Ricardo Noblat: o Conto Desconhecido O Marquesão Do Desembargador e o Conto Perdido O Sorriso Do General
Ricardo Noblat: o Conto Desconhecido O Marquesão Do Desembargador e o Conto Perdido O Sorriso Do General
Ricardo Noblat: o Conto Desconhecido O Marquesão Do Desembargador e o Conto Perdido O Sorriso Do General
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Resumo
Os dois livros ainda não lançados: um livro sobre a relação entre literatura de
cordel e jornalismo, e um livro de contos.
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Apresentação
No gênero do jornalismo viria a publicar três livros: "Céu dos Favoritos, O Brasil de
Sarney a Collor" (Editora Rio Fundo, 1990), "A Arte de Fazer um Jornal Diário"
(Editora Contexto, 2002) e "O que é Ser Jornalista" (Editora Record, 2004).
Na década de 70, período abrangido por este artigo, Noblat trabalhou no periódicos
"Jornal do Brasil", "Jornal do Commercio" (Recife) e "Diário de Pernambuco", e nas
revistas "Fatos e Fotos", "Veja" e "Manchete".
A revista "Ficção"
https://www.estantevirtual.com.br/busca?q=fic%E7%E3o+hist%F3rias+para+o+praz
er
Em 2007, a Editora Leitura lançou uma antologia batizada com o título e o subtítulo
da revista, tendo Miguel Sanches Neto como organizador. Entre os 50 contos
escolhidos, não consta a história transcrita neste artigo.
As informações seguintes constam da apresentação do livro:
"Nas primeiras 12 edições, a revista Ficção publicou 180 escritores. Desses, 150
eram brasileiros, 120 dos quais vivos. A tiragem inicial de cada número era de 15 mil
exemplares. Ficção foi distribuída em bancas de jornais e em livrarias de todo país. Só
no primeiro ano, ela vendeu mais de 200 mil exemplares".
"A verdadeira estória/história de Sally Can Dance (and the Kids)", Caio Fernando
Abreu.
"Zélida Tavares, cuja filha, meus Deus, que malvadeza", Flávio José Cardozo.
"Os acrobatas liam Júlio Cortázar antes de subir ao trapézio", Aguinaldo Silva.
Fonte
https://nos-todos-lemos.blogspot.com/2010/07/teste.html
O conto censurado pela Ditadura
Em 2018, um tuíte do jornalista revelou o título de outro conto de sua autoria, este
ainda inédito.
https://twitter.com/blogdonoblat/status/1056008083091193856
O jornal "Movimento" (1975-1981) também marcou época, nesse caso por sua
oposição à Ditadura instalada no país com o Golpe de 1964. Jornal idealizado e redigido
pela própria equipe de jornalistas, sem patrões, o "Movimento" foi alvo de censura: a
primeira edição teve de passar pela censura prévia, e algumas edições sequer saíram,
por esse motivo. Além disso, sofreu com o bloqueio de publicidade e até mesmo com os
atentados a bancas de jornais e revistas, motivados pela venda de "propaganda
comunista" (as publicações de esquerda, críticas à Ditadura).
http://eusoufamecos.uni5.net/nupecc/conteudo/acervodigital/movimento/page/1/
Esse caso da perda dos originais do conto de Noblat ilustra a situação dos escritores
antes da popularização das máquinas de xerox e do acesso aos computadores. As cópias
dos textos eram feitas geralmente em papel carbono, na máquina de escrever — isso
quando o escritor se lembrava de fazê-las.
Mesmo hoje em dia, quantos autores não se esquecem de salvar seus arquivos
importantes, periodicamente, com todo o conforto proporcionado pela Informática?
(A propósito, a primeira versão deste artigo, quase completa, "morreu" com o disco
rígido do meu antigo computador, em 6 de junho deste ano, levando com ela cerca de 4
horas de pesquisa na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Seria o artigo de
número 35 e se tornou o artigo 54 do meu blog literário. O parágrafo acima constava da
versão perdida.)
O conto "O Sorriso do General"
Se Noblat ainda não descobriu o conto de sua autoria, "O Sorriso do General",
informo: ele está aqui.
https://acabral177.blogspot.com/2013/12/ineditos-revista-literaria-antonio.html
"Inéditos, Edição 5", Editora Inéditos, Belo Horizonte (MG), 1977.
https://books.google.com.br/books?id=R85cAAAAMAAJ&q=%22o+sorriso+do+ge
neral%22+conto&dq=%22o+sorriso+do+general%22+conto&hl=pt-
PT&sa=X&ved=0ahUKEwicsZDm74bmAhURJrkGHSCXD5UQ6AEIKDAA
http://www.ci.uff.br/ppgci/arquivos/2016/disserta%C3%A7%C3%A3o/Disserta%C3
%A7%C3%A3o%20Kelly%20Pereira%20de%20Lima%20PPGCI%202016.pdf
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Ele era um dos quatro responsáveis pela revista literária Inéditos, bimestral, lançada
em Belo Horizonte em 1976. Os outros eram Ricardo Teixeira de Salles, Hélcio
Marques de Oliveira e Vladimir Luz. Eles fundaram a Editora Inéditos Ltda, que
investiu Cr$ 100 mil nas instalações. Até o terceiro número, a revista contabilizou
prejuízos de Cr$ 130 mil, devido ao custo gráfico e ao encalhe de cerca de metade dos
10 mil exemplares, tiragem de cada número. A revista era distribuída em Belo
Horizonte, Rio e São Paulo. Os colaboradores e editores não recebiam um tostão pelo
trabalho. O quarto número fez sucesso: só os anúncios cobriam todas as despesas de
impressão.
O embalo em que vinha a revista foi bruscamente interrompido por ofício do diretor
da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, Rogério Nunes. Ele
estabelecia a verificação prévia de todo o material da Inéditos.
