassos, deixando-se convencer, à falta de melhor, pelo discurso da decadência.
Há uma estranho familiaridade na forma como se sucedem os projectos e as
iniciativas, como se mobilizam os portugueses para o ·grande desl"gnio~ a ·grande
batalha· da educaçAo. No cOmputo final, fica a constataçAo de um ·eterno atraso~
Quantas vezes li e reli a conferência de Antero de Quental,em 1871, na $ala do Casino
Usbonense:
·Dessa educa~o que a nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os
nossos males presentes. As raIzes do passado rebentam por todos os lados no nosso
solo: rebentam sob forma de sentimentos, de hábitos, de preconceitos. A nossa
fatalidade é a nossa história"?!
Ele desejava que rompêssemos resolutamente com o passado.Talvez. Mas o gesto foi
ensaiado tantas vezes que nos tornámos desconfiados.Sinto-me, por isso, vinculado a
e
uma obrigação de recusa, a recusa desta história. neste sentido que me reconheço
em Antero.
Recusar nâo é esquecer, nâo é negar, não é omitir. Recusar é conhecer, estudar,
e
investigar, compreender. tentar imaginar outros destinos.
·Imaginar, primeiro, é ver. Imaginar é conhecer, portanto agir'" (Alexandre O'Neil!).
Evidentemente. Tudo são evidências nos textos e nos debates, nas polfticas e nas
reformas educativas. Ninguém tem dúvidas. Todos têm certezas. Definitivas.
Evidências do senso comum. Falsas evidencias. Continuamente desmentidas.
Continuamente repetidas.
Crenças. Doutrinas. Visões. Dogmas. Tudo misturado numa amálgama de ilusões.
~ evidente que só pela educaçao se conseguirá a regeneraçao, e o progresso, e a
modernização, e a industrializaçao, e o desenvolvimento do paIs. Evidentemente.
Os reformadores oitocentistas nao hesitam quanto ao papel da educação. Menos
dúvidas ainda têm os polfticos republicanos, e os conservadores nacionalistas, e os
tecnocratas liberais, e os democratas progressistas. Evidentemente.
Os pedagogos têm crenças inabaláveis na educação. Os anti-pedagogos também.
$ao crenças iguais, por vezes de sinal contrário. Para transformar ou para conservar,
para revolucionar ou para perpetuar, nada melhor do que a educação.
Evidentemente_
Os educadores laicos conhecem as razões da decadência civilizacional. Os educa-
dores religiosos as da decadência moral. Uns e outros sabem que tudo se resolverá
pela educação. Não há outro lugar da sociedade tão carregado de crenças e
convicções.
O meu trabalho pára em 1974. Mas poderia continuar até hoje. Pouco ou nada se
alterariam as evidências. Quando se trata de educação, nenhum politico tem dúvidas,
nenhum comentador se engana, nenhum português hesita. Palavras gastas. Inúteis.
Banalidades. Mentiras. O que é evidente, mente. Evidentemente.
Tudo isto nasce de um equivoco, tantas vezes denunciado e sempre ignorado:
a educação nunca fez e nunca realizará uma mudança revolucionária (Pierre Furter,
1970). ~ outra a força da educaçao. ~ outra a sua importância. Cultura. Arte. Ciência.
Lucidez. Razão. Invenção. Evidentemente, a educação. Ainda iremos a tempo?
o futuro ainda demora muito tempo? Nada mudou? Tudo mudou? Estamos num
momento de transição. Pressentimos o fim de um ciclo histórico, iniciado em meados
do século XIX,quando se inventou a modernidade escolar e pedagógica. Mas temos
dificuldade em abrir caminho à contemporaneidade.
À falta de alternativa, viramo-nos para o passado, mas nele pouco encontramos de
verdadeiramente útil. A nostalgia pode ser reconfortante para as almas, e nalguns
casos para as consciências, mas de nada nos serve.
A escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem. l:. mais aberta,
mais inteligente, mais senslvel à diferença. Mas não chega.
Pedagogicamente, ela encontra-se enclausurada nas fronteiras da modernidade.
A diferenciação pedagógica, o interesse e a motivação, os métodos activos ou os
modelos de aprendizagem centrados no aluno foram inventados para educar
melhor as crianças, todas as crianças, e não para servir de pretexto (e de desculpa)
II nossa incapacidade para as instruirmos.
Socialmente, ela continua prisioneira de falsas concepções democratizantes que, na
verdade, reproduzem a Mlógica dos herdeirosMe privam os mais fracos de adquirirem
o indispensável ~capital escolar~ A abertura da escola, por si só, não produz nenhum
fenómeno de democratização.
Politicamente, ela está fechada em perspectivas centralistas que, no caso português,
M
juntam a visão modernizadora da ~engenharia do planeamento à visão tradicional
do "humanismo cristão: assegurando a continuidade ministerial desde Veiga Simão
(1970),se não mesmo desde Leite Pinto (1955).
Infelizmente, como escreveu um dia Reinhart Koselleck, não é por avançarmos os
relógios que o futuro chega mais cedo. E a contemporaneidade? Ainda demora
muito tempo?
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14-IS
Transbordamento? Recorde-se a lucidez de Daniel Hameline, em texto escrito há
um quarto de século:-lnvestida de todas as missões posslveis e imagináveis. a escola,
vítima de um verdadeiro dellrio inflacionista, v;a-se despojada da especificidade de
uma educação escolar. E foi este facto que criou um grande mal-estar no seio dos
professores, e também entre os pais e os alunos~ Repare-se que o filósofo francês
utiliza o passado. Mal ele sabia que o futuro daria às suas teses a mais notável das
demonstrações.
~ posslvel contar a história da escola ao longo dos séculos
XIX e XX a partir de uma
permanente acumulaçáo de missões e de conteúdos, uma espécie de transborda-
mento que a levou a assumir uma infinidade de tarefas.
Começou pela instrução, mas foi juntando a educação, a formoção, o desenvolvimento
pessoal e moral, a educaçãopora a cidadania epara os valores ... Começou pelo cérebro.
mas prolongou a sua acçdo ao corpo, à alma. aos sentimentos, às emoções. aos
comportamentos... Começou pelas disciplinas, mas foi abrangendo a educação para a
solide e para a sexualidade. para a prevenção do tabagismo e da toxicodependéncia,
poro a defeso do ambiente e do património, para a prevençdo rodoviária... Começou
por um ·currículo mrnimo; mas foi integrando todos os conteúdos passiveis e
imagináveis, e todas as competéncias, tecnológicas e outras, pondo no ·saco curricula"
cada vez mais coisas e noda dele retirando.
O que não era posslvel realizar noutras instâncias sociais passou-se para dentro da
escola, sempre com a certeza da sua capacidade de regenerar,de salvar ou de reparar
a sociedade. Idêntica evoluçáo conheceu a pedagogia, que se foi alargando a todas
as dimensões da vida, generalizando uma -relação educativa- com as crianças, com os
jovens e, agora, com os adultos.
O caminho do transbordamento conduziu-nos a um impasse. Será que existe alguma
salda?
Retraimento? se a modernidade escolar se definiu por transbordamento, é possível
que a contemporaneidade da escola se caracterize por um processo de retraimento.
Eu sei que esta McontençãoM não nos deve fazer esquecer as aquisições da
modernidade sobre a educação integral, a importAncia dos contextos sociais ou a
autoformação, entre tantos outros temas que estão inscritos no nosso património
pedagógico.
Mas a escola não pode tudo. E, por isso, parece-me imprescindível que ela se
reencontre como organização centrada na aprendizagem, partilhando com outras
instAncias um trabalho educativo mais amplo. Não quero separar o que está,
inevitavelmente, ligado. Pretendo, sim, valorizar uma educação escolar preocupada,
fundamentalmente, com a aprendizagem dos alunos. Esta opção permitir-nos-á
concentrar os esforços e libertar outras dimensões da formação de uma matriz
excessivamente escolarizante.
Uma sociedade que se diz do conhecimento tem de criar redes e instituições que,
para além da escola, se ocupem da formaçào, da cultura, da ciência, da arte, do
desporto. Estou a pensar no que tenho designado por espaço público da educação,
um espaço que integra a escola como um dos seus pólos principais, mas que é
ocupado por uma diversidade de outras instAncias familiares e sociais.
Re-instituir a escola obriga-nos a imaginar novas modalidades de organização,
formais e informais, num esforço lento e persistente de inovação. Ao gesto grandioso
prefiro a paciência de treinar todos os dias, pois ·se não realizarmos este treino diário
perdemos a forma, perdemos a pujança, ficamos incapazes de ganhar a provaM
(António Sérgio, 1929).
~ modesto o que vos proponho?Talvez.Mas depois de todos os excessos e de todas
as ilusões é preciso ser prudente.
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16-11
A Educação portuguesa. Corpus documental (séc. XIX-XX). Este livro
segue acompanhado de um CD-ROM cuja coordenação foi assegurada em conjunto
com a Filomena Bandeira:
Repertório da Imprensa de Educação e Ensino. Trabalho publicado em 1993, que
apresenta fichas analíticas de 530 periódicos dedicados a temas de educação e ensino.
Dicionário de Educadores Portugueses. Livro publicado em 2003 que contém 900
biografias de homens e mulheres que se dedicaram ao ensino e à educação.
Catálogo da Imprensa de Educação e Ensino. Base de dados com cerca de 2300
registos bibliográficos de periódicos pedagógicos, escolares, associativos e
institucionais.
Bibliografia Portuguesa da Educação. Base de dados com cerca de 5000 registos
bibliográficos de títulos essencialmente da responsabilidade dos autores incluídos
no Repertório e no Diciondrio.
Estamos perante um enorme volume de dados e de informações, que abrange
fundamentalmente o período que vai da MRevolução Liberal (1820) ao M25 de Abril M
M
(1974).
O utilizador pode ler cada uma destas obras, isoladamente, ou realizar pesquisas
simples e cruzadas designadamente a partir de nomes, de títulos e de palavras-
-<have.
O CD-ROM contém diversas funcionalidades, sendo possível gravar e imprimir todos
os documentos, bem como os resultados das pesquisas efectuadas.
O corpus documental está centrado na "educação escolar~ mas tem inumeras
ligações à educação não-formal, às problemáticas associativas e assistenciais, à
educação familiar e às práticas culturais relacionadas com a infância e a juventude.
Agradecimentos. ~ impossível agradecer, individualmente, a todas as pessoas
que colaboraram nos diversos projectos que deram origem aos materiais incluídos
no CD-ROM. Deixo-lhes aqui um agradecimento, colectivo, na certeza de que esta foi
a dimensão mais importante do nosso trabalho.
Quero dirigir uma palavra muito especial à Filomena Bandeira que, ao longo destes
anos, revelou uma grande competência e uma enorme dedicação. O CD-ROM é fruto
da sua persistência e da sua determinação.
Durante os últimos quinze anos,a Biblioteca Nacional foi a nossa casa. Nada teria sido
possível sem a colaboração dos seus directores, técnicos e funcionários que, apesar
das limitações que se conhecem, foram inexcedíveis no apoio diário às nossas
pesquisas.
Mas é justo registar também uma menção a três entidades que, em momentos
distintos, foram essenciais para a criação das condições necessárias à investigação:
Ministério da Educação I Instituto de Inovação Educacional, Fundação para a Ciência
e Tecnologia e Universidade de Lisboa.
Artur Cruzeiro Seixas e Eurico Gonçalves ofereceram-me o Cadavre Exqu;s que abre
simbolicamente o livro. Paulo Catrica e Alfredo Cunha permitiram a publicação de
fotografias da sua autoria. O Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, o
Arquivo de Fotografia de Lisboa - CPF, o Instituto de Reinserção Social, o Museu João
de Deus, o Movimento da Escola Moderna e a Ana Isabel Madeira cederam-me
imagens que pertencem aos respectivos espólios. A todos, quero manifestar o meu
reconhecimento pessoal.
