Tese-2008 NASCIMENTO Romulo Luiz Xavier Do-S PDF

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Universidade Federal Fluminense


Programa de Pós-Graduação em História

Rômulo Luiz Xavier do Nascimento

O Desconforto da Governabilidade: aspectos da administração


no Brasil holandês (1630-1644)

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da UFF, na linha de
pesquisa Poder e Sociedade, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor
em História.
Orientador (a): Profa Dra Maria de Fátima
Silva Gouvêa

Rio de Janeiro, 2008

I
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

N244 Nascimento, Rômulo Luiz Xavier do.


O “desconforto da governabilidade”: aspectos da administração no Brasil
holandês (1630-1644) / Rômulo Luiz Xavier do Nascimento. – 2008.
319 f.
Orientador: Maria de Fátima Silva Gouvêa.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2008.
Bibliografia: f. 303-319.

1. Invasão holandesa – Brasil – Século XVII. 2. Administração pública. 3. Período


colonial, 1630-1644. 4. Nassau, Maurício, 1604-1679. I. Gouvêa, Maria de Fátima
Silva. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia. III. Título.
CDD 981.03

II
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Agradecimentos

Engana-se quem acha que uma tese é trabalho de uma só pessoa. Esta não poderia
ser diferente. Portanto, agradeço:
A minha orientadora Fátima Gouvêa pela paciência e preciosos conselhos;
principalmente porque me deixou trabalhar com autonomia sem me deixar perder nos
arroubos pretenciosos do historiador iniciante;
Aos professores que me formaram: Marcos Albuquerque e Veleda Lucena, pois
me iniciaram na pesquisa; Virgínia Almoêdo, pela orientação e apoio no mestrado;
A Marcus Carvalho pela amizade e incentivo constantes; também por todas as
portas que me abriu;
Aos professores da UFF em especial Ronaldo Vainfas e Marta Abreu, pelas aulas
e apoio num momento difícil;
A Pollyanna Mendonça, pela amizade e apoio dispensados no Rio de Janeiro;
A Mariana Dantas, pela importante ajuda nos momentos finais.
A Flávio Gomes pelos incentivos e oportunidades franqueadas;
A Reinaldo José Carneiro Leão pelo acesso ao Instituto e pelas conversas
agradáveis e ao amigo Bruno Câmara, pelo incentivo e fotografia das fontes;
A Levi, do LAPEH, pela paciência e presteza com que me auxiliou;
Aos amigos da graduação George Cabral, Lílian Raposo, Tatiana Ferraz, Juliana
Elias, Onésimo Santos, Guilherme Medeiros, Gustavo Villar e e Andredick
A Edson Hely pelo importante apoio até então recebido;
Ao meu compadre e amigo Érico Valente (tico), pela amizade antiga e icentivos
constantes;
A Peron Rios, pela amizade e conselhos importantes;
A Emília e Thomas Habbeger e Sandra Nascimento, pelo importante apoio de
sempre;
A minha cadela Batatinha pela companhia nas inúmeras madrugadas que passei
em claro;
A minha mulher, Aline Moraes de Carvalho, por cuidar tão bem de mim e por ter
suportado, com muito amor e carinho, todos os momentos difíceis dessa viagem.

III
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Dedicatória

Ao meu filho João,

que ainda não nasceu para o mundo, mas que já nasceu para mim

Em memória de:

Sandra Moraes de Carvalho


Fernando Carvalho
Ricardo Nascimento

IV
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Resumo

Este trabalho tem como objetivo tratar, em linhas gerais, de questões administrativas no
Brasil holandês. O primeiro capítulo enfatiza a dimensão atlântica da presença da
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, destacando de que forma os neerlandeses se
inseriram no espaço atlântico ibérico. O segundo capítulo chama atenção para a
administração que antecedeu o governo de Maurício de Nassau, destacando, nos anos de
1635 e 1636, o surgimento de um pequeno comércio entre portugueses e a Companhia.
Procuraremos aqui mostrar que havia um governo holandês apesar do clima de guerrilha
na capitania de Pernambuco. No terceiro capítulo analisamos as dificuldades de
abastecimento dos holandeses no Brasil antes e durante a administração nassoviana
(1637-44). Sobre este tópico temos, sobretudo, que Maurício de Nassau não conseguiu
superar a falta de farinha de mandioca para os seus efetivos. O quarto e último capítulo
aborda o funcionamento das câmaras dos escabinos (espécie de tribunais de justiça
locais) nas várias partes da conquista holandesa, chamando a atenção para os problemas
vivenciados por essas câmaras no governo de Maurírico de Nassau. O objetivo primordial
desse trabalho é mostrar que havia administração da Companhia das Índias Ocidentais no
Brasil antes da chegada de Maurício de Nassau, apesar do clima de guerra e que, na
administração do mesmo, tida como um período de apogeu da presença neerlandesa no
Brasil, as crises eram constantes.

Abstract

The purpose of this work is to deal , in general terms, with the administrative questions
of the Dutch period in Brazil. The first chapter enphasizes the presence of the West
Indies Company in Brazil, and its Atlantic dimension. This way, it looks at how the
Dutch entered the Iberian dominated atlantic.
The Second chapter draws attention to the government which preceded John Maurice of
Nassau's administration, enphasizing the origin of trade between the Portuguese and the
Company during the years 1635 and 1636. I will prove the existence of a Dutch
government, in spite of the tense atmonsphere in the State of Pernambuco.
In the third chapter I will analyse the supply difficulties faced by the Dutch before and
during Nassau's administration (1637-44). On this topic I will show that Nassau had
difficulty to feel his troops due to manioc shortage. In the fourth chapter I will discuss
the work of the "Escabin Chambers" ( a type of local justice court) during the various
periods of the Duch conquest as well as the problems faced by these courts during
Nassau'sadministration.

V
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Siglas

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino


LAPEH – Laboratório de Pesquisa e Ensino de História
RIAHGP – Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano
WIC – West Indische Compangnie
VOC – Vereinigde Oost-Indische Compagnie

VI
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Sumário

Introdução ................................................................................................................ 8

Cap I Brasil Holandês: uma história do Atlântico


Experiências ibéricas e neerlandesas .................................................................... 22
A diáspora sefardita e o Brasil holandês .............................................................. 46
Pernambuco: os portos e o Atlântico .....................................................................53
A Companhia das Índias Ocidentais.......................................................................62

Cap II Pernambuco Pré-nassoviano: a procura da ordem


Maurício de Nassau na História................................................................................77
O pequeno comércio e os kleine profijten.................................................................89
O papel da navegação................................................................................................132
Nordeste e o caribe: uma ligação possível...............................................................151

Cap III O problema do abastecimento


A escassez de víveres.................................................................................................156
Uma herança problemática: a produção de farinha de mandioca no governo
nassoviano...................................................................................................................171

Cap IV O poder local


Os Escabinos................................................................................................................197
Aspectos e conflitos nos poderes locais .....................................................................218

Considerações finais.....................................................................................................264
Anexos...........................................................................................................................266
Fontes............................................................................................................................301
Bibliografia ..................................................................................................................307

VII
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Introdução

“... les serviteurs enfideles sont la ruine de la Companie”. 1 Com esta simples
afirmação, o predicante calvinista Vicente Soler, em dezembro de 1637, expressou o seu
descontentamento com a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) que, havia sete anos,
fincara o pé em Pernambuco. Esta mesma companhia, que no ano acima citado
completava dezesseis anos de sua fundação, colhia na América portuguesa os
infortúnios e sucessos de uma administração conturbada. Por mais paradoxal que seja,
tal binômio infortúnio/sucesso acompanhou boa parte da presença holandesa no Brasil.
Quem poderiam ser os “servidores infiéis” aos quais se referiu Vicente Soler? Seriam os
católicos luso-brasileiros, que estiveram quase sempre à beira de uma sedição? Seriam
os judeus sefarditas, que se enlanharam na economia do Brasil holandês a ponto de
provocar a insatisfação de calvinistas e católicos? Ou seriam os próprios funcionários da
Companhia das Índias Ocidentais, por vezes partícipes e artífices de atos de corrupção
no seio do governo batavo? Ou, finalmente, seria um pouco de tudo isso? Seja como for,
este trabalho tentará desvendar, sem talvez responder de todo a essa pergunta, alguns
aspectos dos anos anteriores à presença de Maurício de Nassau no Brasil (sobretudo os
anos de 1634-35-36) assim como durante a administração do mesmo (1637-1644).
O tema “Brasil holandês”, à parte os modismos que as recentes comemorações
do nascimento de Maurício de Nassau e da Batalha dos Guararapes sucitaram, é e
sempre será visitado. Pois é dessa forma que o historiador (re) inventa o passado,
produzindo narrativas que possam nos mostrar novos personagens que nunca “falaram”
ao público leitor. Esse é o caso, por exemplo, do padre Manuel Moraes, desenterrado de
2
seu contexto seiscentista por Ronaldo Vainfas. O próprio título de seu trabalho mais
recente (‘Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição’)
trouxe à tona a questão fidelidade/infidelidade proposta na declaração do predicante

1
Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit Brasilie. IAHGP. Na transcrição, optou-se por não
“atualizar” a escrita para as normas ortográficas contemporâneas da língua francesa.

8
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3
calvinista. O trânsito entre estes dois pólos era muito comum num constante clima de
tensão vivenciado num contexto de guerra. Assim, Manuel Morais faria parte de um
grupo que poderia incluir João Fernandes Vieira e Domingos Fernandes Calabar, para
não citarmos muitos outros sobre os quais nada ou pouco conhecemos. Até mesmo
figuras bem conhecidas, como o próprio Mauricio de Nassau, abrirão sempre brechas à
uma nova interpretação do passado, ainda que esse ‘passado’ nos dê sempre a impressão
de ter sido totalmente contado. A própria biografia do nobre alemão, recentemente
revisitada por Evaldo Cabral de Mello, tem nos mostrado como a fugura de Maurício de
Nassau é atual. Sobretudo quando nos mostra um Brasil “que poderia ter sido”. Assim,
muito embora a consistente produção até então existente sobre o tema “Brasil holandês”
tenda a nos conduzir à acomodação, é aí mesmo que a necessidade em se “atualizar o
passado” se apresenta. Muitas vezes para nos mostrar uma história “que não poderia ter
sido”. Ou melhor, um presente quase que totalmente vinculado a um passado idílico.
Cabral de Mello mostrou isso ao registrar que Nassau, ainda que humanista e sensato
nas questões de governo, apoiou as suas práticas administrativas na plantação da cana-
de-açúcar e no comércio de escravos. Práticas que não apontavam de forma alguma para
uma alternativa ao status quo ante da colonização portuguesa, em que as instituições
republicanas dos Países Baixos não tiveram vez. 4 É mais ou menos sob essa perpectiva
que este trabalho se situa.
A idéia de administração proposta constantemente ao longo deste trabalho vai
além das descrições funcionais dos conselhos e do frio tratamento dado a alguns setores
do governo neerlandês. Pelo contrário, leva em consideração a presença de um clima de
guerra que se mistura ao da própria política-administrativa da Companhia das Índias
Ocidentais (WIC). Longe de antagonizar as práticas administrativas da WIC e a luso-
brasileira, procuraremos interpretar um quadro de convivência e, se isso for possível
considerar, de acomodação entre as partes envolvidas. Entendemos que o cotidiano da
administração e o da conquista militar se misturam. Os limites entre guerrilha e
administração serão, para o escopo deste trabalho, imprecisos. Nesse sentido, não

3
VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
4
MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau: Governador do Brasil holandês. – São Paulo: Companhia das Letras,
2006.

9
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entendemos a presença holandesa no Brasil como havendo comportado períodos de paz


e guerra separadamente. O termo “acomodação” entre portugueses e neerlandeses talvez
seja o que mais se aproxime de nossa perspectiva de administração. Portanto, tratamos
sobremodo de administração-holandesa-no-Brasil. Finalmente, ao tratar da política-
administrativa holandesa no Brasil, faremos uso ao que propôs Antônio Manuel
Hespanha acerca da nova história social, que forneceu, segundo ele, “um rosto à história
política”. Assim, ao apontarmos, ao longo do trabalho, “rostos” e “pessoas” no caminhar
da administração da WIC no Brasil, teremos em mente a proximidade da política com o
“quotidiano do poder vivido” (expressão do autor). 5
Outro esclarecimento que é preciso ser feito diz respeito ao uso da palavra
‘cidadão’ ou borgelijck (como aparece nas fontes) algumas vezes freqüente no texto. O
‘cidadão’ deste estudo não é ainda aquele que surgirá com a Revolução Francesa. O
‘cidadão’ sobre o qual trataremos é o mesmo a quem José Antônio Gonsalves de Mello
se referiu: apenas “burgueses ricos” ou “comerciantes- livres” (vrijeluijden). Essas
6
expressões diziam respeito sobretudo aos “que não estavam à serviço da Companhia”.
Essa mesma idéia de ‘cidadão- livre’ foi respeitada por Charles Boxer em Os Holandeses

5
HESPANHA, Antônio Manuel. Governo, elites e competência social: sugestões para um entendimento
renovado da história das elites. In: Modos de Governar: Idéias e praticas políticas no império português.
Maria Fernanda Bicalho/Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs). – São Paulo: Alameda, 2005, p. 29. A discussão
sobre política-administrativa passa evidentemente por uma discussão do conceito de poder que, segundo
Hespanha, “se tem diversificado e atomizado”. O mesmo tem justificado essa proprosição sob o argumento
de que “como se tem descoberto uma microfísica do poder, que se infiltra molecularmente e todos os
nichos do tecido social. Como o parente não-exercício do poder (como no exemplo paradigmático do
liberalismo) é sempre uma devolução de poderes para outras instâncias (sejam elas a ciência, os agentes
econômicos, as elites culturais, os fazedores de opinião). Quando o poder se capilariza, as suas
manifestações, a legitimidade para mandar e a disponibilidade para obedecer, passam a ser outras. O poder
interpersonaliza-se, depende dos factores moles que movem o interior de nós mesmos – os afectos, os
poderes de sedução, as hegemonias e dependências emocionais, os encantamentos e os aborrecimentos de
toda a espécie, beleza e fealdade”. Contrariamente a perspectiva de Hespanha, Laura de Mello e Souza
argumentou que à despeito da crescente utilização da obra deste historiador nos trabalhos acadêmicos
brasileiros nos últimos anos, devemos ter cuidado ao fazer uso indiscriminado de sua análise para o caso
brasileiro “primeiro, porque a corrente à qual se filia – dos estudos da historiografia constitucional alemã à
discussão mais contemporânea, voltada para a revisão daquilo que se convencionou chamar de Estado
Moderno – tem por objetivo as manifestações eminentemente européias do fenômeno”. Ver. SOUZA,
Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp.52-53.
6
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. – Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1987.
O autor deixa claro que a categoria dos “cidadãos-livres” não se refere apenas àqueles que deixaram de ser
funcionários (bedinaer) da Companhia das Índias Ocidentais para ser tornarem comerciantes, mas também
artesãos, taverneiros, etc. Enfatizou Gonsalves de Mello que “tão rapidamente cresceu esse número [de
cidadãos-livres] que, já em começo de 1634, podia-se arregimentar, somente no Recife, duas companhias
de burgueses, com efetivo de oitenta homens cada uma.

10
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7
no Brasil. Por fim, “cidadãos” também assumem, nesse trabalho, um sentido
geográfico, significando mais um “Einwohner einer Stadt” (morador de uma cidade) do
8
que qualquer outra coisa.
O leitor talvez estranhe o pouco enfoque que será dado à questão religiosa da
administração do Brasil pela WIC. Sabe-se, no entanto, que a religião corria de mãos
dadas com o quotidiano da administração. Não é à toa que os holandeses identificavam
os portugueses como papisten (papistas), em sua maioria, e sabiam muito bem quem
eram os jooden (judeus) que moravam nos limites de sua conquista. Ocorre que, tratar
de questões religiosas no Brasil holandês é terefa que requer por si só grande esforço
que significaria uma tese à parte. Ainda mais quando temos à disposição trabalhos como
o de Frans Leonard Schalckwijck [Igreja e Estado no Brasil Holandês], o clássico estudo
de José Antônio Gonsalves de Mello [Gente da Nação] e outros mais recentes sobre
cristãos-novos. Essa lacuna, infelizmente, vai permanecer. Há, entretanto, uma
referência mais geral ao aspecto religioso no primeiro capítulo, do qual trataremos mais
adiante. Também no último, ao tratarmos dos ‘podres locais’, tocaremos de algum
9
modo em questões religiosas.
Apenas dois bons motivos para destacarmos o papel da religião no tema Brasil
holandês. São eles: a destruição de imagens do Convento dos Jesuítas (Olinda) quando
da invasão em 1630 e a aclamação de João Fernandes Vieira como líder português na
luta “pela liberdade divina” no processo de expulsão dos holandeses em 1645. Também
é importante não deixar de fora as disputas religiosas no seio da política-administrativa
da Companhia das Índias Ocidentais entre facções gomaristas (protestantes mais
radicais) e arminianos (protestantes menos radicais). A prórpria ascensão econômica dos
Países Baixos no século XVII esteve relacionada a perspectivas religiosas nas visões de
estudiosos como Karl Marx, Max Weber e Werner Sombart. 10

7
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil. – Recife: CEPE, 2004, p. 183.
8
Langenscheidts Grosswoerterbuch, 1998.
9
Essas primeiras justificativas têm a finalidade de antender às proposições feitas por parte da banca
quando da qualificação da tese em outubro de 2007. Outras sujestões terão vez ao longo do texto.
Ressalta-se que, naquela ocasião, o trabalho contava com apenas dois capítulos, apesar de ter as suas
diretrizes já assentadas.
10
Resume bem a relação entre capitalismo e religião o historiador Hugh Trevor-Roper da seguinte maneira;
“Karl Marx via o protestantismo como a ideologia do capitalismo, o epifenômeno religioso de um
fenômeno econômico. Max weber e Werner Sombart inverteram a fórmula. Julgando que o espírito
precedia a letra, postulavam um espírito criativo, “o espírito do capitalismo”. Weber e Sombart, como

11
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Finalmente, o apelo religioso do tema proposto encontra justicicativa num


discurso provocativo de Padre Antônio Vieira, quando o mesmo incitava os fiéis
católicos a pensarem as razões divinas no inferno vivido no Brasil. Diz um trecho do
Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda:

“Se determináveis dar estas mesmas terras aos Piratas de Holanda, porque lhas
não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos serviços vos
tem feito essa gente pervertida e apóstata, que nos mandastes primeiro cá por
seus aposentadores, para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarmos as
Cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregares? Assim se hão de
lograr os hereges, e inimigos da Fé dos trabalhos Portugueses e dos suores
Católicos?” 11

Do lado neerlandês, Johan Baers, testemunha da invasão a Pernambuco, fez a seguinte


prédica em favor da WIC:

“[...] peço a Deus Onipotente que continue a abençoar muito a Companhia


Privilegiada das Índias Ocidentais, e secundá-la na sua boa intenção com a Sua
divina graça e assitência, assim como já obteve e tomou, por Sua divina graça,
por sua grande vantagem e proveito a praça de Olinda, donde brevemente
poderá tornar-se senhora de toda a costa do Brasil. [...] ela [a WIC] pretende a
propagação da Vossa palavra, para que, segundo a Vissa Divina vontade, seja
ensinada e pregada pela força por todo o mundo”.

Logo, a apartir de relatos como os de Vieira e Baers, temos uma conjuntura em que as disputas
religiosas tomavam parte nas questões temporais.

Marx, situavam a ascensão do capitalismo moderno no século XVI, e portanto ambos buscavam a origem
do novo “espírito do capitalismo” nos acontecimentos desse século. Weber, seguido por Ernest Troeltsch,
econtrou-a na Reforma: o espírito do capitalismo, dizia ele, surgiu como conseqüência direta da nova “ética
protestante”, tal como ensinada não por Lutero, mas por Calvino. Sombart rejeitou a tese de Weber e de
fato lhe aplicou alguns pesados e eficazes golpes. Mas, quando fez uma sugestão positiva, produziu uma
tese muito mais vulnerável. Sugeriu que os criadores do moderno capitalismo eram os judeus sefarditas
que, no século XVI, fugiram de Lisboa e Sevilha para Hamburgo e Amsterdã; e remontou o “espírito do
capitalismo” à ética judaica do Talmude”. Ref. TREVOR-ROPER, Hugh. A Crise do Século XVII:
Religiao, a Reforma & Mudança Social. – Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 28.
11
“Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda” Ref. VIEIRA, Antônio.
Sermões. São Paulo: Hedra, 2000, pp. 443-462.

12
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O Outro dado que não poderíamos deixar de mencionar diz respeito aos limites
geográficos da pesquisa. Afora o primeiro capítulo, em que a escala geográfica
alcançará principalmente o Atlântico, notadamente a sua porção sul, ao tratarmos
diretamente do Brasil holandês, a nossa escala se reduzirá a Pernambuco e Paraíba.
Outra oberservação é que nem todos os órgãos da administração holandesa serão
comtemplados neste estudo. Para ser mais preciso, priorizamos o Conselho Político, o
Alto e Secreto Conselho e os Escabinos, estes últimos na esfera do poder local das
12
freguesias.
O corte temporal é o período que se situa entre a conquista (1630) e o último ano
de Maricio de Nassau no Brasil (1644), ainda que as primeiras páginas nos tragam ao
debate o período em torno da presença neerlandesa em Pernambuco, ou seja, a primeira
metade do século XVII.

***

Tomando como exemplo a obra clássica do histroiador Charles Boxer, The


Dutch Seaborne Empire, partimos da idéia que a ocupação do Brasil pela Companhia
das Índias Ocidentais se inscreveu no que ele mesmo chamou de uma verdadeira “guerra
mundial”. A afamada luta dos neerlandeses contra a coroa de Castela provocou efeitos
em escala mundial. Johnathan Israel descreveu bem esse quadro em artigo intitulado A
Conflict of Empires: Spain and the Netherlands 1618-1648, no qual são deslindadas as
origens e conseqüências do luta entre a Espanha dos Filipes e os Paises Baixos da
plutocracia de Amsterdam. 13 O mesmo viu, sobretudo na “Trégua dos Onze Anos”,
entre a Espanha e os Países Baixos, o momento decisivo para a ascenção batava,

12
Para um entendimento preliminar e bastante claro de quais instituições atuaram no Brasil holandês ver:
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil, WAETJEN, Hermann. O império colonial holandês no Brasil e
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo II: A administração
da conquista. Sobretudo, neste último trabalho, há uma parte introdutória que resume muito bem os órgãos
da Companhia das Índias Ocidentais instituídos no Brasil tais quais o Conselho Político, o Alto e Secreto
Conselho, a Diretoria Delegada, o Conselho de Finanças, os Escabinos e Escoltetos, etc.
13
ISRAEL, J. I. A Conflict of Empires: Spain and Netherlands 1618-1648. In: Past and Present, No. 76,
1977, pp.34-74.

13
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concluindo que a mesma “ removeu todos os obstáculos a navegação neerlandsa com


Espanha e Portugal” e que “os anos de trégua coincidiram com a transformação da
14
relação castelhano-neerlandesa em desvantagem para a Espanha”. E é nesse quadro
maior, melhor dizendo, nessa “escala maior” que se localiza o tema da presença
holandesa no Brasil. Para uma “escala mundial” não faltam estudos importantes como
os de Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Ambos não resistiram à “tentação” de
dedicar partes de seus estudos à ascensão dos Países Baixos à condição de potência na
primeira metade do século XVII. 15
Apesar de transitar pela escala mundial, o primrio capítulo é dedicado às
dimensões atlânticas do império holandês. Portanto o seu título Brasil holandês: uma
história do Atlântico reforça da idéia de que a presença holandesa em Pernambuco não
está circunscrita à história apenas de Pernambuco ou do Brasil, mas à história do
Atlântico sul. É bem verdade que, nos últimos anos, tem estado em voga alguns
trabalhos incluindo o Atlântico como espaço de análise. No caso da história do Brasil,
chame-se a atenção para o estudo de Luiz Filipe de Alencastro O Trato dos Viventes:
formação do Brasil no Atlântico sul. Muito embora este autor tenha tratado do que ele
mesmo chamou de um “arquipélago lusófono composto dos enclaves da América
portuguesa e das feitorias de Angola”, separados e ao mesmo tempo unidos pelo
Atlântico, não prescindiu a uma análise do impacto que os holandeses provocaram nesse
quinhão precioso do Império português. 16 Também não podemos esquecer que os
nerlandeses, sobretudo no caso do Brasil, passaram a interferir em algumas “redes
governativas no Atlântico Sul”, sobre o que trabalhou Maria de Fátima Gouvêa. Para
esta historiadora, a administração portuguesa no Atlântico encontrou nos casamentos e
nas relações de confiança e amizade em geral a tônica para a “estruturação do campo
econômico, via o político e o social”. 17 Afinal de contas, a invasão holandesa atingiu

14
Ibid, p. 37. ainda segundo o autor: “ Cleary the truce years were a period of dramatic expansion in Dutch
navigation and trade ans Philip III’s ministers were inclined to link the two phenomena as cause and
effect”.
15
Cito aqui os respectivos trabalhos Economia, Sociedade e Capitalismo (Braudel) e O Sistema Mundial
Moderno (Wallerstein).
16
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. – São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. Especificamente o capítulo VI, intitulado “as guerras pelos mercados de
escravos”.
17
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Conexões imperiais: oficiais régios no Brasil e em Angola (c. 1680-
1730). In: Modos de Governar ... p. 179.

14
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em cheio o comércio transatlântico que ligava Portugal, Pernambuco e Angola através


do açúcar, pau-brasil e escravos. Evidentemente, isso afetou as redes comerciais que
interligavam esses três pontos do Atlântico.
Essa referência ao espaço Atlântico é presente sobretudo em trabalhos relativos ao
comércio transatlântico de escravos. 18 Pieter Emmer é outro autor que desenvolveu bem
a expansão neerlandesa no Atlântico.
O ponto central do capítulo são as experiências luso-neerlandesas no Atlântico,
destacando a expansão holandesa na África e no Brasil. Merece destaque o caráter
Atlântico da guerra de resistência em Pernambuco, tendo como exemplo os
deslocamento de tropas e o abastecimento das milícias pernambucanas. Merece destaque
também o fato de que a ocupação de Pernambuco mexia com a geopolítica das coroas
ibéricas com relação a possível ocupação holandesa, a partir de Pernambuco, de outras
19
partes do Brasil como Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará. Convém não esquecer
que a preocupação com a porção norte do Brasil se deu em função com a proximidade
com o Caribe, que era por ande era escoada oficialmente a prata vinda de Potosi.
Preocupação, ressalte-se, mais para a Espanha a esse respeito.

18
Sobre os clássicos trabalhos acerca da escravidão no Atlântico veja-se: BOOGAART, Ernest van den.
The trade between Wersten África and the Atlantic World, 1660-90. In: Journal of African History, 1992,
pp. 353-75; BOOGAART, Ernest van den e EMMER, Pieter C. The Dutch participation in the Atlantic
slave trade 1596-1650. In: J. Hogendorn e H. Gemery. The uncommon market, Nova York, 1979, pp. 353-
375. DUNN, Richard. Sugar and Slaves – The rise of the planter class in the English West Indies, 1623-
1713, Londres, 1972; ELTIS, David. Economic growth and the ending of the transatlantic slave trade. Nova
York. 1987. Idem, The relative importance of slaves and commodities in the Atlantic trade of seventeenth
century Africa. In: Journal of african History., vol. 35, 1994, pp. 237-249; EMMER, Pieter. The Dutch and
da making of the second Atlantic system. In: Barbara L. Solow (org). Slavery and the rise of the Atlantic
system. Nova York, 1991, pp.71-95; FAGE, J. D. African societies and the Atlantic slave trade. In: Past
and Present, No 125, 1989, pp. 97-115; KLEIN, Herbert S. O tráfico de escravos no Atlântico. – Ribeirão
Preto, SP: FUNTEC Editora, 2004; Idem, Recent trends in the study of Atlantic slave trade. In: História y
Sociedad, vol. I, No 1, Porto Rico, 1988; KLEIN, Martin. The impacts of the Atlantic slave trade on the
societies of Western Sudan.. In: The Atlantic slave trade – effects on economies, societies, and peoples in
Africa, the Americas and Europe. Londres, 1992; MILLER, Joseph. Mortality in the Atlantic slave trade –
Statistical evidence on causality.In: Journal of Interdisciplinary History, 1981, pp. 385-423; POSTMA, J.
M. The Dutch in the Atlantic slave trade (1600-1815). New York, 1980.; idem, The dispersal of African
slaves in the West by Dutch slae traders. In: J. E. Inikori e S. L. Engerman. The Atlantic slave trade –
effects on economies, societies, and peoples in África, the américas and Europe. Londres, 1992; RUSSEL-
WOOD, A. J. R. Iberian expansion and the issue of Black slavery – Changing Portuguese attitudes 1440-
1770. In: The American Historical Review, Vol. 83, No 1, 1978, pp.16-42.
19
Para esta parte do trabalho foram importantes algumas fontes portuguesas acerca da capitania de
Pernambuco e colhidas no Projeto Resgate. Inclusive mostrando qual era o estado dessa capitania nos anos
que precederam a invasão em fevereiro de 1630. Isso tem como objetivo maior mostrar o “mundo” (já em
plena formação) que os holandeses encontraram.

15
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Para o historiador holandês Pieter Emmer, o Atlântico sobre o qual falamos


oferecia aos holandeses uma boa possibilidade para os mesmos “se beneficiarem de sua
20
economia”, diferenciando-se dos modos de colonização espanhola. Passaram a
utilizar, a partir da ocupação do Nordeste, entrando com tudo nos “cultivos comerciais”
(expressão do autor) do açúcar baseado em mão-de-obra africana. Os nerlandeses
tornaram-se, portanto, “a prirmeira potência do norte da Europa a controlar um
complexo agrícola”. 21 Como influência direta da natureza das terras tropicais, lugares
como Barbados, Jamaica e Pernambuco apresentavam fatores favoráveis à atividade
canavieira tais quais: clima tropical, fácil acesso para as embarcações e “ventos aliseos
para fazer funcionar os moinhos e um bom solo”. 22
O Nordeste esteve no centro desse “Atlântico holandês”, uma vez que serviu de
ponte para a conquista de importantes portos da África centro-ocidental como São Jorge
da Mina e Luanda. Mas a ocupação e conquista do Nordeste se deu em meio a muita
guerrilha, sendo ajudada pela queda do Arraial Velho do Bom Jesus (1635). Nos anos de
1635 e 1636, que precederam à vinda de Maurício de Nassau, a Companhia das Índias
Ocidentais começou a aliciar, em maior quantidade, “aliados” luso-brasileiros que não se
retiraram para a Bahia. Esse é o assunto do terceiro capítulo, que terá como objetivo
principal comtrar que, antes da chegada de Nassau, nem tudo era guerrilha. Esboçava-se,
nesse curto período, o que as fontes chamam de kleine profijten (pequenos lucros ou
proveitos). Nesse período, esteve à frente da administração, em nome da WIC, o
Conselho Político. Os seus membros, por sua vez, intiraram-se cada vez mais da malha
hidrográfica nordestina e deram vez a uma administração que se desenvolveu
primeiramente entre o Recife, Goiana e an. Para tal, utilizaram-se de pequenos iates e
chalupas na incursão de vários cursos d’água como o Capibaribe, Goiana, Ipojuca, entre
outros. Rios que, no dizer quase literário de Gilberto Freyre, se prestaram bem a

20
EMMER, Pieter. Los holandeses y el reto Atlântico em el siglo XVII. In: PÉREZ, José Manuel Santos;
SOUZA, George Felix Cabral de (org). El Desafio holandês al domínio ibérico em Brasil em el siglo XVII.
Slamanca: - Aquilafuente, 2066, p. 22. As principais características da colonizacao ibérica, sobretudo
espanhola, eram: papel importante do assentamento, investimento de grande soma de dinheiro na América
tropical e exploração de metais preciosos mediante trabalho indígena (cada vez mais em desuso nos fins do
século XVII).
21
Ibid. p. 23.
22
Idem. Segundo o autor, “en las plantaciones situadas cerca de águas com muchas mareas se podían
aprovechar las subidas e bajadas de estas mareas para hacer funcionar los ingenios de azúcar”.

16
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“colonização agrária da região”. Rios, portanto, “do açúcar”. 23 Assim, as mesmas


embarcações que transportavam soldados e armas, transportavam também os
administradores da conquista e protagonizavam um clima de relativa paz com os luso-
brasileiros. Temos, então, nos anos que antecedem à presença de Nassau no Brasil, um
principio de administração num quadro em que nem todas as tintas eram pintadas com as
cores da guerra. É nessa fase da ocupação que o binômio gerra/administração caminham
lado-a-lado.
Se a perspectiva de uma administração holandesa quase inexistente em função de
um clima de constante guerrilha, isto se deve sobretudo à narrativas produzidas pelos
cronistas da guerra holandesa como Diogo Lopes Santiago e Duarte de Albuqueque
Coelho. Naturalmente, no intento de reforçar o calor da resistência hispano- luso-
brasileira, esses cronistas- militares não tocaram no assunto, o que era de se esperar. 24
Soma-se o fato de que o trabalho de Lopes Santiago, Memórias Diárias da Guerra do
Brasil, adquiriu um tom claramente panegírico à figura de João Fernandes Vieira, o
maior líder do movimento da Restauração Pernambucana.
Considerar esse espraiamento e consolidação da navegação fluvial na
administração da WIC no Brasil nos fornecerá argumentos para admitir que Mauricio de
Nassau, ao chegar em 1637, já se beneficiou desse sistema montado, em que a própria
noção territorial eu os neelandeses tinham do Nordeste era bem melhor que em 1630, ano
da invasão.
O terceiro capitulo emprestará à política-administrativa nassoviana (1637-1644)
um clima de constante crise. É dessa forma que procuraremos tratar da constante crise de
abastecimento da conquesten batava, sobretudo de farinha de mandioca. Assim, a um
clima de franca recuperação da economia açucareira, afastada a fase dos engenhos
destruídos pela “guerra velha”, a deficiência de abstecimento das tropas corroe a
governabilidade do “príncipe humanista”. Portanto, o que poderia ser visto como uma
“administração bem sucedida”, por um lado, pode ser visto como uma administração a
um passo do colapso. Vemos então um grave problema na pax nassoviana. Merecerá

23
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vidae a paisagem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 58.
24
COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil. – São Paulo: Beca, 2003.
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE, 2004.

17
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também destaque a forma como Maurício de Nassau é apresentado na história do Brasil,


conquanto essa reflexão já tenha sido feita com mais vagar e competência por Evaldo
Cabral de Mello. 25 O ponto-chave deste capítulo é o fato de que a fase de maior conquista
territorial da Companhia das Índias Ocidentais no Atlântico sul foi afetada por crises
como a de abstecimento e a da instalação dos poderes locais através das câmaras de
escabinos, que serão vistos no capítulo final.
Por último, os “poderes locais”. Através da análise do cotidiano das câmaras dos
escabinos no Brasil holandês, como representante do poder local nas diversas freguesias
da coquista, procuraremos ver mais um obstáculo à administração nassoviana. A prática
revelou-se bem diferente da idéia. José Antônio Gonaslves de Mello e Charles Boxer
comparam as câmaras dos escabinos (juízes de primeira instância) às câmaras no mundo
português. Seriam, pois, o equivalente lusitano do poder local. Mário Neme, ao contrário,
apresentou diversas diferenças entre ambas instiuições. 26
Como visto, não foram apenas as redes comerciais do Atlântico Sul (que
passavam pelo porto do Recife) que foram atingidas pela invasão holadesa, mas também
a estruturas político-administrativas locais. Nesse sentido, a câmaras de Olinda, Goiana e
da Paraíba, para não citarmos outras de menor expressão, deram lugar a uma
conformação de poder local em que os escabinos representavam uma espécie de tribunal
menor a serviço da administração superior da WIC no Brasil.
Essa estrutura de poderes locais, que teve curso na administração de Maurício de
Nassau, será vista, na prática, como um modelo problemático em meio a desconfianças
por parte dos batavos. Assim, em plena administração nassoviana, período tido como o de
maior expressão da presença neerlandesa no Brasil, veremos como os poderes locais se
apresentavam como problemáticos. Período em que a guerrilha constante havia
arrefecido, a fase nassoviana amargou uma administação em constante crise. Assim, à
parte os “grandes lucros” (groote profijten) auferidos pela WIC nessa fase (1637-1644), a
administração do Brasil holandê se apresentava como frágil. Essa perspectiva parece
contrastar bastante com o que considerou José Higino Pereira mais de cem anos atrás

25
Ver MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. – Rio de
Janeiro: Topbooks, 1997. Principalmente o capitulo intitulado “Nostalgia nassoviana”.
26
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês; BOXER, Charles.
Os holandeses no Brasil. NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil holandês. São Paulo: - Ed. da
Universidade de São Paulo, 1971.

18
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quando afirmou, numa sessão do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico


Pernambucano que “entre o período da conquista e a guerra da restauração houve um
intervalo de paz com os moradores, durante o qual um príncipe ilustre da casa de Nassau
organizou a colônia holandesa, introduzindo os costumes e as instituições nacionais”. 27
Em linhas gerais, este trabalho mostrará que, no período pré-nassoviano, ainda
que marcado pela guerrilha, havia administração da WIC no Brasil, enquanto que, na fase
nassoviana, reputada por boa parte da historiografia do tema como sendo o apogeu
daquela administração, a governabilidade estava por um fio.

