Ricardo Noblat: o Conto Desconhecido O Marquesão Do Desembargador e o Conto Perdido O Sorriso Do General

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 98

.

INVESTIGAÇÕES DE AUTORIA E PUBLICAÇÃO

Pasta no OneDrive com mais de 100 artigos para baixar:

https://1drv.ms/u/s!Aj6kOBkyV630khcEvKdfnFl6K5aP?e=hcoacK

Autor: Sérgio Barcellos Ximenes.

Artigos no Medium | Blog literário | Scribd | Twitter | Livros na Amazon

______________________

Ricardo Noblat e a literatura: um conto desconhecido, a solução do mistério


sobre o conto "O Sorriso do General" e dois ensaios pioneiros sobre o cordel

Resumo

Tema: a relação do jornalista Ricardo Noblat com a literatura, nas funções de


contista e de ensaísta sobre a literatura de cordel.

O conto (publicado) "O Marquesão do Desembargador": saiu na revista "Ficção


─ Histórias para o prazer da leitura", número 4, em abril de 1976.

O conto (censurado) "O Sorriso do General": sairia na revista literária "Inéditos,


Edição 5", em janeiro de 1977, mas permaneceu inédito devido à censura imposta pela
Ditadura a todas as histórias daquela edição.

Dois ensaios pioneiros sobre a literatura de cordel:

. "A Literatura de Cordel Nordestina", publicado no suplemento da revista "Fatos e


Fotos/Gente", no início dos anos 70.

. "O Jornalismo na Literatura de Cordel", publicado na edição de julho-agosto de


1974 da revista "Cadernos de Jornalismo e Comunicação" (Rio), número 49, páginas 7 a
14.

Tese de Orígenes Lessa desenvolvida pelo jornalista e aceita pelo meio


acadêmico: a função social extra do cordelista (além de autor de histórias de ficção):
um jornalista popular que comunicava e interpretava os fatos importantes do cotidiano,
de modo atraente e poético, a uma população que não tinha acesso a jornais;
corresponde à categoria de "folhetos de época" ("O folheto de época é o jornal dos que
não leem jornais").

Livros lançados pelo jornalista:


1. "Céu dos Favoritos, O Brasil de Sarney a Collor", Editora Rio Fundo, 1990.

2. "A Arte de Fazer um Jornal Diário", Editora Contexto, 2002.

3. "O que é Ser Jornalista", Editora Record, 2004.

Os dois livros ainda não lançados: um livro sobre a relação entre literatura de
cordel e jornalismo, e um livro de contos.

__________________________________________

Apresentação

Antes de se tornar famoso como editor e chefe de redação de jornais e revistas, e


depois como blogueiro na área da política e jornalista político, o pernambucano Ricardo
Noblat estreou na literatura com um conto publicado na revista "Ficção", quatro anos
após a formatura no curso de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco
(Unicap/PE).

O ano da estreia: 1976. Em termos de ficção publicada, não houve continuidade.

No gênero do jornalismo viria a publicar três livros: "Céu dos Favoritos, O Brasil de
Sarney a Collor" (Editora Rio Fundo, 1990), "A Arte de Fazer um Jornal Diário"
(Editora Contexto, 2002) e "O que é Ser Jornalista" (Editora Record, 2004).

Na década de 70, período abrangido por este artigo, Noblat trabalhou no periódicos
"Jornal do Brasil", "Jornal do Commercio" (Recife) e "Diário de Pernambuco", e nas
revistas "Fatos e Fotos", "Veja" e "Manchete".
A revista "Ficção"

A revista "Ficção", na qual saiu o conto de Noblat intitulado "O Marquesão do


Desembargador", marcou época nesse gênero literário, embora tenha durado pouco em
relação ao prestígio alcançado no meio: de janeiro de 1976 a setembro de 1979.

A busca do termo "revista ficção" no Google Images dá acesso a várias de suas


capas, nas quais o destaque era reservado aos autores publicados em cada edição.
Vários números da revista podem ser encontrados no sebo online Estante Virtual:

https://www.estantevirtual.com.br/busca?q=fic%E7%E3o+hist%F3rias+para+o+praz
er

Na série "Revistas Literárias da Década de 70", publicada pelo jornal "Rascunho", o


escritor Luiz Ruffato explicou a importância histórica da "Ficção" no artigo de número
5:
http://rascunho.com.br/revistas-literarias-da-decada-de-1970-5/

Em 2007, a Editora Leitura lançou uma antologia batizada com o título e o subtítulo
da revista, tendo Miguel Sanches Neto como organizador. Entre os 50 contos
escolhidos, não consta a história transcrita neste artigo.
As informações seguintes constam da apresentação do livro:

"Nas primeiras 12 edições, a revista Ficção publicou 180 escritores. Desses, 150
eram brasileiros, 120 dos quais vivos. A tiragem inicial de cada número era de 15 mil
exemplares. Ficção foi distribuída em bancas de jornais e em livrarias de todo país. Só
no primeiro ano, ela vendeu mais de 200 mil exemplares".

Abaixo, os títulos de 27 dos 50 contos publicados na Antologia:

"Amigas, ou a liberdade secreta", Sônia Coutinho.

"O último rei", Marina Colasanti.

"A Nova Califórnia", Lima Barreto.

"Manuela em dia de chuva", Autran Dourado.

"O aprendiz", Domingos Pellegrini.

"Um pedido de demissão", Wander Piroli.

"Boa de garfo", Luiz Vilela.

"A balada do falso Messias", Moacyr Scliar.

"Mágoa de vaqueiro", Hugo de Carvalho Ramos.

"Estrada Estreita", Luís Fernando Emediato.

"A verdadeira estória/história de Sally Can Dance (and the Kids)", Caio Fernando
Abreu.

"Os mortos", Flávio Moreira da Costa.


"As queridas velhinhas", Salim Miguel.

"Zélida Tavares, cuja filha, meus Deus, que malvadeza", Flávio José Cardozo.

"A resposta", Lêdo Ivo.

"A horta de arame", Ignácio de Loyola Brandão.

"Prisões", Antônio Carlos Viana.

"Crimes de um repórter inquieto", José Louzeiro.

"Interlúdio em San Vicente", João Silvério Trevisan.

"Os acrobatas liam Júlio Cortázar antes de subir ao trapézio", Aguinaldo Silva.

"Domingo tem cinema!", Roniwalter Jatobá.

"A igreja do diabo", Machado de Assis.

"Miss Corisco", Antônio de Alcântara Machado.

"Almoço de confraternização", Sérgio Sant'Anna.

"Coruja é bicho bom?", José J. Veiga.

"Não se pode mais nem relinchar em paz?", Millôr Fernandes.

"O cem pés", Edilberto Coutinho.

Fonte

https://nos-todos-lemos.blogspot.com/2010/07/teste.html
O conto censurado pela Ditadura

Em 2018, um tuíte do jornalista revelou o título de outro conto de sua autoria, este
ainda inédito.

https://twitter.com/blogdonoblat/status/1056008083091193856

O jornal "Movimento" (1975-1981) também marcou época, nesse caso por sua
oposição à Ditadura instalada no país com o Golpe de 1964. Jornal idealizado e redigido
pela própria equipe de jornalistas, sem patrões, o "Movimento" foi alvo de censura: a
primeira edição teve de passar pela censura prévia, e algumas edições sequer saíram,
por esse motivo. Além disso, sofreu com o bloqueio de publicidade e até mesmo com os
atentados a bancas de jornais e revistas, motivados pela venda de "propaganda
comunista" (as publicações de esquerda, críticas à Ditadura).

Editado entre 7 de julho de 1975 (número 1) e 23 de novembro de 1981 (número


334), "Movimento" destacou-se pela combatividade, pelas capas de denúncias, matérias
investigativas e textos autorais de oposição ao regime militar.
http://prosacaotica.blogspot.com/2017/09/jornal-movimento.html

Parte do acervo digital da publicação está disponível no destino deste link:

http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/movimento/page/1/

Em 2011, a Editora Manifesto (Belo Horizonte, MG) lançou a obra "Jornal


Movimento ─ Uma Reportagem", projeto de Carlos Alberto de Azevedo, Marina
Amaral e Natalia Viana. O livro, além de contar a história da publicação, oferecia um
DVD com as 334 edições do jornal.
http://www.oficinainforma.com.br/movimento/livro_movimento.html

O link acima concentra dezenas de páginas de informação em uma só página de


Web, constituindo-se na melhor fonte histórica disponível sobre o jornal.

Esse caso da perda dos originais do conto de Noblat ilustra a situação dos escritores
antes da popularização das máquinas de xerox e do acesso aos computadores. As cópias
dos textos eram feitas geralmente em papel carbono, na máquina de escrever — isso
quando o escritor se lembrava de fazê-las.

Mesmo hoje em dia, quantos autores não se esquecem de salvar seus arquivos
importantes, periodicamente, com todo o conforto proporcionado pela Informática?

(A propósito, a primeira versão deste artigo, quase completa, "morreu" com o disco
rígido do meu antigo computador, em 6 de junho deste ano, levando com ela cerca de 4
horas de pesquisa na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Seria o artigo de
número 35 e se tornou o artigo 54 do meu blog literário. O parágrafo acima constava da
versão perdida.)
O conto "O Sorriso do General"

Se Noblat ainda não descobriu o conto de sua autoria, "O Sorriso do General",
informo: ele está aqui.

https://acabral177.blogspot.com/2013/12/ineditos-revista-literaria-antonio.html
"Inéditos, Edição 5", Editora Inéditos, Belo Horizonte (MG), 1977.

https://books.google.com.br/books?id=R85cAAAAMAAJ&q=%22o+sorriso+do+ge
neral%22+conto&dq=%22o+sorriso+do+general%22+conto&hl=pt-
PT&sa=X&ved=0ahUKEwicsZDm74bmAhURJrkGHSCXD5UQ6AEIKDAA

Abaixo: os trechos do conto disponíveis no Google Books (digite "general" na caixa


de busca):
Nenhum exemplar do livro está disponível na Estante Virtual, o maior sebo online do
Brasil.

No trabalho acadêmico linkado a seguir, a lista de publicações submetidas à Divisão


de Censura de Diversões Públicas, órgão estadual então responsável pela censura
prévia, inclui um número da revista "Inéditos", mas este havia sido liberado para
publicação. Portanto, não se trata do número 5.

"Onde estão os livros censurados?: ainda os efeitos de 64 nas coleções de biblioteca",


página 11 do Anexo B, Kelly Pereira de Lima, dissertação de mestrado em Ciência da
Informação, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, 2016.

http://www.ci.uff.br/ppgci/arquivos/2016/disserta%C3%A7%C3%A3o/Disserta%C3
%A7%C3%A3o%20Kelly%20Pereira%20de%20Lima%20PPGCI%202016.pdf

As informações reproduzidas abaixo explicam por que é difícil encontrar um


exemplar da "Inéditos, Edição 5" atualmente: ela foi censurada previamente e não pôde
ser vendida.

____________________

Manifesto contra a censura


Numa dessas voltas do mundo, Luiz Fernando Emediato teve participação importante
num dos episódios mais interessantes da luta da imprensa brasileira contra a censura.

Ele era um dos quatro responsáveis pela revista literária Inéditos, bimestral, lançada
em Belo Horizonte em 1976. Os outros eram Ricardo Teixeira de Salles, Hélcio
Marques de Oliveira e Vladimir Luz. Eles fundaram a Editora Inéditos Ltda, que
investiu Cr$ 100 mil nas instalações. Até o terceiro número, a revista contabilizou
prejuízos de Cr$ 130 mil, devido ao custo gráfico e ao encalhe de cerca de metade dos
10 mil exemplares, tiragem de cada número. A revista era distribuída em Belo
Horizonte, Rio e São Paulo. Os colaboradores e editores não recebiam um tostão pelo
trabalho. O quarto número fez sucesso: só os anúncios cobriam todas as despesas de
impressão.

