António Nóvoa - Evidentemente, Histórias Da Educação (2005) PDF

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Familiar e estranho, estranhamente familiar, é talvez o que melhor define este livro.
Constitufdo por textos e imagens de uma procurada simplicidade, tem como
primeiro motivo servir de enredo ao CD-ROM A educação portuguesa - Corpus
documental (séc. XIX-XX).
e
O livro est~ desenhado como uma espécie de codovre exquis. uma montagem,
razoavelmente aleatória, e desordenada, de palavras e de imagens. Não h~ qualquer
intenção de definir um território, mas apenas de mostrar alguns dos acontecimentos
que nele tiveram lugar.
Assumi eu a tarefa (e a responsabilidade) da escrita, mas muito do que aqui está é
produto de v~rias mãos, é uma mistura de ideias e, sobretudo, de muitas horas de
trabalho conjunto. Digo-o com o orgulho de acreditar que, ao longo destes anos,
avançámos no sentido de uma investigação histórica que, tal como toda a ciência e
toda a arte, se faz na partilha, na confrontação, no debate, e não no isolamento.
-la fantaisie et la liberté d'imagination ne s'acquierent pas comme ça, qu'il 'I faut du
temps, de I'obstination, de la sévérité, de la rigueur, des mathématiques, de la raison-
(Philippe Sotlers).
O leitor aperceber'se-~, ao longo das posslveis leituras deste livro, que fomos colher
inspiração a Walter Benjamin e ao seu projecto inacabado das Arcadas (Das
Passogen-Werk). Os textos e as imagens são colagens de pedaços v~rios (ideias,
citações, acontecimentos, notas) que se organizam como -iluminações· de temas
históricos que poderão ser trabalhados a partir do corpus documental do CD-ROM.
As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias,
das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio. Banalidades.
Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem
novidade. Uns anunciam o parafso, outros o caos - a educação das novas gerações é
sempre pior do que a nossa. Ser~?! Muitas convicções e opiniões. Pouco estudo e
quase nenhuma investigação. A certeza de conhecer e de possuir ·a solução- é o
caminho mais curto para a ignorancia. Enão se pode acabar com isto?


""
B-
Este livro nasce de uma necessidade de silêncio. Vivemos governados por um excesso
de estlmulos, amplificados por uma sociedade que encontra na permanente
exposição a melhor forma de se esconder, isto é, de não se pensar. Estranho modo de
vida, este, que nos leva de rurdo em rurdo, preferindo o "aborrecimento de viver" II
-alegria de pensar" (Gaston Bachelard).
Precisa-se, neste-tempo detergente: como diria Ruy Belo, de um pacto de silêncio, de
uma pausa que permita ver para além da poeira dos dias que correm. Pensar exige
tranqui lidade, persistência, seriedade, exigência, método, ciência.
"La métaphore sans limite n'est pas une maniere de dire.E1le est le dire d'une réalité
sans mémoire. Dire, non pas image, transcription ou ressemblance" (Pierre Torreilles).
Proponho-vos, pois, um texto contido, fragmentado, que não busca qualquer
completude, mas apenas a escrita de sinais sobre a história da educação. Sugerir mais
do que definir. Provocar mais do que explicar.

Adopta-se uma atitude minimalista, convidando o leitor a desdobrar os indfcios aqui


apresentados, multiplicando os olhares sobre textos e imagens que, na sua
simplicidade, evocam o drama da educação portuguesa, sobretudo da educação
escolar, ao longo dos séculos XIX e XX.
À medida que as páginas avançam, o leitor deparar-se-á, provavelmente, com um
sentimento de estranha familiaridade. Como se estivéssemos sempre a discutir as
mesmas matérias, e sempre da mesma maneira. Como se, no campo da educação,
não houvesse a possibilidade de acumular conhecimento, de nos apropriarmos da
experiência histórica e de sobre ela praticarmos um exercido de lucidez. Estranha
familiaridade de uma litania discursiva, pedagógica e politica, que não soube
substituir o alarido e a crença, a crença e o alarido, pela lenta serenidade das
realizações.
50 textos. O livro é composto por cinquenta textos, que buscam um efeito de
exemplaridade. Como é que se pode pensar historicamente a educação a partir de
um conjunto de fontes e registos documentais?
A escrita é simples, depurada. Evitou-se carregar o texto com notas bibliográficas
(mas, no final, venceu a rotina do historiador e referenciam-se, brevissimamente, os
documentos de mais difícillocalizaçãol.
Há uma certa sequência cronológica na arrumação dos textos. Mas cada um vale por
si mesmo, podendo ser objecto de uma leitura autónoma. São testemunhos de uma
experiência passada e de uma reflexão posslvel.
Na régua cronológica que figura em cada página assinala-se, aproximativamente, o
perlodo de referência sobre o qual incide aquele apontamento especifico. Nalguns
casos. é um tempo curto, noutros é uma passagem fugaz sobre 200 anos de vida
portuguesa.
Atrevi-me, aqui e ali, a rematar a reflexão com uma nota sobre o presente.
Mas quero dizer-vos que não é a história que me autoriza este devaneio e que não
busco nela qualquer forma de legitimação. Sei que, em educação, a história não tem
-lições· para dar. Mas tem, certamente, matéria suficiente para nos dar que pensar.
A partir de certa altura - tudo depende da tolerância de cada um - é natural que se
experimente um sentimento de desconforto e até de alguma frustração. Há uma
redundtmcia, irritante, na forma como se fala da educação. Parece que está sempre
tudo na mesma. Eque Portugal não consegue, por mais esforços que faça, por mais
reformas que anuncie, sair do lugar onde sempre esteve, pelo menos desde os
primórdios de Oitocentos: a cauda da Europa. Curiosa metáfora, esta, que
transformámos numa "realidade sem memória~


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mente
10-1/
50 imagens. Cada texto é acompanhado por uma ou mai~ imagens, multiplicando,
assim, os olhares e as leituras.
A escolha das imagens obedeceu aos mesmos prindpios enunciados para os textos.
Optou-se, sempre que possfvel, pela gravura ou pela fotografia a preto-e-
-branco e por retratos Mlimpos: sem excesso de conotações ou de denotações.
Convida-se o leitor a um exercicio de interpretações múltiplas, seja através da análise
da imagem, seja através da confrontação com o texto que a acompanha. Constrói-se,
assim, uma imagem texto para recorrer à expressão feliz de W.J. T. Mitchell.
Pretendemos chamar a atenção para a importância das imagens como relações, e
não como coisas. ·A arte não reproduz o visfvel, torna vislvel· (Paul Klee).
O funcionamento de uma imagem explica-se através da compreensão e
interpretação de alguém. ~ neste processo de apropriação e de relação com um
·vidente" que se organiza o campo da visualidade.
Régis Debray abre o seu livro sobre a vida e morte da imagem com uma história
curiosa:MUm imperador chinês pediu um dia ao pintor principal da sua corte para
apagar a cascata que tinha desenhado nas paredes do palácio, porque o barulho da
água o impedia de dormir~A história fascina-nos e inquieta-nos.
As perguntas tornam-se inevitáveis: Que imagens nos impedem de dormir? Equais
são aquelas que nos embalam o sono? O que é que nos atrai, nos agrada, nos irrita
ou nos aflige quando vemos o que vemos? Jogo de olhares? Jogo de memórias?
Gostarfamos de ver outros retratos no espelho da nossa história? Gostarramos que
ele nos devolvesse uma outra visão da escola que fomos (in)capazes de construir?
Ainda conseguiremos, neste tempo em que o excesso de visões asfixia o olhar,
deixar-nos instruir pelas imagens?
Obrigação de recusa. O que fica desta história de 200 anos de educação? Algumas
experiências notáveis, um punhado de educadores dedicadlssimos, uma retórica
copiosa e aflitivamente rebarbativa e... um universo de irrealizaçoes.
Uma após outra, as gerações do século XIX e do século XX elaboraram diagnósticos,
indignaram-se com o atraso do pais, avançaram programas de reforma, propuseram a
regeneração da sociedade. E. uma após outra, calram no des.\nimo dos seus próprios
fracassos, deixando-se convencer, à falta de melhor, pelo discurso da decadência.
Há uma estranho familiaridade na forma como se sucedem os projectos e as
iniciativas, como se mobilizam os portugueses para o ·grande desl"gnio~ a ·grande
batalha· da educaçAo. No cOmputo final, fica a constataçAo de um ·eterno atraso~
Quantas vezes li e reli a conferência de Antero de Quental,em 1871, na $ala do Casino
Usbonense:
·Dessa educa~o que a nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os
nossos males presentes. As raIzes do passado rebentam por todos os lados no nosso
solo: rebentam sob forma de sentimentos, de hábitos, de preconceitos. A nossa
fatalidade é a nossa história"?!
Ele desejava que rompêssemos resolutamente com o passado.Talvez. Mas o gesto foi
ensaiado tantas vezes que nos tornámos desconfiados.Sinto-me, por isso, vinculado a
e
uma obrigação de recusa, a recusa desta história. neste sentido que me reconheço
em Antero.
Recusar nâo é esquecer, nâo é negar, não é omitir. Recusar é conhecer, estudar,
e
investigar, compreender. tentar imaginar outros destinos.
·Imaginar, primeiro, é ver. Imaginar é conhecer, portanto agir'" (Alexandre O'Neil!).
Evidentemente. Tudo são evidências nos textos e nos debates, nas polfticas e nas
reformas educativas. Ninguém tem dúvidas. Todos têm certezas. Definitivas.
Evidências do senso comum. Falsas evidencias. Continuamente desmentidas.
Continuamente repetidas.
Crenças. Doutrinas. Visões. Dogmas. Tudo misturado numa amálgama de ilusões.
~ evidente que só pela educaçao se conseguirá a regeneraçao, e o progresso, e a
modernização, e a industrializaçao, e o desenvolvimento do paIs. Evidentemente.
Os reformadores oitocentistas nao hesitam quanto ao papel da educação. Menos
dúvidas ainda têm os polfticos republicanos, e os conservadores nacionalistas, e os
tecnocratas liberais, e os democratas progressistas. Evidentemente.
Os pedagogos têm crenças inabaláveis na educação. Os anti-pedagogos também.
$ao crenças iguais, por vezes de sinal contrário. Para transformar ou para conservar,
para revolucionar ou para perpetuar, nada melhor do que a educação.
Evidentemente_
Os educadores laicos conhecem as razões da decadência civilizacional. Os educa-
dores religiosos as da decadência moral. Uns e outros sabem que tudo se resolverá
pela educação. Não há outro lugar da sociedade tão carregado de crenças e
convicções.
O meu trabalho pára em 1974. Mas poderia continuar até hoje. Pouco ou nada se
alterariam as evidências. Quando se trata de educação, nenhum politico tem dúvidas,
nenhum comentador se engana, nenhum português hesita. Palavras gastas. Inúteis.
Banalidades. Mentiras. O que é evidente, mente. Evidentemente.
Tudo isto nasce de um equivoco, tantas vezes denunciado e sempre ignorado:
a educação nunca fez e nunca realizará uma mudança revolucionária (Pierre Furter,
1970). ~ outra a força da educaçao. ~ outra a sua importância. Cultura. Arte. Ciência.
Lucidez. Razão. Invenção. Evidentemente, a educação. Ainda iremos a tempo?
o futuro ainda demora muito tempo? Nada mudou? Tudo mudou? Estamos num
momento de transição. Pressentimos o fim de um ciclo histórico, iniciado em meados
do século XIX,quando se inventou a modernidade escolar e pedagógica. Mas temos
dificuldade em abrir caminho à contemporaneidade.
À falta de alternativa, viramo-nos para o passado, mas nele pouco encontramos de
verdadeiramente útil. A nostalgia pode ser reconfortante para as almas, e nalguns
casos para as consciências, mas de nada nos serve.
A escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem. l:. mais aberta,
mais inteligente, mais senslvel à diferença. Mas não chega.
Pedagogicamente, ela encontra-se enclausurada nas fronteiras da modernidade.
A diferenciação pedagógica, o interesse e a motivação, os métodos activos ou os
modelos de aprendizagem centrados no aluno foram inventados para educar
melhor as crianças, todas as crianças, e não para servir de pretexto (e de desculpa)
II nossa incapacidade para as instruirmos.
Socialmente, ela continua prisioneira de falsas concepções democratizantes que, na
verdade, reproduzem a Mlógica dos herdeirosMe privam os mais fracos de adquirirem
o indispensável ~capital escolar~ A abertura da escola, por si só, não produz nenhum
fenómeno de democratização.
Politicamente, ela está fechada em perspectivas centralistas que, no caso português,
M
juntam a visão modernizadora da ~engenharia do planeamento à visão tradicional
do "humanismo cristão: assegurando a continuidade ministerial desde Veiga Simão
(1970),se não mesmo desde Leite Pinto (1955).
Infelizmente, como escreveu um dia Reinhart Koselleck, não é por avançarmos os
relógios que o futuro chega mais cedo. E a contemporaneidade? Ainda demora
muito tempo?


""
14-IS
Transbordamento? Recorde-se a lucidez de Daniel Hameline, em texto escrito há
um quarto de século:-lnvestida de todas as missões posslveis e imagináveis. a escola,
vítima de um verdadeiro dellrio inflacionista, v;a-se despojada da especificidade de
uma educação escolar. E foi este facto que criou um grande mal-estar no seio dos
professores, e também entre os pais e os alunos~ Repare-se que o filósofo francês
utiliza o passado. Mal ele sabia que o futuro daria às suas teses a mais notável das
demonstrações.
~ posslvel contar a história da escola ao longo dos séculos
XIX e XX a partir de uma
permanente acumulaçáo de missões e de conteúdos, uma espécie de transborda-
mento que a levou a assumir uma infinidade de tarefas.
Começou pela instrução, mas foi juntando a educação, a formoção, o desenvolvimento
pessoal e moral, a educaçãopora a cidadania epara os valores ... Começou pelo cérebro.
mas prolongou a sua acçdo ao corpo, à alma. aos sentimentos, às emoções. aos
comportamentos... Começou pelas disciplinas, mas foi abrangendo a educação para a
solide e para a sexualidade. para a prevenção do tabagismo e da toxicodependéncia,
poro a defeso do ambiente e do património, para a prevençdo rodoviária... Começou
por um ·currículo mrnimo; mas foi integrando todos os conteúdos passiveis e
imagináveis, e todas as competéncias, tecnológicas e outras, pondo no ·saco curricula"
cada vez mais coisas e noda dele retirando.
O que não era posslvel realizar noutras instâncias sociais passou-se para dentro da
escola, sempre com a certeza da sua capacidade de regenerar,de salvar ou de reparar
a sociedade. Idêntica evoluçáo conheceu a pedagogia, que se foi alargando a todas
as dimensões da vida, generalizando uma -relação educativa- com as crianças, com os
jovens e, agora, com os adultos.
O caminho do transbordamento conduziu-nos a um impasse. Será que existe alguma
salda?
Retraimento? se a modernidade escolar se definiu por transbordamento, é possível
que a contemporaneidade da escola se caracterize por um processo de retraimento.
Eu sei que esta McontençãoM não nos deve fazer esquecer as aquisições da
modernidade sobre a educação integral, a importAncia dos contextos sociais ou a
autoformação, entre tantos outros temas que estão inscritos no nosso património
pedagógico.
Mas a escola não pode tudo. E, por isso, parece-me imprescindível que ela se
reencontre como organização centrada na aprendizagem, partilhando com outras
instAncias um trabalho educativo mais amplo. Não quero separar o que está,
inevitavelmente, ligado. Pretendo, sim, valorizar uma educação escolar preocupada,
fundamentalmente, com a aprendizagem dos alunos. Esta opção permitir-nos-á
concentrar os esforços e libertar outras dimensões da formação de uma matriz
excessivamente escolarizante.
Uma sociedade que se diz do conhecimento tem de criar redes e instituições que,
para além da escola, se ocupem da formaçào, da cultura, da ciência, da arte, do
desporto. Estou a pensar no que tenho designado por espaço público da educação,
um espaço que integra a escola como um dos seus pólos principais, mas que é
ocupado por uma diversidade de outras instAncias familiares e sociais.
Re-instituir a escola obriga-nos a imaginar novas modalidades de organização,
formais e informais, num esforço lento e persistente de inovação. Ao gesto grandioso
prefiro a paciência de treinar todos os dias, pois ·se não realizarmos este treino diário
perdemos a forma, perdemos a pujança, ficamos incapazes de ganhar a provaM
(António Sérgio, 1929).
~ modesto o que vos proponho?Talvez.Mas depois de todos os excessos e de todas
as ilusões é preciso ser prudente.


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16-11
A Educação portuguesa. Corpus documental (séc. XIX-XX). Este livro
segue acompanhado de um CD-ROM cuja coordenação foi assegurada em conjunto
com a Filomena Bandeira:
Repertório da Imprensa de Educação e Ensino. Trabalho publicado em 1993, que
apresenta fichas analíticas de 530 periódicos dedicados a temas de educação e ensino.
Dicionário de Educadores Portugueses. Livro publicado em 2003 que contém 900
biografias de homens e mulheres que se dedicaram ao ensino e à educação.
Catálogo da Imprensa de Educação e Ensino. Base de dados com cerca de 2300
registos bibliográficos de periódicos pedagógicos, escolares, associativos e
institucionais.
Bibliografia Portuguesa da Educação. Base de dados com cerca de 5000 registos
bibliográficos de títulos essencialmente da responsabilidade dos autores incluídos
no Repertório e no Diciondrio.
Estamos perante um enorme volume de dados e de informações, que abrange
fundamentalmente o período que vai da MRevolução Liberal (1820) ao M25 de Abril M
M

(1974).
O utilizador pode ler cada uma destas obras, isoladamente, ou realizar pesquisas
simples e cruzadas designadamente a partir de nomes, de títulos e de palavras-
-<have.
O CD-ROM contém diversas funcionalidades, sendo possível gravar e imprimir todos
os documentos, bem como os resultados das pesquisas efectuadas.
O corpus documental está centrado na "educação escolar~ mas tem inumeras
ligações à educação não-formal, às problemáticas associativas e assistenciais, à
educação familiar e às práticas culturais relacionadas com a infância e a juventude.
Agradecimentos. ~ impossível agradecer, individualmente, a todas as pessoas
que colaboraram nos diversos projectos que deram origem aos materiais incluídos
no CD-ROM. Deixo-lhes aqui um agradecimento, colectivo, na certeza de que esta foi
a dimensão mais importante do nosso trabalho.
Quero dirigir uma palavra muito especial à Filomena Bandeira que, ao longo destes
anos, revelou uma grande competência e uma enorme dedicação. O CD-ROM é fruto
da sua persistência e da sua determinação.
Durante os últimos quinze anos,a Biblioteca Nacional foi a nossa casa. Nada teria sido
possível sem a colaboração dos seus directores, técnicos e funcionários que, apesar
das limitações que se conhecem, foram inexcedíveis no apoio diário às nossas
pesquisas.
Mas é justo registar também uma menção a três entidades que, em momentos
distintos, foram essenciais para a criação das condições necessárias à investigação:
Ministério da Educação I Instituto de Inovação Educacional, Fundação para a Ciência
e Tecnologia e Universidade de Lisboa.
Artur Cruzeiro Seixas e Eurico Gonçalves ofereceram-me o Cadavre Exqu;s que abre
simbolicamente o livro. Paulo Catrica e Alfredo Cunha permitiram a publicação de
fotografias da sua autoria. O Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, o
Arquivo de Fotografia de Lisboa - CPF, o Instituto de Reinserção Social, o Museu João
de Deus, o Movimento da Escola Moderna e a Ana Isabel Madeira cederam-me
imagens que pertencem aos respectivos espólios. A todos, quero manifestar o meu
reconhecimento pessoal.
Uma palavra final para as Edições ASA, muito especialmente para o Dr. Matias Alves,
que acolheram este projecto editorial e nele deixaram uma marca de competência e
de profissionalismo.

António Nóvoa
Nova Oeiras, 1de Janeiro de 2005

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Criança$ para a colónia ~''Iea/' infntil ~"O Sku1071939.
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MODELO ESCOLAR E ESTATIZAÇÃO DO ENSINO


DO ANTIGO REGIME PARA O LIBERALISMO

Ao longo dos três séculos da Era Moderna,a formo escolar foi-se impondo aos modos
tradicionais de socialização, de aprendizagem e de transmissão cultural. Em meados do
século XVIII, graças ao trabalho dos jesuítas e de outras congregações docentes, o modelo
escolar encontra-se já razoavelmente definido: a educação das crianças e dos jovens reali-
za-se num espaço próprio, separado da famnia e do trabalho, sendo da responsabilidade
de um ou de vários mestres que ensinam um elenco de matérias previamente definidas
através de determinados procedimentos didácticos.
A expulsão dos jesuítas, em 1759, constitui um momento de grande significado na
história da educação, em Portugal e na Europa católica. Num curto espaço de tempo, o
Marquês de Pombal vê-se obrigado a substituir a Companhia na direcção e organização
dos estudos. Através das reformas de 1759 e de 1772 lança as bases de um sistema estatal
de ensino, antecipando a ideia de instrução pública, tal como ela se desenvolveria após a
Revolução francesa.
As reformas pombalinas substituem a tutela religiosa pela do Estado, criando as con-
dições para o processo histórico de expansão de uma sociedade de Mbase escolar~ Surge,
assim, o Estado educador ou, para utilizar a expressão de João de Deus Ramos, o Estado
mestre-escola.
Dois aspectos merecem realce na acção reformadora de Pombal. Por um lado, a defi-
nição de uma rede de escolas, segundo um plano elaborado por ·corógrafos peritos: que
prefigura um sistema de ensino em três níveis (primário, secundário e superior). Por outro
lado,a imposição de um imposto especial,designado por"subsfdio literário;exclusivamen-
te em beneficio das escolas régias e do pagamento dos seus mestres e professores.
Estas medidas, inéditas na Europa Setecentista, consagram uma lógica de racionali-
zação pensada a partir de um Estado centralizado. A rede escolar esboça uma nova geo-
grafia do desenvolvimento, favorecendo os centros urbanos e o litoral do pais. O subsidio
literário, verdadeiro·orçamento da educação:permite organizar um corpo profissional de
professores, directamente dependente do Estado.
No reinado de D. Maria I, assiste-se a uma inversão de prioridades, através de uma
maior atenção aos mestres que exercem no país rural (do interior) e de uma redução das
verbas para a educação. ~ uma clivagem política que marcará várias fases da nossa vida
nacional. Mas - e este é o ponto que importa sublinhar - consolida-se, nesta segunda
metade do século XVIII, uma determinada forma de intervenção do Estado na educação
que, no essencial, não se alterará até aos dias de hoje. Passado o período conturbado do
início do século XIX, o liberalismo vai reencontrar grande parte da herança pombalina,
mas já enriquecida pelos debates da Revolução Francesa, em particular pela exigência de
um ensino gratuito, laico e obrigatório.