***

Algumas considerações devemos fazer sobre as fontes neerlandesas utilizadas ao


longo desse trabalho. Trata-se, em geral, da Coleção José Higino e se encontra no
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP). A mando do
governo da Província de Pernambuco e por inicativa do Instituto Arquelógico, José
Hygino Guarte Pereira (1847-1901), empreendeu pesquisas nos Arquivos dos Estados
Gerais e no da Companhia das Índias Ocidentais nos anos de 1885 e 86. 28

27
Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Sessão especial de 9 de maio de 1885.
p.8 In: Revista do IAHGP, Nos 29-30. Reedição fac-similar. Recife, 1977.
28
Ambos os fundos documentais passaram, a partir de 1856, a fazer parte do Arquivo Geral do Reino dos
Países Baixos de Haia. Ref. Guia de fontes para a história do Brasil holandês: acervo de manuscritos em
arquivos holandeses. (orgs) Marcos Galindo e Lodewijk Hulsman. Parte das fontes utilizadas na tese foram
traduzidas pelo projeto Munumenta Higinea, levado a cabo pelo professor e biblioteconomista Marcos
Galindo a partir de 2004. A tradução de algumas fontes da coleção José Higino (as Dagelijckse Notulen dos
anos de 1635 e 36) ficou a cargo de Pablo Bruins e Anne Blockland. Nas restantes, a responsabilidade é
toda do autor do presente trabalho. Na introdução de Tempo dos Flamengos, José Antônio Gonsalves de
Mello fez questão de destacar que a Coleção José Hygino era “a mais completa coleção existente, fora da
Holanda, de documentos sobre o período da dominação neerlandesa do nordeste brasileiro. Nem sobre
outra documentação é que se baseou-o, sob certo aspecto, melhor trabalho sobre o assunto: o livro do
professor da Universidade de Munster Dr. Hermann Waetjen, Das hollaendische Kolonialreich in Brasilien
[nesta tese utilizaremos a versão em português intitulado O Império Colonial holandês no Brasil]. Ref.
MELLO, op. cit., p. 22. O autor ainda chama atenção para o fato de que a sobredita coleção comporta
“volumes de documentos que hoje [1947] não se sabe se serão ainda encontrados na Holanda, talvez tendo
tido o fim de tanta coisa valiosa, durante esta segunda grande guerra”. Também ressaltou Leonardo Dantas
Silva, sobre a Coleção José Hygino, que foi “graças a tão importante acervo documental, pôde Alfredo de
Carvalho (1870-1916) e Francisco augusto Pereira da Costa (1851-1923) publicar, na Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico Pernambucano, algumas traduções de documentos preciosos bem como vários

19
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Mais especificamente, a Coleção José Higino comporta fontes extraídas do


arquivo da Câmara da Zelândia (uma das que formavam a Companhia das Índias
Ocidentais). Trata-se de dois grupos documentais menores: as Brieven en Papiren uit
Brazilie (Cartas e papéis do Brasil) e as Dagelijkse Notulen (Notas Diárias do Governo
holandês no Brasil). A principal diferença entre o primeiro e o segundo grupo de fontes é
que, enquanto as Brieven assumen o caráter de cartas emitidas por elementos ligados à
administração ou não aos Países Baixos, as Notulen são extratos de reuniões passados à
administração supeiror da Companhia (o Conselho dos XIX) ou os Estados Gerais pelos
administradores da conquista. Soma-se o fato de que algumas Brieven podem chegar a
conter mais de duas dezenas de páginas, sendo, em geral, bem mais extensas do que as
Notulen ou atas.
Dada o seu caráter mais cotidiano da administração neerlandesa no Brasil, as
Dagelijkse Notulen nos fornecem mais riquezas de detalhe do dia-a-dia da vida na
conquesten batava. Sobre isso se expressou o autor de Tempo dos Flamengos ao ter
confidenciado que

“incontestavelmente, a coleção Dagelijckse Notulen’ constitui um repositório de


dados a que poucas épocas da vida colonial brasileira podem se equiparar em
riqueza de documentação. Se se disser que aí estão referidos, dia por dia, todas as
questões levadas à decisão do Conselho Político, a princípio (1630-1636), do
Alto e Secreto Conselho (1637-1646) e do Governo Supremo (1647-1654)
29
compreender-se-á a importância dessa coleção de Mss.”

Não é à toa que, ainda em consonância com o que afirmou José Antônio
Gonsalves de Mello na passagem acima, as Notulen nos serão de grande utilidade quando
abordarmos a questão dos pequenos lucros, das pequenas embarcações e do dia-a-dia do
poder local no Brasil holandês.

ensaios sobre o Brasil holandês sem a necessidade do Brasil; o mesmo acontecendo nos anos quarenta deste
século com José Antônio Gonsalves de Mello”. Ref. Fontes, op. cit., p. XXXIII.
29
MELLO, op. cit., p.24.

20
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As fontes neerlandesas nos fornecem, em última instância, um bom manancial


para a história do Atlântico sul. Em meio a esse espaço, o Recife adquiriu um papel
importante como ponto de convergência das cartas que noticiavam os sucessos e revezes
da Companhia das Índias Ocidentais. Outras notícias dos próprios Países Baixos
chegavam a Pernambuco dando novidades da guerra que se travava entre prostestantes e
católicos.
Por fim, podemos estabelecer algumas comparações entre as fontes neerlandesas e
as fontes luso-brasileiras que serão utilizadas no curso desse trabalho. É que estas
últimas, notadamente as procedentes do Arquivo Histórico Ultramarino, expressam, cada
qual, uma ‘tema’ ou assunto específico (decretos, provisões, etc) enquanto que as
Notulen, pela sua própria natureza, condensam uma série de referências as mais díspares
possíveis. Se atentarmos, mais uma vez, para as fontes neerlandesas, veremos que elas
contêm informações por vezes ignoradas (proprositadamente ou não) nos cronistas
portugueses. Assim é que apenas nas fontes neerlandesas podemos ter a noção mais clara
da penetração da WIC e do seu corpo administrativo nos rios do Nordeste. As crônicas
luso-brasileiras, pelo contrário, perocupadas mais em contar o heroísmo do processo de
resistência dos “da terra”, realçou mais o constante clima da guerrilha bem como das
“vexações” porque passava a população do interior das capitanias de Pernambuco,
Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte.

21
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Capitulo I

Brasil Holandês: Uma história do Atlântico

1. Experiências ibéricas e neerlandesas

Eis um trecho de uma descrição portuguesa da região de Serra Leoa, por volta de
1625:
“A verdadeira Serra Leoa, que se pode povoar e aproveitar, são umas
montanhas que estão entre o Nijota Garim, que fica ao norte, e a angra de
Bagara Bomba, que fica ao sudeste e sul; pela banda do ocidente, tem as
ilhas Bravas e o mar oceano etiópico [...] Cabo Ledo que está a oito graus
da banda no norte e o Cabo Rapado, que está indo para Bagara Bomba em
sete graus e meio, onde ficam de fronte as Ilhas Bravas, bem perto da
terra, as quais estão desertas por serem pequenas, mas povoadas de sidras,
laranjas, limões, bananas e outras frutas, que a natureza cria; [...] O
principal lugar em que se pode povoar é em duas partes a saber, na
aguada onde haverá muito grosso trato por mar e terra, mas é necessário
fortaleza por causa dos inimigos piratas holandeses e outras nações...” 30

Eis, também, um trecho de uma descrição holandesa da Capitania de Pernambuco,


feita pouco depois da invasão de 1630:

“Em primeiro lugar, a jurisdição de Pernambuco estende-se até o Rio São


Francisco, cerca de 40 milhas para o sul; nesta região os poucos
habitantes, quase todos pastores, vivem unicamente de bois e vacas, para
a criação dos quais a terra se presta muito. [...] Das Curcuranas à cidade
de Pernambuco [Olinda] há umas cinco milhas também para o interior,
notam-se ainda outros lugares: os Guararapes, Jaboatão, Muribara,

30
Monumenta Missionária Africana. África Ocidental (1623-1650). Segunda Série. Vol. V. P. 91 e 95.
Trata-se do Memorial de André Donelha a Francisco Vasconcelos da Cunha (7-11-1625). Este último,
por sua vez, fora nomeado há pouco, Governador de Cabo Verde.

22
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Camassarim e Várzea do Capibaribe; deve haver em todos esses lugares


bem 24 ou 26 engenhos, dos quais 13 ou 14 numa bela planície
denominada Várzea do Capibaribe, a 2 ou 3 milhas da cidade. [...]” 31

Ambas as descrições remetem a um ponto: a presença holandesa no Brasil resulta,


pois, de uma espacialidade maior. Assim, portugueses na África Ocidental “de olho” na
natureza, nas pessoas, nos “inimigos” do Velho Mundo, etc. Da mesma forma, no Brasil,
holandeses tentando desvelar um mundo que ambicionavam ocupar. E, de fato, o fizeram.
Na prática, um mundo de olho no outro, iam criando, cada qual a seu modo, impressões
de como o outro geria as suas conquistas. No caso de Pernambuco, foi um belga, Adrien
Verdonk um dos primeiros a descrever com acuidade a costa da Capitania de
Pernambuco aos holandeses. Relatos estes, em sua maioria, com informações
pretensiosamente precisas. Os de Cabo Verde também não ficariam para trás.
A presença da Companhia das Índias Ocidentais em Pernambuco e em outras
partes do Nordeste não é tema apenas pertencente única e exclusivamente à história de
Pernambuco ou mesmo do Brasil. Trata-se de uma história do Atlântico. Pode até chegar
a ser mundial, como propôs Charles Boxer num de seus célebres estudos acerca do
Império português. A história do Brasil Holandês é a que envolve três mundos: o
espanhol, o português e, é claro, o dos Países Baixos.
A fim de exemplificar as conexões desse vasto mundo atlântico poderíamos citar
dois casos: um primeiro seria o fato de que muitos escravos levados para Manhatan, pelos
holandeses, vinham de Angola, levavam nomes portugueses e, na viagem atlântica, eram
capturados por navios holandeses. Em Pernambuco, no primeiro quartel do século XVII,
podemos encontrar um caso em que um agente da Coroa (espanhola) pediu para ocupar
um cargo administrativo nesta capitania em troca de serviços prestados em Tânger e

31
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo I: A economia
açucareira. MEC/SPHAN/Fundação Pro-Memoria. Recife, 1981. PP. 35 e 39. Trata-se da Memória
oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco sobre a
situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande
segundo o que eu, Adrien Verdonk, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630.

23
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Angola. Assim transitavam os homens, livres ou não, comerciantes, religiosos, militares,


burocratas, escravos.32
Neste trabalho não pretendemos analisar a Companhia das Índias Ocidentais
(WIC) no universo atlântico em profundidade, tarefa essa impossível em uma só tese e
que soaria como pretensão. Contudo, ao não relacionarmos a presença batava em
Pernambuco com uma escala maior de análise, estaríamos tapando os olhos ao que tem
em comum (ou incomum) os Países Baixos e o mundo ibérico na primeira metade do
século XVII. Tampouco se trata aqui de fazermos uma história comparativa destes dois
mundos. Veremos tão somente as vicissitudes da administração holandesa no Brasil,
sobretudo durante a administração nassoviana. O título escolhido para representá- la O
desconforto da governabilidade33 , parafraseando o reconhecido estudo do historiador
Simon Schama acerca da cultura holandesa na sua idade de ouro, talvez seja o que melhor
represente as injunções daquela administração e, até mesmo, o próprio século XVII.
Sobre isso escreveu sabiamente Eduardo D`Oliveira França, quando denominou este
século como sendo o de “procura de ordem”. Segundo França, “século dominado pela
preocupação de impor ordem. Ordem política. Ordem social. Ordem econômica. Ordem
religiosa. Ordem no pensamento. Ordem na arte. Na linguagem. Nas relações
34
internacionais”.
Num plano geral, as lutas atlânticas que envolveram o Brasil e os Países Baixos
tiveram como pano de fundo

“a vida religiosa arrepiada pela Reforma Protestante. As concepções


filosóficas renovadas pelo humanismo. A visão material do mundo
desmesurada pelas descobertas. A ordem política refeita pela centralização
monarca. [...] as sangrias demográficas da colonização e as profundas
alterações da vida cotidiana de cada um em conseqüência de tudo isso”35 .

32
Neste caso em especifico, a transferência de militares dá-se pelos serviços prestados à coroa através de
um sistema de nobilitação quer seja por descendência nobre ou mesmo por serviços prestados ao rei. Sobre
isso, podemos citar o trabalho de Maria Beatriz Nizza da Silva, Ser Nobre na Colônia.
33
SCHAMA, Simon. O Desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro, uma
interpretação. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
34
FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração. – São Paulo: Editora Hucitec, 1997,
p.35.
35
Ibid.

24
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O fato de, nesse estudo, a questão administrativa ganhar maior relevo, não quer dizer que
desconsideramos os embates religiosos entre papistas e protestantes. Nas próprias fontes
holandesas, as dissensões religiosas ocupam páginas importantes.36
Nesse mundo atlântico se insere a Capitania de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba,
Rio Grande (do Norte), Ceará e Maranhão. Foram estes os espaços ocupados pela
Companhia das Índias Ocidentais tendo como capital o Recife. Contudo, a presença mais
intensa de batavos no Brasil se deu em Pernambuco, Itamaracá e Paraiba. A partir daqui,
alcançaram São Jorge da Mina (1637) e Luanda (1641). Coroava-se ai um “plano
atlântico” da companhia batava. O tenebroso, como era chamado o Atlântico, era também
neerlandês.
Os diretores da WIC, com relação ao comércio, aconselharam a Nassau, quando
de sua administração, e ao Alto Conselho que todos os navios vindos da Holanda
aportassem diretamente no Recife, pelo fato de aí ser o lugar “onde as mais altas
autoridades residem”.37 Com isso, transformavam esta cidade no único centro comercial
do Brasil holandês. Com relação a esta atitude da Companhia, reforçou Luís da Câmara
Cascudo a posição do Recife e da Cidade Maurícia como o centro único do comércio da
WIC no Brasil. Segundo ele, isto tem a ver com uma prática adotada na Europa do Norte.
Ali, nas observações de Câmara Cascudo, se determinavam “as feiras, os pontos centrais
e únicos de concentração e traficância ”.
Evidentemente, na medida em que os Países Baixos se firmavam nesse espaço
outrora praticamente dominado pelas coroas ibéricas, tentativas fracassadas ocuparam um
espaço importante nessa ascensão neerlandesa. Chegaram vagarosamente à costa africana
desde fins do século XVI e inicio do XVII. Ocuparam Salvador por um ano (1624-25).
Aprisionaram o carregamento espanhol de prata em Cuba (1628). Estes são alguns
exemplos de conquistas. Contudo, muitos são os de fracassos. Talvez o maior deles tenha
sido com relação ao clima, tropical, quente e úmido, que envolvia e fazia adoecer as

36
Para maior compreensão dos problemas religiosos no Brasil Holandês, ver o clássico estudo do
historiador Frans Leonard Schalkwijk. (Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630-1654. – São Paulo:
Cultura Crista, 2004) Sobre a questão judaica é importante, entre outros, o clássico trabalho de José
Antonio Gonsalves de Mello (Gente da nação. – Recife: Massangana, 1978)
37
Dagelische Notulen. 02/06/1637. Coleção José Hygino. IAHGP.

25
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tropas da WIC com seus soldados neerlandeses, poloneses, alemães, belgas e ingleses.
Fugiam do inferno da Guerra dos Trinta Anos para o mundo das doenças tropicais. As
mesmas não podiam deixar de afetar a lenta adaptação daqueles soldados às matas do
Brasil. Disso nos dá testemunho o diário de guerra escrito por Ambrósio Rischoffer,
soldado a serviço da WIC em Pernambuco.
Do recrutamento na Europa às matas do Nordeste brasílico, as adversidades se
colocavam entre as fantasias que alimentavam aqueles soldados, quase sempre de origem
pobre, e o que os mesmos teriam que enfrentar no cotidiano da guerrilha. Na Holanda, o
desejo de melhorar de vida através do serviço de três anos na Companhia. No Brasil, o
desejo de sobrevivência ao inferno que a guerrilha os propiciava. Logo se veria a WIC na
difícil tarefa de conquistar um espaço ao mesmo tempo em que administrava infortúnios.
Sobre o destino daqueles soldados, muitas vezes as decisões em servir e para quem servir
eram tomadas no calor do momento. No caso do Rischoffer, natural de Strassburgo,
temos a seguinte prova desta situação:

“A nossa intenção era seguirmos para a Índia Oriental, mas, como não se
nos oferecesse ocasião para fazê- lo, e a Companhia das Índias Ocidentais
estivesse recrutando fortemente, fiz- me alistar junto com o meu camarada
Filipe de Haus, por oito florins holandeses mensais ...”38

Ambrósio Rischoffer, ainda em abril de 1629, a partir da feira de Frankfurt, desejou se


lançar à vida de soldado mercenário, navegou pelo Reno até a Holanda, de onde
embarcou para o Brasil a partir do porto de Texel, na Holanda. Ele veio na armada que
conquistou Pernambuco. A sua sorte foi a de muitos outros que, meio por acaso, entraram
nesse labirinto atlântico. A sua “experiência atlântica”, segundo o mapa de sua viagem,
levou-o a Lisboa, Açores, Canárias, Cabo Verde, Fernando de Noronha, Pernambuco,
Haiti e Cuba, antes de retornar ao mesmo porto de onde partira nos Países Baixos.
Essa experiência não se limitou aos soldados, mas se estendeu aos outros oficiais
superiores, sargentos, ‘cabos de guerra’, burocratas civis, cidadãos. Da mesma forma, do
lado português, não foram raros os casos em que homens saiam do Lamego, Trás-os-

38
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diário de um soldado. – Recife: CEPE, 2004. P. 7.

26
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Montes e, do porto de Viana, ganhavam o mar em direção à guerra de Pernambuco39


após a invasão batava em fevereiro de 1630.
Acompanhando a circulação dos homens vinha, inevitavelmente, a dos produtos.
Comércio e abastecimento de tropas coexistiam e faziam da ocupação holandesa do
Brasil um acontecimento que produziu conseqüências internacionais. Basta citar um caso
de remessa de tropas e dois galeões espanhóis que se abasteciam de trigo, vinho e carne
de porco na Andaluzia pelo fato de “lá serem estes bens mais baratos e em conta”. Isto se
deu já pela altura de 1635, na agonia da refrega que empreendiam os batavos na
conquista do Arraial Velho do Bom Jesus. Navios municiados com arcabuzes e
mosquetes desembarcados pelo porto de Biscaia; soldados e marinheiros vindos de
diversas comarcas portuguesas, todos com destino a algum porto da Capitania de
Pernambuco para abastecer a gente de guerra na sua resistência inglória.
Os holandeses, por sua vez, mesmo em Pernambuco, tinham notícias da guerra
que os Países Baixos empreendiam contra a Espanha. Assim foi que, numa Ata do
Conselho Político Holandês, de meados de 1635, ficaram sabendo no Recife da vitória
das tropas comandadas pelo Príncipe de Orange nas praças de Landen, Thienen, Wahen e
Brussel. Essa notícia foi trazida pelos tripulantes do navio Elckmaer, que aportou no
Recife no dia 30 de agosto daquele ano.40
A simples iminência da guerra cria naturalmente um clima de medo, confirmando
o conhecido trabalho de Jean Delumeau. Foi durante a ocupação holandesa em Salvador,
em 1624, que a coroa ibérica ficou de sobreaviso para que o “inimigo herege” não se
espalhasse pelas outras capitanias. Em julho deste mesmo ano, numa consulta do
Conselho da Fazenda ao rei Filipe III, é dito que se pague a pólvora que deve ir para a
Capitania de Pernambuco sendo descontado o montante com o dinheiro que devia o
Consulado da Casa da Índia aos celeiros de trigo de Serpa e Moura, em Portugal.41
Notamos, portanto, não apenas o caminho físico das provisões, mas, sobretudo o caminho
burocrático. A situação de Portugal, subordinado à coroa de Castela, poderia aumentar o

39
Expressão frequentemente encontrada em fontes coêvas para designar a primeira fase da resistência ludo-
brasileira aos holandeses de 1630 à 1636.
40
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.
41
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D. 100.

27
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tempo de espera por alguma decisão contrária. Dez anos depois, essa demora custaria
muito aos luso-brasileiros que defendiam Pernambuco.
Sobre o comércio de pau-brasil, temos a entender um pouco sobre o
funcionamento do frete. Na década anterior a ocupação de Pernambuco pela WIC, são
vários os casos em que o almoxarifado desta Capitania informava ao rei acerca do
pagamento do frete de pau-brasil que se envia ao reino com o dinheiro dos “direitos do
contrato dos escravos de Angola”. Renda dos contratos de transporte e comercialização
de escravos de Angola pagando aos mestres dos navios que transportavam pau-brasil para
a Europa. Só num semestre, de 400 a 500 quintais da madeira saíram de Pernambuco
dessa forma. Vale dizer que se solicitava o pagamento através da Fazenda Real.42
Esses exemplos nos fornecem os bastidores da ‘opulenta’ capitania fundada por
Duarte Coelho e gente de sua cepa, assim referida pelo Frei Manuel Calado às vésperas
de ser invadida pelos holandeses. Foi esse o mundo que os holandeses encontraram. É
bem verdade que, do ponto de vista do frei, as coisas tivessem se dado mais em função de
um castigo divino, visão essa muito própria de um século barroco, do que mesmo por
injunções meramente temporais. A invasão holandesa a Pernambuco era, pois, um castigo
divino. Em suas palavras, era a reprimenda a uma terra onde “as usuras, onzenas, e
ganhos ilícitos era cousa ordinária, os amancebamentos públicos sem emenda alguma,
porque o dinheiro fazia suspender o castigo, as ladroices, e roubos sem carapuça de
rebuço ...”43 Enfim, são muitas as comparações que o frei faz de Olinda a Sodoma e
Gomorra de forma a justificar as vicissitudes temporais dentro de um plano divino.
Outra relação a “escala Atlântica” do problema que pretendemos discutir seria a
que liga a crise da produção açucareira em Pernambuco, na segunda década do século
XVII, e uma crise conjuntural da própria economia Atlântica. Essa relação foi
evidenciada, para o estudo do Brasil holandês, por Evaldo Cabral de Mello, baseado nos
trabalhos de Pierre Chaunnu e Fréderic Mauro. Sobre isso, afirmou Cabral de Mello:

42
Verificando os meses de janeiro, fevereiro e março de 1624, podemos computar nove casos desse tipo,
perfazendo um pouco mais de 400 quintais de pau-brasil. Ref. LAPEH (UFPE). Projeto Resgate.
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Docs. 87/88/89/90/91/92/93 e 96.
43
CALADO, Manoel, [1584-1654] O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade. – 5.ed. – Recife. CEPE,
2004. V.l., p. 39.

28
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“As conclusões a que chegou Fréderic Mauro apontam na mesma direção


[das conclusões de Chaunnu]: a uma fase de expansão da economia
açucareira até cerca de 1600, caracterizada pelo crescimento da produção
e pelo aumento dos preços, suceder-se-á uma fase de estabilização que se
prolongara até pelas alturas de 1625”. 44

Podemos perceber que, pelo menos do ponto de vista da economia açucareira, o


contexto de ocupação holandesa na Bahia (1624) e em Pernambuco (1630), era mesmo o
de crise do açúcar. A ocupação obedecia também a outros móbiles. Prova disto é o que
podemos encontrar na documentação holandesa referente a Pernambuco. Aqui, não são
menos importantes os interesses da WIC no comércio de madeira, de escravos e, não
raro, a insistência em encontrar ouro e prata no Novo Mundo.
Sobre o interesse neerlandês em metais preciosos, uma questão: teriam eles,
através do Brasil, a franca intenção de “cercar” a América espanhola e estarem mais
próximos da prata de Potosí. Talvez sim, dado que a expedição feita ao Chile pelo
Capitão Browser, a partir do Recife, em 1643, reforça essa intenção. Evidentemente, não
desmereçamos o papel do açúcar neste jogo.45
Assim como os portugueses, os holandeses tinham as suas superstições. Quando
de um eclipse solar ocorrido em dezembro de 1640, contou Gaspar Baléus que algumas
pessoas “interpretando esta privação da luz celeste como o ocaso do desaparecimento do
explendor hispânico nas terras do Ocidente, exaltavam ao Conde [Maurício de Nassau]
por quem pôde ser empanado o intenso fulgor do poderio real”. Este é um sinal de
superstição bastante cartesiana, já que foi bem estudado pelos astrônomos holandeses da
época. A exposição de seus efeitos foi percebida, ainda segundo as crônicas de Gaspar
Barléus, em diversas partes do Atlântico e segundo “aspectos diversos conforme os
países onde era [o eclipse] visível, em razão das diferenças de longitude e latitude da

44
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. Rio de Janeiro, Forense-Universitaria; São Paulo, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1975. PP. 52-53. Semelhantemente, a análise de Pierre Chaunnu diz que a fase
de expansão da economia açucareira no Brasil teria ido até próximo de 1610, se estabilizando até quase
1630.
45
A documentação a qual nos referimos é a Coleção José Higyno, que utilizaremos fartamente ao longo
deste trabalho. Aqui, ao logo de suas quase 12 mil páginas, podemos encontrar varias referências ao
comércio de pau-brasil e também à insistência das autoridades neerlandesas em promover expeditien
(expedições) ao interior com o fim de encontrar ouro e prata.

29
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esfera celeste”. Assim, apareceu nas crônicas de Barléus o Atlântico que pôde contemplar
este “eclipse premonitório” através da menção a lugares como Nicarágua, Cartagena,
Porto Seguro, Angola e Rio da Prata. 46
O Atlântico também circulava através dos nomes. O próprio iate que tomou
Ambrósio Rishchoffer para regressar à Europa levava o nome de ‘Itamaracá’ e
freqüentava assiduamente o Caribe. Por outro lado, em Itamaracá [Pernambuco],
imprimiu-se uma marca holandesa ao se colocar como nome de uma fortificação um
membro da família Orange-Nassau. Nome brasileiro, de origem tupi, em embarcação
batava. Nome holandês em fortificação construída no Brasil. Tal a experiência das trocas.
Mais exemplos: no Recife, edificou-se um pequeno mundo criado pelos invasores que
dão nome aos espaços. Desta forma, temos uma wijnstraaten (rua do vinho),
joodenstraaten (rua dos judeus), entre outros. Todos locais designados numa gramática
estranha ao universo ibérico, uma pequena Holanda, ao mesmo tempo provinciana e
cosmopolita, na Capitania de Pernambuco.
Entre a África, Portugal e o Brasil estava o mundo atlântico ibérico, que cederia
espaço aos holandeses. Portanto, um mundo que pré-existia a invasão de 1630, com as
suas bases culturais e socioeconômicas totais (ou relativamente?) formadas. Os
holandeses não criaram um novo Brasil, mas transformaram ou tentaram transformar uma
estrutura anterior sendo, em alguns casos, bem sucedidos. Administrativamente, já existia
em Pernambuco uma estrutura burocrática com todas as suas práticas e vícios. Era
preciso aos recém chagados entender esse status quo ante, dominar os códigos daquela
sociedade e, só assim, implantar a sua política administrativa.
Estamos falando aqui de uma confluência de dois modelos administrativos
distintos dentro de um mesmo espaço e época. Poderiam existir pontos em comum nessas
duas formas de gerir um território colonizado? Talvez sim. Nesse sentido, tentaremos
discutir ao longo desse trabalho as possíveis diferenças e, porque não, as possíveis zonas
de acomodação, de entendimento. Nos vinte quatro anos de ocupação nem tudo era
guerrilha e emboscadas. Era também entendimento, acordos, negócios em comum,
acordos de paz.

46
BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 205.

30
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Certamente, um momento propício para desvelarmos a convivência destes dois


mundos seja o da administração nassoviana, de 1637 a 1644. Período ao mesmo de trégua
entre Portugal e Holanda e “guerra fria” entre brasílicos e holandeses. A aparente e
relativa tranqüilidade do governo de Mauricio de Nassau escondia o gérmen da revolta
luso-brasileira que veio a se revelar em 1645 com o nome de Guerra Pela Liberdade
Divina.47 É sobretudo nesse momento, em pouco mais de sete anos, que devemos
entender a convivência desses dois mundos.
O tema proposto para este capitulo Uma História do Atlântico pode nos remeter a
uma discussão sobre noção de Império português no Antigo Regime. Esta reflexão é
muito importante porque foi neste mundo que se infiltraram os Países Baixos. Trata-se
aqui, sobretudo, de entender a história do Brasil com os holandeses e não apenas a
história dos holandeses no Brasil.
É mesmo Evaldo C. de Mello quem vai colocar essa dimensão atlântica da
presença holandesa no Brasil. Num dos primeiros capítulos de Olinda Restaurada, Cabral
de Mello analisa como a resistência luso-brasileira financiou a guerra através do açúcar
produzido pelos engenhos que ainda não haviam sido alcançados pelos holandeses. Os
portos por onde era escoada aquela produção minguavam à medida que a WIC os
ocupava. Pode-se afirmar que a ocupação do porto de Nazaré (Cabo de Santo Agostinho)
dificultou bastante a comunicação entre o Arraial Velho do Bom Jesus e a Europa. A
partir de meados de 1635, os portos de Portugal e Espanha ficavam mais distantes. Até
então, eram pelos portos mais próximos do Recife que chegavam o apoio logístico para a
resistência. As condições de desembarque de tropas e logística eram bem conhecidas em
Espanha e Portugal. As escápulas do açúcar (como enfatizou Evaldo Cabral de Mello)
48
eram, ao mesmo tempo, portos e portas de entrada para qualquer reforço externo.

47
Diogo Lopes Santiago vincula a Restauração Pernambucana à passagens bíblicas em que a Providência
Divina atuou nos momentos de maior sofrimento do “povo de Israel”. Ao justificar a aclamação de
Fernandes Vieira para líder da guerra da “liberdade Divina”, ressaltou: “ Este Pernambuco, que chamam
Nova Lusitânia ou novo Portugal, teve um homem (e tem hoje) com o nome venturoso de João, que na
língua hebraica significa boa graça, o qual com sua bondade, boa graça, afabilidade, liberdade e outras
virtudes morais de que foi dotado, veio a ser o impulsor e origem desta venturosa liberdade quando os
moradores estavam em tão ínfimo grau de miséria, tão derrocados, tão oprimidos, com tão pouco ânimo e
tão vexado da tirania holandesa, tão atribulados com imaginações, tão carregados de de tributos e tão faltos
do necessário [..] Ref. SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE,
2004, p. 172.
48
MELLO, Olinda Restaurada, p.58.

31
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Enquanto os holandeses tentavam expulsar as tropas de Matias de Albuquerque


para a Bahia, o comércio português continuava (ou tentava continuar) como sempre foi.
Assim é que, em agosto de 1636, trazia-se vinho e tecidos de linho da Ilhas Atlânticas
para serem vendidos na Bahia. O frete ficaria por conta da Fazenda Real e o dinheiro das
transações deveria ir para os agentes do serviço Real.49 Alguns anos mais tarde, esse
comércio transatlântico ficaria seriamente ameaçado pelas conquistas holandesas de
Angola. Não é à toa que, numa brieven holandesa, Nassau e o Alto Conselho escreviam
aos diretores da WIC acerca da conquistas de Sergipe, Maranhão, São Tomé e Angola
como sendo “lugares de grande importância para nosso Estado”. 50
Numa escala maior que a de Pernambuco, temos uma discussão atinente aos
portos do Atlântico. Assim, Biscaia e Cádis na Espanha, Viana e Lisboa em Portugal e
Nazaré (este ao sul do Recife) figuram no mesmo contexto. Armas e munições que
vinham da Andaluzia, gente de mar e de terra51 que eram recrutados por várias comarcas
portuguesas, carne de porco e trigo que provinham de várias outras partes da Península
Ibérica. Tudo isso aproximou esses espaços, que a guerra não raro tentava separar.
Conforme a situação momentânea das tropas em contenda, os espaços de influência
Ibérica e holandesa iam se alterando. Essa mesma distância entre os portos foi aumentada
pela burocracia na organização e despacho do que se pretende enviar para o socorro de
Pernambuco. Da Andaluzia ao Arraial do Bom Jesus, as ordens de provisões esbarravam
muitas vezes na falta de recursos das alfândegas, almoxarifados, e outras instâncias da
administração. A ordem, partindo de Madri, atinge Portugal pouco preparado para
cumpri- las.52 Em uma consulta do Conselho da Fazenda ao Rei (D. Filipe III), discute-se
um memorial do então Vedor Geral da Armada de Mar e Oceano, D. Antônio de Ortega y
Camudio, em que se solicita que a coroa portuguesa forneça recursos para se equipar dois

49
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_005, Cx1, D. 20.
50
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Missiva de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 30/04/1642. Onde se lê: De extensie van dês Compagnies limiten van tijt tot tijt sôo
serienslijcken bij V. Ed. gerecommendeert hebben wij ter eerster bequame gelegentheijt nos doenlijck
sijnde, nier aleene met groot ijner behartigt maer door Godes zegen daertoe genracht dat de capitania van
Sergippe del Rey, het rijcke van Angola, de eylanden St Thomé ende Maranhoon onder Udl.
Gehoorsaemckeyt gebracht ende dese conquesten sijn geanexeert, plaetsen van soodanige consideratien
voor onser staet van de welcke wij nos verseeckert hebben […]”
51
Colocou-se em itálico para se reproduzir como se apresenta na documentação coêva.
52
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.158.

32
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galeões espanhóis que sairiam da Baía de Cádiz e iria socorrer o Arraial do Bom Jesus.
Diz um trecho da dita consulta:

“E visto neste Conselho que este Memorial pareceu representar a Vossa


Magestade que a fazenda da dita Coroa se acha tão exaurida, que não há
cabedal com que se possa aqui para a armada com a brevidade que se
pretendem. E achando-se as coisas em aperto, não é possível
preveneirem-se os bastimentos de que se tratam para os dois galeões da
Coroa de Castela por empréstimo e que não tem lugar quando faltem o
dinheiro necessário para acudir as persistas necessidades deste Reino [...]
que os mantimentos se façam em Cádiz e Sevilha porque lá é o trigo mais
barato e melhor, e nesta cidade [Cádiz] se compram os trigos de
Andaluzia com maiores despesas, e os vinhos são lá melhores e de mais
acomodado preço, e as carnes de porco de muito boa qualidade pelo que
nenhuma coisa pode ser mais certa e conveniente que trazerem de Cádiz
os galeões que se acham neste porto...”53

Não teríamos aí, necessariamente, uma situação de ‘desinteresse’ das duas coroas.
O prejuízo era sentido pelos campanhistas abrigados no Arraial Velho do Bom Jesus no
cotidiano da guerrilha. No tempo desta Consulta, restavam apenas quatro meses para o
Arraial cair em poder dos holandeses. Vale ressaltar a relação de compra dos bens acima
requeridos com a região da Andaluzia. Para o século XVI, traçou o historiador Fernand
Braudel um quadro bem positivo desta região ao tratar da relação entre as regiões baixas
da Espanha e o comércio intercontinental. Nesse sentido, a região onde se assentam as
cidades de Córdoba e Sevilha, viu-se na condição de “celeiro da Espanha”. Para Braudel,
“foi a sua própria riqueza que estimulou – se não mesmo forçou – a Andaluzia a
extravasar os seus limites geográficos”.54 Parece que o alto custo do trigo naquela região
deve-se ao fato de, já no século XVI, as planícies andaluzas dependiam do abastecimento

53
Idem.
54
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Vol. I. Martins Fontes, 1983, p.99.

33
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do Norte da África.55 Ao tratar especificamente de Sevilha, o autor de O Mediterrâneo


refere-se ao fato de que esta cidade foi beneficiada pelo monopólio de recebimento da
prata proveniente do México e do Peru, já que “ a rota da América está condicionada
pelos ventos alíseos, e Sevilha é a base naval mais próxima da área de passagem desses
ventos”. Finalmente, Fernand Braudel não tarda a estabelecer uma relação entre os Países
Baixos e a Andaluzia quando afirma que:

“Os barcos do Norte, bretões, ingleses, zelandeses ou holandeses, afluem


a Sevilha sobretudo em busca de azeite e vinho, e de forma alguma
apenas de sal de San Lucar – sem rival para a salga do bacalhau – ou dos
produtos das Índias”.56

Podemos ter um outro exemplo desta “conjuntura atlântica” que envolveu as


coroas ibéricas e os Países Baixos através de um pedido do então Capitão-Mor de
Pernambuco, Matias de Albuquerque, para que se reforçasse militarmente a Capitania. Já
em 1624, expressa a Consulta do Conselho da fazenda ao rei [Filipe III]:

“ Pede [Matias de Albuquerque] que se lhe mande algumas pessoas


praticas em milícias. E pareceu se lhe devem mandar. Alguns artilheiros.
Pareceu que dos que houverem se lhe mandem. Seis ou oito mil arcabuzes
de Biscaia. [...] muito chumbo feito em pelouros. Pareceu que se lhe
devem mandar quarenta quintais, parte feitos em munição e parte e falta
[?] Muito murrão. [...] Piques. [...] Pás de ferro. [...] Enxadas. [...] peças
de artilharia de bronze [...]”.57

55
Sobre as planícies da Andaluzia, coloca Braudel: “ Exportadoras de azeite, de uvas, de vinhos, e também
de tecidos e de objetos manufacturados, as cidades andaluzas vivem do trigo do Norte da Africa, e quem
domina esse trigo tem-nas de certo modo à mercê”. Prossegue Fernand Braudel: “ ... no século XVI, essa
grandeza ainda persiste, embora tenha sido necessário que cicatrizassem as feridas causadas pela
reconquista cristã do século XIII. [...] De qualquer modo, a Andaluzia continua a ser uma região magnifica
, “celeiro, pomar, adega e estábulo da Espanha” (APUD. G. Botero, p.8), destinatária habitual dos elogios
dos embaixadores venezianos nas suas Relazioni ...” Op. Cit. p.98.
56
Idem, p.99.
57
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 101.

34
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Além da lista de necessidades elencadas por Matias de Albuquerque, temos


também um pedido de remessa de galinhas, vinho e azeite. Lembrou o dito Capitão ao rei
“para estas coisas não faltarem em Pernambuco”. Quanto aos arcabuzes, parece que o
pedido não foi aceito, visto que muitos deles seriam enviados, de outras partes de Castela,
para a capitania de Pernambuco. O que importa nesta Consulta é a relação entre Biscaia e
Pernambuco, entre a Coroa de Castela e o aprovisionamento desta parte da América
portuguesa. Por esse tempo, agosto de 1624, os holandeses estavam bem perto de
Pernambuco, na Bahia. Daí a preocupação de Matias de Albuquerque. Muito do que foi
pedido foi enviado pela coroa de Castela, com o fim de manter, no dizer do historiador
Fernand Braudel, o “compósito Império espanhol”. 58 Alguns meses antes desta carta de
Matias de Albuqueque, o ex-Governador Geral do Brasil, Gaspar de Souza, informava ao
rei da dificuldade de se consolidar a conquista do Maranhão pela escassez de recursos,
que deveriam vir “dos rendimentos da Capitania de Pernambuco”. Justificavam os
oficiais da câmara de Olinda a falta de recursos em razão da construção de obras
públicas. Gaspar de Souza fechou a discussão considerando que “vista a ditta imposição
não poder servir para o intento da conquista [do maranhão] o Rendimento dos Dízimos
ser tão limitado [...]” 59 O mesmo sugeriu que o rei completasse com as despesas da
conquista. Eis apresentados alguns exemplos das vicissitudes do mundo ibérico no
Atlântico sul no contexto da invasão holandesa.
Do outro lado do Atlântico, precisamente na África centro-ocidental (Costa da
60
Guiné) , os holandeses já haviam se inserido nas conquistas portuguesas. Não apenas os
holandeses, mas ingleses e franceses figuravam nos relatórios que eram remetidos ao
reino. Num deles, do ano de 1624, consta que “do Cabo Verde a Breziguixhe averá
quatro ou sinco legoas, adonde o olandez tem huã fortaleza com prezidio de soldados,

58
BRAUDEL, Fernand. Op. Cit. Ppx.... (verificar)
59
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 94.
60
De fato, a presença holandesa na costa da Guiné já se fazia desde antes de 1617, quando decidiram
construir, próximo à El-Mina, uma pequena fortificação. o Forte Nassau, em Mori. Na descrição do
historiador J. Bato’ora Mewuda, “En réalité, le petit fort Guillaume-de-Nassau de Mori, abrite en 1617, une
guarnison de quatre-vingt personnes; et cette anneé-là les Hollandais décident d’améliorer les defénses de
leur château en le transformant en une forteresse inexpugnable et en amenagéant par conséquent de
boulevards de tout côtés, un puits intérieur pour le cas oú aucun securs ne peut leur venir par la mer.” Ref.
NEWUDA, opus. cit., pp.474.