Afirmando (1) não ter “condições técnicas e financeiras para enfrentar a burocracia
repressora imposta pelo Departamento de Polícia Federal”, os dirigentes da revista
anunciaram seu fechamento, em nota à imprensa, que dizia, por exemplo:
"Vimos denunciar também que a instauração da censura prévia à revista Inéditos não
pode e nem deve ser vista como um fato isolado, pois soma-se à censura imposta desde
longa data a publicações como Movimento, Opinião, O São Paulo, Paralelo, Tribuna da
Imprensa e outros, assim como a proibição de livros como Zero, de Ignácio de Loyola
Brandão, e Feliz Ano Novo, de José Rubem da Fonseca. A censura prévia a Inéditos
nada mais revela que um acirramento do processo repressor à livre expressão do
pensamento e ao debate das ideias em nossos países."
(1) Jornal do Brasil, 6/1/1977, página 26, "Revista literária deixa de circular após 4º
número por discordar da Censura".
"Sucursal das Incertezas - A história vista por um jornalista dos tempos do telex
ponta a ponta", páginas 76 e 77, José de Souza Castro, edição do autor, 2007.
https://kikacastro.files.wordpress.com/2012/02/sucursal-das-incertezas.pdf
http://doczz.com.br/doc/2262/sucursal-das-incertezas
"Jornal do Brasil" (Rio), 6/1/1977, número 270, página 26, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_09/153935
http://rascunho.com.br/wp-content/uploads/2012/02/Book_Rascunho_108.pdf
De fato, o Haicais Blog, de Antonio Cabral Filho, apresenta as capas das edições de
número 1, 2, 5 e 6.
https://acabral177.blogspot.com/2013/12/ineditos-revista-literaria-antonio.html
Curiosamente, o móvel também fez parte de uma entrevista realizada por Noblat com
o sociólogo Gilberto Freyre (autor do clássico "Casa Grande e Senzala"), para a revista
"Playboy" de março de 1980, e republicada no livro "A Arte da Entrevista", organizado
por Fábio Altman (Editora Boitempo, 2004).
https://issocompensa.com/academia/entrevista-gilberto-freyre
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***
O Marquesão do Desembargador
Sirva o desembargador, Amélia. Amélia serviu duas conchas de sopa de feijão que
encheram o prato de sopeiro. A sopa não é de carne, Amélia? O Desembargador não
gosta de sopa de feijão. Amélia retirou o prato colocado diante da cadeira vazia, levou-o
até a cozinha, arrastando os chinelos, resmungando coisas incompreensíveis, tornou a
voltar, sentou-se e começou a tomar a sopa com lentidão. Maria Felix olhou-a irritada,
observou-lhe os cabelos brancos, presos no alto da cabeça, em duas tranças que
formavam um coque, o rosto fino, os olhos comidos por uma irreversível catarata, o
corpo magro, dobrado, acompanhando a curvatura do encosto da cadeira de palha, pois
Amélia não sabia que o Desembargador não gostava de sopa de feijão? — muito menos
agora, ausente há sete anos, mas incorporado definitivamente ao ambiente daquela casa
de cômodos duplos, de baús com montes de roupas cheirando a naftalina, roupas que
nunca foram usadas nem o seriam jamais, de telefone tocando baixinho, debaixo de uma
redoma para não se gastar, de um caprichoso relógio de algarismos romanos que, sem
funcionar há anos, bateu, certo dia, todas as badaladas não batidas e nunca mais parou,
nem necessitou de corda; incorporado à vida daquelas duas mulheres sufocadas em suas
lembranças até a consumação final, Maria Felix a viúva, Amélia a mal-amada, as duas,
irmãs, respeitadas em seus desejos pela família que, invariavelmente, nos dias de festa,
se reúne em torno do marquesão onde o Desembargador costumava sentar seus cento e
tantos quilos, pede-lhe a bênção em sinal de respeito, faz uma mesura ou apenas o
cumprimenta naturalmente, "como vai o senhor, Desembargador?" — e o silêncio como
resposta só faz aumentar a distância que ele sempre impôs a todos, mastigando a ponta
do seu charuto baiano, rodando, entre os dedos da mão direita, a cabeça da sua bengala
de marfim, colarinho alto, bastos bigodes sempre penteados para cima, entidade que
fora digna dos maiores encômios pelo que fizera em vida, encômios que se propagaram
por depois da sua morte, levado ao cemitério por uma multidão não inferior a cinco mil
pessoas e trazido de volta por Maria Felix e Amélia para sua ampla e resistente cama de
ferro e colchão de penas, seus charutos, sua bengala de marfim, seus espelhos
estrategicamente distribuídos por toda casa, destinados a registrar sua incomensurável
vaidade, seu marquesão de jacarandá talhado, onde pontificava e onde ainda pontifica.
Amélia, você não acha que está na hora de trocar a palhinha do marquesão? Amélia
achou que sim com a cabeça, entretida na leitura do movimento das marés e do
atracamento de navios no porto, pois a essa altura, onde poderia navegar Osvaldo, o
marinheiro, que há 50 anos, apenas por uma noite, lhe tocara os dedos levemente, lhe
falara de encantamentos, cheiro bom de maresia, corpo curtido pelo sol, cor de bronze,
enquanto a bandinha no coreto engalanado tocava velhas polcas e atacava dobrados
marciais? Do maremoto que se arremeteu, no mês passado, sobre as costas da Holanda,
certamente ele havia escapado, porque rumara do porto do Recife na madrugada do dia
9 de julho de 1925 para Banjur, em Gâmbia e de lá para Tama, em Gana, e depois para
Madrid, e a se cumprirem todas as escalas previstas, a se respeitarem todos os períodos
de descanso em terra e, principalmente, a estarem exatos os matemáticos cálculos de
Amélia que já enchiam 38 cadernos espirais, Osvaldo deveria mais uma vez estar
retornando ao Brasil pelo porto de Belém e, quem sabe, poderia chegar até o porto do
Recife para vê-la. Sim, Maria Felix, está na hora de mudar a palhinha do marquesão do
Desembargador. E, pelo telefone, curvada sobre ele, quase aos cochichos, que sua voz
era baixa e um pouco rouca, Amélia ligou para uma movelaria distante dois quarteirões
da sua casa e disse "Alô" e responderam "Diga" e ela disse "Vocês podiam apanhar um
marquesão para mudar a palhinha?" e a voz respondeu "Vamos apanhar, sim, qual é o
endereço?" e Amélia deu o endereço, repetindo, duas vezes, o número "366 da rua do
Sol".