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I

ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA
UMA INTENÇÃO LONGAMENTE IHCUMPRIDA

Vale a pena recordar as palavras proferidas por Almeida Garrett em 1822: "Torno a
dizer - as Cortes Portuguesas legislando no século XIX sem darem uma só hora de suas
tarefas à pública instrução, é um fenómeno em política, que a posteridade n~o saberá
explicar~

No dificil processo de transiç30 do Antigo Regime parece nAo haver tempo nem con-
dições para retomar, de frente, os debates sobre educação e ensino. Claro Que há indicias
de alguma agitaçAo em torno da ínstrução pública- (o recrutamento e o estatuto dos pro-
fessores,os pedidos de abertura de novas escolas.a nomeaÇao das primeiras mestras régias,
os primórdios da formação de professores, etc.). Mas a situação escolar parece largamente
acomodada à esquadria traçada por Pombal. Sâo tlmidas as adaptações ~ nova realidade.
Apesar de vários planos e projectos, é preciso esperar pelos anos de 1835-1836 para
que se estabeleça um primeiro corpo doutrinal. A obrigatoriedade escolar é estatuída
neste segundo fôlego do liberalismo, impondo-se aos pais de famUia, Jogo em 1835, a obri-
gaçâo·de enviar seus filhos ~s escolas públicas, logo que passem de 7 anos~Um ano mais
tarde,decreta-se que-todos os pais de famllia têm rigorosa obrigação de facilitarem a seus
filhos a instruç30 das escolas primária~
O principio da escrnaridade obrigatÓfia está na origem de um ciclo histórico que,
incorporando a herança revolucionária, ~ no Estado-nação e no impulso industrial os ele-
mentos de progresso da sociedade. Precisa-se de instrução, porque ·uma nação polida e
civilizada é mais fácil de governar do que um povo bárbaro e feroz: A ideia de educação
passa a estar associada a novas formas de governo dos individuas e das sociedades.
Portugal foi um dos primeiros países na Europa a legislar sobre a obrigatoriedade
escolar. Foi um dos últimos a cumpri-Ia. As leis sobre educação e ensino nunca traduziram
a realidade existente, nem sequer a realidade passiveI. Foram sempre textos programáticos
que se limitaram a condensar, num dado momento, as vontades ou as intenções de certos
grupos ou personalidades.
Cerca de 1870, as taxas de escolarização seriam pouco superiores a 10% da popula-
çjo em idade escolar, muito longe dos pa'ses mais próximos (30% em Itália ou 40% em
Espanha) e a uma enorme distãncia dos palses mais 10nglnquos (60% na Noruega ou 70%
na Suécia). O acesso de todas as crianças portuguesas ~ escola, mesmo no que diz respei-
to a uma escolaridade mínima,apenas será assegurado, imperfeitamente, na segunda meta-
de do século Xx.
E porquê? A pergunta tem muitas respostas: a fragilidade da acção do Estado, a insu-
fICiência das elites, a insignific3ncia da iniciativa particular, as resistências várias à cultura
escolar. Ageografia do atraso cruza-se sempre com a geografia da ignorância e da pobreza.

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GravunllS repmduzidillS na obr. de Lanuoster sobre o en~no mútl,ll), 1823.


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o ENSINO MÚTUO
A PRIMEIRA TENTATIVA OFICIAL DE REFORMA DOS MÉTODOS

No final do século XVIII, o modo de ensino individual já tinha cardo em desuso.


subsUtuldo pelo modo de ensino simuftdneo. que, como o seu nome indka, consiste em
dar liça<> a muitos disdpulos ao mesmo tempo, como se fosse a um só (Campagne. 1886).
Agora. neste princípio do século XIX. todas as atenções se viram para o modo de ensino
mútuo, que permite multiplicar a acç.\o do mestre,com aulas em que sáo instruIdos cente-
nas de alun05. Os decretos de 1835 e de 1836 estipulam que·o método adoptado para o
ensino primário é o método do ensino mútuo~
Hoje, é-nos difícil imaginar a extensão do debate sobre os métodos e os modos de
ensino que tem lugar ao longo do século XIX. Os teóricos da pedagogia escrevem inúme-
ros tratados explicando a diferença entre méfodo (maneira de dirigir e guiar o processo
ensino-aprendizagem) e modo (maneira de organizar o ensino numa escola). Mas, na lin-
guagem corrente, os termos confundem-se.
O modo de ensino mútuo traz com ele a ilusão de uma mudança radical na educa-
ção das crianças e, também,dos adultos. Ele promete responder às necessidades de expan-
são da instrução pública, propondo-se ensinar o maior número de alunos no menor tempo
posslvel. A ·solução mágica- assenta num processo de racionalização que impõe uma
pedagogia geométrica, através da organização do espaço, da disposição dos alunos, da
graduação dos estudos e das modalidades de transmissão dos conteúdos.
O sucesso do ensino mútuo restde numa forte hierarquizaçao no interior da sala de
aula, com uma cadeia de comando entre o mestre, os monitores (ou decur~) e os discl·
pulos, eles próprios organizados em função do seu merecimento:-rodas as classes são pos-
tas em progressão natural desde a primeira até à última. Cada classe tem um decurião,
soletrando e escrevendo as palavras, as quais os diferentes decuri6es ditam a cada classe.
O decurião de uma classe não tem senão um dever, que é ditar, ou ver que um dos meni-
nos da mesma classe dite, palavras para a classe soletrar; e o menino que ditar uma pala-
vra a escreverá também o decurião;e, inspeccionando o que cada um fez., será responsável
por qualquer erro que eles cometam, e prepará-los-á para a inspecção do mestre- (lancas-
ter, 1823).
A introdução do ensino mútuo pode ser interpretada como a primeira tentativa ofi-
ciai de "reforma dos métodos: Nesse sentido, não espanta que ela tenha sido acompanha-
da por um conjunto de incentivos materiais aos mestres e por um esforço de formação dos
professores, que conduziu ao aparecimento dos primeiros cursos normais. Mas, concebida
de cima para baixo, a reforma salda-se por um insucesso que se torna patente quase de
imediato. No relatório de 1853 do Conselho Superior de Instrução Pública assinala-se a
exist~ncia de 1175 escolas primárias, sendo que apenas 15 utilizam o modo mútuo.lnicia-
ra-se o longo e doloroso caminho das desilusões reformadoras...
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"LICEUS DE PORTUGAL" (1836 - 1978)


O TODO PODEROSO IMPtRIO DO MEIO

No decurso de quase 150 anos, os liceus vivem numa tensão permanente entre
modelos opostos, que coexistem graças a uma miscigenação de normas, estruturas e prá-
ticas. O liceu deve ser uma instituição nacional ou local? Deve ser um serviço do Estado ou
uma organização de profissionais? Deve promover um currículo literário e humanista ou
científico e utilitário? Deve favorecer a selecção das elites ou a mobilidade social? Deve
organizar-se segundo o regime de classes ou de disciplinas? Deve ser dirigido por um dele-
gado do governo ou por um representante dos professores?
É possível identificar três fases principais na história do ensino liceal. Um primeiro
período, de grandes indecisões, que vai do momento fundador (1836) até à reforma que
cria, de facto, o "liceu moderno w (1894-1895). Um segundo período, de consolidação do
Mliceu real: que se prolonga, com avanços e recuos, até ao ano de 1930. Um terceiro período,
de expansão e Mexplosão: que dura até à extinção dos liceus após o 25 de Abril.
Do ponto de vista organizativo, a criação dos liceus, em 1836, limita-se a concentrar
num mesmo local as disciplinas avulsas que existiam desde a reforma pombalina. A con-
cretização desta medida não significa mais do que a coabitação de professores e alunos
que ocupam um mesmo edifício, sem qualquer coordenação das suas actividades. Vigora
um regime de estudos centrado nas disciplinas, sem um plano que as articule e que orde-
ne a progressão dos alunos ao longo do curso.
A reforma de Jaime Moniz (1894--1895) surge como uma tentativa para contrariar esta
situação. Uma das principais alterações impõe a Mdistribuição comum, consecutiva, paralela,
M
por justaposição, gradual das diferentes disciplinas, valorizando uma organização horizon-
tal do currlculo, baseada no regime de classes e na coordenação do trabalho dos professo-
res. A outra alteração consiste no reforço dos dispositivos disciplinares e do enquadramen-
to moral dos alunos. São estes os dois pilares sobre os quais se edifica o Mliceu real7
No seu início, o Estado Novo tem algumas hesitações, nomeadamente quanto ao
regime de classes. Mas a reforma de 1947 retoma a organização curricular por classes, ao
mesmo tempo que insiste na dimensão formativa, e não apenas informativa, do curso liceal.
A partir deste momento, verifica-se um processo regular de expansão do número de alu-
nos, que provoca uma transformação quantitativa e qualitativa dos liceus. A sua extinção,
depois do 25 de Abril, é a consequência inevitável de processos sociais e políticos que exi-
giam novos modelos de ensino.
Os liceus tiveram um enorme impacto na sociedade portuguesa. Apesar de todas as
insuficiências, eles cumpriram um importante papel na formação das classes médias. Em
cada tempo histórico, concreto, foram sempre motivo de críticas e insatisfações. Mas, anos
mais tarde, são as memórias nostálgicas que prevalecem e que tendem a devolver-nos
uma imagem idílica deste rodo poderoso império do meio (ver Nóvoa, 8arroso e Ó, 2003).


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A QUERELA DOS MÉTODOS NO ENSINO DA LEITURA


OS POETAS CASTILHO E JOÃO DE OEUS

A querela dos métodos torna-se muito intensa na segunda metade do século XIX. Em
1850, António Feliciano de Castilho apresenta o Método Português de leitura Repentina.
Iniciando com uma forte crítica ao ensino mútuo e Màs decúrias das escolas jesuíticas7
o novo método alimenta a ilusão de uma solução rápida para os problemas da instrução.
É a promessa de ensinar a ler em poucas horas que suscita o interesse do público.
Castilho conhece maios debates pedagógicos da época. Mas tem uma intuição justa
e consegue mobilizar uma importante rede de apoios. Quase um século mais tarde, Adolfo
Uma chamar-Ihe-á precursor da educação nova e da escola activa. A gravura de Manuel
Maria Bordalo Pinheiro, desenhada para a 2~edição do Método, retrata a escola como um
templo que irradia a luz do saber, expulsando o antigo mestre-escola e a sua palmatória.
Apesar de inúmeras controvérsias, Castilho recebe a consagração oficial em 1853, ao
ser nomeado Comissário Geral de Instrução Primária pelo Método de Leitura Repentina.
Mas, bem mais importante, é a adesão que conquista nos drculos nascentes da formação
de professores. As escolas normais serão o lugar principal de defesa e de propaganda do
seu método.
Em 1876, um ano depois da morte de Castilho, a Cartilha Maternal de João de Deus
apresenta-se, uma vez mais,Ncontra os métodos antigosNe anuncia uma revolução pedagó-
gica baseada na eficácia e na rapidez das aprendizagens. Ao título, explica o seu filho João
de Deus Ramos, Ndeve dar-se-Ihe o significado lato de que compete o ensino primário às
Mães, porque, em prindpio, nos ensinam a falar e nos deviam ensinar a ler~
A batalha feroz que se trava entre os adeptos de Castilho e de João de Deus (também
ele nomeado,em 1888, Comissário Geral do Método João de Deus) revela bem a importãn-
N
cia social e política que o Ncampo educativo começa a adquirir. E não deixa dúvidas sobre
os interesses que se movimentam à volta do cada vez mais rentável negócio dos livros
escolares.
A procura de uma decisão objectiva quanto ao mérito dos dois métodos leva à ela-
boração de estudos comparados, com base em experiências práticas. Mas o que está em
confronto não é uma questão técnica ou científica. t, sim, uma determinada mundividên-
cia. Castilho está mais próximo dos drculos profissionais e dos autores que buscam uma
aproximação científica à pedagogia. João de Deus tem melhor acolhimento junto das cor-
rentes da educação familiar e da educação popular e nos sectores que se batem pela reno-
vação intelectual e politica do país.
A polémica prolonga-se pelo século XX dentro,iluminando a importância destes dois
poetas na emergência de uma nova concepção de educação. Na verdade, apesar de todas
as oposições, um e outro estão preocupados com um ensino atraente, capaz de suscitar o
interesse dos alunos e de promover uma aprendizagem intuitiva e racional. t o inicio da
modernidade escolar e pedagógica no nosso país.

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MLÍllstérío da JnstroçãopáUíca
esquema gero/do ensíno

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Esquemas inclufdos numa brochura do Ministério da Instruç~ Pública, 1933.


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DO MINISTÉRIO DA INSTRUÇÃO PUBLICA (1870)


AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL (19]6)

Castilho foi um dos primeiros educadores a defender a criaçáo de um Ministério da


Instruç!o Pública, proposta que suscitou um largo apoio no final do século XIX. Em 1860,
Antero de Quental afirma que a car~ncia de um ministério próprio de instrução é uma das
~causas do menosprezo e quase aversAo, que entre nós sofrem letras e cil!ncia~ Em 1890,
Bernardino Machado bate-se pela existência de um ministério especial de instrução públi-
ca,desde que ele nao leve à paralisia da~cooperação das corporações locais no governo do
ensino:
Três motivos explicam esta reivindicação: a progressiva afirmação de um campo edu-
cativo especializado. dotado de autonomia face a outras áreas da governação; a necessida-
de de um ordenamento institucional, que ponha fim à dispers:io dos assuntos educativos
por vários ministérios; a urgência de consagrar um orçamento próprio à educaç:io, retiran-
do-o, como escreve D. António da Costa em 1868, da dependência "do ministério que tem
a seu cargo a polftica interna com todas as complicações eleitorais e locais~
e útil interpretar esta ideia à luz de uma mudança nas formas de governo e, sobretu-
do, nas modalidades de intervenç:io do Estado na educação. A articulaç:io polftica dos
prindpios da nacionalidade, da soberania e da cidadania abre um novo papel para a esco-
la, tanto na produção das identidades nacionais como na consolidaç:io do Estado-nação.
O Ministério dos Negócios da Instrução Pública (1870) e o Ministério da Instrução
Pública e Belas-Artes (1890-1892) acabar:io por ter uma existência efémera. Quando o
Ministério da Instrução Pública é definitivamente instituldo,em 1913, um parecer da Socie-
dade de Estudos Pedagógicos aponta já para a designação de -Ministério da Educação:
mais adequada, segundo o relator, às ideias modernas que subordinam a instrução à edu~
cação.
Em 1923, o projecto de reforma Camoesas avança com a criaç:io de um Ministério da
Educação Nacional, integrando competências das áreas da Justiça, do Trabalho e da Saúde.
Estamos perante uma concepção nova de Estado educador, que assume tarefas de -gestão
das populações: com base numa dilatação do espaço educacional e da sua jurisdição.
Adesignação-Ministério da Educação Nacional- só será adoptada em 1936. Segundo
Gustavo Cordeiro Ramos, alargava-se assim·a acção da escola, cujo fim não é apenas ensi-
nar, mas sobretudo educar e educar politicamente~O novo ministro, Carneiro Pacheco,
explica que não vem render a guarda, mas sim-dirigir a ofensiva do Estado Novo pela edu-
cação nacional~
Se a bandeira do final do século XIX foi a criação de um Ministério da Instrução Públi-
ca, o projecto do princípio do século XXI é a sua -extinção:isto é, o abandono de esquemas
normativos e centralizadores em favor da adopção de modalidades de regulação e de ava-
liação que permitam um reforço das instituições locais e das responsabilidades profissio-
nais.

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Fotogta& de' Alfredo Cunha. Alunos - ~ Frio, 1988.
TR~S GRANDES CICLOS HISTÓRICOS
REFORMAS SEM INOVAÇÃO

A legislação de 1835-1836 estabelece as bases do sistema de ensino em Portugal.


Mas é a política regeneradora, depois de 1851, que torna mais evidente a importância da
educação para o progresso material e moral dos povos. Adoptando uma perspectiva histó-
rica longa, podemos falar de três grandes ciclos de reformas no decurso dos últimos 150
anos.
o primeiro ciclo, optimismo reformodor, inicia-se nas décadas de 1860-1870, prolon-
gando-se até à tentativa fracassada de Camoesas.em 1923. ~ um tempo de crenças desme-
suradas, e algo ingénuas, na possibilidade de uma regeneração social através da escola. Na
sua simplicidade,as palavras de O. António da Costa, em 1870, resumem as certezas de várias
gerações: M~ facto averiguado que a instrução diminui os crimes e restringe a miséria~ Ape-
sar de muitas desilusões, o impulso reformador manter-se-á inabalável até à queda da
República.
O segundo ciclo. pragmatismo conservador, abrange, no essencial, o regime naciona-
lista. Oefine-se uma lógica de ajustamento e de contenção. que introduz dispositivos de
regulação reformadora do sistema. Verifica-se um nivelamento por baixo da oferta educa-
tiva, uma espécie de Mescola mínima Mque não permite alimentar grandes ambições de
mobilidade social. Mais do que os conhecimentos ou a cultura,importa assegurar o robus-
tecimento do corpo,da vontade e do carácter. Carneiro Pacheco resume as intenções nacio-
nalistas numa expressão muito interessante: Um lugar paro coda um,coda um no seu lugor.
Baseadas num forte enquadramento moral, as políticas nacionalistas revelam uma certa
eficácia interna, pelo menos até ao limiar do processo de explosão escolar (década de
1960).
O terceiro ciclo, modernização tecnocrática, prolonga-se desde os primeiros sinais de
democratização do ensino, na década de 1960, até aos dias de hoje. O investimento nos
recursos humanos (Mcapital humano'") é considerado essencial para a ·industrialização· e,
mais tarde. para o ·desenvolvimento~ Este ciclo reformador acompanha-se de uma dinã-
mica de democratização do ensino ou, pelo menos, de abertura da escola ao conjunto dos
alunos. As novas orientações tendem a favorecer uma mobilidade social controlada. Em
1956, o ministro leite Pinto utiliza uma imagem que seria impensável poucos anos antes:
Ma célebre frase de Apeles -, Sapateiro! Não subas acima da chinela!, - é a negação do ensi-
no técnico~
Apesar das enormes diferenças, há marcas que vão permanecendo de um ciclo para
outro. Em primeiro lugar, a ilusão de uma"reforma"desencadeada por voluntarismo central
(quase sempreMlegislativo'").Em segundo lugar,a desatenção e o desfasamento em relação
às práticas pedagógicas e às realidades educativas concretas. Em terceiro lugar, a incapaci-
dade de romper com uma lógica burocrática, estimulando a emergência de rotinas de ino-
vação e de avaliação no dia-a-dia do trabalho escolar.
Gr~ra reprodulida na ~içlo de 1853 do ~odo Castilno.
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o ATRASO EDUCACIONAL
I!ANDAHENTO - MEADOS DO SÉCULO XIX

Portugal é um país arrasado. Ea couso primeira deste atraso é o estado caótico da insrru-
,do pública. A frase atravessa, intemporalmente, os últimos dois séculos da vida portugue-
sa. O sentimento de insatisfaçAo começa a ganhar contornos no perlodo inicial do Libera-
lismo, mas será a geração de 70 a dar-lhe uma forma nítida e clara. A partir deste momento,
o tópico do atraso inscreve-se, definitivamente, na nossa relaçAo com o pais e com o
mundo.
Assinalem-se duas datas simbólicas. Em 1851, realiza-se a primeira Exposição Univer-
sal em Londres, abrindo a -montra das nações· que expõe os progressos de cada pais. Em
1853, reúne-se o l':'Congresso Internacional de Estatlstic3, em Bruxelas. que lança as bases
do -estudo numérico dos factos sociais~ ~ na articulação destes dois movimentos, o univer-
salismo e a estat/stica, que se gera a necessidade, se não mesmo a inevitabilidade, de uma
comparaçao entre pafses. O atraso é sempre função de uma medida e de uma relação ao
outro que se quer imitar ou superar.
Num tempo em que a cidadania se elabora no seio de um projecto colectivo de cons-
tituiçao do Estado moderno, os nfveis de industrialização constituem um dos principais
indicadores para medir a prosperidade dos povos. Em Portugal, as primeiras estatfsticas
modernas sobre educação datam da década de , 860.A nova ·aritmética polftica· olha para
os indivíduos como ·grupos: como ·populações· que devem ser racionalmente governa-
das. Data desta época a crença na exist~ncia de uma re{ação entre educação e desenvolvi-
mento, que se define ora no plano individual (apesar de tudo,de mais simples demonstra-
çao), ora no plano colectivo. No interior das fronteiras nacionais e. sobretudo, nos espaços
de circulaçao internacional difund~,com alguma convicção e muita candura, esta espé-
cie de ·religião educativa~
Nao há coincidência no facto de D. António da Costa, o primeiro ministro a ocupar a
pasta da Instrução, ter sido também um dos introdutores dos trabalhos estatísticos no
nosso pais. No preãmbulo da sua reforma, em 1870, avança um diagnóstico muito critico
da situaçAo do ensino, utilizando diversos indicadores "quantitativos" (populaçao escolari-
zada, número de escolas e de alunos, despesas com a instrução, etc.). Pior ainda, segundo
o ministro, seriam os indicadores "qualitativos: aferidos pela Inspecção de 1867, uma vez
que 4/5 dos alunos foram considerados medfocres, facto doloroso "se atendermos a que
muitas destas nações, cujo estado de instrução seria o nosso maior progresso, se conside-
ram a si mesmas em imenso atraso~
A frieza dos números junta a geração de 70 as teses da decadência. Desde então,
nunca mais deixámos de fixar metas, sempre incumpridas, para diminuir o fosso que nos
separa dos ·pafses civilizados~ Com a consciência forte da sua necessidade e, ao mesmo
tempo, da sua impossibilidade. Não se estranham, por isso, as palavras de Adolfo Coelho na
sua Conferência do Casino, em 1871: ·Uma reforma radical não é talvez possível. Toda a
reforma nao radical é inútil~


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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO PRIMÁRIO


APRENDER PARA ENSINAR

05 professores que o desenvolvimento inrelecrual e moral dos povos reclama não se


enconrrom, formam-se - as palavras de Lufs Filipe Leite, na inauguração da Escola Normal
de Lisboa, em 1862, são um marco na história da formação de professores. Durante a pri-
meira metade do século XIX, tinha havido várias experiências e iniciativas,com o objectivo
de preparar os professores para a introdução de novos métodos. Agora, concretiza-se a ins-
titucionalização dos cursos de formação. Doravante, apesar de muitos avanços e recuos,
não mais deixará de se considerar que o exercício da docência implica uma formação pro-
fissional de base.
Os primeiros modelos de formação são fortemente influenciados por uma tradição
sacerdotal, quer na escolha dos alunos-mestres (Ma moralidade é mais importante do que
o saberj, quer na adopção do internato ("a ambiência na escola normal é essencialmente
religiosa M), quer ainda na finalidade dos programas (Mdesenvolver o espírito de missão e de
M
vocação para o magistério docente ). Paralelamente, fixa-se uma matriz que obriga o pro-
fessor a Mpõr-se no seu lugar7 não se armando em Mgrande senhorMe evitando os Mares
pedantes~Luís Filipe Leite avisa que não compete à Escola Ma criação de doutores em peda-
gogia, mas sim de bons mestres~Os professores não devem saber de mais, pois em vez de
mestres tornar-se--iam Msábios pretensiosos"!
Numa decisão de grande significado para a profissionalização docente, a reforma de
1901 decreta a obrigatoriedade de frequentar o ensino normal para aceder ao magistério
primário. Até aqui, os esforços essenciais tinham-se concentrado na normalização de pro-
cedimentos, designadamente no plano dos métodos e da organização da escola. A segun-
da fase, que se estende pelo primeiro terço do século XX, corresponde a uma abertura às
áreas da pedagogia e das ciências da educação. Mais tarde, o Estado Novo insistirá sobre-
tudo nas dimensões didácticas e na prática pedagógica.
Registem-se dois aspectos desta história. Por um lado, a aceitação progressiva da
necessidade de uma preparação profissional: MOS que frequentam esta Escola Normal
sabem muito bem que ela é um instituto de educação profissional: vem aqui aprender-se
a ser educador, como numa faculdade de medicina se aprende a ser médico" (Alberto
Pimentel Filho, 1932). Por outro lado, a consolidação da pedagogia como disciplina nu-
clear na formação de um professor: MPara educar mestres não basta expor princípios de
ciência, é preciso ensinar a ensinar, ensinar pedagogiaM(João de Andrade Corvo, 1866).
A designação a/unos-mestres revela bem a cultura profissional que se respira nas
escolas normais, onde a prática e o tirocínio nas escolas anexas ocupam um lugar de pri-
meiro plano, numa perspectiva mais técnica ou mais reflexiva. A divisa adoptada em 1918
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pela Escola Normal de Lisboa -MAprender para ensinar - ilustra bem o sentido que tomou
a formação de professores do ensino primário.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO SECUNDÁRIO


CEM ANOS DE INDECISÃO

Na segunda metade do século XIX emerge, lentamente, a necessidade de formar os


professores do ensino secundário: ·Se a profissão do magistério é uma profissão cientifica
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como qualquer outra, professor precisa de um perfodo de aprendizagem,que o habilite
a entrar capaz e dignamente no exerdcio das suas funções· (Ferreira-Deusdado, 1887).
Os olhares viram-se para o Curso Superior de Letras que, segundo a ideia inicial, "devia ser
a escola normal para o magistério secundário· (Adolfo Coelho, 1908).
No final do século, reforça-se a preocupação com a formação de professores, seja
através de tentativas para introduzir"didácticas do ensino· no Curso Superior de Letras, seja
através da criação de cátedras universitárias de Pedagogia. Em Lisboa, Ferreira-Deusdado
lecciona uma cadeira de Psicologia e Ciência da Educação, ramo de saber indispensável
numa Escola que pretende ser um "alfobre de professores~Em Coimbra, Bernardino Macha-
do assume a regência de um curso de Pedagogia, porque não se deve exagerar-o prindpio
de que se aprende, ensinando!" e "entre nós ensinam-se já muitas coisas, mas ainda mal se
ensina a ensinar~
Estão reunidas as condições para o lançamento do Curso de Habilitação para o
Magistério Secundário, em 1901. A estrutura curricular consagra três anos de preparação
cientifica e um quarto ano de preparação pedagógica,com forte componente prática. Este
modelo tem limitações evidentes, o que leva uma representação de professores a reivindi-
car, em 1906,"a criação de uma escola especial de pedagogia~
As Escolas Normais Superiores, fundadas em 1911, respondem a este desiderato.
Depois de concluírem a formação científica, os alunos frequentam durante dois anos uma
"escola especial~ onde se preparam, do ponto de vista teórico e prático, para a profissão de
professor. Organiza-se, assim, um espaço institucional próprio no qual se cruzam os sabe-
res pedagógicos com a cultura profissional do magistério.
Foi muito atribulada a vida destas Escolas, que seriam substituldas em 1930 pelas
famosas-ciências pedagógicas:que se baseavam numa "dívisão entre a cultura pedagógi-
ca e a prática pedagógica~Deste sistema anacrónico, que perdurou até à queda do regime
nacionalista, resultaram graves inconvenientes e apenas uma vantagem: o reforço dos
liceus normais e o apare<imento de alguns notáveis professores-metodólogos.
Depois de 1974 muito se disse e se fez neste campo. Mas tem sido difícil instituir pro-
gramas que, assegurando a ne<essária preparação científica, não descurem a dimensão
pedagógica, nem a relação à prática e à cultura profissional docente. Sobrepor as discipli-
nas de base às ciências da educação e às práticas de ensino não resolve qualquer problema.
Mas são muitos os interesses que dificultam a necessária reforma. E não será a formação
contínua a colmatar as deficiências da formação inicial. O século XXI abre com uma grave
indecisão nesta matéria.