35
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com muita fazenda, com que fazem seu comercio”.61 No porto de Ioala, por exemplo,
holandeses, franceses e ingleses comerciavam às largas couro, marfim, cera, âmbar, ouro
e escravos. Nessa região, os holandeses se faziam conhecedores de muitos cursos d’água
como o Rio do Ouro, o Gâmbia e o de São Domingos. Deste último, para se ter uma
idéia, os holandeses remetiam alguns escravos para Cartagena.
Evidentemente, reconstruir uma história do Atlântico através da presença
neerlandesa no Brasil é tarefa impossível, já que esse corte espacial abarca um período
bem maior que os vinte e quatro anos da WIC em Pernambuco. Contudo, podemos
entrever tal presença à luz de um contexto menos hemisférico, menos unilateral. Assim,
torna-se importante perceber a chegada batava como que “encaixada” numa estrutura
mental e político-administrativa pré-existentes. Havia, então, um Império ibérico, com
seus problemas e descaminhos, mas, ainda assim, um Império. Mesmo durante a
ocupação holandesa, as coroas ibéricas mantinham, paralelamente, um olho no que ainda
remanescia sob seus domínios, e outro na tentativa de reaver os territórios conquistados.62
Antes mesmo do tempo dos flamengos, o Atlântico sul ibérico pode ser entendido
também pelo viés da ocupação de cargos. Assim foi o caso, dentre muitos, de um
Bartolomeu Ferraz de Meneses que, através de Requerimento63 , em setembro de 1626,
pedia ao Rei para exercer o cargo de Provedor Mor da Fazenda de Pernambuco “em
remuneração de serviços prestados em Angola”. Ocorre que o suplicante havia, poucos
anos antes, fugido da cidade do Porto por ocasião da invasão do Prior do Crato e
recebido, por parte do rei, o comando da fortaleza de Massangano, em Angola. Parece
que a estada em Angola não agradou nem um pouco ao Bartolomeu Ferraz de Meneses,
uma vez que “a fortaleza de Massangano não é a que podia esperar da grandeza de Vossa
Magestade por haver sido seu pai das pessoas principais da cidade do Porto e seu avô o
coronel Bartolomeu Ferraz de Andrade...”. Completando os feitos do avô de Bartolomeu
Meneses, temos:

61
Roteiro da Costa da Guine (1635). BNM., Ms. 3015, fls. 189-201 v. In: Monumenta Missionaria
Africana (1623-1650). Vl. V. pp. 287-293.
62
O máximo que a expansão holandesa, através da Companhia das Índias Ocidentais, atingiu foi, no Brasil,
um território que ia da foz do Rio São Francisco (fronteira sul) ate São Luis do Maranhão (fronteira norte).
Na África, os portos de Benguela, Luanda, São Jorge da Mina e a Ilha São Tomé também foram
arrebatadas aos holandeses.
63
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, doc. 119.

36
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“...pessoa que serviu os reis passados na Ordenança da Milícia da


Comarca de Porta Alegre, Castelo da Vide, Arronches, ensinando os
capitães, soldados e mestres daquela Comarca, servindo também em
diligências de importância...servindo muitos outros anos em Tanger...”.64

As relações de parentesco podiam entrar no jogo e mudar, a qualquer momento, a


sorte de um burocrata na estrutura do Império. Pernambuco, como já se disse, dispunha
de portos bem freqüentados pelo comércio legal e ilegal. Juntamente com a opulência da
Vila de Olinda, largamente ressaltada por cronistas como Duarte de Albuquerque Coelho
e Frei Manuel Calado na década que antecedera a invasão a Pernambuco, temos a
corrupção de agentes dessa mesma burocracia.
Retomando aos anos que antecederam a invasão de Pernambuco, podemos citar
um exemplo de “infiltração” neerlandesa no império luso-espanhol. Em maio de 1623,
uma pequena esquadra saída de Pernambuco obteve informações “de um forte eu os
holandeses lá tinham, com outros dois e negros da Guiné, a uma roça de plantar tabaco e
era prático em aquele grão rio [Amazonas]”. 65
A preocupação com a entrada do Amazonas era uma constante nessa fase que
antecedeu a chegada dos holandeses em Pernambuco. Frei Vicente do Salvador justificou
tal preocupação da seguinte maneira: “por dizerem que por ali podia tirar a sua prata do
Potuci [Potosí] com menos gasto”. 66 Para uma pequena armada que partiu em direção ao
Pará, o rei espanhol proveu a Bento Maciel Parente a função de comandante da expedição
mediante ajuda dos capitães de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Pará. O
de Pernambuco, Matias de Albuquerque, contribuiu com “uma lancha com dezessete
soldados e o piloto Antônio Vicente, mui experimentado em aquela navegação, e lhe
carregou, na caravela oito mil cruzados de diversas ordens de fazendas”. 67
Essas passagens de Frei Vicente do Salvador ratificam duas situações. A primeira
é a relação de anterioridade entre potugueses e batavos na costa brasileira,
especificamente no estuário do Amazonas. A segunda é a ação coordenada das capitanias

64
Idem.
65
SALVADOR, Frei Vicente, op. cit. p. 356.
66
Idem.
67
Idem p. 355.

37
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sob a coroa ibérica em termos de ajuda a uma expedição. Dessa vez, os holandeses se
colocaram mais diretamente contra os interesses de Castela pelo fato de ameaça o eixo da
economia espanhola nas Américas: a prata de Potosi. Esta ação coordenada entre as
capitanias, que empresta ao tema Brasil holandês uma dimensão extra-capitania de
Pernambuco, tem outro exmplo numa carta régia de 1635, em que Filipe III dava ordens
para que se contivesse os ânimos dos índios e portugueses da Paraíba que estavam sob o
domínio neerlandês e que a Bahia e as capitanias do sul se reforçassem com homens e
munições.68
Sobre a situação do Pará mencionada anteriormente, antes mesmo das apreciações
de Frei Vicente do Salvador, o seu Capitão- mor Manuel de Souza de Eça fez saber ao rei,
através de uma Consulta do Conselho da Fazenda da necessidade de se enviar padres
jesuítas e da ordem de Santo Antônio para doutrinação dos índios e contenção das
“heresias estrangeiras”. 69 No mesmo ano em que os holandeses ocuparam Salvador,
1624, ouviu-se em Madri a notícia de que a WIC intentava ocupar a capitania do Pará
70
com quatro naus. Mesmo após a ocupação do Nordeste pelos neerlandeses, a
preocupação com a “ameaça batava” persistia nesta capitania. Em duas ocasiões, no ano
de 1638, o então Capitão- mor Manuel Madeira, pedia ao rei que enviasse presos
sentenciados e degredados do Brasil para combater os “rebeldes holandeses” naquela
71
capitania.
O medo de uma invasão holandesa foi também presente no Maranhão alguns anos
antes da ocupação de Pernambuco. Em dezembro de 1619, Diogo da Costa Machado
alertava ao rei da necessidade de construção de engenhos, fabrico in loco de navios e,
72
sobretudo, envio de armas e munições. Alguns anos depois, em 1624, o seu sucessor, o
Capitão- mor Antônio Muniz Barreiros, ante a ocupação de Salvador pela WIC, pedia ao
reino mais urgência no envio de munições e defesa da capitania, incluindo a manutenção
73
de fortificações já existentes. Também nesse contexto da invasão neerlandesa de
Salvador, o Governador do Maranhão reclamava da pouca atenção dada por Matias de

68
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_014, cx. 1, Doc. 25.
69
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 20.
70
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 28.
71
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 48.
72
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 35.
73
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 75.

38
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Albuquerque a defesa desta capitania. Quase quinze anos depois, o Maranhão viria a cair
74
em mãos da Companhia das Índias Ocidentais.
Vale ressaltar que a tardia ocupação das capitanias do Grão-Pará e Maranhão pela
coroa ibérica apresentava, na segunda década do século XVII, um quadro problemático
no qual se confrontavam portugueses e indígenas. No meio dessa querela estavam
algumas ordens religiosas. No Maranhão, por exemplo, a presença dos carmelitas foi
fundamental na “conversão dos gentios” durante o processo de conquista. 75 No Pará, em
1619, o rei foi avisado, por dois capuchinhos, freis Cristóvão de São José e Antônio de
Merceana, de um levantamento contra os nativos por ordem de um capitão local. 76 Por
fim, ainda nesse mesmo ano de 1619, índios da aldeia de Baqueriubu promoveram ataque
77
ao povoado de São Luís. Todo esse clima de instabilidade nas praças ibéricas do Norte
apresentou-se como terreno fértil à política agressiva da WIC. Tanto que a conquista do
Maranhão se deu de forma bem mais rápida do que em Pernambuco e Paraíba.
Parece que esta estrutura atlântica luso-espanhola foi bem compreendida pelos
neerlandeses. Isso se confirma pelo estratagema da Companhia das Índias Ocidentais em,
conjuntamente, ocupar, primeiro, Pernambuco (1630) e, depois, Angola (1641). Os
holandeses procuraram fechar essas duas importantes portas do Atlântico sul da mesma
forma que fizeram no Oriente com Ormuz e Málaca. Era a continuação de uma guerra
que havia começado na Europa, se estendido pela Ásia e, com igual força, atingido o
espaço Atlântico Sul. Nesse espaço, Recife e Angola existiam numa relação de
contigüidade econômica, era uma voorland da outra e vice- versa.78 Na teia do Império
português ambos os espaços estavam ligados diretamente por atividades comerciais, entre
outras. Muito do que se arrecadava com o direito de comércio de escravos de Luanda
servia para financiar o frete de pau-brasil arremetido a partir do porto do Recife ao reino.
Era esta uma prática comum bem antes dos holandeses chegarem a Pernambuco.

74
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 90.
75
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 19.
76
AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 25.
77
AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 31.
78
O termo vorland é emprestado da geografia pelo historiador Russel-Wood. O mesmo utiliza-o para tratar
a questão do que é periferia no Império português. Diz o autor: “ Vorland refere-se a localidades que não
têm contigüidade territorial com o núcleo, mas em relação às quais o núcleo tem uma intensa conexão [...]
Os portos aparecem dentro desta categoria”. RUSSEL-WOOD. A. J. R. Centros e Periferias no Mundo
Luso-Brasileiro, 1500-1808. Revista Brasileira de História. V.18 n.36. São Paulo, 1998. Juntamente à
categoria de vorland, temos também as de hinterland e umland.

39
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A relação do Brasil com Angola já ficou, diga-se de passagem, bem evidenciada


no trabalho de Luís Filipe de Alencastro intitulado O Trato dos Viventes. No seu ponto de
vista, aquela relação se resume na seguinte assertiva: “O Brasil tinha continuidade fora
das fronteiras americanas, em Angola”. 79 O autor conclui o seu pensamento acerca da
estreita e imprescindível relação Brasil-Angola ao considerar que “Cartas régias,
provisões, contratos da Coroa, atas dos conselhos palatinos, difundem o postulado
enunciado na guerra anti- holandesa: Angola sustenta o Brasil, o qual sustenta Portugal”.80
De fato, o autor do Trato dos Viventes evidenciou as exportações comerciais do
Brasil para a África à luz das rotas e correntes do Atlântico Sul. Assim, dentre as diversas
combinações de rotas que envolviam Portugal, Brasil, Angola e a região do Rio da Prata,
havia aquela que fazia o caminho Brasil – Angola - Brasil. 81 Os produtos brasílicos que
alcançavam as feiras angolanas eram sobretudo a farinha de mandioca 82 e, em seguida, a
cachaça. Esta última teve nos engenhos fluminenses um de seus maiores fornecedores.
As trocas comerciais no império português mereceu do historiador inglês Russell-
Wood um quadro abrangente das commodities comercializadas entre diversos pontos em
escala mundial. No seu livro The Portuguess Empire, Russel-Wood discrimina num
quadro geral, inclusive, trocas comerciais entre o Brasil e a África, onde bens como ouro,
prata, tabaco, além de escravos, evidentemente, eram comercializados. 83
Vale dizer que, no que se refere a dimensão atlântica da luta entre as coroas
ibéricas e a WIC, merece menção o trabalho de Charles Boxer, “Os Holandeses no
Brasil”. Já no segundo capítulo, intitulado “A luta pela posse de Pernambuco”, Boxer tem
o cuidado de avaliar a tomada de Olinda e Recife e o seu impacto em Madri e Lisboa. O
historiador inglês colocou a questão holandesa nos dois lados do Atlântico, na medida em

79
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 247.
80
Idem.
81
Idem, p. 248. As outras rotas especificadas pelo autor eram: 1) Portugal-Angola-Brasil-Portugal; 2)
Potugal-Brasil-Angola-Portugal; 3)Potugal-Brasil-Angola-Brasil-Portugal; 4) Portugal-Brasil-Angola-
Prata-Portugal.
82
Sobre a farinha de mandioca brasileira na África, considerou Luis Filipe de Alencastro que alguns
cronistas, entre eles o frei Vicente do Salvador e Ambrósio Fernandes Brandão, “ressaltaram esse ‘ciclo’ da
mandioca’, ignorado pela historiografia, cujo pico teve lugar nos anos 1590-1630, gerando novidades nas
duas margens do Atlântico”. Idem, p. 251.
83
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manchester: - Johns Ropkins, 1992.

40
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que se valeu de um número expressivo de fontes em arquivos portugueses.84 Aliás, a


perspectiva de Império português já era presente em sua obra de referência O Império
Marítimo Português, onde o mesmo avalia a “guerra mundial” entre Portugal e os Países
Baixos. É também nesse quadro mais amplo que se coloca a ocupação do Brasil pelos
holandeses.
Se olharmos atentamente, e considerando que os holandeses brigavam sobretudo
contra a coroa de Castela, as pretensões batavas davam a volta na América do Sul e
atingiam os vice-reinados da América espanhola. A expedição a Calhau de Lima,
comandada pelo Capitão Browser em 1643, evidencia o estratagema holandês ao sul do
Equador. Os neerlandeses não deixaram de, inclusive no Brasil, adentrar o território em
conquista atrás de ouro e prata. Seguiam principalmente informações fornecidas por
nativos e colonos, confirmando o pensamento de Sergio Buarque de Holanda acerca da
“geografia fantástica” da América.85 Não são raras as referências nas fontes holandesas
em que os administradores da conquesten indagam a população local acerca de possíveis
minas de ouro e de prata.86
À parte a visão “arquetípica” que alimentou a mente do homem europeu, segundo
Buarque de Holanda, acrescentemos a “visão objetiva”, que dizia respeito ao real
conhecimento do espaço ocupado ou a expandir. Não era novidade, já nas primeiras
décadas do século XVII, que o porto do Recife recebia navios de diversas partes do
mundo sul e norte Atlântico, assim como do mundo Índico. José Antônio Gonsalves de
Mello descreveu bem as várias visitas de navios hamburgueses e flamengos ao porto do
Recife.87 Este, situado em posição estratégica no Atlântico, era ponto de parada de navios

84
As observações de Boxer sobre a presença neerlandesa no Brasil se baseiam-se em obras que destacam
fontes coêvas em Portugal. Dentre elas, Elementos para a história do município de Lisboa, publicada em
1887 por Freire de Oliveira e a Collecção Chronológica, 1627-1633, documentos publicados por Andrade e
Silva. Ref. BOXER, C. R. Os Holandeses no Brasil. Recife: CEPE, 2004.
85
Sergio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, p.67: “A geografia fantástica do Brasil, como do restante
da América, se tem como fundamento, em grande parte, as narrativas que os conquistadores ouviram ou
quiseram ouvir dos indígenas, achou-se além disso contaminada, desde cedo, por determinados motivos
que, sem grande exagero, se podem chamar arquetipicos”.
86
Procurando mostrar um caráter mais internacional da invasão holandesa a Pernambuco, Charles Boxer
cita as instruções dadas ao Almirante Lonck pouco antes de seu desembarque. Nesse documento, o dito
Almirante foi designado para, tão logo conquistar o Nordeste, conquistar também a Bahia, Rio de Janeiro e
Buenos Aires. Aliás, já Jose Antônio G. de Mello, havia, segundo Boxer, feito uso desse documento em seu
livro Tempo dos Flamengos.
87
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Urcas hamburguesas no porto de Pernambuco. PP.... (completar
referência)

41
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em longo trânsito. Uma vez atracados, sofriam reparos, descarregavam escravos vindos
de Guiné e Angola, carregavam-se de madeira e, sobretudo, faziam contrabando de ouro
e prata de Potosí. A atividade de contrabando ligava Pernambuco a região do Prata, por
onde descia o carregamento desviado do Peru. Assim, podemos ver essas duas regiões
como vorland uma da outra. Neste caso, diga-se de passagem, transgredindo as relações
com o centro. Teríamos então uma ‘anti-vorland’, já que a relação de vorland só tem
sentido em relação a um núcleo, no caso, Madri ou Lisboa.
O conhecimento holandês acerca do Brasil não era ingênuo, ainda que incompleto
e restrito principalmente aos portos e barras e as relações econômicas mais importantes.
A produção de açúcar, por exemplo, de grande interesse às refinarias dos Paises Baixos,
já era rastreada pelos holandeses através de contatos estabelecidos e Pernambuco. Um
ano antes da invasão a Salvador, sabia-se aproximadamente a produção anual dos
engenhos de Pernambuco. Na Holanda, os panfleten circulavam entre a gente comum a
tentar convencê-los da aposta nas ações da WIC. Pequenos e médios burgueses entraram
nessa empresa. Uma destes panfletos, denominado Lista do que o Brasil pode produzir
anualmente, que circulou nos Países Baixos em 1923, calculava que a Companhia
88
poderia obter anualmente 4.800.000 florins ao ano com o negócio do açúcar. Um outro
documento, chamado Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de
Itamaracá e Paraíba, discrimina os donos de cada engenho e quantas arrobas
produziam.89
As informações colhidas pela Companhia antes da invasão foram fornecidas
principalmente por moradores locais em contato com mercadores neerlandeses.
Informações valiosas ofereceu o belga Adrien Verdonck, residente em Pernambuco desde
1618. A memoire oferecida pelo brabantino em 1630, ainda no inicio da presença
holandesa em Pernambuco, talvez tenha sido um dos mais detalhados documentos acerca
da nova conquista. Nele, Verdonck vai além da simples menção a produção açucareira e
descreve o curso dos rios (sobre o que discorreremos no capítulo seguinte ao tratar da

88
Neste mesmo ano, 1623, há um outro pamfleten denominado Uma relação dos engenhos de Pernambuco,
Itamaracá e Paraíba em 1623. As informações teriam sido fornecidas aos Estados Gerais por um cristão
novo chamado José Israel da Costa. O mesmo teria vivido na Bahia antes da invasão em 1623. Sobre isso
ver. José Antônio Gonsalves de Mello, Fontes para a História do Brasil Holandês: A administração da
conquista. IPHAN/MEC: Recife, 1981.
89
Ibidem.

42
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navegação no Brasil pré-nassoviano), a criação de pequeno gado, roças, pescado e,


90
inclusive, minas de prata. Uma vez sediada no Recife, a WIC detinha uma espécie de
“posto avançado” para lidar com o Atlântico Sul. As informações de campanhas que
davam notícias acerca da gelegenthijt (situação; ocasião) de, por exemplo, Curaçau e
outros pontos do Caribe passavam muitas vezes por Pernambuco.
Na escala atlântica, pelo menos para os holandeses, a importância do nordeste do
Brasil reside sobretudo no fato de, a partir deste território, ter a proximidade de outros.
Ao tempo do Governo Nassoviano, por exemplo, será posto em prática o estratagema sul
atlântico da Companhia das Índias Ocidentais através da relação de Pernambuco com São
Tomé, São Jorge da Mina e Angola. Relação que já existia antes com os portugueses, mas
que agora passava a existir sob o domínio Batavo.
Evidentemente, a permanência holandesa no Brasil não seguiu uma política-
administrativa homogênea, monolítica, como poderia supor uma perspectiva teleológica.
Pelo contrário, seguiu caminhos ínvios, incertos e cheios de dúvidas por parte dos
dirigentes e burocratas da Companhia. Sobre os três primeiros anos basta que nos
atenhamos a algumas considerações feitas por José Antônio Gonsalves de Mello, para
termos uma idéia desses “anos terribillis”. Ainda encurralados no Recife, tal era a vida
dos holandeses:

“A situação alimentar chegou a extremos terríveis; durante três longos


anos os documentos estão cheios de suplicas e queixas. [...] Alguns
soldados com escorbuto que receberam limões vindos de Olinda
‘atribuiram a sua cura a eles, abaixo de Deus’”. 91

Ao mesmo tempo em que problemas dessa ordem eram experimentados,


guardava-se certo otimismo com a inicial conquista de Olinda, tendo o Recife como
porto. Já no primeiro mês em Pernambuco, a posição da recente conquista denunciava a
90
Começando a sua descrição a partir do Rio São Francisco, Adrien Verdonck afirma haver ali, milhas
adentro, minas de prata que teriam sido exploradas por volta de 1620. À época, o rei da Espanha teria
proibido a exploração da mesma. Mais tarde, iriam os holandeses empreender expedições São Francisco
adentro.
91
MELLO, Jose Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. – Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1987, pp. 41 e 42. Aqui, o autor se utiliza de informações fornecidas pelo Conselho Político, sediado no
Recife, ao Conselho dos XIX na Holanda.

43
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perspectiva neerlandesa de uma conquista em grande escala. Nesse sentido, afirmou o


então primeiro gouverneur do Brasil Holandês, o Coronel Diedrich Wanderburch:

“Não tenho a menor dúvida de que os senhores diretores nos auxiliarão


nesta vitória, a fim de que possam, dentro em breve, colher-lhe os frutos.
[...] uma cidade mediante o domínio da qual todo o Brasil poderá ser
dominado [...] por intermédio dela, todo o Brasil poderá ser subjugado e
submetido com poucas despesas, e toda a navegação costeira será
inteiramente perturbada e arruinada, único meio de privar deste comércio
o inimigo comum e de reduzir os habitantes a uma recíproca amizade e a
uma aliança confederada”.92

Mais uma vez aqui, podemos perceber o estratagema da WIC para além de
Pernambuco, tendo Olinda e Recife como bases. Aliás, além mesmo do Brasil, tal
estratagema para o Atlântico Sul por parte da Companhia das Índias Ocidentais se
apresenta, segundo o historiador britânico A. J. Russell-Wood, como tema a ser mais
explorado.93 No caso do Atlântico Norte existem sem dúvidas vários trabalhos acerca da
WIC naquelas partes, sobretudo em Nova York. A Companhia das Índias Orientais,
“irmã mais velha” da WIC, interessa mais ao estudo de historiadores principalmente
neerlandeses talvez pelo fato de ter sido mais exitosa em suas empreitadas às coroas
ibéricas.
Esse Atlântico, ao mesmo tempo ibérico e holandês, tinha como ponto de
confluência o Recife, transformado numa espécie de quartel general das operações da
WIC no Hemisfério Sul. Favorecido pela posição geográfica e pelo regime dos ventos e
correntes atlânticas, o Recife adquiriu importância antes mesmo na condição de porto do

92
Missiva do Coronel D. van Veerderburch aos Estados Gerais. In: Documentos Holandeses. Ministério da
Educação e Saúde. Vol.I, 1945, p.30.
93
Segundo RusselL-Wood: “ raramente os historiadores da Companhia Holandesa Oriental se debruçam
sobre as atividades da Companhia Holandesa Ocidental. [...] Em geral os historiadores têm focalizado seja
o Brasil e a presença portuguesa nos dois lados do Atlântico, seja o Estado da Índia”. Ref. O Antigo regime
nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI e XVIII) – Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, pp. 15 e 16. No prefácio deste livro, Russel-Wood considera que os únicos responsáveis
por esse estudo sistemático da Companhia das Índias Ocidentais foram Charles Boxer e Amaral Lapa.
Contudo, foi notável a pesquisa empreendida pelo historiador alemão Hermann Wartjen , Das
Holaendische Kolonialreich in Brasilien (O Império Colonial Holandês no Brasil)

44
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que na de vila. Partia de seu cais boa parte do açúcar consumido na Europa. Desde fins
do século XVI e inicio do XVII, notadamente na primeira década deste último, vários
foram os navios que aportaram em seu porto vindos do norte da Europa transportando
sobretudo açúcar. Por volta de 1590, temos em torno de 20 urcas e, quinze anos depois,
mais de 70 navios anuais.94 Neste mesmo período temos que a disputa entre as coroas
ibéricas e os Países do Norte da Europa, deixando o Atlântico mais para a condição de
mare liberum, levou os neerlandeses a atacarem as possessões portuguesas. Os desvios do
pau-brasil e do açúcar produzido em Pernambuco trouxeram a esta capitania, em 1607, o
Desembargador Sebastião de Carvalho, com a finalidade de fiscalizar o comércio entre
Pernambuco e o Reino. Ao analisar os “Livros de saídas de urcas do Porto do Recife”,
entre os anos de 1595 e 1605, José Antônio Gonsalves de Mello constatou a grande
quantidade de açúcar que tomava o rumo dos portos de Flandres em vez dos de Portugal.
Sem contar os navios que eram aprisionados por piratas ingleses e holandeses, que
navegavam próximos às ilhas Açores e Madeira e atacavam, em média, 15 a 20 navios
portugueses por ano. Só entre os anos 1589 e 1591 foram 34 navios.95
Há, em meio a isso tudo, uma questão técnica. Portugal, muitas vezes, passou a
aceitar que o açúcar fosse transportado por navios alemães e neerlandeses, as ditas urcas
(Hulk em holandês e alemão arcaico). Tratava-se de um tipo de barco forte e que poderia
ser bem artilhado, além de suportar muita carga. As caravelas portuguesas, ao contrário,
tornavam-se presas fáceis aos corsários, de tal forma que o Padre Antônio Vieira chegou
96
a chamá-las de “escolas de fugir”. A urca, tipo de navio que transitava mais no
comércio da Europa setentrional, passou a ser utilizada com freqüência ao sul do
Equador. Nessa fase de expansão da economia açucareira, até pouco antes da invasão a
Pernambuco, em 1630, os holandeses teriam desviado “mais da metade do cultivo anual

94
MELLO, Jose Antônio Gonsalves de. Os Livros das Saídas das Urcas do Porto do Recife, 1595-1605. In:
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.Vol. LVIII. – Recife, 1993,
pp.21-85. Entre os anos acima citados, temos que a maior parte dos navios que arribavam em Pernambuco
eram urcas provenientes de Hamburgo, algumas da Antuérpia e umas poucas de Lubeck.
95
O prejuízo que o desvio de cargas para portos do norte da Europa acarretava era que os impostos da Sisa
e a Dizima, sobre a mercadoria transportada e comercializada, não iam para os portos portugueses. De
diversas formas a coroa portuguesa tentou resolver este problema. Uma delas foi fazendo com que as taxas
passassem a ser cobradas já no Brasil. A sisa, por exemplo, passou a ser cobrada, por algum tempo, nas
alfândegas.
96
MELLO, Idem. P.26.

45
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de açúcar infiltrando-se no comércio e transportando a mercadoria entre Portugal e


Brasil”, como observou o historiador holandês Pieter Emmer.97
De uma forma geral, a união das coroas espanhola e portuguesa levou, em
diversos pontos do Atlântico, comerciantes portugueses a estabelecerem representações
comerciais em diversas partes da América espanhola como México, Cartagena, Sevilha e
Buenos Aires. Não é toa que “A prata do Potosí circulava correntemente no Brasil do
século XVII”98 , inclusive em Pernambuco. Com a invasão holandesa essa rede foi, de
alguma forma, atingida. Entretanto, para não perdermos as simultaneidades das coisas,
vale salientar que, no mesmo ano em que Nassau conquistou são Jorge da Mina, 1637, os
portugueses conseguiram romper com a linha de Tordesilhas ao chegar a margem norte
do Amazonas. Belém havia sido fundada vinte anos antes. Um ano depois, Pedro Teixeira
percorreu o Amazonas até atingir Quito e mostrar aos espanhóis a importância daquele
quinhão do Novo Mundo. 99 As operações da WIC no Atlântico, a partir de Pernambuco,
corriam lado a lado com a consolidação da presença portuguesa no Norte.

2. A Diáspora Sefardita e o Brasil Holandês

Outro fator de grande importância na inserção do Brasil Holandês na História do


Atlântico é o que se refere às redes comerciais familiares, principalmente sefarditas. A
diáspora sefardita, tema que vem sendo bem freqüentado nos últimos anos, perpassa em
cheio a presença holandesa no Brasil. Desde que muitos deles tomaram o rumo dos
Países Baixos no final do século XVI, criaram comunidades principalmente em
Amsterdam.
A adaptação à língua neerlandesa foi inicialmente fator limitante a expansão de
seus negócios numa cidade que acolhia, por razões religiosas ou econômicas, gente da
Turquia, França, Moscou e Polônia. Foi mesmo a trégua entre a Espanha os Paises
Baixos, a partir de 1609, que permitiu àquelas comunidades sefarditas pôr em prática
97
EMMER, Pieter. Los Holandeses y el Reto Atllántico en el Siglo XVII. In: El Desafio Holandês al
Domínio Ibérico em Brasil em el Siglo XVII. Ediciones Universidad Salamanca, 2006, p.27. APUD.
SCHWARTZ, S. B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society. Bahia, 1550-1845.
Cambridge: University Press, 1985, p. 168.
98
BERNARD, Carmen; GRUZINSKI, Serge. Historia do Novo Mundo 2: As Mestiçagens. – São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 517.
99
Ibidem.

46
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todo o seu backgroud no comércio colonial português. O desenvolvimento dessa


empreitada não se deu repentinamente. Como bem afirmou Miriam Bodiam, “What had
began as a small nucleous of merchant families had developed by 1639 into a relatively
conspicuous community of well over a thousand persons”.100 É bom lembrar que, em
1635, vários judeus migraram para o Recife após a queda do Arraial Velho do Bom Jesus
em busca de oportunidades. Neste caso, eram em sua maioria famílias modestas.
Contudo, vieram no rastro da ocupação holandesa, que permitiu um trânsito considerável
de sefarditas no espaço Atlântico.
Para o período que antecede a invasão a Pernambuco, há também razões para
supor que a Trégua dos Doze Anos (1609-1621), entre Espanha e Países Baixos tenha
sido talvez mais importante para os emigrados sefarditas do que mesmo para os
holandeses de Amsterdam. Isso se deveu ao fato de que, segundo o historiador Pieter
Emer, “o transporte, o comércio e a finalização do açúcar brasileiro durante a trégua com
a Espanha (1609-1621) foram, todavia, realizados com companheiros portugueses e com
cristãos novos e judeus sefarditas”.101 Os holandeses sofriam, enquanto compradores do
açúcar brasileiro, a concorrência das cidades alemãs, da Inglaterra e da França.
Ainda segundo Mirian Bodian, os sefarditas que emigraram para Amsterdam bem
poderiam ter ido para outras comunidades como Veneza, Livorno ou Constantinopla. A
escolha de Amsterdam não pode ser atribuída diretamente a questões religiosas, uma vez
que, mesmo em Amsterdam, o judaísmo não era tolerado oficialmente. Também
poderiam ter ido para a Alemanha, Londres ou França, mas preferiram a cidade mais
importante da Holanda. Portanto, a emigração sefardita de Portugal para a Holanda aceita
mais a justificativa econômica, segundo a qual Amsterdam tornava-se interessante
102
enquanto centro comercial emergente de produtos coloniais no Atlântico.
A cidade que cresceu em volta do dique de Amstel possuía, ao tempo de 1610, a
bolsa de valores mais importante da Europa. Muito embora, antes mesmo da bolsa de

100
BODIAN, Miriam. Hebrews of the Portuguese Nation: Conversos and Community in early Modern
Amsterdam. - Indiana University Press: 1997, p.5. Ao tratar da formação de uma nova identidade sefardita
em Amsterdam, a autora considera a situação dos judeus portugueses frente ao calvinismo holandês e,
sobretudo, ao judaísmo rabínico, do qual encontravam-se afastados à algumas gerações. Sobre isso,
considera que : “When conversos left the Península after generations of isolation from traditional jewish
life, they brought with them notions of Judaism that were anomalous and rudimentary”. (p.18).
101
EMMER, Idem.
102
Idem, pp. 25-26.

47
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Amsterdam, tivessem existido na Europa outros mercados de valores, o de Amsterdam


tornou-se singular pelo “volume, a fluidez, a publicidade, a liberdade especulativa das
103
transações”, como disse Fernand Braudel. Na bolsa de Amsterdam eram especulados
produtos como o açúcar, o pau-brasil, o fumo, entre vários outros. Assim, não seria difícil
percebermos que a situação da lavoura canavieira em poder da WIC no Brasil interessava
sobremaneira aos especuladores daquela praça. Uma guerra prolongada poderia significar
baixa nas ações das commodities tropicais. As possibilidades deste mercado de ações
atraíram, sem dúvida, a recém chegada elite marrana portuguesa, interessada que estava
nos comércios de açúcar e, posteriormente, de escravos. Também desta forma, estão
interligados diversas partes do Atlântico no período atinente a presença batava no Brasil,
em diversos ramos da atividade econômica. Notícias do Brasil, por exemplo, que eram
transmitidas pelos pamfleten de Amsterdam, suscitavam apostas sobre o desfecho de
qualquer fato relevante na luta entre as tropas da WIC e o exército luso-brasileiro em
Pernambuco. Essa situação ficou bem registrada na pesquisa de José Antônio Gonsalves
de Mello sobre “gente da nação”. 104
O interesse econômico dos judeus portugueses em migrarem para os Países
Baixos foi a tônica do pensamento do historiador João Lúcio de Azevedo, para o qual “os
judeus escolheram como refúgio a Holanda por ser mais opulento, do que sustentar que
deles proveio essa opulência”.105 Azevedo reforça que, das primeiras migrações para os
Países Baixos em fins do século XVI, “na Holanda encontravam-se muitos destituídos de
cabedal”.106 Parece que a Holanda como “terra das oportunidades” para os sefarditas
portugueses foi a mais próxima e viável possibilidade de fuga. Com relação a

103
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV-XVIII): Os Jogos da
Troca. – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.82. Sobre a anterioridade de outros mercados de valores afirma
Braudel: “ Os títulos da divida pública do Estado começaram muito cedo a ser negociados em Veneza, em
Florença mesmo antes de 1328, em Gênova, onde há um mercado ativo de luoghi e paghe da Casa de San
Giorgio, para não falar nas Kuxen, as ações das minas alemães cotadas desde o século XV nas feiras de
Leipzig, dos juros espanhóis, das obrigações francesas emitidas pelo Paço Municipal de Paris (1522) ou do
mercado das obrigações das cidades asiáticas, já no século XV”. (p.82)
104
MELLO, José Antônio Gonsalves de. A Nação Judaica do Brasil Holandês . In: Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.XLVIII – Recife: 1976, p.229. Ao investigar
fontes de tabeliães de Amsterdam, Gonsalves de Mello demonstrou diversas apostas acerca de situações
vividas na guerra holandesa em Pernambuco, tal qual a queda (ou não) do Forte de Nazaré (Cabo de Santo
Agostinho) antes ou depois de determinado período, etc.
105
AZEVEDO, João Lúcio de. História dos Cristãos-Novos Portugueses. – Clássica Editora:Lisboa, 1989,
p. 29.
106
Idem.

48
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participação dos judeus na fundação das Companhias das Índias Orientais e Ocidentais,
conclui Azevedo:

“Mas nenhum deles [judeus] exerceu lugar primacial nessas instituições,


nem em parte alguma aparecem provas de haver contribuído de modo
notável a acção destes adventícios para a extraordinária expansão das
forças vitais de uma nacionalidade, que gloriosamente afirmava o seu
direito à existência”. 107

A importância econômica que os Países baixos tiveram para os judeus também


pode ser vista no quadro de uma rede de comércio que ligava, não raro, o Oriente Médio
a Europa Ocidental. Redes longas de comércio que traziam até Amsterdam mercadores
de diversas nacionalidades, inclusive armênios. Mas foi a diáspora sefardita do início da
Era Moderna que contribuiu para dar impulso à nascente província calvinista. Nas
palavras de Fernand Braudel, “Amsterdam, Hamburgo são os pontos de chegada
privilegiados de mercadores já ricos ou que depressa enriquecem de novo. Não há duvida
de que contribuíram para a expansão comercial da Holanda ...”.108
É bom não esquecermos que, aliadas as questões identitárias da formação destes
grupos de “judeus novos” frente aos calvinistas e o próprio judaísmo rabínico, as relações
econômicas tiveram um outro rumo a partir da presença destes grupos no Recife. Em
diversos pontos da atividade econômica a participação judaica esteve presente. A relação
da gente da nação com a Companhia das Índias Ocidentais nem sempre era amistosa, de
forma que a sua presença em diversas partes da conquista holandesa gerava, não raro,
problemas nos quais, quase sempre, a religião servia como pretexto de perseguições de
caráter econômico. Vale salientar, como já foi dito, que os judeus tiveram participação,
ainda que modesta, no capital subscrito para a fundação da WIC.

107
Idem.
108
BRAUDEL, Fernand. Civilizacao Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV a XVIII): Os Jogos
das Trocas. – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.134. O autor ressalta, a partir da diáspora sefardita da
época moderna, um incremento das redes de comércio judias tanto em direção à Península Ibérica como em
direção a partes do Mediterrâneo, tais quais Veneza, Mântua, Ferrara e Livorno. Sobre as migrações
atlânticas, afirma que “não há duvidas de que estejam [os judeus] também entre os obreiros das primeiras
grandezas coloniais da América, especialmente no que diz respeito à expansão da cana e ao comercio de
açúcar no Brasil e nas Antilhas”.