Uma palavra final para as Edições ASA, muito especialmente para o Dr. Matias Alves,
que acolheram este projecto editorial e nele deixaram uma marca de competência e
de profissionalismo.
António Nóvoa
Nova Oeiras, 1de Janeiro de 2005
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Criança$ para a colónia ~''Iea/' infntil ~"O Sku1071939.
,~,
1875 I91S 1975
Ao longo dos três séculos da Era Moderna,a formo escolar foi-se impondo aos modos
tradicionais de socialização, de aprendizagem e de transmissão cultural. Em meados do
século XVIII, graças ao trabalho dos jesuítas e de outras congregações docentes, o modelo
escolar encontra-se já razoavelmente definido: a educação das crianças e dos jovens reali-
za-se num espaço próprio, separado da famnia e do trabalho, sendo da responsabilidade
de um ou de vários mestres que ensinam um elenco de matérias previamente definidas
através de determinados procedimentos didácticos.
A expulsão dos jesuítas, em 1759, constitui um momento de grande significado na
história da educação, em Portugal e na Europa católica. Num curto espaço de tempo, o
Marquês de Pombal vê-se obrigado a substituir a Companhia na direcção e organização
dos estudos. Através das reformas de 1759 e de 1772 lança as bases de um sistema estatal
de ensino, antecipando a ideia de instrução pública, tal como ela se desenvolveria após a
Revolução francesa.
As reformas pombalinas substituem a tutela religiosa pela do Estado, criando as con-
dições para o processo histórico de expansão de uma sociedade de Mbase escolar~ Surge,
assim, o Estado educador ou, para utilizar a expressão de João de Deus Ramos, o Estado
mestre-escola.
Dois aspectos merecem realce na acção reformadora de Pombal. Por um lado, a defi-
nição de uma rede de escolas, segundo um plano elaborado por ·corógrafos peritos: que
prefigura um sistema de ensino em três níveis (primário, secundário e superior). Por outro
lado,a imposição de um imposto especial,designado por"subsfdio literário;exclusivamen-
te em beneficio das escolas régias e do pagamento dos seus mestres e professores.
Estas medidas, inéditas na Europa Setecentista, consagram uma lógica de racionali-
zação pensada a partir de um Estado centralizado. A rede escolar esboça uma nova geo-
grafia do desenvolvimento, favorecendo os centros urbanos e o litoral do pais. O subsidio
literário, verdadeiro·orçamento da educação:permite organizar um corpo profissional de
professores, directamente dependente do Estado.
No reinado de D. Maria I, assiste-se a uma inversão de prioridades, através de uma
maior atenção aos mestres que exercem no país rural (do interior) e de uma redução das
verbas para a educação. ~ uma clivagem política que marcará várias fases da nossa vida
nacional. Mas - e este é o ponto que importa sublinhar - consolida-se, nesta segunda
metade do século XVIII, uma determinada forma de intervenção do Estado na educação
que, no essencial, não se alterará até aos dias de hoje. Passado o período conturbado do
início do século XIX, o liberalismo vai reencontrar grande parte da herança pombalina,
mas já enriquecida pelos debates da Revolução Francesa, em particular pela exigência de
um ensino gratuito, laico e obrigatório.
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I
ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA
UMA INTENÇÃO LONGAMENTE IHCUMPRIDA
Vale a pena recordar as palavras proferidas por Almeida Garrett em 1822: "Torno a
dizer - as Cortes Portuguesas legislando no século XIX sem darem uma só hora de suas
tarefas à pública instrução, é um fenómeno em política, que a posteridade n~o saberá
explicar~
No dificil processo de transiç30 do Antigo Regime parece nAo haver tempo nem con-
dições para retomar, de frente, os debates sobre educação e ensino. Claro Que há indicias
de alguma agitaçAo em torno da ínstrução pública- (o recrutamento e o estatuto dos pro-
fessores,os pedidos de abertura de novas escolas.a nomeaÇao das primeiras mestras régias,
os primórdios da formação de professores, etc.). Mas a situação escolar parece largamente
acomodada à esquadria traçada por Pombal. Sâo tlmidas as adaptações ~ nova realidade.
Apesar de vários planos e projectos, é preciso esperar pelos anos de 1835-1836 para
que se estabeleça um primeiro corpo doutrinal. A obrigatoriedade escolar é estatuída
neste segundo fôlego do liberalismo, impondo-se aos pais de famUia, Jogo em 1835, a obri-
gaçâo·de enviar seus filhos ~s escolas públicas, logo que passem de 7 anos~Um ano mais
tarde,decreta-se que-todos os pais de famllia têm rigorosa obrigação de facilitarem a seus
filhos a instruç30 das escolas primária~
O principio da escrnaridade obrigatÓfia está na origem de um ciclo histórico que,
incorporando a herança revolucionária, ~ no Estado-nação e no impulso industrial os ele-
mentos de progresso da sociedade. Precisa-se de instrução, porque ·uma nação polida e
civilizada é mais fácil de governar do que um povo bárbaro e feroz: A ideia de educação
passa a estar associada a novas formas de governo dos individuas e das sociedades.
Portugal foi um dos primeiros países na Europa a legislar sobre a obrigatoriedade
escolar. Foi um dos últimos a cumpri-Ia. As leis sobre educação e ensino nunca traduziram
a realidade existente, nem sequer a realidade passiveI. Foram sempre textos programáticos
que se limitaram a condensar, num dado momento, as vontades ou as intenções de certos
grupos ou personalidades.
Cerca de 1870, as taxas de escolarização seriam pouco superiores a 10% da popula-
çjo em idade escolar, muito longe dos pa'ses mais próximos (30% em Itália ou 40% em
Espanha) e a uma enorme distãncia dos palses mais 10nglnquos (60% na Noruega ou 70%
na Suécia). O acesso de todas as crianças portuguesas ~ escola, mesmo no que diz respei-
to a uma escolaridade mínima,apenas será assegurado, imperfeitamente, na segunda meta-
de do século Xx.
E porquê? A pergunta tem muitas respostas: a fragilidade da acção do Estado, a insu-
fICiência das elites, a insignific3ncia da iniciativa particular, as resistências várias à cultura
escolar. Ageografia do atraso cruza-se sempre com a geografia da ignorância e da pobreza.
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o ENSINO MÚTUO
A PRIMEIRA TENTATIVA OFICIAL DE REFORMA DOS MÉTODOS
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No decurso de quase 150 anos, os liceus vivem numa tensão permanente entre
modelos opostos, que coexistem graças a uma miscigenação de normas, estruturas e prá-
ticas. O liceu deve ser uma instituição nacional ou local? Deve ser um serviço do Estado ou
uma organização de profissionais? Deve promover um currículo literário e humanista ou
científico e utilitário? Deve favorecer a selecção das elites ou a mobilidade social? Deve
organizar-se segundo o regime de classes ou de disciplinas? Deve ser dirigido por um dele-
gado do governo ou por um representante dos professores?
É possível identificar três fases principais na história do ensino liceal. Um primeiro
período, de grandes indecisões, que vai do momento fundador (1836) até à reforma que
cria, de facto, o "liceu moderno w (1894-1895). Um segundo período, de consolidação do
Mliceu real: que se prolonga, com avanços e recuos, até ao ano de 1930. Um terceiro período,
de expansão e Mexplosão: que dura até à extinção dos liceus após o 25 de Abril.
Do ponto de vista organizativo, a criação dos liceus, em 1836, limita-se a concentrar
num mesmo local as disciplinas avulsas que existiam desde a reforma pombalina. A con-
cretização desta medida não significa mais do que a coabitação de professores e alunos
que ocupam um mesmo edifício, sem qualquer coordenação das suas actividades. Vigora
um regime de estudos centrado nas disciplinas, sem um plano que as articule e que orde-
ne a progressão dos alunos ao longo do curso.
A reforma de Jaime Moniz (1894--1895) surge como uma tentativa para contrariar esta
situação. Uma das principais alterações impõe a Mdistribuição comum, consecutiva, paralela,
M
por justaposição, gradual das diferentes disciplinas, valorizando uma organização horizon-
tal do currlculo, baseada no regime de classes e na coordenação do trabalho dos professo-
res. A outra alteração consiste no reforço dos dispositivos disciplinares e do enquadramen-
to moral dos alunos. São estes os dois pilares sobre os quais se edifica o Mliceu real7
No seu início, o Estado Novo tem algumas hesitações, nomeadamente quanto ao
regime de classes. Mas a reforma de 1947 retoma a organização curricular por classes, ao
mesmo tempo que insiste na dimensão formativa, e não apenas informativa, do curso liceal.
A partir deste momento, verifica-se um processo regular de expansão do número de alu-
nos, que provoca uma transformação quantitativa e qualitativa dos liceus. A sua extinção,
depois do 25 de Abril, é a consequência inevitável de processos sociais e políticos que exi-
giam novos modelos de ensino.
Os liceus tiveram um enorme impacto na sociedade portuguesa. Apesar de todas as
insuficiências, eles cumpriram um importante papel na formação das classes médias. Em
cada tempo histórico, concreto, foram sempre motivo de críticas e insatisfações. Mas, anos
mais tarde, são as memórias nostálgicas que prevalecem e que tendem a devolver-nos
uma imagem idílica deste rodo poderoso império do meio (ver Nóvoa, 8arroso e Ó, 2003).
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A querela dos métodos torna-se muito intensa na segunda metade do século XIX. Em
1850, António Feliciano de Castilho apresenta o Método Português de leitura Repentina.
Iniciando com uma forte crítica ao ensino mútuo e Màs decúrias das escolas jesuíticas7
o novo método alimenta a ilusão de uma solução rápida para os problemas da instrução.
É a promessa de ensinar a ler em poucas horas que suscita o interesse do público.
Castilho conhece maios debates pedagógicos da época. Mas tem uma intuição justa
e consegue mobilizar uma importante rede de apoios. Quase um século mais tarde, Adolfo
Uma chamar-Ihe-á precursor da educação nova e da escola activa. A gravura de Manuel
Maria Bordalo Pinheiro, desenhada para a 2~edição do Método, retrata a escola como um
templo que irradia a luz do saber, expulsando o antigo mestre-escola e a sua palmatória.
Apesar de inúmeras controvérsias, Castilho recebe a consagração oficial em 1853, ao
ser nomeado Comissário Geral de Instrução Primária pelo Método de Leitura Repentina.
Mas, bem mais importante, é a adesão que conquista nos drculos nascentes da formação
de professores. As escolas normais serão o lugar principal de defesa e de propaganda do
seu método.
Em 1876, um ano depois da morte de Castilho, a Cartilha Maternal de João de Deus
apresenta-se, uma vez mais,Ncontra os métodos antigosNe anuncia uma revolução pedagó-
gica baseada na eficácia e na rapidez das aprendizagens. Ao título, explica o seu filho João
de Deus Ramos, Ndeve dar-se-Ihe o significado lato de que compete o ensino primário às
Mães, porque, em prindpio, nos ensinam a falar e nos deviam ensinar a ler~
A batalha feroz que se trava entre os adeptos de Castilho e de João de Deus (também
ele nomeado,em 1888, Comissário Geral do Método João de Deus) revela bem a importãn-
N
cia social e política que o Ncampo educativo começa a adquirir. E não deixa dúvidas sobre
os interesses que se movimentam à volta do cada vez mais rentável negócio dos livros
escolares.
A procura de uma decisão objectiva quanto ao mérito dos dois métodos leva à ela-
boração de estudos comparados, com base em experiências práticas. Mas o que está em
confronto não é uma questão técnica ou científica. t, sim, uma determinada mundividên-
cia. Castilho está mais próximo dos drculos profissionais e dos autores que buscam uma
aproximação científica à pedagogia. João de Deus tem melhor acolhimento junto das cor-
rentes da educação familiar e da educação popular e nos sectores que se batem pela reno-
vação intelectual e politica do país.