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o MOVIMENTO ASSOCIATIVO DOCENTE
UMA PROFISSÃO,VÁRIAS IDENTIDADES

A medida que o século XIX avança, assiste-se a um reforço do associativismo docen-


te. As formas iniciais, de base assistencialista ou mutualista, vão sendo substituídas por
modalidades de '"associação da classe'" e, mais tarde, por organismos sindicais. Ao longo
deste processo, consolida~se o estatuto dos professores como "funcionários do Estado:
No ensino primãrio,o associativismo adquire contornos combativos bastante cedo,
manifestando-se com vigor na imprensa. O jornal A Federoçdo Escolar afirma em '886:
'"se para obtermos os fins que temos em vista carecemos de ser políticos, sê-Io-emos: As
conferências pedagógicas (a partir da década de 1870) e os congressos do magistério primá-
rio (1892 e '897) revelam um forte esplrito reivindicativo, desencadeando mesmo a repres-
são das autoridades.
O movimento mantém-se muito activo na viragem do século,conduzindo a dinâmi-
cas de sindicalismo profissional, bem presentes na União do Professorado Primário (1918·
-1930) que chega mesmo a ameaçar a Ditadura Militar:"Mal do governo mais forte sea clas-
se do magistério primário, composta por 8000 professores espalhados pelo pals,com uma
esplêndida organização associativa por distritos e concelhos, tudo em relação com um
organismo central, entrasse de espalhar pelo país o descrédito dum ministério: Conhece-
-se o que veio a seguir...
O período republicano é muito interessante,devido ao debate sobre formas alterna-
tivas de associativismo: tentativa de eleger deputados-professores, papel dos professores
nas juntas escolares, propostas de auto-organização do corpo docente. Em 1915, Adolfo
lima defende que '"o Estado é incompetente para tratar de assuntos pedagógicos e nomea-
damente do recrutamento de professores:sugerindo que compete aos professores a esco-
lha dos colegas e a regulação da profissão.
No caso do ensino secundário, sucedem-se várias associações que ganham grande
peso no início do século Xx. A sua actividade desenvolve-se em dois pólos principais: o
prestígio da classe e a intervenção nas decisões em matéria educativa. Os cinco congres-
sos promovidos pela Federação das Associações dos Professores dos liceus (1927-19311
representam o ponto mais alto deste labor.
Após um longo perlodo de proibição, o movimento associativo ressurge na década
de 1960, através do Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Particular e, mais tarde,
dos Grupos de Estudo. A realização do 6~Congresso do Ensino liceal, em 1971, abre uma
fase nova, que terá expressão plena no regime democrático. Consolidam-se, então, corren-
tes sindicais que unem as duas culturas do professorado ('"primário'" e "secundário'"). Mas
esta unidade não esconde a existência de identidades múltiplas, bem patentes na expan-
sâo de associações sectoriais ou disciplinares e de tendências pr6-0rdem. Nofinal do sécu-
lo XX, torna-se nltido o esgotamento dos modelos sindicais tradicionais e a necessidade de
uma renovação profunda do associativismo docente.

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LIBERDADE DE ENSINAR E DE APRENDER


PROFESSORES, FAMíLIAS, IGREJA

Em 1871, D.António da Costa explica que a liberdade do ensino se funda "no direito
individual de aprender e de ensinar: Num notável discurso parlamentar,em 1884, Bernar-
dino Machado afirma que quer esta liberdade e mais ainda:"Quero não só que o homem
de ciência tenha aonde expor todas as doutrinas que julgar verdadeiras, mas que ao aluno
se permita também escolher à vontade o seu professor. que ele possa transitar de uma
para outra escola. contando-se-Ihe sempre os seus estudos anteriores, e que dentro da
mesma escola possa optar entre o professor oficial e o professor livre: Mas avisa que estes
principias não devem ser confundidos com a liberdade de indústria, pois o ensino "não
pode sujeitar-se à lei natural da oferta e da procura, porque a procura não exprime uma
necessidade que tenta satisfazer-se às cegas; então a lei económica seria apenas uma lei
animal e não uma lei social~
~ um tema que atravessa todo o sé<ulo XIX e todo o século Xx. Em Portugal e no resto
da Europa. De inlcio,a questão principal prende-se com o controlo, pelo Estado, das habili-
tações dos Mprofessores livres: exigência formulada, antes de mais, pelos ·professores ofici-
ais~ Mas os sucessivos conflitos demonstram que o debate não é meramente corporativo.
São várias as clivagens que separam as diferentes partes, ora por razões de ciência, ora por
orientações ideológicas, ora ainda por motivos políticos ou religiosos.
Ao adoptarem parte do ideário de 1789,as correntes liberais acreditam que "todos os
cidadãos mais pertencem à Pátria do que a seus próprios pais" (Rebelo de Carvalho, 1823).
Coloca-se, assim, a questão da famma e dos seus direitos quanto à educação dos filhos.
A controvérsia não mais abandonará o campo educativo, dando origem a páginas brilhan-
tes e apaixonadas. Cite--se, por todos, O P': Manuel Antunes: "O Estado,como zelador do bem
comum temporal, tem interesse, para salvaguardar a paz pública e manter a coesão nacio-
nal, não só em não violar a liberdade das consciências mas em assegurar a colaboração das
iniciativas privadas e mesmo de as tratar em plano de igualdade com a escola pública" (25
de Março de 196n.
A Igreja católica é uma instância central neste debate. Grande parte dos colégios pri-
vados são de iniciativa religiosa, baseando-se numa filosofia de prolongamento da acção
familiar. Em diversos discursos, o ministro Carneiro Pacheco (1936-1940) explica a impor-
tância de uma Meducação moderna" que sirva "a Deus, à Pátria e à Famllia~ Durante o salaza-
rismo, os conflitos amenizam-se, apesar das caracterlsticas estatizantes e centralizadoras
do regime, confirmando que o debate é sobretudo ideológico. Nâo espanta, por isso, que
ele tenha ressurgido,com grande intensidade, depois do 25 de Abril.Agora,já não se trata
de assegurar a"liberdade de ensino:mas sim de promover duas agendas politicas e econó-
micas: o financiamento de escolhas privadas através de dinheiros públicos e a regulação da
educaç:io através das leis do mercado.

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Um aspecto da aula de Ciências Naturais, Colégio de Nun'Álvares. Cernache do Bonjardim, 1930.
o ENSINO LIVRE
INOVAÇÃO E PROGRESSO?

Para além dos aspectos ideológicos e políticos, o debate sobre a liberdade de ensino
tem duas facetas afloradas igualmente no discurso parlamentar que Bernardino Machado
profere em 1884:a inovação e o progresso.
No que diz respeito à inovação, logo em 1835, José Augusto Braamcamp defende
que, -podendo as escolas particulares competir com as do Estado, abre-se a porta a todos
os progressos,e aperfeiçoamentos que o tempo for descobrindo: Esta tese sugere a possi~
bilidade de o ensino livre contribuir para inovações e experimentações que seriam mais
diffceis no ensino oficial: -Funda-se além disto em dotar as nações com a melhoria de
inventos, em multiplicar os focos da instrução, em ser estímulo para o ensino oficial se
melhorar, e em receber dele igual estímulo- (O. António da Costa, 1871).
Esta leitura da liberdade de ensino terá consequências politicas em diversos momen-
tos da nossa história, merecendo destaque a acção desenvolvida pelas correntes positivis-
tas, pelos clrculos libertários e pelas escolas novas. Em todos estes movimentos, acredita-
-se que poderão vir do ensino livre o estímulo e a inspiração para a renovação do ensino
oficial.
Júlio de Matos escreve uma das peças mais radicais a este propósito, criticando a
tutela do Estado e a influência do catolicismo. -lavrando um protesto contra o miserável
estado do nosso ensino:afirma, em 1881,que o Estado, ao criar um ensino oficial sujeito à
acção centralizadora do poder, -mata irremediavelmente a instrução, porque lhe rouba o
mais importante estímulo de progresso - a concorrência dos professores:
A posição de Júlio de Matos baseia-se na defesa da liberdade de pensamento e de
um compromisso do paIs inteiro com a instrução: -Pois não é a sociedade toda quem lucra
com o derramamento da instrução? Não é o paIs na sua totalidade quem perde ou ganha
com o abatimento ou com a elevação intelectual, moral e politica dos seus filhos?:Ao fazê-
-lo, introduz o tema do progresso, partilhado por um conjunto de autores que se batem
pela necessidade de juntar os esforços oficiais aos particulares, argumento que O.António
da Costa expõe, em 1884, nas Auroras da insrrução pela iniciativa particular.
Estas duas ilusões não durariam muito tempo. Cedo se compreendeu que, apesar de
notáveis excepções, o ensino livre raramente contribuiu para promover a inovação. Bem
pelo contrário, regra geral, limitou-se a repetir, para pior, os defeitos do ensino oficial.
Ecedo se compreendeu também que eram exíguas as energias e os meios que a iniciativa
particular (familiar, empresarial, local, religiosa, associativa) tinha interesse ou capacidade
para investir em educação. A um Estado fraco e burocratizado juntou-se um ensino livre
pobre e pouco criativo. O nosso drama nunca foi Estado a mais e iniciativa particular a
menos, ou vice-versa. O nosso drama foi sempre Estado a menos e iniciativa particular a
menos.


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Escoa. Estetan". Usbo.. entre 1898 e 1908.
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Maquele para Escoa. lndustrial- TIpo A. 1934.
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pOLíTICAS DE DESCENTRALIZAÇÃO DO ENSINO


A ESCOLA É UM SERViÇO CENTRAL OU LOCAL?

As reformas pombalinas colocam o ensino sob a tutela do Estado. Os professores,


reconfortados por uma protecção que os liberta das influências locais, apoiam as politicas
de estatização e centralização. Em 1890, a pergunta formulada por Bernardino Machado -
"A escola é um serviço central ou locaW - coloca uma dúvida que atravessa os sé<:ulos XIX
e Xx. Documentos oficiais, petições das juntas distritais, relatórios de inspecção e artigos na
imprensa defendem a necessidade da descentralização do ensino, ao mesmo tempo que
alertam para a "impreparaçâo· das autoridades locais. Em 1890, Teófilo Ferreira chegará a
escrever que é adepto da descentralização, em teoria, mas que discorda da sua aplicação,
na prática.
O primeiro grande impulso descentralizador, desencadeado pela reforma de 1878,
depara-se com a oposição dos professores, receosos de serem transformados em Mempre-
gados camarários Mou, pior ainda, de ficarem novamente Mà mercê dos pais e das comuni-
dades~Os ânimos descentralizadores não esmorecem com este fracasso. Em 1908, o discur-
so de Borges Grainha contra oMvírus centralizador"é aplaudido de pé pelo l~Congressoda
Liga Nacional de Instrução.
Estava aberto o caminho para a descentralização municipalista do ensino, ensaiada
no início da República, com a intenção de restituir Maos representantes do povo a gestão
dum negócio que, por sua natureza mesma, lhe pertence, e mais do que nenhum outro
interessa à sua vida M(Alves dos Santos, 1913). Mas a história repete·se e a descentralização
fracassa uma vez mais.
Após a Grande Guerra, em 1919, ressurge uma proposta descentralizadora, mas desta
vez assente numa Mautoridade profissional M(os professores) e niío numa Mbase municipalis-
ta~ As juntas escolares serão defendidas pelo movimento associativo, considerando-as uma
questão de Mdignidade da classe docente Me a única forma de assegurar o prestfgio e o
poder dos professores. Mas a experiência não resistirá mais do que cinco ou seis anos.
As controvérsias sobre o tema da descentralizaçiío não se limitam ao ensino primá-
rio. A dicotomia nacional/local está igualmente presente ao longo da história dos liceus,
como bem demonstra João Barroso (1995) e, por maioria de razão, na organizaçiío do ensi-
no industrial e, mais tarde, do ensino técnico profissional.
O regime nacionalista impõe uma forte centralização do ensino.A discussão reabre-se
com as reformas educativas da democracia que se alinham, retoricamente, pela descentra-
lização. Todavia, rapidamente se compreende que nada será feito sem uma reorganização
profunda das formas de intervenção do Estado na educação e dos modos de regulaçào do
trabalho dos professores. O consenso em torno da descentralizaçào é um pouco enganador:
alguns querem um maior poder das autarquias; outros insistem num reforço da autonomia
das escolas; outros ainda pretendem intensificar a participação das Mcomunidades locais Mna
vida escolar. O debate está longe de ter chegado ao fim.

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A CONSOLIDAÇÃO DA GRAMÁTICA DA ESCOLA


O ÚNICO ME.LHOR SISTEMA

o último terço do século XIX é um periodo essencial para compreender a consolida-


ção de formas de organização escolar que, apesar de sucessivas tentativas de mudança,
resistiram até aos dias de hoje. Há um conjunto de evoluções que, segundo David Tyack e
larry Cubano produzem a gramática da escola: alunos agrupados em classes graduadas,
com uma composição homogénea e um número de efectivos pouco variável; professores
actuando a titulo individual, com perfil de generalistas (ensino primário) ou de especialis-
tas (ensino secundário); espaços estruturados de acção escolar, induzindo uma pedagogia
construlda essencialmente no interior da sala de aula; horários escolares rigidamente esta-
belecidos, que impõem um controlo social do tempo escolar; saberes organizados em dis-
ciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e da pedagogia. ~ neste
momento, de grande densidade histórica, que se fabrica uma concepçtio de rrobolhoesco-
lar, que está impregnada de uma pedagogia nova e de práticas de ensino que integram
princlpios de avaliação, de progresstio e de organização dos estudos.
No caso do ensino primário, as escolas centrais são a melhor ilustraçtio deste proces-
so. Aideia de dividir as aulas da instruçtio primária em ~c1asses7distribuindo os alunos ~não
pela idade ou pela altura, mas pelo seu estado de adiantamento7constitui uma novidade.
A regulamentaçao dos programas para cada classe configura um ~ensino metódico e pro-
gressivo- e um modelo de acçao do professor que estão na origem da "escola moderna~
Quem o diz é Pedro Eusébio leite, quando recorda a acção de Simões Raposo na Casa Pia
de Lisboa, na década de 1860. Esta instituiçtio desempenha,juntamente com o municlpio
de Lisboa, um papel essencial no ensaio e experimentação da escola ·central- ou ·gradua-
da7 que viria a ser adoptada pela legislação posterior a 1878.
No caso do ensino liceal, a ref()fma de 1894-1895 consagra a passagem de um siste-
ma de disciplinas avulsas para um regime de classes. Os textos regulamentares sobre a prá-
tica do ensino fixavam, à partida, que nenhuma disciplina do plano de estudos era inde-
pendente e que todas estavam ligadas -pelo princípio de uma intenção comum~ Como
escreverá mais tarde o autor da reforma, Jaime Moniz. tratava-se de instituir uma ·distribui-
ção comum, consecutiva, paralela, por justaposição, gradual7valorizando uma organização
horizontal do currículo, baseada na ligaçAo entre as disciplinas e na coordenação do traba-
lho dos professores. O modelo tinha como principal objectivo ~reduzir à unidade, no espI-
rita do aluno,a variedade forçosa das matérias de ensino~
Estes dois apontamentos breves permitem compreender a ·naturatização~ de uma
gramática que define as fronteiras da modernidade escolar. O modelo impõe-se como o
único melhor sistema (The one besf s)'stem), para citar de novo David Tyack, Não é apenas o
melhor sistema, mas sim o único posslvel e, mesmo, imaginável. Reside aqui a sua força e a
explicação para a sua permanência no tempo,


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OS EXAMES
PEÇA CENTRAL NO GOVERNO DA EDUCAÇÃO

Não há ensino sem avaliação. A função social ou pedagógica de controlo dos alunos
é inerente ao acto de educar. Durante muito tempo, este processo não obedeceu a um
plano regular e sistemático. Mas,a partir de meados do século XIX,o exame transforma-se
no dispositivo principal de regulação das políticas educativas e das práticas de ensino.
Neste perlode histórico, circulam imagens contrastantes, bem reveladoras de um
debate de fundo sobre os exames. Na caricatura, apreendemos com nitidez diferentes sen-
sibilidades. Por um lado,denuncia-se a ferocidade dos interrogatórios,apresentados como
a "degola dos inocentes· ou como uma "verdadeira tortura inquisitorial~ Por outro lado, ridi-
culariza-se a generosidade dos examinadores, que distribuem facilmente~aprovações com
18 valores~ e Mdistinções para todos~
Falar de avaliação é, também, chamar a atenção para o significado dos exames de
admissão, através dos quais se elaboram políticas de selecção ou de abertura, se definem
estratégias de valorização do ensino público ou de reforço do ensino privado e se repar-
tem os alunos por vias liceais ou técnicas. Na transição da República para o Estado Novo,
os trabalhos psicomédicos expõem uma visão científica das~aptidões:produzindotestes e
diagnósticos que o movimento de orientação profissional se encarregará de sistematizar.
Os especialistas, pelo seu lado, interrogam-se sobre as melhores técnicas de organização e
de realização dos exames, produzindo relatórios, medidas e estatísticas que estão na géne-
se de uma das mais prolixas disciplinas, a docimologia.
Educadores e políticos conhecem bem a importância dos exames, tanto para a vida
dos alunos como para a conformação dos sistemas escolares. Ninguém ignora que eles
constituem o elo principal de ligação entre os professores e os pais, entre o que está den-
tro e o que está fora da escola. Enquanto~rituais de passagem;ocupam um lugar único na
memória de várias gerações de portugueses.
Na segunda metade do século XX, chamar-se-á a atenção para a necessidade de
atender mais ao ensino do que ao exame. Em 1966, num período de intensas disputas polí-
ticas e científicas sobre o mérito dos exames, Rui Grácio sugere uma curiosa analogia com
o atletismo: "Comprar cronómetros de alto quilate, mantê-los afinados, e preparar crono-
metristas competentes, não alteraria a qualidade do nosso atletismo, apenas permitiria
verificar com maior precisão a mediocridade do seu nível~
Na reforma curricular planeada na década de 1980 por dois importantes especialis-
tas da educação, Roberto Carneiro e Marçal Grilo, a pedagogia da ~avaliação formativa~
funde-se com a preocupação de ~combate ao insucesso escolar: consagrando a substitui-
ção dos ·exames~ por outros processos de avaliação. Não foi preciso muito tempo para
compreender que estávamos perante uma falsa democratização. Mas, perdidos nos ata-
lhos desta politica, parecemos incapazes de um pensamento renovado, que nos liberte da
dicotomia entre a denúncia e a celebração dos exames.


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PAIS E PROFESSORES FACE AOS EXAMES


O DIPLOMA OU O SABER?

Na diffcH relação escola-família,os exames são uma das fontes principais de descon-
fiança mútua. Os professores alegam que os pais querem que os filhos sejam aprovados,
de qualquer maneira, independentemente do mérito e do saber. Os pais acusam os profes-
sores de excesso de rigor e de indiferença perante a situação concreta de cada criança.
Queirós Veloso explica, em 1898, que a maior facilidade nos exames Mtem sido sem-
pre o grande desiderato dos pais, neste país, onde raro se aprende para saber, mas unica-
mente para passar~João de Barros sonha,em 1919,com o dia em que os pais portugueses
não queiram Mapenas ver os seus filhos aprovados no fim do ano, mas vê-Ios sabedores,
enérgicos e saudáveis~ Em 1948, Paiva Boléo afirma queMuma grande parte dos pais impor-
ta-se pouco com que os filhos estudem ou saibam: o que lhes interessa é que passem e
alcancem um diploma~
As citações poderiam continuar páginas a fio. Há um período-<have nesta contenda,
que coincide com a afirmação da psicologia aplicada à educação e da orientação profissio-
nal. José Pereira Tavares abre o I Congresso Pedagógico do Ensino Secundário Oficial, em
1927, com o Mdiscurso da crise: denunciando a desorganização e a indisciplina espantosas
a que chegou o ensino em Portugal. As razões encontra-as ele, em grande parte, na atitu-
de dos pais:NA um pai ouvi eu dizer, na presença do seu próprio filho, que o que queria é
que ele passasse; que lhe era indiferente que ele soubesse ou que fosse ignorante~
A posição contrária é defendida por uma Comissão delegada de numerosos chefes de
família, em 1932,que se bate contra um sistema de exames que seria contrário às caracte-
rísticas da mocidade portuguesa, cujo perfil é assim traçado: Mcapaz de esforços mentais
intensos, mas curtos, rebelde ao esforço lento, à tenacidade, à persistência e à continuida-
de,espíritos de grande vivacidade, propensos às sínteses rápidas, fulgurantes, mas incapa-
zes das análises pacientes, meticulosas e profundas; cérebros de grande elasticidade mas
sem firmeza, inteligências abertas a todas as curiosidades, mas só atraídas com entusiasmo
pela novidade e pelo inédito, vontades facilmente vencidas e tornadas inertes pela mono-
tonia das ocupações mentais~
Eis o retrato que as elites portuguesas traçam dos seus próprios filhos. Estamos
perante um verdadeiro manifesto contra a cultura escolar. Em educação, os argumentos
mais frágeis misturaram sempre uma vaga referência às características psicológicas da
mocidade com uma procura da especificidade, da alma ou do génio do Mhomem portu-
guês~ O encontro entre duas tendências conduziu-nos, demasiadas vezes, por caminhos
indesejáveis.
O dilema dos exames tende a ser ultrapassado da pior maneira. Os pais recorrendo à
indústria das explicações para que os filhos obtenham o almejado diploma. Os professores
limitando-seMa ensinar para exame~(Riley da Mota, 1934), convencidos de que assim cum-
prem a sua missão. Uns e outros, por vias diferentes, contribuem para o empobrecimento
do ensino e da aprendizagem.