O número seguinte publicaria textos de Antônio Callado, Thiago de Mello, Juan


Rulfo, Silviano Santiago, William Carlos Willians, Fábio Lucas, Eduardo Galeano e
muitos mais, elevando para cerca de 250 o número de autores publicados em apenas
cinco edições da revista. No nº 2, por exemplo, foram publicados textos de Ary
Quintella, Elias José, Antônio César Drummond Amorim, Marina Colasanti, Luís
Vilela, Moacyr Scliar e Octavio Paz, entre outros. Na chamada de capa, uma entrevista
com Rosário Fusco, “escritor brasileiro que envelhece solitário e esquecido do mundo
na cidade que o viu nascer, há 66 anos – Cataguases, interior de Minas”. A maioria,
porém, eram escritores mineiros e brasileiros inéditos, à espera de uma oportunidade
para aparecer.

O embalo em que vinha a revista foi bruscamente interrompido por ofício do diretor
da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, Rogério Nunes. Ele
estabelecia a verificação prévia de todo o material da Inéditos.

Afirmando (1) não ter “condições técnicas e financeiras para enfrentar a burocracia
repressora imposta pelo Departamento de Polícia Federal”, os dirigentes da revista
anunciaram seu fechamento, em nota à imprensa, que dizia, por exemplo:

"Vimos denunciar também que a instauração da censura prévia à revista Inéditos não
pode e nem deve ser vista como um fato isolado, pois soma-se à censura imposta desde
longa data a publicações como Movimento, Opinião, O São Paulo, Paralelo, Tribuna da
Imprensa e outros, assim como a proibição de livros como Zero, de Ignácio de Loyola
Brandão, e Feliz Ano Novo, de José Rubem da Fonseca. A censura prévia a Inéditos
nada mais revela que um acirramento do processo repressor à livre expressão do
pensamento e ao debate das ideias em nossos países."

(1) Jornal do Brasil, 6/1/1977, página 26, "Revista literária deixa de circular após 4º
número por discordar da Censura".

"Sucursal das Incertezas - A história vista por um jornalista dos tempos do telex
ponta a ponta", páginas 76 e 77, José de Souza Castro, edição do autor, 2007.

https://kikacastro.files.wordpress.com/2012/02/sucursal-das-incertezas.pdf
http://doczz.com.br/doc/2262/sucursal-das-incertezas

Eis a matéria mencionada no trecho acima, publicada pelo "Jornal do Brasil":

"Jornal do Brasil" (Rio), 6/1/1977, número 270, página 26, última coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/030015_09/153935

Os casos do jornal "Movimento" e da revista "Inéditos" exemplificam uma das


formas recorrentes de repressão cultural adotadas pela Ditadura: a inviabilização
econômica das iniciativas que não se harmonizavam com o projeto autoritário e
conservador do governo ilegítimo.

José de Souza Castro informa que a censura ao número 5 acarretou o fechamento de


editora. Já o escritor Luiz Ruffato afirma, no segundo artigo da série "Revistas
Literárias da Década de 1970", que a revista "Inéditos" durou até o sexto número.

"Rascunho", número 108, abril de 2009, página 14, última coluna.

http://rascunho.com.br/wp-content/uploads/2012/02/Book_Rascunho_108.pdf

De fato, o Haicais Blog, de Antonio Cabral Filho, apresenta as capas das edições de
número 1, 2, 5 e 6.
https://acabral177.blogspot.com/2013/12/ineditos-revista-literaria-antonio.html

Talvez Noblat tenha se enganado quanto ao veículo de publicação do conto "O


Sorriso do General": ele sairia na revista literária "Inéditos", e não no jornal político
"Movimento"; a censura não se limitou ao seu conto, e sim a toda a edição de número 5
da revista.
O conto "O Marquesão do Desembargador"

A contribuição solitária (até o presente) de Ricardo Noblat ao gênero do conto saiu


no número 4 da revista "Ficção", em abril de 1976, da página 24 à 29.
Eis um exemplo de marquesão.
https://pe.olx.com.br/grande-recife/moveis/conjunto-de-marquesao-602579878

Curiosamente, o móvel também fez parte de uma entrevista realizada por Noblat com
o sociólogo Gilberto Freyre (autor do clássico "Casa Grande e Senzala"), para a revista
"Playboy" de março de 1980, e republicada no livro "A Arte da Entrevista", organizado
por Fábio Altman (Editora Boitempo, 2004).

Reprodução da entrevista no site Isso Compensa.

https://issocompensa.com/academia/entrevista-gilberto-freyre

***

A apresentação do jornalista na revista "Ficção"

RICARDO NOBLAT é jornalista há nove anos. Vive no Recife, onde nasceu há 26


anos, e já trabalhou no Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio e Jornal do Brasil.
Hoje, chefia a reportagem da Sucursal Nordeste de Bloch Editores. Está com dois livros
praticamente prontos: um, a respeito do jornalismo na literatura de cordel nordestina; o
outro, de contos. Declara-se pouco capaz de criar inteiramente uma história, e todos os
seus contos, "por mais absurdos que alguns pareçam", fincam suas raízes "na realidade
áspera, cruel, mas profundamente mágica do Nordeste brasileiro".

***

O Marquesão do Desembargador

Para Gilberto Botelho

Sirva o desembargador, Amélia. Amélia serviu duas conchas de sopa de feijão que
encheram o prato de sopeiro. A sopa não é de carne, Amélia? O Desembargador não
gosta de sopa de feijão. Amélia retirou o prato colocado diante da cadeira vazia, levou-o
até a cozinha, arrastando os chinelos, resmungando coisas incompreensíveis, tornou a
voltar, sentou-se e começou a tomar a sopa com lentidão. Maria Felix olhou-a irritada,
observou-lhe os cabelos brancos, presos no alto da cabeça, em duas tranças que
formavam um coque, o rosto fino, os olhos comidos por uma irreversível catarata, o
corpo magro, dobrado, acompanhando a curvatura do encosto da cadeira de palha, pois
Amélia não sabia que o Desembargador não gostava de sopa de feijão? — muito menos
agora, ausente há sete anos, mas incorporado definitivamente ao ambiente daquela casa
de cômodos duplos, de baús com montes de roupas cheirando a naftalina, roupas que
nunca foram usadas nem o seriam jamais, de telefone tocando baixinho, debaixo de uma
redoma para não se gastar, de um caprichoso relógio de algarismos romanos que, sem
funcionar há anos, bateu, certo dia, todas as badaladas não batidas e nunca mais parou,
nem necessitou de corda; incorporado à vida daquelas duas mulheres sufocadas em suas
lembranças até a consumação final, Maria Felix a viúva, Amélia a mal-amada, as duas,
irmãs, respeitadas em seus desejos pela família que, invariavelmente, nos dias de festa,
se reúne em torno do marquesão onde o Desembargador costumava sentar seus cento e
tantos quilos, pede-lhe a bênção em sinal de respeito, faz uma mesura ou apenas o
cumprimenta naturalmente, "como vai o senhor, Desembargador?" — e o silêncio como
resposta só faz aumentar a distância que ele sempre impôs a todos, mastigando a ponta
do seu charuto baiano, rodando, entre os dedos da mão direita, a cabeça da sua bengala
de marfim, colarinho alto, bastos bigodes sempre penteados para cima, entidade que
fora digna dos maiores encômios pelo que fizera em vida, encômios que se propagaram
por depois da sua morte, levado ao cemitério por uma multidão não inferior a cinco mil
pessoas e trazido de volta por Maria Felix e Amélia para sua ampla e resistente cama de
ferro e colchão de penas, seus charutos, sua bengala de marfim, seus espelhos
estrategicamente distribuídos por toda casa, destinados a registrar sua incomensurável
vaidade, seu marquesão de jacarandá talhado, onde pontificava e onde ainda pontifica.

Amélia, você não acha que está na hora de trocar a palhinha do marquesão? Amélia
achou que sim com a cabeça, entretida na leitura do movimento das marés e do
atracamento de navios no porto, pois a essa altura, onde poderia navegar Osvaldo, o
marinheiro, que há 50 anos, apenas por uma noite, lhe tocara os dedos levemente, lhe
falara de encantamentos, cheiro bom de maresia, corpo curtido pelo sol, cor de bronze,
enquanto a bandinha no coreto engalanado tocava velhas polcas e atacava dobrados
marciais? Do maremoto que se arremeteu, no mês passado, sobre as costas da Holanda,
certamente ele havia escapado, porque rumara do porto do Recife na madrugada do dia
9 de julho de 1925 para Banjur, em Gâmbia e de lá para Tama, em Gana, e depois para
Madrid, e a se cumprirem todas as escalas previstas, a se respeitarem todos os períodos
de descanso em terra e, principalmente, a estarem exatos os matemáticos cálculos de
Amélia que já enchiam 38 cadernos espirais, Osvaldo deveria mais uma vez estar
retornando ao Brasil pelo porto de Belém e, quem sabe, poderia chegar até o porto do
Recife para vê-la. Sim, Maria Felix, está na hora de mudar a palhinha do marquesão do
Desembargador. E, pelo telefone, curvada sobre ele, quase aos cochichos, que sua voz
era baixa e um pouco rouca, Amélia ligou para uma movelaria distante dois quarteirões
da sua casa e disse "Alô" e responderam "Diga" e ela disse "Vocês podiam apanhar um
marquesão para mudar a palhinha?" e a voz respondeu "Vamos apanhar, sim, qual é o
endereço?" e Amélia deu o endereço, repetindo, duas vezes, o número "366 da rua do
Sol".

De cara feia, ainda por conta da sopa de feijão, enquanto Amélia, nem estou aí,
aprontando, com gosto, umas roupinhas para os pobres do padre Manuel Barreto, Maria
Felix atravessou a sala de refeições, venceu o corredor estreito e sempre na penumbra,
trancou-se no quarto, passou a chave na porta, tirou um maço de dinheiro duma caixinha
de madeira guardada na gaveta do consolo, pôs-se fora do alcance da vista de quem
olhasse pelo buraco da fechadura, da vista de Amélia, e contou as notas, Cr$ 350,00,
dinheiro santo, da venda de uma imagem de Santa Maria Bernadete retirada do seu
santuário para custear as despesas com o novo empalhamento do marquesão do
Desembargador, artifício que restava para não pedir mais dinheiro aos dois filhos que
lhe forneciam a comida, que lhe pagavam as contas de luz, água e telefone e que lhe
davam, algumas vezes no ano, um corte de pano para vesti-la e vestir Amélia, um biscuí
para pôr na penteadeira, um retratinho dos netos para o velho álbum de capa de couro
cru.