A polémica prolonga-se pelo século XX dentro,iluminando a importância destes dois
poetas na emergência de uma nova concepção de educação. Na verdade, apesar de todas
as oposições, um e outro estão preocupados com um ensino atraente, capaz de suscitar o
interesse dos alunos e de promover uma aprendizagem intuitiva e racional. t o inicio da
modernidade escolar e pedagógica no nosso país.
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MLÍllstérío da JnstroçãopáUíca
esquema gero/do ensíno
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Fotogta& de' Alfredo Cunha. Alunos - ~ Frio, 1988.
TR~S GRANDES CICLOS HISTÓRICOS
REFORMAS SEM INOVAÇÃO
o ATRASO EDUCACIONAL
I!ANDAHENTO - MEADOS DO SÉCULO XIX
Portugal é um país arrasado. Ea couso primeira deste atraso é o estado caótico da insrru-
,do pública. A frase atravessa, intemporalmente, os últimos dois séculos da vida portugue-
sa. O sentimento de insatisfaçAo começa a ganhar contornos no perlodo inicial do Libera-
lismo, mas será a geração de 70 a dar-lhe uma forma nítida e clara. A partir deste momento,
o tópico do atraso inscreve-se, definitivamente, na nossa relaçAo com o pais e com o
mundo.
Assinalem-se duas datas simbólicas. Em 1851, realiza-se a primeira Exposição Univer-
sal em Londres, abrindo a -montra das nações· que expõe os progressos de cada pais. Em
1853, reúne-se o l':'Congresso Internacional de Estatlstic3, em Bruxelas. que lança as bases
do -estudo numérico dos factos sociais~ ~ na articulação destes dois movimentos, o univer-
salismo e a estat/stica, que se gera a necessidade, se não mesmo a inevitabilidade, de uma
comparaçao entre pafses. O atraso é sempre função de uma medida e de uma relação ao
outro que se quer imitar ou superar.
Num tempo em que a cidadania se elabora no seio de um projecto colectivo de cons-
tituiçao do Estado moderno, os nfveis de industrialização constituem um dos principais
indicadores para medir a prosperidade dos povos. Em Portugal, as primeiras estatfsticas
modernas sobre educação datam da década de , 860.A nova ·aritmética polftica· olha para
os indivíduos como ·grupos: como ·populações· que devem ser racionalmente governa-
das. Data desta época a crença na exist~ncia de uma re{ação entre educação e desenvolvi-
mento, que se define ora no plano individual (apesar de tudo,de mais simples demonstra-
çao), ora no plano colectivo. No interior das fronteiras nacionais e. sobretudo, nos espaços
de circulaçao internacional difund~,com alguma convicção e muita candura, esta espé-
cie de ·religião educativa~
Nao há coincidência no facto de D. António da Costa, o primeiro ministro a ocupar a
pasta da Instrução, ter sido também um dos introdutores dos trabalhos estatísticos no
nosso pais. No preãmbulo da sua reforma, em 1870, avança um diagnóstico muito critico
da situaçAo do ensino, utilizando diversos indicadores "quantitativos" (populaçao escolari-
zada, número de escolas e de alunos, despesas com a instrução, etc.). Pior ainda, segundo
o ministro, seriam os indicadores "qualitativos: aferidos pela Inspecção de 1867, uma vez
que 4/5 dos alunos foram considerados medfocres, facto doloroso "se atendermos a que
muitas destas nações, cujo estado de instrução seria o nosso maior progresso, se conside-
ram a si mesmas em imenso atraso~
A frieza dos números junta a geração de 70 as teses da decadência. Desde então,
nunca mais deixámos de fixar metas, sempre incumpridas, para diminuir o fosso que nos
separa dos ·pafses civilizados~ Com a consciência forte da sua necessidade e, ao mesmo
tempo, da sua impossibilidade. Não se estranham, por isso, as palavras de Adolfo Coelho na
sua Conferência do Casino, em 1871: ·Uma reforma radical não é talvez possível. Toda a
reforma nao radical é inútil~
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o MOVIMENTO ASSOCIATIVO DOCENTE
UMA PROFISSÃO,VÁRIAS IDENTIDADES
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Em 1871, D.António da Costa explica que a liberdade do ensino se funda "no direito
individual de aprender e de ensinar: Num notável discurso parlamentar,em 1884, Bernar-
dino Machado afirma que quer esta liberdade e mais ainda:"Quero não só que o homem
de ciência tenha aonde expor todas as doutrinas que julgar verdadeiras, mas que ao aluno
se permita também escolher à vontade o seu professor. que ele possa transitar de uma
para outra escola. contando-se-Ihe sempre os seus estudos anteriores, e que dentro da
mesma escola possa optar entre o professor oficial e o professor livre: Mas avisa que estes
principias não devem ser confundidos com a liberdade de indústria, pois o ensino "não
pode sujeitar-se à lei natural da oferta e da procura, porque a procura não exprime uma
necessidade que tenta satisfazer-se às cegas; então a lei económica seria apenas uma lei
animal e não uma lei social~
~ um tema que atravessa todo o sé<ulo XIX e todo o século Xx. Em Portugal e no resto
da Europa. De inlcio,a questão principal prende-se com o controlo, pelo Estado, das habili-
tações dos Mprofessores livres: exigência formulada, antes de mais, pelos ·professores ofici-
ais~ Mas os sucessivos conflitos demonstram que o debate não é meramente corporativo.
São várias as clivagens que separam as diferentes partes, ora por razões de ciência, ora por
orientações ideológicas, ora ainda por motivos políticos ou religiosos.
Ao adoptarem parte do ideário de 1789,as correntes liberais acreditam que "todos os
cidadãos mais pertencem à Pátria do que a seus próprios pais" (Rebelo de Carvalho, 1823).
Coloca-se, assim, a questão da famma e dos seus direitos quanto à educação dos filhos.
A controvérsia não mais abandonará o campo educativo, dando origem a páginas brilhan-
tes e apaixonadas. Cite--se, por todos, O P': Manuel Antunes: "O Estado,como zelador do bem
comum temporal, tem interesse, para salvaguardar a paz pública e manter a coesão nacio-
nal, não só em não violar a liberdade das consciências mas em assegurar a colaboração das
iniciativas privadas e mesmo de as tratar em plano de igualdade com a escola pública" (25
de Março de 196n.
A Igreja católica é uma instância central neste debate. Grande parte dos colégios pri-
vados são de iniciativa religiosa, baseando-se numa filosofia de prolongamento da acção
familiar. Em diversos discursos, o ministro Carneiro Pacheco (1936-1940) explica a impor-
tância de uma Meducação moderna" que sirva "a Deus, à Pátria e à Famllia~ Durante o salaza-
rismo, os conflitos amenizam-se, apesar das caracterlsticas estatizantes e centralizadoras
do regime, confirmando que o debate é sobretudo ideológico. Nâo espanta, por isso, que
ele tenha ressurgido,com grande intensidade, depois do 25 de Abril.Agora,já não se trata
de assegurar a"liberdade de ensino:mas sim de promover duas agendas politicas e econó-
micas: o financiamento de escolhas privadas através de dinheiros públicos e a regulação da
educaç:io através das leis do mercado.
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Um aspecto da aula de Ciências Naturais, Colégio de Nun'Álvares. Cernache do Bonjardim, 1930.
o ENSINO LIVRE
INOVAÇÃO E PROGRESSO?
Para além dos aspectos ideológicos e políticos, o debate sobre a liberdade de ensino
tem duas facetas afloradas igualmente no discurso parlamentar que Bernardino Machado
profere em 1884:a inovação e o progresso.
No que diz respeito à inovação, logo em 1835, José Augusto Braamcamp defende
que, -podendo as escolas particulares competir com as do Estado, abre-se a porta a todos
os progressos,e aperfeiçoamentos que o tempo for descobrindo: Esta tese sugere a possi~
bilidade de o ensino livre contribuir para inovações e experimentações que seriam mais
diffceis no ensino oficial: -Funda-se além disto em dotar as nações com a melhoria de
inventos, em multiplicar os focos da instrução, em ser estímulo para o ensino oficial se
melhorar, e em receber dele igual estímulo- (O. António da Costa, 1871).
Esta leitura da liberdade de ensino terá consequências politicas em diversos momen-
tos da nossa história, merecendo destaque a acção desenvolvida pelas correntes positivis-
tas, pelos clrculos libertários e pelas escolas novas. Em todos estes movimentos, acredita-
-se que poderão vir do ensino livre o estímulo e a inspiração para a renovação do ensino
oficial.
Júlio de Matos escreve uma das peças mais radicais a este propósito, criticando a
tutela do Estado e a influência do catolicismo. -lavrando um protesto contra o miserável
estado do nosso ensino:afirma, em 1881,que o Estado, ao criar um ensino oficial sujeito à
acção centralizadora do poder, -mata irremediavelmente a instrução, porque lhe rouba o
mais importante estímulo de progresso - a concorrência dos professores:
A posição de Júlio de Matos baseia-se na defesa da liberdade de pensamento e de
um compromisso do paIs inteiro com a instrução: -Pois não é a sociedade toda quem lucra
com o derramamento da instrução? Não é o paIs na sua totalidade quem perde ou ganha
com o abatimento ou com a elevação intelectual, moral e politica dos seus filhos?:Ao fazê-
-lo, introduz o tema do progresso, partilhado por um conjunto de autores que se batem
pela necessidade de juntar os esforços oficiais aos particulares, argumento que O.António
da Costa expõe, em 1884, nas Auroras da insrrução pela iniciativa particular.
Estas duas ilusões não durariam muito tempo. Cedo se compreendeu que, apesar de
notáveis excepções, o ensino livre raramente contribuiu para promover a inovação. Bem
pelo contrário, regra geral, limitou-se a repetir, para pior, os defeitos do ensino oficial.
Ecedo se compreendeu também que eram exíguas as energias e os meios que a iniciativa
particular (familiar, empresarial, local, religiosa, associativa) tinha interesse ou capacidade
para investir em educação. A um Estado fraco e burocratizado juntou-se um ensino livre
pobre e pouco criativo. O nosso drama nunca foi Estado a mais e iniciativa particular a
menos, ou vice-versa. O nosso drama foi sempre Estado a menos e iniciativa particular a
menos.
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Escoa. Estetan". Usbo.. entre 1898 e 1908.
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Maquele para Escoa. lndustrial- TIpo A. 1934.
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OS EXAMES
PEÇA CENTRAL NO GOVERNO DA EDUCAÇÃO
Não há ensino sem avaliação. A função social ou pedagógica de controlo dos alunos
é inerente ao acto de educar. Durante muito tempo, este processo não obedeceu a um
plano regular e sistemático. Mas,a partir de meados do século XIX,o exame transforma-se
no dispositivo principal de regulação das políticas educativas e das práticas de ensino.
Neste perlode histórico, circulam imagens contrastantes, bem reveladoras de um
debate de fundo sobre os exames. Na caricatura, apreendemos com nitidez diferentes sen-
sibilidades. Por um lado,denuncia-se a ferocidade dos interrogatórios,apresentados como
a "degola dos inocentes· ou como uma "verdadeira tortura inquisitorial~ Por outro lado, ridi-
culariza-se a generosidade dos examinadores, que distribuem facilmente~aprovações com
18 valores~ e Mdistinções para todos~
Falar de avaliação é, também, chamar a atenção para o significado dos exames de
admissão, através dos quais se elaboram políticas de selecção ou de abertura, se definem
estratégias de valorização do ensino público ou de reforço do ensino privado e se repar-
tem os alunos por vias liceais ou técnicas. Na transição da República para o Estado Novo,
os trabalhos psicomédicos expõem uma visão científica das~aptidões:produzindotestes e
diagnósticos que o movimento de orientação profissional se encarregará de sistematizar.