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55
A IGNORÂNCIA DOS ALUNOS
O ETERNO REGRESSO DO MESMO DISCURSO

~ difícil situar com rigor o período em que se generaliza a ideia que os alunos ~o
cada vez mais ignorantes. Estamos perante um discurso atemporal que produz, utilizando
critérios próprios de cada momento, uma argumentação plausível e verificável. A emer-
gência das ciências humanas e a forma como a psicologia é aplicada à educação a partir
do final do século XIX concedem-lhe um verniz de cientificidade e objectividade.
Aqui ficam algumas citações, década a década:
'"A maioria dos estudantes 1_.] desfalece perante o mais rudimentar trabalho analitico; racioci-
na errado, se raciocina; 1130 sabe observar; MO sabe classificar:deduz mal, induz pior"(Decre-
to de 1894).
'"'Em Portugal. o aluno sai da escola primária um Vffdadeiro ignorante" (Albano Ramalho,
19(9).
0"0s alunos 1_] aproveitam pouco, pela sua falta de prep.araç30 liceal, pela nenhuma assidui-
dade da maioria ~ e por não completarem em casa com estudo aturado as doutrinas exi-
bidas na aula"{). Leite de Vasconcelos.. 191 5}.
. "~ manifesta a falta de prepa~ que os alunos dos liceus apresentam ao ingressarem nos
estudos superiores: deficiências de conhecimentos cientificos e de desenvolvimento mental"
(Eusébio Tamagnini, 1927)•
. "Verifica-se nas respostas de muitos examinandos uma ignorancia absoluta de certas maté-
rias e lêem-se em muitas delas os disparates mais fantásticos· (Alves de Moura. 1939).
. °Quem anda envolvido nas lides do ensino sabe a dose de benevolência que é preciso empre·
gar para nao excluir maior número de alunos, dado o grau de preguiça e de indigência men-
tal a que se chegou· (J~ Anghn, 1947).
··0 nível mental da maioria dos alunos do ensino liceal é muito baixo· (Fernando Pinho de
A1meida,1955).
As. referências poderiam continuar, registando essa espéóe de passa-<ulpas que Octá-
vio Dordonnat denuncia em 1949: o professor universitário diz que os alunos vêm muitissi-
mo mal preparados;por sua vez,o professor liceal náo perde a oportunidade de afirmar que
o seu trabalho é prejudicado pela deficiente preparação dada na escoo primária; o profes-
sor primârio esse, na impossibilidade de atribuir culpas a inferior grau de ensino, queixa-se
da influência perniciosa das famílias ou do atraso mental das crianças.
No decurso do século, uma certa vulgata psicológica (sobre o nivel mental dos alu-
nos, as suas caracterfsticas psíquicas e comportamentais, etc.) vai-se misturando com con-
ceitos sociológicos transformados em lugares·comuns (sobre as origens sociais dos alu-
nos, a reprodução das desigualdades, etc.) produzindo a mais inútil literatura sobre temas
educativos.
São ideias persuasivas e persistentes. que servem apenas para "desculpabilizar" ou
para Mdenunciar':Neste caso,"optimistas" e"pessimistas" situam-se exactamente no mesmo
plano: uns e outros recusam-se a um esforço de anâlise e de compreensão. Candidamente.
revelam a sua ignorância (dos factos. das estruturas. das escolas) para demonstrarem a
ignorância dos alunos.

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Fotografia de J. Adriano. Oficina de sapataria, ReformatÓfio de Vila do Conde, infcio do século XX.

Fotografia de Alberto Carlos lima. Sala de aula com adultos, inicio do século XX.
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o ANALFABETISMO EM PORTUGAL
DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA

No decurso do século XIX. os modos tradicionais de aprendizagem ",ao sendo substi-


tuldos por formas cada vez mais escolarizadas de alfabetização. Ao adquirir um lugar cen-
trai no processo educativo,a escola retira legitimidade às din.amicas informais de transmis-
são dos saberes (na famllia. na vizinhança, no trabalho).
~ muito curioso que a hist6ria tenha consagrado, como primeira medida estatística
do analfabetismo. a percentagem de 88% inscrita no Censo de 1864 que não se reporta, na
verdade, à população de analfabetos, mas sim à população infantil nao-escolarizada.-Alfa-
betizaçaio·torna-se. assim, sinónimo de ·escolarização~
A partir deste momento histórico. o analfabetismo é encarado como um ·problema-
e passa a ser objecto de uma construção teórica e discursiva. logo em 1870, D. António da
Costa afirma que·o ignorante é um vivente, não é um homem~ Durante muitos anos, o
analfabeto será visto como um ser imperfeito, incompleto, inacabado. São imagens que
chamam a atenção para o fosso que separa o "homem" do ·cidadão: fosso impossível de
transpor sem o recurso a uma formação escolar.
A cidadania constitui a referência principal dos debates sobre o analfabetismo na
transição do século XIX para o século Xx. Não espanta, por isso, que este·combate: para uti-
lizar uma expressão da época, tenha sido travado em primeira mao pelos republicanos.
Os primeiros congressos da liga Nacional de Instrução são largamente dedicados a este
tema. Em 1909, Bento Carqueja inicia assim a sua intervençào:"lntendonalmente, escrevo a
palavra luta ao referir-me aos recursos de que é preciso lançar mão contra o analfabetismo,
porque entendo que não bastam os meios de propaganda; são indispensáveis meios coer-
civos~

No final da República, apesar da intensa retórica e de algumas medidas (escolas


móveis, sanções aos analfabetos, etc.). respirava-se um clima de desalento: as estatísticas
mostravam que a curva do analfabetismo tinha continuado a descer, mas no mesmo len-
tíssimo ritmo da Monarquia!
Anos 1878 1890 1900 1911 1920 1930
Analfabetismo (9f:,) 78% 76% 7'% 70% 66% 6'%
As explicações republicanas para este fracasso são de uma enorme superficialidade,
revelando a incapacidade para compreender o ·problema do analfabetismo· e para o
enquadrar numa visão politica, social e cultural.
Ironia da história. No final do século XIX, vivia-se o drama do défice intelectual - 4/5
de portugueses não estava em condições de exercer uma cidadania plena. Um século mais
tarde,o pafs acorda sobressaltado com o défice de qualificaçóes - 4/5 dos portugueses pos-
sui, na melhor das hipóteses, a escolaridade mfnima obrigatória, não estando em condi-
ções de assegurar uma efectiva empregabilidade.

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EDUCAÇÃO DO SEXO FEMININO


É A MULHER A EDUCADORA POR EXCELÊNCIA!

A abertura da escola normal primária para as raparigas,em 1866, é um momento sim-


bólico no debate sobre a educação da mulher e no processo de feminização do professo-
rado. D. António da Costa considera mesmo que o ensino primário do sexo masculino
deveria ser entregue às mulheres, recorrendo ao testemunho de Maria José (anuto, profes-
sora numa escola nocturna:"Eu tinha ali as classes divididas em quatro falanges de homens
e rapazes. Obedeciam-me em tudo. Se um dia me lembrasse de os insurreccionar, conse-
gui-lo-ia sem esforço. Consagravam-me todos sumo afecto~
"I: a mulher a educadora por excelência" - as palavras do primeiro ministro da Instru-
ção Pública, em 1870, coincidem com um aumento significativo da escolarização do sexo
feminino, revelando uma uideologia maternal Uque influencia fortemente o pensamento da
época.A preocupação social com as questões da puericultura,da higiene e da saúde infan-
til, que começa a manifestar-se nesta altura, tende a delimitar um espaço de intervenção
que seria mais adequado a umaUnatureza feminina~
A definição desta Unatureza" serve ora para assinalar uma certa inferioridade da
mulher. ora para defender um prindpio de igualdade. Eis-nos reconduzidos ao amago do
debate. Para uns, trata-se de mobilizar as descobertas da ciência para justificar que duas
máquinas,"uma forte, outra fraca~não sejam educadas da mesma maneira. Para outros, sem
deixarem de avisar queUo que há a educar na mulher não é torná-Ia um homem" (Camila
de Carvalho, 1913),0 objectivo não é conseguir"uma educação para a mulher, mas, sim, a
educação para a mulherU(Adolfo Lima, 1925).
~ a partir desta segunda perspectiva que se elaboram as teses feministas que, segun-
do Camila de Carvalho, significam"a igualdade social de todos os seres humanos:O progra-
ma de cidadania de que o feminismo é portador assenta, largamente, num projecto de
emancipação pela educação. Mas as novas necessidades de formaçào surgem, também, de
mudanças na relação da mulher com o trabalho:"O que se torna indispensável é ministrar-
-lhe uma educação sólida,guiando-a para o fim ideal da vida:a independência pelo traba-
IhoU(Maria Clara Alves, 1917).
Aqui ficam, telegraficamente, três apontamentos sobre a educação da mulher:a ideo-
logia maternal, a cidadania, o trabalho. No ensino primário,o número de alunas não cessa
de crescer desde finais do século XIX, ainda que só muito tarde se cumpra a escolaridade
obrigatória: nos meios populares, há muitas crianças que não frequentam a escola e, nas
classes altas, mantém-se, até meados do século XX, uma forte tradição de educação domés-
tica. No ensino secundário, depois da primeira tentativa falhada de fundar os institutos
femininos, em 1888, a criação do Liceu Maria Pia, em 1906, anuncia uma importante transi-
ção: no final da década de 1950,já há mais raparigas do que rapazes a estudarem nos
liceus. Pouco tempo depois, ~mile Planchard fecha um ciclo, ao argumentar que, contraria-
mente à voz corrente,"a mãe não é educadora por natureza7

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AS CASAS DE eSCOLA
HIGIENE, PEDAGOGIA, PODER

Durante muito tempo,asescolas não tiveram casa própria. Albergadas nos sítios mais
diversos, frequentemente nas oficinas ou nas habitações dos mestres,confundiam-se com
outros lugares da sociedade. Em meados do século XIX, nesse momento excepcional de
fabricação do modelo escolor, o edifício da escola torna-se tema obrigatório dos debates e
das políticas.
No caso do ensino primário, os edifícios vão adquirindo um simbolismo cada vez
maior, desde as escolas Conde de Ferreira (legado de 1866) até às escolas Adães Bermudes
(projecto de 1898), terminando nas construções republicanas. Há uma progressiva impo-
M
nência dos edifícios, concebidos como Mtemplos laicos com a residência do professor em
lugar de destaque. O Estado Novo inverte esta tendência, apelando à modéstia e à sobrie-
dade, caracter{sticas que estão bem presentes no mais importante programa de constru-
ções escolares do século XX,o P/ano das Centenários (1941).
No caso do ensino secundário,a primeira vaga de edificações prolonga-se até ao final
da República, ficando marcada por preocupações médico-higiénicas, mas também por um
esforço de adaptação ao ·regime de c1asses~ A Ditadura Militar esboça uma acção neste
campo, logo em 1928, mas um programa sistemático de novas construções só será defini-
do em 1938. A partir desta data, edificam-se liceus e escolas técnicas que marcam, ainda
hoje,a paisagem urbana de muitas vilas e cidades. No final da década de 1950, há um novo
ciclo de construções, no sentido de responder ao acréscimo da população estudantil que
provoca uma verdadeira MimplosãoMdos edif{cios existentes.
Há dois temas que atravessam a história da arquitectura escolar, como Faria de Vas-
concelos recorda, num diagnóstico de 1924, ao referir que ·podem contar-se a dedo os edi-
fícios que satisfazem às condições que a higiene e a pedagogia reclamam:No que diz res-
peito à higiene, a reflexão científica e sanitária conduz à elaboração, desde finais do século
XIX, de uma série impressionante de normas e regulamentos sobre as salas, os corredores,
as janelas, a iluminação, as paredes, entre inúmeros outros detalhes, pois MO edifício escolar
deve ter um cunho fundamentalmente higiénico e deve ser modelar sob este ponto de
vistaM (Costa Sacadura, 1914). No que diz respeito à pedagogia, verífica-se um esforço de
adaptação às correntes modernas, que trazem perspectivas de organização curricular e de
educação integral que influenciam profundamente a concepção dos edifícios escolares,a
utilização dos espaços e a estruturação do tempo dos alunos.
Os edifícios escolares são um tema recorrente do debate educativo. No decurso do
século XX,eles adquirem uma enorme visibilidade pública, ocupando um lugar de primei-
ro plano na geografia do pais, mas também no imaginário individual e colectivo. Para além
das suas funções internas, a caso da escolo delimita um território de poder e de expectati-
vas: o futuro de muitas crianças joga-se no interior destas paredes mais ou menos majes-
tosas.


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Caneira du~ 1&66.

Adlfei~
Catteira tripla. 1866

carteira d4!' ~tudo, c. de 1915.


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o MOBILIÁRIO ESCOLAR
A CARTEIRA DEVE ADAPTAR-SE AO ALUNO. E NÃO O CONTRARIO!

Os retratos de ·salas de aula- anteriores ao século XIX caracterizam-se por uma gran-
de desordem, com crianças, jovens e adultos misturados num mesmo espaço, por vezes
com a companhia de animais, de alfaias e de ferramentas, de alimentos e de produtos agri-
colas. Com excepçào dos internatos e dos colégios, a vida escolar confunde-se com o quo-
tidiano da aldeia.
No prindpio do sé<:ulo XIX, é o reverso desta imagem que ilustra o ensino mutuo:
agora, reina uma ordem geométrica, com os alunos sentados em grandes bancos corridos,
alinhados uns atrás dos outros. logo em 1835, mesmo antes de se tomarem medidas sobre
os ediffcios escolares, o Direcfório das Escolas Primdrias impõe regras sobre o estrado, as
mesas ou os bancos. Ê a partir desta motriz que se estabelecem regras de organização do
mobiliário escolar que se tornarão cada vez mais rigorosas. A higiene e a pedagogia são os
dois pólos principais de uma reflexão que mobiliza também questões estéticas, simbólicas,
económicas, materiais e técnicas.
O primeiro grande momento do debate sobre o mobiliário escolar (anos 1860/1870)
coincide com o aparecimento de preocupações higiénicas e sanitárias, que conduzirão a
uma infinidade de preceitos sobre os materiais e os equipamentos mais adequados ao
corpo e ao conforto dos alunos. A importância que o tema adquire nas Exposições Univer-
sais do final do século XIX justifica~se pelo cruzamento entre uma dimensão científica
(a mensuração e o controlo do corpo humano) e a possibilidade de introduzir inovações
técnicas no fabrico e na produção de objectos numa área de tão grande relevância social
e polftica.
O segundo grande momento do debate (anos 19101/920) organiza-se em torno das
questões pedagógicas. Neste perfodo, as preocupações com o mobiliário escolar inscre-
vem-se no contexto da distinção escola passiva/escola activa. Um texto emblemático de
Faria de Vasconcelos, publicado em 1921, resume bem os argumentos desta geração de
educadores: MAs carteiras actuais deformam corporalmente a criança, originam atitudes
viciosas e doenças - escoliose, miopia, etc. - impõem-lhe uma imobilidade contrária à sua
natureza, às suas necessidades de movimento e liberdade flsica, cansam-na excessivamen-
te, barbaramente. [...] São carteiras feitas para a audição passiva, para o estudo livresco, para
a disciplina autoritária do silêncio e da imobilidade~
Apesar do retrocesso pedagógico no perlodo do Estado Novo, bem patente na
manutenção de um mobiliário pesado e antiquado, vai-se assistindo, a pouco e pouco, à
utilização de materiais mais ligeiros, que permitem uma utilização pedagógica flexível e
adaptada a diversas circunstâncias. Os bancos corridos e as carteiras presas ao solo dão
lugar, no final do século XX, a mesas e cadeiras que mesmo uma criança pequena pode
transportar, juntar ou arrumar. Neste caso, a tecnologia serviu propósitos pedagógicos,
ainda que a geometria da sala de aula se mantenha, frequentemente, inalterada.

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PEDAGOGIA
CI~NCIA DA EDUCAÇÃO OU TEORIA DA ARTE DE EDUCAR?

Em Portugal, como no resto do mundo, a criação de cadeiras de Pedagogia nas Uni-


versidades. em finais do século XIX, revela a vontade de edificar uma ·ciência positiva da
e
educação~ certo que a pedagogia já existia nas escolas normais, mas adquire agora um
estatuto de maior prestIgio. Em 1883, Adolfo Coelho afirma que-a moderna ciência da edu~
cação não formula preceitos deduzidos por processas puramente racionalfsticos: observa
e experimenta; depois só induz e deduz7E,alguns anos mais tarde,o regente da disciplina
em Coimbra, Bernardino Machado, explica que a pedagogia é-a parte da politica que trata
do governo dos estudos:
Nesta época, sucedem-se os esforços para definir os referenciais científicos da peda-
gogia, em torno de duas posições extremas:~a pedagogia é a ciência da educação~diz Paim
da Câmara (1902);~a pedagogia é a teoria da arte de educar~contrapõeJosé de MagalMies
(1924).A primeira posição recorda alguns dos postulados de Alexander Bain ou mesmo de
Gabriel Compayré,ao passo quea segunda está mais próxima das teses de tmile Ourkheim
sobre a pedagogia como teoria prática. Mas uma e outra tencionam ir além de um pensa-
mento apriorlstico:"a observação da criança, e sempre a observação, deve ser, como para o
clínico, o nosso guia constante7
t esta atitude que caracteriza o trabalho da geração que consolida uma matriz cien-
tífica no estudo da criança e dos processos educativos, na qual se incluem nomes como
Alves dos Santos, Costa Sacadura, Alberto Pimentel Filho, Costa Ferreira ou Faria de Vascon-
celos. Ao mesmo tempo,assiste-se ao desenvolvimento de disciplinas que constituirão, no
inicio do século XX,as Ciências da Educação: Pedagogia Experimental, Psicopedagogia, Pue-
ricultura, Higiene Escolar, Pedologia, Psicologia aplicada à Educação, Educação Social, His-
tória da Educaçtío, etc. Percebe-se, neste caleidoscópio, a presença forte do campo médico,
mas sobretudo das duas áreas que vão dominar o discurso pedagógico: a Psicologia e a
Sociologia.
Escusado será dizer que este movimento suscita fortes reacções de quem não gosta
de ver~demasiadaciênciaWmetida nestas coisas da educação:"Para muitos em Portugal, e
por infelicidade para alguns professores, [...) nasce-se professor como se nasce poeta:ques-
tão de vocação e entendem que a pedagogia se reduz a umas lérias com que uns manía-
cos querem complicar esta coisa simplicissima de ensinar rapazes w(Santa Rita, 1915).
Mas. apesar de todas as críticas, Faria de Vasconcelos obtém um largo consenso
quando escreve, em 1921, que a pedagogia contemportínea tem um carácter e um espíri-
to nitidamente científico:wPor um lado, chama ao seu auxilio toda uma série de ciências,
como a biologia, a antropologia, a psicologia, a sociologia, a moral, a arte, etc. cujas aquisi-
ções e métodos lhe servem para melhor estudar, compreender, interpretar os factos e os
problemas pedagógicos. Por outro lado trata os factos, problemas e processos pedagógi-
cos com um critério próprio, como factos naturais e positivos7

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Crianças num asl\Q.lnlclo do século xx.
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o ATRASO EDUCACIONAL
2':ANDAMENTO - TRANSiÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX

Na viragem do século XIX para o século XX,o discurso do atraso confunde-se com um
sentimento de cansaço. A realidade resiste aos projectos reformadores. Aos argumentos
habituais, vem agora juntar-se a evidência dos números. Os Censos da População (1864,
1878 e 1890) traçam um retrato bem mais negro do que se esperava:NQuando por mais
de uma vez ouvíamos afirmar que a legião dos nossos analfabetos ia muito além de dois
terços da população, estávamos bem longe de supor que a triste realidade dos factos era
muito mais lastimosa do que a julgávamos· - desabafa José Simões Dias, em 1897.
Há um misto de indignação e de desalento nesta geração. Indignação, porque é difl-
cil aceitar as incapacidades governativas, as sucessivas e contraditórias reformas, a impos-
sibilidade de executar um plano coerente de reorganizaçao do ensino. Desalento, porque
existe a certeza de ter havido algum esforço do país, designadamente na formação de pro-
fessores e na expansão da rede escolar, que parece não ter dado qualquer resultado.
O Manifesto de 1897 sintetiza bem um estilo de análise que vai repetir-se ao longo do
século Xx. O documento abre com um diagnóstico chocante do défice intelectual: "Dos
cinco milhões de habitantes que constituem a população portuguesa, quatro milhões
vivem mergulhados na mais sombria ignorancia: são analfabetos~Os parágrafos seguintes
são dedicados a referências várias aos paises civilizados (Holanda, Suiça, Inglaterra, Alema-
nha, etc), concluindo-se que·o Portugal de tradições orgulhosas, o descobridor da [ndia,
está, pela instrução. muito abaixo da Turquia~
Um quadro comparativo das taxas de analfabetismo no Sul da Europa (valores apro-
ximados) revela que, apesar das evoluções registadas, a distancia entre Portugal e os res-
tantes palses foi sempre aumentando.
Cerco do ano 1875 1900 1915
Portugal 80% 75% 64%
Espanha 76% 65% 35%
It.tilia 70% 56% 25%
França 37% 25% 5%
Porquê? Se não foi por desinteresse, nem por ausência de iniciativas polfticas, nem
sequer por falta de meios, como se explica esta situação? As respostas mais correntes
apontam para a burocratização e centralização do ensino, para a incapacidade das elites,
para a exiguidade dos recursos financeiros, para a indiferença dos pais ou para "caracterís-
ticas intrínsecas ao povo português~ A medida que o tempo passa sente-se que estas
razões nem tudo justificam. E parece necessário lançar duas linhas de reflexão. A primeira,
sobre um sistema de ensino que, contrariamente às crenças de certa ~beatice idealista~ é
mais totalizado do que totalizador, sugerindo que as dinâmicas reformadoras deveriam
basear-se na mudança do que já existe e não na invenção do que poderá ser. A segunda,
sobre um voluntarismo político,que insiste em impor reformas imaginadas a partir do cen-
tro em vez de dotar as escolas de capacidades autónomas de inovação e de desenvolvi-
mento.

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Fotogr~fia de J. David. Alunos do Liceu de Lisboa, 1902-1903.

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Fotografia de J. David. Alunos do Liceu Passos Manuel, 1908-1909.


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o LICEU ENTRE A INFÂNCIA E A VIDA ADULTA


AUTORIDADE E LIBERDADE, DISCIPLINA E AUTONOMIA

Se a infância vive os primeiros anos de escola numa proximidade grande com a faml-
lia e as comunidades 10(ai5,0 liceu vai ajudar a construir socialmente uma-nova idade-que
ganhará uma importância cada vez maior ao longo dos séculos XIX e XX.O discurso de raiz
psicológica cumpre uma função essencial ao produzir categorias e classificações que legi-
timam identidades adolescentes, pessoais e sociais, consagrando uma separação entre a
esfera familiar e o espaço escolar. O Estado substitui progressivamente as famílias e a Igre-
ja no seu papel de formação das crianças e dos jovens: o novo a/uno, autónomo e respon-
sável, é também o novo cidadão, activo e empreendedor.
A operação histórica que inventa e desenvolve a ideia do liceu assenta nestes dois ele-
mentos. Por um lado, a emergência de práticas de autogoverno, que estimula uma discipli-
na que vem de dentro,juntando a liberdade à responsabilidade. Por outro lado,a afirmação
de um projecto sociopolítico que encara a cidadania, Muma cidadania consciente e esclare-
cida7como elemento central do progresso. A pedagogia moderna contribui para o estabe-
lecimento de uma nova relação entre o governo do Estado e o governo do indivíduo.
O liceu é uma organização pensada e desenvolvida por educadores e especialistas.
Os contextos politicos e os interesses das famílias desempenham um papel essencial,
nomeadamente para compreender o jogo da oferta e da procura de educação. Mas a com-
preensão daMmáquina liceal" reside nesse esforço continuado e sistemático para conceber
e consolidar dispositivos de enquadramento dos alunos. Tudo se passa como se os educa-
dores devessem tomar conta dos alunos, submetendo-os, em seu próprio nome, a uma
acção pedagógica que os torne capazes de enfrentarem a vida, isto é,de se comportarem
como trabalhadores eficientes e cidadãos responsáveis.
A educação integral, nas suas diversas modalidades e entendimentos, constitui a
linha central de um modelo de formação que se tornou de tal maneira preponderante que
somos incapazes de imaginar qualquer outra via ou possibilidade de educar.MSe instruir, na
verdadeira acepção da palavra, é diffcil, educar ainda é mais" - o texto de Adolfo lima
chama a atenção para uma modernidade pedagógica que tem como objectivo a formação
integral dos alunos.
Só é possivel compreender o processo de edificação do "liceu moderno" se estiver-
mos atentos à forma como a autoridade se inscreve a partir de um apelo à liberdade, como
a disciplina se inscreve como parte integrante do discurso da autonomia. Evice-versa. ~ a
fusão destes termos, e não a sua oposição, que permite um olhar diferente sobre os liceus.
Não se trata de apagar as cronologias polfticas ou as disputas ideológicas, mas tão-só de
delinear essa racionalidade - a razão de um saber técnico, cientffico e pedagógico - que
produz o liceu como a mais importante instituição especializada na formação dos alunos
entre a infância e a vida adulta (ver Nóvoa, Barroso e Ó, 2003).