De cara feia, ainda por conta da sopa de feijão, enquanto Amélia, nem estou aí,
aprontando, com gosto, umas roupinhas para os pobres do padre Manuel Barreto, Maria
Felix atravessou a sala de refeições, venceu o corredor estreito e sempre na penumbra,
trancou-se no quarto, passou a chave na porta, tirou um maço de dinheiro duma caixinha
de madeira guardada na gaveta do consolo, pôs-se fora do alcance da vista de quem
olhasse pelo buraco da fechadura, da vista de Amélia, e contou as notas, Cr$ 350,00,
dinheiro santo, da venda de uma imagem de Santa Maria Bernadete retirada do seu
santuário para custear as despesas com o novo empalhamento do marquesão do
Desembargador, artifício que restava para não pedir mais dinheiro aos dois filhos que
lhe forneciam a comida, que lhe pagavam as contas de luz, água e telefone e que lhe
davam, algumas vezes no ano, um corte de pano para vesti-la e vestir Amélia, um biscuí
para pôr na penteadeira, um retratinho dos netos para o velho álbum de capa de couro
cru.
No sétimo dia, Maria Felix despertou pela madrugada, eram bem cinco horas,
cumpriu suas obrigações de higiene, rezou diante do santuário, abriu as janelas da sala
que davam para o quintal, olhou o canto vazio do marquesão, ajeitou a espreguiçadeira
para o Desembargador repousar todo seu peso, peso que lhe fora leve pela noite, porque
o Desembargador ainda se julgava capaz de exercer seus direitos, gritou por Amélia, já
na cozinha àquela hora e anunciou que o marquesão estaria de volta antes que o almoço
fosse servido. A manhã arrastou-se nos passos de Amélia entre a sala e a cozinha, no
copo de leite servido morno ao Desembargador à hora de sempre, nas lembranças
ditadas a ele por Maria Felix, o Desembargador imperturbável e sereno, recostado na
espreguiçadeira, as pernas estiradas num banquinho providencialmente posto por
Amélia, o cheiro do charuto baiano a se apoderar de cada canto da sala, a percorrer cada
cômodo, os dois quartos de vestir absolutamente iguais, a biblioteca de ar vetusto, a sala
de visitas com poltronas pesadonas em torno de um piano sem serventia, as duas copas,
uma moderna, onde panelas de aço inoxidável brilhavam intocáveis, outra de paredes
descascadas, caldeirões e utensílios de ágata, talheres arranhados pelo uso, a fumaça do
charuto contornando os objetos, evitando a cozinha e penetrando no dormitório de
Amélia, espaçoso e claro, de plantinhas em vasos no parapeito da janela, uma nesga de
mar azul distante, um cargueiro cortando a linha do horizonte, será Osvaldo que chega?
Será? O almoço foi servido, Maria Felix comeu bastante, como de costume, o
Desembargador não tocou no prato, apesar dos repetidos apelos de Amélia, provou-se
dois dedinhos de um especial licor de jenipapo encomendado às freiras do Sagrado
Coração de Jesus, veio o mormaço da tarde, chegou o Aracati, anunciando uma noite
agradável, só o marquesão não retornou. Por determinação de Maria Felix, Amélia
descobriu o telefone da sua redoma, ligou para a movelaria, "Alô", "Alô, diga", "Aqui é
da casa 366 da rua do Sol", "Sim", "Vocês ficaram de devolver hoje o marquesão que
foi mudar a palhinha", "Que marquesão, minha senhora"? "O marquesão do
Desembargador, levado daqui por um mulato de nome Severino", "O Severino não
trabalha mais conosco, minha senhora, deu pra beber, foi preso e não trouxe nenhum
marquesão pra conserto". Nessa noite, Maria Felix não dormiu. Nada disse ao
Desembargador, temendo sua ira incontrolável, antevendo sua força descomunal a
despencar sobre os móveis da casa, como no dia em que soube que ela não pudera
sustentar no ventre o seu primeiro filho homem. Maria Felix consumiu a noite entre
rápidos cochilos e uma angústia do tamanho do seu quarto. Levantou-se cedo, abriu as
janelas da sala, fez as coisas de conforme e deu início a um rosário de telefonemas para
todos os distritos policiais na caça a um mulato de nome Severino, que trabalhara numa
movelaria da rua do Sol, sujeito de estatura mediana, de uma pequena cicatriz perto da
boca, hábil empalhador de marquesões, como se apresentou, até que obteve a notícia
que o dito homem ou um outro com essas mesmas características, estava preso no
xadrez da Secretaria de Segurança Pública, na rua da Aurora.
Sobraçando uma velha bolsa, já fora da moda, metida num vestido preto salpicado de
minúsculos cachos de flores amarelas, amassando-se contra Amélia no interior de um
táxi, Maria Felix ousou sair de casa para um lugar distante pela primeira vez em muitos
anos. Por teimosia e insistência de Amélia, o carro margeou o cais do porto, renasceram
e refluíram antiquíssimas esperanças, o Delegado de plantão as recebeu no seu gabinete
apertado e calorento, Severino tinha sido preso, sim, não era um mulato que trabalhava
no conserto de móveis? — mas fora solto dois dias antes e se as senhoras quiserem
saber de uma coisa, ele mora no Alto do Bom Jesus, pelo menos foi o endereço que nos
deu, mas aquilo não é lugar pra gente decente, é antro de marginais e desordeiros.