49
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A importância de Amsterdam para os judeus emigrados para o Brasil era grande,


uma vez que vários pedidos de emigração foram apresentados à própria Câmara de
Amsterdam. Desta forma, em setembro de 1635, já vencida a resistência luso-brasileira
do Arraial do Bom Jesus, vários foram os pedidos de famílias marranas, entre ricos e
109
pobres, para virem residir no Brasil.
Um outro ponto que envolve a relação entre judeus sefarditas, cristãos- novos e
Brasil Holandês diz respeito as informações que instigaram a vinda da WIC para
Pernambuco. Cristãos-novos que residiam nesta capitania teriam, possivelmente,
instigado a invasão holandesa. De modo um pouco diverso a esta suposição, José Antônio
Gonsalves de Mello considerou que “elementos estrangeiros residentes no Brasil ou aqui
conservados como prisioneiros, revelaram noticias valiosas sobre o país”.110 Tal o caso de
Gedeon Morris de Jonge, Dierick Ruiters e Johan Maxwell. O próprio Adrien Verdonck,
mercador residente no Recife ao tempo da invasão, serviu de informante à WIC, como se
vê em sua memoire, citada no início deste capítulo. Por outro lado, não é menos verdade
que, uma vez em Pernambuco, muitos cristãos-novos se reconverteram à Lei Mosaica. 111
Em se tratando especificamente da atividade açucareira, a participação judaica já
se fazia desde a fase das plantações de açúcar nas ilhas do Atlântico. Como observou
Stuarrt Schwartz, esses financiamentos davam-se, sobretudo, entre negociantes e agentes
comerciais genoveses e judeus. Tudo indica que muitos destes comerciantes judeus
acompanharam o êxito da empresa açucareira da Ilha da Madeira, laboratório do que viria
a ser feito em Pernambuco na segunda metade do século XVI. 112
No Brasil, a primeira visitação do Santo Oficio (1501-1595) permitiu, segundo
Evaldo Cabral de Mello, a que tivéssemos uma primeira noção acerca da “açucarocracia”
do Recôncavo baiano e de Pernambuco. Assim, pudemos saber mais sobre “a estrutura

109
Idem, MELLO, pp. 230-233.
110
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil. – Editora Massangana: Recife, 1987, pp.230-231. Para justificar a
influencia dos cristãos-novos que residiam no Brasil na invasão holandesa, o autor recorreu à peça teatral
contemporânea de Lope de Vega, El Brasil Restituído.
111
Idem. O autor lançou mão de Frei Manuel Calado para mostrar algumas das famílias de cristãos-novos
de Pernambuco que se converteram ao judaísmo quando da invasão holandesa. São eles Gaspar Francisco
da Costa, Baltasar da Fonsaca, Vasco Fernandes, Manoel Rodrigues Mendes, Simão do Vale, etc.
112
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835.- São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 25.

50
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113
social das grandes áreas de produção açucareira da América Portuguesa”. Ao analisar
os extratos que compunham a sociedade açucareira que antecedeu à invasão holandesa,
considerou Cabral de Mello que

“a acucarocracia ante-bellum compreendia um segundo extrato, também


de origem urbana, os mercadores cristãos-novos, certamente o segmento
mais dinâmico dela, uma espécie de cunha do grande comércio colonial
na etapa produtiva da economia açucareira”.114

Vale esclarecer que, ainda segundo Evaldo Cabral de Mello, o primeiro extrato da
sociedade açucareira ante-bellum era formado “não por rurículas afidalgados do
imaginário nativista mas por citadinos, entenda-se, indivíduos procedentes das grandes
cidades marítimas (Lisboa, Porto, Viana, Aveiro); ou de médias e pequenas vilas do
interior de Portugal”.115 Também é fato que muitos deles enxergavam os seus engenhos
como extensão ou mesmo “prolongamento lucrativo das suas lojas de Olinda e
Salvador”.116 Temos, então, já em Pernambuco, a presença de cristãos- novos nas redes ou
“dinastias comerciais”, como observou E. Cabral de Mello, no Atlântico pré-invasão.
No início da colonização, ainda no século XVI, a coroa portuguesa, através da
Casa da Índia, fazia contratos com diversos grupos comerciais. Alguns deles eram, não
raro, de cristãos-novos.117 Finalmente, ao avaliar as relações entre sefarditas e a WIC no
comércio do açúcar, considerou Philip Curtin que a migração atlântica da produção de
açúcar para o Caribe, após a Restauração, foi obra de cristãos-novos “sob a bandeira

113
MELLO, Evaldo Cabral de. Os Alecrins no Canavial: A acucarocracia Pernambucana no Ante-Bellum
(1570-1630). Revista do Instituto, Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol. LVII. Recife,
1984, p. 145.
114
Idem, p.152. O autor afirma que este extrato cristão-novo tinha uma situação financeira “mais sólida do
que os cristãos-velhos”.
115
Idem, p. 150.
116
Idem.
117
CURTIN, Philip D. Curtin. The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essays in Atlantic History.
Cambridge University Press: 1990, p.49. Sobre os primeiros comerciantes no Brasil considera o autor:
“...some were not even portuguese – The crown being less nationalistic about Brazil than about more
obviously valuable overseas territories. Anyone could trade, so long as the crown received its determined
share”.

51
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holandesa”. Conclui Curtin que “many important Sephardic Jewish families of the
Caribbean today trace their presence to this migration”.118
Contudo, não convém generalizar esta inserção dos judeus ou cristãos-novos nas
atividades coloniais sob pena de incorrermos em precipitações ou conceitos mal
averiguados. Como já se observou, a ‘recriação’ de um judaísmo rabínico fora da
Península Ibérica foi um processo traumático para aqueles já há algumas gerações
afastados das práticas tradicionais. Na Holanda, por exemplo, o processo de
transformação de cristãos-novos em ‘judeus–novos’ não foi linear e sempre exitoso. Pelo
contrário, muitos dos sefarditas que migraram para os Países Baixos traziam em suas
identidades atitudes próprias da Península Ibérica (iberismos). A convivência com grupos
ashkenazitas também não resultou tão simples. Do ponto de vista específico das relações
de identidade, a dubiedade de cristãos- novos portugueses deve ser levada em
consideração. Principalmente aquelas gerações afastadas do período da conversão forçada
a que foram submetidos em Portugal e na Espanha. Como afirmou Charles Boxer:

“Muitos, talvez a maioria, desses ‘cristãos- novos’ oscilavam entre as duas


religiões, e praticavam ora uma, ora outra, às vezes as duas
simultaneamente. E a razão disso era uma genuína incerteza ou indecisão
sobre qual delas era a verdadeira religião, ou se, na prática, era possível
concilia-las”.119

A dubiedade na afiliação religiosa pode ter levado, não raro, a uma certa dúvida
nas opções políticas. Em se tratando da adesão de cristãos-novos de Pernambuco aos
invasores holandeses, nem todos se colocaram ao lado ou van dienst (a serviço) da
Companhia das Índias Ocidentais. Criar uma relação necessária entre cristãos-novos e a
invasão batava pode ser, de alguma forma, algo precipitado. Tal foi o caso, por exemplo,
de Manoel Gomes Chacon (Chacão), cristão-novo que se converteu ao judaísmo rabínico
no Brasil Holandês e, no limiar da Restauração, voltou a professar a fé católica. O seu
caso foi particularmente analisado por Ronaldo Vainfas. Para ele, o lavrador de canas de

118
Idem, p. 82.
119
BOXER, Charles R. A Igreja Militante e a Expansão Ibérica (1440-1770). – São Paulo: Companhia da
Letras, 2007, p.110.

52
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Itamaracá, que passou a freqüentar a sinagoga do Recife, e se sentiu entre a família que
havia deixado e os negócios com os judeus de Maurícia que haveria de deixar às vésperas
da Restauração. Chacon foi preso, enviado à Bahia, julgado pelo auto-de-fé de 1647, mas
não foi ‘relaxado ao braço secular’.

3. Pernambuco: os portos e o Atlântico

No dia 17 de dezembro de 1642, partiu do porto do Recife os navios St. Pieter,


Buyeman e Dolphin em direção a Barbados. Em seguida, as embarcações seguiriam para
os Países Baixos levando, certamente, as novidades acerca da recém conquista da
Companhia das Índias Ocidentais: o Maranhão. Essa conexão direta Recife-Barbados,
oferecia a Maurício de Nassau e ao Conselho que o assessorava um maior raio de ação
além da escala nordestina. Estava o Recife inserido numa weltwirtschaft (economia-
mundo denominada por Immanuel Wallerstein) holandesa que, pela época acima, já
contava com a participação direta de Angola. Viagens como esta se tornaram comuns
porquanto durou a presença nassoviana no Brasil.120
Já mencionamos na secção I deste capítulo a importância que teve o porto do
Recife enquanto ponto geo-estratégico no Atlântico. Certamente, ao intentarem a
ocupação de Pernambuco, esse fato não passou despercebido aos neerlandeses. Também
não podemos associar a vinda da Companhia das Índias Ocidentais para o Brasil apenas
por este prisma. Se assim tivesse sido, a estada batava em Salvador anos antes não teria
acontecido. Sendo mais claro, procuraremos nesta secção perceber a importância do
porto do Recife não apenas enquanto local de desembarque do açúcar que abastecia boa
parte dos países da Europa ocidental na segunda metade do século XVI, mas sobretudo o
porto do Recife como um meio, uma passagem, para outros pontos do Atlântico.
Não seria heresia considerar que, primeiro, veio o porto, depois, a cidade. É fato
que o litoral nordestino, principalmente entre Natal e Salvador, oferece boas condições de
aportagem e também serve de via de acesso a outros pontos do Atlântico. Contudo, a

120
IAHGP. Coleção José Higyno. Brieven em Paieren uit brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 08/04/1642.

53
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importância do Recife se deve a muitas vantagens associadas. Em Pernambuco mesmo,


os portos de Pau Amarelo e Nazaré, este último ao sul do Recife, representaram
alternativas de aportagem ao Recife. O porto de Nazaré, por exemplo, bem que serviu aos
luso-brasileiros como uma das “escápulas do açúcar” (expressão de Evaldo Cabral de
Mello) enquanto os holandeses não se assenhoreavam dos engenhos do litoral sul de
Pernambuco.
A invasão holandesa a Pernambuco em 1630 veio a mudar a freqüência de
embarcações dos portos próximos a esta capitania, e mesmo nela. Observou Evaldo
Cabral de Mello que

“antes de 1630, os pequenos portos ao norte e ao sul do Recife eram utilizados


com freqüência durante os meses de verão. Só no Recife e na Paraíba, os
senhores de engenho e comerciantes de açúcar dispunham de transporte para o
Reino Unido durante todo o ano. A queda do Recife em 1630 determinou uma
redistribuição da navegação em favor da Paraíba e também dos portos menores,
especialmente o do Cabo de Santo Agostinho, os quais passaram a ser mais
procurados , escoando em conjunto mais açúcar do que o porto da Paraíba”. 121

A existência de portos é fundamental nas condições de ocupação de um território,


sobretudo numa época em que a tecnologia ainda não havia compensado as rudezas da
navegação transatlântica. Regime dos ventos, correntes, conhecimento de acidentes
geográficos, tudo isso era fundamental às aventuras ou desventuras marítimas. Em
Pernambuco, o Cabo de Santo Agostinho (ao sul do Recife) nos serve como um exemplo
de acidente geográfico – referência na “planície líquida” (a expressão é de Fernand
Braudel) que é o Atlântico. O Cabo de Santo Agostinho era, para os navegadores do
122
século XVI, uma efeméride na navegação do Atlântico sul. É certo, portanto, que,

121
MELLO, op. cit., p59.
122
[apud]. “a corrente equatorial que vem da África se bifurca no Cabo de São Roque e uma de suas
bifurcações segue a costa Norte do Brasil e das Guianas e chega às Antilhas, enquanto a outra segue até o
sul, paralela à costa Brasileira e constitui a corrente do Brasil; nos meses de junho a setembro , que era
quando os barcos que saiam da Península Ibérica chegavam ao Brasil, as correntes nas imediações do Cabo
de São Roque se dirigem a NW e se a sua ação se junta à das monções do Sul, que alcançam então sua
maior identidade, se compreende facilmente que aos barcos a vela era sumamente difícil vencer esses
obstáculos para dirigir-se ao Sul , sendo muitas vezes arrastados até as Antilhas. Em troca, alcançando-se o
Cabo de Santo Agostinho se cai dentro da corrente do Brasil e é fácil prosseguir a viagem para o sul. A

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quem quer que estivesse na carreira das Índias Orientais, sabia muito bem precisar o
Cabo (como é popularmente conhecido), na Capitania de Pernambuco. Segundo Ulysses
Pernambucano de Mello, “era o Cabo de Santo Agostinho e suas proximidades o lugar
para onde se dirigiam os navios dispersos que cruzavam o atlântico sul, constituindo-se
no local de mais fácil identificação para os que vinham do Hemisfério Norte”.123 Esses
pormenores da navegação sul-atlântica já foram bem explorados por Luis Filipe de
Alencastro, que observou:

“Na altura do Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco) a corrente


Subequatorial se bifurca, dando lugar à corrente das Guianas, que deriva
costa acima até o Caribe, e à corrente do Brasil, descendo costa abaixo.
Fenômeno que explica o interesse dos holandeses, durante sua ofensiva
na América do Sul, em ganhar o controle do arquipélago de Fernando de
Noronha, entrada de duas rotas estratégicas para os ataques contra o
Império Filipino: a das Antilhas e a que descia pela costa brasileira”.124

Ao norte do Recife, a praia de Pau Amarelo (como fora acima observado) oferecia
boas condições de aportagem. Não é à toa que foi lá que desembarcaram mais de vinte
navios das tropas da Companhia das Índias Ocidentais em 1630. A outra metade
estacionou no porto do Recife. O próprio nome ‘Pernambuco’, que significa algo como
‘pedra vazada’ em tupi- guarani, deve a sua origem a uma barreira de arrecifes que, como
era vazada, permitia a passagem de embarcações que ficavam protegidas por sua barra.

eleição do Cabo de Santo Agostinho como ponto que satisfaz plenamente as condições indicadas supõe
viagens anteriores que impuseram o conhecimento dessas características, impossíveis de se obter de uma
única vez em navegação” In: MELLO, Ulysses Pernambucano de. O Cabo de Santo agostinho e a Baia de
Suape. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano: - Vol. LIII. Recife, 1981,
p. 38.
123
Idem. O autor considera que o Cabo já aparece bem representado em cartas náuticas do inicio do século
XVI, como as de Caverio, Magiollo (1504), A. Vespucio (1505), Kustmann II, Waldseemuller (1508) e
Ruysch (1508).
124
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 57-58.

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Localizava-se esta barra nas imediações da Vila de Igarassu (norte do Recife). Logo,
surgiu o topônimo Pernambuco a partir de um porto.125
Com o início da economia açucareira em Pernambuco e o seu desenvolvimento na
segundo metade do século XVI, tais portos passaram a ter, na prática, uma função a mais
do que oferecer boas condições de aportagem. A expansão da economia açucareira, aliada
a extração de pau-brasil, aumentou a importância dos portos do Nordeste do Brasil.
Como em Pernambuco se produzia a maior parte do açúcar consumido na Europa, já no
último quartel do século XVI, teve no porto do Recife a sua mais importante porta de
saída daquele produto. A partir de então os navios passaram a freqüentar o Nordeste não
126
apenas para se afastar da cabotagem ao longo da África, e sim para fazer comércio.
Mas estes portos eram também, e muitas vezes, de contrabando. Vejam-se os
casos do Porto dos Franceses (Alagoas) e Pitimbu (norte de Pernambuco), fartamente
utilizados pelos franceses para desviar açúcar e madeira das capitanias de Pernambuco e
127
Itamaracá. O próprio porto do Recife protagonizou um comércio ilegal de madeira,
açúcar e, inclusive, prata de Potosí desviada pelo Rio da Prata. Nas relações atlânticas, o
contrabando esteve presente e precisou sobremodo de lugares ermos para o seu êxito.128
O interesse da WIC na prata espanhola era evidente. Uma vez estabelecidos no
Caribe, os holandeses “cercavam” as saídas da prata do México e do Peru. Por volta de
1630-1640, a produção argentífera daquelas minas ainda se revelava atraente aos batavos.

125
MEDEIROS, Guilherme de Souza. Cruzando o Tenebroso: A Arte da Navegação no Inicio do Século
XVI em Pernambuco. Dissertação de Mestrado defendida em 2000 (UFPE). P. (?)
126
Acerca da navegacao no litoral do Nordeste, escreveu Philip Curtin: “ Brazil was, first and foremost, a
place the Portuguese had to pass on the way to India. Once past the bulge of Africa and the doldrums, the
most direct route to the Cape of the Good Hope was in the teeth of the southeast trade winds. To avoid this,
mariners sailed as close to the trade as possible – just as they headed back toward Europe took a detour
away from the Saharan coast of Africa. As a result, they passed very close to the northeastern bulge of
Brazil. Ref. CURTIN, Philip D. The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essays in Atlantic History.
Cambridge University Press, 1990, p. 48.
127
Sobre a presença de franceses em Itamaracá e Paraiba, afirmou Capistrano de Abreu: “ Os petiguares da
serra entretinham boa relacao boas relações com os colonos; [...] os da praia, sempre amigos dos franceses,
faziam com estes bons negócios na Paraiba”. Essa referência é do século XVI (segunda metade), fase em
que a presença francesa era constante na costa do Brasil. (Capítulos de História Colonial: 1500-1800. –
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Brasília, 1976, p. 56)
128
Sobre o contrabando na America do Sul envolvendo Pernambuco, afirmou Fernand Braudel: “Do Brasil
para o Rio da Prata, um tráfico continuo de pequenas naus de umas quarenta toneladas trazia à socapa
acucar, arroz, tecidos, escravos negros, talvez ouro. Regressavam ‘carregados de reaes de prata’ .
Paralelamente, pelo Rio da Prata, vinham mercadores do Peru com espécies para comprar mercadorias em
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro. Os lucros destes tráficos ilegais , segundo um mercador, Francisco
Soares (1597), iam de 100% a 500% e, se acreditarmos no que ele diz, chegavam a 1.000%”. Ref.
BRAUDEL, Opus. Cit, p. 135.

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Merece destaque, também, a economia que girava em torno da atividade mineradora, que
era o comércio de roupas, vinho da Espanha e escravos africanos que circulava nas vilas
mineiras. Todas essas mercadorias eram pagas com grandes quantidades de metal
precioso. Certamente os comerciantes ligados a WIC quiseram entrar nestes “circuitos
129
econômicos, energizados pela mineração”, como destacou Peter Backwell. No
processo de colonização da América desenvolveu-se desde cedo uma classe social local
(os crioullos), os quais colocaram as colônias espanholas, cada vez mais, numa relação de
independência da Espanha. Como observou John Lynch:

“ By the 1640’s certain sectors of the American economy - shipbuilding, agriculture,


and invest in overseas trade – were far more buoyant than their couterparts in spain. The
economic independence of America, and its superior capital resources, denotated a
fundamental shift of balance wirhin the Hispanic world. Economically, at least the
dominant partner was now America [...]” 130

Essa relativa independência econômica da América espanhola em relação a sua


metrópole foi, ainda segundo Lynch, mais prejudicial à Espanha do que mesmo os
agravos por ela sofridos por parte dos holandeses através das guerras de independência
dos Países Baixos.
Como conseqüência da atividade mineradora, as cidades passavam a concentrar
grandes populações para os padrões da época. Para se ter idéia, a cidade de Lima
comportava, em 1610, algo em torno de 25 mil habitantes. 131 Lima concentrava em torno
de si um comércio interessante. Não foi por acaso que os holandeses empreenderam
expedições à costa peruana e chilena a partir de Pernambuco. Ao redor das cidades
mineradoras se estabeleciam as haciendas, fontes constantes de abastecimento de víveres
para a população mineradora.

129
BAKEWELL, Peter. A Mineração na América Espanhola Colonial. In: História da América Latina:
América Latina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org). – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Brasília, 2004, p. 102.
130
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New York: - New York University Press, 1984,
p.13.
131
MOERNER, Magnus. A Economia e a Sociedade Rural da América do Sul Espanhola no Periodo
Colonial. In: História da América Latina: América Latina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org). – São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília, 2004, p. 194.

57
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Para a primeira metade do século XVII, podemos considerar a prata e o comércio


de gêneros alimentícios como sendo o que mais interessava a Companhia das Índias
Ocidentais na América espanhola. Quanto a venda de escravos para o trabalho nas minas,
ainda não seria o momento, uma vez que por essa época os holandeses ainda estivessem
iniciando diretamente o comércio com a África Centro-Ocidental. Além do mais, o
aumento da mão-de-obra escrava africana nas minas do Peru e México não se deu ainda
no século XVII e sim no XVIII. 132
No início da década de 1640, era mais interessante para a WIC vender escravos
para algumas fazendas de açúcar no Caribe que ali se instalavam. Barbados era um desses
lugares. De várias maneiras os holandeses cercavam os espanhóis, sendo mais ostensivos
em Pernambuco e no litoral brasileiro. O interesse holandês pelos metais preciosos no
Brasil foi evidenciado por Hermann Waetjen, que se referiu às expedições realizadas ao
interior de Pernambuco e Paraiba em busca de ouro e prata. Tudo isso se deu já no
governo de Mauricio de Nassau que, segundo Waetjen, “satisfazia [Nassau] o ardente
desejo dos seus patrões da Holanda, dos quais grande número esperava ver realizado no
Brasil o sonho do ‘el dorado’”. 133
A atuação dos holandeses contra a Espanha data desde bem antes da fundação da
Companhia das Índias Ocidentais, em 1621. John Lynch chega a relacionar a crise do
comércio da Espanha com as suas colônias na América com os sucessivos ataques de
“inimigos estrangeiros”, entre eles, os holandeses. Essa crise do comércio transatlântico
situa-se já na primeira década do século XVII e esteve na conjuntura de uma crise
134
européia marcada pela inflação que durou quase um século (1550-1650).
Retomando as ambições da WIC no Caribe, e a relação que isto tem com a prata e
ouro espanhóis, temos uma passagem do cronista Gaspar Barleus em que o mesmo narra

132
Ibidem. Segundo o autor, “na costa peruana os escravos africanos constituíram parte importante da
força de trabalho rural. Em 1767 os jesuítas empregavam 5224 escravos, 62 por cento nas fazendas de
cana-de-açúcar, 30 por cento nos vinhedos. Esses escravos muitas vezes recebiam pedaços de terra onde
podiam cultivar seus próprios alimentos”. P. 195.
133
WAETJEN, op. cit. p. 209. O autor se refere a duas expedições incentivadas por Nassau no ano de 1637
em “abas de serra de Pernambuco” e a expedição empreendida por Elias Herckmans ao interior. Ambas
sem sucesso. No Ceará, uma expedição comandada por Mathias Beck teve mais êxito, tendo encontrado
uma mina de prata “aparentemente rica”, mas que não chegou a ser explorada.
134
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New York: - New York University Press, 1984, p.
11. Segundo o autor, “ a crise pode ser datada precisamente entre os anos 1598 e 1620 e se tratou de uma
crise de mudança da tendência econômica do século XVI”. Na Espanha, o contexto foi de
“empobrecimento da população rural, depopulação e recessão do comércio com as colônias americanas”.

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uma tentativa dos holandeses para se apoderarem dos carregamentos para a Europa. Em
setembro de 1640, uma expedição comandada pelos almirantes Jol e Lichthart intentou
com vinte navios capturar a prata vinda das minas de Potosí a partir do porto de Havana.
A operação foi malsucedida. Segundo Barléus:

Frustou-se-lhes, porém, a expectativa. A sede do dinheiro não sofre delongas, e


nada se ficou sabendo da outiva sobre a chegada da frota da prata, por mais que
se interrogassem a respeito pescadores apanhados aqui e acolá. Cada uma delas
efetivamente, por ótimos alvitres e por prudente receio, permaneceu nos seus
respectivos portos, não achando razoável expor à ambição armada o ouro e a
prata que levavam [...] 135

A importância do Caribe para a Companhia das Índias Ocidentais se deve também


ao fato de ficar a meio caminho entre a América do Sul e do Norte. Mais
especificamente, a corrente do Gulf Strean permitia a circulação de embarcações entre a
Europa, América do Norte e Caribe, como destacaram os historiadores Peter Linebaugh e
Marcus Rediker ao tratarem da circularidade de pessoas no Atlântico Norte e Caribe.
Como eles mesmos destacaram:

The planetary currents of the North Atlantic are circular. Eupeans pass by Africa
to the Caribbean and then to North America. The Gulf Stream then at three knots
moves north to the Labrador and Artic currents, which moves eastward , as the
North Atlantic Drift, to temper the climates of northwestern Europe. 136

Uma outra forma de atacar o Império espanhol sem ser pelo Caribe foi a ocupação
de Angola em 1641. Tomou parte da mesma o Almirante Jol citado acima. Da fracassada
expedição a Cuba para a bem sucedida conquista de São Paulo de Luanda, a WIC atingia

135
BARLÉU, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 204.
136
LINENBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. The Many-Headed Hydra: sailors, Slaves, Commoners,
and the Hidden History of the Revolutionary Atlantic. Boston: - Beacon Press, 2000, p. 1.

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a Espanha impedindo que 15.000 negros saíssem de Angola para trabalhar nas minas do
137
Peru e do México.
O Recife antes da invasão holandesa, enquanto porto da então florescente vila de
Olinda, já tinha um caráter de ‘cidade-etapa’ na economia- mundo do Atlântico. Tendo
como ‘cidade-pólo’ Lisboa, passou, após a invasão a girar, de forma direta, na órbita de
Amsterdam, o maior empório comercial da primeira metade do século XVII. E foi
mesmo durante a presença holandesa que a cidade do Recife deixou a condição de
“povo” para a de núcleo urbano com problemas de superpopulação, inclusive. Ao
descrever o Recife por volta de 1636, José Antônio Gonsalves de Mello não deixou de
mencionar os altíssimos preços de imóveis bem como a circulação constante de gente de
diversas partes da Europa. O Recife deixava de ser um “burgo triste e sem vida” 138 para
ser um importante entreposto comercial para os Países Baixos, pelo menos para uma
parte da burguesia de Amsterdam.
Evidentemente, não podemos comparar o porto do Recife com os de Amsterdam e
Antuérpia, os quais podiam comportar mais de mil embarcações de uma só vez. Nestes
ancoradouros existiam diversas embarcações que chegavam do Báltico após pescarem
centenas de baleias e aproveitarem seus derivados. Chegavam a lucrar com essa atividade
mais de 2 milhões de florins a cada temporada. O maior de todos esses comércios era
mesmo o de Arenque, chamado de moedernegotie, ou ‘negócio mãe'.
A presença holandesa fez com que o Recife se conectasse mais diretamente a
outras partes do Atlântico como, por exemplo, o Caribe. Assim, como veremos em
capítulo mais adiante, navios como o Holandia, De Wapen van Hoor e Bonte Coe, bem
conhecidos das fontes coêvas, faziam viagens a Curaçau, Barbados, Santa Bárbara e
Cuba. Em agosto de 1635, de uma só vez, zarparam do porto do Recife em direção a
Cuba os navios De Zujdsterre, Schoop, De Meermine e Angola levando vários soldados

137
Barleus, op. cit. p. 214. Segundo o cronista: “ Efetivamente, o próprio rei da Espanha se acostumou a
levar dali anualmente 15.000 negros, dos quais se utilizava para trabalharem nas minas do Ocidente. É,
pois, certo que o rei tentará extremos para recuperar o Reino de Angola, de tanta importância para o
império hispânico”.
138
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil. – Editora Massangana: Recife, 1987, p. 35. Palavras do autor: “Burgo triste
e abndonado [o Recife], que os nobres de Olinda deviam atravessar pisando em ponta de pé, receando os
alagados e os mangues; burgo de marinheiros e de gente ligada ao serviço do porto; burgo triste, sem vida
própria, para onde até a água tinha de vir de Olinda”.

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luso-brasileiros como prisioneiros.139 A queda do Arraial Velho do Bom Jesus, em 1635,


terminava com parte de seus soldados nas ilhas do Caribe, que de lá prosseguiam para os
Países Baixos.
Retomando a discussão da posição estratégica de Pernambuco, quando não do
Nordeste, temos um trecho do relato feito por um administrador holandês em 1633. Diz
ele:

“Esta conquista nos fornece meios para outros empreendimentos


importantes, tais como a conquista do Brasil meridional ‘ [...], o desvio do
comércio de Angola, a anexação do Rio da Prata e a navegação do Chile e
de todo o mar do Pacifico; e ao passo que este pais seria para nossa
Companhia das Índias Ocidentais uma estação de parada cômoda e segura
140
[...]”.

A partir desse relato, podemos perceber a dimensão da conquesten holandesa:


açambarcar o Nordeste para depois açambarcar outros domínios ibéricos. As intenções
holandesas aumentam até a importância que tinha esta parte do Atlântico Sul para a WIC,
econômica e geopolítica. Seja como for, eis aqui o gérmen, se não um antecedente da
idéia que seria colocada em prática por Maurício de Nassau quando de seu governo
(1637-1644), quando o mesmo, a partir do Recife, atacou El Mina, Angola e o Chile. 141
Uma história do Atlântico que se estendeu ao Pacífico. Por enquanto, fiquemos com o
Atlântico Sul apenas.

139
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijkse notulen van de Hooge Raden in Brasilie. 17/08/1635.
140
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633. In: Documentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, pp. 125/126.
141
As intenções flamengas no Nordeste enquanto ponto estratégico no Atlântico Sul evidencia-se após a
tomada de São Jorge da Mina, em 1637, quando os primeiros navios da WIC passaram a trazer escravos
diretamente dos portos africanos. Para o ano de 1639, já é possível identificar a chegada de navios das
regiões próximas ao Castelo da Mina sobretudo “peças de escravos” (stuck negers). Numa ocasião, aportou
no Recife os navios Camel e Charitas, trazendo pouco mais de 300 escravos, sendo 150 provenientes de El
Mina e 174 do porto de Ardras. Também trouxeram ouro e uma carta do administrador Willem Willeckems
do Cabo Lopez. IAHGP. Coleção José Higino. Birven em Papieren uit brasilie. 29/04/1639.

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4. A Companhia das Índias Ocidentais

A ocupação do Brasil pelos holandeses não foi fortuita. Essa observação, apesar
de óbvia para quem trabalha este tema, não nos exime de uma reflexão acerca do que
foram as companhias de comércio do século XVII. Nos Países Baixos, em particular, o
paulatino processo de independência do domínio espanhol teve como principal
conseqüência a criação da Companhia das Índias Orientais (VOC) e, a sua “irmã mais
nova”, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC). Temos, de antemão, que a primeira
exerceu grande influência sobre a segunda.
Evidentemente, o grande cenário para essa discussão passa pela ascensão do
capitalismo e na forma como ele se expressou entre nações protestantes e católicas. Sobre
esse assunto, Hugh Trevor-Hoper epressou que em lugares como Milão e Antuérpia, “o
capitalismo independente definhou” e que “os únicos grandes lucros nos negócios eram
os lucros do capitalismo de Estado”. Enfim, para a Espanha, a situação era a seguinte: “A
plutocracia genovesa, tolerada como enclave urbano autogovernado, a fim de ser o
financiador estatal do império espanhol, e investindo seus lucros em funções, títulos e
terras dentro desse império, é típica dessa história”. 142 Assim, em oposicão ao capitalismo
“independente” dos Países Baixos, a influência do império espanhol no “capitalismo de
143
Estado” foi determinante nos Países da Contra-Reforma. Mesmo assim, essa dicotomia
entre o capitalismo em países da Reforma e da Contra-Reforma não pode ser tão radical,
uma vez que mesmo um teórico da república mercantil como Paolo Sarpi, permaneceu no
seio da Igreja católica. Só que na república de Sarpi, Veneza, a Igreja se via separada do
144
Estado. Ele não era, pois, a” Igreja desse Estado”, como concluiu Trevor-Roper.
Por outro lado, o fato de o capitalismo livre-empreendedorista ter preponderado
nos Países protestantes não torna fraco o papel do Estado. Pelo contrário, no caso dos
Países Baixos, a aparente ausência do Estado faz parte de uma idéia que foi encampada

142
TREVOR-ROPER, Hugh. A Crise do Século XVII: Religiao, a Reforma & Mudança Social. –
Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 73.
143
O autor tipificou a sociedade espanhola como “feudal”, arcaica, acidentalmente alçada ao poder mundial
pela prata da América”. De uma forma geral, também tipificou Trevor-Hoper a forma de capitalismo
espanhola, ou ”dos estados principescos” como uma regressão econômica e até ironiza ao insinuar que “por
volta de 1640, o apoio espanhol podia ser de pouca valia para qualquer um; mas nessa época as sociedades
da Europa da Contra-Reforma estavam estabelecidas: estabelecidas em declínio econômico”.
144
TREVOR-ROPER, idem, p.80.

62
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por muitos historiadores que não entendiam que a riqueza de uma sociedade refeletia
num Estado mais forte e não necessariamente absolutista. 145 O pensamento da fragilidade
do governo nos Países Baixos pode encontar eco nas rivalidades que sempre existiram
entre a plutocracia da Província da Holanda e o poder dos Stathouders, que controlavam
as Províncias do interior e eram elementos da casa de Orange-Nassau. No entanto, apesar
dessas disputas domésticas, os Países Baixos nunca deixaram de exercer o seu poder
externo no século que ficou conhecido como “o século de ouro” para a Holanda: o século
XVII. Do que concluímos que o governo sobreviveu as turbulências provinciais.
As companhias holandesas das Índias Orientais e Ocidentais têm origens numa
tendência já verificada na Europa Ocidental desde a segunda metade do século XVI. São
as chamadas sociedades de capitais, apelidadas pelos ingleses de Joint Stock Companies
146
(sociedades por ações). Na própria Inglaterra, por volta de 1550, formou-se a primeira
sociedade de ações, a Moscovy Companie. Já na França, observou Fernand Braudel, a
instituição das sociedades de ações apareceu mais lentamente que na Inglaterra e nos
Países Baixos. Contudo, foi mesmo no século XVII que se consolidaram as grandes
companhias comerciais, e à sombra de uma condição sine qua non, segundo o autor de O
Mediterrâneo: a de que “só há crescimento significativo da empresa quando há
associação com o Estado – o Estado, a mais colossal das empresas modernas que,
crescendo sozinho, tem o privilégio de fazer crescer as outras”. 147 Essa declaração
mostra por si só a importância que o Estado, inclusive o dos Países Baixos, possuíam no
florescimento de companhias do porte da VOC e da WIC. E foi de suas grandes e
organizadas companhias de comércio que, ainda segundo Frenand Braudel, “as
148
Províncias Unidas e a Inglaterra se serviram para conquistar o mundo”.

145
O historiador Franand Braudel, apoiado nos estudos de Immanuel Wallerstein, ao considerar que
governo e sociedade fazem parte de um mesmo bloco. Ainda segundoBraudel, no centro de qualquer
economia-mundo, a figura do Estado é tanto mais “temida e venerada”, quanto mais riqueza e dinamismo
econômico ele puder trazer para si. Esse foi o caso de Veneza (século XVI), Holanda (século XVII) e
Inglaterra (século XVIII). Ref. BRAUDEL, Civilização Material e Capitalismo, O Tempo do Mundo, p. 40.
146
Sobre esse assunto, Braudel reitera a anterioridade das “sociedades de ações” à segunda metade do
século XVI ao afirmar que “ já antes do século XV, os navios do Mediterrâneo são muitas vezes
propriedades divididas em ações – chamadas partes em Veneza, luoghi em Gênova, carrati na maior parte
das cidades italianas, quiratz ou carats em Marselha”. Ref. BRAUDEL, Civilização Material e
Capitalismo, Os Jogos das Trocas, p. 388.
147
Idem, p. 391.
148
Idem, p. 392.

63
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Uma condição para o sucesso das grandes companhias de comércio que


concordamos ter sido imprescindível: a concessão de privilégios por parte do Estado. Tal
concessão caracterizaria as grandes companhias como estados dentro de estados? Essa
questão pode ser apenas retórica, mas vale a pena ser discutida para o caso particular da
Companhia das Índias Ocidentais na secção seguinte. De antemão, consideremos que tais
sociedades por ações tinham por prática tomar a seu talante áreas de comércio muito
distantes de suas sedes. No negócio de longa distância, para tomarmos como exemplo os
Países Baixos, uma das companhias que antecedeu a Companhias das Índias Ocidentais
chamava-se “Companhias para lugares distantes” (Compagnie Van Verre).
A relação entre capitalismo, estado e comércio de longa distânncia data desde o
século XVI. Nos países ibéricos, a criação da Carrera de las Indias (Espanha) e da Casa
da Índia (Portugal) são exemplos daquela associação. Contudo, nesses países, a coerção e
149
a fiscalização do Estado tendiam a ser enormes, se comparadas aos Países Baixos.
Antes de entrarmos nas grandes companhias de comércio dos Países Baixos,
convém lembrar das companhias inglesas do fim do século XV e inicio do XVI. Eram
elas a Merchant of the Staple e a Merchant Adventurers. A primeira congregava
exportadores de lã e a segunda de tecidos. Mais uma vez, Fernand Braudel chama atenção
para o fato do caráter quase sempre “aventureiro” dos negociantes destas primeiras
companhias de comércio em alusão ao nome desta última companhia acima citada.150
Conseguintemente, foram fundadas as companhias da Moscóvia (1555), a do Levante
(Levant Company, em 1585). Finalmente, em 1599, formou-se a Companhia Inglesa das
Índias Orientais.
Apesar de pouco estudada, como aponta o historiador turco Mehmet Bulut, a
presença holandesa no Império Otomano existia desde o século XVI. O mesmo verificou
que “Although formal diplomatic relations between the Ottoman Empire and the Dutch

149
Idem.
150
Idem, p. 396. No entanto, Braudel considera que a Merchant Adventurers Company era administrada
como uma “corporação”, em que “os membros da companhia são irmãos entre si, e suas mulheres, irmãs.
Os irmãos devem ir todos juntos aos ofícios religiosos, aos enterros. Estão proibidos de se portar mal, de
pronunciar palavras grosseiras, de se embriagar, de tornar-se espetáculo para os outros [...]”. Assim
reproduziu o autor parte do estatuto da companhia.

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Republic were first stablished in 1612, commercial contacts had already been made by
travellers and by merchants engaged in Mediterranean trade before 1600”. 151
Em prirmeiro plano, os olhos dos países capitalistas emergentes no século XVII
estavam voltados para o Oriente das especiarias, terreno já bem conhecido pelos países
ibéricos, sobretudo Portugal. A inserção portuguesa na Ásia eral tal que fez jus à
afirmação de Charles Boxer de que

“nada é mais notável do que o modo como os portugueses conseguiram


assegurar e manter, por quase todo o século XVI, uma posição dominante
no comércio marítimo do oceano Índico e uma parte muito importante no
que se fazia a leste do estreito de Malaca”. 152

E foi para esse destino que os Países Baixos lançaram os seus olhares através.
Primeiro, com a Compagnie Van Verre, em fins do século XVI e, no alvorecer do século
XVII, com a Companhia das Índias Orientais (VOC). A atuação desta última sobretudo
no Oceano Índico é que influenciará, alguns anos mais tarde, a criação da Companhia das
Índias Ocidentais (WIC).
No século XVII as possessões portuguesas no Oriente foram seriamente atingidas
pela VOC no que diz respeito ao comércio lusitano ai enraizado desde o século anterior.
O avanço de Portugal em direção ao Oriente fez parte de um processo, não
necessariamente consciente de expansão, como demostrou Charles Boxer, mas
certamente “surgiram de uma mistura de fatores religiosos, econômicos, estratégicos e
políticos, é claro que nem sempre dosados nas mesmas proporções”. 153 Também ficou
claro que, segundo o autor, o deslanchar de Portugal na colonização ultramarina se deu
sob o clima de paz interna que o seu território experimentou ao longo de todo o século
XV, enquanto os outros países da Europa Ocidental estavam envolvidos de alguma forma
com guerras civis internas ou ameaças estrangeiras. Finalmente, como fator religioso,
mas indubitavelmente, econômico, a conquista de Ceuta aos “infiéis” hereges conbinou

151
BULUT, Mehmet. The Role of the Ottomans and Dutch in the Commercial Integration between the
levant and Atlantic in the Seventeenth Century. In: Journal of the Economic and Social History of the
Orient, Vol. 45, No. 2 (2002), pp. 197-230.
152
BOXER, Charles. O Império Marítimo Português. – São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 52.
153
Idem, p. 33.