Os especialistas, pelo seu lado, interrogam-se sobre as melhores técnicas de organização e
de realização dos exames, produzindo relatórios, medidas e estatísticas que estão na géne-
se de uma das mais prolixas disciplinas, a docimologia.
Educadores e políticos conhecem bem a importância dos exames, tanto para a vida
dos alunos como para a conformação dos sistemas escolares. Ninguém ignora que eles
constituem o elo principal de ligação entre os professores e os pais, entre o que está den-
tro e o que está fora da escola. Enquanto~rituais de passagem;ocupam um lugar único na
memória de várias gerações de portugueses.
Na segunda metade do século XX, chamar-se-á a atenção para a necessidade de
atender mais ao ensino do que ao exame. Em 1966, num período de intensas disputas polí-
ticas e científicas sobre o mérito dos exames, Rui Grácio sugere uma curiosa analogia com
o atletismo: "Comprar cronómetros de alto quilate, mantê-los afinados, e preparar crono-
metristas competentes, não alteraria a qualidade do nosso atletismo, apenas permitiria
verificar com maior precisão a mediocridade do seu nível~
Na reforma curricular planeada na década de 1980 por dois importantes especialis-
tas da educação, Roberto Carneiro e Marçal Grilo, a pedagogia da ~avaliação formativa~
funde-se com a preocupação de ~combate ao insucesso escolar: consagrando a substitui-
ção dos ·exames~ por outros processos de avaliação. Não foi preciso muito tempo para
compreender que estávamos perante uma falsa democratização. Mas, perdidos nos ata-
lhos desta politica, parecemos incapazes de um pensamento renovado, que nos liberte da
dicotomia entre a denúncia e a celebração dos exames.
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Na diffcH relação escola-família,os exames são uma das fontes principais de descon-
fiança mútua. Os professores alegam que os pais querem que os filhos sejam aprovados,
de qualquer maneira, independentemente do mérito e do saber. Os pais acusam os profes-
sores de excesso de rigor e de indiferença perante a situação concreta de cada criança.
Queirós Veloso explica, em 1898, que a maior facilidade nos exames Mtem sido sem-
pre o grande desiderato dos pais, neste país, onde raro se aprende para saber, mas unica-
mente para passar~João de Barros sonha,em 1919,com o dia em que os pais portugueses
não queiram Mapenas ver os seus filhos aprovados no fim do ano, mas vê-Ios sabedores,
enérgicos e saudáveis~ Em 1948, Paiva Boléo afirma queMuma grande parte dos pais impor-
ta-se pouco com que os filhos estudem ou saibam: o que lhes interessa é que passem e
alcancem um diploma~
As citações poderiam continuar páginas a fio. Há um período-<have nesta contenda,
que coincide com a afirmação da psicologia aplicada à educação e da orientação profissio-
nal. José Pereira Tavares abre o I Congresso Pedagógico do Ensino Secundário Oficial, em
1927, com o Mdiscurso da crise: denunciando a desorganização e a indisciplina espantosas
a que chegou o ensino em Portugal. As razões encontra-as ele, em grande parte, na atitu-
de dos pais:NA um pai ouvi eu dizer, na presença do seu próprio filho, que o que queria é
que ele passasse; que lhe era indiferente que ele soubesse ou que fosse ignorante~
A posição contrária é defendida por uma Comissão delegada de numerosos chefes de
família, em 1932,que se bate contra um sistema de exames que seria contrário às caracte-
rísticas da mocidade portuguesa, cujo perfil é assim traçado: Mcapaz de esforços mentais
intensos, mas curtos, rebelde ao esforço lento, à tenacidade, à persistência e à continuida-
de,espíritos de grande vivacidade, propensos às sínteses rápidas, fulgurantes, mas incapa-
zes das análises pacientes, meticulosas e profundas; cérebros de grande elasticidade mas
sem firmeza, inteligências abertas a todas as curiosidades, mas só atraídas com entusiasmo
pela novidade e pelo inédito, vontades facilmente vencidas e tornadas inertes pela mono-
tonia das ocupações mentais~
Eis o retrato que as elites portuguesas traçam dos seus próprios filhos. Estamos
perante um verdadeiro manifesto contra a cultura escolar. Em educação, os argumentos
mais frágeis misturaram sempre uma vaga referência às características psicológicas da
mocidade com uma procura da especificidade, da alma ou do génio do Mhomem portu-
guês~ O encontro entre duas tendências conduziu-nos, demasiadas vezes, por caminhos
indesejáveis.
O dilema dos exames tende a ser ultrapassado da pior maneira. Os pais recorrendo à
indústria das explicações para que os filhos obtenham o almejado diploma. Os professores
limitando-seMa ensinar para exame~(Riley da Mota, 1934), convencidos de que assim cum-
prem a sua missão. Uns e outros, por vias diferentes, contribuem para o empobrecimento
do ensino e da aprendizagem.
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A IGNORÂNCIA DOS ALUNOS
O ETERNO REGRESSO DO MESMO DISCURSO
~ difícil situar com rigor o período em que se generaliza a ideia que os alunos ~o
cada vez mais ignorantes. Estamos perante um discurso atemporal que produz, utilizando
critérios próprios de cada momento, uma argumentação plausível e verificável. A emer-
gência das ciências humanas e a forma como a psicologia é aplicada à educação a partir
do final do século XIX concedem-lhe um verniz de cientificidade e objectividade.
Aqui ficam algumas citações, década a década:
'"A maioria dos estudantes 1_.] desfalece perante o mais rudimentar trabalho analitico; racioci-
na errado, se raciocina; 1130 sabe observar; MO sabe classificar:deduz mal, induz pior"(Decre-
to de 1894).
'"'Em Portugal. o aluno sai da escola primária um Vffdadeiro ignorante" (Albano Ramalho,
19(9).
0"0s alunos 1_] aproveitam pouco, pela sua falta de prep.araç30 liceal, pela nenhuma assidui-
dade da maioria ~ e por não completarem em casa com estudo aturado as doutrinas exi-
bidas na aula"{). Leite de Vasconcelos.. 191 5}.
. "~ manifesta a falta de prepa~ que os alunos dos liceus apresentam ao ingressarem nos
estudos superiores: deficiências de conhecimentos cientificos e de desenvolvimento mental"
(Eusébio Tamagnini, 1927)•
. "Verifica-se nas respostas de muitos examinandos uma ignorancia absoluta de certas maté-
rias e lêem-se em muitas delas os disparates mais fantásticos· (Alves de Moura. 1939).
. °Quem anda envolvido nas lides do ensino sabe a dose de benevolência que é preciso empre·
gar para nao excluir maior número de alunos, dado o grau de preguiça e de indigência men-
tal a que se chegou· (J~ Anghn, 1947).
··0 nível mental da maioria dos alunos do ensino liceal é muito baixo· (Fernando Pinho de
A1meida,1955).
As. referências poderiam continuar, registando essa espéóe de passa-<ulpas que Octá-
vio Dordonnat denuncia em 1949: o professor universitário diz que os alunos vêm muitissi-
mo mal preparados;por sua vez,o professor liceal náo perde a oportunidade de afirmar que
o seu trabalho é prejudicado pela deficiente preparação dada na escoo primária; o profes-
sor primârio esse, na impossibilidade de atribuir culpas a inferior grau de ensino, queixa-se
da influência perniciosa das famílias ou do atraso mental das crianças.
No decurso do século, uma certa vulgata psicológica (sobre o nivel mental dos alu-
nos, as suas caracterfsticas psíquicas e comportamentais, etc.) vai-se misturando com con-
ceitos sociológicos transformados em lugares·comuns (sobre as origens sociais dos alu-
nos, a reprodução das desigualdades, etc.) produzindo a mais inútil literatura sobre temas
educativos.
São ideias persuasivas e persistentes. que servem apenas para "desculpabilizar" ou
para Mdenunciar':Neste caso,"optimistas" e"pessimistas" situam-se exactamente no mesmo
plano: uns e outros recusam-se a um esforço de anâlise e de compreensão. Candidamente.
revelam a sua ignorância (dos factos. das estruturas. das escolas) para demonstrarem a
ignorância dos alunos.
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Fotografia de J. Adriano. Oficina de sapataria, ReformatÓfio de Vila do Conde, infcio do século XX.
Fotografia de Alberto Carlos lima. Sala de aula com adultos, inicio do século XX.
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o ANALFABETISMO EM PORTUGAL
DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
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AS CASAS DE eSCOLA
HIGIENE, PEDAGOGIA, PODER
Durante muito tempo,asescolas não tiveram casa própria. Albergadas nos sítios mais
diversos, frequentemente nas oficinas ou nas habitações dos mestres,confundiam-se com
outros lugares da sociedade. Em meados do século XIX, nesse momento excepcional de
fabricação do modelo escolor, o edifício da escola torna-se tema obrigatório dos debates e
das políticas.
No caso do ensino primário, os edifícios vão adquirindo um simbolismo cada vez
maior, desde as escolas Conde de Ferreira (legado de 1866) até às escolas Adães Bermudes
(projecto de 1898), terminando nas construções republicanas. Há uma progressiva impo-
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nência dos edifícios, concebidos como Mtemplos laicos com a residência do professor em
lugar de destaque. O Estado Novo inverte esta tendência, apelando à modéstia e à sobrie-
dade, caracter{sticas que estão bem presentes no mais importante programa de constru-
ções escolares do século XX,o P/ano das Centenários (1941).
No caso do ensino secundário,a primeira vaga de edificações prolonga-se até ao final
da República, ficando marcada por preocupações médico-higiénicas, mas também por um
esforço de adaptação ao ·regime de c1asses~ A Ditadura Militar esboça uma acção neste
campo, logo em 1928, mas um programa sistemático de novas construções só será defini-
do em 1938. A partir desta data, edificam-se liceus e escolas técnicas que marcam, ainda
hoje,a paisagem urbana de muitas vilas e cidades. No final da década de 1950, há um novo
ciclo de construções, no sentido de responder ao acréscimo da população estudantil que
provoca uma verdadeira MimplosãoMdos edif{cios existentes.
Há dois temas que atravessam a história da arquitectura escolar, como Faria de Vas-
concelos recorda, num diagnóstico de 1924, ao referir que ·podem contar-se a dedo os edi-
fícios que satisfazem às condições que a higiene e a pedagogia reclamam:No que diz res-
peito à higiene, a reflexão científica e sanitária conduz à elaboração, desde finais do século
XIX, de uma série impressionante de normas e regulamentos sobre as salas, os corredores,
as janelas, a iluminação, as paredes, entre inúmeros outros detalhes, pois MO edifício escolar
deve ter um cunho fundamentalmente higiénico e deve ser modelar sob este ponto de
vistaM (Costa Sacadura, 1914). No que diz respeito à pedagogia, verífica-se um esforço de
adaptação às correntes modernas, que trazem perspectivas de organização curricular e de
educação integral que influenciam profundamente a concepção dos edifícios escolares,a
utilização dos espaços e a estruturação do tempo dos alunos.
Os edifícios escolares são um tema recorrente do debate educativo. No decurso do
século XX,eles adquirem uma enorme visibilidade pública, ocupando um lugar de primei-
ro plano na geografia do pais, mas também no imaginário individual e colectivo. Para além
das suas funções internas, a caso da escolo delimita um território de poder e de expectati-
vas: o futuro de muitas crianças joga-se no interior destas paredes mais ou menos majes-
tosas.
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Adlfei~
Catteira tripla. 1866
o MOBILIÁRIO ESCOLAR
A CARTEIRA DEVE ADAPTAR-SE AO ALUNO. E NÃO O CONTRARIO!