Maria Felix, o homem da movelaria chegou. Maria Felix guardou o dinheiro na


caixinha de madeira, meteu-a na gaveta do consolo, saiu do quarto, venceu, novamente,
o corredor, esbarrando, apressada, no porta-chapéu, assomou à sala, discutiu o preço do
trabalho com o homem da movelaria, regateou, não conseguiu redução, fez-se de
desinteressada, assumiu pose de displicência, disse que ia mandar fazer o trabalho
noutra movelaria, arrancou um abatimento de Cr$ 10,00, voltou atrás, deu ordens para
que o homem levasse o marquesão e fez as recomendações que julgava necessárias,
"quero da melhor palhinha, faça o serviço direito, cuidado para não bater com ele nas
paredes, olhe que é um móvel muito antigo e de estimação, veja lá para não
desconjuntá-lo, não esqueça o prazo que marcou de uma semana". Foi uma semana que
custou a passar para Maria Felix, notavelmente volumosa aos 73 anos, cabelos tingidos
de um marrom desbotado, alianças de ouro, a dela e a do Desembargador a marcar-lhe
os dedos da mão esquerda, uma tonteira forte se dorme sem travesseiros ou se se levanta
bruscamente, fulutrices [palavra não dicionarizada] de velha. Amélia, quando não se
demorava na velha cozinha de paredes enegrecidas pelo fogão de lenha apagado,
cozinhando num fogão moderno, de quatro bocas, mas de desempenho menor que o
outro, segundo suas ranzinzas observações, entregava-se à leitura de uma enciclopédia
sobre o mar, costurava para os pobres da paróquia ou impunha ordem aos santinhos e
retratos da prateleira de cima do seu guarda-roupa, todos eles encostados em caixinhas
vazias de remédios, como uma vitrina, da esquerda para a direita, São Bento, Santa
Margarida, um retrato do padre Manuel Barreto com Teresa Neuman, a vidente francesa
das chagas de Cristo, São Francisco de Canindé, um retrato da sobrinha Risoleta, uma
estranha rosa do Gólgota que lhe deu um padre depois de uma viagem à Terra Santa,
rosa sem pétalas, só com filamentos, que se abrem todas as vezes que ela é posta n'água,
um retrato de Frei Pedro, seu confessor, um retrato dela mesma quando era zeladora do
Carmo, um outro do altar que ela decorou para o casamento de um afilhado, uma
imagem pequena do padre Cícero, um santinho da primeira comunhão de um sobrinho,
uma estampa de Nossa Senhora da Conceição.

No sétimo dia, Maria Felix despertou pela madrugada, eram bem cinco horas,
cumpriu suas obrigações de higiene, rezou diante do santuário, abriu as janelas da sala
que davam para o quintal, olhou o canto vazio do marquesão, ajeitou a espreguiçadeira
para o Desembargador repousar todo seu peso, peso que lhe fora leve pela noite, porque
o Desembargador ainda se julgava capaz de exercer seus direitos, gritou por Amélia, já
na cozinha àquela hora e anunciou que o marquesão estaria de volta antes que o almoço
fosse servido. A manhã arrastou-se nos passos de Amélia entre a sala e a cozinha, no
copo de leite servido morno ao Desembargador à hora de sempre, nas lembranças
ditadas a ele por Maria Felix, o Desembargador imperturbável e sereno, recostado na
espreguiçadeira, as pernas estiradas num banquinho providencialmente posto por
Amélia, o cheiro do charuto baiano a se apoderar de cada canto da sala, a percorrer cada
cômodo, os dois quartos de vestir absolutamente iguais, a biblioteca de ar vetusto, a sala
de visitas com poltronas pesadonas em torno de um piano sem serventia, as duas copas,
uma moderna, onde panelas de aço inoxidável brilhavam intocáveis, outra de paredes
descascadas, caldeirões e utensílios de ágata, talheres arranhados pelo uso, a fumaça do
charuto contornando os objetos, evitando a cozinha e penetrando no dormitório de
Amélia, espaçoso e claro, de plantinhas em vasos no parapeito da janela, uma nesga de
mar azul distante, um cargueiro cortando a linha do horizonte, será Osvaldo que chega?
Será? O almoço foi servido, Maria Felix comeu bastante, como de costume, o
Desembargador não tocou no prato, apesar dos repetidos apelos de Amélia, provou-se
dois dedinhos de um especial licor de jenipapo encomendado às freiras do Sagrado
Coração de Jesus, veio o mormaço da tarde, chegou o Aracati, anunciando uma noite
agradável, só o marquesão não retornou. Por determinação de Maria Felix, Amélia
descobriu o telefone da sua redoma, ligou para a movelaria, "Alô", "Alô, diga", "Aqui é
da casa 366 da rua do Sol", "Sim", "Vocês ficaram de devolver hoje o marquesão que
foi mudar a palhinha", "Que marquesão, minha senhora"? "O marquesão do
Desembargador, levado daqui por um mulato de nome Severino", "O Severino não
trabalha mais conosco, minha senhora, deu pra beber, foi preso e não trouxe nenhum
marquesão pra conserto". Nessa noite, Maria Felix não dormiu. Nada disse ao
Desembargador, temendo sua ira incontrolável, antevendo sua força descomunal a
despencar sobre os móveis da casa, como no dia em que soube que ela não pudera
sustentar no ventre o seu primeiro filho homem. Maria Felix consumiu a noite entre
rápidos cochilos e uma angústia do tamanho do seu quarto. Levantou-se cedo, abriu as
janelas da sala, fez as coisas de conforme e deu início a um rosário de telefonemas para
todos os distritos policiais na caça a um mulato de nome Severino, que trabalhara numa
movelaria da rua do Sol, sujeito de estatura mediana, de uma pequena cicatriz perto da
boca, hábil empalhador de marquesões, como se apresentou, até que obteve a notícia
que o dito homem ou um outro com essas mesmas características, estava preso no
xadrez da Secretaria de Segurança Pública, na rua da Aurora.

Sobraçando uma velha bolsa, já fora da moda, metida num vestido preto salpicado de
minúsculos cachos de flores amarelas, amassando-se contra Amélia no interior de um
táxi, Maria Felix ousou sair de casa para um lugar distante pela primeira vez em muitos
anos. Por teimosia e insistência de Amélia, o carro margeou o cais do porto, renasceram
e refluíram antiquíssimas esperanças, o Delegado de plantão as recebeu no seu gabinete
apertado e calorento, Severino tinha sido preso, sim, não era um mulato que trabalhava
no conserto de móveis? — mas fora solto dois dias antes e se as senhoras quiserem
saber de uma coisa, ele mora no Alto do Bom Jesus, pelo menos foi o endereço que nos
deu, mas aquilo não é lugar pra gente decente, é antro de marginais e desordeiros.

Deixando passar a estação do inverno que durou, pelo menos, quatro meses,
aproveitando todas as tardes de verão, Maria Felix e Amélia mapearam o Alto do Bom
Jesus, bateram de casa em casa, de ruela em ruela, "É aqui que mora um mulato de
nome Severino, empalhador de marquesões?", não, não era, ouviram desaforos de um
casal que se amava quando eles bateram à porta, interromperam um ensaio de bumba-
meu-boi, quase foram presas numa boca de fumo, no exato momento de uma batida
policial, tomaram conhecimento da existência de meninos que comem barro e têm a
barriga carregada de vermes, assustaram-se com o palhaço nu que corria no picadeiro.
como última atração de um espetáculo de circo "tomara-que-não-chova", sensibilizaram
voluntárias para suas buscas, tornaram-se madrinhas do "Sete de Agosto Futebol Clube"
e, ao cabo de mais seis meses, desistiram de encontrar o mulato Severino e recolheram-
se em casa.

Então, consultando sua cadernetinha de efemérides, Maria Felix lembrou-se que dali
a uma semana, o Desembargador faria aniversário. Os objetos que ele usou um dia antes
de se ausentar há sete anos, foram recolocados em seus lugares, como ele os deixou pela
última vez, o jornal aberto na página do noticiário político, a caneta-tinteiro
displicentemente jogada em cima do seu birô de trabalho, o terno branco pousado na
colcha de cambraia da cama, um toco de charuto apagado no cinzeiro de prata, um resto
de mineral gaseificada num copo de alumínio, porque doutra água ele não bebia e outro
copo ele não usava. A família foi convidada para a festa, Amélia aplicou-se nos alfenins
[doces em forma de escultura], nos bulins [biscoitos nordestinos], bolos de milho,
engorda-marido [bolo mole de leite], pé-de-moleque, pastéis, cocadas, sonhos,
amalgamando cada um deles com uma pitada do amor que sentia por Osvaldo, como se
a festa fosse para ele, por sua volta ainda fogoso, cor de bronze e cheirando a maresia
como há 50 anos. Abriram-se portas e janelas, iluminaram-se cômodos e floriu-se todos
os jarros, o desafinado piano alemão voltou a tocar pelos dedos de um sobrinho de
Maria Felix, vieram juízes, promotores, advogados, amigos, parentes e contraparentes,
próximos e distantes, à porta eram recebidos por Maria Felix, Amélia confinada à
cozinha nos derradeiros preparativos, os temas das conversas variando de acordo com
os ambientes, discutia-se amenidades na sala de visitas, a política nacional era
examinada nos corredores, as mulheres falavam mal dos seus maridos nas duas copas e
na cozinha, e as crianças brincavam no quintal, vigiadas por suas amas. Enquanto servia
os convidados, Maria Felix botava sentido para que nada faltasse ao Desembargador,
altaneiro, impávido e distante, mastigando seu charuto baiano, rodando, entre os dedos
da mão direita, a cabeça da sua bengala de marfim, insensível aos elogiosos comentários
que parecia não ouvir, "como o senhor está forte e corado", "este é um homem de
elevado senso de justiça", "não é só justo pelo que faz, mas também pelo que não deixa
que se faça", saudado em memorável discurso feito de improviso por um juiz
aposentado, as lágrimas rolando pelas faces de Maria Felix, Amélia catando tempo para
ler nos jornais do dia o movimento das marés, o Desembargador, solene, no fundo da
sala, ponto de convergência, festejado pelos circunstantes, comodamente posto no seu
restaurado marquesão de jacarandá.
O pioneirismo de Ricardo Noblat no estudo da literatura de cordel

Um aspecto também desconhecido da carreira do jornalista é o seu pioneirismo no


estudo da literatura de cordel, em especial da relação entre essa forma de literatura
brasileira e o jornalismo.

A tese de que o cordel seria uma forma popular de jornalismo, proposta por Orígenes
Lessa (1903-1986) em breve artigo da "Revista Esso" em 1964 (número 3, páginas 13 à
16), foi desenvolvida por Noblat no início dos anos 70 e é atualmente aceita, constando
de trabalhos acadêmicos e de livros sobre o cordel.

A tese original está disponível para leitura presencial na Fundação Casa de Rui
Barbosa:

http://acervos.casaruibarbosa.gov.br/info.asp?c=37999

Segundo Noblat, em uma determinada categoria, a dos folhetos de época, o cordelista


supria a carência informativa daqueles que não tinham acesso a jornais, transmitindo e
interpretando os fatos importantes do cotidiano, de modo atraente e poético. Os recursos
do ritmo e da rima serviriam também como artifícios mnemônicos, facilitando a
memorização das informações fatuais.

"O folheto de época é o jornal dos que não leem jornais", Ricardo Noblat.

Esse novo modo de avaliação cultural do cordel teve seu maior representante em
Joseph Maria Luyten (1941-2006), autor da tese de doutorado "A Notícia na Literatura
de Cordel" (Escola de Comunicação e Artes da USP, 1984), trabalho lançado depois
como livro em 1992.
Abaixo, três estudos acadêmicos que citam o trabalho de Noblat nessa área.

. "Jornalismo-arte na literatura de cordel", Débora Motta de Oliveira, monografia


para obtenção do diploma de Comunicação Social/ Jornalismo, Escola de Comunicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2007.

https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/1658/1/DOLIVEIRA.pdf

. "Entre o fanatismo e a utopia: a trajetória de Antônio Conselheiro e do Beato Zé


Lourenço na literatura de cordel", Gabriel Ferreira Braga, dissertação de mestrado em
História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), 2011.