Deixando passar a estação do inverno que durou, pelo menos, quatro meses,
aproveitando todas as tardes de verão, Maria Felix e Amélia mapearam o Alto do Bom
Jesus, bateram de casa em casa, de ruela em ruela, "É aqui que mora um mulato de
nome Severino, empalhador de marquesões?", não, não era, ouviram desaforos de um
casal que se amava quando eles bateram à porta, interromperam um ensaio de bumba-
meu-boi, quase foram presas numa boca de fumo, no exato momento de uma batida
policial, tomaram conhecimento da existência de meninos que comem barro e têm a
barriga carregada de vermes, assustaram-se com o palhaço nu que corria no picadeiro.
como última atração de um espetáculo de circo "tomara-que-não-chova", sensibilizaram
voluntárias para suas buscas, tornaram-se madrinhas do "Sete de Agosto Futebol Clube"
e, ao cabo de mais seis meses, desistiram de encontrar o mulato Severino e recolheram-
se em casa.
Então, consultando sua cadernetinha de efemérides, Maria Felix lembrou-se que dali
a uma semana, o Desembargador faria aniversário. Os objetos que ele usou um dia antes
de se ausentar há sete anos, foram recolocados em seus lugares, como ele os deixou pela
última vez, o jornal aberto na página do noticiário político, a caneta-tinteiro
displicentemente jogada em cima do seu birô de trabalho, o terno branco pousado na
colcha de cambraia da cama, um toco de charuto apagado no cinzeiro de prata, um resto
de mineral gaseificada num copo de alumínio, porque doutra água ele não bebia e outro
copo ele não usava. A família foi convidada para a festa, Amélia aplicou-se nos alfenins
[doces em forma de escultura], nos bulins [biscoitos nordestinos], bolos de milho,
engorda-marido [bolo mole de leite], pé-de-moleque, pastéis, cocadas, sonhos,
amalgamando cada um deles com uma pitada do amor que sentia por Osvaldo, como se
a festa fosse para ele, por sua volta ainda fogoso, cor de bronze e cheirando a maresia
como há 50 anos. Abriram-se portas e janelas, iluminaram-se cômodos e floriu-se todos
os jarros, o desafinado piano alemão voltou a tocar pelos dedos de um sobrinho de
Maria Felix, vieram juízes, promotores, advogados, amigos, parentes e contraparentes,
próximos e distantes, à porta eram recebidos por Maria Felix, Amélia confinada à
cozinha nos derradeiros preparativos, os temas das conversas variando de acordo com
os ambientes, discutia-se amenidades na sala de visitas, a política nacional era
examinada nos corredores, as mulheres falavam mal dos seus maridos nas duas copas e
na cozinha, e as crianças brincavam no quintal, vigiadas por suas amas. Enquanto servia
os convidados, Maria Felix botava sentido para que nada faltasse ao Desembargador,
altaneiro, impávido e distante, mastigando seu charuto baiano, rodando, entre os dedos
da mão direita, a cabeça da sua bengala de marfim, insensível aos elogiosos comentários
que parecia não ouvir, "como o senhor está forte e corado", "este é um homem de
elevado senso de justiça", "não é só justo pelo que faz, mas também pelo que não deixa
que se faça", saudado em memorável discurso feito de improviso por um juiz
aposentado, as lágrimas rolando pelas faces de Maria Felix, Amélia catando tempo para
ler nos jornais do dia o movimento das marés, o Desembargador, solene, no fundo da
sala, ponto de convergência, festejado pelos circunstantes, comodamente posto no seu
restaurado marquesão de jacarandá.
O pioneirismo de Ricardo Noblat no estudo da literatura de cordel
A tese de que o cordel seria uma forma popular de jornalismo, proposta por Orígenes
Lessa (1903-1986) em breve artigo da "Revista Esso" em 1964 (número 3, páginas 13 à
16), foi desenvolvida por Noblat no início dos anos 70 e é atualmente aceita, constando
de trabalhos acadêmicos e de livros sobre o cordel.
A tese original está disponível para leitura presencial na Fundação Casa de Rui
Barbosa:
http://acervos.casaruibarbosa.gov.br/info.asp?c=37999
"O folheto de época é o jornal dos que não leem jornais", Ricardo Noblat.
Esse novo modo de avaliação cultural do cordel teve seu maior representante em
Joseph Maria Luyten (1941-2006), autor da tese de doutorado "A Notícia na Literatura
de Cordel" (Escola de Comunicação e Artes da USP, 1984), trabalho lançado depois
como livro em 1992.
Abaixo, três estudos acadêmicos que citam o trabalho de Noblat nessa área.
https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/1658/1/DOLIVEIRA.pdf
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/120866/000808962.pdf?sequence
=1
. "O cordel: o jornal do sertão nordestino", Mikeias Cardoso dos Santos, "Simpósio
Internacional − Imprensa, Literatura, Linguagem e História", página 54, Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), São Luís (MA), 2018.
http://www.cemdop.ufma.br/downloads/caderno-de-resumos.pdf?723
https://books.google.com.tr/books?redir_esc=y&hl=pt-
BR&id=2UAuAAAAYAAJ&focus=searchwithinvolume&q=ricardo+noblat
https://books.google.com.br/books?id=Jpbd1Y3dNYwC&lpg=PP1&dq=%22hist%C3%B3ri
a%20do%20brasil%20em%20cordel%22&hl=pt-
PT&pg=PA25#v=snippet&q=%22existem%20dezenas%22&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-PT&id=g-
YuAAAAYAAJ&dq=%22estudos+em+literatura+popular%22&focus=searchwithinvolume&q
=%22ricardo+noblat%22
Ricardo Noblat
No dia 24 de agosto de 1954, às sete e meia da manhã, João José [da Silva, 1922-
1997], poeta da literatura de cordel nordestina, ouviu pelo rádio, no Recife, a notícia da
morte de Getúlio Vargas. Muniu-se de papel e lápis e, em algumas horas, escreveu-a em
versos. Imprimiu em seu próprio prelo. Às primeiras horas da tarde, tão rápido quanto
uma edição extra de jornal, seu folheto estava sendo vendido no Mercado São José e
despachado para o interior de Pernambuco e de outros Estados da região. Vendeu 300
mil exemplares. Sobre o suicídio de Getúlio, segundo o poeta baiano Rodolfo Coelho
Cavalcante [1919-1987], foram publicados 60 folhetos no Nordeste e vendidos cerca de
2 milhões de exemplares.