65
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mais de um fator para o avanço da coroa portuguesa em território africano. 154 É forte a
tese, ainda segundo Charles Boxer, acerca dos interesses econômicos de Portugal na
ocupação daquela praça, uma vez que, a partir dali poderiam estabelecer contatos com o
comércio de ouro desde há muito existente nas terras do alto Níger e do rio Senegal.
Assim, os portgueses promoveram o carreamento desse comércio de ouro do Sudão
ocidental, que se fazia no interior, para o litoral. 155 Que fique claro, portanto que a coroa
portuguesa procurava manter o monopólio do comércio de ouro, escravos e especiarias
em geral, muito embora, em alguns casos isolados, a coroa tenha concedido os direitos de
importação de marfim e escravos a alguns indivíduos mediante, é evidente, o pagamento
de licença.
No Índico, o império português consolidou-se no grosso trato com as cidades
suális da costa oriental da África (Mombaça, Quíloa, Melinde e Pate) que, segundo
Charles Boxer, eram “todas possuidoras de alto nível de florescimento cultural e
prosperidade comercial”. 156 O estabelecimento dos portugueses no Índico situou-se entre
as cidades acima citadas e o Timor, passando por importantes entrepostos comerciais
como Mascat, Ormuz, Diu, Bombaim, Goa, Calecute, Ceilão, Meliapor, Negapatão,
Pegu, Sião, Malaca, Macau e Ilhas Molucas, para não citarmos outros. Ao longo do
século XVII, quase todo esse território foi alvo da Companhia das Índias Orientais.
Quando os holandeses partiram para tomar o quinhão ibérico na Ásia, já estavam bem
conscientes do que iriam encontar.
Antes de se “aventurar” no Oriente com uma grande companhia de comércio, as
experiências anteriores colhidas pelos neerlandeses mostraram aos empreendedores
holandeses e zelandeses que “ leurs succès durable exigeait une organization rigoureuse”,
como afirmou o historiador Yves Cazaux. 157 O mesmo resume o êxito neerlandês no
Oriente da seguinte forma:

154
Boxer, no tocante a tomada de Ceuta, chamou a atençao para o motivo eminentemente econômico da
conquista de Ceuta, uma vez que se tratava de um centro comercial florescente à época, dotado de uma boa
condição de aportagem que seria fundamental para uma futura expansão portuguesa através do estreito de
Gibraltar.
155
Tal empreitada levada a cabo pela coroa portuguesa foi lucrativa, haja vista que, só no reinado de dom.
Manuel I (1496-1521), os portugueses truxeram de São Jorge da Mina, anualmente, 170 mil dobras de ouro
a cada ano em média. Ref. BOXER, op. cit. p. 45.
156
Idem, p. 55.
157
CAZAUX, op. cit., p. 241.

66
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“ L’organization néerlandaise, qu’il faut examiner avec attention, n’enlève rien


de sés qualité aventureuses et même héroiques à l’entreprise, mais par le calcul
des risques et grâce à des mecanismes de compensation, elle évite qu’une série de
désastres subis ici et là n’entraîne la ruine de l’ensemble. On reconnaît lê
mélange du réalisme et du revê qui caractérise lês Provinces-Unies”. 158

Evidentemente, a “dose de realismo” holandês não impediu, no caso da


Companhia das Índias Ocidentais, os insucessos que a mesma experientou no Brasil.
Sobre a VOC, temos que a partir de sua criação em 1602, não demorararia muito para que
algumas das mais importantes possesões portuguesas caíssem em mãos batavas.
Dirigindo a sua teia comercial para Bali, Amboina e Molucas, a VOC ocupou Jacarta
(Batávia) em 1621 e em Malaca (1640) durante a revolta de Portugal contra a Espanha. O
ano seguinte, 1641, assitiu à instalação dos holandeses no Ceilão bem como na costa do
Coromandel. Vale salientar que os agentes da VOC já haviam feito contato com o Japão
e, em 1616, obtiveram ai algumas concessões de grosso trato. 159
Tão logo iniciou o século XVII, e a Companhia das Índias Orientais já
empreendiam enfrentamentos aos portugueses instalados no Índico. Tal quadro se
estendeu até a assinatura da Paz da Holanda em 1668. Durante todo esse tempo, já à
altura das lutas entre portugueses e holandeses no Atlântico-Sul, formou-se um quadro
que levou o historiador Charles Boxer a considerar como uma verdadeira guerra

158
Idem, p. 242. O lastro do sucesso da VOC no Oriente foram, entre outrso fatores, a poderosa marinha
mercante de que dispunham os neerlandeses (segundo o autor, “encore une autre statistique globale: aux
alentours de 1660, les Provinces-Unies posséderont lês trois quarts de la flotte de commerce mondiale”),
assim como de um arrojado sistema de seguros de cargas tal ponto de organização que “ dés lê debut de la
guerre des Trente Ans, elles parviennent à garantir lês risques de mer pour une prime de dix por cent em
temps de guerre, de huit pour cent em temps de paix, et même moins cher encore, quand la conjoncture
s’améliore. Ces tarifs à Amsterdam sont souvent inférieurs de moitié aux tarifs français correspondents”.
Convém lembrar da importância das companhias inglesa e holandesa na Ásia. Em trabalho acerca das
grandes companhias de comércio, os historiadores da economia Ann Carlos e Stephen Nicholas
enfatizaram que “if one looks at only a fraction of the transactions, the invoicing of goods between the
factory at batvia (present-day Jakarta, Indonésia) and the head office of the Dutch East Índia Company, the
volume of transactions filled ‘more than 500 fat volumes from the 17th century’. “ Os autores também
observam que este número o volume comercial intra-asiático, nem as transacoes entre feitorias da
companhia e mercadores locais no Oriente Médio, India, Batávia e Japão. Ref. CARLOS, Ann M. ,
NICHOLAS, Stephen. In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988), pp.401.
159
Yves Casaux enfatiza os contatos neerlandeses no extremo Oriente com Osaka, Cantão e Formosa,
salientando também que desde 1616 o chá da China já tomava o rumo do entreposto que seria holandês de
Batávia.

67
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mundial à qual já nos referimos na seção anterior. No Oriente, a Companhia das Índias
Orientais (VOC) e, no Atlântico-Sul, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC).
Um Historiador indiano, Sanjay Subramanyam, além de seguir os caminhos
abertos por Boxer, nos dá bem a medida do conflito luso-neerlandês pelo controle dos
entrepostos comerciais do Golfo de Bangala. Aqui, pontos nevrálgicos do comércio do
Índico como Negapatão e Paleacate (costa leste da Índia) foram alcançados pelas
companhias de comércio neerlandesas, mas com maior autonomia dos nativos para
negociarem com o invasor. Vale salientar que estas localidades tinham desde há muito,
antes mesmo da chegada dos portugueses, um comércio constituído bem como um nível
de organização política mais consolidado que o das tribos tupis do litoral brasileiro . 160
Subrahmanyam, ao mesmo tempo em que considera o caráter mundial da luta
entre portugueses e holandeses, mergulha na especificidade da administração local que
os portugueses instalaram em termos de fixação de câmaras e delimitações de espaços.
Deste modo, temos uma perspectiva de um historiador nativo que mergulhou não só em
fontes portuguesas como naquelas referentes à Companhia das Índias Orientais em
arquivos da Holanda. A chegada dos holandeses nestes espaços, já no início do século
XVII, desarticula as relações comercias de Portugal constituídas com muita persistência
pelos prepostos dos reis em início do século XVI.161
Se foi verdade que a presença neerlandesa no Oriente produzia histórias
fantásticas na mente dos contemporâneos, como bem ressaltou Simon Schama162 ,
também não foi menos verdade que as questões político-administrativas foram relatadas
por agentes neerlandeses pertencentes à Companhia das Índias Orientais neste quadrante.
Desse modo, o mesmo homem que poderia se deslumbrar com as fantasiosas viagens do
navio Botencoe bem como as aventuras de seus marujos, também se decepcionava com as
perdas da Companhia das Índias Ocidentais na América portuguesa.
Um caso a ser citado, um ponto de comércio português no Golfo de Bengala:
Negapatão. Este, por sua vez, localiza-se na costa Leste do subcontinente indiano, quase

160
SUBRAHMANYAM, Sanjay. Guerra e Comércio: A Presença Portuguesa no Golfo de Bengala
(1500-1700). Lisboa: Edições 70, 1989.
161
O portugueses instituíram várias rotas (carreiras) comerciais no Golfo de Bengala. As mais conhecidas
e citadas por Subrahmanyam são as que tinham como itnerário Malaca-Paleacate-Malaca, Goa-Paleacate-
Malaca-Goa, Malaca-Pegu-Malaca e Goa-Paleacate-Pegu-Goa.
162
SHAMA, Simon, op. cit.

68
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em frente a ilha do Sri Lanka e à poucos quilômetros de Goa, situada na costa Oeste do
Malabar.
Em 1642, atacaram os holandeses, sob o comando do Almirante Cornelis
Leendertszoon Blauw, a possessão portuguesa de Negapatão. Aqui, negociam uma
recompensa de 50.000 patacas de resgate. A empresa malogrou em função da resistência
local e a consequência administrativa foi que os Eleitos (administradores portugueses
locais) que Goa tomasse conta de Negapatão. O que se seguiu aqui foi a instalação de
uma Câmara Municipal para substituir os Eleitos, além de nomeação de um Capitão-
mor e o reforço da fortificação. Tal atitude, por parte da Coroa portuguesa, não fora
tomada doze anos antes com relação a Pernambuco que, mesmo após a ocupação de
163
Salvador pelos holandeses (1624-1625) permaneceu mal guarnecido.
Entretanto, os holandeses na Ásia se beneficiavam das represálias que sofriam os
portugueses dos nativos. Narram os holandeses, em depoimento encontrado por
Subrahmanyam nas fontes neerlandesas, o ataque que sofreu a povoação portuguesa por
parte das forças de Tanjavur, em princípios de 1632, pelo fato da comunidade mercantil
aí instalada não ter conseguido o suficiente para pagar os tributos que lhes permitissem
fazer o comércio. Aqui em Bengala, pelo menos, estavam os portugueses entre uma
poderosa estrutura nativa, os Nayaka164 , e os holandeses. Situação, aliás, diferente do
Brasil, onde puderam subordinar os ameríndios e impor- lhes uma política hegemônica.
Em dado momento, Nayakas e holandeses se “congeminaram”, no dizer de
Subramanyan, para tomar Negapatão aos portugueses.
Por fim, chama a atenção Sanjay Subrahmanyam para o fato de que em certa
medida, a lição que os portugueses, tal como os holandeses, não aprenderam, se resumia
a isto: poucos seriam os “príncipes pagãos ou mouros” capazes de suportar, de boa
vontade, a imposição de verem uma “aldeia indefesa” transformada em povoação
fortificada ...”.165 Além de frisar bem que, malgrado o controle neerlandês de Negapatão

163
As crônicas de Brito Freyre mostram a dificuldade em se treinar um exército de última hora ante uma
invasão holandesa a Pernambuco. Outro cronista, Gabriel Soares de Souza em 1587, já observara a
necessidade de melhor defesa da costa brasileira. A própria presença francesa no litoral brasileiro até fins
do século XV, como observou Capistrano de Abreu, fornece subsídio a este argumento.
164
Assinala Sanjay Subrahmanyam o governo do chefe Nayaka, Vijayaraghava, que liderou de 1634 até
1637.
165
. SUBRAHMANYAM, op. cit. pp. 104.

69
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nas décadas de 1650 e 1660, haveria sempre, em outras localidades próximas, um


espaço para os comerciantes privados portugueses. Afinal de contas, como tivemos no
Brasil os luso-brasileiros a desempenhar um comércio próprio, houve na Índia os “luso-
indianos” a fazerem o mesmo.
No Ceilão, a prirmeira “visita” neerlandesa deu-se já no primeiro ano de
existência da VOC. Conta-nos um arquivista holandês do inicio do século passado, o Sr.
R. G. Antonisz, que a o primeiro de sua nação a por os pés no Ceilão foi o Almirante
Joris van Spilbergen em 1602. O primeiro contato foi bastante positivo, uma vez que

“the kandya king, who was by this time heartly tired of the Potuguese, received
him in the most friendly manner, and promised him, in return for assitance
against the Portuguese, every facility for trade and for the building of fortresses
on the coast”.

Mas a presença efetiva da VOC naquele território se deu mesmo em 1637, no mesmo
ano em que a WIC, a partrir do Recife, conquistava São Jorge da Mina. A
administração só vingaria a apartir de 1640, restando aos portugueses a ocupação de
Colombo, que viriam a perder finalmente em 1656. 166
Assim como no Brasil, onde um governo civil tendeu a sobrepujar o militar,
também no Ceilão, a fórmula fora a mesma. Segundo R. G. Antonisz, no Ceilão, a
necessidade de se procurar um equilíbrio social veio imediatamente após o
estabelecimento de um governo civil. 167 No topo da administração estava um
Governador que era acessorado por um Conselho Político (Political Concil), composto
por dez dos maiores funcionários da VOC. Em seguida, abaixo do Governador, vinham
os Comanndeurs das subregiões de Jafnna e Galé, que tinham o status de Governadores
Provinciais (Provincial Governors). Estes, finalmente, eram acessorados por conselhos
políticos locais, mas subordinados ao Conselho Político maior. Os Commandeurs
podeiam ter assento no Conselho Político do Ceilão (o conselho maior) e, uma vez
estando em Colombo (centro administrativo), tinham precedência sobre os outros

166
ANTONISZ, R. G. The Dutch in Ceylon: Glimpses of their life and times. (Lecture). Ceylon Examiner
Press, 1905, p. 03.
167
Idem, p. 4.

70
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conselheiros políticos. 168 Esta composição político-administrativa da VOC no Ceilão foi


copiada, guardada as diferenças de escala, no Brasil. Aqui, inicialmente, existia também
um Gouverneur acessorado por um Conselho Político.
No organograma da VOC prorposto por R. G. Antonisz, os funcionários
(servants; ‘dinaer’s em neerlandês) da companhia na administração do Ceilão dividiam-
se em quatro categorias: Política, Naval, Militar (soldados) e Mecânicos. Curiosamente,
na categorias dos servidores políticos se encontravam os mercadores superiores
(oppercoopman), os mercadores “medianos” (koopman) e os sub- mercadores
169
(ondercoopman). Essa junção de funções político-econômicas não nos deve ser
estranha, dado o caréter eminentemente comercial do empreendeimento. No caso da
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, muito embora não tenhamos a
nomenclatrura, tal qual havia no Ceilão, de “mercadores” para algum funcionário ligado
diteratemente à WIC, sabemos que o comércio era controlado pelos conselheiros
políticos. Estes deveriam, em principio, ser versados também em matéria de comércio.
Ao tratarmos, no curso deste trabalho, acerca dos “pequenos proveitos” auferidos pela
WIC no Nordeste, teremos a oportunidade de perceber a fiscalização do comércio por
parte do Conselho Político e dos Diretores Delegados.
Seja como for, as composições político administrativas, tanto da VOC como da
WIC, ainda se situavam em meio a um processo de burocratização do capitalismo, em
que determinadas funções não estavam plenamente definidas. Concorre talvez para esse
fato a recente formação política dos Paises Baixos. Nesse tocante, observou bem
Lodewijk Hulsman que “a espansão da república neerlandesa exigiu a fundação de
organizações cada vez mais complexas, [...] A República, entretanto, tinha pouca
experiência em gerenciamento de grandes organizações [...]”. Mais ainda, este autor
registra a anterioridade do modus operandi da Companhia das Índias Ocidentais
alegando que

“a administração da WIC se baseava no modelo desenvolvido por armadores


neerlandeses durante o século XVI. Este modelo era dividido em três partes: os
acionistas investiam capital na empresa; os empresários, muitas vezes acionistas
168
Idem, p. 9.
169
Para o autor, os servidores politicos poderiam ser equiparados aos funcionários públicos de nossos dias.

71
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majoritários, equipavam as embarcações e a diretoria formada pelos


empresários registrava o investimento dos acionistas, os contratos de emprego,
aluguel de facilidades, gastos de equipagem etc. O comissário e o capitão eram
responsáveis pela execussão do empreendimento e, no final da viagem,
relatavam aos empresários os acontecimentos. O comissário operava registrando
os estoques do barco e mantendo o livro de registros dos empregados. Ele era o
responsável pelo registro das trocas comerciais enquanto o capitão mantinha o
diário de viagem. Esta documentação entrava no aquivo da diretoria, os
empresários pagavam a tripulação, vendiam a carga e o barco e retiravam o
lucro de seu investimento. No final, o balanço das atividades era divulgado
entre os acionistas e empresários por meio de editais.” 170

Talvez a diferença entre uma companhia deste porte para um empreendimento


do século XVI diferisse apenas no conteúdo e não na forma. No século XVII, o acúmulo
de capital e a capacidade associativa entre os empreendedores certamente era maior que
nas sociedades do século anterior. De uma forma suscinta, este é o organograma
formulado por Lodewijk Hulsman para a Companhia das Índias Ocidentais no Brasil nos
pirmeiros anos de sua permanência no Brasil.

170
HUSMAN, Lodewijk. Guia para o estudo das Atas Diárias do Alto Conselho da Companhia das Índias
Ocidentais no Recife (1635-1654). In: Monumenta Hyginia. Recife, 2005, p.28 (mimeo)

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Conselho dos XIX

Governador Alto Conselho ou


Conselho Politico

Oficiais Comissários Justiça

Soldados Commissen

Marinheiros e outros
empregados

Clientes Fornecedores

171
Fonte: HULSMAN, op. cit., p.29.

Evidentemente, esse não é um quadro definitivo. Mais adiante, a


nomeação de um Alto e Secreto Conselho e das Câmaras dos Escabinos na
administração nassoviana irá modificar este organograma. A referência ao Alto
Conselho é sobretudo retórica, mais no sentido de haver um poder colegiado civil acima
do poder militar. Este “Alto Conselho” não é o mesmo que será instituído ao tempo de
Maurício de Nassau. A posição do “Governador” ao lado do “Conselho Politico” não
correspondia à prática, já que este era sempre fiscalizado e sobrepujado pelo Conselho
Político e, nos anos de 1633-34, pelos Diretores Delegados. Estes últimos eram
membros do Conselho dos XIX que vieram a Pernambuco para resolver desavenças
entre o então Gouverneur, o Coronel Diedrick van Wanderburch e o Conselho Político.
Foram eles Mathias van Ceulen (pela Câmara de Amsterdam) e Johan Ghijselin (pela
Câmara da Zelândia). 172 Este “rearranjo” na administração, por si só, já mudaria o
organograma acima. A justiça, por sua vez, poderia ser aplicada pelo Conselho Político.
Apesar da herança seicentista do funcionamento da WIC, como propôs
Loudewijk Hulsman, foi no futuro do capitalismo multinacional que uma companhia

171
Esse organograma foi elaborado pelo autor, menos a inserção do Conselho Político no quadro central
logo abaixo do Conselho dos XIX.
172
MELLO, Fontes para a hisória do Brasil Holandês, p. 11.

73
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organizada nos moldes acima influenciou. Nesse sentido, Ann M. Carlos e Stephen
Nicholas enfatizaram o argumento de que o crescimento e a expansão de firmas
multinacionais não foi necessariamente um “American phenomenon” com raízes no
período pós-1950. Pelo contrário, eles destacaram que

“surprisingly, the early sixteenth- and seventeenth-century trading companies –


the English and Dutch East Índia companies, the Muskovy Company – which
traded goods and services acroos national boundaries and had a geographical
reach rivaling today’s largest multinational firms, have been generally
ignored.”173

Assim como as companhias multinacionais do século XX, as companhias dos


séculos XVII e XVIII compartilham características semelhantes como o grande volume
de transações e os mecanismos de controle administrativo para manter-se bem
informadas e reduzir os custos das transações internacionais. 174
Um organograma para a administração do Ceilão pela Companhia das Índias
Orientais, a partir do estudo de R. G. Antonisz seria apresentado da seguinte forma:

Conselho dos XVII

Governador Conselho Politico

Commandeurs Conselhos Politicos


(governadores Locais
provinciais)

173
CARLOS, Ann M. , NICHOLAS, Stephen. In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988),
pp.398.
174
Os autores, com esse argumento, concluem que “in these two critical respects, the early trading
companies were indeed analogues to the modern multinational”.

74
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Ressalta-se que, no caso do Ceilão, os Commandeurs ou Provintial Governors


assistiam nas cidades de Jaffna e Galle. A dimensão territorial do território conquistado
pelos holandeses no Brasil tornava a administração das localidades mais afastadas do
Recife cada vez mais difícil. Ao contrário do que encontraram os administradores da
VOC em áreas menores como o Ceilão e Batávia (atual Jacarta).
Uma outra característica comum das duas companhias em questão foi o caráter
monopolístico do empreendimento. E não poderia ser diferente. Os privilégios
concedidos a elas pelos Estados Gerais geraram ciúmes nos comercientes que ficaram de
fora do empreendemimento. A isso se referiu Fernand Braudel, quando afirmou que

“é espantoso, de fato, que os mercadores holandeses, acossados pela


V.O.C. (Vereenidge Oost-Indische Compagnie) e ciosos de seus
privilégios, lancem ou sustentem com seus próprios capitais as
companhias das Índias rivais, as da Inglaterra, da Dinamarca, da Suécia,
da França, até mesmo a Companhia de Ostende”.

O autor ainda chama atenção para a associação entre esses mercadores holandeses,
espécie de outsiders dos grandes negócios da companhia, e as atividades de corso
barbarescos que atuavam no mar do Norte. 175 Percebemos então, que o modelo dessas
grandes companhias de comércio não figurava como unanimidade na costelação dos
interesses comerciais dos mercadores dos Paises Baixos. Isso ficou bastante
evidenciado, no caso do Brasil, nos desentendimentos entre os mercadores de
Amsterdam e o resto da WIC no decorrer da empresa do Brasil.
Um caso emblemático, citado por W. J. Van Hoboken, diz respeito aos irmãos
Bicker, ricos mercadores amsterdaneses e co-fundadores da Companhia das Índias
Ocidentais. Segundo o historiador neerlandês, tão logo as ações da WIC subiram de
valor após o apresamento da prata espanhola por Piet Hein em 1629, Cornelis Bicker e o

175
BRAUDEL, op. cit., p. 187. Com isso o autor justifica o caráter, por vezes, contraditório entre os
interesses de Estado e os interesses dos comerciantes neerlandeses, lembrando que os holandeses foram
expulsos de Pernambuco com armas compradas aos próprios neerlandeses e que foi com armas batavas que
Luis XIV atacou os Paises Baixos, em 1672. Finalmente, para Braudel, isto se deve ao fato de que, nos
Países Baixos, “o mercador é rei e o interesse comercial desempenha na Holanda o papel de razão de
Estado”.

75
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seu irmão trataram de vender suas ações e rivalizarem com a companhia no comércio do
Brasil. Para J. Van Hoboken,

“sua atitude era típica da de muitas pessoas dos círculos comerciais de


Amsterdam; elas viam mais lucros no comércio livre com as áreas
recentemente conquistadas do Brasil do que na manutenção estrita do
monopólio da Companhia”. 176

Os sucessos da VOC suscitaram a fundação da WIC, na esperança de que esta


última obtivesse o mesmo êxito. Contudo, a experiência demonstrou o contrário. A sorte
da WIC conheceu outros ventos dos da sua congênere mais velha. Immanuel Walerstein
ressaltou que a maior diferença entre as duas companhias estava “na base social de
apoio de cada uma”. Assim, enquanto a VOC era controlada por mercadores de
Amsterdam, partidários da paz com a Espanha, na WIC preponderava a “facção da
guerra”, calvivnistas mais estritos e mais ligados ao grupo orangista. 177
Mesmo guardando diferenças nas suas respectivas composições, as duas
companhias caminhavam pelo mesmo princípio: o do lucro pelo comércio mas, se
necessário, a guerra. A forma de administrar no ultramar não seria, porém, a mesma em
todos os casos.

176
HOBOKEN, op. cit., pp.319-320.
177
WALLERSTEIN, Immanuel, op. cit., p. 58.

76
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Capitulo II

Pernambuco Pré-nassoviano: A procura da ordem

1. Mauricio de Nassau na História

Num de seus trabalhos sobre o Brasil Holandês, Evaldo Cabral de Mello fez uma
importante reflexão acerca do que ele chamou de ‘memória da guerra holandesa’. Para
isso, recorreu habilmente aos cronistas. Duarte de Albuquerque Coelho, Francisco de
Brito Freire, Frei Manuel Calado, Diogo Lopes Santiago, entre outros, são analisados em
suas perspectivas, coerências ou incoerências. Também não faltou o “panegírico” Gaspar
Barléus. Extemporâneo à ocupação, o Frei Jaboatão não escapou às observações de
Cabral de Mello. A esse estudo ele denominou “o inventário da memória”.178
Sobre essa “memória” da ocupação neerlandesa é que se constituiu, digamos
assim, uma outra memória, a dos historiadores do século XIX e primeira metade do XX.
Se, por um lado, a ocupação do Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais ocupa
pouco espaço na bibliografia neerlandesa, por outro, o mesmo não pode ser dito com
relação ao Brasil.179 Não é novidade para ninguém a importância que a ocupação batava
ainda guarda no imaginário de muitos historiadores acadêmicos ou não.
Na “genealogia da memória”, se é que assim podemos falar, temos que um dos
principais cronistas a engrandecer a figura de Nassau tenha sido o Frei Manuel Calado. E
foi essa memória que se preservou até o século XIX. Percebeu isto Evaldo Cabral de
Mello quando afirmou que “para o pernambucano da primeira metade do século XIX
como para seus pais e avós setecentistas, só escapavam à condenação geral da
experiência neerlandesa Nassau e os melhoramentos de que dotara o Brasil Holandês”.180
O mesmo vai mais longe em suas análises, admitindo que “ao Lucideno, deve-se,
desde logo, a dicotomia entre a ação do conde, favorável aos luso-brasileiros, e o
178
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: O Imaginário da Restauração Pernambucana. – Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997.
179
Uma das razões para este fato pode ser o fato de que a WIC, em relação à Companhia das Índias
Orientais (VOC), obteve menores êxitos em termos de lucro. Criada em 1602, a Companhia das Índias
Orientais lançou-se cedo ao comércio com a Ásia. A Companhia das Índias Ocidentais procurou seguir o
seu modelo administrativo.
180
Idem, p. 330.

77
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comportamento sem grandeza dos administradores holandeses, seus subalternos”.181 Por


fim, considerou Evaldo Cabral de Mello que “na rejeição cultural do neerlandês pelo
luso-brasileiro atuavam, além do preconceito religioso, o sentimento monárquico e o
orgulho estamental. Uma coisa era servir à realeza, outra bem diferente servir a um
governo de comerciantes”.182 Esses seriam, na visão de Evaldo Cabral de Mello, os
fatores que contavam a favor de Nassau. Este, por seu turno, fazia lembrar aos luso-
brasileiros instituições e costumes que lhes eram muito caros. Entre elas, a monarquia.
É natural que toda mudança brusca de conjuntura não só produza futuras
“impressões”, como também busque mitos que a suportem. À frente dessa tarefa,
principalmente a da criação de mitos, existem os “arquitetos da memória”. Geralmente,
são pessoas letradas ligadas a algum grupo social ou político que lideram o processo de
ruptura do status quo ante. No processo de formação dos Países Baixos, por exemplo,
temos que os seus “arquitetos” recorreram ao período em que a Holanda era ocupada
pelos romanos para que se justificasse a nascente república com uma identidade
própria.183
Na história do Brasil, a figura de Nassau passou intocável por todos esses anos,
desde a independência até os dias de hoje. De 1822 até o presente, a historiografia sempre
teceu elogios à sua figura como arguto administrador de qualidades superiores aos outros
administradores que passaram pelo Brasil Holandês. No início do século XX, o
historiador alemão Hermann Waetjen empreendeu uma grande pesquisa documental
acerca da presença da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil. Na sua obra Das
Hollandische Kolonialreich in Brasilien (O Império Colonial Holandês no Brasil),
Waetjen apresentou uma visão da administração holandesa pré-nassoviana de uma forma
muito negativa. Considerou ele o seguinte:

“A WIC precisava cuidar da colônia conquistada de modo muito


differente do adoptado até então; de fazer sacrifícios em dinheiro,
de realizar reformas na administração, no exercito e no

181
Idem, p. 331.
182
Idem, p. 338.
183
Esse processo foi bem analisado pelo historiador Simon Schama, que aponta as influências romanas
(Tácito, Plínio e Estrabão) nas idéias de uma identidade neerlandesa de figuras como Van de Vonde, Gijsel
e Hugo Grorius.

78
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commissariado; se não quiser ver a empresa brasileira resultar


184
num tremendo fiasco”.

Hermann Waetjen prossegue em seu “discurso do demérito” da administração


antes de Nassau ao afirmar que “faltava na Colônia uma mão firme para manter a coesão
185
do todo”. Vale dizer que o discurso de Waetjen contra a administração pré-nassoviana
baseou-se, sobretudo, em duas cartas escrita pelo Coronel Artischofscki e dois membros
do Conselho Político ao Conselho dos XIX, nas quais se pintava um quadro pessimista da
administração holandesa no Brasil. Criou-se, então, uma situação necessária à vinda de
Nassau. Aliás, como o próprio Hermann Waetjen colocou, a nomeação de Mauricio de
Nassau para governar o Brasil havia começado nos Paises Baixos. Dessa forma, enquanto
as tropas de Wanderbuch (coronel e primeiro governador do Brasil Holandês 186 )
expiavam nas matas de Pernambuco, em 1632, na Holanda, a fama de Nassau se fazia no
episódio do cerco a Maarstricht pelas tropas espanholas. Pouco antes de sua vinda ao
Brasil, “com a rendição do Forte Schenckenschanz o nome de João Mauricio
187
popularizou-se em todas as partes da Republica”.
Muito embora tenha Hermann Waetjen apresentado um Nassau ‘necessário’, o
mesmo não deixou de tratar das outras instâncias da administração como o Alto Conselho
(Hooge Raden), o Conselho Político (Politicque Raden) e as Câmaras dos Escabinos
(Schepenen). Também pesava criticamente as afirmações de Nassau, ao dizer que:

“Quando o Statthalter, na primeira carta que mandou de


Pernambuco, manifestou a opinião de que o Brasil criteriosamente
administrado poderia vir a ser melhor fonte de renda para a WIC,

184
WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Hollandez no Brasil. – Companhia Editora nacional, 1938,
p. 135.
185
Idem, p.136.
186
Apesar do titulo de gouverneur, Diedrich Wnaderburch não tinha poderes além do Politicque Raden
(Conselho Político), este último composto por civis. Segundo Waetjen, o coronel não dispunha de uma
posição de primus inter paris na administração da conquista. Essa situação gerou em si muita disputa entre
autoridades civis e militares no inicio da ocupação neerlandesa.
187
Idem, p.141.

79
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não fez mais do que exprimir o parecer partilhado por todos os


188
conhecedores da terra”.

Evidentemente, o “começo” para Nassau, não foi mesmo começo para os


primeiros administradores. Numa das primeiras correspondências enviadas de Olinda aos
Países Baixos, considerou o Coronel Governador Wanderburch (ainda no início da
conquista) a sua frustração em ver que os seus objetivos não haviam sido atingidos
plenamente. Claro que ele enfrentava problemas de ordem mais imediata como a
necessidade de fortificação do Recife. O primeiro governador do Brasil Holandês
reclamava mesmo “dos caminhos sinuosos, moléstias, mortalidade, falta de víveres, lenta
esperança de socorros, chuva forte, calor excessivo...” e fechava as reclamações
afirmando que estavam “quase todos os elementos contra nós”. Esse, pelo menos, não
189
parece ser um quadro otimista.
A emergência da figura de Maurício de Nassau na história do Brasil vem junto à
emergência em se retomar a história do Brasil Holandês no curso do século XIX. Esse foi
um processo, como foi dito acima, profundamente ligado a dois fatores. O primeiro, a
necessidade em se construir uma “História do Brasil” após a Independência. Segundo, a
necessidade em se conhecer a história pela pretensa imparcialidade do positivismo do
século XIX. Foi mesmo em 1883 que, a mando do governo da Província de Pernambuco,
o jurista e historiador José Higino Duarte Pereira, foi aos Países Baixos e coligiu uma
imensa quantidade de documentos acerca do Brasil Holandês. Ao retornar a Pernambuco,
teve vez, em uma reunião do Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico
Pernambucano, a leitura de sua “prestação de contas” da frutífera viagem aos arquivos
neerlandeses. Antes de dar a palavra a Higino, falou o presidente daquela instituição:

“No immenso campo da história toda colheita é victória de resultados


vantajosos para a sciencia ; e quando essa história nos interessa de perto,
como a da luta esforçada do amor da pátria contra a ambição do

188
Idem, p. 145.
189
Documentos Holandeses. Ministério da Educação e Saúde, 1945, pp. 55/56. Missiva do Governador D.
Van Weerdenburch, em Olinda, aos Estados Gerais.

80
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estrangeiro invasor, recresce o nosso empenho em investigar tudo quanto


fizeram os valentes libertadores do solo Pernambucano”.190

Esse discurso congrega os dois elementos, nacionalismo e “conhecimento real do


passado”. Talvez não necessariamente um nacionalismo, mas uma questão de “recuperar”
a história local, mais provinciana mesmo. Tanto é assim, que o presidente termina o seu
intróito afirmando que as pesquisas de Higino “devem contribuir para o lustre e renome
de nossa cara província [Pernambuco]”. 191
Em seguida, o discurso de José Higino tem início com a referência aos períodos
antes (1630-1636) e depois (1645-1654) de Nassau como sendo tempos difíceis em que
“uma resistência tenaz conseguiu ‘rechassar os invesores’ ”. As armas dos da terra falou
mais alto que a dos invasores “hereges”. Contudo, ao se referir ao Governo de Maurício
de Nassau (1637-1644), enfatizou o jurista pernambucano:

“Entre o período da conquista e da guerra houve um intervallo de paz


com os moradores, durante o qual um príncipe illustre de casa de Nassau
organizou a colônia hollandeza, introduzindo os costumes e as
instituições nacionaes”. 192

À quais “instituições nacionaes” se referiu Higino? Por suas palavras, passou


incólume a críticas o período nassoviano (1637-1644). José Higino também elogiava a
própria ascensão dos Países Baixos frente aos Habsburgos. Um outro ponto interessante
colocado por ele e que justificaria a busca por fontes na Holanda seria, entre outros, os
“feitos de guerra”. Nesse ponto, os “brasileiros” sairiam, com a vitória frente às tropas da
WIC, enaltecidos por terem expulsado um exército a serviço de uma potência mundial.
Parece que o discurso de Higino era mesmo a favor de sua Província que, afinal de
contas, “foi a sede do governo colonial, o centro das operações do inimigo, e cujo solo
tantas vezes ensopou o sangue vertido pelos nossos antepassados na luta que travaram

190
Revista do IAHGP, Números 29 e 30. Reedição fac-similar. Recife, 1977 [1884], pp. 5 e 6.
191
Idem, p.6.
192
Idem, pp. 8 e 9.

81
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193
com os invasores”. José Higino exaltava os holandeses, quando convinha, para exaltar
mais ainda os “pernambucanos” que resistiram e os expulsaram. Não relatava, também
quando convinha, a importância dos Países Baixos por puro amor à Província.
Em se tratando dos “feitos de guerra”, as idéias de José Higino bem lembram as
de Adolfo de Varnhagem. Este, por sua vez, foi considerado por José Higino como
“investigador paciente e exato – mas nem sempre historiador imparcial”. Até a ida do
historiador pernambucano para os arquivos holandeses, os mais importantes trabalhos
baseados em fontes batavas haviam sido os de P. Netscher e o do próprio Varnhagen.194
Temos, em meio a essa discussão, que, a partir da pesquisa de José Higino nos Países
Baixos, não apenas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha um corpus
documental de fontes neerlandesas. Agora, o Instituto Histórico Pernambucano passava a
abrigar fontes não menos importantes. A temática do Brasil holandês teve a sua ‘infância’
em meio a uma rivalidade entre institutos históricos no século XIX.
Quem faz uma reflexão preciosa do livro de Varnhagem acerca das lutas contra os
holandeses é o historiador Arno Wehling num prefácio de edição recente. Para Wehling,
um dos objetivos de Varnhagen com esta sua obra teria sido “uma estratégia da memória
para convencer os seus contemporâneos”, no sentido de lembrar aos brasileiros que
estavam havia dois anos na Guerra do Paraguai que, na ocupação holandesa, lutou-se 24
anos contra um inimigo forte. 195 Fica claro que, para José Higino, a luta era de
Pernambuco contra a Holanda, enquanto que para Varnhagen, era do Brasil (ainda que
colônia no século XVII) contra a Holanda. Varnhagen e Higino, positivistas que eram,
viam o passado como exemplo. Ou melhor, viam a guerra contra os holandeses como um
“aprendizado” para o presente. Nessa escolha temática, ou seja, na preferência por “feitos
militares”, ficou reduzido o papel de outras áreas da administração da WIC no Brasil.

193
Idem, p. 9.
194
Utilizou a documentação colhida na Holanda entre 1850 e 1854 pelo Dr. Joaquim Caetano da Silva.
195
Prefácio do Livro História das Lutas com os Holandeses no Brasil, Francisco A. de Varnhagen. – Rio de
janeiro: Biblioteca do Exercito, 2002, p. 7. O prefaciador destaca um trecho do discurso de Varnhagen , no
qual o mesmo afirma: “ Achávamos por motivos de serviço publico, no Rio de Janeiro, e acidentalmente
em Petrópolis, e ainda estava por decidir a titânica luta que o Brasil sustentou no Paraguai, e nem sequer as
armas aliadas haviam vencido o Humaitá e éramos testemunha do desfalecimento de alguns, quando, com o
assentimento de vários amigos, nos pareceu que nos deixaria de concorrer a acaroçoar os que já se
queixavam de uma guerra de mais de dois anos, a avivar-lhes a lembrança, apresentando-lhes de uma forma
conveniente, o exemplo de outra mais antiga, em que o próprio Brasil, ainda então insignificante colônia,
havia lutado, durante 24 anos, sem descanso, e por fim vencido, contra uma das nações naquele tempo mais
guerreiras da Europa”.