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/120866/000808962.pdf?sequence
=1

. "O cordel: o jornal do sertão nordestino", Mikeias Cardoso dos Santos, "Simpósio
Internacional − Imprensa, Literatura, Linguagem e História", página 54, Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), São Luís (MA), 2018.

http://www.cemdop.ufma.br/downloads/caderno-de-resumos.pdf?723

Abaixo, três livros que citam o trabalho pioneiro de Noblat no cordel.

. "A Notícia da Literatura de Cordel", Joseph Maria Luyten, Estação Liberdade,


1992.

https://books.google.com.tr/books?redir_esc=y&hl=pt-
BR&id=2UAuAAAAYAAJ&focus=searchwithinvolume&q=ricardo+noblat

. "História do Brasil em Cordel", Mark J. Curran, Editora da Universidade de São


Paulo (EdUSP), 1998.

https://books.google.com.br/books?id=Jpbd1Y3dNYwC&lpg=PP1&dq=%22hist%C3%B3ri
a%20do%20brasil%20em%20cordel%22&hl=pt-
PT&pg=PA25#v=snippet&q=%22existem%20dezenas%22&f=false

. "Estudos em Literatura Popular", Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista,


Editora Universitária, 2004.

https://books.google.com.br/books?hl=pt-PT&id=g-
YuAAAAYAAJ&dq=%22estudos+em+literatura+popular%22&focus=searchwithinvolume&q
=%22ricardo+noblat%22

Os dois ensaios do jornalista estão disponíveis online, mas a visualização dos


arquivos em PDF não é a ideal, especialmente a do segundo ensaio. Por esse motivo, e
também devido à importância desses textos para o estudo da literatura de cordel, o
primeiro (e mais importante) deles será reproduzido aqui.
Algumas imagens e informações foram acrescentadas por mim: as imagens vêm
entre barras horizontais, ilustrando as informações dos respectivos parágrafos, e as
informações vêm entre colchetes, no próprio texto.

O Jornalismo na Literatura de Cordel

Ricardo Noblat

Ricardo Noblat é Chefe de Reportagem de Bloch Editores, Sucursal Nordeste, em


Recife.

No dia 24 de agosto de 1954, às sete e meia da manhã, João José [da Silva, 1922-
1997], poeta da literatura de cordel nordestina, ouviu pelo rádio, no Recife, a notícia da
morte de Getúlio Vargas. Muniu-se de papel e lápis e, em algumas horas, escreveu-a em
versos. Imprimiu em seu próprio prelo. Às primeiras horas da tarde, tão rápido quanto
uma edição extra de jornal, seu folheto estava sendo vendido no Mercado São José e
despachado para o interior de Pernambuco e de outros Estados da região. Vendeu 300
mil exemplares. Sobre o suicídio de Getúlio, segundo o poeta baiano Rodolfo Coelho
Cavalcante [1919-1987], foram publicados 60 folhetos no Nordeste e vendidos cerca de
2 milhões de exemplares.

Há quatro anos, em Caruaru, o poeta Olegário Fernandes [da Silva, 1932-2002]


soube que estava morto, no fundo de uma lagoa, perto de Belém do Pará, o comediante
Luiz Jacinto. Ele era amado pelas populações nordestinas como o Coronel Ludugero,
tipo que criara e vivia em programas de televisão no Recife e no Rio. Olegário escreveu,
em quatro páginas, A Morte de Ludugero e Sua Caravana. Imprimiu em casa e pôs seu
folheto à venda em 48 horas. Dois dias depois ele leu nos jornais que o corpo de Luiz
Jacinto fora encontrado e seria enterrado em Caruaru. Imediatamente deu segunda
edição do folheto: mudou o título para a a Morte e o Enterro, conservou as mesmas
estrofes mas, entre a primeira e a segunda, acrescentou uma nova, sobre a chegada do
corpo e seu sepultamento. Vendeu, ao todo, 17 mil exemplares.

_______________________________

"A Morte de Ludugero e Seu Enterro", de Olegário Fernandes (acesso restrito)

http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/handle/20.500.11997/11680

Versão de Rodolfo Coelho Cavalcante e Manoel d'Almeida Filho


Acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa

http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/1721/2/Almeida%20Filho
%2c%20Manoel%20d%27%20-
%20A%20Morte%20do%20Coron%c3%a9%20Ludugero.pdf

_______________________________

Como João José e Olegário Fernandes, existem dezenas de poetas populares do


Nordeste que fazem um jornalismo muito parecido ao praticado nas redações dos
jornais: narram os principais acontecimentos da sua cidade, região, país e mundo;
interpretam-nos; opinam sobre eles; refletem e ajudam a formar a opinião pública;
integram à vida nacional comunidades que ainda não foram devidamente atingidas pelos
veículos convencionais de comunicação. Fazem isso através de folhetos de 16 cm por
11 cm, com quatro ou oito páginas, em papel ordinário, um clichê ou uma xilogravura
na capa e, quase sempre, em estrofes de seis e de sete versos, cada um de sete sílabas,
no sistema ABCBDB ou ABCBDDC; ou seja, letras iguais correspondendo a rimas
iguais. A eles dá-se o nome de folhetos de época, ou de urgência, ou circunstanciais, um
dos muitos ciclos de literatura de cordel nordestina.

Essa literatura deita suas raízes na Europa ibérica. Em Portugal, ela se chamava
Literatura de Cego, por causa da lei promulgada pelo Rei Dom João V em 1789, que
deu direito de vender essa literatura, à Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos
de Lisboa (1). Em prosa, suspensos em cordéis quando expostos à venda — daí o nome
de cordel — os folhetos eram vendidos em Portugal desde o século XVII, ou mesmo até
antes (2). Na Espanha, eram chamados de pliegos sueltos e ainda hoje podem ser
encontrados em feiras populares no interior do país. Existiam na Inglaterra. E na França,
com o nome de Littérature de Colportage, tinham características semelhantes aos
nossos, até mesmo com a xilogravura como ilustração. O costume do vendedor
nordestino de folhetos de contar as histórias em voz alta, reunindo pessoas para ouvi-lo,
até isso tem antecedentes ibéricos.

_______________________________

A igreja da paróquia de São Jorge de Arroios (demolida em 1969), à qual estava


ligada a Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos

http://lisboadeantigamente.blogspot.com/2015/07/igreja-de-s-jorge-de-arroios.html

Exemplo de pliegos sueltos


http://memoriasdocordel.blogspot.com/2013/07/cordeis-do-mundo-1-pliegos-
sueltos.html

Exemplo da littérature de colportage

https://fr.wikipedia.org/wiki/Litt%C3%A9rature_de_colportage

_______________________________

Como poesia e prosa o romanceiro peninsular chegou ao Brasil com os


colonizadores. Eram histórias tradicionais de amor, cavalaria, aventuras, guerras,
viagens e conquistas marítimas, proezas do Imperador Carlos Magno. Aqui sofriam um
processo de adaptação a uma nova realidade, se abrasileiravam e, pela boca dos
cantadores, corriam terras e povoações, incorporando-se à memória do povo.
Paralelamente a essas histórias de criação, cantavam-se, também, os acontecimentos.
Essa forma de crônica de uma época, também de origem ibérica, frutificou no Brasil e,
especialmente no Nordeste, "porque se encontrou com outra forma cultural muito
semelhante: a de origem africana. Também os escravos vindos para o Brasil tinham, não
somente seus trovadores, mas também o hábito de contar suas histórias, cantando ou
narrando: são os famosos akpalôs" (3).

_______________________________

"Educação, movimentos negros e ações afirmativas no Amazonas", página 42,


Elizangela de Almeida Silva, dissertação de pós-graduação em Educação, Universidade
Federal do Amazonas, Manaus (AM), 2018.

Citação de "Literatura infantil brasileira", página 316, de Leonardo Arroyo, Editora,


Melhoramentos, São Paulo, 1990.

https://tede.ufam.edu.br/bitstream/tede/6816/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Elizang
ela%20Almeida_PPGE

_______________________________

Dos cantadores que o Nordeste conheceu, sem dúvida nenhuma, o negro Inácio da
Catingueira está entre os mais notáveis. Escravo, aforriado depois, viveu e morreu no
século passado. Assim apresentou-se, num desafio contra outro cantador:

Sou Inácio da Catingueira,

aparador de catombos,

dou três tapas, são três quedas

dou três tiros, são três rombos,

negro velho cachaceiro,


bebo mas não dou tombo.

Silvino Pirauá [de Lima] (1848-1913) foi o primeiro cantador a escrever um folheto
da literatura de cordel nordestina (4). Ele é o autor de Zezinho e Mariquinha, Vingança
do Sultão, folheto reeditado centenas de vezes e que, ainda hoje, pode ser encontrado
nos maiores centros de venda da literatura de cordel — no Recife, em Maceió, em
Juazeiro do Norte, em Caruaru — assinado por João Martins de Athayde, que a
genialidade de poeta não o impediu de assinar muitas histórias que não eram suas.

_______________________________

Acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa

http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB&pasta=Silvino%
20Piraua%20de%20Lima&pesq=
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/73980

_______________________________

Está na necessidade de perpetuar seus versos, de industrializar e poder viver dos seus
repentes, a razão que levou os cantadores a escreverem folhetos. Está nisso a explicação
para a evolução da poesia popular oral para a escrita no Nordeste. Como não guardar,
por exemplo, a deliciosa troca de desaforos entre os cantadores João Antônio de Sena e
Antônio Teixeira Filho:

J.A.S. ―

Atrevido sambado relaxado

robador do direito e da verdade

cachaceiro da vila e de cidade

piniqueiro de cego e aleijado

tatuíra sujeito acanhado


indecente safado desordeiro

negomático fanfarro feiticeiro

meta sua língua na bruaca

se não quiser levar macaca.

A.T.F. ―

Miserável infeliz das costas

ouça cabra falso vil e fanfarrão

dou-te tapa bufete e muchicão

dou na cara na venta e dou na boca

cabra afoito canalha e atrevido

cara de mulher falsa ao marido

sujeito da boca de latrina

você precisa safado é disciplina

prá saber que Teixeira é prevenido. (5)

Constata-se a existência de folhetos, com as mesmas peculiaridades que os nossos e


até exaltando personagens comuns, em diversos países americanos de colonização
espanhola. Na Nicarágua, na Argentina, no México ou no Peru, o folheto tem o nome de
"corrido" e além de cantar temas tradicionais do romanceiro peninsular, ocupa-se de
fatos acontecidos.

_______________________________
http://memoriasdocordel.blogspot.com/2014/02/cordeis-do-mundo-3-corridos-
mexicanos.html

_______________________________

Romance, história, narración, ejemplo, tragédia, recuerdos, versos e coplas são


sinônimos de folheto em vários outros países colonizados pelos espanhóis. A velha
narrativa portuguesa da Delgadinha pode ser identificada em diversos países
americanos. Na Argentina tem o nome de Romance de Delgadita. Como Delgadinha
surge na Nicarágua e no Peru. No México possui outro nome, mas as características são
as mesmas (7). A Donzela Teodora, romance clássico do cordel nordestino, tido como
de autoria de João Martins de Athayde [1880-1959], é uma história muito popular na
Espanha e foi traduzida para o português e editada em Lisboa, pela primeira vez, em
1735 (8).