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http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/handle/20.500.11997/11680
http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/1721/2/Almeida%20Filho
%2c%20Manoel%20d%27%20-
%20A%20Morte%20do%20Coron%c3%a9%20Ludugero.pdf
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Essa literatura deita suas raízes na Europa ibérica. Em Portugal, ela se chamava
Literatura de Cego, por causa da lei promulgada pelo Rei Dom João V em 1789, que
deu direito de vender essa literatura, à Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos
de Lisboa (1). Em prosa, suspensos em cordéis quando expostos à venda — daí o nome
de cordel — os folhetos eram vendidos em Portugal desde o século XVII, ou mesmo até
antes (2). Na Espanha, eram chamados de pliegos sueltos e ainda hoje podem ser
encontrados em feiras populares no interior do país. Existiam na Inglaterra. E na França,
com o nome de Littérature de Colportage, tinham características semelhantes aos
nossos, até mesmo com a xilogravura como ilustração. O costume do vendedor
nordestino de folhetos de contar as histórias em voz alta, reunindo pessoas para ouvi-lo,
até isso tem antecedentes ibéricos.
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http://lisboadeantigamente.blogspot.com/2015/07/igreja-de-s-jorge-de-arroios.html
https://fr.wikipedia.org/wiki/Litt%C3%A9rature_de_colportage
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https://tede.ufam.edu.br/bitstream/tede/6816/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Elizang
ela%20Almeida_PPGE
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Dos cantadores que o Nordeste conheceu, sem dúvida nenhuma, o negro Inácio da
Catingueira está entre os mais notáveis. Escravo, aforriado depois, viveu e morreu no
século passado. Assim apresentou-se, num desafio contra outro cantador:
aparador de catombos,
Silvino Pirauá [de Lima] (1848-1913) foi o primeiro cantador a escrever um folheto
da literatura de cordel nordestina (4). Ele é o autor de Zezinho e Mariquinha, Vingança
do Sultão, folheto reeditado centenas de vezes e que, ainda hoje, pode ser encontrado
nos maiores centros de venda da literatura de cordel — no Recife, em Maceió, em
Juazeiro do Norte, em Caruaru — assinado por João Martins de Athayde, que a
genialidade de poeta não o impediu de assinar muitas histórias que não eram suas.
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http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB&pasta=Silvino%
20Piraua%20de%20Lima&pesq=
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/73980
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Está na necessidade de perpetuar seus versos, de industrializar e poder viver dos seus
repentes, a razão que levou os cantadores a escreverem folhetos. Está nisso a explicação
para a evolução da poesia popular oral para a escrita no Nordeste. Como não guardar,
por exemplo, a deliciosa troca de desaforos entre os cantadores João Antônio de Sena e
Antônio Teixeira Filho:
J.A.S. ―
A.T.F. ―
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http://memoriasdocordel.blogspot.com/2014/02/cordeis-do-mundo-3-corridos-
mexicanos.html
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https://books.google.com.br/books?id=ylMixz_LcREC&lpg=PA447&ots=-
PQl2msYtJ&dq=%22delgadinha%22%20%22silvaninha%22&hl=pt-
PT&pg=PA445#v=onepage&q=%22delgadinha%22%20%22silvaninha%22&f=false
Este trabalho acadêmico apresenta 450 versões do "Romance da Delgadina", em
espanhol: "El incesto en el romancero popular hispánico: un ensayo de análisis
estructural", tese de doutorado de Manuel Gutiérrez Estévez, 2005, Madri (Espanha).
https://eprints.ucm.es/52431/1/5309855493.pdf
http://cordel.edel.univ-poitiers.fr/items/show/107
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De João Malazartes, tido como neto de Pedro, disse o poeta Luiz Lira num folheto:
na rua comercial.
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https://www.traca.com.br/livro/870724/
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Uma das razões da grande aceitação popular dos folhetos de cordel nordestino está
no notável poder de adaptação do poeta. Luiz Lira não trata João Malasartes como um
personagem estranho, porque vindo de um outro país, de uma realidade diferente, talvez
com um sistema de valores diverso do do nordestino. Tanto não é assim que o pai de
João, logo que chega ao Brasil, se estabelece como comerciante em Natal, José Pacheco
[da Rocha, 1890-1954], em seu folheto Grande Debate que Teve Lampião com São
Pedro, não apenas eleva um destemido nordestino à condição de debatedor com uma
divindade digna do maior respeito: ele faz o santo tomar café, acender um cigarro, abrir
um portão, apertar o nó da manta, vestir a casaca, se escorar numa trave e comandar
uma batalha. Como já foi dito, "na literatura de cordel nordestina reis pedem conselhos
a vaqueiros, princesas aspiram pela carne de sol e duques arruinados não compram nem
sequer uma cuia de farinha". (10).