Os retratos de ·salas de aula- anteriores ao século XIX caracterizam-se por uma gran-
de desordem, com crianças, jovens e adultos misturados num mesmo espaço, por vezes
com a companhia de animais, de alfaias e de ferramentas, de alimentos e de produtos agri-
colas. Com excepçào dos internatos e dos colégios, a vida escolar confunde-se com o quo-
tidiano da aldeia.
No prindpio do sé<:ulo XIX, é o reverso desta imagem que ilustra o ensino mutuo:
agora, reina uma ordem geométrica, com os alunos sentados em grandes bancos corridos,
alinhados uns atrás dos outros. logo em 1835, mesmo antes de se tomarem medidas sobre
os ediffcios escolares, o Direcfório das Escolas Primdrias impõe regras sobre o estrado, as
mesas ou os bancos. Ê a partir desta motriz que se estabelecem regras de organização do
mobiliário escolar que se tornarão cada vez mais rigorosas. A higiene e a pedagogia são os
dois pólos principais de uma reflexão que mobiliza também questões estéticas, simbólicas,
económicas, materiais e técnicas.
O primeiro grande momento do debate sobre o mobiliário escolar (anos 1860/1870)
coincide com o aparecimento de preocupações higiénicas e sanitárias, que conduzirão a
uma infinidade de preceitos sobre os materiais e os equipamentos mais adequados ao
corpo e ao conforto dos alunos. A importância que o tema adquire nas Exposições Univer-
sais do final do século XIX justifica~se pelo cruzamento entre uma dimensão científica
(a mensuração e o controlo do corpo humano) e a possibilidade de introduzir inovações
técnicas no fabrico e na produção de objectos numa área de tão grande relevância social
e polftica.
O segundo grande momento do debate (anos 19101/920) organiza-se em torno das
questões pedagógicas. Neste perfodo, as preocupações com o mobiliário escolar inscre-
vem-se no contexto da distinção escola passiva/escola activa. Um texto emblemático de
Faria de Vasconcelos, publicado em 1921, resume bem os argumentos desta geração de
educadores: MAs carteiras actuais deformam corporalmente a criança, originam atitudes
viciosas e doenças - escoliose, miopia, etc. - impõem-lhe uma imobilidade contrária à sua
natureza, às suas necessidades de movimento e liberdade flsica, cansam-na excessivamen-
te, barbaramente. [...] São carteiras feitas para a audição passiva, para o estudo livresco, para
a disciplina autoritária do silêncio e da imobilidade~
Apesar do retrocesso pedagógico no perlodo do Estado Novo, bem patente na
manutenção de um mobiliário pesado e antiquado, vai-se assistindo, a pouco e pouco, à
utilização de materiais mais ligeiros, que permitem uma utilização pedagógica flexível e
adaptada a diversas circunstâncias. Os bancos corridos e as carteiras presas ao solo dão
lugar, no final do século XX, a mesas e cadeiras que mesmo uma criança pequena pode
transportar, juntar ou arrumar. Neste caso, a tecnologia serviu propósitos pedagógicos,
ainda que a geometria da sala de aula se mantenha, frequentemente, inalterada.
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PEDAGOGIA
CI~NCIA DA EDUCAÇÃO OU TEORIA DA ARTE DE EDUCAR?
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o ATRASO EDUCACIONAL
2':ANDAMENTO - TRANSiÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
Na viragem do século XIX para o século XX,o discurso do atraso confunde-se com um
sentimento de cansaço. A realidade resiste aos projectos reformadores. Aos argumentos
habituais, vem agora juntar-se a evidência dos números. Os Censos da População (1864,
1878 e 1890) traçam um retrato bem mais negro do que se esperava:NQuando por mais
de uma vez ouvíamos afirmar que a legião dos nossos analfabetos ia muito além de dois
terços da população, estávamos bem longe de supor que a triste realidade dos factos era
muito mais lastimosa do que a julgávamos· - desabafa José Simões Dias, em 1897.
Há um misto de indignação e de desalento nesta geração. Indignação, porque é difl-
cil aceitar as incapacidades governativas, as sucessivas e contraditórias reformas, a impos-
sibilidade de executar um plano coerente de reorganizaçao do ensino. Desalento, porque
existe a certeza de ter havido algum esforço do país, designadamente na formação de pro-
fessores e na expansão da rede escolar, que parece não ter dado qualquer resultado.
O Manifesto de 1897 sintetiza bem um estilo de análise que vai repetir-se ao longo do
século Xx. O documento abre com um diagnóstico chocante do défice intelectual: "Dos
cinco milhões de habitantes que constituem a população portuguesa, quatro milhões
vivem mergulhados na mais sombria ignorancia: são analfabetos~Os parágrafos seguintes
são dedicados a referências várias aos paises civilizados (Holanda, Suiça, Inglaterra, Alema-
nha, etc), concluindo-se que·o Portugal de tradições orgulhosas, o descobridor da [ndia,
está, pela instrução. muito abaixo da Turquia~
Um quadro comparativo das taxas de analfabetismo no Sul da Europa (valores apro-
ximados) revela que, apesar das evoluções registadas, a distancia entre Portugal e os res-
tantes palses foi sempre aumentando.
Cerco do ano 1875 1900 1915
Portugal 80% 75% 64%
Espanha 76% 65% 35%
It.tilia 70% 56% 25%
França 37% 25% 5%
Porquê? Se não foi por desinteresse, nem por ausência de iniciativas polfticas, nem
sequer por falta de meios, como se explica esta situação? As respostas mais correntes
apontam para a burocratização e centralização do ensino, para a incapacidade das elites,
para a exiguidade dos recursos financeiros, para a indiferença dos pais ou para "caracterís-
ticas intrínsecas ao povo português~ A medida que o tempo passa sente-se que estas
razões nem tudo justificam. E parece necessário lançar duas linhas de reflexão. A primeira,
sobre um sistema de ensino que, contrariamente às crenças de certa ~beatice idealista~ é
mais totalizado do que totalizador, sugerindo que as dinâmicas reformadoras deveriam
basear-se na mudança do que já existe e não na invenção do que poderá ser. A segunda,
sobre um voluntarismo político,que insiste em impor reformas imaginadas a partir do cen-
tro em vez de dotar as escolas de capacidades autónomas de inovação e de desenvolvi-
mento.
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Fotogr~fia de J. David. Alunos do Liceu de Lisboa, 1902-1903.
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Se a infância vive os primeiros anos de escola numa proximidade grande com a faml-
lia e as comunidades 10(ai5,0 liceu vai ajudar a construir socialmente uma-nova idade-que
ganhará uma importância cada vez maior ao longo dos séculos XIX e XX.O discurso de raiz
psicológica cumpre uma função essencial ao produzir categorias e classificações que legi-
timam identidades adolescentes, pessoais e sociais, consagrando uma separação entre a
esfera familiar e o espaço escolar. O Estado substitui progressivamente as famílias e a Igre-
ja no seu papel de formação das crianças e dos jovens: o novo a/uno, autónomo e respon-
sável, é também o novo cidadão, activo e empreendedor.
A operação histórica que inventa e desenvolve a ideia do liceu assenta nestes dois ele-
mentos. Por um lado, a emergência de práticas de autogoverno, que estimula uma discipli-
na que vem de dentro,juntando a liberdade à responsabilidade. Por outro lado,a afirmação
de um projecto sociopolítico que encara a cidadania, Muma cidadania consciente e esclare-
cida7como elemento central do progresso. A pedagogia moderna contribui para o estabe-
lecimento de uma nova relação entre o governo do Estado e o governo do indivíduo.
O liceu é uma organização pensada e desenvolvida por educadores e especialistas.
Os contextos politicos e os interesses das famílias desempenham um papel essencial,
nomeadamente para compreender o jogo da oferta e da procura de educação. Mas a com-
preensão daMmáquina liceal" reside nesse esforço continuado e sistemático para conceber
e consolidar dispositivos de enquadramento dos alunos. Tudo se passa como se os educa-
dores devessem tomar conta dos alunos, submetendo-os, em seu próprio nome, a uma
acção pedagógica que os torne capazes de enfrentarem a vida, isto é,de se comportarem
como trabalhadores eficientes e cidadãos responsáveis.
A educação integral, nas suas diversas modalidades e entendimentos, constitui a
linha central de um modelo de formação que se tornou de tal maneira preponderante que
somos incapazes de imaginar qualquer outra via ou possibilidade de educar.MSe instruir, na
verdadeira acepção da palavra, é diffcil, educar ainda é mais" - o texto de Adolfo lima
chama a atenção para uma modernidade pedagógica que tem como objectivo a formação
integral dos alunos.
Só é possivel compreender o processo de edificação do "liceu moderno" se estiver-
mos atentos à forma como a autoridade se inscreve a partir de um apelo à liberdade, como
a disciplina se inscreve como parte integrante do discurso da autonomia. Evice-versa. ~ a
fusão destes termos, e não a sua oposição, que permite um olhar diferente sobre os liceus.
Não se trata de apagar as cronologias polfticas ou as disputas ideológicas, mas tão-só de
delinear essa racionalidade - a razão de um saber técnico, cientffico e pedagógico - que
produz o liceu como a mais importante instituição especializada na formação dos alunos
entre a infância e a vida adulta (ver Nóvoa, Barroso e Ó, 2003).
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Caderneta Escolar
(Registo do .prov.it. nto dos •• unos)
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No final do século XIX, sucedem-se as denúncias sobre o estado material das escolas:
antros, pocilgas, espeluncas, pardieiros... A degradação dos espaços torna-se insuportável
aos olhos de uma geração que vê na educação o único meio para a regeneração do pais.
Em 1913, Afonso Lopes Vieira explica que se não houver"escolas belas· nenhum ideal edu-
cativo se poderá concretizar. E. nesse mesmo ano, A. A. Costa Ferreira refere-se à importân-
cia da decoração da sala de aula,afirmando que a"higiene do espfrito"é tão decisiva como
a"higiene do corpo~
lentamente, a imagem austera de um lugar retirado do mundo vai sendo enriqueci-
da com alusões à ciência (ffsico-qufmic3, ciências naturais), à nação (quadros históricos) e
ao mundo (mapas geográficos). A preocupação estética é acompanhada, sobretudo no
ensino secundário, por uma profusão de materiais didácticos, em particular mapas parie-
tais.O positivismo entra na sala de aula, sob a forma de quadros, taxonomias, tabelas, ima-
gens, modelos e colecções que expõem um saber cientifico transformado em saber esco-
lar. Ao mesmo tempo, os laboratórios tornam-se imprescindíveis ao ensino, permitindo o
desenvolvimento de práticas de ensino experimental. O olhar e a mão adquirem uma
incontestável relevância pedagógica.
Esta evolução conduz, também, à apropriação do espaço escolar pelo aluno, através
de marcas e registos pessoais (nome, desenhos, trabalhos) que, até então, apenas tinham
sido gravados clandestinamente nos tampos ou nas paredes. A nova atenção à criança, no
primeiro quartel do século XX, sugere que a sala de aula esteja arrumada de acordo com
os seus interesses e as suas necessidades. No caso do ensino primário prevalece a imagem
da criança, ao passo que no ensino secundário é o registo da ciéncia que domina o espaço.
Em Portugal, o Estado Novo reintroduz uma certa austeridade, talvez se possa mes-
mo falar de um "ascetismo doutrinári07no arranjo material da sala de aula:"a modificação
do estado de espírito escolar - e é ela que constitui essencialmente a Revolução - exige um
novo ambiente" (circular de 1935). As ordens são claras: nas paredes, haverá apenas o cru-
cifixo, os retratos do Chefe do Estado e do "Sr. Dr. Oliveira Salazar" e o quadro preto, deven-
do ser guardados em móveis próprios os materiais didácticos e os trabalhos dos alunos. A
única excepção autorizada é a afixação, onde for possível, de um conjunto de pensamentos
educativos aprovados em 1932.