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Caderneta Escolar
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o CADERNO ESCOLAR E O CADERNO DIÁRIO


REGISTOS DO PERCURSO ESCOLAR DOS ALUNOS LICEAIS

ApóS alguns ensaios menos conseguidos, o caderno escolar é consagrado em 1905.


Abel de Andrade, Director-Geral de Instrução Pública, justifica a medida:MComo meio de
prevenir as faltas de uns e premiar o bom procedimento de outros, copiámos, especjal~
mente da legislação francesa, a bela instituição do caderno escolar do aluno que, a par
desta utillssima fun~o. desempenha outras de n:io menor importância: substitui vantajo-
samente a correspondência. as mais das vezes impraticável entre o liceu e a famma do
aluno; orienta os professores e os examinadores acerca do aproveitamento com que ele
tem seguido os seus estudos; recordará ao aluno quando for homem, os passos mais
importantes da sua vida escolar~
A sobrevivência do caderno escolar - que, mais tarde, adoptará a designação de
caderneta escolar - explica-se não tanto pelo seu papel de "mensageiro" entre a escola e a
famltia, que tinha sido uma das suas vocações iniciais, mas, sobretudo, pela capacidade de
constituir uma espécie de Mcadastro" do aluno. Neste sentido, ele junta um conjunto de
informações sobre a vida escolar, que contribui para reforçar uma estrutura disciplinar de
carácter socializador. O reitor do Uceu Nacional de Bragança dirá aos seus alunos:MO cader-
no escolar é a vossa autobK>grafia" (Anuório de 19Q9. 1910).
Apesar de várias alterações e, sobretudo, de uma grande irregularidade na sua con-
cretização, este instrumento de registo da vida escolar e da história pessoal dos alunos
manteve-se até à extinção dos liceus. A partir da década de 1910 ele será acompanhado
pelo caderno diório,que deveria ser um espelho da aplicação continuada do aluno. As auto-
ridades procuraram que ele também cumprisse funções de controlo da comunidade esco-
lar e de comunicação com as famllias.O caderno servia para elucidar os pais sobre o per-
curso dos filhos, em particular no capftulo da avaliaç:io e do comportamento, ao mesmo
tempo que lhes dava uma inusitada margem de manobra para questionarem a eficácia do
trabalho dos professores. Estes, por seu turno, poderiam mandar recados para casa, nomea-
damente sobre a aplicação dos alunos, responsabilizando os progenitores pelas respecti-
vas faltas e omissões. Assinale-se, ainda, a importãncia deste instrumento para a avaliação
dos professores por parte dos reitores e directores de classe. Era também objecto de clas-
sificação, entrando directamente nos parâmetros de avaliação dos alunos.
O documento tinha portanto uma enorme potencialidade ordenadora, que de resto
a escola nunca mais abandonou: permitia explicitar, se não tudo, uma boa parte do que
antes se passava no maior segredo dentro da sala de aula. Talvez porque os métodos de
trabalho nele se fundem com processos inovadores de controlo disciplinar,o caderno diá-
rio é bem um exemplo do modo como novas formas de poder, baseadas num registo do
quotidiano do aluno e na sua interpretação cienUfico-pedag6gica, se exercem no espaço
escolar (ver Nóvoa, Barroso e Ô, 2003).


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A COEDUCAÇÃO DOS SEXOS


COOPERAÇÃO SAUDÁVEL OU PROMISCUIDADE PERNICIOSA?

Em Portugal, o regime de coeducação teve uma duração efémera no curto período


republkano e, ainda assim,de modo bastante imperfeito. ~ certo que houve, muitas vezes,
uma certa permissividade,conduzindo à exist~ncia na prática de "classes mistas:nomeada-
mente por falta de condições para Ofganizar escolas ou turmas distintas. Mas a ideologia
dominante apontou quase sempre para um regime de separação dos sexos.
O debate ganhou grande intensidade na fase final do século XIX. devido à acçAo dos
movimentos de emancipação da mulher. As discussões basearam-se em longas exposições
sobre a situação no estrangeiro, bem como em "dados científicos" sobre as diferenças entre
os sexos. '" nova ci~nda procurou distinguir, com o rigor da observação e da medida, as
caracterlsticas flsicas, psicológicas e morais de rapazes e raparigas. Estes estudos serviram
para legitimar grande parte dos argumentos contra a coeducação, como se verifica pelos
tr~s artigos publicados por Cardoso Júnior, em 1932, nos quais se apresenta uma bateria
de dados (antropométricos, psicológicos, comportamentais) para justificar o regime de
·separação dos sexos~
Nuns casos, a comparação é favorável ao sexo feminino, como afirma Maria José
Canuto em 1868:"'" inteligência nas meninas é mais precoce; os rapazes não fariam senão
estorvar-nos os trabalhos escolares~ Noutros casos, explica-se, com argumentos ·cientlfi-
cos: que o destino da mulher não passa por uma formação escolar e que a coeducação
apenas redundaria num atraso para os rapazes. Cardoso Júnior cita longamente Rufino
81anco y Sanchez e as suas distinções, que constituem um arrasador"elogio· ao sexo femi-
nino. Eis uma prova, entre tantas:·Nenhuma mulher fez progredir as matemáticas nem as
outras ci~ncias abstractas: os homens nada inventaram da arte de coser e de bordar~
Escusado será dizer que o debate não é puramente"científico" ou"pedagógico~As cli-
vagens mais relevantes prendem-se com o "papel social" das mulheres e com as questões
da moralidade. ~ neste plano que se defende a necessidade de preservar o "lugar domés-
tico e maternal" das mulheres ou de as proteger de qualquer forma de imoralidade e de
"uma camaradagem na qual um e outro sexo só t~m a perder':'
Asexualidade insinua-se em cada palavra que se escreve a este propósito, nomeada-
mente por parte dos católicos conservadores que, quando chegam ao poder em 1926, ter-
minam com o regime de coeducação. A partir de 1929, a Encíclica Divini lIIius Magisrri, de
Pio Xl,é frequentemente citada para defender a separação dos sexos na escola:·~ um erro
do mesmo género e não menos pernicioso à educação cristã, este método dito de coeduco-
çdodos sexos, método baseado num naturalismo que nega o pecado original. (...] Aliás, não
há na própria natureza, que fez os sexos diferentes através do seu organismo, das suas incli-
nações e das suas aptidões, qualquer ra~o que mostre que a promiscuidade, e menos
ainda uma igualdade de formação, possam ou devam existir~
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o ARRANJO MATERIAL DA ESCOLA


A BELEZA,A CI@NCIA,OALUNO

No final do século XIX, sucedem-se as denúncias sobre o estado material das escolas:
antros, pocilgas, espeluncas, pardieiros... A degradação dos espaços torna-se insuportável
aos olhos de uma geração que vê na educação o único meio para a regeneração do pais.
Em 1913, Afonso Lopes Vieira explica que se não houver"escolas belas· nenhum ideal edu-
cativo se poderá concretizar. E. nesse mesmo ano, A. A. Costa Ferreira refere-se à importân-
cia da decoração da sala de aula,afirmando que a"higiene do espfrito"é tão decisiva como
a"higiene do corpo~
lentamente, a imagem austera de um lugar retirado do mundo vai sendo enriqueci-
da com alusões à ciência (ffsico-qufmic3, ciências naturais), à nação (quadros históricos) e
ao mundo (mapas geográficos). A preocupação estética é acompanhada, sobretudo no
ensino secundário, por uma profusão de materiais didácticos, em particular mapas parie-
tais.O positivismo entra na sala de aula, sob a forma de quadros, taxonomias, tabelas, ima-
gens, modelos e colecções que expõem um saber cientifico transformado em saber esco-
lar. Ao mesmo tempo, os laboratórios tornam-se imprescindíveis ao ensino, permitindo o
desenvolvimento de práticas de ensino experimental. O olhar e a mão adquirem uma
incontestável relevância pedagógica.
Esta evolução conduz, também, à apropriação do espaço escolar pelo aluno, através
de marcas e registos pessoais (nome, desenhos, trabalhos) que, até então, apenas tinham
sido gravados clandestinamente nos tampos ou nas paredes. A nova atenção à criança, no
primeiro quartel do século XX, sugere que a sala de aula esteja arrumada de acordo com
os seus interesses e as suas necessidades. No caso do ensino primário prevalece a imagem
da criança, ao passo que no ensino secundário é o registo da ciéncia que domina o espaço.
Em Portugal, o Estado Novo reintroduz uma certa austeridade, talvez se possa mes-
mo falar de um "ascetismo doutrinári07no arranjo material da sala de aula:"a modificação
do estado de espírito escolar - e é ela que constitui essencialmente a Revolução - exige um
novo ambiente" (circular de 1935). As ordens são claras: nas paredes, haverá apenas o cru-
cifixo, os retratos do Chefe do Estado e do "Sr. Dr. Oliveira Salazar" e o quadro preto, deven-
do ser guardados em móveis próprios os materiais didácticos e os trabalhos dos alunos. A
única excepção autorizada é a afixação, onde for possível, de um conjunto de pensamentos
educativos aprovados em 1932.
A política nacionalista procura depurar a sala de aula de sinais e objectos que a iden-
tifiquem com os alunos, com os professores ou com a vida social. Contrariamente a outros
países, que transformaram a presença de fotografias, trabalhos pessoais e imagens locais
num importante instrumento pedagógico, em Portugal impôs·se uma espécie de "assep-
sia" dos espaços. Na segunda metade do século XX, as dinâmicas de renovação pedagógi-
ca alteram profundamente a ·paisagem visual" da sala de aula. Hoje, ao olharmos para as
paredes de uma escola facilmente adivinhamos os métodos de ensino utilizados pelos
professores.


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Da esquerda para a direita:
BataIMo escolar fundado pelo professor JOOo dos Reis Tavares na Escola de Caria (concelho de Belmonte), em
190611907.
Fotografia de Joshua Benoliel. Criarn;as protegidas pelas juntas de freguesia de Lisboa na praia da Trafaria,
1909.
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EDUCAÇAOINTEGRAL
A TRANSFORMAÇÃO DAS CRIANÇAS EH ESCOLARES

o conceito de educação integral é. provavelmente. aquele Que melhor define a


modernidade escolar. Ao marcar o desejo de alargar o esforço educativo ao Mconjunto das
actividades do individuo em formaç~o:ele revela a desmedida da ambição pedagógica.
Num primeiro momento,a referência à educação integral consagra a necessidade de
articular a educação tisica, intelectual e moral. ~ toda uma literatura que se propaga ao
longo do século XIX, chamando a atençâo para as questões do corpo e da actividade fisi~
ca, no quadro de práticas de higiene e de saude, em ligação com uma sólida formação
moral, do carácter e do espfrito.
Na viragem do século, este movimento adquire uma perspectiva ·racionat~ que tem
por fim Mcriar em cada criança, não um ser mutilado, mas um indivfduo socialmente com-
pleto, conhecedor de rodos os seus direitos, tendo uma consciência social integral" (Adolfo
lima, 1914). Neste contexto, a relação com o trabalho - que passa pelo principio da "esco-
la da autonomia e do trabalho:tão presente em António Sérgio, mas também pela propa-
ganda dos "trabalhos manuais educativos" - adquire uma enorme centralidade.
Nesta mesma época, insiste-se cada vez mais na atenção à vida flsica e à vida psfqui-
ca, ao bem-estar material e ao equillbrio afectivo dos alunos. Estamos perante uma tercei-
ra acepção do princípio da educação integral, que legitima a intervenção, no espaço edu-
cativo, de um exército de "especialistas da alma" (higienistas. médicos, psicólogos). Em
1933, a legislação alarga as competências do médico escolar até ao limite de considerar
que nada do que se refere à saúde e robustez do corpo e do espírito do aluno lhe pode ser
estranho.
Apesar de distintas. estas perspectivas fazem parte de uma mesma atitude pedagó-
gica que procura assegurar a socializaçao plena e o desenvolvimento total do aluno. Mas.
para cumprir estes objectivos, não basta uma intervenção que se limite ao ensino, no sen-
tido estrito do termo, sendo necessário organizar uma panóplia de actividades extra-curri-
culares (excursões, escutismo, actividades ao ar livre, etc.) e uma série de dispositivos de
controlo dos processos de crescimento e de formação (registos. caderneta médico-peda-
gógica, cadernos, etc.).
Num texto de 1914, Braga Paixão critica que, durante muito tempo, o educando do
liceu tenha gozado da mesma liberdade do universitário, não sendo, pois, encarado como
"um indivfduo em formação, mas como uma individualidade independente: E, tecendo
várias considerações sobre a autonomia e o self-governmenr, afirma sobre o aluno liceal:
"Deve ser este vigiado constantemente, sem que o sinta, sem que a sua individualidade,
que se acostumará ajulgar independente e livre, possa ser ferida. O educando dará os pas-
sos que quiser dar, mas alguém, sem que ele o saiba, vigiará constantemente por ele:
A demonstração é notável, explicando bem de que modo a educaçdo integral vai encarre-
gar-se das crianças "por completo:transformando-as em escolares.

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A AUTONOMIA DOS EDUCANOOS


NÓSNOSEDUCAR~OS

Em 1899, Bernardino Machado faz-se intérprete do ideal burguês da se/f-educarion.


escrevendo que era preciso-aprender a dispensar o mestre~Mas o que ele não disse foi que
esta dispensa não significava uma·ausência~mas apenas uma diferente·presença"do mes-
tre, através da auto-responsabilização do aluno. A autonomia dos educandos corresponde,
nas palavras de Adolfo Lima (1925), a uma revolução copernicana na pedagogia: "Esse cen-
tro novo à roda do qual gravita toda a actividade da escola. todo o sistema educativo. deve
ser a criança7
Durante a Republica, a divisa NÓs nos educaremos, adoptada pela associação escolar
do liceu de Pedro Nunes, reitera o postulado da autonomia dos educandos, que atravessa
os discursos do self-government ou da educação civica, tal como foram difundidos entre
nós por António Sérgio (1915):-A criança abomina a coerção, mas apraz-lhe o ser dirigida:
encaminhem-na pois com a mão discreta, como a um cidadão aprendiz que na verdade é.
Desta maneira a autoridade do professor mantém-se plena; não abdica,só delega nos seus
disclpulos a jurisdição e a regência, por onde estes se exercitem no governo de si próprios~
Educar e educar-se transformam-se num único e mesmo gesto. A reflexão de Our-
kheim, no início do século XX, ajuda-nos a desfazer dicotomias que ainda hoje saturam o
debate educativo:-Por vezes, opõe-se a liberdade e a autoridade, como se estes dois facto-
res se contradissessem e se exclufssem mutuamente. Mas esta oposição é facUcia. Na ver-
dade,Os dois termos completam-se. A liberdade é filha da autoridade. Ser livre não é fazer
o que nos apetece;é ser dono de si mesmo,é saber agir com a razão e cumprir o seu dever~
Mais tarde, no perlodo do Estado Novo, insiste-se na ideia de que a formação integral
não é possível sem uma participação "activa· e ·voluntária· do próprio educando. ~ este o
sentido da interrogação de Cruz Malpique: ·Como venceremos o que quer que seja, se a
nós próprios não nos vencermosf' (1946). Repare-se, também, na proximidade entre o pri-
meiro mandamento do Decó/ogo do Bom Filiado da Mocidade Portuguesa (·0 bom filiado
educa-se a si próprio por sucessivas vitórias da vontade") e um dos slogans principais da
campanha Nacional de Educação de Adultos (·0 bom cidadão educa-se a si próprio").
Ao mobilizar estes exemplos, queremos apenas mostrar como o ideal de auto-gover-
no se adapta a várias circunstâncias históricas. ~ isto mesmo que refere Jean Piaget. em
1934, quando explica, em estudo realizado sob a égide do Bureau tnternational d'~duca­
tion de que é director, que·o self-government tanto pode assumir a forma parlamentar e
democrática (o que se chamou a democracia na escola) como reforçar o principio dos che-
fes". A referência nâo podia ser mais explfcita, num tempo marcado pela subida ao poder
dos regimes ditatoriais. Na sua crueza, ela torna claro que a modernidade pedagógica junta
num mesmo gesto a liberdade e o controlo, a autodisciplina e a eficiência social (ver
Nóvoa, Barroso e Ô,2oo3).

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ESCOLAS NOVAS
DESCONFIANÇA E CRENÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Em 1915, Faria de Vasconcelos publica o seu livro mais conhecido, no qual relata a
experi~nda de Une école nouvel/e en Belgique. Situada no campo, mas próxima da cidade, a
escola de 8ierges-les-Wavre assegura a necessária ligação à natureza e a calma da ruralida-
de, não afastando excessivamente as crianças da produção artística e cultural existente no
meio urbano.
A obra é marcada por essa tensão, tão característica do movimento da educação
nova, entre a desconfiança e a crença na educação escolar. Desconfiança que surge a cada
escrito destes autores, como em António Sérgio:~A escola,até hoje, tem sido um acervo de
coisas maléficas, de tratos diabólicos, de prescrições tirânicas: e já é importantfssima refor-
ma a simples anulação das coisas más. Grande programa: não fazer mal!~ Mas, ao mesmo
tempo,uma crença desmedida na regeneraçâo da humanidade através de um novo impul-
so educativo, bem presente no livro acima citado:~Não se apagará nunca, apesar de todos
os horrores e de todas as atrocidades, a chama eterna que, na ascensão aos cumes, ilumi-
na o caminho comum:
Faria de Vasconcelos explica a criação da escola e apresenta os seus princlpios orien-
tadores, insistindo nos métodos de ensino que lhe concedem uma identidade própria.
Depois de um século de teorias pedagógicas, importava, agora, explicar concretamente o
que se fazia, esperando que esta ilusrração fosse inspiradora e contribufsse para lançar a
semente da escola nova (a metáfora da sementeira é, desde esta época, a que melhor carac-
teriza o discurso da inovação pedagógica). Era preciso passar das ideias às práticas e, ao
mesmo tempo, transformar as práticas num laboratório de experimentação.
Nem tudo deveria ter o direito de intitular~se ~escola nova~ E, por isso, Adolphe
Ferriere aproveita o prefácio à obra de Faria de Vasconcelos para publicar, pela primeira
vez.. os Trinta pontos da escola nova e para estabelecer o ~programa mlnimo~ a ser respeita~
do:~lnternatos familiares, no campo, em que a experiência pessoal da criança está na base,
tanto da educaçâo intelectual (em particular pelo recurso dos trabalhos manuais) como da
educação moral e social, por meio da prática do sistema da autonomia relativa dos a'unos~
Aqui estão,com toda a simplicidade, quatro pontos nucleares da nova educaçáo: a relação
com a natureza e com uma vida saudável; a criança, a sua experiência e o seu interesse
como elementos centrais do trabalho pedagógico; a defesa de uma educação integral, se
posslvel em internatos que recriem o ambiente familiar; o prindpio do autogoverno, o
famoso self·government.
Afundação da Liga Internacional Pró-Educação Nova, em 1921, teve grande impacto
em Portugal. Nesta época, fixa-se em definitivo uma concepção moderna da pedagogia
que, apesar de imperfeitamente realizada e, por momentos, severamente criticada, domi-
nará o universo educacional ao longo do século XX. Depois desta época, tornou~se impos-
sível pensar a educação sem uma referência, implfcita ou explícita, à matriz da escola nova.

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,m ,,~ 187S ,~ lns ,~ 1975 ~

I I I I I I I I

PROPOSTAS REPUBLICANAS DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO


AS ESCOLAS MÓVEIS E O ENSINO PRIMÁRIO SUPERIOR

A República ensaia algumas tentativas de democratização do ensino. Mas, apesar da


imponência das palavras e, talvez, das convicções, foram muito limitadas as realizações no
e
campo educativo. verdade que a lei consagrou medidas que, a terem sido postas em prá-
tica, conduziriam a importantes mudanças. Mas ficamos, uma vez mais, no terreno das
hipóteses. Todavia, há duas iniciativas que. pelo seu simbolismo, merecem uma referência
à parte: as escolas móveis e o ensino primário superior.
As escolas móveis, criadas em 1913, retomam uma iniciativa particular, lançada em
1882, a Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus. O seu objectivo princi-
pal é o·combate ao analfabetismo: através de escolas que, durante alguns meses, se encar-
regariam de fornecer um mfnimo de instrução a crianças e adultos. A iniciativa, muito aca-
rinhada pelos circulos republicanos, nunca se libertou de duas debilidades congénitas: por
um lado, uma visão redutora da escolaridade que,curiosamente, viria a ser adoptada pela
Ditadura com a substituição das escolas móveis pelas "escolas incompletas· (em 1930) e, no
ano seguinte, pelos postos de ensino (em 1931); por outro lado, uma lógica de nomeação
dos professores, mais pautada por critérios políticos do que por critérios profissionais, o
que levou a uma forte contestação dos professores oficiais e das suas estruturas associati-
vas.Estes factos não impedem a transformação das escolas móveis num dos icones do ima-
ginário republicano.
O ensino primário superior (M, 7~e 8':'anos de escolaridade) sugere um alargamento
do ensino básico que apenas se concretizaria, efectivamente, após o 25 de Abril. A sua exis-
tência foi muito agitada, não indo além de algumas escolas no perfodo 1919-1926.·Fim do
primário· ou o·principio do secundário·? - a dúvida marca este ·ensino de continuação·
que, segundo Adolfo Lima (1926), deveria assumir-se como "um laboratório prático, expe-
rimentaI, de orientação profissional: concretizando assim o ideal da escola única. Meio
século mais tarde, o ensino preparatório realiza algumas das intenções programáticas do
ensino primário superior. Entretanto, o país debate com intensidade a duração da escolari-
dade obrigatória e a separação ou unificação das vias de ensino.~ uma discussão que con-
tinua muito viva,como se percebe pelo·mantodourado·que envolve,ainda hoje, a memó-
ria das escolas técnicas.
As realizações práticas da República ficaram muito aquém das suas declarações retó-
ricas. Em 1925, M. Moniz Morgado dá conta desta distância, quando se escandaliza com a
forma como os legisladores empregam a palavra obrigatório em matéria de ensino:·ou nos
querem fazer passar, perante o estrangeiro, como país verdadeiramente civilizado à beira-
-mar plantado, ou não ligam à palavra o seu verdadeiro significado~·O México acima de
nós· e "Nós abaixo dos pretos das Filipinas" repete-se mais uma vez, com indignação, no
final da República.


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A EDUCAÇÃO ESPECIAL
REDONDO NO REDONDO, QUADRADO NO QUADRADO?!