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http://lampiaoaceso.blogspot.com/2008/11/cordel-na-rede.html
Transcrição do cordel
https://www.escritas.org/pt/t/7811/grande-debate-de-lampiao-com-sao-pedro
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Certamente que a abordagem de todos esses temas não só numa linguagem popular,
mas enquadrada no campo de referência do povo humilde do interior nordestino,
explica, em parte, o sucesso desse tipo de literatura. O encanto e a força dos folhetos
explicam-se também, na liberdade poética que têm os autores populares de reinventar o
recriar o mundo. Pois "ao mesmo tempo que mantêm a raiz brasileira, os folhetos não se
fecham ao que vem de fora: pelo contrário. acolhem tudo, desde os contos da tradição
oral até as peças representadas nos circos ou filmes exibidos nos cinemas, fitas a que os
poetas assistem por acaso e que aparecem recriadas em folhetos da sua autoria, com a
mesma força e a mesma peculiaridade das histórias mais tradicionais. Os cantadores
nem repelem as histórias europeias ou americanas, nem se descaracterizam em nome
dessa caricatura do universal que é o cosmopolitismo, a novidade pela novidade" (11).
e o sapato experimentou
o sapato de momento
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https://books.google.com.br/books?id=oGHNCgAAQBAJ&lpg=PT9&ots=3rBdtML
YIm&dq=%22madame%20ginevra%22&hl=pt-
PT&pg=PT11#v=onepage&q=%22madame%20ginevra%22&f=false
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Por uma questão de simplificação, fico com a proposta de Manuel Diegues Jr., sem,
no entanto, descer a todas as suas subdivisões. Assim, haveria três grandes e
abrangentes grupos de folhetos: a) os que abordam temas tradicionais — romances,
novelas, contos, estórias de animais, episódios religiosos, batalhas, criações
maravilhosas, etc.; b) os de cantorias e pelejas; c) os de época.
Folhetos do primeiro grupo são os que contam as batalhas do Imperador Carlos
Magno, que parece ter sido a fonte da littérature de Colportage francesa dos séculos
XVII e XVIII (13); as aventuras dos Doze Pares de França; de Helena de Troia; da
Donzela Teodora; dos amores de Genoveva; de Alonso e Marina; de temas bíblicos
como José do Egito, os padecimentos do Cristo e a vida dos santos; de contos populares
como A Bela Adormecida, Branca de Neve, onde não aparecem os sete anões e o Barba
Azul; de invenções maravilhosas como As Mil e uma Noites ou A Lâmpada Mágica de
Aladim, de personagens como Pedro Malazartes e João de Calais; de diabruras de anti-
heróis como João Grilo, tão sem caráter quanto Macunaíma, originalmente estória de
oito páginas do poeta João Ferreira Lima, vendida por alguns vinténs a João Martins de
Athayde que lhe acrescentou mais oito e inspirou Ariano Suassuna a escrever O Auto da
Compadecida (14).
É característica dos folhetos de amor desse grupo uma pequena introdução, abaixo do
título na primeira página interna e acima da primeira estrofe, como esta, da história O
Triunfo da Inocência ou Sinhaninha, editada por José Bernardo da Silva, de Juazeiro do
Norte, Ceará: "Romance comovente, sensacional, onde o destino cruel e ingrato se lança
sobre a mais negra senda da existência de uma jovem. E ela impávida vence todos os
sofrimentos, todas as traições, obtendo assim o prêmio do seu sacrifício e da sua
abnegação."
E mostrou-lhe um aparelho
de uma televisão
ungida na aflição
Aladim no aparelho
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Aderaldo ―
arrependido do jogo
Pretinho ―
Aderaldo ―
Pretinho ―
Aderaldo ―
Arre com tanto pedido
Pretinho ―
cantarei a paca já
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https://blogdotataritaritata.blogspot.com/2008/09/literatura-de-cordel_30.html
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Uma ordenada relação de títulos, partindo do local para o universal, dá uma ideia
exata do que sejam os folhetos de época:
O Crime de Panelas,
A Ponte Rio-Niterói,
A Morte de Kennedy,
O Homem na Lua,
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As versões que apresenta podem ser muito próximas da verdade como também muito
distantes, transfiguradas por uma imaginação riquíssima e ilimitada. Em 1969, vi uma
espantosa nuvem de grilos se abater sobre Altinho, no interior de Pernambuco. Durante
vários dias, a Prefeitura retirou, diariamente, do centro da cidade, de três a cinco
caminhões de grilos mortos; o padre fez procissões e revelou ao povo que se lançariam
bombas atômicas em Altinho para se acabar, de vez, com os grilos; surgiram penitentes
profetizando o fim do mundo; uma viúva enlouqueceu; sucederam-se novenas e rosários
pedindo a intercessão de todos os santos. O Jornal do Brasil publicou a matéria numa
edição dominical com foto e chamada na primeira página. Quase uma página mereceu o
assunto na Time. Antes mesmo que os grilos abandonassem a cidade de Altinho, era
cantado pelo interior de Pernambuco, o folheto Abelhas, Morcegos e Grilos sugando a
Humanidade, de José Soares, que se assina poeta repórter. Dizia uma estrofe:
e moça de minissaia
e velhota sacudida
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%c3%a9%20-%20%20Abelhas%2c%20morcegos%20e%20grilos%20sugando.pdf
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Quando quer, o poeta sabe ser preciso e fiel ao acontecido, de tal forma que seu
folheto assume importância de documento histórico. Como o de Rodolfo Coelho
Cavalcante, sobre O Grande Incêndio da Feira de Água de Meninos, publicado na
Bahia em setembro de 1964. Ele abre assim sua reportagem:
na capital da Bahia
às 15 horas de sábado
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Aconselho ao professor
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E conclui, revelando o modo da mulher não ter filhos, receita que guarda até o final:
Primeira maneira é
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Quem há de negar que faz jornalismo interpretativo o poeta que, depois de contar
uma luta de posseiros contra coronéis, conclui, dizendo:
no interior da Bahia
terminam em agonia.
a fazer a construção
Acrescenta que foram fincados "mil cento e trinta e oito tubulões" e que a quantidade
de cimento foi de "quatro mil setecentos e sessenta sacos." Na quinta página, esclarece
que a Ponte "tem 18 rampas de acesso/ que dá para gente subir"; que...
Por baixo dela, passam navios "porque tem vãos para passar/ com 300 metros de
fundo/ que é de se admirar." Sem perder a sua trilha, a Ponte "passa em duas ilhas/
dando uma curva imensa/ zombando do mar profundo."
é pensar no inconcebido.