A política nacionalista procura depurar a sala de aula de sinais e objectos que a iden-
tifiquem com os alunos, com os professores ou com a vida social. Contrariamente a outros
países, que transformaram a presença de fotografias, trabalhos pessoais e imagens locais
num importante instrumento pedagógico, em Portugal impôs·se uma espécie de "assep-
sia" dos espaços. Na segunda metade do século XX, as dinâmicas de renovação pedagógi-
ca alteram profundamente a ·paisagem visual" da sala de aula. Hoje, ao olharmos para as
paredes de uma escola facilmente adivinhamos os métodos de ensino utilizados pelos
professores.
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Da esquerda para a direita:
BataIMo escolar fundado pelo professor JOOo dos Reis Tavares na Escola de Caria (concelho de Belmonte), em
190611907.
Fotografia de Joshua Benoliel. Criarn;as protegidas pelas juntas de freguesia de Lisboa na praia da Trafaria,
1909.
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EDUCAÇAOINTEGRAL
A TRANSFORMAÇÃO DAS CRIANÇAS EH ESCOLARES
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ESCOLAS NOVAS
DESCONFIANÇA E CRENÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Em 1915, Faria de Vasconcelos publica o seu livro mais conhecido, no qual relata a
experi~nda de Une école nouvel/e en Belgique. Situada no campo, mas próxima da cidade, a
escola de 8ierges-les-Wavre assegura a necessária ligação à natureza e a calma da ruralida-
de, não afastando excessivamente as crianças da produção artística e cultural existente no
meio urbano.
A obra é marcada por essa tensão, tão característica do movimento da educação
nova, entre a desconfiança e a crença na educação escolar. Desconfiança que surge a cada
escrito destes autores, como em António Sérgio:~A escola,até hoje, tem sido um acervo de
coisas maléficas, de tratos diabólicos, de prescrições tirânicas: e já é importantfssima refor-
ma a simples anulação das coisas más. Grande programa: não fazer mal!~ Mas, ao mesmo
tempo,uma crença desmedida na regeneraçâo da humanidade através de um novo impul-
so educativo, bem presente no livro acima citado:~Não se apagará nunca, apesar de todos
os horrores e de todas as atrocidades, a chama eterna que, na ascensão aos cumes, ilumi-
na o caminho comum:
Faria de Vasconcelos explica a criação da escola e apresenta os seus princlpios orien-
tadores, insistindo nos métodos de ensino que lhe concedem uma identidade própria.
Depois de um século de teorias pedagógicas, importava, agora, explicar concretamente o
que se fazia, esperando que esta ilusrração fosse inspiradora e contribufsse para lançar a
semente da escola nova (a metáfora da sementeira é, desde esta época, a que melhor carac-
teriza o discurso da inovação pedagógica). Era preciso passar das ideias às práticas e, ao
mesmo tempo, transformar as práticas num laboratório de experimentação.
Nem tudo deveria ter o direito de intitular~se ~escola nova~ E, por isso, Adolphe
Ferriere aproveita o prefácio à obra de Faria de Vasconcelos para publicar, pela primeira
vez.. os Trinta pontos da escola nova e para estabelecer o ~programa mlnimo~ a ser respeita~
do:~lnternatos familiares, no campo, em que a experiência pessoal da criança está na base,
tanto da educaçâo intelectual (em particular pelo recurso dos trabalhos manuais) como da
educação moral e social, por meio da prática do sistema da autonomia relativa dos a'unos~
Aqui estão,com toda a simplicidade, quatro pontos nucleares da nova educaçáo: a relação
com a natureza e com uma vida saudável; a criança, a sua experiência e o seu interesse
como elementos centrais do trabalho pedagógico; a defesa de uma educação integral, se
posslvel em internatos que recriem o ambiente familiar; o prindpio do autogoverno, o
famoso self·government.
Afundação da Liga Internacional Pró-Educação Nova, em 1921, teve grande impacto
em Portugal. Nesta época, fixa-se em definitivo uma concepção moderna da pedagogia
que, apesar de imperfeitamente realizada e, por momentos, severamente criticada, domi-
nará o universo educacional ao longo do século XX. Depois desta época, tornou~se impos-
sível pensar a educação sem uma referência, implfcita ou explícita, à matriz da escola nova.
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A EDUCAÇÃO ESPECIAL
REDONDO NO REDONDO, QUADRADO NO QUADRADO?!
Desde o século XIX que se vão criando instituições, primeiro para cuidar das crianças
com problemas de surdez ou de cegueira, depois para enclausurar os menores delinquen-
tes, desobedientes ou incorrig(veis, mais tarde para tratar dos casos de atraso, de idiotia ou
de debilidade mental. Estamos perante práticas "assistenciais· que procuram respostas
para uma diversidade de situações, ao mesmo tempo que constroem a defjci~ncia como
problema social.
A questão ganha nova acuidade em pleno século XX, graças à consolidação de um
discurso científico, fortemente baseado numa matriz organicista,que utiliza a antropome-
tria e a psicometria para traçar as fronteiras da normalidade, para fixar os limites da educa-
bilidade e para estabelecer escalas de medida da deficiência que servem para legitimar
outras tantas formas de segregação.
São muitas as iniciativas que têm lugar durante a República, graças à acção de
homens como Alves dos Santos, Costa Sacadura, Alberto PimenteJ Filho, A. A. Costa Ferrei-
ra ou Faria de Vasconcelos, entre tantos outros. No Estado Novo importa destacar a tripla
função do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, após a nomeação de Vltor Fontes
como seu director, em 1935:a) selecção e classificação de crianças anormais; b) preparação
e orientação do pessoal docente e tétnico; c) promoção de estudos de investigação médi-
co-pedagógica e de psiquiatria infantil.
O Instituto alicerça a sua intervenção num modelo téorico-prático de inspiração neuro-
-psiquiátrica e médico-pedagógica. Em 1942, na revista A Criança Portuguesa, Mário de Cas-
tro utiliza uma metáfora que ilustra a ideologia que procura colocar cada um no seu lugar:
NO homem redondo no buraco redondo e o homem quadrado no buraco quadrado: Uma
das medidas principais deste período é a criação, em 1946, de c/asses especiais de crianças
anormais junto das escolas primárias oficiais. A definição médica e psicol6gica da criança
deficiente prolonga-se, assim, através de uma pedagogia baseada em práticas de segrega-
ção que arrastam para as margens do sistema educativo grupos cada vez mais alargados
de alunos.
Um relatório da Comissão para o Estudo da Higiene Mental Infantil, nomeada em
1956, estabelece uma linha de separação entre os anormais educáveis e ineducãveis, tipifi-
cando situações que vão desde a Nidiotia profunda· ao ·simples atraso mental: Mas, na
década de 1960, o modelo médico-pedagógico dá sinais de uma certa exaustão. Começam
a surgir propostas cientificas e práticas institucionais que tendem a equacionar o proble-
ma da deficiência no quadro de programas de orientaçdo integrotiva, sugerindo a mobili-
zação de apoios que permitam a todos os alunos terem acesso aos programas da escola
regular. Pressente-se a emergência de novas maneiras de olhar para crianças que um certo
saber científico categorizou como espécie e que um certo saber político excluiu como anor-
mais (ver Nóvoa, Rodrigues e Niza, 1999).
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LIVROS ESCOLARES
O INTE.RESSE. PE.LA PE.DAGOGIA OU A PE.DAGOGIA DO INTE.RESSE.?
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Professora e alunos N sala de aula. 1972.
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o MElHOR PROFESSOR
NÃO É. O QUE MAIS ENSINA, É O QUE MAIS FAZ APRENDER
Em terceiro lugar, a questão-chave da motivação, pois, como diz Serras e Silva (1952),
tudo deve, no esforço pedido aos pequenos, ser canalizado no seu interesse. Mas António
Sérgio já havia avisado,em nota à Educação ({vica, que tal facto não implica que o estudo
seja fácil, divertido, sem esforço:MToda a educação deve ser esforçada; porém de esforço
natural e voluntário, exigido por um interesse do discípulo e não do professor~
Estes três elementos articulam-se entre si, conduzindo a pedagogia a preocupar-se
com os processos de aprendizagem. Em meados do século XX, este aspecto é sublinhado
pelas correntes de forte pendor didáctico que dominam os programas de formação de
professores e os livros de metodologia, reconhecendo-se em frases como MO melhor profes-
sor não é o que mais ensina, é o que mais faz aprender" (Bernardino da Fonseca lage, 1945)
ou "o acto de aprender prevalece sobre o acto de ensinar" (Jaime leote, 1958).
~ natural, por isso, que se negue a possibilidade de "qualquer reforma de ensino que
não reforme a aprendizagem" (Xavier Morato, 1970). Uma das mais importantes evoluções
do final do sé<ulo XX será o desenvolvimento de Mteorias da aprendizagem~que chamam
a atenção para a complexidade de um processo que não se limita à mera assimilação de
um saber exterior:MEducativa é aquela aprendizagem que implica o indivíduo na acção de
tal forma que esta última é desejada e amada e conduz à criação, ou seja, à integração do
eu no mundo e à transformação recíproca do mundo pelo eu e do eu pelo mundo" (Maria
Amália Borges de Medeiros, 1972).
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Cam~nha Nacional de Ed~ de Adultos, 1956.
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o ANALFABETISMO EH PORTUGAL
DA REPÚBLICA PARA O ESTADO NOVO
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A EDUCAÇÃO FíSICA
MÉDICOS, MILITARES, PEDAGOGOS
Na transição do século XIX para o século XX, a Educação Física funda a sua legitimi-
dade na denúncia da degeneração da raça feita por médicos, pedagogos, militares e mora~
listas. A presença da disciplina nos planos de estudo justific3+se pela necessidade de corri-
gir as condutas e de conservar a saúde através da educação do corpo e do espírito. No
Regulamento de Educação Física dos Liceus (1932) critica-se wa ideia errónea de que esta
educação visa o músculo como seu primeiro e melhor factor: proibindo-se os desportos
que wnão são um meio de aperfeiçoamento individual, mas antes de deformação física,
quantas vezes de perversão moral~
Apesar da proliferação de correntes e doutrinas, prevalece o chamado método oficial
portugués, baseado na ginástica respiratória de ling, que contrapõe uma simbólica univer-
sal ao~ludismo desenfreado~Durante o Estado Novo, a Educação Física orienta-se por prin-
clpios que encontram na ~espiritualização dos músculos wa mundividência que dá sentido
ao projecto nacionalista de regeneração moral.
Nesta história, há dois momentos que é imprescindível assinalar: a criação da Moci-
dade Portuguesa, em 1936, e do Instituto Nacional de Educação Frsica, em 1940. Os milita-
res adquirem uma importi'ncia crescente, em detrimento das anteriores tendências dou-
trinárias fortemente dominadas petos médicos. As novas correntes sentem a necessidade
de reforçar a estrutura e o âmbito da disciplina, designadamente através de um alarga-
mento ~moderadoWda prática desportiva às escolas, uma vez que a Mocidade Portuguesa
se revela incapaz de cumprir a missão para que fora criada.
A dé<ada de 1960 é atravessada por contradições várias na definição das políticas e
do próprio conceito de educação física. A nova realidade da guerra colonial consolida o
papel dos militares e a perspectiva de uma educação física capaz de responder às necessi-
dades de "revigoramento da raçawe de ·treino militar~Cite-seo discurso do director do Ins-
tituto Nacional de Educação Física na abertura do ano académico 1961-1962:~0 I.N.E.F.é o
centro que deve permitir estudar as condições que levarão a nossa raça a uma potenciali-
dade física maior, o que de por si só constituirá um objectivo que deve ser fundamental
para a garantia da nossa defesa~
Simultaneamente,as questões do desporto adquirem novos sentidos no contexto da
emergência de distintas formas organizativas e associativas, que revelam a importância
cada vez maior de um fenómeno social que tende a alargar-se ao conjunto da população.