_______________________________

As várias versões de "Delgadinha" ou "Silvaninha" em Portugal

"Romanceiro da Província de Trás-os-Montes: distrito de Bragança", Volume 1,


Manuel da Costa Fontes, UC Biblioteca Geral 1.

https://books.google.com.br/books?id=ylMixz_LcREC&lpg=PA447&ots=-
PQl2msYtJ&dq=%22delgadinha%22%20%22silvaninha%22&hl=pt-
PT&pg=PA445#v=onepage&q=%22delgadinha%22%20%22silvaninha%22&f=false
Este trabalho acadêmico apresenta 450 versões do "Romance da Delgadina", em
espanhol: "El incesto en el romancero popular hispánico: un ensayo de análisis
estructural", tese de doutorado de Manuel Gutiérrez Estévez, 2005, Madri (Espanha).

https://eprints.ucm.es/52431/1/5309855493.pdf

Link para baixar o cordel:

http://cordel.edel.univ-poitiers.fr/items/show/107

_______________________________

Sábio, astucioso, matreiro, decifrador de adivinhações amoral, engraçado, Pedro


Malazartes é herói de inúmeros folhetos da literatura de cordel nordestina e tornou-se
personagem de contos e peças teatrais eruditas. As primeiras referências a seu respeito,
todavia, são da Espanha, do século XVI, quando ele tinha o nome de Pedro Urdemales.
(9). Uma evidência da sua antiguidade, mesmo no Brasil, está nos versos do poeta
Francisco Sales:

Eu vou contar uma história

que vem dos meus bisavós.

De João Malazartes, tido como neto de Pedro, disse o poeta Luiz Lira num folheto:

João nasceu em Lisboa,

porém deixou Portugal


emigrou para o Brasil

quando chegou em Natal

seu pai comprou uma loja

na rua comercial.

_______________________________

https://www.traca.com.br/livro/870724/

_______________________________

Uma das razões da grande aceitação popular dos folhetos de cordel nordestino está
no notável poder de adaptação do poeta. Luiz Lira não trata João Malasartes como um
personagem estranho, porque vindo de um outro país, de uma realidade diferente, talvez
com um sistema de valores diverso do do nordestino. Tanto não é assim que o pai de
João, logo que chega ao Brasil, se estabelece como comerciante em Natal, José Pacheco
[da Rocha, 1890-1954], em seu folheto Grande Debate que Teve Lampião com São
Pedro, não apenas eleva um destemido nordestino à condição de debatedor com uma
divindade digna do maior respeito: ele faz o santo tomar café, acender um cigarro, abrir
um portão, apertar o nó da manta, vestir a casaca, se escorar numa trave e comandar
uma batalha. Como já foi dito, "na literatura de cordel nordestina reis pedem conselhos
a vaqueiros, princesas aspiram pela carne de sol e duques arruinados não compram nem
sequer uma cuia de farinha". (10).

______________________________
http://lampiaoaceso.blogspot.com/2008/11/cordel-na-rede.html

Transcrição do cordel

https://www.escritas.org/pt/t/7811/grande-debate-de-lampiao-com-sao-pedro

______________________________

Certamente que a abordagem de todos esses temas não só numa linguagem popular,
mas enquadrada no campo de referência do povo humilde do interior nordestino,
explica, em parte, o sucesso desse tipo de literatura. O encanto e a força dos folhetos
explicam-se também, na liberdade poética que têm os autores populares de reinventar o
recriar o mundo. Pois "ao mesmo tempo que mantêm a raiz brasileira, os folhetos não se
fecham ao que vem de fora: pelo contrário. acolhem tudo, desde os contos da tradição
oral até as peças representadas nos circos ou filmes exibidos nos cinemas, fitas a que os
poetas assistem por acaso e que aparecem recriadas em folhetos da sua autoria, com a
mesma força e a mesma peculiaridade das histórias mais tradicionais. Os cantadores
nem repelem as histórias europeias ou americanas, nem se descaracterizam em nome
dessa caricatura do universal que é o cosmopolitismo, a novidade pela novidade" (11).

Ilustrativo da abertura do folheto popular para o universal é, por exemplo, o romance


Madame Guinevra, que se trata, nada mais, nada menos, de uma novela do
Decamerone, a IX da segunda jornada, cantada pelo poeta José Duda [1866-?] (12).
Maria Borralheira ou A varinha Mágica, folheto editado pelo poeta João José, é a
versão poética-popular-nordestina da Gata Borralheira. Humilhada pela madrasta
Damiana, que a trata como "minha piniqueira", Maria é uma jovem muito bonita, que
faz caridade aos pobres e que, um dia, ganha, da sua vaca de estimação, uma varinha
mágica. A um seu pedido, a varinha transforma seus trapos em vestidos belíssimos e
ela, por três noites, fascina o príncipe Gervásio em bailes da Corte. Foge numa
carruagem, depois do último, esquecendo seu sapatinho. O poeta descreve assim a
chegada do príncipe à casa de Maria, procurando a dona do sapato perdido:

Ele botou-se prá lá

chegando tudo contou

Damiana trouxe a filha

e o sapato experimentou

quase desgraça o sapato

porém o pé não entrou

O príncipe disse: a senhora

só tem esta moça então

Damiana disse: ainda

tem outra lá no fogão

mas essa não vale nada

parece a noiva do cão.

Mas nessa hora Maria

chegou com todo ornamento

e na sala calçou sorrindo

o sapato de momento

deu tão certo no pé dela

que só cangalha em jumento.

___________________________

Estrofes iniciais de "Madame Genevra" ou "Madame Ginevra"


"Histórias de vaqueiros e cantadores para jovens", Luís da Câmara Cascudo, Global
Editora e Distribuidora Ltda, 2015.

https://books.google.com.br/books?id=oGHNCgAAQBAJ&lpg=PT9&ots=3rBdtML
YIm&dq=%22madame%20ginevra%22&hl=pt-
PT&pg=PT11#v=onepage&q=%22madame%20ginevra%22&f=false
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/11479

___________________________

O estabelecimento de ciclos na literatura de cordel nordestina é mais um exercício de


erudição. Porque, verdadeiramente, pela diversificação e interpenetração dos temas,
uma classificação satisfatória e definitiva é quase impossível. Fora do Brasil, há as
classificações de Júlio Caro Baroja, sobre os pliegos sueltos da Espanha e a de Robert
Mandrou, a partir da Littérature de Colportage francesa. Aqui, temos uma de Orígenes
Lessa, outra de Ariano Suassuna, uma de Cavalcanti Proença para a Casa Rui Barbosa,
a de Manuel Diegues Jr., uma específica de Roberto Benjamim para folhetos religiosos
e uma outra dos próprios poetas populares, que Liedo Maranhão pesquisou.

Por uma questão de simplificação, fico com a proposta de Manuel Diegues Jr., sem,
no entanto, descer a todas as suas subdivisões. Assim, haveria três grandes e
abrangentes grupos de folhetos: a) os que abordam temas tradicionais — romances,
novelas, contos, estórias de animais, episódios religiosos, batalhas, criações
maravilhosas, etc.; b) os de cantorias e pelejas; c) os de época.
Folhetos do primeiro grupo são os que contam as batalhas do Imperador Carlos
Magno, que parece ter sido a fonte da littérature de Colportage francesa dos séculos
XVII e XVIII (13); as aventuras dos Doze Pares de França; de Helena de Troia; da
Donzela Teodora; dos amores de Genoveva; de Alonso e Marina; de temas bíblicos
como José do Egito, os padecimentos do Cristo e a vida dos santos; de contos populares
como A Bela Adormecida, Branca de Neve, onde não aparecem os sete anões e o Barba
Azul; de invenções maravilhosas como As Mil e uma Noites ou A Lâmpada Mágica de
Aladim, de personagens como Pedro Malazartes e João de Calais; de diabruras de anti-
heróis como João Grilo, tão sem caráter quanto Macunaíma, originalmente estória de
oito páginas do poeta João Ferreira Lima, vendida por alguns vinténs a João Martins de
Athayde que lhe acrescentou mais oito e inspirou Ariano Suassuna a escrever O Auto da
Compadecida (14).

É característica dos folhetos de amor desse grupo uma pequena introdução, abaixo do
título na primeira página interna e acima da primeira estrofe, como esta, da história O
Triunfo da Inocência ou Sinhaninha, editada por José Bernardo da Silva, de Juazeiro do
Norte, Ceará: "Romance comovente, sensacional, onde o destino cruel e ingrato se lança
sobre a mais negra senda da existência de uma jovem. E ela impávida vence todos os
sofrimentos, todas as traições, obtendo assim o prêmio do seu sacrifício e da sua
abnegação."

Ainda do primeiro grupo, como testemunho de assimilação pelo poeta popular de


novos elementos culturais e sua aplicação a uma velha narrativa, merece destaque esta
estrofe de João José da Silva sobre Aladim e sua Lâmpada Mágica, que é também uma
demonstração da intensa liberdade que gozam os poetas de cordel para reinventar e
recriar o mundo:

E mostrou-lhe um aparelho

de uma televisão

nele viram a princesa

ungida na aflição

Aladim no aparelho

quis pegar com a mão.

___________________________

O Triunfo da Inocência ou Sinhaninha no site da Fundação Casa de Rui Barbosa


(acesso restrito)

http://www.rubi.casaruibarbosa.gov.br/handle/20.500.11997/10113
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/545
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/553

___________________________

Os folhetos que reproduzem pelejas e desafios acontecidos ou inventados pelos


cantadores são um bom testemunho da dívida que a literatura de cordel nordestina tem
para com a literatura oral. Eles salvaram do esquecimento, em que necessariamente
caíram, embates célebres como o de Inácio da Catingueira com Francisco Romano
Teixeira, o do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, o de Bernardo Nogueira com
Pedro Limão e muitos outros. Entre outras coisas, serviam e ainda servem os desafios
para que os cantadores deem provas do seu virtuosismo, da sua esperteza, da rapidez do
seu raciocínio, dos conhecimentos gerais adquiridos, antes de tudo, na leitura frequente
do Lunário Perpétuo, espécie de enciclopédia da sabedoria humana, publicação muito
antiga, mas que ainda hoje pode ser encontrada no interior nordestino.

Contra Zé Pretinho, o Cego Aderaldo utilizou-se de um artificio chamado de "trava-


língua" que levou seu adversário ao desespero e à derrota final:

Aderaldo ―

Zé Pretinho eu não sei mesmo


de você o que será

arrependido do jogo

você é quem vai ficar

quem a paca cara compra

cara a paca pagará.

Pretinho ―

Cego, fiquei apertado

que só um pinto no ovo

tenho medo de sofrer

vergonha diante do povo.

Cego, a história dessa paca

faz favor dizer de novo.

Aderaldo ―

Digo uma vez e digo dez

no falar eu tenho pompa

presentemente não acho

a quem meu martelo rompa

cara a paca, pagará

quem a paca cara compra.

Pretinho ―

Cego teu peito é de aço

foi bom ferreiro quem fez

pensei que cego não tinha

no peito tal rapidez

Cego, se não for maçada,

repete a paca outra vez.

Aderaldo ―
Arre com tanto pedido

desse preto capivara

não tem quem cuspa pra cima

que não lhe caia na cara

quem a paca cara compra

pagará a paca cara.

Pretinho ―

Cego eu agora aprendi

cantarei a paca já

tu pra mim és um burrego

num bico dum carcará

quem a paca... capa... paca

papa.., pá... cá... pacará...