Desde o século XIX que se vão criando instituições, primeiro para cuidar das crianças
com problemas de surdez ou de cegueira, depois para enclausurar os menores delinquen-
tes, desobedientes ou incorrig(veis, mais tarde para tratar dos casos de atraso, de idiotia ou
de debilidade mental. Estamos perante práticas "assistenciais· que procuram respostas
para uma diversidade de situações, ao mesmo tempo que constroem a defjci~ncia como
problema social.
A questão ganha nova acuidade em pleno século XX, graças à consolidação de um
discurso científico, fortemente baseado numa matriz organicista,que utiliza a antropome-
tria e a psicometria para traçar as fronteiras da normalidade, para fixar os limites da educa-
bilidade e para estabelecer escalas de medida da deficiência que servem para legitimar
outras tantas formas de segregação.
São muitas as iniciativas que têm lugar durante a República, graças à acção de
homens como Alves dos Santos, Costa Sacadura, Alberto PimenteJ Filho, A. A. Costa Ferrei-
ra ou Faria de Vasconcelos, entre tantos outros. No Estado Novo importa destacar a tripla
função do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, após a nomeação de Vltor Fontes
como seu director, em 1935:a) selecção e classificação de crianças anormais; b) preparação
e orientação do pessoal docente e tétnico; c) promoção de estudos de investigação médi-
co-pedagógica e de psiquiatria infantil.
O Instituto alicerça a sua intervenção num modelo téorico-prático de inspiração neuro-
-psiquiátrica e médico-pedagógica. Em 1942, na revista A Criança Portuguesa, Mário de Cas-
tro utiliza uma metáfora que ilustra a ideologia que procura colocar cada um no seu lugar:
NO homem redondo no buraco redondo e o homem quadrado no buraco quadrado: Uma
das medidas principais deste período é a criação, em 1946, de c/asses especiais de crianças
anormais junto das escolas primárias oficiais. A definição médica e psicol6gica da criança
deficiente prolonga-se, assim, através de uma pedagogia baseada em práticas de segrega-
ção que arrastam para as margens do sistema educativo grupos cada vez mais alargados
de alunos.
Um relatório da Comissão para o Estudo da Higiene Mental Infantil, nomeada em
1956, estabelece uma linha de separação entre os anormais educáveis e ineducãveis, tipifi-
cando situações que vão desde a Nidiotia profunda· ao ·simples atraso mental: Mas, na
década de 1960, o modelo médico-pedagógico dá sinais de uma certa exaustão. Começam
a surgir propostas cientificas e práticas institucionais que tendem a equacionar o proble-
ma da deficiência no quadro de programas de orientaçdo integrotiva, sugerindo a mobili-
zação de apoios que permitam a todos os alunos terem acesso aos programas da escola
regular. Pressente-se a emergência de novas maneiras de olhar para crianças que um certo
saber científico categorizou como espécie e que um certo saber político excluiu como anor-
mais (ver Nóvoa, Rodrigues e Niza, 1999).


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SUA MAJESTADE,A CRIANÇA


DE.IXEMOS OS PAIS, CUIDEMOS DOS FILHOS

Em 1924, ensaia-se a primeira tentativa de estabelecer uma Declaração dos Direitos


da Criança. Depois de se referir ao desenvolvimento pleno da criança, esta carta internacio-
nal, que teve considerável impacto em Portugal. coloca-nos perante cinco programas de
intervenção social e educativa:
a) ~a Criança que tem fome deve ser alimentada" - a puericultura, os cuidados com a
alimentação infantil, as medidas de controlo do crescimento, etc.;
b)Na Criança que está doente deve ser assistida- - a higiene infantil, a assistência ao
recém-nascido, as práticas ao ar livre, as colónias balneares, etc.;
c) "a Criança que está em atraso deve ser amparada· - a educação dos ·anormais: a
intervenção junto dos "retardados: a acção médico-pedagógica, etc.;
d)·a Criança que se desencaminhou deve ser reconduzida" - a educação correccio-
nal, as tutorias e os refúgios, as colónias agrlcolas, as casas de detenção, os refor-
matórios, etc.;
e)"a Criança que é órfã, ou exposta, deve ser recolhida e tutelada" - os orfanatos, os
asilos, os recolhimentos, etc.
Estamos perante programas que, sendo distintos, tendem por vezes a confundir-se,
dando origem a uma panóplia de instituições hfbridas.A ciência procura estabelecer cate-
gorias precisas, diferenciando,com o máximo detalhe posslvel,os diversos ·tipos de crian-
ças" e de problemas infantis (veja-se a série de classificações médicas,jurldicas, pedagógi-
cas e psiquiátricas apresentadas por Faria de Vasconcelos em 1909). MaS,ao mesmo tempo,
as instituições tendem a reproduzir modelos de intervenção e práticas disciplinares onde
se amalgamam, indiferenciadamente, as crianças que se situam nas ·margens~
Veja-se o que o ~ António de Oliveira escreve em 1918:"A antiga Casa de Detenção
e Correcção de Lisboa não foi, triste é confessá-lo, somente um cárcere, era também um
manicómio e um asilo, porque as respectivas autoridades acumulavam ali, naquela nifreira
social, e indistintamente, crianças abandonadas, pequenos mendigos, incipientes vadios,
viciosos precoces, adolescentes criminosos, e bem assim, débeis de espirita, imbecis, idio-
tas, histéricos, epilépticos, em suma, todos os detritos humanas encontrados na rua, e que
para lá despejam a famma, a escola e a oficina'·
A redescoberta da criança, no princlpio do século XX, coloca-a no centro do sistema
social, tributando-Ihe todas as atenções e afectos. Deixemas os pais, Cuidemos dos filhos.
A pedagogia acompanha este movimento que vai endeusar a criança, submetendo-a a
práticas disciplinares cada vez mais presentes,que se exercem no seu próprio interesse. Em
1910, Chesterton afirma que·os partidários da educação livre proíbem mais do que os edu-
cadores à moda antiga": o velho mestre de aldeia batia no aluno que não sabia gramática,
mas depois mandava-o brincar para o recreio; o mestre cientifico moderno segu~o até ao
pátio e obriga-o a praticar jogos educativos e exerdcios saudáveis! t este o dilema que
enfrentam os defensores de Sua Majestade, a Criança, titulo sugestivo de um livro publica-
doem 1945.

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LIVROS ESCOLARES
O INTE.RESSE. PE.LA PE.DAGOGIA OU A PE.DAGOGIA DO INTE.RESSE.?

Na fase de expansão dos sistemas educativos, descobre-se a importância do "livro


escolar- enquanto instrumento didáctico, mas também enquanto negócio cada vez mais
lucrativo. t impossfvel compreender algumas controvérsias pedagógicas sem atender a
esta dimensão, inconfessada, do problema. Na disputa que envolveu adeptos dos métodos
Castilho e Joao de Deus são várias as acusações a este propósito.
As conferências e os congressos pedagógicos do final do século XIX debruçam-se
longamente sobre os livros escolares, tecendo duras crfticas à sua qualidade e aos interes-
ses ocultos dos seus autores. Em 1883, Adolfo Coelho diz que eles são feitos por -simples
literatos mais ou menos obscuros; conetuindo:"quando se pensa que são esses os instru-
mentos mais usados no nosso ensino primário compreende-se como esse ensino não tem
valor educativo e leva apenas à prática mecânica de certas operações~
As "comissões de apreciação dos livros escolares" tiveram distintas designações, mas
todas deram origem a polémicas intermináveis. A leitura dos seus relatórios demonstra a
centralidade que o livro escolar adquire na organização curricular. Sao muitos os pedago-
gos que se batem contra este peso excessivo, defendendo que o manual poderia ser substi-
tuldo, com vantagem, por materiais confeccionados pelos próprios professores. Palyart
Pinto Ferreira resume estas crfticas quando escreve, em 1924, que se pusermos em causa a
liberdade dos professores na escolha dos métodos de ensino estaremos a promover não
"o interesse pela pedagogia, mas a pedagogia do interesse~
Neste sentido, em 1928, Joaquim Tomás considera haver, entre o "franco-livrismo"
defendido pelos editores escolares e as politicas de ·limitação· e de ·controlo;uma série de
opções, entre as quais a manutenção de um concurso oficial para aprovação dos livros. Na
sua opinião, o Estado não se pode desinteressar"de um assunto de tal magnitude e de tão
profunda influência na vida nacional~
O regime salazarista põe fim a estas polémicas, instaurando o livro único. Assegura-
va, assim, a qualidade formal dos manuais, bem como o controlo dos seus conteúdos e,
sobretudo, das suas doutrinas. Esta decisão contribui para uma uniformização do trabalho
pedagógico, no quadro de uma cultura didáctica normativa, nomeadamente na formação
de professores, que leva ao sucesso das obras de cariz metodol6gico.lnstauram-se, então,
procedimentos pedagógicos que ainda hoje perduram nas nossas escolas, pois não há
muitos professores que já se tenham libertado das "práticas mecânicas· e da "ditadura" do
livro escolar.
Após 1974, aboliu-se o livro único, mas os diversos interesses existentes no sector
impediram a definição de uma politica de bom senso que protegesse os direitos dos alu-
nos e a sua adequada formação escolar. Como dizia Joaquim Tomás, há domfnios em que
o princfpio da liberdade absoluta não se pode aplicar, pois "não basta que as coisas nos
apareçam teoricamente boas; é mister que praticamente o sejam~


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Professora e alunos N sala de aula. 1972.
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o PROCESSO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES


CONTRADiÇÕES E AMBIGUIDADES

Durante a República fecha-se um ciclo no processo de profissiona'iza~odo profes-


sorado. Para além do reconhecimento social e da melhoria da condição económica,os pro-
fessores são investidos de uma importante função simbólica. bem presente na retórica
republicana:~obreiros do futuro:-ap6stolos da razão:-sacerdotes do ensino:·mensageiros
da ilustração~A atribuição aos professores de um papel central na determinação dos des-
tinos sociais dos alunos, num tempo marcado por uma crença desmedida nas potenciali-
dades da escola, revela a eficácia das imagens que redefinem o seu lugar na sociedade.
A consolidação das instituições de formação e do movimento associativo docente são dimen-
sões decisivas da afirmação dos professores como corpo profissional.
O Estado Novo consegue articular, durante algum tempo, dois principias aparente-
mente contraditórios: por um lado, a desvalorização do estatuto dos professores, bem
patente na degradação do seu nível salarial, na proibição das associações, na desqualifica-
ção das instituições de formação e na nomeação das regentes escolares; por outro lado, a
necessidade de assegurar o prestigio da função docente, com os professores primários a
desempenharem um importante papel junto das comunidades locais e os professores téc-
nicos e liceais a assumirem-se como figuras de referência nas principais vilas e cidades do
país. Aconciliação destes princlpios só é posslvel graças à reconstrução do magistério mais
comoMmissãoMdo que comoMprofissão~Oreforço da carga simbólica da acçào docente per-
mite compensar, por algum tempo, as perdas no plano estritamente profissional.
xx.
Paralelamente. assiste-se, ao longo do século a uma lenta acomodação da profis-
são docente à sua matriz feminina. Estamos perante uma mudança profunda das caracte-
rísticas internas e externas da profissão. Se no prindpio do século prevalece uma imagem
masculino, marcada por uma intervenção no espaço público, a partir dos anos 1930/1940
impõe-se uma imagem feminino, vendo-se a professora recolhida no interior da sala de
aula. Uma transição idêntica verificar-se-á. também. no ensino secundário, duas décadas
mais tarde. Neste caso, é o fenómeno da Mexplosão escolar- que obriga a um recrutamento
massivo de professores, num curto espaço de tempo, passando a haver mais mulheres do
que homens no corpo docente liceal.
Em 1960 já se percebe,com clareza, que muitos dos equiUbrios existentes estão pres-
tes a romper-se. O reitor do liceu de Pedro Nunes acolhe os novos estagiários com pala-
vras que ilustram alguns dos dilemas que atravessarão a profissão docente no período de
expansão do sistema escolar (anos' 960 - anos 1980):M1 ~- Uma actividade altamente qua-
lificada que é a própría transformação das pessoas dos disdpuloSi 2':'- Função social mes-
tra, básica, primeira e fundamental mas que é relegada para um aleatório, frouxo ou
mesmo contestado merecimento; 3~ - Uma profissâo valendo pelo dobro e remunerada
pela metade~

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o MElHOR PROFESSOR
NÃO É. O QUE MAIS ENSINA, É O QUE MAIS FAZ APRENDER

Num conhecida te.'kto de \9'O,lann Oe'llle~ afuma, pTO\Iocatoriamef\te;~uehá e~ac.­


tamente a mesma equação entre o ensino e a aprendizagem do que entre a venda e a
compra~ Só se pode ser bom vendedor se houver alguém que compre, do mesmo modo
que 56 se pode ser bom professor se houver alguém que aprenda. A frase ilustra uma
mudança de paradigma que tinha ocorrido algumas décadas antes e procura pOr fim a
uma querela que, estranhamente, se prolongará por todo o século XX.
Há três pontos de entrada neste debate, que vale a pena assinalar brevemente.
Em primeiro lugar, o desenvolvimento de um olhar cientffico sobre a inffincia, que vai
impor "a convicção de que não há a criança, mas sim as crianças~ (Alberto Pimentel Filho,
, 929). Por isso, não se deve manter um ~ensino colectivo~mas antes buscar os caminhos de
uma diferenciação pedagógica, que atenda aos ritmos de aprendizagem de cada criança
em vez de se pautar pelo ritmo de ensino do professor.
Em segundo lugar, a tentativa de compreender os interesses e as necessidades das
crianças, permitindo assim uma Meducação funcional" ou, melhor dizendo, uma escola por
medida (expressão consagrada por Claparede). António Sérgio escreverá, em 1939, que
MO ensino das escolas só será educativo quando os mestres considerarem a Física,a Quími-
ca, a Matemática, a História, as Ciências Naturais, etc., como simples pretextos, ou instru-
mentos~para a aprendizagem e para a formação dos alunos.

Em terceiro lugar, a questão-chave da motivação, pois, como diz Serras e Silva (1952),
tudo deve, no esforço pedido aos pequenos, ser canalizado no seu interesse. Mas António
Sérgio já havia avisado,em nota à Educação ({vica, que tal facto não implica que o estudo
seja fácil, divertido, sem esforço:MToda a educação deve ser esforçada; porém de esforço
natural e voluntário, exigido por um interesse do discípulo e não do professor~
Estes três elementos articulam-se entre si, conduzindo a pedagogia a preocupar-se
com os processos de aprendizagem. Em meados do século XX, este aspecto é sublinhado
pelas correntes de forte pendor didáctico que dominam os programas de formação de
professores e os livros de metodologia, reconhecendo-se em frases como MO melhor profes-
sor não é o que mais ensina, é o que mais faz aprender" (Bernardino da Fonseca lage, 1945)
ou "o acto de aprender prevalece sobre o acto de ensinar" (Jaime leote, 1958).
~ natural, por isso, que se negue a possibilidade de "qualquer reforma de ensino que
não reforme a aprendizagem" (Xavier Morato, 1970). Uma das mais importantes evoluções
do final do sé<ulo XX será o desenvolvimento de Mteorias da aprendizagem~que chamam
a atenção para a complexidade de um processo que não se limita à mera assimilação de
um saber exterior:MEducativa é aquela aprendizagem que implica o indivíduo na acção de
tal forma que esta última é desejada e amada e conduz à criação, ou seja, à integração do
eu no mundo e à transformação recíproca do mundo pelo eu e do eu pelo mundo" (Maria
Amália Borges de Medeiros, 1972).

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Cam~nha Nacional de Ed~ de Adultos, 1956.
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o ANALFABETISMO EH PORTUGAL
DA REPÚBLICA PARA O ESTADO NOVO

Da mesma maneira que consagrou a República como um regime de ·combate ao


analfabetismo:a historiografia da educaçao representou o Estado Novo com traços obscu-
rantistas, chegando mesmo a afirmar que era sua intenção promover o analfabetismo.
Maria Filomena MÓnica (1978) foi uma das autoras que mais contribuiu para vulgarizar
estas teses:"Pode dizer-se, em resumo, que, de maneira geral, a nova classe dirigente sala-
zarista via o analfabetismo a uma luz positiva~
Ao esquecer as estatísticas, que insistem em mostrar que nunca o analfabetismo
diminuiu tão acentuadamente como no Portugal dos anos trinta, esta interpretação reves-
te-se de uma carga mais ideológica do que histórica.
Anos 1920 1930 1940 1950 1960
Analfabetismo (%) 66% 62% 49% 40% 30%
Importa, por isso, construir um olhar que permita compreender os sentidos e as con-
tradições do salazarismo. Em vez de uma interpretação -pela negativa: é necessário exami-
nar o pragmatismo do Estado Novo, orientado por concepções de escolaridade mínima, de
enquadramento moral e de controlo da mobilidade social.
Um texto parlamentar de 1944 é bem elucidativo;·A politica do Estado Novo, bastas
vezes enunciada, é clara neste aspecto. Toda a gente tem direito a um mínimo de instru-
çilo~ E, mais tarde, os jornais de parede da Campanha Nacional de Educação de Adultos afi-
xarão a frase emblemática de Ramalho Ortigilo; ·Combater apenas o analfabetismo do
povo por meio de escolas primárias e de escolas infantis, sem religião e sem Deus, nilo é
salvar uma civilização, é destruí-la pela base por meio do pedantismo, da incompetência,
da materialização dos sentimentos e do envenenamento das ideias':
~ nesta dupla perspectiva - instruç:to mínima e formação do carácter - que deve ser
analisado o discurso dominante:·Nào enfileiramos com aqueles que, numa visão superfkial
e deformada das coisas, se convencem de que os analfabetos constituem, por definição,
reserva moral dos povos, como se a ignor3ncia e o atraso intelectual fossem sinónimos de
perfeição e de virtude, ou a cultura e a moral se houvessem mostrado necessariamente
inconciliáveis- (Veiga de Macedo, 1954).
No entanto, avisam também os mesmos responsáveis pollticos, tudo deve ser feito
de modo a não alimentar excessivas expectativas de melhoria das condições de vida ou de
trabalho.~ nesteequiUbrio,difícil de conseguir,que se elabora a politica educativa em mea-
dos do século XX. Ao procurar assegurar um investimento escolar,ainda que limitado,sem
contudo promover a mobilidade social, o Estado Novo enuncia uma equação que não tem
solução. As dificuldades sentidas na década de 1960 explicam-se ti luz da impossibilidade
de conter um aumento da procura de educação na qual se desenha, com nitidez. a vonta-
de de as famílias ·proporcionarem um futuro melhor para os seus filhos':
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PRÁTICAS DE SAÚDE ESCOLAR


NÃO HA HIGIENE. DO CORPO SEM HIGIENE DA ALMA

A saúde escolar cumpre um papel importante na divulgaçAo de práticas de Whigiene


física e moral- que estabelecem novas r~ações com o corpo individual e social. Sinais de
um tempo marcado por taxas elevadíssimas de mortalidade e de morbilidade infantil, as
primeiras políticas nesta área inserem-se numa ambiência dentlfica que está na génese
das disciplinas médicas dirigidas à infAncia (puericultura. pedologia. pediatria, etc.). Mas
inscrevem-se, também. numa redefinição das formas de intervençAo do Estado na vida
social, que conduz. por via de um discurso médico e higienista, a um maior controlo dos
comportamentos individuais.
Num artigo publicado em 1927, (osta sacadura, o primeiro wmédico escolar· portu-
guês, apresenta o país em estado critico de insalubridade pública, devido a um abaixamen-
to assustador do "nlvel mental das nossas crianças" e a um aumento das "perturbações
demonstrativas do seu depauperamento flsico: defendendo a necessidade de uma acção
coordenada e metódica contra "o definhamento da raça~
N~o espanta, por isso, que o Estado Novo dedique grande atenç~o à saúde escolar,
articulando-a intimamente com a educação física e a educação moral e, mais tarde, com a
Mocidade Portuguesa. Em 1934-1935, Serras e Silva, o homem forte deste período, explica
que é impossível cuidar da "higiene do corpo" sem tratar da "higiene da alma~ Na sua opi-
nião, as politicas sanitárias deviam exercer-se dentro e foro da escola: por um lado, através
da acção do médico como educador e da cooperação dos "fiscais de higiene" e das "donas
de casa" (alunos e alunas que,em cada turma, ajudavam o médico escolar); por outro lado,
graças à vigilância das famílias e dos alunos, com o apoio das "visitadoras escolares" (assis-
tentes sociais que apoiavam o trabalho do médico escolar no exterior).
No inkio do século xx. a saúde escolar dirige-se, primordialmente, ao ensino primá-
rio e às classes populares. Agora, o seu alvo principal são os liceus, tendo em conta a neces-
sidade de chegar primeiro às elites, para, através delas, difundir uma nova consci~ncia sani-
tária e higienista. Os "especialistas da alma" ganham o espaço liceal, influenciando os
programas e a acção docente. Os relatórios dos médicos escolares constituem um extraor-
dinário arquivo, que revela bem a ambição de controlar os alunos, sobretudo no que diz
respeito às suas condutas sexuais, desde as práticas de onanismo às situações de namoro.
Serras e Silva justifica, numa frase lapidar, a legitimidade de uma tutela estatal sobre
o conjunto da vida escolar, familiar e social:"o Estado afinal somos todos n6s~Apesar de a
ambiç~o n~o ter tido os meios para a sua concretização, nem por isso a saúde escolar dei-
xou de ser um elemento importante na integração e no enquadramento das populações
liceais. A partir da década de 1960, ainda que tenha havido poucas mudanças legislativas,
a ortodoxia médico-pedagógica vai sendo substituída por perspectivas psicopedagógicas
mais atentas ao desenvolvimento dos jovens e à inserção social das crianças dos meios
mais desfavorecidos.
Oar"IÇas rftmicas com canlo cOroll, alunas do li<:eu de Garrelt. 192:J.
1m 1m lO" 1875 1m 1925 \975
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A EDUCAÇÃO FíSICA
MÉDICOS, MILITARES, PEDAGOGOS

Na transição do século XIX para o século XX, a Educação Física funda a sua legitimi-
dade na denúncia da degeneração da raça feita por médicos, pedagogos, militares e mora~
listas. A presença da disciplina nos planos de estudo justific3+se pela necessidade de corri-
gir as condutas e de conservar a saúde através da educação do corpo e do espírito. No
Regulamento de Educação Física dos Liceus (1932) critica-se wa ideia errónea de que esta
educação visa o músculo como seu primeiro e melhor factor: proibindo-se os desportos
que wnão são um meio de aperfeiçoamento individual, mas antes de deformação física,
quantas vezes de perversão moral~
Apesar da proliferação de correntes e doutrinas, prevalece o chamado método oficial
portugués, baseado na ginástica respiratória de ling, que contrapõe uma simbólica univer-
sal ao~ludismo desenfreado~Durante o Estado Novo, a Educação Física orienta-se por prin-
clpios que encontram na ~espiritualização dos músculos wa mundividência que dá sentido
ao projecto nacionalista de regeneração moral.
Nesta história, há dois momentos que é imprescindível assinalar: a criação da Moci-
dade Portuguesa, em 1936, e do Instituto Nacional de Educação Frsica, em 1940. Os milita-
res adquirem uma importi'ncia crescente, em detrimento das anteriores tendências dou-
trinárias fortemente dominadas petos médicos. As novas correntes sentem a necessidade
de reforçar a estrutura e o âmbito da disciplina, designadamente através de um alarga-
mento ~moderadoWda prática desportiva às escolas, uma vez que a Mocidade Portuguesa
se revela incapaz de cumprir a missão para que fora criada.
A dé<ada de 1960 é atravessada por contradições várias na definição das políticas e
do próprio conceito de educação física. A nova realidade da guerra colonial consolida o
papel dos militares e a perspectiva de uma educação física capaz de responder às necessi-
dades de "revigoramento da raçawe de ·treino militar~Cite-seo discurso do director do Ins-
tituto Nacional de Educação Física na abertura do ano académico 1961-1962:~0 I.N.E.F.é o
centro que deve permitir estudar as condições que levarão a nossa raça a uma potenciali-
dade física maior, o que de por si só constituirá um objectivo que deve ser fundamental
para a garantia da nossa defesa~
Simultaneamente,as questões do desporto adquirem novos sentidos no contexto da
emergência de distintas formas organizativas e associativas, que revelam a importância
cada vez maior de um fenómeno social que tende a alargar-se ao conjunto da população.
Começam a surgir, nesta época, interrogações epistemológicas sobre o próprio con-
ceito de educação física. Educação pelo movimento ou educação para o movimento, psi-
comotricidade e não-directividade são noções que passam a integrar modalidades discur-
sivas que denunciam a visão limitadora e estática dominante e que procuram formas
renovadas de intervenção no espaço escolar (ver Nóvoa e Gomes. 1999).