Começam a surgir, nesta época, interrogações epistemológicas sobre o próprio con-
ceito de educação física. Educação pelo movimento ou educação para o movimento, psi-
comotricidade e não-directividade são noções que passam a integrar modalidades discur-
sivas que denunciam a visão limitadora e estática dominante e que procuram formas
renovadas de intervenção no espaço escolar (ver Nóvoa e Gomes. 1999).
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o excesso de diplomados é uma das queixas mais frequentes desde finais do século
XIX. Pode estranhar-se esta lamentação se tivermos em conta as baixíssimas qualificações
escolares da população portuguesa. Mas o caso tem duas hipóteses de explicação: por um
lado, a crítica social à -pedantice-dos titulares de um grau académico; por outro lado,a von-
tade de assegurar um -emprego adequado· para os que possuem determinadas habilita-
ções académicas.
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A pedantice dos bacharéis, nas suas ·(atietas de doutor e nas suas ·cabeças ignoran-
tes:inspira muitas páginas da nossa melhor literatura. A desconfiança é clara: nem sempre
a posse de um diploma significa a posse de um mínimo de inteligência e de um cabedal
suficiente de conhecimentos. Oliveira Martins insurge-se contra o indusrrialismo no ensino
e António Sérgio (1918) denuncia os processos burocráticos que favorecem o diploma em
detrimento do saber: "A escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem: e ninguém lhe
pede educação, mas diplomas - sendo certo, no entanto, que os que pedem diplomas para
seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu tempo pelas escolas portu9uesas~
A segunda dimensão do problema remete para a manutenção de uma estrutura
social. que reserva para os titulares de um diploma escolar os poucos empregos de prestí-
gio disponíveis. Em 1939, Manuel Rodrigues escandaliza-se com a "inflação" a que se assis-
te nas profissões liberais e que pode originar a revolta daquele"que não encontra na socie-
dade a posição equivalente ao seu diploma: concluindo que "é nos diplomados sem
colocação que se recruta a quase totalidade dos chefes e propagandistas da destruição da
ordem social7
Um outro exemplo, entre milhares de citações possíveis, é-nos fornecido pelo minis-
tro Pires de lima, em discurso de 1949 contra o excesso de estudantes:"O que seria, se,de
um momento para o outro, saíssem dos nossos estabelecimentos de ensino superior mais
algumas centenas de médicos ou de advogados, sem clientes,de engenheiros ou arquitec-
tos, sem obras para realizarem, de professores sem alunos, de licenciados sem empregos
remunerados? Além do fatal rebaixamento dessas classes e dessas profissões, teríamos um
mal-estar social de consequências sérias e graves~
Num curioso texto de 1921,J. Santa Rita junta os dois aspectos anteriores, dizendo
que"o vicio da empregomania liga~se muito estreitamente à superstição do diploma~São
duas faces de uma mesma moeda, que traduzem uma dupla resistência à cultura escolar.
Há quem julgue que estamos perante um discurso recente, motivado pela expansão esco-
lar das últimas décadas. Nada mais falso! ~ um discurso recorrente na sociedade portugue-
sa. A crítica ao excesso de diplomados esquece que Portugal foi, e continua a ser, o país
menos escolarizado da Europa. Seguimos prisioneiros de um sistema de ensino pensado
para formar cada um à medida do lugar profissional que lhe está destinado, em vez de
adoptarmos uma política de valorização pessoal e de qualificação escolar de rodos.
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No conjunto das medidas tomadas para restringir o acesso aos liceus, a mais eficaz
foi, sem dúvida, o reforço do ensino privado. A Comissão de 1928 fizera uma recomenda-
ção sugerindo que era "indispensável estimular a iniciativa particular no sentido de fazer
derivar para os colégios uma parte importante da população dos nossos liceus~Todavia, a
situação só se alterará com as leis sobre os exames de 1935-1936. Até esta data, os alunos
dos colégios privados não ultrapassavam 25% do total dos alunos do ensino secundário.
Mas, neste ano, a tendência inverte-se subitamente, passando a haver mais alunos no ensi-
no privado do que no ensino oficial. Em 1960, há cerca de 46 000 alunos nos liceus e mais
de 65 000 no ensino particular.
Paralelamente,o Estado Novo estabelece uma divisão clara entre ensino liceal e ensino
técnico, criando uma separação dos alunos desde o final da escola primária. As políticas
educativas legitimam-se com argumentos científicos. Os especialistas desenvolvem testes
que permitem aferir as aptidões, publicando relatórios que medem e comparam alunos
dos liceus e das escolas técnicas. Regra geral, como no caso dos estudos efectuados pelos
médicos Armindo Crespo e Cruz Neves (1939-1940), os resultados confirmam ~realmente
um certo grau de inferioridade mental da massa escolar" das escolas técnicas. A argumen-
tação científica e "objectiva"funde-se com a argumentação ideol6gica para traçar o destino
escolar dos alunos. Em 1960, no ensino oficial, há cerca de 46 000 alunos nos liceus e mais
de 92 000 nas escolas técnicas.
Os colégios privados cumpriram uma relevante função social e as escolas técnicas
(recordadas ainda hoje com grande nostalgia e sempre consideradas a "receita miraculosa"
para resolver a crise do ensino) foram o mais importante sucesso institucional do Estado
Novo. Mas, a partir da década de 1960, o aumento da população liceal faz "explodir" um
modelo que se tinha tornado organizativa mente inviável e socialmente inaceitável.
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Jardim de Inf~ncia a funcionar junto do LIceu Infanta O.Maria, em Coimbra, 1973.
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A EDUCAÇÃO COLONIAL
PRÁTICAS fORMAIS E INFORMAIS DE APRENDIZAGEM
Ao longo do século XX, o problema colonial vai assumindo uma centralidade cada
vez maior nas políticas nacionais. A educação desempenha um papel primordial, no qua-
dro daquilo que Marcelo Caetano designa por estratégias de Nassimilação espiritual N
;
NOS portugueses concedem uma grande importàneia,na domínio da educação, à obra civi-
lizadora dos missionários católicos: são eles que dirigem o ensino primário nas colónias,
ensino que abrange o Português, a leitura, a escrita, a aritmética e a moral cristã; o ensino
das elites, partindo destas bases, visa a aquisição de novas técnicas e de conhecimentos
mais amplos. Através da utilização do Português como língua comum dos territórios, espe-
ra-se facilitar a assimilação espiritual':
Até final da década de 1950, a educação colonial é marcada por lógicas de inculca-
ção ideológica, no contexto do enquadramento legal do "ensino rudimentar" e de práticas
discursivas que celebram a importância do trabalho,da religião e da língua portuguesa da
"educação do indígena~ Em 1960, o Cardeal Cerejeira explica que a actividade missionária
católica procura educar e instruir os "nativos~ de forma a fazer deles prisioneiros da terra e
a protegê-los da atracção das cidades.
No ano seguinte,a revogação do Estatuto do Indigenato e o início da guerra colonial
marcam uma transição que conduz ao reforço das estruturas escolares e à adopção de um
ideário que proclama a integração dos africanos na ~nação portuguesa pluricontinental e
multirracial~ Nos quatro volumes do World Surver of Educarion, publicados pela Unesco
entre 1955 e 1966, encontram-se estatísticas que, embora pouco fiáveis. confirmam a difí-
cil situação educacional das colónias portuguesas, ainda que uma leitura atenta dos núme-
ros permita detectar ténues sinais de mudança.
Não será fácil a consolidação destas estratégias, tendo em conta a conjuntura inter-
nacional adversa ao regime colonial e as dificuldades de financiamento e de recursos, bem
como as tradicionais resistências à escolarização da população africana. Se é verdade que,
em Portugal, a "escola para todos~ se concretiza, mesmo imperfeitamente, cerca do ano
1960, a educação nas colónias está ainda muito longe deste objectivo no momento em
que o Estado Novo é derrubado.
Para além das instituições escolares formais, o contexto colonial é atravessado por
práticas informais de educação, com grande relevância ao longo de todo o século Xx. Este
facto é bem evidente na importância das missões, de diferentes religiões, mas também na
persistência de modos tradicionais de transmissão cultural. Joaquim Pinto de Andrade
explica as razões dos elevados níveis de alfabetização no Golungo Alto;"As letras aprendi-
am-se de pais para filhos. Os mais pobres, na falta de ardósia ou de papel, escreviam em
folhas de bananeira~~ impossível compreender a educação colonial sem um olhar atento
ao trabalho das famílias, das comunidades locais, das associações culturais e dos movimen-
tos religiosos (ver Nóvoa e Paulo, 1999).
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Quando ~nuam no Parqu~ InfantJl
mostram o f~ do pobreza,
o aspecto dumo humanidcxk inferior
Parques Infantis de Usboa,(riados por F~manda de ústro,em meados do s«ulo xx. para acolhimento de
(fianças pobres.
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o ATRASO EDUCACIONAL
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Escola Exemplo. Limpopo,Aldeia de Lionde (Moçambique), 1966.
Fotografia de Henrique Sousa Amaral.Cfeche do Centro Paroquial do Bairro Padre Cruz, 1969.
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fotografia de Armando SerOdio. Escola de Vale Escuro, 1956.
fotografia publicada na revista Tecnologia EducatIVa" 1974.
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o ministro leite Pinto, que ocupa a pasta da Educação Nacional entre 1955 e 1961,
abre uma nova fase política. fortemente marcada pelas concepções do planeamento e pela
influ~nda das organizações internacionais na regulação do sistema educativo português.
A partir desta altura. a urg~ncia de formar recursos humanos qualificados prevalece sobre
uma visao exclusivamente centrada no ensino como sistema de inculcaçao ideológica.
Os esforços são encaminhados para a industrialização do pais, projecto que seria
imposslvel prosseguir sem a formaçao de uma mão-de-obra qualificada. Aprocura de uma
legitimação junto das instâncias internacionais conduz à valorização de abordagens técni-
cas, bem patente na figura do ·especialista" que passa a desempenhar um lugar de desta-
que nos processos de decisão polftica em educação.
Em 1964, talvez a contragosto, o ministro Gaivão Teles sente-se na obrigação de apre-
sentar os resultados do "Projecto Regional do Mediterrâneo7 sublinhando que estamos
perante uma obra de planeamento da acção educativa. No seu discurso, explica que a
questâo central são as relações entre a educação e a economia, pois "sem progresso edu-
cacional nâo poderá haver prosperidade econ6mica~Alguns meses antes, tinha terminado
uma exposição na Emissora Nacional e na RTP dizendo que o pais só se desenvolveria se
fosse capaz de canalizar ·fecundos investimentos no mais valioso dos capitais, que é o
humano~
Estava estabelecida uma matriz que ganhará forma com a criação do Gabinete de
Estudos e Planeamento da Acção Educativa, em 1965, cuja história, ainda por fazer. é bem
reveladora dos grupos e das redes pessoais e institucionais que não mais deixarão de ocu-
par o Ministério da Educação. Em Portugal, contrariamente a outros pafses, a cultura do
"capital humano"forma-se com base numa mistura entre dimensões tecnocratas e religio-
sas, como bem revela o estudo pioneiro de Émile Planchard, publicado nos Trabalhos Pre-
paratórios do Estatuto da Educação Nacional (1966).
Os novos "especialistas da educaçã07regra geral engenheiros ou economistas, fazem
importantes carreiras como peritos das organizações internacionais, mantendo fortes liga-
ções a sectores influentes da Igreja católica.Veiga Simão (197()..1974) e, depois dele, Rober-
to carneiro (1987-1991) e Marçat Grilo (1995-1999), para apenas citar os seus principais
herdeiros, personificam a corrente de pensamento e de intervenção politica que domina
as últimas décadas do século XX.