_______________________________

https://oportunityleiloes.auctionserver.net/view-
auctions/catalog/id/1842/lot/657020/?url=/view-auctions/catalog/id/1842/?page=35
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/64559
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/16078

http://acordacordel.blogspot.com/2018/11/o-ciclo-das-pelejas-no-cordel.html

Transcrição da peleja por Luiz Alberto Machado

https://blogdotataritaritata.blogspot.com/2008/09/literatura-de-cordel_30.html
_______________________________

Uma ordenada relação de títulos, partindo do local para o universal, dá uma ideia
exata do que sejam os folhetos de época:

O Caranguejo de Várzea Nova,

O Pavoroso Crime de Caruaru,

O Crime de Panelas,

O Pavoroso Desastre do Ônibus em Pesqueira,

O Homem que Deu à Luz nos Sertões de Minas Gerais,

O Grande Desastre de Vitória,

A Lamentável Morte do Deputado Alcides Teixeira,

A Pranteada Morte do Padre Cícero Batista,

O Inverno de 1974 e os Sinais dos Fins dos Tempos,

A Candidatura de Getúlio Vargas,

A Gripe Inglesa Passeando no Brasil,

A Ponte Rio-Niterói,

O Problema do Menor Abandonado,

A Queda D'Alemanha e a Derrota do Nazismo,

A Morte de Kennedy,

O Julgamento de Sacco e Vanzetti,

O Homem na Lua,

E a Terra Brilhará Outra Vez — A Vinda do Cometa Kohoutek,

Os Uruguaios que Comeram Carne Humana.

_______________________________
https://www.flickr.com/photos/thomasfisherlibrary/33077053355

_______________________________

O folheto de época é o jornal dos que não leem jornais. É o intermediário de um


amplo processo de comunicação que sem ele, em muitos casos, não se completa. Serve,
também, de avalista das notícias publicadas em jornais ou transmitidas pelas emissoras
de rádio, porque o leitor, muitas vezes, lhe dá mais crédito. O que é bastante
compreensível: afinal, o poeta popular, líder natural de comunidade, está em contato
direto com seu público, não é alguma coisa de distante, de fria, de estranha,
transmudada numa folha noticiosa ou numa emissão passageira. Ele apreende um
acontecimento com sua sensibilidade, empresta-lhe a perspectiva da sua cosmovisão e o
retransmite dentro do campo de referência do seu público.

As versões que apresenta podem ser muito próximas da verdade como também muito
distantes, transfiguradas por uma imaginação riquíssima e ilimitada. Em 1969, vi uma
espantosa nuvem de grilos se abater sobre Altinho, no interior de Pernambuco. Durante
vários dias, a Prefeitura retirou, diariamente, do centro da cidade, de três a cinco
caminhões de grilos mortos; o padre fez procissões e revelou ao povo que se lançariam
bombas atômicas em Altinho para se acabar, de vez, com os grilos; surgiram penitentes
profetizando o fim do mundo; uma viúva enlouqueceu; sucederam-se novenas e rosários
pedindo a intercessão de todos os santos. O Jornal do Brasil publicou a matéria numa
edição dominical com foto e chamada na primeira página. Quase uma página mereceu o
assunto na Time. Antes mesmo que os grilos abandonassem a cidade de Altinho, era
cantado pelo interior de Pernambuco, o folheto Abelhas, Morcegos e Grilos sugando a
Humanidade, de José Soares, que se assina poeta repórter. Dizia uma estrofe:

Diz o povo que os grilos

comem até samambaia


comem rapaz cabeludo

e moça de minissaia

e velhota sacudida

que gosta de banho de praia.

_______________________________

Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa

http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/1363/2/Soares%2c%20Jos
%c3%a9%20-%20%20Abelhas%2c%20morcegos%20e%20grilos%20sugando.pdf
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/33565

_______________________________

Quando quer, o poeta sabe ser preciso e fiel ao acontecido, de tal forma que seu
folheto assume importância de documento histórico. Como o de Rodolfo Coelho
Cavalcante, sobre O Grande Incêndio da Feira de Água de Meninos, publicado na
Bahia em setembro de 1964. Ele abre assim sua reportagem:

Dia cinco de setembro

na capital da Bahia

às 15 horas de sábado

foi um doloroso dia

nos mais tristes desatinos

feira de água dos meninos

numa fogueira se ardia.

_______________________________
Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa

http://www.docvirt.com/docreader.net/CordelFCRB/48717

_______________________________

Escravo, de bom grado, do lirismo do seu ofício, o poeta-repórter não se limita à


descrição fria e imparcial de um acontecimento, descolorida, sem emoção, como ainda é
costume em muitos jornais brasileiros. Ele é capaz de criar imagens fortes e belas, como
esta, dos versos de Pacífico Pacato Cordeiro Manso, sobre um tiroteio em Maceió:

Balas entravam no povo

como faca em melancia.

_______________________________
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/57470

_______________________________

João Barra Mansa, no folheto Jânio Quadros Confinado ou o Triste Resultado de um


Brasileiro Cassado, pratica o jornalismo opinativo, o que é uma marca inamovível de
quase todos os folhetos de época e até mesmo dos folhetos dos outros ciclos. Afirma,
numa estrofe:

Aconselho ao professor

que escreva sua história

sem a verdade ocultar

diga que foi a caninha

que lhe fez renunciar.

_______________________________
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/26780

_______________________________

Outro exemplo de jornalismo opinativo está no folheto, também de Rodolfo Coelho


Cavalcante, sobre a polêmica questão da Maneira da Mulher Não Ter Filhos. Do lado
dos que são contra uma política oficial de controle da natalidade, ele garante:

O Brasil é muito grande

e ainda não é explorado

um terço das suas terras.

Mais adiante, é enfático:

Dizer que nosso país

não pode mais suportar

cem milhões de habitantes!

Não posso me conformar:


na maior exatidão

ele suporta um bilhão

sem ninguém fome passar.

E conclui, revelando o modo da mulher não ter filhos, receita que guarda até o final:

Primeira maneira é

de nenhum homem gostar

não querer de forma alguma

com um varão se juntar

Ao depois viva sozinha

trancada numa camarinha

para nenhum homem lhe olhar.

_______________________________

Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa


http://www.docvirt.com/docreader.net/CordelFCRB/49716

_______________________________

Quem há de negar que faz jornalismo interpretativo o poeta que, depois de contar
uma luta de posseiros contra coronéis, conclui, dizendo:

O drama de Pedro Barros (líder dos posseiros)

acontece todo dia

no Brasil e em toda parte

no interior da Bahia

quantos coronéis imperam

e aos pobres não consideram

terminam em agonia.

No folheto O Pequeno George, o poeta cearense Moisés Maria de Moura, dá uma


mostra das atribulações de quem se vê obrigado a rimar de qualquer forma:

A pobre da dona Olga

cuja dor os olhos empolga

disse assim para o marido:

eis nosso filho tão ridículo

sob as rodas de um veículo (15).

Quando a Ponte Rio—Niterói foi inaugurada, o poeta Abraão Batista [1935-?], de


Juazeiro do Norte, "a pedido dum amigo que habita em São Paulo", escreveu um folheto
de oito páginas "sobre esta obra geniosa."

Ele me disse que colheu as informações em revistas e jornais, ordenou-as e as


estrofes foram brotando naturalmente. Na primeira página, afirma que "a ponte enfeita
como bordado de renda" o Rio de Janeiro, "de formosura estupenda". Na segunda, dá as
primeiras informações concretas, de que a Ponte "com 26 metros de largo" tem "13 km
de comprimento/ com nove por sobre o mar"; que "o vento na ponte tem/ uma força
extraordinária/ com 90 km por hora." Sobre a iluminação, assegura:

À noite parece a escada

que levou Jacó ao céu

com 1044 lâmpadas

formando luminoso véu.


Na terceira página, revela que a Ponte possui...

Seis pistas para automóveis

para cada lado, três tem

com muros de proteção

que sustenta até um trem

e vão montar televisão

para se ver o vai e vem.

Aborda outro aspecto:

Nessa Ponte se gastou

uma soma muito vultosa

gastou-se mais de um bilhão

eu digo sem fazer prosa

porque houve uns reboliços

tornando-a quase inditosa.

Até o povo inglês

que a obra financiou

através dos Rotschild

por carta se protestou

por notar pulos de gatos

na obra que confiou.

A companhia que começou

a fazer a construção

com um ano foi confiscada

pelo Governo da Nação

e o motivo não vou dizer


para não dar confusão.

Na página seguinte, Abraão explica que...

... morreram fazendo a Ponte

três engenheiros na construção

Mais de cinquenta operários

morreram sem solução.

Acrescenta que foram fincados "mil cento e trinta e oito tubulões" e que a quantidade
de cimento foi de "quatro mil setecentos e sessenta sacos." Na quinta página, esclarece
que a Ponte "tem 18 rampas de acesso/ que dá para gente subir"; que...

Foi a primeira vez no mundo

que se fez tal construção

com vigas sem ter emendas

com cimento do nosso chão

com concreto pretendido

com grande imaginação.

Por baixo dela, passam navios "porque tem vãos para passar/ com 300 metros de
fundo/ que é de se admirar." Sem perder a sua trilha, a Ponte "passa em duas ilhas/
dando uma curva imensa/ zombando do mar profundo."

A exaltação ao Ministro Andreazza, "o grande construtor" e ao Presidente Médici,


"foi ele o benfeitor", está na página seis. Na sete, uma confissão do poeta que, na
verdade, só conhece a Ponte por fotografias:

Quem anda por esta ponte

se sente tão comovido

de ver sempre que o homem

foi animal atrevido

pois fazer uma ponte dessa

é pensar no inconcebido.

Em tom patriótico, termina sua reportagem na oitava página, dizendo:

A gente pensa: é loucura


uma ponte sobre esse mar

foi uma grande ousadia

ninguém pode duvidar

esta ponte é uma amostra

do que podemos realizar.

_______________________________

A capa do folheto

http://www.portaldocordel.ieb.usp.br/bibliografia/colecao_cordel.php?cod=4

A Ponte Rio−Niterói

Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa (acesso restrito)

http://www.rubi.casaruibarbosa.gov.br/handle/20.500.11997/11650

_______________________________

Olegário Fernandes da Silva tem 42 anos de vida e 18 de poesia. Faz folhetos de


trancoso [histórias maravilhosas ou lendárias inspiradas na obra de Gonçalo Fernandes
Trancoso, escritor português do século XVI] e de criação, mas tem se notabilizado
como autor de folhetos de época. Em seu pequeno prelo, que batizou de Mãe Preta, tem
imprimido a história dos maiores acontecidos nos últimos anos, desde desastres quase
corriqueiros de ônibus com muitas mortes, à chegada do homem à Lua, ou ao incêndio
dos cafezais no Paraná, ou à vitória de Jânio Quadros, contada antes mesmo do seu
anúncio final, ou sua renúncia, três dias depois de efetuada. Dotado de um faro
jornalístico muito apurado, serve até de termômetro para outros poetas: "Se Olegário faz
um folheto sobre determinado fato, a gente pode fazer que a venda vai ser boa", explica
Vicente Vitorino [de Melo, 1917-?], também poeta.

Mora numa casa própria e inacabada de Caruaru, com duas filhas de nove e 10 anos
de idade e sua mulher. Aprendeu a ler e a escrever "mais ou menos" em apenas 18 aulas
que recebeu, financiadas por um candidato a Prefeito que não viveu o suficiente para
receber o seu voto. Sua renda familiar é em torno de Cr$ 400,00 mensais, dos quais,
gasta Cr$ 300,00 com o sustento de todos e Cr$ 100,00 de material — papel e tinta. A
mulher sabe ler melhor do que ele e as meninas estudam a 4.ª série primária. Só lê
jornais de tempos em tempos, ou então números atrasados que arranja para embrulho de
folhetos. Só vê televisão quando passa diante de uma loja ou de uma janela ou porta
aberta na vizinhança da sua casa.