101
lBI~ 1925
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I
1915
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I

A PSICOPEDAGOGIA E A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL


SELECÇÃO ESCOLAR E ESCOLHA DA CARREIRA

Na década de 1920, o discurso que os diversos especialistas da "pedagogia científica"


vinham produzindo desde o final do século XIX adquire uma perspectiva claramente psi-
copedagógica. A criação do Instituto de Orientação Profissional, em 1925, culmina um
longo processo de elaboração teórica em torno das questões da selecção escolar e da
escolha da carreira. No ano seguinte, o seu director, Faria de Vasconcelos, expõe os objecti-
vos que se pretendem atingir;"A orientação profissional realizada em condições de real efi-
ciência científica é um dos métodos mais seguros de valorização moral, social, económica
do indivíduo, e por conseguinte uma das mais eficazes contribuições para o progresso da
colectividade:
Argumentando com os progressos científicos da fisiologia e da psicologia, Faria de
Vasconcelos explica a necessidade de estudar e conhecer as aptidões do indivíduo e as
características da profissão de modo a concretizar a máxima inglesa: The right man in the
right place. Para tal, é preciso ultrapassar a forma tradicional de selecção pedagógica
{o exame dos conhecimentos), combinando exames clfnicos (antropométricos e fisiológi-
cos) com exames psicológicos (determinação do nível geral da inteligência dos alunos e
das suas aptidões particulares). Trata-se, segundo Faria de Vasconcelos, de substituir uma
selecção que é essencialmente de ordem económica e social, "condicionada pelos meios
de fortuna e pela categoria das fammas: por uma selecção cientifica dos alunos.
Estas teses dão origem a uma profusão de testes e de trabalhos psicotécnicos, bem
como a métodos de diagnóstico e de avaliação, que,juntamente com os instrumentos da
médico-pedagogia, trazem para o universo educativo um raciOCÍnio populacional e psico-
pedagógico que está na origem de novas regulações dos percursos escolares dos alunos.
Numa série de artigos publicados entre 1929 e 1931, o futuro presidente do Institu-
to de Orientação Profissional, Oliveira Guimarães,defende modalidades objectivas de ava-
liação das aptidões escolares, designadamente através de testes aferidos. Neste período, o
tópico da "ignorância do aluno à saída da escola primária" conhece um grande impacto
junto dos CÍrculos políticos e da opinião pública. O ministro Cordeiro Ramos,ciente da"gra~
vidade da situação:considera que o mal só poderia ser resolvido com exames de admissão
aos liceus que seleCCÍonassem apenas aqueles candidatos que, "pelas provas de aptidão
mental: dessem reais "garantias de aproveitamento:
O movimento da orientação profissional adquire uma complexidade cada vez maior,
abrangendo temáticas que cruzam directamente as questões da escola e do trabalho, das
tendências pessoais e das vocações profissionais. O campo educativo será fortemente
influenciado pelas novas "ciências psicológicas" e, mais tarde, pelas psicologias da infllncia
e do desenvolvimento que inscrevem, e vulgarizam, novas formas de enquadrar a forma-
ção das crianças e dos jovens.


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f<)logtilflo) de Paulo CaIriGa, 1999. Gi~sÍO, Liceu Latino Coelho, Lamego.


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SUPERSTiÇÃO DO DIPLOMA E "EMPREGO MANIA"


HÁ SEMPRE ESTUDANTES A MAIS?

o excesso de diplomados é uma das queixas mais frequentes desde finais do século
XIX. Pode estranhar-se esta lamentação se tivermos em conta as baixíssimas qualificações
escolares da população portuguesa. Mas o caso tem duas hipóteses de explicação: por um
lado, a crítica social à -pedantice-dos titulares de um grau académico; por outro lado,a von-
tade de assegurar um -emprego adequado· para os que possuem determinadas habilita-
ções académicas.
M
A pedantice dos bacharéis, nas suas ·(atietas de doutor e nas suas ·cabeças ignoran-
tes:inspira muitas páginas da nossa melhor literatura. A desconfiança é clara: nem sempre
a posse de um diploma significa a posse de um mínimo de inteligência e de um cabedal
suficiente de conhecimentos. Oliveira Martins insurge-se contra o indusrrialismo no ensino
e António Sérgio (1918) denuncia os processos burocráticos que favorecem o diploma em
detrimento do saber: "A escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem: e ninguém lhe
pede educação, mas diplomas - sendo certo, no entanto, que os que pedem diplomas para
seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu tempo pelas escolas portu9uesas~
A segunda dimensão do problema remete para a manutenção de uma estrutura
social. que reserva para os titulares de um diploma escolar os poucos empregos de prestí-
gio disponíveis. Em 1939, Manuel Rodrigues escandaliza-se com a "inflação" a que se assis-
te nas profissões liberais e que pode originar a revolta daquele"que não encontra na socie-
dade a posição equivalente ao seu diploma: concluindo que "é nos diplomados sem
colocação que se recruta a quase totalidade dos chefes e propagandistas da destruição da
ordem social7
Um outro exemplo, entre milhares de citações possíveis, é-nos fornecido pelo minis-
tro Pires de lima, em discurso de 1949 contra o excesso de estudantes:"O que seria, se,de
um momento para o outro, saíssem dos nossos estabelecimentos de ensino superior mais
algumas centenas de médicos ou de advogados, sem clientes,de engenheiros ou arquitec-
tos, sem obras para realizarem, de professores sem alunos, de licenciados sem empregos
remunerados? Além do fatal rebaixamento dessas classes e dessas profissões, teríamos um
mal-estar social de consequências sérias e graves~
Num curioso texto de 1921,J. Santa Rita junta os dois aspectos anteriores, dizendo
que"o vicio da empregomania liga~se muito estreitamente à superstição do diploma~São
duas faces de uma mesma moeda, que traduzem uma dupla resistência à cultura escolar.
Há quem julgue que estamos perante um discurso recente, motivado pela expansão esco-
lar das últimas décadas. Nada mais falso! ~ um discurso recorrente na sociedade portugue-
sa. A crítica ao excesso de diplomados esquece que Portugal foi, e continua a ser, o país
menos escolarizado da Europa. Seguimos prisioneiros de um sistema de ensino pensado
para formar cada um à medida do lugar profissional que lhe está destinado, em vez de
adoptarmos uma política de valorização pessoal e de qualificação escolar de rodos.

105
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A DESESPERADA CONTENÇÃO DA POPULAçÃO ESCOLAR LICEAL


ATRAVÊS DOS COLÉGIOS PRIVADOS E DAS ESCOLAS TÉCNICAS

o Estado Novo desenvolve uma estratégia de contenção da população liceal. Logo


em 1928, é nomeada uma Comissão para se debruçar sobre a rede escolar, delimitando
para cada liceu ·uma zona geogrdfica de influência pedagógica, de forma a conseguir uma
redistribuição mais racional dos alunos~A Comissão entendia que se poderia"dar ensino a
448 turmas· (cerca de , 5 000 alunos no total do país), sugerindo uma rígida ordenação do
parque escolar nacional de modo a encaminhar a maioria dos alunos para o ensino privado
ou para as escolas técnicas.
A abertura incontrolada dos liceus era vista como um perigo, pois"a quantidade é ini-
miga da qualidade~Em 1927, José Tavares abre o I Congresso Pedagógico do Ensino Secun-
dário Oficial com opiniões radicais:~Toda a reforma da instrução secundária deve tender
para a dificultação do ensino, de forma que a frequência dos liceus venha a diminuir, em
vez de aumentar~A legislação de 1935 confirma que "o nivel de estudos baixa sucessiva-
mente porque baixa precisamente na medida em que se acentua o aumento da respectiva
frequência~

No conjunto das medidas tomadas para restringir o acesso aos liceus, a mais eficaz
foi, sem dúvida, o reforço do ensino privado. A Comissão de 1928 fizera uma recomenda-
ção sugerindo que era "indispensável estimular a iniciativa particular no sentido de fazer
derivar para os colégios uma parte importante da população dos nossos liceus~Todavia, a
situação só se alterará com as leis sobre os exames de 1935-1936. Até esta data, os alunos
dos colégios privados não ultrapassavam 25% do total dos alunos do ensino secundário.
Mas, neste ano, a tendência inverte-se subitamente, passando a haver mais alunos no ensi-
no privado do que no ensino oficial. Em 1960, há cerca de 46 000 alunos nos liceus e mais
de 65 000 no ensino particular.
Paralelamente,o Estado Novo estabelece uma divisão clara entre ensino liceal e ensino
técnico, criando uma separação dos alunos desde o final da escola primária. As políticas
educativas legitimam-se com argumentos científicos. Os especialistas desenvolvem testes
que permitem aferir as aptidões, publicando relatórios que medem e comparam alunos
dos liceus e das escolas técnicas. Regra geral, como no caso dos estudos efectuados pelos
médicos Armindo Crespo e Cruz Neves (1939-1940), os resultados confirmam ~realmente
um certo grau de inferioridade mental da massa escolar" das escolas técnicas. A argumen-
tação científica e "objectiva"funde-se com a argumentação ideol6gica para traçar o destino
escolar dos alunos. Em 1960, no ensino oficial, há cerca de 46 000 alunos nos liceus e mais
de 92 000 nas escolas técnicas.
Os colégios privados cumpriram uma relevante função social e as escolas técnicas
(recordadas ainda hoje com grande nostalgia e sempre consideradas a "receita miraculosa"
para resolver a crise do ensino) foram o mais importante sucesso institucional do Estado
Novo. Mas, a partir da década de 1960, o aumento da população liceal faz "explodir" um
modelo que se tinha tornado organizativa mente inviável e socialmente inaceitável.

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Jardim de Inf~ncia a funcionar junto do LIceu Infanta O.Maria, em Coimbra, 1973.
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ENSINO INFANTIL: SIM OU NÃO?


TUDO ANDA A RODA DUM BERÇO•.•

o ensino infantil oficial é uma criação da Republica,quetransforma em projecto legal


a preocupação social com a pequena infância e com o seu enquadramento educativo.
A decisão de Malargar para baixo· as responsabilidades do Estado deve ser vista à luz de
uma transformação das primeiras idades em objecto autónomo de intervenção social e de
reflexão científica.
Até meados da década de 1930, assiste-se à publicação de legislação que procura dar
especificidade e coerência ao ensino infantil e, sobretudo, à formação de educadoras de
infância com a integração de disciplinas cientfficas como a Psicologia, a Psicologia Infantil,
a Pedologia, a Pedagogia do Ensino Infantil, a Higiene Geral e Escolar ou a Puericultura.
Mas, em 1936, surge nova linha de rumo, que vai conduzir, na prática, à extinção do
ensino infantil oficial. O Estado Novo concentra os seus investimentos numa escolaridade
obrigatória mínima (três anos), construindo uma ideologia maternalista que valoriza o
papel das mães e das famf1ias."Há uma didáctica maternal, intuitiva, misto de cérebro e de
coração, traduzida em um engenho, que às vezes surpreende em mães de bem humilde
viver~ - afirma o ministro Carneiro Pacheco num discurso de 1939, intitulado Tudo anda à
roda dum berço...
Reforça~se assim a iniciativa privada, através de uma rede de estabelecimentos de
ensino infantil particular que se dirige, em primeira linha, aos grupos sociais favorecidos,
ainda que uma percentagem significativa de crianças (cerca de um terço em 19S0) esteja
abrangida por sistemas de apoio à Minfância desprotegida~Em 1960 haveria pouco mais de
6000 alunos no ensino infantil.
Paralelamente a esta rede formal, na qual é preciso não esquecer os estabelecimen-
tos dependentes da Segurança Social, desenvolve-se um "mercado" importante de amas e
de creches que tomam conta das crianças durante o horário de trabalho das mães. Verifi·
ca-se, também, um reforço muito significativo da perspectiva assistencial, com a criação de
organismos e instituições de enquadramento das crianças pobres.
As correntes socioeducativas e psicopedagógicas que emergem na década de 1960
tendem a valorizar uma lógica educativa (estabelecimentos de ensino infantil particular)
em detrimento de uma lógica assistencial (instituições públicas ou privadas com funções
de protecção à infância). Os trabalhos preparatórios do Estatuto da Educação Nacional
situam o problema numa dupla perspectiva, pedagógica e social, referindo em particular a
nova situação da mulher no mercado de trabalho. Definem~se, então, propostas claras no
sentido de "generalizar e oficializar a educação pública pré-escolar~assegurando uma edu-
cação para todos Mtão precoce quanto possível~ t esta política que vai ser prosseguida, e
legislada, pelo ministro Veiga Simão, em 1973, procurando pôr em prática o princípio de
queMa expansão do sistema educativo traduz-se e suporta-se, basicamente, na institucio-
nalização da educação pré-escolar, ainda que facultativa~


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A EDUCAÇÃO COLONIAL
PRÁTICAS fORMAIS E INFORMAIS DE APRENDIZAGEM

Ao longo do século XX, o problema colonial vai assumindo uma centralidade cada
vez maior nas políticas nacionais. A educação desempenha um papel primordial, no qua-
dro daquilo que Marcelo Caetano designa por estratégias de Nassimilação espiritual N
;

NOS portugueses concedem uma grande importàneia,na domínio da educação, à obra civi-
lizadora dos missionários católicos: são eles que dirigem o ensino primário nas colónias,
ensino que abrange o Português, a leitura, a escrita, a aritmética e a moral cristã; o ensino
das elites, partindo destas bases, visa a aquisição de novas técnicas e de conhecimentos
mais amplos. Através da utilização do Português como língua comum dos territórios, espe-
ra-se facilitar a assimilação espiritual':
Até final da década de 1950, a educação colonial é marcada por lógicas de inculca-
ção ideológica, no contexto do enquadramento legal do "ensino rudimentar" e de práticas
discursivas que celebram a importância do trabalho,da religião e da língua portuguesa da
"educação do indígena~ Em 1960, o Cardeal Cerejeira explica que a actividade missionária
católica procura educar e instruir os "nativos~ de forma a fazer deles prisioneiros da terra e
a protegê-los da atracção das cidades.
No ano seguinte,a revogação do Estatuto do Indigenato e o início da guerra colonial
marcam uma transição que conduz ao reforço das estruturas escolares e à adopção de um
ideário que proclama a integração dos africanos na ~nação portuguesa pluricontinental e
multirracial~ Nos quatro volumes do World Surver of Educarion, publicados pela Unesco
entre 1955 e 1966, encontram-se estatísticas que, embora pouco fiáveis. confirmam a difí-
cil situação educacional das colónias portuguesas, ainda que uma leitura atenta dos núme-
ros permita detectar ténues sinais de mudança.
Não será fácil a consolidação destas estratégias, tendo em conta a conjuntura inter-
nacional adversa ao regime colonial e as dificuldades de financiamento e de recursos, bem
como as tradicionais resistências à escolarização da população africana. Se é verdade que,
em Portugal, a "escola para todos~ se concretiza, mesmo imperfeitamente, cerca do ano
1960, a educação nas colónias está ainda muito longe deste objectivo no momento em
que o Estado Novo é derrubado.
Para além das instituições escolares formais, o contexto colonial é atravessado por
práticas informais de educação, com grande relevância ao longo de todo o século Xx. Este
facto é bem evidente na importância das missões, de diferentes religiões, mas também na
persistência de modos tradicionais de transmissão cultural. Joaquim Pinto de Andrade
explica as razões dos elevados níveis de alfabetização no Golungo Alto;"As letras aprendi-
am-se de pais para filhos. Os mais pobres, na falta de ardósia ou de papel, escreviam em
folhas de bananeira~~ impossível compreender a educação colonial sem um olhar atento
ao trabalho das famílias, das comunidades locais, das associações culturais e dos movimen-
tos religiosos (ver Nóvoa e Paulo, 1999).

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Quando ~nuam no Parqu~ InfantJl
mostram o f~ do pobreza,
o aspecto dumo humanidcxk inferior

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dos crianças (dizes qu~ moem nos
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Parques Infantis de Usboa,(riados por F~manda de ústro,em meados do s«ulo xx. para acolhimento de
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1915
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o ATRASO EDUCACIONAL
]'!ANDAMENTO - MEADOS DO SÉCULO XX

Em meados do século xx.


as estatlsticas da Unesco referem uma percentagem de
analfabetos de mais de 40% e uma taxa de escolarização da população infantil de 45%,
o que situa Portugal no último lugar europeu. a larga distância dos restantes países.
Os números incomodam, no plano interno e externo, funcionando como um estigma que
persegue o salazarismo. Depois de uma primeira fase fortemente doutrinária, o regime
descobre a necessidade de investir no desenvolvimento ·cultural- e -intelectual- da nação.
O Plano de Educação Popular, lançado em 1952, é o sinal mais claro desta mudança.
Eis o que se escreve na brochura de apresentação: -Já há mais de cem anos um economis-
ta inglês demonstrava que o nível económico de um povo está dependente do seu nfvel
intelectual não passando de uma mentira a economia politica que se preocupa apenas
com capital e trabalho,oferta e procura,juros e rendas, balança comercial favorável ou des-
favorável, esquecendo o elemento basilar da generalização do ensino e o desenvolvimento
cultural de um país~
Os responsáveis pollticos desdobram-se em declarações neste sentido, manifestan-
do a urg~ncia de sair do atraso em que nos encontramos. Veiga de Macedo afirma, em
1953, que a exist~ncia de 3 milhões de analfabetos *tem de impressionar muito especial-
mente - melhor diria, alarmar - os homens de negócios, desde que estes, movidos ao
menos por razões de ordem material ijá não falo noutras),estejam na disposição de defen-
der os seus próprios interesses: concluindo: *temos de nos convencer, de uma vez para
sempre, de que o rendimento nacional está, em larga medida, dependente do nlvel cultu-
ral do povo~
O ministro leite Pinto, nomeado em 1955, leva este discurso ainda mais longe, decla-
rando a cada passo que *é necessário traçar um Piano de Fomento Cultural, sem o qual não
tem significado nem efici~ncia um Plano de Fomento Económico~ A citação consta de um
oficio que assina em 1959 e que vai dar origem ao ·Projecto Regional do Mediterrâneo~No
âmbito deste Projecto - que inclui Portu9al, Espanha, Grécia, Itália, Jugoslávia e Turquia-
produzem-se dois relatórios que definem uma matriz que perdurará praticamente até aos
dias de hoje. O planeamento educativo e o investimento em recursos humanos passam a
ser o eixo estruturante dos discursos e das politicas educativas em Portugal.
Rui Grácio explica que, nos anos sessenta, f10resce "uma literatura abundante - do
artigo de opinião ao ensaio, ao estudo, ao relatório -,lastimando ou reportando os atrasos
do ensino (baixíssimas taxas de escolarização acima do primário, fndices elevados de repe-
tência e abandono, deficiências da rede escolar, penúria de professores qualificados, carác-
ter retrógrado dos conteúdos do ensino, etc.)~Portugal vai-se descobrindo, periodicamen-
te, um pais atrasado. Fixamos metas imaginando os outros palses parados. Por isso, quando
as cumprimos, constatamos perturbados que a distância que nos separa da "civilização* é
cada vez maior...

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Escola Exemplo. Limpopo,Aldeia de Lionde (Moçambique), 1966.

Fotografia de Henrique Sousa Amaral.Cfeche do Centro Paroquial do Bairro Padre Cruz, 1969.
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I

PRÁTICAS DE DOUTRINAÇÃO E EDUCAÇÃO FAMILIAR


UM RELANCe SOBRE o ESTADO NOVO

As pr~tica5 de doutrinação manifestam-se desde os primórdios do Estado Novo,


tanto na obrigatoriedade de afixar certos pensamentos nas es<olas e nos livros escolares,
como na imposição do -livro único: na organização física do espaço, na escolha do mate-
rial didáctico e na atenção ao ambiente educativo. Mas o regime não confunde intencio-
nalidade com eficácia e conhece bem os limites de uma acçâo estritamente escolar.
As preocupações com a formaçâo moral e cívica dos alunos atravessam todo o currl-
culo. prolongando-se numa vertente curricular autónoma (Educaçâo Moral e Civica, Orga-
nizaçâo Polftica e Administrativa da Nação. Religião e Moral) e, sobretudo. nas actividades
da Mocidade Portuguesa. A força do Estado Novo reside na capacidade para se apropriar
de ·valores atemporais· que, uma vez reintegrados no ideário nacionalista, traduzem uma
efectiva Minvenção da tradição~
Guilherme Braga da Cruz dá voz à ideologia dominante, em 1952, ao afirmar que
Ma missão educadora da Igreja e da famllia, pelos títulos que a fundamentam, tem primazia
sobre a missão educadora do Estado~ Este facto não impede o regime salazarista de desen-
volver dispositivos de controlo dos costumes e dos hábitos familiares, sobretudo nos meios
mais desfavorecidos. Aglorificação nacionalista da família exige uma fiscalização apertada
da vida no lar, tanto no que diz respeito aos preceitos higiénicos - "os pequeninos seres
indefesosMnão podem ficar à merc~ da ignorância dos pais (Sara Benoliel) - como no
campo dos comportamentos e da moral.
Nas classes sociais mais privilegiadas vive-se uma realidade bem diferente. Desde
finais do século XIX que se difundem publicações utilitárias e recreativas dirigidas às faml-
lias e, mais tarde, livros para a infãncia e a juventude que cumprem um papel essencial na
formação das novas gerações. Mais libertos da vigilância do Estado, estes grupos optam
até bastante tarde, sobretudo no caso das raparigas, por estratégias de ensino doméstico
e, posteriormente, por uma escolha criteriosa de colégios privados, protegendo os seus
"herdeirosMde uma excessiva convivência social. No caso dos rapazes, apesar de algumas
excepções, as elites sociais asseguram a reprodução do seu "capital simbólico· através da
inscrição dos filhos no ensino oficial, como se prova pela frequência dos liceus.
Um relance sobre o Estado Novo revela que a preocupação doutrinária prevaleceu,
muitas vezes, sobre a formação especificamente escolar. Eque o debate sobre a educação
familiar travou-se demasiadas vezes em torno de uma repartição de tarefas e de missões
entre diferentes instituições: o Estado, a Igreja, a famma. Como se houvesse um excesso de
presenças?! - quando foi sempre outro o nosso drama: um excesso de ausências. Historica-
mente, foi frágil a intervenção do Estado no campo educativo, mas foi frágil também a
acção das famllias, e das igrejas, e das associações, e das autoridades locais, e das empre-
sas, e da iniciativa particular, e...

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o CICLO PREPARATÓRIO DO ENSINO SECUNDÁRIO


UM SINAL CLARO DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO

A criação do ciclo preparatório do ensino secundário, em 1967, representa uma vira-


gem importante na política educativa, uma vez que põe em causa dois alicerces funda-
mentais da ideologia nacionalista: a redução da escolaridade obrigatória e a bifurcação das
vias de ensino (liceus e escolas técnicas).
Uma das primeiras preocupações da Ditadura Militar é a demolição do ensino primá-
rio republicano (5 anos de escolaridade obrigatória mais 3 anos de ensino primário supe-
rior). As escolas primárias superiores são extintas logo em 1926 e, quatro anos mais tarde,
a frequência escolar torna-se obrigatória apenas para os três primeiros anos. Ao mesmo
tempo, recusa-se o princípio da escola única, tendo em conta a vontade de escolher os
mais capazes, separando-os logo que possível dos "incapazes de ascenderem aos graus
superiores de cultura~
O consenso que se estabelece no seio do regime salazarista em torno dos dois eixos
atrás mencionados é posto à prova em diversas ocasiões. São bem elucidativos os debates
que antecedem a reforma do ensino técnico de 1948 e que conduzem à criação do ciclo
preparatório do ensino técnico. E, uma década mais tarde, na primeira reunião da Comissão
encarregada dos estudos para a unificação dos ciclos preparatórios das ensinas secunddrias, o
ministro Leite Pinto deixa bem clara a intenção de fundir o 1':'ciclo dos liceus e o ciclo pre-
paratório do ensino técnico, assumindo dois objectivos principais: adiar a idade de optar
entre o liceu e a escola técnica eMpreparar o prolongamento da escolaridade obrigatória,
isto é, o alargamento do ensino primário a seis anos:
A criação do ciclo preparatório do ensino secundário é o culminar, pois. de uma longa
acção política, com destaque para o prolongamento da escolaridade obrigatória, primeiro
para quatro anos (em 1956 para os rapazes e em 1960 para as raparigas) e depois para seis
anos (em 1964). Apesar da importância desta decisão, é preciso assinalar que se mantém
uma tripla via: a frequência da 5~e da 6~c1asses do ensino primário; o ciclo preparatório do
ensino secundário, em regime presencial;o acompanhamento à distância das aulas através
do ciclo preparatório TV. Os responsáveis ministeriais sabem que esta tripartição tem con-
sequências sobre os percursos escolares, mas assumem tal facto como uma realidade ins-
crita no destino social de cada um.
O papel do ciclo preparatório na mudança do sistema educativo exprime-se também
numa vertente qualitativa, devido ao desenvolvimento de processos de inovação pedagó-
gica (no plano curricular, relacional e avaliativo). Assiste-se ao recrutamento de uma gera-
ção de professores que vai estimular uma nova cultura profissional, desempenhando um
papel muito activo no reactivar do associativismo docente. Pouco tempo depois, as pro-
postas de alargamento para oito anos da escolaridade obrigatória e de unificação do ensi-
no liceal e tétnico são as últimas intenções, que ficam por cumprir, do Estado Novo (ver
Nóvoa e Barroso, 1999).