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A capa do folheto
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A Ponte Rio−Niterói
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Mora numa casa própria e inacabada de Caruaru, com duas filhas de nove e 10 anos
de idade e sua mulher. Aprendeu a ler e a escrever "mais ou menos" em apenas 18 aulas
que recebeu, financiadas por um candidato a Prefeito que não viveu o suficiente para
receber o seu voto. Sua renda familiar é em torno de Cr$ 400,00 mensais, dos quais,
gasta Cr$ 300,00 com o sustento de todos e Cr$ 100,00 de material — papel e tinta. A
mulher sabe ler melhor do que ele e as meninas estudam a 4.ª série primária. Só lê
jornais de tempos em tempos, ou então números atrasados que arranja para embrulho de
folhetos. Só vê televisão quando passa diante de uma loja ou de uma janela ou porta
aberta na vizinhança da sua casa.
Mas, tem um rádio de pilha, onde, diariamente, às sete e meia da manhã, ouve um
programa que apresenta as melhores notícias publicadas naquele dia pelo Diário de
Pernambuco. Quando tem tempo, ouve, à tarde, o programa Brasil Caboclo, que conta
histórias do sertão e do agreste de Pernambuco. Não se lembra de ter ouvido falar nem
uma vez de Kissinger, Nixon e o General Geisel. De Paulo VI, sabe que é dono de urna
construtora em Caruaru. Transamazônica, já ouviu falar e é capaz de citar até detalhes
sobre sua abertura, mas pílula anticoncepcional não tem a mínima ideia do que seja.
"A Greve de Gasolina". ocorrida em 1953 em Caruaru, com a revolta dos motoristas
por causa do aumento do preço, foi assunto de folheto de Olegário com uma vendagem
pequena de mil exemplares. Alguns anos depois, ele recuperou-se do insucesso com os
folhetos Conselho[s] e Sermão de Frei Damião e [Romance d]O Homem que Enganou
a Morte no Reino da Mocidade, este de criação: venderam 15 mil e 10 mil exemplares
respectivamente. O Filho que Matou a Mãe numa Sexta-Feira da Paixão por Causa de
um Pé [Pau] de Macaxeira, ele não sabe se foi caso acontecido ou inventado pelo povo.
Sabe apenas que aonde chegava, em Caruaru e nos municípios vizinhos, o assunto era
um só, acrescido, aqui e ali, de detalhes como o de que o rapaz se enterrara no chão até
a cintura, profundamente arrependido, e que nem Frei Damião dera jeito. Olegário
vendeu, na época, 14 mil exemplares e agora, numa reedição, já vai em 3 mil.
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Diz, muito compenetrado: "A mentira se vende todo o tempo porque é muito
poderosa. A verdade não, só vende folheto em tempo curto porque o povo sabe que
aquilo é verdade. A verdade não causa admiração, muitas vezes. Admira a mentira, que
é fantástica".
"Se o caso tiver fundamento e merecer um folheto, sei pelas primeiras notícias. Mas,
mesmo se tiver dúvida, a resposta certa é fazer o folheto, porque a conversa pode ser
grande, o papo bonito e a paga ser pequena. Então, para tirar a realidade, a gente faz 500
folhetos e bota dois folheteiros na feira para gritar a história. Em uma hora a gente
sabe".
"Quando morreu Ludugero, outros poetas não acreditaram que desse folheto e não
fizeram logo. Eu disse: mas, minha profissão é essa. Que venda ou que não venda, meu
direito e minha obrigação é fazer o folheto".
Olegário acha que se um fato é bom, apenas seu puro relato vende em um folheto,
sem que se precise criar detalhes saborosos. "Eu procuro me aprofundar naquelas coisas
mais atraentes da história, sem precisar mentir", explica. Se tem conhecimento do
acontecido através do rádio ou do jornal — "e é mais pelo rádio, que é instantâneo" —
quando escreve a história cita a fonte da sua informação, porque o dono da notícia é
quem deu primeiro. Se é o povo que lhe conta — e Olegário tem bons informantes por
toda parte, que lhe municiam de notícias — põe no folheto "dizem", "contaram",
"viram", "me disseram". Alguns casos, como desastres pavorosos, ele presenciou. O
desenvolvimento dos meios convencionais de comunicação, na sua opinião, não está
prejudicando o folheto de época: "O rádio dá a notícia, mas o povo quer saber o que o
folheto diz com mais detalhes. O jornal dá a notícia mas não tem a rima que só o folheto
tem. E o homem do interior gosta de decorar e cantar as histórias narradas nos folhetos,
repeti-las para os amigos, lembrá-las quando está trabalhando na roca. A televisão
também não prejudica porque são poucos os que podem comprar uma. Ela prejudica é o
cinema, porque as pessoas assistem aos filmes sem sair de casa".
Afirma Olegário: "A arte está no título. Botar palavras que tocam na mente e no
sentimentalismo do povo é que vende folheto. Tenho um compadre meu, que não sabe
ler, mas vendeu 3 000 exemplares da Morte de Ludugero só gritando o título."
Há determinados assuntos, garante o poeta, que nem uma capa bem ilustrada, nem
mesmo um título genial, conseguem vendê-los, "porque o povo já se acostumou e não
acha mais novidade." Não interessam mais ao público histórias de crianças, "nem
pegadas, nem de duas cabeças, nem de três"; de enchentes, "porque elas vêm
acontecendo há 10 anos no Nordeste"; nem de crimes, "porque depois que um padre
matou um bispo em Garanhuns nada pode de mais espetacular"; nem de desastres de
ônibus e automóveis, "porque já virou costume." Aliás, Olegário faz questão de
ressaltar: "escrevo essas coisas tristes com a alma partida, mas escrevo porque é minha
profissão, pois sou o repórter de gente de minha iguala."
Há muito de verdade nisso tudo e nesse mesmo sentido se poderia alinhavar outros
dados e se fazer outras constatações. Dedicada à impressão de folhetos, com
equipamento para grandes tiragens simultâneas, praticamente só resta uma editora em
todo o Nordeste: a de José Bernardo da Silva, que morreu há dois anos, hoje
administrada por duas de suas filhas. Poetas de fôlego e da grandeza de Leandro Gomes
de Barros, de João Martins de Athayde, de Francisco das Chagas Batista, agora são
raros. A crise de papel, com o aumento dos preços, desestimula novas impressões.