Mas, tem um rádio de pilha, onde, diariamente, às sete e meia da manhã, ouve um
programa que apresenta as melhores notícias publicadas naquele dia pelo Diário de
Pernambuco. Quando tem tempo, ouve, à tarde, o programa Brasil Caboclo, que conta
histórias do sertão e do agreste de Pernambuco. Não se lembra de ter ouvido falar nem
uma vez de Kissinger, Nixon e o General Geisel. De Paulo VI, sabe que é dono de urna
construtora em Caruaru. Transamazônica, já ouviu falar e é capaz de citar até detalhes
sobre sua abertura, mas pílula anticoncepcional não tem a mínima ideia do que seja.

Compra jornais "quando acontece qualquer motivo e o rádio anuncia coisas


admiráveis". Não vai a cinema há 14 anos e nunca escreveu um folheto que se baseasse
em algum filme que tivesse visto. Até o ano passado, cultivava uma pequena roça de
sua propriedade, mas, agora, só vive da poesia, tendo produzido já mais de 100 folhetos.
O primeiro foi sobre a carne de boi de Minas [A História do Boi de Minas e as Carnes
Contaminadas, de 1956] que, segundo povo, quem comia mudava de sexo. Só na
primeira lida do folheto na feira, vendeu 130 exemplares e perdeu o medo de que
ninguém estendesse a mão para comprar um folheto "do poeta sofrido e humilhado
Olegário Fernandes". Ao todo, vendeu 7 mil exemplares, para desespero dos marchantes
que chegaram a agredir outro poeta, autor de um outro folheto sobre o mesmo assunto
em Vitória de Santo Antão, a uma hora e meia de Caruaru. Olegário nada sofreu porque,
muito hábil, pôs numa estrofe que a carne do boi de Minas era verde e amargosa e que,
se assim não fosse, a pessoa poderia comer sem perigo. Não era.

Se escapou à ira dos marchantes [intermediários entre pecuaristas e açougues], não


conseguiu sair-se bem numa questão com os pais de dois meninos "que nasceram
agarrados". O delegado proibiu a venda do seu folheto sobre o caso. Olegário foi
obrigado a vendê-lo fora da cidade e não obteve muito sucesso, atingindo uma tiragem
pequena de apenas mil exemplares. Seu folheto de maior aceitação popular e que ainda
hoje vende foi O Menino de Duas Cabeças que Nasceu em Belo Jardim [de 1968]:
alcançou uma tiragem de 52 mil exemplares até agora. Tem quatro páginas perpassadas
de muito espanto e temores contidos. De 10 anos para cá, Olegário só escreve folhetos
de época com quatro páginas porque, se perde em espaço para desenvolver a história,
ganha em velocidade de impressão e distribuição.

"A Greve de Gasolina". ocorrida em 1953 em Caruaru, com a revolta dos motoristas
por causa do aumento do preço, foi assunto de folheto de Olegário com uma vendagem
pequena de mil exemplares. Alguns anos depois, ele recuperou-se do insucesso com os
folhetos Conselho[s] e Sermão de Frei Damião e [Romance d]O Homem que Enganou
a Morte no Reino da Mocidade, este de criação: venderam 15 mil e 10 mil exemplares
respectivamente. O Filho que Matou a Mãe numa Sexta-Feira da Paixão por Causa de
um Pé [Pau] de Macaxeira, ele não sabe se foi caso acontecido ou inventado pelo povo.
Sabe apenas que aonde chegava, em Caruaru e nos municípios vizinhos, o assunto era
um só, acrescido, aqui e ali, de detalhes como o de que o rapaz se enterrara no chão até
a cintura, profundamente arrependido, e que nem Frei Damião dera jeito. Olegário
vendeu, na época, 14 mil exemplares e agora, numa reedição, já vai em 3 mil.

_______________________________

Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/57230
https://www.pinterest.at/pin/398357529523284432/

Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa (acesso restrito)

http://www.rubi.casaruibarbosa.gov.br/handle/20.500.11997/10512
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/57575

_______________________________

Diz, muito compenetrado: "A mentira se vende todo o tempo porque é muito
poderosa. A verdade não, só vende folheto em tempo curto porque o povo sabe que
aquilo é verdade. A verdade não causa admiração, muitas vezes. Admira a mentira, que
é fantástica".

"Se o caso tiver fundamento e merecer um folheto, sei pelas primeiras notícias. Mas,
mesmo se tiver dúvida, a resposta certa é fazer o folheto, porque a conversa pode ser
grande, o papo bonito e a paga ser pequena. Então, para tirar a realidade, a gente faz 500
folhetos e bota dois folheteiros na feira para gritar a história. Em uma hora a gente
sabe".

"Quando morreu Ludugero, outros poetas não acreditaram que desse folheto e não
fizeram logo. Eu disse: mas, minha profissão é essa. Que venda ou que não venda, meu
direito e minha obrigação é fazer o folheto".
Olegário acha que se um fato é bom, apenas seu puro relato vende em um folheto,
sem que se precise criar detalhes saborosos. "Eu procuro me aprofundar naquelas coisas
mais atraentes da história, sem precisar mentir", explica. Se tem conhecimento do
acontecido através do rádio ou do jornal — "e é mais pelo rádio, que é instantâneo" —
quando escreve a história cita a fonte da sua informação, porque o dono da notícia é
quem deu primeiro. Se é o povo que lhe conta — e Olegário tem bons informantes por
toda parte, que lhe municiam de notícias — põe no folheto "dizem", "contaram",
"viram", "me disseram". Alguns casos, como desastres pavorosos, ele presenciou. O
desenvolvimento dos meios convencionais de comunicação, na sua opinião, não está
prejudicando o folheto de época: "O rádio dá a notícia, mas o povo quer saber o que o
folheto diz com mais detalhes. O jornal dá a notícia mas não tem a rima que só o folheto
tem. E o homem do interior gosta de decorar e cantar as histórias narradas nos folhetos,
repeti-las para os amigos, lembrá-las quando está trabalhando na roca. A televisão
também não prejudica porque são poucos os que podem comprar uma. Ela prejudica é o
cinema, porque as pessoas assistem aos filmes sem sair de casa".

Olegário só enfrenta problemas para escrever um folheto de época quando o fato se


deu num lugar distante, "como o incêndio dos cafezais do Paraná. Fiz o folheto porque,
embora o acontecimento fosse muito longe, se falava dele em toda parte. Mas, foi muito
difícil pensar aquilo tudinho como se passou de verdade, ligar o pensamento para aquilo
tudo aparecer, como se a gente tivesse vendo na. horinha". Ele não faz anotações
quando toma conhecimento de um "fato admirável." Mas, quando senta para escrever, já
tem três ou quatro estrofes feitas na memória. Tem condições industriais de pôr um
folheto à venda em 24 horas, através de 10 folheteiros que são seus fregueses antigos.
Mas, se o folheto é bom e tem sucesso, camelôs e pequenos comerciantes abandonam
seus negócios por alguns dias e se transformam em vendedores de poesia.

A capa "influencia muito a venda de um folheto." A experiência de Olegário mostra


que, em casos de crimes, o clichê com a fotografia do morto ajuda a vender mais do que
a xilogravura, que é o ideal para outros casos como acontecidos com animais, desastres,
aparecimento de monstros." O preço de um clichê, que ele encomenda na agência do
Diário de Pernambuco em Caruaru, é praticamente o mesmo preço de uma xilogravura,
feita por Dila Soares ou J. Borges, de Bezerros: Cr$ 15,00. Mas, enquanto o clichê leva
quatro dias até lhe ser entregue, a xilogravura fica pronta em questão de horas. Mais
importante do que a capa, porém, é o título da história.

Afirma Olegário: "A arte está no título. Botar palavras que tocam na mente e no
sentimentalismo do povo é que vende folheto. Tenho um compadre meu, que não sabe
ler, mas vendeu 3 000 exemplares da Morte de Ludugero só gritando o título."

Há determinados assuntos, garante o poeta, que nem uma capa bem ilustrada, nem
mesmo um título genial, conseguem vendê-los, "porque o povo já se acostumou e não
acha mais novidade." Não interessam mais ao público histórias de crianças, "nem
pegadas, nem de duas cabeças, nem de três"; de enchentes, "porque elas vêm
acontecendo há 10 anos no Nordeste"; nem de crimes, "porque depois que um padre
matou um bispo em Garanhuns nada pode de mais espetacular"; nem de desastres de
ônibus e automóveis, "porque já virou costume." Aliás, Olegário faz questão de
ressaltar: "escrevo essas coisas tristes com a alma partida, mas escrevo porque é minha
profissão, pois sou o repórter de gente de minha iguala."

O surgimento de um novo Cristo ou a aparição de um cometa — "não um foguete


dos americanos porque o matuto já conhece" — venderiam muito folheto, pressente ele,
que acalenta no íntimo seu grande sonho de poeta-repórter: o de que, um dia, nasça uma
criança falando e pregando o Evangelho de porta em porta, "que o pessoal corra atrás e
não encontre, que a polícia cerque pra prender e não consiga, que ela esteja em
Garanhuns, Caruaru, Campina Grande e Recife ao mesmo tempo, que surja e
desapareça invisível. Aí sim você ia ver o que era vender folheto. Enquanto espero isso,
continuo contando as outras histórias banais, porque a poesia está no meu íntimo, na
minha paixão, no meu eu e está acabado."

De alguns anos para cá, fala-se insistentemente na morte da literatura de cordel


nordestina. Argumenta-se com o progresso dos meios de comunicação, atingindo as
áreas mais remotas do interior onde, antigamente, apenas o folheto era o condutor de
novidades; com o desenvolvimento da região, que provoca a abertura de estradas,
encurtando as distâncias e modificando hábitos seculares pelo choque com novos
valores de uma sociedade de consumo urbana; com o crescente aumento do custo de
vida, concentração de riqueza e empobrecimento do povo.

Há muito de verdade nisso tudo e nesse mesmo sentido se poderia alinhavar outros
dados e se fazer outras constatações. Dedicada à impressão de folhetos, com
equipamento para grandes tiragens simultâneas, praticamente só resta uma editora em
todo o Nordeste: a de José Bernardo da Silva, que morreu há dois anos, hoje
administrada por duas de suas filhas. Poetas de fôlego e da grandeza de Leandro Gomes
de Barros, de João Martins de Athayde, de Francisco das Chagas Batista, agora são
raros. A crise de papel, com o aumento dos preços, desestimula novas impressões.

Uma nova questão pode ser acrescentada a todas essas: alguns marchands,
principalmente no Recife e em Olinda, estão comprando aos poetas os direitos autorais
dos seus livros, publicados ou inéditos, a preços que não podem ser considerados
razoáveis. Os direitos da edição de um folheto de oito páginas estão sendo adquiridos
por Cr$ 80,00. Em alguns casos, quando seu novo dono imprimi-lo, o poeta receberá
100 exemplares, numa tiragem de 1000, apenas na primeira edição. Os direitos de uma
história de 16 páginas — e elas podem chegar a 32 e até 64 — estão custando entre Cr$
150,00 e Cr$ 200,00. Em São Paulo, a Editara Prelúdio publica histórias do cordel
nordestino, muitas vezes, sem a licença e sem nada pagar aos seus autores ou
proprietários. Além disso, as publica em livretos ilustrados, de capas coloridas,
desvirtuando, completamente, a identidade do folheto popular.