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Contudo, ao defender a sua “missão” aos arquivos dos Países Baixos, José Higino
chamou a atenção para o fato de que as fontes coligidas por ele “vêm lançar muita luz
sobre aquillo que nós menos conhecemos – os pormenores da administração, os
costumes, o modus vivendi da colônia”. O mesmo fecha o seu discurso se referindo à
possibilidade de, a partir da coleção que levaria o seu nome, “estudar todas as relações
sociaes da colônia Neerlandeza do Brazil”.196
Em termos de “afiliação histórica”, perece que José Higino, ao se declarar a favor
do estudo das relações sociais, se aproxima do positivismo de Arnold Toynbee. Ao
mesmo preocupava o estudo das relações entre as sociedades ou culturas diferentes.197
Segundo o historiador Collingwood, uma das ‘categorias’ do estudo de uma cultura na
perspectiva de Toynbee seria a de interregnum ou época de crise, que seria, nas palavras
de Collingwood, “o período caótico entre a queda duma sociedade e a ascensão duma
outra sua descendente”.198 Curioso é que, no discurso de ‘prestação de contas’ de José
Higino, o mesmo se referiu à necessidade de se buscar novas fontes sobre o passado
numa época de decadência econômica da Província de Pernambuco e do “abatimento do
espírito público”. 199 Para Higino, o resgate do passado poderia redimir o presente de
crise de sua Província.
Retomando a perspectiva nassoviana de Varnhagem, temos que o mesmo se
referia a ele da seguinte forma: “este chefe era nada menos do que um Príncipe que aos
mais qualificados dotes de capitão prestigioso reunia os de prudente juiz e honrado
administrador”.200 Ao analisarmos a expressão “nada menos que um príncipe”, fica claro
a preferência de Varnhagen pela nobreza de Mauricio de Nassau, cuja origem contrastava
com a de muitos administradores que vieram para o Brasil antes dele. Ocorre que Nassau
e Varnhagen pertenciam a um mesmo stablishment, para usarmos um termo caro ao
sociólogo- historiador Nobert Elias. E é a partir do capitulo V de sua “Historia das Lutas
com os Holandeses no Brasil” que Varnhagen vai começar a tratar do tema da

196
Op. Cit. , p.15.
197
Ao se referir a Toynbee, o também historiador inglês C. R. Collingwood afirmou: “ O campo de acção
do historiador [para Toynbee] oferece-lhes uma variedade infinita de trabalhos, mas, entre estes, os mais
importantes dizem respeito à diferenciação destas entidades chamadas sociedades e ao estudo das relações
entre elas”. Ref. COLLINGWOOD, C. R. A Idéia de História. – Martins Fontes: Lisboa, 1972, p. 204.
198
Idem, pp. 204/205.
199
Op. Cit. , p.9.
200
Op. Cit, p.137.

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administração. Para ele, o período anterior estava eminentemente mergulhado na


guerrilha e na desordem. Mauricio de Nassau viria, pois, para corrigir esta falha.
No aspecto militar, os elogios de Varnhagen as façanhas de Nassau é patente.
Quando ele expulsa a resistência luso-brasileira para além do Rio São Francisco, destaca
o historiador: “Animado por tão fácil vitória, não podia Nassau dar férias. Preferia
aproveitar-se da estrela que tanto para ele brilhava, destacando para o sul, por terra,
201
Sigismundo Schkoppe”. Por outro lado, as ‘façanhas’ protagonizadas pelo Almirante
Lichthart são adjetivadas. Sobre um ataque empreendido por este último a Ilhéus, refere-
se Varnhagen: “ ...tratou de fazer aos nossos todo o mal que pode”.202 Talvez a passagem
de ‘história das lutas’ que mais marque a personalidade administrativa de Nassau, na
ótica de Varnhagen, seja a seguinte:

“Na capital [Recife], dedicou-se Nassau com empenho aos assuntos de


governo e a fazer prosperar o Estado. Conciliando a severidade com a
prudência, conseguiu que todos os magistrados e empregados cumprissem
os seus deveres, premiando os bons, corrigindo e estimulando os tíbios e
demitindo os incorrigíveis”.203

Parece que o Nassau de Varnhagen teve mesmo um papel ‘civilizador’, na medida


em que reorganizava a economia, distribuía a justiça de forma coerente, construía e
reformava as fortificações que fossem necessárias e, sobretudo, preocupava-se com as
‘ciências’ no Novo Mundo. O ilustre historiador do Império nos legou um Nassau que
praticamente construiu um Brasil holandês
O historiador inglês Robert Southey, na sua faustosa “História do Brasil”,
dividida em três volumes, referiu-se a Nassau como sendo “homem digno de ter sido o
fundador do mais duradouro império”. As “sábias medidas” que Mauricio de Nassau
tomou após a sua chegada, haviam de ter bom êxito, segundo Southey, devido à
“confiança posta nos seus talentos e probabilidade de que o seu nascimento e influência
lhe tornaria permanente a autoridade”. O Nassau de Southey não é diferente do de

201
Idem, p. 143.
202
Idem.
203
Idem, p. 144.

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Varnhagen. No trato com os da terra, diz o historiador, “cada colono era olhado como
amigo” pelo o conde. Mas essa era inicialmente a política da Companhia e era também o
que buscava o governo holandês antes da vinda de Nassau, em janeiro de 1637. Não
interessava à companhia a destruição dos engenhos e sim a cooperação com os senhores
de engenhos e lavradores. Uma perspectiva “personalista” que granjeou a Nassau o cetro
da justiça foi a maneira com que ele lidou com os prisioneiros, com “concessões e
generosidades”, o que diminuiu a “aversão que os portugueses votavam aos seus
conquistadores”. As opiniões de Robert Southey sobre Nassau estavam baseadas nas
crônicas de Gaspar Barléus e Nieouhoff. Naturalmente, em se tratando do primeiro
(Barléus), as opiniões acerca de Nassau haveriam de ser as mais positivas possíveis, já
que ele se destinou a escrever uma história panegírica sobre o príncipe alemão. Logo, o
Nassau de Robert Southey era o mesmo de Barléus.204 Southey evocou a sua principal
fonte sobre Nassau da seguinte forma:

“O seu próprio historiador [Barleus] confessa que os peculatos,


impiedades, roubos, assassínios e luxuria infrene desta gente a tornara
infame. Passava em rifão que nada era pecado daquele lado da linha, e na
verdade era como o ditado fosse artigo de fé, tão habituais e atrozes os
crimes. Uma rígida justiça depressa conteve esses miseráveis. Nassau, diz
Barleus, fez mais homens de bem do que veio achar, e todos faziam agora
o seu dever, que porque lhes volvesse a boa vontade, quer porque lhes
fizesse sentir a necessidade disso”. 205

Por fim, a opinião que Southey, baseado em Barléus, tinha da fase do governo
pré-nassoviano era tal que tudo nesta fase estava mal resolvido, confuso e arbitrário. A
administração pré- nassoviana do Conselho Político206 precisava ser corrigida e colocada
em bom funcionamento.

204
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Vol. I. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, pp.
394/395.
205
Idem.
206
Corpo civil de administradores que respondiam pela administração superior da conquista. Em teoria,
este conselho foi concebido para comportar o número de nove membros e os seus representantes deviam
entender de questões de justiça, política e comércio. Funcionou de 1630 a 1633, quando foi substituído por

85
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Muito embora Southey tenha tido uma visão de Nassau aproximada da que teve
Barléus, devemos levar em consideração o lapso de tempo que separam os dois
historiadores. Barléus pertencia a um mundo em que as histórias eram “instrumentos
recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou
políticas”. No caso dele, principalmente morais e teológicas. Essa referência a como se
fazia história no século XVII foi bem expressa por Reinhart Koseleck.207
Outro historiador novecentista, Heinrich Handelmann, apontou as vantagens
pessoais de Nassau na condução do Brasil Holandês. Assim, para Handelmann, Maurício
de Nassau vinha governar “com igual zelo e aptidão os grandes problemas como os
208
pequenos”. Ao se referir à maneira como Maurício de Nassau conduziu o seu governo,
Handelmann expôs que “sob o governo sábio do Conde Moritz de Nassau foi ali
209
efetivamente estabelecido o fundamento para o progresso interno muito prometedor”.
É curioso como Handelmann analisa uma proposta de Nassau aos diretores da
Companhia (os Heren XIX) acerca de se distribuir terras aos soldados no Brasil após o
210
fim de seus serviços militares. O historiador alemão compara tal iniciativa “à medida
da antiga Roma”. Também da mesma forma que outros historiadores de seu tempo, H.
Handelmann não deixou de ressaltar as qualidades pessoais de seu conterrâneo,
destacando nele “a origem régia, o cavalheirismo e a amável simplicidade”. Era Nassau
um sábio nobre que governava para uma república. A sua “origem régia” emprestava aos
Países Baixos um colorido especial na condução dos negócios da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil.

uma “Diretoria Delegada”, representada pelos senhores Mathias van ceulen e Johan Gijseling. Em 1634, o
Conselho Político reassumiu a dianteira na administração superior do Brasil holandês, tendo como
representantes Serveas Carpentier, Willem Schott, Jacob Stachhouwer, Johan Wijntgis e Ippo Eissens. A
partir de 1637, quando da chgada de Mauricio de Nassau e o Alto Conselho, o Conselho Político deixou de
ser o órgão máximo da administração do Brasil Holandês e passaram a funcionar como um tribunal de
segunda instância.
207
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. – Rio de
Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p. 43.
208
HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. – Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 182.
209
Idem, p. 192. Nesse momento, o autor se refere aos territórios em poder da WIC após a perda do
Maranhão e o Ceará, que eram as capitanias do Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco e
Sergipe.
210
Curiosamente, esta mesma proposta hvaia sido feita em 1634 pelo Conselho Político. Tratava-se, na
ocasião, de assentar ex-soldados da WIC na Ilha de Itamaracá e ai plantarem uma diversidade de culturas.
(ver nótulas diárias)

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Muito embora, na análise de Handelmann acerca do Brasil Holandês, Maurício de


Nassau ocupe um lugar especial, nem por isso o historiador deixou de considerar a
importância da administração pré-nassoviana. Ao se referir ao Conselho Político, ele
afirmou que “quanto à atividade dessa administração, foi ela em geral branda e orientada
211
no sentido de reconciliar os portugueses-brasileiros com a dominação holandesa”. Se
alguma coisa não funcionou nessa fase pré-nassoviana, ainda segundo Handelmann, era
porque as “autoridades subalternas” ao Conselho Político não cooperaram. Ele se referia
principalmente aos militares como sendo “mercenários lansquenetes embrutecidos”.
Diferentemente de muitos autores contemporâneos, Handelmann não detratou a
administração do Conselho Político. É que este distingue a administração civil daquela
praticada pelos militares. Robert Southey, ao contrário, tratava de “holandeses” de uma
forma homogênea. Ao mesmo tempo em que ressalta medidas de pacificação promovida
pelo governo holandês no Brasil, como foi o que se sucedeu na conquista da Paraíba em
1634, Southey ressaltou o “proceder nefando” dos holandeses na capitulação do Arraial
Velho do Bom Jesus.212
Tradicionalmente, construiu-se uma periodização da ocupação holandesa, que foi
dividida em três fases: A resistência (1630-1636), a fase nassoviana (1637-1644) e a fase
da Restauração de Pernambuco (1645-1654). A “construção” da imagem de Nassau,
como bem assinalou Evaldo Cabral de Mello, deveu-se sobremodo às crônicas que não
deixavam de exaltar a figura dele por motivos que já foram acima colocados.213 Cronistas
como Frei Manuel Calado e Francisco de Brito Freire, ao exaltarem as qualidades de bom
administrador de Mauricio de Nassau, contribuíram para que a sua figura resumisse uma
periodização. Por exclusão, restava o antes e o depois dele.
Problematizando essa periodização clássica da ocupação holandesa, poderíamos
perceber a “fase nassoviana” mais como uma continuidade da fase que a precedeu (1635-
36) do que mesmo como uma ruptura. Certamente, os historiadores que, pela estrutura de
seus estudos e pela importância que deram a diversas questões da ocupação holandesa,
foram José Antonio Gonsalves de Mello e Evaldo Cabral de Mello. Em seus respectivos
trabalhos, Tempo dos Flamengos e Olinda Restaurada, pelo menos aparentemente, some

211
Idem, p. 180. Handelmann chama aos Conselho Politico de “Conselho dos Cinco”.
212
SOUTHEY, op. cit. pp 372-373.
213
MELLO, op. cit. , p. 339.

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a periodização tradicional do Brasil Holandês. Neles, os capítulos não seguem uma


ordenação cronológica que obedeça àquela periodização. Até o trabalho de Charles
Boxer, que é do ano de 1961, passando pelos de Waetjen, Southey, Handelmann e
Varnhagem, em ordem regressa, a abordagem da História do Brasil Holandês seguia ao
“padrão tríbio” do antes, durante e depois de Nassau. Vale ressaltar, contudo, que entre
Boxer e Varnhagem, existe uma grande diferença nos enfoques e escalas. Enquanto o
primeiro emprestou à história do Brasil Holandês a sua perspectiva de “império”, o
segundo manteve a sua narrativa na escala brasileira, detalhando principalmente as
operações militares. Prova disto é que, no primeiro capitulo de Os Holandeses no Brasil,
Charles Boxer expõe as divergências entre os Países Baixos e as coroas ibéricas que
resultaram na criação da Companhia das Índias Ocidentais.214
Todos estes autores elencados, Varnhagen, Southey e Handelmann corroboraram
para assegurar para a posteridade um Mauricio de Nassau como personalidade singular,
cujo governo marcou profundamente a presença holandesa no Brasil. Por outro lado, não
é nosso objetivo aqui ‘perseguir’ ou mesmo pôr em xeque o Nassau Histórico. Toda essa
discussão retoma o que foi dito, com bastante propriedade, por Evaldo Cabral de Mello e
que está assinalado no início deste capitulo. O que nos interessa é saber até que ponto
essa historiografia novecentista e até do século XX isolou o “Brasil Nassoviano” da fase
anterior, que praticamente cimentou, em diversos aspectos, o teatro de manobra do
príncipe alemão. As secções que se seguem procurarão, mais à luz das fontes que do
discurso, caracterizar essa fase que antecedeu a vinda de Nassau. Trataremos,
fundamentalmente, dos anos de 1635 e 1636.

214
Em Os Holandeses no Brasil , as primeiras páginas se destinam a entender de que modo a os holandeses
entraram no Atlântico Sul até decidirem pela ocupação da Bahia e Pernambuco. Intitulado Primeiros
Movimentos (1621-1629), as primeiras secções do primeiro capitulo são as seguintes: 1. O assalto holandês
ao mundo colonial ibérico, 2. Usselincx e a formação da Companhia das Índias Ocidentais e 3. A trégua
dos doze anos e suas repercussões.

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2. O pequeno comércio e os “kleine profijten”

A administração do Brasil holandês foi pensada de maneira que o poder civil


estivesse acima do militar. Dessa forma, instituiu-se, desde o primeiro ano da conquista,
um Conselho Político para se sobrepor ao governeur, cujo poder era, apesar do título,
menor que o dos conselheiros políticos. 215 O primeiro governador do Brasil holandês foi
o Coronel Diedrick van Wanderbuch, que ficou no cargo até 1634. Hermann Waetjen
compara a função do Governador no Brasil holandês com a desempenhada nas Índias
Orientais da seguinte forma:

Enquanto nas Índias Orientais o Governador, de inicio, desempenhava as funções


de presidente do Colégio dos Conselheiros (ou Junta do Conselho) no Brasil não
lhe cabia nem mesmo o privilégio de “primus inter pares””. 216

A aplicação da justiça ficava a cargo tanto do Governador como do Conselho Político.


Sobre a competência exata do Conselho Político, afirmou Hermann Waetjen que a falta de
informações nas fontes dificulta-nos o seu conhecimento detalhado. Entretanto, resumiu, com
base em evidências, a sua função como se segue: manter a ordem no território recém conquistado,
fiscalizar a aplicação das ordens dos diretores da WIC e castigar as transgressões destas, cuidar
do aprovisionamento das tropas e da remessa de açúcar e pau-brasil para a Holanda. É de
Hermann Waetjen o melhor estudo sobre as instâncias administrativas no Brasil Holandês. A ele
se referiu José Antônio Gonsalves de Mello ao escrever alguns breves comentários acerca da
administração do Brasil Holandês. 217 Na estrutura do Conselho Político, os funcionários
subalternos aos conselheiros eram o secretário, um escrivão, um auditor, dois oficiais, um
carrasco, um ajudante do carrasco e um servente do Conselho. 218
Com o passar dos primeiros anos, os agentes da WIC iam se ambientando ao dia-
a-dia. A guerrilha constante também oferecia ‘brechas’ à administração. E eram nesses
momentos que apareciam os kleine profijten (pequenos lucros). Através do pequeno

215
Segundo Hermann Waetjen: “Apesar, porém, do titulo pomposo de “governador”, não lhe era conferida
plena autoridade senão em matéria militar”. Ref. WAETJEN, op. Cit. p. 292.
216
Idem, pp. 292-293.
217
No livro “Fontes para a História do Brasil Holandês” (p.9), Gonsalves de Mello destaca um capitulo do
clássico livro de Hermann Waetjen “O Dominio Colonial Holandês no Brasil”, em que este ultimo trata
especificamente sobre o tema.
218
WAETJEN, op. Cit., p. 308.

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comércio, tentativas esporádicas de bom relacionamento entre a WIC e os luso-brasileiros


se sucediam. Em muitos casos, funcionários civis que pediam desligamento da
Companhia para comercializar diversos produtos passaram a contribuir para uma situação
de entendimento entre neerlandeses e luso-brasileiros.
Em março de 1635, Johan Wijnants deixou de servir a WIC na qualidade de
‘comissário de bens’ para se tornar um ‘vrijluiden’ (cidadão livre) e pediu permissão para
comprar “5 pipas de vinho e um barril de farinha” 219 . Wijnants casou-se com a filha de
um senhor de engenho de Goiana e via nesta nova condição a oportunidade de recomeçar
a vida longe da guerra, ou pelo menos longe do serviço militar. Jacob Duinckercker,
capitão do navio ‘O brasão de Hoor”, também tornou-se cidadão- livre e passou a fornecer
pau-brasil para a própria Companhia. Duinckercker foi substituído por Claes Janssen na
sua antiga função de comandante, que partiu para a Holanda carregando açúcar e pau-
brasil. Jacob Duickercker certamente havia percebido as possibiliddes particulares de
lucro no comércio de madeira em vez de ficar sempre atrelado a sua anterior condição de
chefe de embarcação. Basta saber que o pau-brasil era requisitado às largas nos Países
Baixos. Em Amsterdam, por exemplo, havia um presídio (Rasphuis) que utilizava muito
o pau-brasil para o serviço de marcenaria realizado pelos detentos. 220
Em início de abril de 1635, a chalupa Duitzendbeen (A centopéia) trouxe de
Itamaracá um cidadão- livre trazendo uma boa quantidade de bananas e cocos para o
Recife. Essa mesma embarcação trouxe, dias depois, um carregamento de 320 cocos, dos
quais a metade pertencia ao ‘vrijluiden’ de nome Barttholomeus. A outra metade ficava
com a Companhia. Esta, por sua vez, ofereceu, através de seu comissário
(aprovisionador), os cocos a um pequeno comerciante pela soma de 5 stuivers a unidade.
No final, ficou mesmo por 4, uma vez que, segundo o comprador, “as pessoas têm muito
acesso ao líquido” pelo fato de estar o país “parcialmente aberto para poderem
trafegar”. 221 Esta informação do “país parcialmente aberto” nos mostra algo interessante.

219
IAHGP. Coleção José Higino. Dageliscke Notulen. 27/03/1635.
220
SCHAMA, Simon. O Desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro, uma interpretação.
– São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 29. Destacou o autor: “Em 1599, a cidade concedeu aos
supervisores da Tugthuis o monopólio de pau-brasil pulverizado para seus trabalhos de tinturaria, e a partir
daí a casa passou a ser chamada coloquialmente Rasphuis (serraria). Pois esse era o regime que deveria
transformar ociosos, parasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e
responsáveis”.
221
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 13/04/1635.

90
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É que, em meio à guerrilha, a circulação de pessoas começava a se normalizar, o que


seria melhor para o comércio, mesmo que incipiente. Tanto melhor circulavam as
pessoas, tanto mais se dinamizava o pequeno comércio. Isto, é claro, desde que não
estivessem em guerra.
A associação dos cidadãos-livres com a Companhia era, em principio, benéfica.
Esses pequenos comerciantes funcionavam como elementos ancilares na vida econômica
da conquesten. Mas poderiam também prejudicá- la. Um vrijluiden de nome Jan van
Eijsens foi pego por um auditor ao tentar contrabandear água-ardente utilizando um barco
de sua propriedade. Parece que o comércio de água-ardente era mais interessante que o de
222
água-de-coco. O contrabandista foi punido com uma multa de 30 florins.
O problema do contrabando de víveres existia concomitante a organização
administrativa. É bom observar que as autoridades, na figura do Conselho Político, não
estavam alheias a este problema. Com um olho na guerra e outro no comércio, os
conselheiros políticos procuravam coibir os excessos da corrupção. Ocorre que, na
medida em que a conquista se expandia, também crescia a necessidade de distribuição de
bens de comércio. Até os meses de abril- maio de 1635, os holandeses já haviam ocupado
a Várzea do Capibaribe, Goiana, Igarassu, Paraíba e Rio Grande do Norte. Veja-se a
freqüência de embarcações entre o Recife e estes pontos ao logo dos anos que
precederam a vinda de Nassau em 1637 (ver anexo ao final do capítulo). Na proporção
em que iam conquistando os vilarejos e povoados, o governo civil ia implantando a
‘normalidade’ através de um pequeno comércio. Começava ai um “relativo” momento de
entrendimento entre a WIC e os moradores.
Nesse estudo, o clima de relativa estabilização do Brasil Holandês começa antes
da chegada de Maurício de Nassau. A capilarização do poder batavo procurava nos kleine
profijten uma forma de ligar a população local aos propósitos da Companhia. Os
cidadãos- livres foram figuras importantes nesse aspecto.
Tratando dos comissários de bens, função já acima referida, vale menção uma
referência feita a essa categoria de funcionário por uma fonte coeva da seguinte maneira:

222
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 21/04/1635.

91
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“Os comissários são sem exceção pequenos condes; vivem, comem, bebem,
vestem e aprontam-se como gente graúda, principalmente os que superintendem,
a artilharia, os viveres, as mercadorias e os açúcares da Companhia; tudo são
vestidos preciosos, mesa preciosa, cavalos, criados, etc. Donde tudo isto provém,
que o medite quem toca”. 223

Em geral, os comissários eram responsáveis pelos armazéns ou pela guarda de


determinados produtos. Havia, pois, os que regulavam os víveres das tropas, o açúcar e as
mercadorias para venda. 224 Esta função de comissários de bens poderia ser então fonte
constantes problemas ao Conselho Político. Responsáveis pelo abastecimento das
embarcações, os ‘commissaris van goederen’, como eram chamados, viviam no limite
entre a legalidade e a ilegalidade. Eles sabiam os caminhos das mercadorias e, de alguma
forma, o controle delas. Um aprovisionador de nome Arnold Venerman, foi preso por não
225
prestar contas à Companhia. O caso foi diligentemente acompanhado por um auditor.
Por essa época, mencionou José Antônio Gonsalves de Mello, um documento
que aponta indícios de corrupção na própria administração superior do Brasil holandês,
ou seja, no seio do próprio Conselho Político. Segundo ele “é em relação a este período
(1635-36) que ocorreram acusações graves de extorsões, roubos e até morte por parte dos
226
mesmos”. Apesar de tudo, um pequeno comércio começava a existir.
Na tentativa de um entendimento ‘invasor- invadido’ o pequeno comércio junto
aos portugueses era fundamental. Assim foi o caso de Domingos Dias, português, que
vendeu à Companhia 85 arrobas de açúcar ao preço de 13 schellings cada. O tesoureiro
Willen Schott pagou- lhe a quantia de 348 florins e 19,5 stuivers pelo carregamento
227
completo. Até entre os que estavam sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus, como foi
o caso de Agostinho de Holanda, podemos encontrar fornecedores de víveres aos
holandeses. Agostinho de Holanda foi enforcado pelos seguidores de Matias de

223
APUD, MELLO, Fontes para a História do Brasil Holandês, p. 36.
224
Idem.
225
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 25/04/1635.
226
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil holandês, tomo II, p. 12.
227
Idem.

92
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Albuquerque. A informação chegou à WIC por intermédio de seu servente, que também
228
falou da carência de farinha e carne que existia no Arraial.
A guerrilha escondia os ‘pequenos negócios’. Em meio a cercos, observações de
ambos os lados e espionagens, a tentativa de acordo aparecia no fornecimento clandestino
de víveres. Mas esse fornecimento, por vezes, prescindia a uma fiscalização por parte de
algum membro do Conselho Político, que chegou até a criar um edital229 em que proibia o
recebimento de açúcar ou qualquer provisão dos portugueses sem antes passar por uma
fiscalização deles próprios. Quem não seguisse essas ordens teriam os seus bens
confiscados. Nesse edital, proibiu-se, inclusive, que os portugueses vendessem bebidas
alcoólicas nas estradas sem antes passarem pela fiscalização do Conselho Político. Para
consolidar o controle, montou-se uma feira em frente à residência deste conselho.
Havia, pelo menos em teoria, um esforço do Concelho Político em colocar as
coisas em ordem. Não deixaram eles [os conselheiros políticos] de confirmar a punição
dos infratores “segundo alguns outros artigos relacionados à justiça”.
Durante as operações ao interior, o pequeno comércio também poderia ser feito
entre a companhia e os próprios soldados. Numa mata próxima a Porto Calvo (sul da
Capitania de Pernambuco) achou-se 116 caixas de açúcar. Como elas estavam muito
pesadas para serem transportadas até o litoral (onde aguardavam os navios), o jeito foi
dá-las aos soldados para que os mesmos se sentissem ‘estimulados’ a carregá- las às
embarcações e, depois, vendê- las. O fato é que a própria companhia foi quem comprou o
açúcar. Os valores foram pagos pelos comissários de bens. Certamente a WIC ia revender
as 116 caixas por preços mais altos na Europa. Para a soldadesca, o valor pago (de três a
quatro soldos por libra de açúcar) aliviava as dificuldades do cotidiano de soldos
230
frequentemente atrasados.
Até meados de 1634, a situação da WIC no Brasil era muito difícil sob vários
aspectos. No entanto, as várias entradas que os militares faziam para o interior faziam
com que conhecessem mais outras vilas e lugarejos, principalmente aqueles situados na

228
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 27/04/1635.
229
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 28/04/1635.
230
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945, p. 141)

93
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parte sul da Capitania de Pernambuco. Assim, numa dessas expeditien, relataram o


seguinte:

“Em Alagoa do Sul, que se estende para o sul atrás de Porto dos
Franceses, incendiamos um povoado ou povoação considerável, chamada
Nostre Signore de Conceipcao, que, em extensão e beleza de arquitetura,
não era menor que a cidadezinha de Garacu [Igarassu]”.231

A comparação do povoado de Nossa Senhora da Conceição com a vila de


Igarassu (norte do Recife) denota já um parâmetro local de comparação. Após três anos
de ocupação, era possível ter uma noção mais clara das freguesias locais, principalmente
as de Pernambuco. Desde muito cedo, nas fontes holandesas, além da ciência da divisão
dos territórios em capitanias, a WIC já demonstrava o seu conhecimento das subdivisões
mais em termos de freguesias do que mesmo em jurisdições alcançadas pelas câmaras
locais. Isso será evidenciado mais adiante, quando trataremos das composições das
câmaras dos Escabinos.
Houve esforço, por parte do Conselho Político, para pôr em ordem a produção de
açúcar. Em inicio de 1634, a Companhia proveu, entre outros, o ex-soldado Berthlot
Bertholtsen, “casado aqui com uma mulher do país”, para que ele pudesse plantar açúcar.
Foram- lhe fornecidos, inclusive, “alguns negros e materiais para empregar tudo em
proveito da Companhia”.232 Outro exemplo de retomada de produção açucareira foi a
aliança com senhores de engenho antigos incentivada pelo governo civil. Pouco ao norte
do Recife, nos engenhos que margeavam o pequeno rio Araripe, os moradores locais
passaram a colaborar com a Companhia, tanto negociando caixas de açúcar, como
fornecendo aos holandeses informações acerca dos sitiados no Arraial Velho do Bom
Jesus.
Outro ‘colaborador’ da WIC foi Gonsalves de Almeida que, entrando no Recife
com duas caixas de açúcar, foi punido por não ter dado satisfação a Companhia. Com
relação a esse delito, decidiu o Conselho Politico pela advertência e confisco de suas

231
Idem.
232
Idem, p. 151.

94
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caixas. Nesse caso, falou-se em ‘crime capital’, pelo fato do português ter ignorado as
ordens da Companhia. Mas prevaleceu o arbítrio, apelando-se para o bom senso. Era
dessa forma que se aplicava, na maioria dos casos, o direito no Brasil Holandês. Mais por
‘arbitria’ que por ‘justitia’. Situações novas requeriam soluções que prescindiam à lei
escrita. Não seria de estranhar, pois, que o afamado jurista holandês, Hugo Grótius, que
também prestou serviço às grandes companhias de comércio holandesas, optava por um
equeilíbrio entre a lei escrita e o bom-senso, sobretudo num mundo marcado por brigas
religiosas em que o direito deveria ser dessacralizado. Soma-se o fato de que, por essa
época, o direito “dessacralizado” neerlandês se encontrava em fase formação. 233
A racionalidade legal batava era refratada por uma prática local anterior. No caso
acima citado, era bem normal que a produção de açúcar viesse para o Recife, vindo de
qualquer parte da Capitania de Pernambuco. É bem possível que Gonsalves Almeida
234
realmente ignorasse as ordens da Companhia.
Uma questão que merece ser analisada neste caso, e diz respeito mais ao caráter
da WIC. Ao se referir que “não se pode permitir que os direitos da Companhia sejam
colocados de lado”, temos ai uma questão de soberania enquanto “essência da
República”. Este preceito, como esta aqui colocado, foi primeiramente observado por
Jean Bodin. Soberania, diga-se de passagem, da própria Companhia frente aos Estados
235
Gerais dos Países Baixos.
Outro caso de transgressão foi o do comissário Veneman, que ficou preso em sua
residência “por causa de sua negligência, quando prestou conta de sua administração e da
236
má organização de suas contas”. Entretanto, como este quebrou as suas algemas e
“continuou os seus atos do mesmo modo”, a punição foi “cavalgar em cavalo de
madeira” (tipo de tortura) e não receber mais que um rancho de soldado. Não se fala em

233
Ver VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. – São Paulo: Martins Fontes, 2005.
O autor chama a atenção para a “ obra composta no cativeiro da fortaleza de Gorkum e muito consultada na
Holanda, a Inleindinge tot de Hollandsche Rechtsgellerdheid, a introdução ao ensino do direito holandês,
publicada em 1631 [...] Ali se encontra a prova de que os horizontes de Grócio estendem-se para além do
direito público; de que ele é o continuador de Connan, de Doneau e de Althusius, e um dos artesãos desses
direitos comuns, meio romanos e meio consuetudinários, que tendem, sob a égide da razão, a substituir os
direitos múltiplos da sociedade medieval dos Estados da Europa moderna.”
234
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 29.04.1635.
235
GOYARD-FABRE, Simone. Os Principios Filosóficos do Direito Político Moderno. – São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 23.
236
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 30/05/1635.

95
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pena de morte, mas fica claro que a punição existia como exemplo a futuras atividades
ilícitas. Tais punições se nos apresentam como algo que contrasta com a situação pintada
por Waetjen antes da vinda de Nassau, como sendo a de uma “completa desordem”.
Varnhagen, por sua vez, admite apenas para a época de Nassau a decisão de que
todos os empregados cumpriam com os seus deveres. Como se só a partir de então, o
237
governo passasse a conciliar “a severidade com a prudência”. Nos casos acima
citados, parece que estes dois “ingredientes” já estão misturados antes mesmo da vinda
do Stathouder Maurício de Nassau. Assim, a severidade se encontrava na punição em si,
enquanto que a prudência estava na intensidade das penas, que podiam ser abrandadas.
Não se podia simplesmente punir com a morte um funcionário da Companhia por
qualquer motivo. Nos Países Baixos, as penas de morte eram aplicadas para casos de
crimes contra a família ou “contra a ordem sexual ‘natural’ que exigiam a extirpação pela
238
água”. Assim declarou Simom Schama, um o estudioso da sociedade e cultura
holandesa. O mesmo observou como as penas eram aplicadas nos Países Baixos. Lá, as
mesmas eram aplicadas segundo vários critérios, em que se observavam vários graus de
confinamento, desde prisões de três e seis meses até a prisão perpétua. Em caso de
homicídio, dependendo da idade do réu, a pena não era capital. Diferentemente da
Holanda, cujas penas eram aplicadas, nas cidades, pelos schout (cherife) e auxiliado por
um grupo de magistrados (schepenen), no Brasil pré-nassoviano a função ficava a cargo
do Conselho Político.
Cada espaço da conquista tinha a sua burocracia. No caso dos comissários de bens
era interessante exercer essa função em pontos importantes da conquista. Para Goiana,
por exemplo, Vincent Drillenburch, que já era Comissário de Bens no Recife, pediu para
substituir o anterior Jan Wijnants. Drillenburch foi indicado pelo conselheiro político o
Sr. Ippo Eijssens. A vila de Goiana era, mesmo antes da invasão de 1630, um ponto de
comércio importante entre Pernambuco, Paraíba e Itamaracá. Fica, até os dias de hoje,
envolta numa interessante rede fluvial. Para que o pequeno comércio funcionasse, devia-
se providenciar as embarcações para levar ao Recife os açúcares dos plantadores já
‘aliados’ à Companhia. Um dos conselheiros, Willem Schott, solicitou um barco no Rio

237
VARNHAGEN, F. A. de. História das Lutas com os Holandeses no Brasil, p. 144.
238
SCHAMA, Simon. O Desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, pp. 34-35.

96
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da Jangada, para atravessar a produção do engenho de Michel Paes. O pedido não foi
satisfeito e o açúcar deveria mesmo vir por terra.239
O sistema de transporte de açúcar, pelo menos dos engenhos situados ao norte e
sul do Recife, era, via de regra, fluvial, de forma que os açúcares eram trazidos ao porto
desta cidade por barcos pequenos. As fontes batavas os denominam baercqiens ou
baerquiens. Eram as mesmas descritas por Giberto Freyre como barcaças que, até início
do século passado, traziam “açúcar, sal, madeira e cocos para o Recife”. O autor fez
questão de descrevê- las como tendo um “feitio colonial”. 240
Na fase inicial da guerra, muitos desses barcos tinham sido destruídos ou mesmo
levados para a Bahia pelos luso-brasileiros. Esses barcos pequenos eram peças
importantes no processo de deslocamento do produto até o porto. Um transporte mais
lento poderia até encarecer o produto. Os menores barcos neerlandeses, as chalupas e os
iates, não podiam realizar essa função, uma vez que estavam comprometidos com
missões militares. Mesmo assim, sempre que possível, quando estas embarcações traziam
ou levavam tropas e armas para certas localidades, transportavam também caixas de
açúcar. Soma-se ao fato de que esses iates traziam açúcar através de saques. Um deles,
que teve vez no sul da capitania de Pernambuco, trouxe aos armazéns do Recife mais de
241
2.500 caixas de açúcar.
Se o constante estado de guerrilhas dificultava o transporte do produto por terra,
o fato deles passarem a ser transportados pelos rios não era estranho aos batavos já
afeitos ao transporte fluvial na própria Holanda. Como observou Fernando Braudel, na
Holanda, “most goods travelled by water”. 242 Na Vaterland, o comércio de bens quase
não se utilizou do “overland transport”. Percebemos, pois, que o constante estado de
beligerância não impediu a que o Conselho Político iniciasse, ainda que com dissabores,
a suas práticas administrativas. Como estratégia de dominação, um modelo

239
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 30. 04. 1635.
240
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a pasaigem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 68.
241
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945. (especificar a página)
242
BRAUDEL, Fernand. Economia e capitalismo. p. 350.

97
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administrativo foi sendo adotado na medida em que, timidamente, foram os holandeses


obtendo relativa cooperação da população local.
243
Outro sinal do lento, mas não imperceptível ajustamento da economia no
Brasil Holandês antes do governo nassoviano, foram os pedidos de trabalho, já aceitos na
própria Holanda, para determinados ofícios. Só para o ofício de ajudante de padeiro,
vieram, em maio de 1635, Dirkson van Bueren, Jan Neeuwburgen, Herman Srucker van
Eijssens, Jan Albrechts de Waerden, Jan de Fijn, Gerrit Strijte, Willen Haermens, Hans
Conhad van Boeren, Matheus Abrahans e Lambert Everts. Soma-se a esse grupo Jan
Barentsen, que foi ser chefe-padeiro na Paraíba recebendo 17 florins por mês.244
Apesar desse quadro, observou o historiador Hermann Waetjen que “até fins de
1635 poucos foram os pedidos de transporte para a América do Sul que transitaram pelos
escritórios do WIC” para diversos ofícios. Para ele, que empreendeu uma grande pesquisa
nos arquivos da Companhia, os pedidos de emigração só aumentaram consideravelmente
245
após a vinda de Nassau em 1637.
Esse pequeno comércio representava uma grande vitória para uma companhia de
acionistas, sobretudo porque satisfazia a uma das condições de existência de uma
companhia dessa natureza. Fernand Braudel, que trabalhou magnificamente a ascensão
do capitalismo no ocidente, observou as três condições necessárias para a efetivação do
monopólio de uma companhia, que são: “o Estado, mais ou menos eficaz, nunca ausente;
o mundo mercantil, isto é, os capitais, o banco, o crédito, os clientes”.246 Finalmente, a
terceira “condição”: “uma zona de comércio para ser explorada de longe, a qual, por si
só, determina muitas coisas”.247 Essa terceira condição ou “realidade”, como disse
Braudel, é a que nos alcança. Em Pernambuco, zona de comércio distante dos Países
Baixos, o incipiente contato da WIC com os lavradores e senhores de engenho locais,
fazia parte dessa terceira “realidade”. É assim que podemos entender um inicio de

243
Se compararmos com os três primeiros anos da conquista, percebemos que a partir de 1635 passa a
existir um maior interesse, devido ao arrefecimento da guerrilha, no exercício de diversos oficios no Brasil
Holandês.
244
IAHP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 01.05.1635.
245
WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil, p. 379.
246
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo. – São Paulo: Martins Fontes,
1996, pp. 392-393.
247
Idem.