Uma nova questão pode ser acrescentada a todas essas: alguns marchands,
principalmente no Recife e em Olinda, estão comprando aos poetas os direitos autorais
dos seus livros, publicados ou inéditos, a preços que não podem ser considerados
razoáveis. Os direitos da edição de um folheto de oito páginas estão sendo adquiridos
por Cr$ 80,00. Em alguns casos, quando seu novo dono imprimi-lo, o poeta receberá
100 exemplares, numa tiragem de 1000, apenas na primeira edição. Os direitos de uma
história de 16 páginas — e elas podem chegar a 32 e até 64 — estão custando entre Cr$
150,00 e Cr$ 200,00. Em São Paulo, a Editara Prelúdio publica histórias do cordel
nordestino, muitas vezes, sem a licença e sem nada pagar aos seus autores ou
proprietários. Além disso, as publica em livretos ilustrados, de capas coloridas,
desvirtuando, completamente, a identidade do folheto popular.
Contra todos esses argumentos que parecem não deixar dúvidas sobre a morte da
literatura de cordel nordestina, alinham-se outros muito fortes também. De 10 poetas
que ouvi para um trabalho mais substancioso sobre o jornalismo no cordel nordestino,
nove me disseram que os veículos convencionais de comunicação não acabarão com o
folheto porque o povo ama a poesia e mais facilmente memoriza histórias rimadas. E
aqui um dado contundente: o folheto sobre a morte do Deputado Alcides Teixeira, no
ano passado, do poeta José [Francisco] Soares [1914-1991], vendeu dentro do Recife,
apesar da intensa cobertura do acontecimento pelos jornais e rádios, cerca de 80 mil
exemplares, segundo informações do autor. Um outro dado, não menos contundente:
embora o povo estivesse ligado ao rádio e à televisão quando o Brasil foi tricampeão do
mundo, comprou milhares de exemplares de 17 folhetos publicados sobre o fato em
todo o Nordeste.
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https://memoriasdapoesiapopular.com.br/tag/jose-francisco-soares/
Acervo digital da Fundação Casa de Rui Barbosa
http://www.docvirt.com/docreader.net/CordelFCRB/25565
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Parece-me que muito mais importante que profetizar a morte mais ou menos rápida
da literatura de cordel nordestina ou sua imortalidade, é estudá-la mais profundamente,
como manifestação cultural não apenas de uma só região, de um só país, nem mesmo de
um só continente; é se divulgar suas histórias mais extraordinárias, ressaltando o que
elas contém de beleza, de lirismo, de humanidade, de força, de atualidade, de pitoresco,
de satírico, de evasão. Mesmo porque, "o tempo estragou o folheto, o tempo mesmo
endireita," já pregou o digno poeta Dila Soares. Ou sentenciou, magistralmente a meu
ver, o não menos digno Olegário Fernandes: "A poesia é uma coisa divina. Se um dia a
natureza, que compõe o sol, o vento, a chuva, o fogo, o ferro, o manganês, a vitalidade
da terra, a vida vegetal, se acabar, aí a poesia morrerá também. Enquanto não, ela
permanecerá."
(4) CASCUDO, Câmara — Seleta. Livraria José Olímpio Editora. Rio de Janeiro —
1972.
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1288
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1289
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1290
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1291
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1292
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1293
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1294
http://memoria.bn.br/DocReader/082732/1295
O ensaio "A Literatura de Cordel Nordestina"
O texto de "A Literatura de Cordel Nordestina" não será reproduzido aqui por conter
quase todas as informações do texto apresentado mais acima. Mas destaco a sua
importância por se tratar da primeira apresentação da tese então defendida pelo autor e
atualmente aceita no meio acadêmico: o cordelista, além de ser um criador de histórias
de ficção, exercia a função de jornalista popular, comunicando e interpretando os fatos
da atualidade a uma população que, em regra, não tinha acesso aos periódicos de suas
cidades.
Acervo digital do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36832
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36833
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36834
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36835
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36836
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36837
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Recortes%20de%20Jornais/36838
O livro inédito sobre a literatura de cordel
https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/982827540741009409
https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/982828512829693952
Abaixo, o link para baixar um dos muitos folhetos de cordel produzidos sobre o caso,
na época, este de autoria de João de Barros: "Bebê Diabo Apareceu em São Paulo".
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura%20de%20Cordel%20-
%20C0001%20a%20C7176/96206
"Jornal do Brasil" (Rio, RJ), 27/11/1971, número 200 "Caderno Livro", página 12.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_09/45139
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_10/47492
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11469
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11470
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11471
http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/CDU%20-%20Recortes%20de%20Jornais/11472
http://memoria.bn.br/DocReader/031151_03/7780
https://www.discogs.com/pt_BR/Jos%C3%A9-Costa-Leite-Cordel-A-Poesia-Do-
Nordeste/release/4238810
http://memoria.bn.br/DocReader/154083_03/27063
No YouTube estão disponíveis estas faixas do LP, graças ao usuário Adriano Paixão:
https://www.youtube.com/watch?v=wL8v5twvHiQ
https://www.youtube.com/watch?v=fHhvAdMCaZ4
https://www.youtube.com/watch?v=7qs6vjF1QFE
https://www.youtube.com/watch?v=SB7aa-Lcz0s
Faixa 2 do lado B, "É melhor morrer solteiro do que casar hoje em dia":
https://www.youtube.com/watch?v=QLGgMebWi-w
https://www.youtube.com/watch?v=NvUVDfiySA8
Uma tese de doutorado inteiramente dedicada a José Costa Leite pode ser lida no
destino abaixo:
"Arte, história e narrativa: a trajetória do poeta José Costa Leite", Geovanni Gomes
Cabral, tese de doutorado em História, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Recife (PE), 2016.
https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/17402/1/Tese%20Geovanni%20Cabr
al.pdf