Contra todos esses argumentos que parecem não deixar dúvidas sobre a morte da
literatura de cordel nordestina, alinham-se outros muito fortes também. De 10 poetas
que ouvi para um trabalho mais substancioso sobre o jornalismo no cordel nordestino,
nove me disseram que os veículos convencionais de comunicação não acabarão com o
folheto porque o povo ama a poesia e mais facilmente memoriza histórias rimadas. E
aqui um dado contundente: o folheto sobre a morte do Deputado Alcides Teixeira, no
ano passado, do poeta José [Francisco] Soares [1914-1991], vendeu dentro do Recife,
apesar da intensa cobertura do acontecimento pelos jornais e rádios, cerca de 80 mil
exemplares, segundo informações do autor. Um outro dado, não menos contundente:
embora o povo estivesse ligado ao rádio e à televisão quando o Brasil foi tricampeão do
mundo, comprou milhares de exemplares de 17 folhetos publicados sobre o fato em
todo o Nordeste.

_______________________________

https://memoriasdapoesiapopular.com.br/tag/jose-francisco-soares/
Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa

http://www.docvirt.com/docreader.net/CordelFCRB/25565

_______________________________

Na hipótese inverossímil de, repentinamente, nenhum poeta produzir mais nenhum


folheto, a literatura de cordel nordestina sobreviveria à custa das reedições das suas
histórias mais fantásticas e maravilhosas. Só a editora de José Bernardo detém os
direitos autorais de poetas como Leandro Gomes de Barros e João Martins de Athayde,
dois entre os maiores. Esta mesma editora, atualmente, tem à venda 44 dos melhores
romances já publicados pelo cordel nordestino, embora há 20 anos oferecesse até 200
romances selecionados.

Expressão de cultura popular que ainda permanece pura e praticamente intocável, a


literatura de cordel do Nordeste está sendo descoberta por um novo público — um
público mais urbano, de estudantes, intelectuais, profissionais liberais. Por isso, cresce
em cidades como Recife, Salvador, Fortaleza, o número de simpósios e semanas sobre o
cordel, de pesquisadores que se entregam ao estudo de novos aspectos, de trabalhos que
aguardam publicação. A arte erudita sofre influência do cordel e, na literatura, Ariano
Suassuna e Jorge Amado escrevem livros calcados na temática dos folhetos, como A
Pedra do Reino, O Auto da Compadecida, Tereza Batista Cansada de Guerra.

Um clássico do cordel nordestino, a história do Pavão Misterioso, é recriada pelo


compositor cearense Ednardo e enfeixado num disco. A Noite do Espantalho, último
filme de Sérgio Ricardo, tem muito das histórias dos folhetos — e ele mesmo reconhece
isso. A xilogravura, usada como ilustração de capa, serve de base para todo o trabalho
do gravurista pernambucano Gilvan Samico. Até mesmo no exterior a literatura de
cordel nordestina recruta seus estudiosos — e enquanto nos Estados Unidos há 11 teses
sobre ela, na França há 20.

Parece-me que muito mais importante que profetizar a morte mais ou menos rápida
da literatura de cordel nordestina ou sua imortalidade, é estudá-la mais profundamente,
como manifestação cultural não apenas de uma só região, de um só país, nem mesmo de
um só continente; é se divulgar suas histórias mais extraordinárias, ressaltando o que
elas contém de beleza, de lirismo, de humanidade, de força, de atualidade, de pitoresco,
de satírico, de evasão. Mesmo porque, "o tempo estragou o folheto, o tempo mesmo
endireita," já pregou o digno poeta Dila Soares. Ou sentenciou, magistralmente a meu
ver, o não menos digno Olegário Fernandes: "A poesia é uma coisa divina. Se um dia a
natureza, que compõe o sol, o vento, a chuva, o fogo, o ferro, o manganês, a vitalidade
da terra, a vida vegetal, se acabar, aí a poesia morrerá também. Enquanto não, ela
permanecerá."

(1) CURRAN, Mark J. — A Literatura de Cordel. Universidade Federal de


Pernambuco. Recife — 1973.

(2) DIEGUES, Manuel — Literatura Popular em Verso, Tomo I. Ciclos Temáticos


na Literatura de Cordel. Fundação Casa Rui Barbosa — MEC. Rio de Janeiro — 1973.

(3) DIEGUES, Manuel — Literatura Popular em Verso...

(4) CASCUDO, Câmara — Seleta. Livraria José Olímpio Editora. Rio de Janeiro —
1972.

(5) MELO, Veríssimo de — Cantador de Viola. Imprensa Oficial de Pernambuco.


Recife — 1960.

(6) DIEGUES, Manuel — Literatura Popular em Verso... [número ausente do texto


original].

(7) DIEGUES, Manuel — Literatura Popular em Verso...

(8) CASCUDO, Câmara — Vaqueiros e Cantadores. Coleção Brasileira de Ouro. Rio


— 1968.

(9) CAMPOS, Renato C. — Folhetos Populares na Zona dos Engenhos de


Pernambuco. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Saciais. Recife — 1957.

(10) LESSA, Orígenes, Getúlio Vargas na Literatura de Cordel. Editora


Documentário. Rio de Janeiro —1973.

(11) SUASSUNA, Ariano — Folkcomunicação — Revista da Escola de


Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo — Arte Popular no Brasil. São
Paulo — 1971.

(12) CASCUDO, Câmara — Seleta...


(13) CANTEL, Raymond — Conferência proferida no Rio de Janeiro, em 1971.

(14) SOARES, Dila — Informação prestada ao autor do trabalho pelo poeta e


xilogravurista de Caruaru, Pernambuco.

(15) LESSA, Orígenes — Getúlio Vargas na Literatura de Cordel...


"Cadernos de Jornalismo e Comunicação" (Rio), julho-agosto 1974, número 49,
páginas 7 a 14.

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1288

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1289

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1290

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1291

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1292

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1293

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1294

http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1295
O ensaio "A Literatura de Cordel Nordestina"

O ensaio "A Literatura de Cordel Nordestina" saiu no suplemento da revista "Fatos e


Fotos/Gente", com páginas não numeradas, provavelmente no início da década de 70,
antes do ensaio reproduzido acima. A pista para a época da publicação vem da
apresentação do autor: "Pesquisador da literatura de cordel nordestina, está redigindo
dois trabalhos sobre esse tema: 'Introdução à Literatura de Cordel Nordestina' e 'O
Jornalismo na Literatura de Cordel do Nordeste'."

Esse segundo trabalho é, provavelmente, o ensaio publicado na revista "Cadernos de


Comunicação e Jornalismo" em 1974, sem o complemento "do Nordeste" no título. E
talvez esse título seja o mesmo do livro inédito de Noblat sobre o cordel (veja na seção
seguinte).

O texto de "A Literatura de Cordel Nordestina" não será reproduzido aqui por conter
quase todas as informações do texto apresentado mais acima. Mas destaco a sua
importância por se tratar da primeira apresentação da tese então defendida pelo autor e
atualmente aceita no meio acadêmico: o cordelista, além de ser um criador de histórias
de ficção, exercia a função de jornalista popular, comunicando e interpretando os fatos
da atualidade a uma população que, em regra, não tinha acesso aos periódicos de suas
cidades.
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36832

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36833

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36834

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36835

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36836

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36837

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36838
O livro inédito sobre a literatura de cordel

Em 7 de abril de 2018, o jornalista comentou em tuíte um caso jornalístico dos anos


70, típico dos jornais populares da época.

https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/982827540741009409

Na sequência, outro tuíte revelou a existência de um livro inédito sobre a literatura de


cordel: "Tenho um livro pronto que jamais publiquei sobre o jornalismo na literatura de
cordel. Quem sabe um dia?".

https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/982828512829693952

O caso sensacionalista ao qual Noblat se referiu é tema de matéria especial no site da


revista "Veja":
https://vejasp.abril.com.br/blog/memoria/a-manchete-que-mexeu-com-sao-paulo-
nos-anos-70-o-bebe-diabo/

Abaixo, o link para baixar um dos muitos folhetos de cordel produzidos sobre o caso,
na época, este de autoria de João de Barros: "Bebê Diabo Apareceu em São Paulo".
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/96206

O livro ao qual o jornalista se referiu é mencionado de passagem no ensaio "O


Jornalismo na Literatura de Cordel", reproduzido acima: "De 10 poetas que ouvi para
um trabalho mais substancioso sobre o jornalismo no cordel nordestino [...]".

Sendo verdadeira a informação da revista "Ficção", haveria também um livro de


contos esperando a hora da publicação em alguma pasta do computador de Noblat (ou
ainda na gaveta, quem sabe?).
Outros trabalhos sobre a literatura de cordel

Duas reportagens de Noblat para o "Jornal do Brasil" retrataram as dificuldades de


sobrevivência de cordelistas e das editoras de cordel, nos anos 70 e 80. A primeira é
"Uma História que o Cordel Não Narra", em coautoria com Josenildo Tenório (1971).

"Jornal do Brasil" (Rio, RJ), 27/11/1971, número 200 "Caderno Livro", página 12.

http://memoria.bn.br/DocReader/030015_09/45139

A segunda reportagem intitula-se "Mudam de dono as obras-primas do mundo do


cordel", e trata da venda da editora São Francisco ao Governo do Ceará, em 1982.
"Jornal do Brasil" (Rio), 6/8/1982, número 120, página 27.

http://memoria.bn.br/DocReader/030015_10/47492

Também disponível aqui:

Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11469

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11470

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11471

http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11472

Em 1977, o jornalista escreveu o texto da contracapa do disco "Cordel a Poesia do


Nordeste", de José Costa Leite.
"O Poti" (Natal, RN), 13/3/1977, número 2155, página 22, segunda coluna (em
"Discos", Vicente Serejo).

http://memoria.bn.br/DocReader/031151_03/7780
https://www.discogs.com/pt_BR/Jos%C3%A9-Costa-Leite-Cordel-A-Poesia-Do-
Nordeste/release/4238810

O texto da contracapa foi reproduzido integralmente por Rubem Confete na "Tribuna


da Imprensa", em sua coluna "Música Popular" (no primeiro uso, o articulista confundiu
o sobrenome "Costa" com "Carlos").
"Tribuna da Imprensa" (Rio, RJ), 1/4/1977, número 8417, página 11, primeira,
segunda e terceira colunas.

http://memoria.bn.br/DocReader/154083_03/27063

No YouTube estão disponíveis estas faixas do LP, graças ao usuário Adriano Paixão:

Faixa 1 do lado A, "ABC do cachaceiro":

https://www.youtube.com/watch?v=wL8v5twvHiQ

Faixa 2 do lado A, "A Veia debaixo da cama e a perna cabeluda":

https://www.youtube.com/watch?v=fHhvAdMCaZ4

Faixa 3 do lado A, "Tudo é desgosto na vida":

https://www.youtube.com/watch?v=7qs6vjF1QFE

Faixa 1 do lado B, "A Voz de Frei Damião":

https://www.youtube.com/watch?v=SB7aa-Lcz0s

Faixa 2 do lado B, "É melhor morrer solteiro do que casar hoje em dia":

https://www.youtube.com/watch?v=QLGgMebWi-w

Faixa 3 do lado B, "Os dez mandamentos, o pai-nosso e o credo dos cachaceiros":

https://www.youtube.com/watch?v=NvUVDfiySA8

Uma tese de doutorado inteiramente dedicada a José Costa Leite pode ser lida no
destino abaixo:
"Arte, história e narrativa: a trajetória do poeta José Costa Leite", Geovanni Gomes
Cabral, tese de doutorado em História, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Recife (PE), 2016.

https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/17402/1/Tese%20Geovanni%20Cabr
al.pdf

Você também pode gostar