98
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“interlúdio de paz” para a WIC, através de seus agentes e também para os produtores
locais.
Vejamos, pois pela ótica destes últimos. Pedir empréstimos era uma prática antiga
entre os plantadores de cana em Pernambuco. Comprar a prazo também. Assim
adquiriam-se, inclusive, escravos. Quando as safras de cana não vingavam, por diversos
motivos, as dívidas certamente aumentavam. Nesse sentido, a invasão holandesa veio a
livrar muitos senhores de engenho e lavradores de suas dividas antigas. Dessa forma, os
kleine profijten foram importantes não apenas para a Companhia (satisfazendo a terceira
“condição” do monopólio), mas também para os lavradores que se apartaram da
resistência.
Em abril de 1634, a companhia já contava com a colaboração de alguns senhores
de engenhos e lavradores como Pedro da Rocha Leitão, Gonçalo Novo de Lira, Gaspar
Ximenes e Francisco da Costa Brandão. Este último, por sua vez, trouxe consigo alguns
outros moradores para ganhar a salvaguarda da Companhia. A partir disso, considerou o
Conselho Político que “as pessoas estão retornando aos domínios” da Companhia.
Praticamente a um ano da queda do Arraial, muitos moradores, do Cabo de Santo
Agostinho até Itamaracá, rendiam-se às garantias oferecidas pelos holandeses. Mais
ainda, é bem possível que alguns deles já servissem há mais tempo aos holandeses, visto
que, numa brieven, há referência de “renovação das salvaguardas”.248 Muitos civis
aceitaram, sob a condição de garantia de seus bens, a subordinação ao invasor.
Por outro lado, a manutenção de seus negócios já era assegurada pelo Regimento
da WIC. Os empréstimos só voltariam a acontecer, grosso modo, na administração de
Nassau e do Alto Conselho anos depois. Em Itamaracá, alguns soldados holandeses,
passados os três anos de serviço militar, obtiveram a condição de cidadão- livre. Aqui,
“muitos colonos começam a se fortalecer, [..] vindo morar na ilha na condição de
cidadão- livre e agricultores [...]”. Muitos são provenientes da França, Inglaterra,

248
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit brasilie.18/04/1634. Onde se lê: “ soo hebben
verscheyden inwoonders versocht vernieuwinge van de salveguardes ende onder anderen eenen signor
d’Ingenho Francisco da Costa Brandaon, die wij onlanghs hebben does affbranden, comt ook het hooft in
de schoot leegen ende versouckt saveguard, doch is alles affgeslaegen, alsoo wij sien daer niets met is te
proffiteren, soodat dit volckie ook al is vertreckende, soodat nu alles van de Cabo aff tot Goyana toe is
verlaten.”

99
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Alemanha, além da Holanda e Portugal. Estes últimos sendo os que já haviam aceitado a
salvaguarda.249
Essa “vitória de Pirro” da Companhia deve ser vista frente a uma escala micro.
Evidentemente, até a queda do Arraial, em meados de 1635, e mesmo depois, o grosso da
produção açucareira era escoado para Portugal por portos ainda não ocupados pelos
holandeses. Eram as “escápulas” do açúcar sobre o que falou Evaldo Cabral de Mello.
Enquanto os holandeses apenas estavam no Recife, bem no inicio da conquista, saía do
porto da Paraíba um navio carregado com 400 caixas de açúcar. E foi esse mesmo navio
250
que comunicou às coroas ibéricas acerca da invasão a Pernambuco. E eram por portos
ainda não conquistados que passavam os groote profijten (grandes lucros), os quais a
WIC só obtinha mediante apreensões.
Voltando ao ‘pequeno comércio’, entendemos a boa receptividade batava ao
compararmos com uma conjuntura de quatros anos antes, 1631. Naquele ano, certa vez,
chegaram as autoridades holandesas a considerar que “não há esperança de entabular
relações de comércio e de negócios aqui” 251 . As dificuldades dos três primeiros anos de
ocupação impediam o pequeno comércio por diversos motivos. Para ter acesso aos
engenhos da interlândia era necessário, antes de tudo, conhecer os caminhos e pequenos
cursos d’água. O Governador Wanderburch, em meados de 1633, desabafava aos
diretores da Companhia quando se referiria ao

“pequeno número de embarcações convenientes, mudança de clima,


ignorância dos canais e passos pouco examinados pelos marinheiros antes
dessa época, falta de bons guias e outras dificuldades pelas quais ótimos

249
Idem. Onde se lê: “ de coloniers beginnen opt eyland sterck te werden, veele voor desen op St
Christoffel ende andere plaetsen, daer colonien sijn gewoont hebbende, nu hier haren tijt uitgedient
hebbende sijn opt eylandt gaen woonen om haer als sijnde vrijluiden met het planten te generen, daer siijn
alle natien France, engelsche, Duytsche, Nederlanders ende Portugesen, ook eenige Brasilianen stileren
haer meest op den maniva ofte mandioca te planten om farinha de pao van te maecken doch het land is soo
vol groot mieren met scheeren, [...] dat de farinha geen arbeijtsloon sal voortbrengen maer alle andere
gewassen ende vruchten als bacovas, bananas, potatos, ananas, pompoenem, meloenen, cocos papayas,
boonen ende diergelijcke meer het in overvloet ende soo schoon als ergens in Brasil [...]”
250
Carta dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais de Zelândia aos Estados Gerais. 23 de abril de
1630. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p.37.
251
Missiva do Governador D. Van Weerdenbuch, em Antonio Vaaz, aos Estados Gerais. 03 de agosto de
1631. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 71. Esses eram os
“tempos difíceis” aos quais se referia José Antonio Gonsalves de Mello.

100
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empreendimentos tomavam um curso contrário ao que nos havíamos a


nós próprios prometido”.252

A superação desses problemas seria fundamental para que tivesse curso os


“ótimos empreendimentos” da Companhia no Brasil. Por mais que os holandeses
estivessem bem informados acerca dos principais portos e vilas do Nordeste, não eram da
mesma forma acerca das estradas e pequenos rios. Isso veio com o cotidiano das
incursões. Essa era ainda uma fase de reconhecimento da conquesten. Essa espécie de
‘proto-história’ dos holandeses em Pernambuco, que foram os primeiros três ou quatro
anos, talvez não devesse passar incólume na história do Brasil holandês. As incursões ao
interior ajudavam a WIC a conhecer melhor o mundo entorno dos engenhos e os próprios
engenhos. Para que o pequeno comércio de 1635 e 36 passasse a existir era necessário
conhecer aquele mundo, que não se encontrava necessariamente muralhas a dentro do
Recife, ainda que o porto e os armazéns fossem extensões do que se iniciava nas unidades
253
produtivas.
Esse mundo pré-nassoviano, dos ‘tempos difíceis’, é meio obscuro na
historiografia do Brasil Holandês do século passado. Não que historiadores como
Waetjen, Boxer ou Gonsalves de Mello não tenham visto as minudências desses
primeiros anos. Contudo, restringiram mais as suas análises na resistência do Arraial, na
fortificação do Recife e na desagregação da produção açucareira (o que de fato se
verificou). Do lado luso-brasileiro, os pequenos lucros vinham às escondidas. Por portos
que não o do Recife, Itamaracá e Santo Agostinho, os navios continuavam a chegar e a
desembarcar açúcar e outros bens de comércio.
Em fins de maio de 1635, os holandeses, a partir de uma expeditien, souberam por
um informante que um senhor de engenho chamado Cristóvão Botelho, que era
proprietário em Camaragibe, havia mandado um navio desembarcar açúcar na Ilha

252
Relatório do Governador D. Van Weerdenburch aos Estados Gerais. 11 de julho de 1633. In:
Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 114.
253
Idem. Relato de Wanderburch: “muita incursão na região [entorno de Igarassu] foi por nós feita com
nossa pequena tropa; diversos bons engenhos, armazéns e navios com açúcar e fumo (que não sabíamos por
segurança de outra forma) foram queimados por nós, diversos açúcares foram tomados por nós nos canais,
dos quais trazemos conosco uma boa parte...” .

101
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Terceira e, de lá, retornado a Pernambuco “algodão, linho e outros bens de comércio”.254


Em Pernambuco, o navio aportou no rio Santo Antônio, bem ao sul do Recife. Ao norte
do Recife, a situação parecia encontrar a sua quase normalidade.
A ligação Recife-Goiana-Paraíba já parecia se consolidar mesmo antes da queda
do Arraial. Pouco mais de um mês antes da derrota de Albuquerque, jatches holandeses
carregavam açúcar em Goiana para o porto da Paraíba. Assim, a embarcação De
Goutvinck transportava de Goiana para a Paraíba as quantidades de caixas de açúcar que
deveriam encher os navios deste porto. 255
A importância de Goiana e da Paraíba está evidenciada numa notulen que se
refere a possível aproximação de tropas luso-brasileiras “indo em direção a Goiana
destruirá tudo o que ali se encontra, causando prejuízo à Companhia. Mas também é
possível que o inimigo esteja indo em direção à Paraíba para acabar com tudo nesta
província”.256 O receio da WIC em perder estes pontos de conquista levou o Conselho
Político a designar 600 homens para as duas regiões. Esse estado de tensão atingiu a
relação entre os cidadãos- livres e os moradores portugueses, em que ficava proibido o
comércio entre eles. Situações como estas colocavam em xeque a relação entre a WIC e
os moradores luso-brasileiros, abalando a relação de entendimento entre essas duas
partes. A companhia tinha motivos para esses “medos de traições”, visto que, por essa
mesma época, “alguns portugueses, que estavam sob nossa salvaguarda [salvaguarda
holandesa], ajudaram traiçoeiramente o inimigo”. O resultado é que estes “traiçoeiros” à
companhia foram mandados presos às Índias Ocidentais.
Era difícil a obtenção da paz.257 Bastava a aproximação de soldados luso-
brasileiros para os moradores ficarem exaltados. Na Paraíba, Eduardo Gomes da Silveira
e Simão Soares foram acusados de planejarem “uma traição contra o Estado”, aliciando
índios para atacar a vila de Goiana. Entretanto, a conspiração foi delatada pelo primo do

254
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635. De fato, Cristóvão Botelho possuía 2
engenhos nas proximidades de Porto Calvo. O seu nome consta num levantamento sobre o Brasil Holandês,
aliás, o primeiro depois da chegada de Mauricio de Nassau. Ref. Breve discurso sobre o Estado das quatro
capitanias conquistadas, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do
Brasil. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês. Tomo I.
MEC/IPHAN/FUNDAÇAO PRÓ-MEMÓRIA, Recife, 1981, pp. 77-129.
255
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
256
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/04/1636.
257
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/04/1636.

102
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próprio Silveira, Domingues da Silveira. A pena para Gomes da Silveira foi o exílio,
enquanto que Simão Soares foi torturado para poder fornecer à companhia mais
informações acerca de sua participação no plano.258 Apesar dessas ameaças, a WIC ainda
podia contar com ‘colaboradores’ portugueses. A própria navegação na Paraiba era
facilitada pelo rio de mesmo nome. Nas crônicas de Frei Vicente do Salvador, o rio
Paraiba

“é muito maior porto e capaz de maiores embarcações que o de Pernambuco”.


Facilitado pela boa profundidade, o rio Paraiba, mesmo há uma légoa de sua foz,
dispunha de boas condições de aportagens e canais “por onde podem navegar
grandes caraveloes”. 259

Sobre Goiana, um dado importante. Das regiões conquistadas pela WIC no Brasil,
desde 1630, a de Goiana foi a primeira na qual os luso-brasileiros se organizaram com
consentimento do Conselho Político. Um de seus conselheiros, Ippo Eijssens, em janeiro
de 1630, informou aos demais administradores que tinha promovido “a eleição de oficiais
para a Câmara da Capitania de Goiana”. Haveria alguma relação entre a freqüência do
comércio com a vila de Goiana e a reestruturação do pode local, ainda que sob as vistas
dos holandeses? Os luso-brasileiros escolhidos foram Gonsalvo Garibaldi, Caldas de
Ruiz, Vaz Pinto, Cosmo da Silva, Agostinho Nunes e Conrado de Liz. Os mesmos
tiveram que “fazer juramentos” perante a administração Batava.
Essa primeira organização do poder local luso-brasileiro em Goiana pode ser
compreendida como um acontecimento a favor do entendimento entre holandeses e
população local. Convém lembrar que, nessa mesma época, a resistência luso-brasileira
se encontrava há poucas léguas dali, precisamente no sul da capitania de Pernambuco. A
referência feita pelos holandeses à “câmara da capitania de Goiana” demonstra, de certa
forma, um certo “deconhecimento” territorial anterior, uma vez que a vila era a mais
importante da Capitania de Itamaracá antes da invasão. Posteriormente, os neerlandeses

258
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/05/1636.
259
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. - Belo Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 184.

103
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vão dividir os territórios conquistados como jurisditien (jurisdições). Goiana vai ser
260
entendida como uma dessas jurisdições.
Há poucas léguas dali, soldados da WIC e tropas volantes luso-brasileiras se
atacavam. A interlândia se dividia entre a guerrilha e o comércio. Entre a ordem e a
desordem. Soma-se o fato de que as autoridades holandesas consideravam os seus
efetivos insuficientes tanto para manter a conquista como para avançar nelas. A essa
altura, o Conselho Político e as autoridades militares, expressavam a necessidade de
expandir a conquista para o sul, para o lado de “Muribeca, Ipojuca, Porto Calvo e outros
lugares com uma grande quantidade de homens ... fazendo, desta maneira, que em todo
país se garanta o fornecimento de farinha e animais”.261
Por razões óbvias, o maior inimigo dos pequenos lucros da Companhia era a
resistência local sediada no Arraial Velho do Bom Jesus. Contudo, uma outra razão um
pouco menos óbvia é que os iates e chalupas holandesas tinham que se dividir entre as
operações militares e o transporte de mercadorias entre uma e outra parte da conquista.
Esse primeiro alargamento da conquista, do Recife até a Paraíba, já apresentava os seus
inconvenientes. Principalmente no que se refere a distribuição dos administradores pelas
“jurisdições”. Houve um momento em que, no Recife, só residia um conselheiro político
e que era responsável por administrar todas as finanças da conquista bem como “de todos
262
os problemas do Recife”.
Há motivos, entretanto, para crer que esse “pequeno comércio” não estivesse
centralizado no Recife. Antes, pelo contrário, dava-se em situações bem circunstanciais.
O Conselho Político relatou, certa vez, da necessidade de se proibir a presença de
portugueses no Recife

“porque eles vêm espionar a nossa situação, usando o pretexto de comércio. E,


visto que nós atualmente não temos bens de comércio, faz com que a vinda deles
ao Recife se torne desnecessária”.263

260
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 20/01/1636.
261
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.
262
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/05/1635.
263
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.

104
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No tocante a territorialidade, o Conselho Político obedecia à mesma divisão


anterior à conquista. Isso se explica quando, numa ata, vemos uma referência a um
membro do mesmo conselho, Ippo Eijssens, que se encontra na função de “Diretor geral
da Capitania de Itamaracá”, tendo a vila de Goiana como base de operações. O mesmo
Eijssens pediu à companhia que mandasse para Goiana “gente qualificada e com
264
experiência, que pudesse se encarregar das embarcações”. Mas o comércio dá sinais
de estruturação na medida em que soldados passam a condição de cidadão- livre. Isaak
Jacobsz van Sas obteve a condição de vrijluiden e passou a comprar e abater animais para
a WIC. Hendrick van Ent Haecx, deixou a sua condição de assistente de marceneiro pela
265
de cidadão- livre e Dirck Janz, um “empacotador de víveres”, também fez o mesmo.
Vale dizer que, no caso dos soldados, a situação de cidadão- livre só era permitida ao
termino de seu “contrato de trabalho”, que durava três anos. Até ex-escravos, que
serviram à Companhia na condição de soldados, requereram e ganharam, terminado os
três anos de serviço, a condição de cidadão- livre. Esse foi o destino de Manoel de Barros
266
e Gaspar Rodrigues. De ex-escravo à vrijluiden, Barros e Rodriguues serviram à WIC
na “guerra velha”, só que contra os luso-brasileiros. Ganharam soldo e, estando sujeito ao
mesmo tempo de serviço que os outros soldados europeus, tornaram-se livres para
exercer outras funções.
Ocorre que muitos desses soldados tinham um ofício além da experiência militar.
Não podemos esquecer que se tratava de um exército mercenário. Veja-se o caso do
soldado Ertman Nuser, que obteve a condição de vrijluiden para exercer a sua profissão
267
de ourives. No comércio do pau-brasil, que parecia ser já um bom negócio para os
cidadãos- livres, Roeland Carpentier, encarregado de fornecer pau-brasil à Companhia,
recebeu de uma só vez a quantia de 1200 florins pela madeira colhida. Sobre o comércio
de pau-brasil, em específico, temos que esse produto era muito bem vindo na casa de
268
detenção de Amsterdam, apelidada de Rasphuis (serraria), como já fora dito.

264
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/05/1635.
265
Idem.
266
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/09/1635.
267
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 01/06/1635.
268
Op. Cit. P. 29. Lá, segundo Simon Schama, a cidade concedeu o monopólio de pau-brasil aos
supervisores da casa de detenção, conhecida inicialmente pelo nome de Tugthuis. Lá, os presos aprendiam
o oficio da marcenaria e carpintaria. Para Schama “esse era o regime que deveria transformar ociosos,
parasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e responsáveis”.

105
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O cidadão-livre, muitas vezes, fazia por sua conta e risco o trabalho que a
Companhia precisava, pois não recebia mais salário desta. Para a WIC, era uma maneira
de diminuir os gastos com salário. Para os cidadãos- livres, era uma forma de arriscar a
sorte. Provavelmente, a experiência de muitos soldados dava- lhes gabarito para exercer
determinadas funções, como fornecer madeira e carne à própria WIC. Essa espécie de
“trabalho indireto” coloca alguns cidadãos- livres numa condição de semi-empregados da
Companhia, contrariando um pouco a visão de José Antônio Gonsalves de Mello,
segundo o qual estavam completamente desvinculados dela. Mas também é verdade,
ainda segundo Gonsalves de Mello, que os vrijeluiden não eram necessariamente
269
dienaeren, ou seja, servidores da WIC. Em diversas campanhas ao interior eles
tomavam conhecimento dos caminhos, rios, portos e pessoas com quem se informar e até
dividir os kleine profijten. Estas foram conquistas que se deram numa escala micro e que
se afasta um pouco da visão de um Brasil holandês pré nassoviano mergulhado
exclusivamente na guerrilha e no medo constante.
A perspectiva do Brasil holandês pré- nassoviano mergulhado na guerilha encontra
a sua razão de ser nas crônicas acerca dos primeiros anos da WIC no Brasil. Ao trarar do
que se sucedeu após a conquista da Paraiba em 1634, Diogo Lopes Santiago registrou:

“Depois que os holandeses tomaram a Paraíba para se congraçarem com os


moradores e assegurarem em sua amizade, fizeram com eles assento de contrato
mui favoráveis, a saber: que lhes concederiam o viverem na pureza de sua fé
católica romana com suas igrejas abertas e sacerdotes, e que se não metriam nas
cousas tocantes ao eclesiástico, e que concediam aos moradores todas suas
fazendas e escravos livremente, e que os conservariam em sua posse, e os
defenderiam de toda sorte d’inimigos, e lhe acudiriam com todo gênero de
mercadorias, e lhe pagariam os frutos da terra por seu justo preço, e lhe
guardariam em tudo justiça e liberdade, com pressuposto que lhe pagariam os
dízimos e mais tributos que costumavam pagar a seu Rei. Ficaram os moradores
da Paraíba um algum tanto consolados com estes e outros mais favoráveis
assentos que com eles celebraram, porém pelo tempo emdiante bem

269
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. – Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1987, p. 52.

106
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experimentaram uantas vezes lhes foram quebrados, assim os eu com eles como
com os moradores de Pernambuco fizeram [...]”. 270

Residente em Pernambuco ao tempo da invasão, em 1630, o mestre em Gramática


Diogo Lopes Santiago viveu no meio da guerra e chegou a residir próximo ao Arraial
Velho do Bom Jesus e “assim como vizinho tão próximo se informava com muita
diligência e escrevia as cousas que iam sucedendo na guerra [...]”. 271 Mais preocupado
em narrar os feitos de João Fernandes Vieira na Restauração Pernambucana, Lopes
Santiago dedicou a maior parte de suas crônicas à fase que foi de 1645 a 1654. 272 Dessa
forma, conquanto a sua obra tenha nos apresentado um rico material acerca da luta contra
os holandeses, os anos de 1635-36, pelo menos, foram dedicados à narrativa do que se
sucedia na parte sul da Capitania de Pernambuco, na qual se encontravam as forças de
resistência luso-brasileiras. O que acontecia ao norte do Recife, após a conquista de
Goiana, Paraíba e Itamaracá, podemos saber através das atas da WIC no Brasil utilizadas
neste capítulo. Se analisarmos a freqüência de embarcações no porto do Recife ao final
deste capítulo nos anos acima mencionados, poderemos perceber os indícios de uma
ligação entre esta parte recém-conquistada pela WIC.
Os pequenos proveitos obtidos pela WIC, sobretudo a partir da derrocada do
Arraial Velho, representaram uma reação, ainda que tímida, aos prejuízos causados aos
holandeses pela guerra lenta suportada nos primeiros anos. Nas crônicas de Francisco de
Brito Freire, sustentavam os representantes do Conselho de Portugal que residiam em
Madri que

“continuarmo-la [a guerra] lenta em Pernambuco ficava tão útil e tão fácil aos
tesouros preciosos de Espanha como prejudicial e impossível aos cabedais
atenuados da Companhia. Que desenganada já dos prometidos interesses, pelos
excessivos gastos das contínuas assitências e das largas viagens, havia perdido do

270
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE, 2004, p. 77.
271
Idem, p. 2.
272
Idem, p. 3. Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, “Santiago oferece seu insubstituível depoimento
sobre a insurreição Pernambucana, isto é, sobre os acontecimentos posteriores a 1645. Depoimento que
deve sofrer crítica em relação aos louvores à ação desinteressada, segundo ele, de João Fernandes Vieira.
Ao autor deve-se a importante descrição dos outeiros dos Guararapes e das suas vizinhanças e minuciosa
relação das várias fases das duas batalhas ali travadas”.

107
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grosso com que entrou a sessenta por cento. E como somava a opinião da honra
pela conta dos algarismos, fazendo da conquista mercancia, em não excedendo o
que adquirisse a espada ao que montasse a pena, obriga-la-ia a deixar o Brasil sua
mesma conveniência [...]”. 273

Essa passagem, que teve vez ainda no calor dos primeiros anos da guerrilha,
mostra realmente o paradoxo da WIC no Brasil que era a persistência na luta malgrado as
perdas financeiras da mesma. Como se sabe ao longo deste capítulo, a persistência da
Companhia na sustentação da guerra, atendendo assim mais as espectativas da “facção da
guerra” desta empresa semi-privada, coroou-a com a experiência dos kleine profijten.
Podemos entender o paradoxo acima mencionado considerando também que a guerrilha,
ao mesmo tempo em que exauria os recursos da WIC, dotava os seus soldados de
experiência na guerra-de-mato. E isso logo foi percebido pelos portugueses no Reino que
observaram que “nem obstava que já a experiência de dois anos houvesse dado algum
conhecimento à imperícia estrangeira; porque enqunto aprenderam os holandeses a
prática do país, ensinaram aos moradores a disciplina da guerra”. 274
Retomando a questão dos cidadãos- livres, podia ocorrer destes virem direto dos
Paises Baixos numa condição que não a de soldados. De uma só vez, o navio
“Speeljacht”, da Câmara de Amsterdam, desembarcou no Recife alguns vrijluiden
275
especializados em plantação de tabaco e um farmacêutico.
Mais contribuições de moradores. Ainda em agosto de 1635, o comerciante
português Aleixo Peres da Mota forneceu à Companhia 231 arrobas de açúcar branco e
46 arrobas de açúcar mascavo. Por isso, recebeu a soma de aproximadamente 900 florins,
276
sendo a arroba do branco vendida a 12 schellings e a do mascavo pela metade. O caso
de Peres da Mota é interessante porque ele “adiantou” à Companhia a quantia de 885

273
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica. – São Paulo: Beca Produções
culturais, 2001, pp. 139-140.
274
Idem.
275
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/08/1635. É possível que determinadas
especializações fossem mais bem pagas no Brasil do que nos Paises Baixos, dada a reativa escassez de
mão-de-obra no Brasil Holandês. Simom Schama, para o caso dos Paises Baixos, observou que aqui, ao
contrário do que possamos imaginar, “a mão-de-obra não especializada sempre esteve em posição tão boa
quanto a de sua contrapartida, ou até melhor, ao longo dos cem anos que se estendem de 1580 a 1680”. Ref.
Op. Cit. P. 171.
276
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.

108
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florins pelo aluguel de carroças e a aquisição de farinha e animais. Mota, comerciante que
era, provavelmente traria aos navios da WIC mais caixas de açúcar perdidas de engenhos
do interior. Também é possível que comercializasse a farinha comprada à mesma. Aliás,
quanto a farinha, alimento preciosíssimo à soldadesca, era, não raro, obtido em
campanhas no interior e redistribuídos pela tropa. De uma vez só, o iatche “De
Goutvinck” trouxe do Cabo de Santo Agostinho um carregamento de 800 alqueires de
farinha para ser distribuído “entre os soldados em lugar do pão”. 277
Outro português que servia a Companhia era Pedro da Cunha, que recebeu 20
caixas de açúcar que aquela lhe devia. Tais caixas vieram da conquista do Arraial do
278
Bom Jesus como resultado do saque lá feito pelas tropas holandesas.
Muitos outros portugueses prestaram, na condição de comerciantes, serviços para
a WIC em lugares distantes de Pernambuco. Esse foi o caso de alguns “barcos
279
portugueses vindos de Porto Calvo” e cujos donos pediram permissão, mediante
juramento a WIC, para irem ao Caribe e de lá trazer produtos de volta para o Recife. A
condição para a partida era de que levassem os prisioneiros portugueses capturados na
refrega do Arraial Velho e que fossem lá desembarcados. Esse caso figura como uma
exceção. Não se sabe se estes navios portugueses retornaram a Pernambuco ou
aproveitaram a situação para fugirem dos neerlandeses.
O primeiro historiador a pesquisar com detalhes os anos que precedem a vinda de
Nassau, especificamente 1635 e 1636, José Antônio Gonsalves de Mello, mostrou a
mudança quase radical do cotidiano do Brasil Holandês após a rendição do Arraial Velho
do Bom Jesus (meados de 1635). Nesses dois anos, aumentou bastante o fluxo migratório
de colonos neerlandeses e judeus. No Recife e na Ilha de Antônio Vaz, a especulação
imobiliária já se fazia presente. Com um pequeno comércio praticamente consolidado,
começaram a ser criadas as feiras. Dentre elas, o vismarcket (mercado de peixe). O dado
da existência de um mercado em agosto 1636 nos remete as relações de sociabilidade que
aí têm curso. Pelo exposto em reunião do Conselho Político, “foi lido em voz alta os
280
regulamentos relacionados ao mercado de peixe”.

277
Idem.
278
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
279
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/09/1635.
280
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/08/1636.

109
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A existência de um mercado ou de uma feira regular nos leva a refletir na


existência de um cotidiano que se forma na conquista. No caso do “mercado de peixes”
ou “de pescado”, que passou a funcionar no Recife a partir de agosto de 1635, temos ai
um mercado especializado. A regularidade do vismarckt foi bem notada por Gonsalves de
Mello nas documentações.
Talvez seja bom notar a relação da feira com as pessoas que a elas recorrem pela
281
assertiva de Fernand Braudel, segundo a qual “é um centro natural de vida social”.
Evidentemente, não tratamos aqui das grandes feiras de Paris e das maiores cidades dos
Países Baixos da mesma época. Contudo, na construção da vida urbana do Recife de
1635 e 36, o mercado se junta a outros elementos como a própria urbanização, a
fiscalização da limpeza, enfim, a constituição de um espaço público, muito embora
tratemos ainda de uma época em que a fronteira entre o público e o privado seja ainda
muito tênue. José Antônio Gonsalves de Mello foi quem chamou a atenção para a criação
de “serviços públicos” nesta fase pré-nassoviana como a divisão do Recife em dois
territórios (norte e sul) e a instalação dos serviços de bombeiro (os brantmeesters), que
282
deveriam ser pagos pela comunidade e recebiam 18 florins por mês.
Os colaboradores vão aparecendo, por vezes anonimamente. Numa carta que o
conselheiro Carpentier enviou da Paraíba, o mesmo pedia que do Recife se enviasse uma
boa soma de dinheiro “porque a companhia devia muito aos moradores deste local”. 283
Em Pernambuco, dois meses após a queda do Arraial do Bom Jesus, a preocupação do
Conselho Político com a obtenção de açúcar levou os administradores a lidarem com o
problema do aprovisionamento do produto nos armazéns. Em afogados e no Recife, os
armazéns se encontravam “em mau estado e, na maioria das vezes, só se utiliza a metade
da capacidade de armazenamento destes estabelecimentos, o que está gerando uma
284
grande perda para a Companhia e para os portugueses”.
A WIC tinha já um comiss responsável por tomar conta dos armazéns, mas
resolveu tirá- lo dessa função e se utilizar dos serviços do vrijluiden Duarte Saraiva. Este,
281
BRAUDEL, Op. Cit. p. 16. O autor prossegue a sua analise das feiras da seguinte forma: “É nela que as
pessoas se encontram, conversam, se insultam, passam das ameaças às vias de fato, é nela que nascem
alguns incidentes, depois processos reveladores de cumplicidades, é nela que ocorrem as pouco freqüentes
intervenções da ronda ... é nela que circulam as novidades políticas e as outras”.
282
MELLO, Op. Cit. P. 56.
283
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
284
Idem.

110
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por sua vez, “tomará conta dos armazéns, para que ele receba o açúcar e os armazéns
gerando proveitos para si mesmo”. A WIC não pagava nada a Saraiva, mas este teria a
liberdade de ganhar no comércio com os comerciantes privados. O certo é que, a essa
altura, a Companhia já dispunha de um comércio com diversos elementos luso-
brasileiros. Ao tentar diminuir os gastos com funcionários e ‘delegar’ determinadas
funções a cidadãos- livres como Duarte Saraiva, ela tentava racionalizar as finanças e
colocar os seus ex-empregados em outras frentes de conquista.
A expansão da conquista exigia alocação de profissionais que fossem capazes de
fazer as contas e dar conta mesmo de todo o comércio local. Assim, os comissários de
bens eram requisitados em várias partes. Junto a eles, os caixas e tesoureiros. Os fiscais
também se faziam presentes. Um deles, De Ridder, foi quem confiscou para a Companhia
engenhos em Pernambuco, Paraíba, Itamaracá e Porto Calvo. Como ele não recebeu por
285
isto, a WIC decidiu pagar- lhe 50 florins de gratificação.
O alargamento da conquista tinha os seus incovenientes para a WIC,
principalmente no tocante ao pagamento de salários aos seus dienaers (servidores). Esse
foi o caso de Jacob Pieterz Tolck, mestre de equipamento (equipage) no Recife que pediu
um aumento de salário alegando que “o serviço está mais difícil atualmente em razão das
286
conquistas no sul e no norte”. Nessa situação, os funcionários teriam que atender em
diversos pontos e com a requerida diligência. Tolck teve o seu salário aumentado para
140 florins.
Em se tratando do Conselho Político, temos que cada um dos conselheiros tinha
autonomia para governar uma parte da conquesten. Contudo, a autonomia se dava mais
na coordenação das ações que mesmo na decisão delas por apenas um elemento. Assim,
na reforma do Forte Orange, decidiram os conselheiros políticos que o responsável pela
287
Capitania de Itamaracá, Ippo Eijssens, coordenaria as atividades. Até as questões
militares eram propostas pelo Conselho. Prima-se pela autoridade civil acima da militar,
o que é natural de uma companhia oriunda de um país que, não fazia muito, havia se
libertado do absolutismo Habsburgo. Essa revolta dos Países Baixos contra a Espanha
teve o seu primeiro capítulo quando da abdicação de Carlos V ao trono em 1555,

285
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/09/1635.
286
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/09/1635.
287
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 19/09/1635.

111
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passando as Províncias Neerlandesas a serem não mais parte de um império, mas parte de
um domínio espanhol. Essa situação em si levou a que, segundo John Lynch, os
neerlandeses se sentissem como se tivessem perdido o status. Para Lynch, aos olhos dos
holandeses, “fazer parte de um império, igual às outras partes, era uma coisa, enquanto
288
que ser um domínio espanhol era outra”.
O poder conselhio exercido pelos holandeses tinha os seus dramas na relação
centralização-descentralizaçao administrativa, repressão-delegação de autonomia,
autoridade sem autoritarismo. Se o autoritarismo fosse a tônica da política administrativa
holandesa no Brasil holandês, não fariam diferente do que fez o Duque de Alba a mando
de Filipe II décadas atrás.289 Mas como ser prudente e “racionalizar” a administração em
tempos de guerra? Paradoxalmente, foi a própria guerrilha que permitiu à WIC um
melhor conhecimento do território, do mundo das matas. Foi a guerrilha que permitiu a
atualização de mapas holandeses após 1630. Às vésperas da chegada de Nassau, o que os
holandeses conheciam do Brasil superava em muito as informações fornecidas por
Adrien Verdonck quando da invasão. Uma fonte portuguesa nos deixa entrever a inserção
dos holandeses em território de domínio luso-brasileiro. Numa das ajudas de socorro aos
sitiados no Arraial velho do Bom Jesus, as autoridades portuguesas estavam cientes que
em alguns rios como o Coruripe, Formoso, Camaragibe e Serinhaém, “entram
inimigos”.290
Nos Paises Baixos, a situação não era fácil. Enquanto o Conselho Político e o
corpo militar tentavam expulsar a resistência cada vez mais para o sul, o Príncipe de
Orange conquistava as cidades brabantinas de Landen, Wahen, Diest, Thienen e
Aerschott e que continuariam a sua marcha em direção a Brussel e Mechelen. Essas
informações foram sabidas no Recife pelo comandante do navio Alckmaer, que aportou a
291
30 de agosto de 1635.

288
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. – New York: New York Universisty Press, 1984, p. 288.
289
Em 1567, o Duque de alba foi enviado aos Paises Baixos para reprimir as revoltas que surgiam nessa
parte do império espanhol. Sobre esse momento, observou David Lynch o seguinte: “ Philip II’s tiny
domination in the north became a gigantic battllerfield, the weakest sector of his defenses, consuming his
men and money voraciously”.
290
LAPEH (UFPE). AHU. Cód. 24, fl.21. Sobre o Requerimento hão de levar os capitães das caravelas que
hão de socorrer ao Brasil, dinheriro em credito, contos particulares.
291
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.

112
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A consolidação da conquista do Brasil, muito embora fosse obra de uma


companhia organizada, era realizada por cidadãos de uma república jovem. As próprias
narrativas de heróis que eram publicadas na Holanda na primeira metade do século XVII,
tinham grande aceitação do público. Assim, histórias de capitães que se tornavam piratas
e heróis de navios naufragados no Caribe ou no Índico tornavam-se facilmente best
sellers. Temos aí, segundo Simon Schama, a figura dos “cidadãos- heróis numa república
292
jovem que repudiara a aura imperial dos Habsburg”. Dessa forma, na administração, a
procura de um modelo mais racional e concelhio era um desafio, principalmente nos
termos de um empreendimento colonial. Por mais que a WIC tivesse informações sobre o
Brasil, ainda assim, não imaginariam que fossem encontrar tantos obstáculos à rendição
dos luso-brasileiros. Ainda nos primeiros anos, escreveu Wanderburch ao Conselho dos
XIX:

“O ponto principal sobre que se baseiam os Senhores Diretores, no


tocante à incorporação desta região brasileira, foi acreditarem que,
fechando-se bem o pais, forçar-se-iam os habitantes, pela falta de
provisões e pela suspensão do comércio, a pôr-se de acordo conosco, mas,
neste particular, estão inteiramente enganados, porque tal região, que foi
possuída durante mais de 70 anos sem guerra nenhuma, tem sido tão
cultivada, que, sem falar no vinho e no óleo, pode prover suficientemente
às sua próprias necessidades...”293

Parece que as informações colhidas antes da invasão não foram suficientes para
uma conquista rápida. Mesmo assim, houve, desde essa fase inicial, indícios de
colaboração da população local com os batavos. Por outro lado, não podemos exagerar a
colocação do governador holandês da fartura da terra “tão cultivada”. Contra a versão da
“fartura” da capitania duartina, considerou E. Cabral de Mello que a “prosperidade
material já não correspondia à realidade da Nova Lusitânia na segunda e terceira décadas

292
SHAMA, Op. Cit. p.40.
293
Missiva do Goverenador D. van Wanderburch aos Estados Gerais. 03/08/1631. In: Documentos
Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 74.

113
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do século XVII”.294 Logo, chegaram os neerlandeses no curso de uma crise econômica.


Foi mesmo Wanderbuch que considerou que “se se pode dar crédito aos prisioneiros, os
próprios habitantes estariam bem inclinados a entrar em entendimento conosco, se dentro
295
de 6 ou 8 meses o novo socorro da Espanha não viesse aliviá- los.”
O primeiro Governador do Brasil Holandês, que aliás era militar, mesmo não
havendo consolidado a conquista, estava confiante no estabelecimento do comércio entre
a WIC e a população local. Convém lembrar que as adversidades experimentadas pelos
soldados dificultavam mais ainda a conquista nos primeiros três anos. Segundo relatos,
eles “não têm outra coisa que comer senão uma alimentação salgada e insuportável, favas
e outras coisas semelhantes; além disso, como se não bastasse, tal alimentação é muito
ruim...”296 Essa mesma alimentação foi motivo de comentário do Marquês de Basto,
ressaltada por Evaldo Cabral de Mello na sua obra Olinda Restaurada.297 Ocorre que, a
responsabilidade pelo abastecimento das tropas ficava a cargo da própria companhia. Esta
chegava ao cúmulo de enviar alimentos estragados tais como carne, pão, trigo mourisco e
farinha de cevada.
A exposição da miséria da soldadesca pode nos levar a refletir acerca dos
primeiros quatro anos da presença holandesa, em que o maior problema da administração
era lidar com a escassez de dinheiro e de alimento. Ao nos depararmos com as diversas
missivas enviadas pelo Governador Vanderburch aos Estados Gerais, tomamos ciência do
primeiro obstáculo aos kleine profijten: o estado de debilidade das tropas. Os baixos
salários, “o exatamente suficiente para meias e sapatos”, levavam muitos deles a
realizarem trabalhos extras. Muitas vezes, dada a debilidade física, chegavam a não
agüentar sequer carregar um carrinho de mão. Por fim, Wanderbuch encerrou o problema
ao considerar que

“um soldado, mesmo o melhor que se possa imaginar, está sempre


inclinado à mudança, crendo sempre que se achará melhor alhures,
294
MELLO, Op. Cit. p. 52.
295
Idem. O Socorro espanhol ao qual se refere o documento era a esquadra comandada por Dom Antônio
D`Oquendo.
296
Missiva do Goverenador D. van Wanderburch aos Estados Gerais. 09/11/1631. Ref. Op. Cit. p. 89.
297
Afirmou o Marques de Basto: “estando eles [os holandeses] em terra havia tanto tempo, ainda
navegavam, pois nao tinham outros mantimentos mais que salgados”. APUD. MELLO, Evaldo cabral de.
Olinda Restaurada. São Paulo. EDUSP, 1975, p. 45.