Depois da OCDE (anos 60), a estrutura do sistema escolar a seguir ao 25 de Abril é
fixada, em grande medida, por peritos do Banco Mundial. A partir dos anos 80, predomina
a ligação à Europa, que se mantém como referência estruturante das politicas educativas.
Os documentos recentemente aprovados pela Uniào Europeia, em particular o programa
Educação & Formação 2010, apontam a direcção a seguir pelos governos portugueses nos
próximos anos. E não será grande a margem de manobra.
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o ATRASO EDUCACIONAL
"~ANDAMENTO- TRANSiÇÃO DO SÉCULO XX PARA O SÉCULO XXI
Que indicadores provocam tamanha agitação? São inúmeros os dados que, diaria-
mente, nos inquietam. Para uns, o mais grave são as situações de indisciplina e de violên-
cia, a falta de um mfnimo de padrões morais e de regras de comportamento. Para outros,
o drama é a ignori'lncia dos alunos, a sua péssima cultura geral, a fraqufssima formação
escolar em áreas vitais como a Hngua portuguesa ou a matemática. Para alguns, é incom-
preensfvel a pobreza dos programas em domfnios essenciais para a sociedade do conhed-
mento,como as novas tecnologias ou a aprendizagem de línguas estrangeiras. Para outros
ainda, a nossa escola não fomenta a criatividade, o espírito de iniciativa e o empreende-
dorismo tao necessários nesta era da globalizaç:to.
A lista poderia continuar, pela ausência de educação científica ou de cultura históri-
ca, pela escassez da formação profissional ou da aprendizagem ao longo da vida...Todavia,
é posslvel identificar dois conjuntos de indicadores que surgem sempre para ilustrar o
nosso atraso educacional. O primeiro conjunto, mais estrutural e quantitativo, diz respeito
às estatísticas da Uniáo Europeia: qualificações escolares da população, nfveis de insucesso
e de abandono escolar, etc. O segundo conjunto, mais pedagógico e qualitativo, remete
para os estudos internacionais,conduzidos primeiro pelo IEA e depois pela OCDE.que assi-
nalam os maus resultados dos alunos portugueses em disciplinas como a Iingua materna,
as ciências ou a matemática.
No final do séculoxx.o pais parece tão confuso, e perturbado, como no final do sécu-
lo XIX. A sociedade portuguesa está ciente do caminho percorrido nos últimos trinta anos,
mas os indicadores explicam que é cada vez maior a distância que nos separa dos restan·
tes palses europeus:A realidade impõe-se ao sonho, ao ideal, mas n:to passa ao querer: avi-
sava Agostinho de Campos, em 1933. E, contrariamente ao que aconteceu nos anteriores
-andamentos do atraso educacional" - com a Regeneração (há 1SO anos), com a República
(há 100 anos), com a industrialização (há SO anos) - não se vislumbra nenhuma ideia que
nos possa mobilizar (ou, pelo menos, -distrair-lo
A n:to ser que se invente um impulso elãn reformador. Mas sobre isso, já Agostinho
de Campos escreveu palavras definitivas: "De quando em quando, ouve-se dizer por aí,
muito a sério e em tom de profundo convencimento: Precisamos de uma reforma geral do
ensino... Melhor seria dizer, logo de uma vez: Faz-nos falta um milagre de Nossa Senhora de
Fátima~
....•
~ -
III
Refe~ncias dos Textos CoimbrlI, 1900.1 Joio fagundo di sw.. ~ d.~ ...
çcIo,~ 1906.
PigiNl21 Piginl-43
Joio de Deus RImos. o &todo ~ ~1I1W'mSdlt Ahdtn>çdo&o*.... I. 1/186.t"A~~_os~
«« ncoIcIJ pnrnonzs ~ Iisboi" 192. nos:
O ProItssot PrmcIno. ... 16S. 1926. 1 Adoll'o " -
P6ginllS "O~de~1IMltDMfci.oc<l(do~
,t,lmeid." ~ 0Ao. do
oeu1o de 19 de ~ de 1822: ~TlÍC1Ii(lI,sftit""''''19I5_pp.1S&-366.
kJmddcl ~Urmn>AmiIlrJm,n!"9 de Agostode Pigina -45
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"Um aspecto o:la aula de Ciérlcias Naturais· - Fotografia
P~gina 26 indulda na brocl1-ura Coltgio de Nun'Alvores - CffJIOCheckJ
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brlt<Jnico <k td<KO{oo, Porto, 1823, p. 8. pp, 84/85 e p, 87.
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Gravura da autoria de M.Jnuel Maria Bordao Plnheõro, Fotograf.. de A. Raposo,"Um<J sala de aula - RefUgio do
reproduzida no livro M~rodo Costilho paro o ensino r6pido Tribunal Central de Menores elo Porto: 195211953. Espólio
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escrI'WJ, Lisboa.. 2' ed;ç.loo, 1853.
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Esquemas Incluíóos numa brochura publicada pelo Minis· Usboa-CPF I MC (SEClAGlOl-069!3476N).
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rio do Insrrl/{oo Pública.L1sboa. 1933.
P~gina 56
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fotografia de Alfredo Cunlla,"Alunos - Mes.lo Frio: 1988. do skulo XX. ArQUivo Fotogrifico Municipal de Lisboa
Arquivo FotogrMico Municipal de Lisboa (8085698). lAI6301).
Fotografia de crianças na sala de aula de um asilo. início
Pigina 36 do século XX. Arquivo FotogrMko Municipal de Lisboa
Gfavura reproduzida no livro Mttodo Costilho paro Oens;' lA2116t)
no rlÍpido e opraziYel do ler imptelIO, monuscrilO e nu~o
{ooedotserewJ,L1sboa.. 2'ed~ 1853. P'gina 58
Fotografia de J. Adriano, "Oficina de Sapalllria - RefOtma'
P'gina 38 tório de Vila do Conde;sld Onlcio do século XX]. Espólio
Jardim·Escola aJlelCo a Normal do Porto,Fotografla Indu(· fotogr~fico do Instrtuto de Reinserçoo Social.
o:la no IMO de Vrdal Oudlnot, Aq60 ~nrro e e>'fro-esco/arJ, fotografia de Alberto Carlos Lima, "Sala de aula com adul·
Porto.1915,pp.2181219. tos: inicio do skulo XX. Arquivo Fotogr~fko Municipal de
Uma aula de Iertura na Escola Norm<J1 de BenfICa. 24-{)3- Lisboa lA16290).
·1931. Arquivo de fotografia de Lisboa - CPF I Me ISECI
P.ligina 60 Pigina 78
Fotografia de "Meninas numa aula de L1'o'OreS~ inicio do Fotografia de um batalllio escolar, fundado pelo profes·
skukl XX. "fquivo Fotogrilfico Municipal de Lisboa so< Joao dos Reis Tavares na Escola de Caria (concelho de
(A21189). 8elmootel,em 190611907.
Fotografia de A. Raposo, "Instituto de S.Domingos de 8Hl- Fotografia de Joshua llenoIieI, 'Crianças protegidas pelas
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fleinsefçlo Social. Arquivo FotogrMico Municipal de Lisboa {A6395}.
P.ligina 62 P'glna 80
".-
Escola do Ensino Prim.1irio. Lugar de Bacelo, !lemeU>e.
P'gina 76 P'gifla 96
Fotografia de Alberto Carlos üma., "Aula de ~s Halu· Capa da revista A Componoo- Ófgdooo Compon/l<l Nocio-
noIdefducoç60deAdulros,~32.Abril de 1956.
rais:inlclo do skulo lOC. AIquJvo FotogrMlco Municipal de
Usboa (A16(83). P.ligina 98
Fotograti<t de Alberto Carlos lima. "Aula de Cé'M:ias Natu- Fotografia de inspec~ "*dica no Asilo O. Pedro V, s/do
ral~lnlclo do skulo XX.Arquivo FOlogrMlco Munidpal de
Ourante a lnspecçlo das crianças que compõem o 1!tumO
lJsboa (A16291). que parte para a colónia balnear intantll de "O ~ulo:
27~-1943. Arquivo de fotografia de Usboa - CPF I Me 1956.Arquivo fotográfICO Municipai de Lisboa (A25672).
(SEC/AG/Ol-oa7/10S9R). Folografia publ"ada na revista TI'CllOlo9io Educotivo,
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Página 100
Um aspecto das danç<ls rftmius. com canto coral, ~e<:u Página 120
tada, por aluna, do üeeu de Garrett - fotografia loclulda folografia de Paulo (alr"a, 1999.Sala de computadores -
no 80kfim do Inspecçllo Gerol de Sanidade Escolor, n~ 1. Bloco A. liceu Mou~inho da Silvei'a, Port<slegre.
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Página 102
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IMoc;amb<que),S/d. Espólk> fotográfico do Arqurvo Históri-
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fotografia publicada no boletim Te!escoi<l. ri'! 4. 1968,
p.107,
Página 104
fotografki de Paukl Catrica, 1999. Ginásio, liceu Latino
Coelho,La""'9"-
Página 106
fotografia de Kun Pinto, Alunos das Ofi<:inas de S,~,
19S3. Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (.1.22095).
Página lOS
fotografia. do jardim-de-Inf!lnôa a fuocionar junto do
Liceu Infanta O, Maria.em Coimbra.publicada. na contra-
capa da revi'ti1 EKOIa Portuguesa, rl'!1391, Mak> de 1973.
Página 110
fotografia da Escola de S. Bo.wentura de Xirara, publk.ada
no IMO de ~ dos Sinto. Ruf,no,Ãlbun. fotogrdlicos e
<kscrifivos do Colónia de MoçomtNQue, Hamburgo. 1929,
voI.IX,p.71.
fotografki da Mi.s!Io de S. Paulo de Messano, publiem
no livro de ~ do. santo. Rufino, Ãlbuns fotogldficos e
delcririvos <kJ Colónia de Moçombique, Hamburgo. 1929,
voI.V,p.27.
Fotografia da OfIcina de sapatar;;, na Mi,s!Io da Beira,
pubHcada no livro de José dos santos Rufino, Álbwl. foro-
grdflCO' edescri~ daCoIóniade Moçarn/liqu<', Hamburgo,
1929, vol.lX, p. 36.
Página 112
Fotografias iocluídas na brochura de Maria Ar!;her, o. por-
ques infontis, Usboa. S/d (meados do skulo JOG.
Página 114
"Pelo Destino de Deus e Cristo RedentOf, Obo!dientes ser...-
mo, ao Exmo. Sr, Administrador" ~ Fotografia da E';Cola
Ex@mpIo,Umpopo,AldeiadeUonde(Moçambique). 1966.
Esp6l'o fotogr!lfico do Arquivo HI'tórico de MoçambiqlJl:'.
fotografia de HenriQIJI:' Sousa Amaral Creche do Centro
Paroquial do Bairro Padre Cruz, 1969.Arqurvo FotogrMico
Municipal de Lisboa (A67S2S).
Página 116
Escola Preparatória de Lul' AnIOnk> Vemey - üsboa.
E';CoIa Preparatória de Barbosa du 8oG>qe ~ Setúbal.
Escola Preparatória de Afonso de Pa,;"'a - Castelo Branco.
(Fotografia. publicada, ln Novos Inlto/oçoo poro o ~sino
COfl5lru/doS entre 1968 e 1972, Mini.tério da, Obras PUbI~
caslDirecç~o-Geral da, Conllruções Escolares, tisboa,
1973). •
vid
Página 118 ente
Folografia de Armando serôdio, Escola de Vale Escuro.
mente
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X&Pdesign
Impress60 e acabamentos
Gr.lfiilsa
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Ali. (i, Boavisa,3265 - Sala 4.'
TeIf~n 616 60 30' fax: 22 615 53 46
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