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fotografia de Armando SerOdio. Escola de Vale Escuro, 1956.
fotografia publicada na revista Tecnologia EducatIVa" 1974.
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PLANEAMENTO EDUCATIVO E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


(SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX)

o ministro leite Pinto, que ocupa a pasta da Educação Nacional entre 1955 e 1961,
abre uma nova fase política. fortemente marcada pelas concepções do planeamento e pela
influ~nda das organizações internacionais na regulação do sistema educativo português.
A partir desta altura. a urg~ncia de formar recursos humanos qualificados prevalece sobre
uma visao exclusivamente centrada no ensino como sistema de inculcaçao ideológica.
Os esforços são encaminhados para a industrialização do pais, projecto que seria
imposslvel prosseguir sem a formaçao de uma mão-de-obra qualificada. Aprocura de uma
legitimação junto das instâncias internacionais conduz à valorização de abordagens técni-
cas, bem patente na figura do ·especialista" que passa a desempenhar um lugar de desta-
que nos processos de decisão polftica em educação.
Em 1964, talvez a contragosto, o ministro Gaivão Teles sente-se na obrigação de apre-
sentar os resultados do "Projecto Regional do Mediterrâneo7 sublinhando que estamos
perante uma obra de planeamento da acção educativa. No seu discurso, explica que a
questâo central são as relações entre a educação e a economia, pois "sem progresso edu-
cacional nâo poderá haver prosperidade econ6mica~Alguns meses antes, tinha terminado
uma exposição na Emissora Nacional e na RTP dizendo que o pais só se desenvolveria se
fosse capaz de canalizar ·fecundos investimentos no mais valioso dos capitais, que é o
humano~

Estava estabelecida uma matriz que ganhará forma com a criação do Gabinete de
Estudos e Planeamento da Acção Educativa, em 1965, cuja história, ainda por fazer. é bem
reveladora dos grupos e das redes pessoais e institucionais que não mais deixarão de ocu-
par o Ministério da Educação. Em Portugal, contrariamente a outros pafses, a cultura do
"capital humano"forma-se com base numa mistura entre dimensões tecnocratas e religio-
sas, como bem revela o estudo pioneiro de Émile Planchard, publicado nos Trabalhos Pre-
paratórios do Estatuto da Educação Nacional (1966).
Os novos "especialistas da educaçã07regra geral engenheiros ou economistas, fazem
importantes carreiras como peritos das organizações internacionais, mantendo fortes liga-
ções a sectores influentes da Igreja católica.Veiga Simão (197()..1974) e, depois dele, Rober-
to carneiro (1987-1991) e Marçat Grilo (1995-1999), para apenas citar os seus principais
herdeiros, personificam a corrente de pensamento e de intervenção politica que domina
as últimas décadas do século XX.
Depois da OCDE (anos 60), a estrutura do sistema escolar a seguir ao 25 de Abril é
fixada, em grande medida, por peritos do Banco Mundial. A partir dos anos 80, predomina
a ligação à Europa, que se mantém como referência estruturante das politicas educativas.
Os documentos recentemente aprovados pela Uniào Europeia, em particular o programa
Educação & Formação 2010, apontam a direcção a seguir pelos governos portugueses nos
próximos anos. E não será grande a margem de manobra.

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o ATRASO EDUCACIONAL
"~ANDAMENTO- TRANSiÇÃO DO SÉCULO XX PARA O SÉCULO XXI

o sé<:ulo XX acaba como começou, com um forte sentimento de "atraso· em relação


à Europa. Estudos. diagnósticos e manifestos indignam-se com o estado da escola e recla-
mam medidas urgentes. ~ preciso pOr ordem na escola. ~ preciso pOr a escola na ordem.
Anuncia-se uma nova "batalha da educaçao~Comohã um século, pela voz de José Simões
Dias, não faltam razões para "supor que pior que o dia de hoje e o de ontem, será o de ama-
nhá~

Que indicadores provocam tamanha agitação? São inúmeros os dados que, diaria-
mente, nos inquietam. Para uns, o mais grave são as situações de indisciplina e de violên-
cia, a falta de um mfnimo de padrões morais e de regras de comportamento. Para outros,
o drama é a ignori'lncia dos alunos, a sua péssima cultura geral, a fraqufssima formação
escolar em áreas vitais como a Hngua portuguesa ou a matemática. Para alguns, é incom-
preensfvel a pobreza dos programas em domfnios essenciais para a sociedade do conhed-
mento,como as novas tecnologias ou a aprendizagem de línguas estrangeiras. Para outros
ainda, a nossa escola não fomenta a criatividade, o espírito de iniciativa e o empreende-
dorismo tao necessários nesta era da globalizaç:to.
A lista poderia continuar, pela ausência de educação científica ou de cultura históri-
ca, pela escassez da formação profissional ou da aprendizagem ao longo da vida...Todavia,
é posslvel identificar dois conjuntos de indicadores que surgem sempre para ilustrar o
nosso atraso educacional. O primeiro conjunto, mais estrutural e quantitativo, diz respeito
às estatísticas da Uniáo Europeia: qualificações escolares da população, nfveis de insucesso
e de abandono escolar, etc. O segundo conjunto, mais pedagógico e qualitativo, remete
para os estudos internacionais,conduzidos primeiro pelo IEA e depois pela OCDE.que assi-
nalam os maus resultados dos alunos portugueses em disciplinas como a Iingua materna,
as ciências ou a matemática.
No final do séculoxx.o pais parece tão confuso, e perturbado, como no final do sécu-
lo XIX. A sociedade portuguesa está ciente do caminho percorrido nos últimos trinta anos,
mas os indicadores explicam que é cada vez maior a distância que nos separa dos restan·
tes palses europeus:A realidade impõe-se ao sonho, ao ideal, mas n:to passa ao querer: avi-
sava Agostinho de Campos, em 1933. E, contrariamente ao que aconteceu nos anteriores
-andamentos do atraso educacional" - com a Regeneração (há 1SO anos), com a República
(há 100 anos), com a industrialização (há SO anos) - não se vislumbra nenhuma ideia que
nos possa mobilizar (ou, pelo menos, -distrair-lo
A n:to ser que se invente um impulso elãn reformador. Mas sobre isso, já Agostinho
de Campos escreveu palavras definitivas: "De quando em quando, ouve-se dizer por aí,
muito a sério e em tom de profundo convencimento: Precisamos de uma reforma geral do
ensino... Melhor seria dizer, logo de uma vez: Faz-nos falta um milagre de Nossa Senhora de
Fátima~

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III
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CJIiIoNlI MlIftInl" Dilpmol, UsboI" 192]..1924. I Anlónocl
S4rgoo, O ~ ctWIlO frKtot do ~ 1W1áoMI,
Identificação das imagens AúIOl-{)1910372F1.
P~gina 40
c.p, Profesw.- e aluno" Cilpa d. revislll fSl:okJ Pott<>gWI<l.
Fotografl<l publicada no BoIttim infotrr>utiw1~ Téesco/Q, n'! 1,
n'!13901,Agostode 1973-
Marçode 1%8.
P~gina 42
P~gina 8 fotografia dm deleg.adol ao I~Congresso doI ProfelS<l<es
Codavre fxr)uis da autoria de Cruzeiro Selxas e Eurico Gon· Prim.irios. realizado em Lisboa no mê-s de M.Jo de 1892
çalves. Sem tlllllo, 18-0J.2oo3. (reprodllrida pelo jotnal A ~ro{OO fsrolor, ~752, 1926).
P~gina 21 Fotografl<l dm paniclpantel no VI Congresso do Ensino
licea~ realizado em Aveiro no mê-s de Abril de 1971
Crianças pala a colónia balnear Infantil de "O Século: 16-
.()fl-1939. Arquivo de Fmogr.f.. de Lisboa - CPF 1 Me (reptodllrida no livro VI Congresso do Ensino !kMI, Aveiro,
ISEClAG/OI-{)701414(lN). l~YCJlu~ 1971,p,29).

Pigina 22 pagina 44
Gravura reproduzida no livro Mttodo Costilho paro o ensi- Pt<spoeolva do C~io, Grande Cr*gio UniwJSal, Pano,
no r6pido e oprrufvel do ~ impressa, lrl(IIluscrilO e numero· 1939-1940. pp. 8/9.
{&udo tserewJ, liSboa.. 2' ed;ç~, 1853. Um dormltÓt;o, Grande ~ Un1YerS<ll, Porto. 1939-
·1940,pp.40/41.
P~glna 24 ~Indrio, Grande C~;o Universal, Porto, 1939·t940,
Reformatório ela G.... rela, ·Um<J aula: sld (prindpio do pp,40/R
skulo XX). Espólio fotogr~flCo do Instituto de Aelnsef{~ ~Indrios aneXOI !lOS dormitÓrios, Ins/ituro Moderno,
Social. Porto, 1914. ~. 26.
Refúgio do Porto, sem trtulo. 195211953. Espólio fmogr~fi·
co 00 Instituto de ReinserçAo Social.
Pigina 46
"Um aspecto o:la aula de Ciérlcias Naturais· - Fotografia
P~gina 26 indulda na brocl1-ura Coltgio de Nun'Alvores - CffJIOCheckJ
Gravuras reproduVdas "" obra de José L;",taster, Sistema BonjOldim, Porto, 1930, pp. 8/9.
brlt<Jnico <k td<KO{oo, Porto, 1823, p. 8. pp, 84/85 e p, 87.
pagina 48
P~glna 28 Fotogr.fl<l o:la Escola E.ltef~nia, Lisboa, entre 1898 e 1908.
Jardim o:la Rertoria, liceu AIe_andre ~cul.no, ln ÜC~ de Arquivo fotogr~flco Municipal de Usboa (A728).
Portugol.n'!I,Outubrode 1940, p,53. Maquete para ücola Industrial - Tipo A" reproduzida no
Fotografia de Alberto Carlos Lim<J, ücola Secund~ria de Boietim Oficiol do M,nisrhio ckJ Im/llIÇ'oo Público. Ano V,
Camões. Arquivo Fotogr~flco Municipal de Lisboa número especial, 1934, pp. 1391141.
lAI6069).
Fotografia de Annando Ser6do, ücola Rainha Dona ~ pagina 50
lia, Arquivo Fotogr~flco Municipal de Lisboa (ASl 099). Fotografia de Albe<to Collll L1m<J, ·Escola Prim~ria ~ Sala
de Aula: Inicio do século xx. Arquivo fotográfico Munld-
pagina 30 pai de Lisboa (A15064].
Gravura da autoria de M.Jnuel Maria Bordao Plnheõro, Fotograf.. de A. Raposo,"Um<J sala de aula - RefUgio do
reproduzida no livro M~rodo Costilho paro o ensino r6pido Tribunal Central de Menores elo Porto: 195211953. Espólio
e oprazll'el do ler impressa, manuscriro e numeroçoo e do fotográfico do Instituto de Reinserçio Social.
escrI'WJ, Lisboa.. 2' ed;ç.loo, 1853.
P'gina 52
P~gjna 32 Exames nos liceus. 01.ij7·1939. Arquivo de fotografia de
Esquemas Incluíóos numa brochura publicada pelo Minis· Usboa-CPF I MC (SEClAGlOl-069!3476N).
térlo da Inltruçio póblica.GráflCOS eopon/ommr~ esraris- Fotografia Incluío:la no BoIerim Informativo - Telescola, ~3,
tic:~ wbre a arganizaçoo do Ensino df>pendenredo MmiIIi- Maio de 1968. P, 73.
rio do Insrrl/{oo Pública.L1sboa. 1933.
P~gina 56
P~gina 34 Fotografia de Albeno Carlos Uma, "'Escola Prim.iriil: Início
fotografia de Alfredo Cunlla,"Alunos - Mes.lo Frio: 1988. do skulo XX. ArQUivo Fotogrifico Municipal de Lisboa
Arquivo FotogrMico Municipal de Lisboa (8085698). lAI6301).
Fotografia de crianças na sala de aula de um asilo. início
Pigina 36 do século XX. Arquivo FotogrMko Municipal de Lisboa
Gfavura reproduzida no livro Mttodo Costilho paro Oens;' lA2116t)
no rlÍpido e opraziYel do ler imptelIO, monuscrilO e nu~o­
{ooedotserewJ,L1sboa.. 2'ed~ 1853. P'gina 58
Fotografia de J. Adriano, "Oficina de Sapalllria - RefOtma'
P'gina 38 tório de Vila do Conde;sld Onlcio do século XX]. Espólio
Jardim·Escola aJlelCo a Normal do Porto,Fotografla Indu(· fotogr~fico do Instrtuto de Reinserçoo Social.
o:la no IMO de Vrdal Oudlnot, Aq60 ~nrro e e>'fro-esco/arJ, fotografia de Alberto Carlos Lima, "Sala de aula com adul·
Porto.1915,pp.2181219. tos: inicio do skulo XX. Arquivo Fotogr~fko Municipal de
Uma aula de Iertura na Escola Norm<J1 de BenfICa. 24-{)3- Lisboa lA16290).
·1931. Arquivo de fotografia de Lisboa - CPF I Me ISECI
P.ligina 60 Pigina 78
Fotografia de "Meninas numa aula de L1'o'OreS~ inicio do Fotografia de um batalllio escolar, fundado pelo profes·
skukl XX. "fquivo Fotogrilfico Municipal de Lisboa so< Joao dos Reis Tavares na Escola de Caria (concelho de
(A21189). 8elmootel,em 190611907.
Fotografia de A. Raposo, "Instituto de S.Domingos de 8Hl- Fotografia de Joshua llenoIieI, 'Crianças protegidas pelas
fica (~):sld.Esp6Iio fotogrMico do Instituto de juntas de freguesia de Lisboa na p'aia di Trafaria~ 1909.
fleinsefçlo Social. Arquivo FotogrMico Municipal de Lisboa {A6395}.
P.ligina 62 P'glna 80

".-
Escola do Ensino Prim.1irio. Lugar de Bacelo, !lemeU>e.

Escola do Ensino PrIm.1irio de Santo E5twao,. 1932.


Escola do Ensino Prim.1irio. Lugar di Igreja. Soutelo, Vieira.
Escola do Ensino PrIm.1irio, Ponte de Sôr, Portalegre,
Culto di ~rvore - Alunos das escolas plan~m ~rvores no
antigo Largo do Matadouro, Fevereiro de 1910. Arquivo
FotogrM\co Munkipal de Lisboa (A88904).
P'gina82
Escola do Ensino PrIm.1irio, Porto de Mós, ~ria. Fotografias da ~cole NouveUe de 8iefges-les·Wavre (B@lgi-
Escola do Ensino PrIm.1irio, Amieira, Nisa. cal, dirigida pot A. Faria de Vasconcelos, incluídas ntIm
(Fotografias pe<1enc:emes ao espólio OO"g.i1niudo pot pequeno livro de apresentaçkl di escola (Une «ale nw-
Adolfo Lima. no inicio dos anos trinta. quando era Directoo" .eIIt <ll</ CIImpogrl<', Iliefges-les-Wivre, 1913l.
da Bibliot=t-MuSoe\l do Ensino Prim.1iriol. P'glna 84
P'gina 64 Fotogfafia de Alunos da Escola M6veI de fofos (Salvaterra
Gfa"IJra repl"oduzida no livro de Mariano Ghira, Rmrórill de Magosl,com a sua professora ~D!lleatriz da Conc:ei-
~ a visita ~ /nspecç60 0!flJ0Idindti0 (\s escWos do Dil- çJo Gil. cerca de 1915.
trito de UJboo feita 110000 I«tivo~ /&53· t864 e esrmlnico Fotografia di Escola M6veI di L1pa - Alunos do curso
dos rnesn><>s escalai 00 000 ~ 1864-r&55, Lkboa, 1866, diurno com a sua PI'''''''SO<<l.cerca de 1915.
p.2&5. Pjgina 86
Gravuro reproduzido 00 livro ~ Moriaoo Ghif(l, ReIorórill Aluno Manuel de Castfo.escrevendo a miquina Pittsburg-
~ O visito ~ i~ç60 tK!rOOfdindrio (\s escoIm do Dis· Visible - Fotogr.ma de um postal do Instituto de Cegos do
rrito de UJboo feita 110000 I«tivo~ r&53·1864 e ntmlstica Porto.sld.
doi mnfI'I<I3 escoIm 00 ano de 1864-1&55, Lisboo, 1864 Fotografia inc:Iulda no ilrtigo de Sc:hneeberger Atalde.
.", "Nota morfo.clinica sobre cinco casos de escafocefalia:
Fotografia inclulda na brochura Alguns aspectos do ~ A Criança Poiruguno, ano XIII, 1953-1954, p. 324.
gio Moderno, Coimbra, sld (e- de 1915L p.24.
P.ligina 88
P.ligina66 FoIogr.ma de publicidade a Nest~, na contracapa da
Fotografia da Colónia Coo"recdoNl de Vila FemanOo,. 1903. revista Os Nol_ FJlhoJ, n'!46, 1'lo%.
E5p6lio FotogrMico do Instituto de Rei~ Social.
CIi<:M cio Prof. Cunha ~o. "Aspec10 de uma aula~ in P.ligina 90
UCro th Com6es - Anudrio de t9/0-11, Lisboa, 1912, Anlónio ~ /nllft,lÇOO CMeo. Porto. 1913.
pp.98199. Eduardo Andrea e Luis Passos. Complndio de Geome1rio,
tisboa. 1932.
P'gina 68 JoW Pereira Tavares,. Gram<lfica Elemenror de Portuquls,
Crianças num asilo. inicio do skulo xx.
co Municipal de Lisboa (A2116l).
"'' ' No Fotogr~fi­ Lisboa. 1937.
Capa de Eduardo Malta para o livro de ~ndo de Pam-
P.ligina 70 plona, Portugal Gigante, Lisboa, sld.
FoIografia de J. David, "Alunos do UCro de Lkboa: 1902- P'gifla 92
-1903. Fotografia publicada na revista Tecnologi<J fdlKoriva,
Fotograf~ de J. D.avid, "Alunos do Licro Passos Manuer.
n'!69, 19n,p. 16-
1908-1909.
P'gina 9-4
P.liglna 72 Fotografia de C. Úll'cts, "Uma aula no liceu Passos Manu·
Codemefa E.sco/cJr, o<ganiuda pot Hemloni Rosas. Porto. eI, func:ionando~22-M-1921."'quivo de Fotografia de lJs-
sld (meados do skulo XXI. boa - CPF I Me (SEClfTIOO-21fOO204).
~ 38", 01.{J7-
"&.ames na inSlruç.\o prim.1iria - Na Escola
P.ligina 7-4
"Ontem e Hoje: BoIet.m da EscoIo-Ofidna Ir.' r. ~4. 1918, 1943. Arquivo de Fotografia de Lisboa - CPF { Me (5EU
p.211. AGIOH187/1096RJ.

P'gina 76 P'gifla 96
Fotografia de Alberto Carlos üma., "Aula de ~s Halu· Capa da revista A Componoo- Ófgdooo Compon/l<l Nocio-
noIdefducoç60deAdulros,~32.Abril de 1956.
rais:inlclo do skulo lOC. AIquJvo FotogrMlco Municipal de
Usboa (A16(83). P.ligina 98
Fotograti<t de Alberto Carlos lima. "Aula de Cé'M:ias Natu- Fotografia de inspec~ "*dica no Asilo O. Pedro V, s/do
ral~lnlclo do skulo XX.Arquivo FOlogrMlco Munidpal de
Ourante a lnspecçlo das crianças que compõem o 1!tumO
lJsboa (A16291). que parte para a colónia balnear intantll de "O ~ulo:
27~-1943. Arquivo de fotografia de Usboa - CPF I Me 1956.Arquivo fotográfICO Municipai de Lisboa (A25672).
(SEC/AG/Ol-oa7/10S9R). Folografia publ"ada na revista TI'CllOlo9io Educotivo,
rl'!91.Selembro de 1974, p.33
Página 100
Um aspecto das danç<ls rftmius. com canto coral, ~e<:u­ Página 120
tada, por aluna, do üeeu de Garrett - fotografia loclulda folografia de Paulo (alr"a, 1999.Sala de computadores -
no 80kfim do Inspecçllo Gerol de Sanidade Escolor, n~ 1. Bloco A. liceu Mou~inho da Silvei'a, Port<slegre.
1923, pp. 118/119,

Página 102
Crianças li salda da Escola Comandante COfreia da S"va
IMoc;amb<que),S/d. Espólk> fotográfico do Arqurvo Históri-
co de Moçambique
fotografia publicada no boletim Te!escoi<l. ri'! 4. 1968,
p.107,
Página 104
fotografki de Paukl Catrica, 1999. Ginásio, liceu Latino
Coelho,La""'9"-
Página 106
fotografia de Kun Pinto, Alunos das Ofi<:inas de S,~,
19S3. Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (.1.22095).
Página lOS
fotografia. do jardim-de-Inf!lnôa a fuocionar junto do
Liceu Infanta O, Maria.em Coimbra.publicada. na contra-
capa da revi'ti1 EKOIa Portuguesa, rl'!1391, Mak> de 1973.
Página 110
fotografia da Escola de S. Bo.wentura de Xirara, publk.ada
no IMO de ~ dos Sinto. Ruf,no,Ãlbun. fotogrdlicos e
<kscrifivos do Colónia de MoçomtNQue, Hamburgo. 1929,
voI.IX,p.71.
fotografki da Mi.s!Io de S. Paulo de Messano, publiem
no livro de ~ do. santo. Rufino, Ãlbuns fotogldficos e
delcririvos <kJ Colónia de Moçombique, Hamburgo. 1929,
voI.V,p.27.
Fotografia da OfIcina de sapatar;;, na Mi,s!Io da Beira,
pubHcada no livro de José dos santos Rufino, Álbwl. foro-
grdflCO' edescri~ daCoIóniade Moçarn/liqu<', Hamburgo,
1929, vol.lX, p. 36.
Página 112
Fotografias iocluídas na brochura de Maria Ar!;her, o. por-
ques infontis, Usboa. S/d (meados do skulo JOG.

Página 114
"Pelo Destino de Deus e Cristo RedentOf, Obo!dientes ser...-
mo, ao Exmo. Sr, Administrador" ~ Fotografia da E';Cola
Ex@mpIo,Umpopo,AldeiadeUonde(Moçambique). 1966.
Esp6l'o fotogr!lfico do Arquivo HI'tórico de MoçambiqlJl:'.
fotografia de HenriQIJI:' Sousa Amaral Creche do Centro
Paroquial do Bairro Padre Cruz, 1969.Arqurvo FotogrMico
Municipal de Lisboa (A67S2S).
Página 116
Escola Preparatória de Lul' AnIOnk> Vemey - üsboa.
E';CoIa Preparatória de Barbosa du 8oG>qe ~ Setúbal.
Escola Preparatória de Afonso de Pa,;"'a - Castelo Branco.
(Fotografia. publicada, ln Novos Inlto/oçoo poro o ~sino
COfl5lru/doS entre 1968 e 1972, Mini.tério da, Obras PUbI~
caslDirecç~o-Geral da, Conllruções Escolares, tisboa,
1973). •
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Página 118 ente
Folografia de Armando serôdio, Escola de Vale Escuro.
mente
"""'"
X&Pdesign

Impress60 e acabamentos
Gr.lfiilsa

Depósito Legal: 223 216105


ISBN:9724142140
'" ediçio:Abril de 2005
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