114
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consoante tive a prova diversas vezes na Itália, Alemanha, Suécia,


Hungria e outros lugares, onde, entretanto, tinham em abundância o que
comer e o que beber ...”.298

Vê-se, pois, que a resistência do Arraial não era o único e maior problema a ser
enfrentado pelos neerlandeses na conquista de Pernambuco.
O pequeno comércio só apareceria mesmo a partir de 1635 em diante. Não que os
problemas com o reforço e aprovisionamento de tropas houvessem terminados. Essa foi
sempre uma constante durante a presença holandesa no Brasil. Não podemos, todavia,
negar que a expulsão da resistência para o sul, facilitou em muito o acesso da WIC a uma
série de bens escondidos nas matas ou em poder dos luso-brasileiros. De uma só vez, um
iate holandês trouxe uma boa quantidade de farinha das roças do Cabo de Santo
299
Agostinho em agosto de 1635. Certamente a farinha estava escondida e, na correria da
guerrilha, havia sido largada aos holandeses que a trouxeram ao Recife.
Outro fator que contribuiu para o surgimento dessa nova fase (a dos pequenos
lucros), além da derrota do Arraial, foi a dinamização das navegações em rios que
levavam ao interior. Por enquanto, tratemos ainda dos kleine profijten.
É também possível que o pequeno comércio se fizesse nas proximidades dos
lugares de confronto com finalidade de, além do pequeno lucro, angariar a confiança dos
portugueses que residiam no entorno. É assim que o cruzador Camarivogel transportou
para o sul da capitania de Pernambuco, além de viveres e 80 soldados, alguns produtos
300
para serem comercializados. A essa altura, Matias de Albuquerque estava com a sua
tropa nas proximidades de Porto Calvo.
A localização da resistência ao sul de Pernambuco fez com que o tráfego nos
poucos caminhos que existiam ficasse menos tenso ao norte do Recife. Assim, era
possível se locomover sem que os milicianos luso-brasileiros pudessem alcançar. Foi
assim que o conselheiro político Ippo Eissens partiu sozinho, certa vez, para Itamaracá,
301
por terra, coisa essa impensada um ano antes. Em 22 de outubro, o Coronel

298
Idem, p. 90.
299
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
300
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
301
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.

115
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Stachhouwer ia também por terra até o sul de Pernambuco a fim de tratar de negócios
com o Conselheiro Willem Schott.302 Além de cuidar de assuntos militares, Stachhouwer
iria também tratar de “negócios”.
O açúcar que se consegue armazenar nos armazéns do Recife eram vendidos pela
Companhia diretamente aos navios de carga que viessem fornecer materiais a ela mesma.
Em outubro de 1635, o navio de carga Speeljacht forneceu alguns produtos à WIC tais
quais: 13 carrinhos de mão, 3 rodas soltas, pescado dos paises nórdicos, 25 estacas de
madeira, 3 serrotes, 6 grozas e 40 machados. Tudo isso, segundo a documentação, foi
vendido pelo preço que o comandante Jan Maartensz Clotendraeijer pagou nos Países
Baixos. O capitão comprou, em contrapartida, açúcar pelo preço de 4 stuivers a caixa.303
No mesmo dia em que chegou o navio acima, chegou também um outro da Câmara de
Amsterdam, que trouxe, além de mantimentos, bens de comércio para os cidadãos- livres.
É difícil precisar a quantidade, em fins de 1635, de vrijluiden ou “comerciantes
livres” que viviam no Brasil Holandês. Gonsalves de Mello refere-se a mais ou menos
oitenta. Havia os que vinham diretamente da Holanda nesta condição sem antes terem
sido empregados da WIC, como foi o caso de Cornelis Danielsz e Nicolaes de Haen.304
Estes pediram permissão para dispor de uma casa em Antonio Vaz. No Recife, a situação
imobiliária encontrava-se insustentável, com uma população considerável vivendo num
curto espaço e tendo que pagar caro pelos aluguéis. Gonsalves de Mello observou que a
falta de casas, nos anos de 1635 e 36, no Recife, era um fato sem contestação.
Com a invasão, a Companhia confiscou vários terrenos e casas. Em Nova
Amsterdam (Nova York), por volta de 1624/25, o administrador da colônia e o seu
conselho era orientado a distribuir terra aos colonos de acordo com o tamanho da família.
Antes, porém, considerou uma pesquisadora do tema, Adriana Zwieten, que havia um
reconhecimento formal, por parte da Companhia das Índias Ocidentais, da propriedade da
305
terra aos índios, de quem era inicialmente adquirida mediante pagamento.

302
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/10/1635.
303
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/10/1635.
304
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/10/1635.
305
ZWIETEN, Adriana. “Conversisng with each other, among other things of the sale of houses”: Buying
and Selling Real Property in New Amsterdam. P. 3. Segundo a autora, essa era uma pratica que se fazia em
todos os Paises Baixos desde a Idade Média. A transação se dava em frente às autoridades municipais ou
magistrados locais, que eram os escabinos (schepenen)

116
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Reconhecia-se aos nativos americanos o “immediate rigtht of possession to the soil”. No


caso do Recife e Antônio Vaz, como muitos donos não voltaram para reclamar as suas
propriedades, foram as mesmas confiscadas. Era a política da Companhia o
reconhecimento da propriedade. No Brasil, o Recife era o lugar onde esses “cidadãos
livres” moravam. Em Antônio Vaz ainda se dispunha de espaços vazios para a construção
de casas. As construções das mesmas tinham que seguir um padrão e um terreno poderia
ser adquirido por 600 florins.306
Os cidadãos-livres que prosperavam podiam ampliar os seus investimentos em
outras atividades que não apenas o comércio. Assim fez Jacques Hack, que pretendeu
adquirir um engenho próximo ao Recife e que foi abandonado pelo seu dono na invasão.
De inicio, o tal engenho, que pertenceu a certo Ambrósio Machado, foi adquirido por um
fiscal da Companhia pelos seus bons serviços prestados a mesma. A documentação não
informa o nome do fiscal, mas podemos afirmar que um dinaer (servidor) da WIC
poderia ser bem recompensado. Alguns dias depois, o mesmo Hack voltou a pedir ao
Conselho Político a propriedade de outro engenho confiscado pela companhia e situado
307
na Várzea. Dessa vez ele não encontrou concorrente e foi prontamente atendido.
A vida econômica e social começava a se refazer na capitania de Pernambuco e,
consequentemente, fazia-se necessário um incremento na normatização do comércio.
Sobre o comércio de grapa (espécie de cachaça feita de cana) e cerveja incidiu uma lei
que proibia a venda desses produtos a altos preços, sob pena de quem o fizesse ser
“punido pela soma de 50 florins e a confiscação do produto”. A reestruturação
econômica após a queda do Arraial do Bom Jesus encontrava uma companhia com pouco
dinheiro em caixa, inclusive para que esta pagasse aos cidadãos livres que lhe fornecia
produtos. Jacob Duinkercker, que fornecia madeira à WIC, pediu um adiantamento em
dinheiro para poder pagar aos seus empregados. Visto que a Companhia não dispunha de
dinheiro no momento, deu- lhe permissão para adquirir outras cargas de comerciantes
308
livres em nome dela própria.
É bom entendermos um pouco os limites desse “livre comércio” dos vrijluiden.
Não se tratava, pois, de uma liberdade de comércio nos termos de um laissez faire

306
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 31/10/1635.
307
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 18/10/1635.
308
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/10/1635.

117
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contemporâneo. Ao contrário, qualquer decisão de caráter comercial, pelo menos em


teoria, tinha que passar pelas atas do Conselho Político, elemento de regulação dessas
atividades no Brasil. Mesmo assim, é bem possível também que algumas firmas de médio
porte estabelecidas no Recife já não ficassem nos “pequenos lucros”. E foi para trabalhar
numa dessas firmas que Samuel Gerritz pediu permissão a WIC para deixar a sua função
de comiss de víveres na Paraíba e se tornar cidadão- livre a se “ocupar com negócios” na
firma de Isaac de Rassiére. É curioso que o mesmo Rassiére é quem, pouco tempo depois,
será solicitado pela Companhia a fornecê- la 4000 florins em espécie, já que havia falta de
dinheiro em caixa. Em contrapartida, o comerciante livre seria reembolsado com açúcar
309
branco e mascavo fornecido a baixo custo pelos armazéns da Companhia.
O ano de 35 parece ter sido mesmo um marco na presença holandesa no Brasil.
Entabulado já um pequeno e médio comércio, grande parte favorecido pela relativa
situação de paz, o Conselho Político passou a se preocupar com o recebimento de
imigrantes com o fito de fazer comércio na conquesten. Dentre os que pediram passagem
à Companhia para residirem no Brasil estavam muitos judeus. De dezembro de 1635 até
o final de 1636, Gonsalves de Mello anotou trinta e dois pedidos de emigração dos Países
Baixos para Pernambuco. Dentre eles, Moisés Neto, Issac Navarro e Matatias Cohen
pediram licença para ir ao Brasil na condição de burgueses. Também viria um tal Arão
Navarro com as suas mercadorias. Já Benjamin de Pina vinha na condição de particular e
correspondente comercial. Até de Hamburgo vinham pessoas, como foi o caso de Daniel
Gabilho, que veio servir na firma de Duarte Saraiva, já estabilizado em Pernambuco.
As relações familiares sefarditas continuavam em Pernambuco juntamente com os
negócios. Assim, vinham desembarcar no Recife muitos parentes de judeus já
estabelecidos a fim de incrementar os negócios. Podíamos, neste caso específico, citar os
irmãos Jacob e Moisés Nunes, que, já sendo comerciantes em Amsterdam, pedem para ir
310
com mais um sócio para o Brasil. Este último, Moisés Nunes, três anos depois de sua
chegada ao Recife, passava a ser carregador de diversos navios da WIC, atividade que
passou a compartilhar com a compra e venda de escravos nos anos do governo de
Mauricio de Nassau. Em 1672, tinha a coroa portuguesa como sua credora na quantia de

309
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 19/10/1635.
310
Idem.

118
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quase 80 mil florins. O seu irmão, Jacob, tornou-se credor de 6 mil florins da mesma
coroa naquele mesmo ano. 311
Seria bom, porém, ressaltar que nem todos os judeus eram comerciantes abastados. Isso
se percebe no pedido de Manuel Mendes de Castro para trazer ao Brasil “toda uma nação
312
hebraica de 200 almas, ricos e pobres”. A vinda ao Brasil de grupos sefarditas veio em
boa hora certamente em função da abertura de oportunidades. Muito embora a maneira
holandesa de ter acolhido os judeus possa ser visto, segundo Simon Shama, como “o
locus classicus do pluralismo saudável”, o mundo neerlandês apresentava- lhes restrições
em algumas áreas da produção como a de refino de açúcar. Contudo, ainda se faziam
presente no comércio do Báltico e, mais expressivamente, no processamento de tabaco
313
através de suas “conexões brasileiras”.
Ainda num misto de guerra e estabilização da economia, na medida em que a
primeira ia se afastando, a segunda parecia mais provável. Tão logo os holandeses
expulsaram as tropas do Conde de Bagnuolo de Porto Calvo, encontraram nos habitantes
locais boa acolhida, pois estavam com intenções de comerciar com a WIC. Como nessa
campanha na parte sul da capitania de Pernambuco faltasse víveres às tropas, foi pedido
grande soma em dinheiro para se comprar animais e farinha para as tropas lá
estacionadas. Naturalmente esses víveres seriam comprados aos comerciantes locais. O
impasse se deu na possibilidade de falta de dinheiro em caixa ou de bens de comércio nos
armazéns do Recife, o que realmente veio a acontecer. Para solucionar o caso, a
Companhia pediu que um “vrijluiden” chamado Johannes Terwijden fornecesse uma
carga de bens de comércio a um valor de 2292 florins, dinheiro que ainda remanescia no
caixa da Companhia.314 Percebe-se, mais uma vez, a estreita relação entre os cidadãos
livres e a WIC. Ainda que não fossem funcionários diretos da mesma, sua função de
dienaers (servidores), ainda que indireto, era tão importante como a de um fiscal ou de
um comissário de bens. Dentre os “bens de comércio” fornecido por Terwijden,
encontramos tecidos (cetim e veludo), chapéus, meias e camisas de algodão.
311
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54.
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Recife, 1979, pp. 162-63.
312
Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. N. 48. Recife, 1976, p. 230-
233.
313
SCHAMA, Op. cit. p. 578/579. O autor enfatiza que “só gradativamente os judeus foram admitidos em
algumas guildas”.
314
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/10/1635.

119
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Outro exemplo de relação entre companhia e vrijluiden podemos verificar no caso


da falta de sal. Segundo relatou ao Conselho um capitão de navio que servia à WIC,
Claez Cornelisz, estava “havendo uma grande falta de sal neste litoral”. O problema seria
amenizado com a sua demissão da WIC e conseqüente passagem a condição de cidadão-
livre para comercializar o produto. O Conselho Político considerou a proprosta

“caso ele fosse contratado para buscar sal em salinas navegando com seus
próprios recursos e levando sua própria tripulação ... Em seguida, os sal seria
vendido nesta cidade [Recife] ou em algum outro porto, aos habitantes ou a
Companhia, que também precisa do produto...”315

Uma das condições impostas pela WIC era a de que ele pagasse, naturalmente, os
impostos arbitrados por ela. Mas Claez Cornelisz não ficou por aí, passou também a
transportar, por conta própria, para a WIC, as caixas de açúcar que os comerciantes livres
forneciam à Companhia. Os serviços do capitão, agora na condição de livre-comerciante,
faziam com que, no caso do transporte de açúcar, dos armazéns para os navios, não
passasse a ser mais feito pelos barcos da própria Companhia. Outro fato a ser observado é
que Cornelisz já servia desde o início da invasão no Brasil a ponto de saber das
necessidades de sal ao longo do litoral que a conquista alcançava. Este é um exemplo de
pequeno comerciante que, ao longo de seu trabalho como “servidor” da Companhia,
conseguiu juntar dinheiro para comprar a sua própria embarcação. Certamente um soldo
de capitão de navio não era o mesmo de um soldado. Resolvia, pelo menos
temporariamente, o problema do escoamento da produção de açúcar da Paraíba e regiões
circunvizinhas. Também em Ipojuca, cidadãos livres forneciam pau-brasil à Companhia
316
utilizando-se de barcos da mesma.
À falta de dinheiro em espécie, os pagamentos eram feitos com mercadorias que
tivessem aceitabilidade na colônia. Os contratadores de pau-brasil da companhia,
Roeland Carpentier e Hans Willen Louissen,317 receberam vinho como pagamento da
madeira fornecida. No caso acima citado, do comércio com moradores de Porto Calvo

315
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/10/1635.
316
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
317
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/11/1635.

120
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também se deu o mesmo. Outro caso foi o do comerciante Isaac de Rassiére, que
emprestou dinheiro à Companhia para que esta comprasse aos moradores “farinha e
animais” para o abastecimento de tropas. Rassiére seria ressarcido com açúcar que, no
momento, estava sendo estocado no Cabo de Santo Agostinho ou “que ainda terá que ser
recebido”.318 Nesse caso, os habitantes, de inicio, haviam se recusado a fornecer os
víveres pelo fato da Companhia não dispor de dinheiro em espécie. Nem por isso eles
foram punidos. Pelo contrário, o Conselho Político se esforçava por normalizar a relação
com os moradores do interior. Para garantir “farinha e animais” para abastecer as tropas,
os cidadãos livres entram mais uma vez como intermediadores. Numa ocasião, a partir de
uma constatação do conselheiro político Willem Schott, a Companhia, para adquirir
víveres, teve que comprar panos de algodão dos vrijluiden para trocar por víveres
319
fornecidos por portugueses que estavam em Muribeca (sul do Recife).
Com o arrefecimento da “guerra velha” (1630-37), eram as plantações de açúcar
que deveriam voltar a fazer parte do dia-a-dia da conquista. O esforço mais efetivo nesse
sentido começou em fins de 1635. Assim é que um engenho às margens do rio Igarassu
ficou sob a guarda provisória de Vicente Cerqueira até que a Companhia regularizasse a
situação do mesmo. Nove escravos desse engenho foram transferidos para o engenho
Massiape.320 O próprio Governador, Sigismund van Schcoppe, adquiriu um engenho
pertencente a João Paes Barreto em sociedade com o fiscal Nicolaas de Ridder. Como o
açude do dito engenho tinha secado, foi- lhes oferecido um outro engenho chamado
Guerra.321 O Conselho Político também cogitou em preparar, para o ano de 1636, a
recuperação do engenho Velho (ou Veloso), situado no Cabo de Santo Agostinho, após
um inventário do mesmo. Encontravam-se, muitas vezes, nessas unidades produtivas,
muitos escravos que não haviam seguido os seus senhores para a Bahia.
A ocupação desses espaços na interlândia aparecia a essa altura como “prêmios”
da guerrilha. Funcionários e militares a serviço da companhia pediam, muitas vezes como
“bons serviços” prestados, que se deixasse ocupar esse ou aquele espaço. Em 17 de
novembro, o Major pediu permissão para construir uma casa na região dos Afogados e o

318
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635. A documentação não especifica o
lugar que residiam estes moradores.
319
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/01/1636.
320
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
321
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/11/1635.

121
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Comissário de bens Willem Doncker requereu “um certo pedaço de terra, situado na
Várzea, que pertenceu a Filipe Monteiro...”322 A WIC concedeu, contanto que obedecesse
“às mesmas condições que também foram impostas a outras pessoas”, ou seja, que se
pagasse à companhia pela aquisição da terra. Esse já é fato conhecido da historiografia.
José Antonio Gonsalves de Mello já evidenciou que

“chefes militares, funcionários civis, inclusive vários conselheiros


políticos, afora comerciantes holandeses e alguns judeus fizeram-se
senhores de engenho, adquirindo propriedades confiscadas pela
Companhia”.323

A normalidade retorna em forma de problemas. Problemas de víveres das tropas,


na falta de dinheiro em espécie e na condução dos serviços. Os primeiros anos da
presença holandesa não deram tempo e condições às autoridades holandesas de
perceberem certas nuances no cotidiano da conquesten. Nesse sentido, o que era comum
antes da invasão, aos olhos dos luso-brasileiros, não o era, pós Arraial Velho do Bom
Jesus, aos olhos do Conselho Político. Antônio Gomes Saloeiro, falou ao conselho
Político que “na época do rei da Espanha, durante algum tempo, tinha adquirido o direito
de fazer a travessia do rio da Jangada, e requer poder continuar exercendo esta função”.
Saloeiro foi atendido em seu pedido, contanto que pagasse à WIC o que pagava “no
324
tempo do rei da Espanha”. Além do que, os militares da Companhia estavam livres
das taxas de passagem. Os mesmos, por vezes, tiravam vantagens de suas prerrogativas
para fazer comércio mesmo pertencendo à condição de “servidor” da Companhia.
Hendrick de Cock, capitão do navio “De Orangieboom” foi punido pela Companhia por
ter vendido aos portugueses roupas “saqueadas” em campanhas. Pagou, como espécie de
multa, o equivalente a 26% do que arrecadou com a venda, que foram 312 florins. O
monopólio comercial da WIC era sagrado e a condição de servidor não poderia ocorrer
325
paralelamente a de comerciante.

322
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635.
323
MELLO, op. Cit, p. 48.
324
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/11/1635.
325
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635.

122
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Numa comparação mais geral, podemos admitir que o monopólio comercial


exercido pela WIC a coloca numa mesma conjuntura que as monarquias que a cerca. No
contexto do desenvolvimento do capitalismo, o monopólio comercial existe como
condição importante para o enriquecimento do Estado. Isso, se considerarmos a WIC
326
como um Estado, haja vista as suas prerrogativas. As atitudes de entendimento entre
Companhia das Índias Ocidentais e a população local não é algo que deve ser visto com
espanto. Nos anos de 1635 e 36, temos uma conjuntura de uma implantação mais efetiva
da administração da WIC sobre um modelo político-administrativo anterior. Assim,
quando aparecem casos como os já citados de que o Conselho Político respeitava o status
quo ante, ou seja, como era as coisas “no tempo do rei”, isso nada mais é do que uma
relação de “infiltração e imposição” de um estado sobre o outro. Para Braudel,

“assim como o capitalismo, ao desenvolver-se, não suprime as atividades


tradicionais em que às vezes se apóia “como em muletas”, assim também o
Estado aceita construções políticas anteriores e se insinua no meio delas para lhes
impor, como pode, sua autoridade, sua moeda, seus impostos, sua justiça, a
língua em que dá ordens”.327

A certeza que o Conselho Político tinha de que parte da população local os


apoiava fica evidenciada num trecho de uma notulen, em que se soube que uma frota
espanhola haveria de chegar a Pernambuco. Diante disso, determinou o conselho o
seguinte:

“Deliberamos que, em razão da chegada de navios espanhóis, o juramento de


fidelidade que alguns moradores leais fizeram seja esquecido. E que os
moradores inimigos de nosso estado tendam a atacar os bons habitantes e retirá-
los de nosso meio. Por isso, é muito necessário que os senhores [Wilen] Schott e
[Ippo] Eijssens, um pelo sul e outro pelo norte, passem por estes lugares

326
Sobre isso considerou Fernand Barudel que “ o Estado moderno, tal como o capitalismo, recorre aos
monopolios para enriquecer: “ os portugueses, à pimenta; os espanhóis, à prata; os franceses, aos sal; os
suaecos, ao cobre; o para, ao alúmen”. Ao que se deveria acrescentar, no tocante à Espanha, a Mesta,
monopólio da transumância ovina, e a Casa de la Contratacion, monopólio da ligação com o Novo Mundo”.
Ref. BRAUDEL, op. Cit. vol. II, p. 463.
327
Idem.

123
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diretamente, representando um bom governo e certificando a condição de nosso


estado, para assim animar os bons cidadãos e manter os maus habitantes à
distancia, assegurando o bem estar dessas pessoas com uma boa quantidade de
soldados”.328

Essa passagem é importante, primeiro, porque nos revela o grau de tensão que
passava a conquista, segundo, por que nos mostra a “estratégia” do governo civil em
consolidar a conquista através da dissuasão de seus conquistados, os “bons cidadãos”. A
população civil, que de súditos passam à categoria de “cidadãos” é instada a colaborar
com a WIC com a contrapartida de ter o seu “bem estar” assegurado.
Se, por um lado, o pequeno comércio aproximava os holandeses da população
local, por outro, diminuía os lucros da Companhia. Charles Boxer chama a atenção para
esse fato ao se referir às queixas que os diretores da WIC recebiam “por causa dos lucros
329
auferidos pela gente livre (vrijluiden)”. Diante desse quadro, segundo Boxer, a própria
companhia não se sentia obrigada a dar as garantias prometidas aos moradores, os quais
na sua ótica faziam mais comércio com os cidadãos- livres. As coisas tomam mesmo um
tom de desconfiança quando a diferença religiosa entrava na questão. Essa relação
moradores-vrijluiden “favorecia os lavradores portugueses, papistas e traiçoeiros, em
330
detrimento dos investidores holandeses, protestantes e leais”. Esse problema do
monopólio comercial da WIC foi expresso por Charles Boxer praticamente às vésperas da
vinda de Nassau para o Brasil.
O problema dos cidadãos- livres em relação a Companhia se nos apresenta como
um fato paradoxal na administração holandesa pré-nassoviana principalmente porque,
como vimos em alguns casos acima, em várias ocasiões, foram os vrijluiden que
socorreram a WIC em situações de falta de dinheiro. Em algumas ocasiões, eles foram a
ponte entre o Conselho Político e a população local. Essa animosidade em relação aos
livre-comerciantes partia principalmente de acionistas e representantes das câmaras da
Zelândia, Roterdã e Groningen. Nas atas do governo holandês, pelo menos, não se
verificam reclamações acerca dos vrijluiden. No entanto, a referência a essas vicissitudes

328
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/11/1635.
329
BOXER, Charles. Os Holandeses no Brasil. – Recife: CEPE, 2004, p. 107.
330
Idem, p. 108.

124
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nos mostra as idiossincrasias da própria Companhia das Índias Ocidentais. O Brasil


holandês não estava sob a responsabilidade de uma administração homogênea. O próprio
Charles Boxer, como outros, reconhecia a incapacidade da WIC para se assenhorear de
todo o comércio da conquesten, principalmente em termos de atendimento das
importações necessárias ao Nordeste. Essa foi a opinião dos representantes da câmara de
Amsterdam. Assim, o livre-comércio e, por extensão, os cidadãos- livres, tinham
participação importante no escopo da conquista.
Ainda refletindo sobre questão do monopólio comercial, temos no clássico estudo
de Fernand Braudel, Economia e Capitalismo, uma das chaves para entender a
complexidade do assunto na dinâmica econômica dos Países Baixos. Aqui, a necessidade
do comércio livre apresentava-se quase como algo indissociável do ethos neerlandês, na
medida em que “esses interesses [comerciais] comandam tudo, submergem tudo, o que
331
não conseguiram fazer nem as paixões religiosas, nem as paixões nacionais”. Nos
Paises Baixos, o monopólio concedido pelos Estados Gerais à Companhia das Índias
Orientais (VOC), em 1603, levou outros comerciantes a fundarem outras companhias
rivais. Uma delas foi a própria WIC. Em resumo, nem todos os comerciantes dos Paises
Baixos pertenciam a uma companhia de comércio. Essa era uma briga que começava na
Europa e continuava no Brasil. Os acionistas da WIC, nesse contexto, tinham medo que a
quebra do monopólio comercial por parte da mesma favorecesse aos livre-comerciantes
que começavam a pulular na conquesten brasileira. Finalmente, contra os que queriam
manter a todo custo o monopólio, fica a opinião de que na Holanda

“o comércio é absolutamente livre, não se ordena absolutamente nada , eles não


tem outras regras a seguir que não as dos seus interesses ; é uma máxima
estabelecida de que o Estado encara como coisa que lhe é essencial”.332

Talvez, contudo, não devêssemos encarar esta situação dos vrijluiden contra alguns
acionistas da WIC não tanto como ‘paradoxal’, uma vez que tratamos de um período
(inicio do século XVII) em que o capitalismo estava se formando. No Brasil, o ‘modelo’

331
BRAUDEL, Idem, p. 187.
332
Idem.

125
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de uma companhia de comércio estava sendo confrontado com uma realidade até certo
ponto nova.
Não há dúvidas de que deixar de ser funcionário da companhia para ser cidadão-
livre não era um mau negócio. Em janeiro de 1636, Joost Pietersz van der Bij, Jacob
Pietrsz e Sas Sickels deixaram a profissão de ferreiro para obter a condição de
vrijluiden.333 Da mesma forma agiu o sargento Jan Jaspertsz., após o término de seu
tempo de serviço para a WIC.334 A situação de livre-comerciante não ensejava total
liberdade. Em caso de alerta, de aproximação iminente de tropas luso-brasileiras, o
Conselho Político podia expedir ordens para que os mesmos se armassem e se
mantivessem sempre alertas. Numa ocasião, ordenou-se que

“todos os cidadãos livres se armem com uma boa espingarda e que ninguém será
dispensado de marchas ou será liberado de ficar de sentinela, e que aqueles que
se recusarem serão punidos sem perdão”.335

Em janeiro de 1636 o comércio já estava mais fortalecido no Brasil holandês, e os


problemas que estão relacionados a ele já estavam sendo sentidos. A necessidade de
controle por parte da Companhia tornava urgente a necessidade de um “centro” logístico
na conquista. Diga-se, centro logístico de controle do comércio realizado pela WIC. Num
episódio em que vários produtos chegaram dos Paises Baixos, o comissário de bens
Roeland Carpentier pediu para que os mesmos fossem desembarcados na Paraíba em vez
de no Recife. Essa decisão contrariava as normas da WIC que diziam que a revista e
controle dos bens importados deveriam ser feitos no Recife. Entretanto, nesta praça, a
carga “corre o perigo de furto por causa da grande quantidade de pessoas que estão
envolvidas no processo de desempacotar e embalar”. 336 Nesse caso, a Paraiba é preferida
como local de desembarque das importações. É bom avaliar, nesta situação, que as regras
ou os editais da WIC poderiam sofrer alterações segundo o bom senso dos
administradores. Na Paraiba, inclusive, já se cogitava na construção de armazéns “por
causa dos interesses comerciais”. Seria o caso aqui, também, de pensar sobre o que seria
333
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/01/1636.
334
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 14/01/1636.
335
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/01/1636.
336
Idem.

126
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um “centro administrativo”. Seria o mesmo que “centro comercial” ou “centro


decisório”? Ou as duas coisas juntas?
Nessa fase da conquista, tanto decisões importantes eram tomadas pelos
conselheiros políticos longe do Recife (se se pretende este como centro da administração
batava), como apareciam locais quase importantes como este no armazenamento de bens.
Este seria mesmo o caso da Paraíba. Após a sua conquista, em 1634, o seu porto passou a
despontar com espécie de “segunda opção” de armazenamento de bens para a companhia.
Aliás, a construção de armazéns era uma exigência premente dessa fase. A existência
deles poderia significar um primeiro sinal de dinamicidade do comércio na conquista. Foi
a existência, em Amsterdam, de “mercadorias que se entulham nos armazéns e não param
de sair deles” que levou essa cidade a condição de maior centro comercial do século
XVII. Armazéns que, segundo Braudel, “tem capacidade para engolir tudo”. Guardemos,
obviamente, as diferentes escalas entre o Recife e Amsterdam. 337 Maior volume de
comércio para esta última.
Antes mesmo da invasão holandesa, em 1630, já existia um ativo comércio na
Paraíba. À altura do ano de 36, vários portugueses já estavam a negociar com a WIC.
Diego Fernades, por exemplo, era um deles. O mesmo pediu permissão ao Conselho
Político para transportar para a Paraíba 6 caixas de açúcar e duas toneladas de biscoito
numa embarcação da própria companhia. O que lhe foi permitido mediante pagamento,
338
obviamente. Pela quantidade de biscoitos podemos supor a existência de um comércio
que já começa a se afastar dos kleine profijten (pequenos lucros). Dinamizava-se a
conquista.
Quanto ao que se colocou anteriormente, com relação a confiança ou não dos
holandeses nos moradores luso-brasileiros, torna-se difícil verificar minuciosamente essa
relação. Há, evidentemente, algumas exceções. Contudo, é de se supor que muitos
moradores que se submeteram à WIC, pelo menos logo depois da difícil experiência dos
anos terribillis, não tenham tentado “trair” a confiança dos invasores. Era de seus
interesses continuarem a vida econômica arrasada pela guerrilha. Na Paraíba, temos um
exemplo de exceção, que mostra os “bons serviços” prestados pelos da terra à

337
BRAUDEL, op. cit., pp. 216-217.
338
Idem.

127
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Companhia. Manuel Graci [ou Garcia], foi contratado pelo Conselho Político para ser
timoneiro de um cruzador holandês na campanha que estes moviam no sul de
Pernambuco em janeiro de 1636. O currículo de Graci era bom, uma vez que “a partir do
momento em que a Paraíba foi conquistada até a conquista do Cabo de Santo Agostinho,
serviu na função de prático e timoneiro no cruzador ‘De Cauwe’ da Zelândia”. Manuel
passou a receber, a partir de janeiro de 1636, um salário de 36 florins mensais. Ele
chegou a receber uma recompensa de 50 florins da WIC por ter trazido da Paraíba para o
339
Recife alguns navios sem que tivessem sofrido avarias.
A WIC contava, não raro, com depoimentos de prisioneiros para aumentar o seu
cabedal de conhecimento de Pernambuco. Um deles, um português de Viana do Castelo
chamado Bartolomeu Peres, fez crer à Companhia que

“a gente ordinária que não possui grandes bens trata de melhorar de


situação, e estão muito interessados em associar-se conosco para negociar
os frutos da terra; mas que os ricos e senhores de engenho não procuram
tanto de entrar em contato conosco; mas havendo ocasião de negociar
seus açúcares conosco, não se oporiam a isso:”340

O depoimento do Vianense é importante porque nos apresenta a heterogeneidade


social da capitania, na medida em que, os menos abastados viam na invasão holandesa
uma forma de enriquecimento que não tiveram até então. Para eles, o pequeno comércio
com a WIC vinha em boa hora. Por isso, poderíamos inferir que é bem provável que entre
essa “gente ordinária” à qual se referia Bartolomeu Peres estivessem os pequenos
lavradores de cana ou até os senhores de engenhos menos abastados da porção norte da
Capitania. Alguns deles, como foi o caso de Gonçalo Novo de Lira, que tinha uma
propriedade às margens do rio Araripe, forneceu, ainda nos primeiros anos, caixas de
açúcar para a WIC. As suas terras ficam ao norte de Igarassu, portanto norte de

339
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/01/1636.
340
Interrogação de Bartolomeu Peres, natural de Viana do Castelo, navegou a 6 a 7 anos ao Brasil onde
ficou domiciliado depois. In: Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio
da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil
Desconhecido. Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007, p. 118.

128
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Pernambuco. Os engenhos que mais produziam açúcar eram os da Várzea do Capibaribe


e os da porção sul da capitania.
Às vésperas da chegada de Mauricio de Nassau, um problema que envolvia os
vrijluiden e a própria Companhia era o dos transportes de mercadorias. As reclamações
do Conselho Político diziam respeito ao transporte clandestino que os negociantes- livres
faziam entre a ilha de Antonio Vaz e o Recife, burlando o fisco da WIC. O problema foi
resolvido mediante o empréstimo de um barco pertencente a Jan Jacobsz “de modo que
eles também possam atravessar o que quiserem sem se utilizar de meios ilegais”. Apesar
disso, foram os cidadãos- livres que forneceram às tropas da WIC sitiadas no Cabo de
santo Agostinho nada menos que 100 carroças de viveres e 16 mil libras de pão de
341
farinha para servirem aos exércitos ali estacionados.
Observando os prós e os contras do pequeno comércio e dos vrijluiden na
conquista, a pergunta maior seria até que ponto esses dois elementos contribuíram para
um clima de estabilidade entre o Conselho Político e a população local. A existência de
um comércio que se dinamizava numa relação tensa entre administradores e população
local pode ser considerada como bom sinal no nível de conhecimento entre aquelas duas
partes. Na medida em que a vida econômica e social se tornava relativamente mais
estável, no período que vai da queda do Arraial Velho à vinda de Mauricio de Nassau, era
evidente o crescimento de problemas advindos dessa nova realidade. À parte problemas
de corrupção, conspirações e mau comportamento das tropas mercenárias da companhia,
não podemos descartar a existência de um cotidiano administrativo no Brasil Holandês. A
consolidação de um padrão de relações administrativas entre as partes da conquista teria
como grande responsável uma rede de navegação que se utilizava, sobretudo, de Jatchen
e Chaloupen nos rios e pequenos portos do Nordeste.

341
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.

129
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Quadro I

Relação dos funcionários (ou não) da WIC que se tornaram cidadãos-livres


relacionados nas Dagelijkse notulen (1635-1636)

Nome Data de demissão Profissão que exercia


Jacob Duinkercker 27/03/1635 Capitão do navio”Het
Wapen van Hoorn”
Joahan Wijnants - Commis
Jan van Eijsens - -
Roeland Carpentier - -
Jacques Hack - -
Ertman Nuser 01/06/1635 soldado
Isaak Jacobs van Sas 16/06/1635 soldado
Manoel de Barros 05/09/1635 soldado
Gaspar Rodrigues 05/09/1635 soldado
Moisés Navarro 24/05/1635 Aspirante à oficial
Abrahan François - -
Cabeljau
Cornelis Metsu - -
Danielsz
Nicolaes de Haen - -
Samual Gerritsz 18/10/1635 Comissário de bens
Isaac de Rassiiére - -
Jacob Jansz 22/10/1635 Mestre-de-obras
La Mars (Charles - -
Boucheron)
Jan Engelsen 03/11/1635 soldado
Hans Willem Louissen - -
Duarte Saraiva - -
François Blonde - -
Tjerck - -
Johannes Velthuijsen 28/12/1635 Comissário de bens
Andries Pietersz - -
Mansveld
Joost Pietersz van der 03/01/1636 ferreiro

130
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Bij
Jacob Pietrsz 03/01/1636 ferreiro
Sas Sickels van Eskort 03/01/1636 ferreiro
Jan Jaspertsz 14/01/1636 sargento
Ottho Etmeijer 24/01/1636 -
Instavo - -
Vlugge - -
Manuel Graci - Capitão do navio ‘De
Cauwe’
Geronimo - -
Bartholomeus
Gilbert Ritskur - -
Jan Gerritsz - -
Opken Pieter - -
Juriaan Gerritsz - -
Jan Dircksen - -
Pieter Hardy - -
Jan Roeloffsz - -
Jan Adriesen - -
Pieter Back - -
Hendrick Jansz - -
Claes Jansz - -
Jan Jansz - -
Simon Nunes van 30/07/1636 -
Norden
Crhistoffel Eijerschettel - -
Aaron Navarro - -
Joost van den Boogaert - -
Jan Goutier - -

131
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3. O papel da navegação: entre a guerra e a boa ordem

Quando Nassau chegou com a sua comitiva ao Recife, em janeiro de 1637, não
havia um só curso d’água, entre o rio São Francisco e o Rio Grande do Norte, que não
fosse conhecido pelos holandeses. Pouco a pouco, foi-se estabelecendo uma malha de
navegação, tanto pelo litoral, como pelos rios da costa do Nordeste, o que facilitou a
administração do Conselho Político nos primeiros anos da conquista.
Logo na chegada, os holandeses contaram com a descrição, na medida do possível
detalhada, das capitanias do Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Tal descrição
é uma memoire oferecida pelo brabantino Adrien Verdonck ao Conselho Político e escrita
em 20 de maio de 1630. Esse belga, segundo Gonsalves de Mello, vivia em Pernambuco
já desde pelo menos o ano de 1620 e era um entre outros neerlandeses e belgas que
342
viviam e faziam negócio nesta capitania. Voltado para os negócios do açúcar,
Verdonck, dado o tempo em que já residia no Brasil, serviu de instrumento à WIC no que
diz respeito a se conhecer mais portos e interlândia. Antes de “ser injustiçado pelos
holandeses” em 1631, por descobrirem que ficou do lado dos luso-brasileiros, Adrien
Verdonck legou aos novos invasores uma espécie de “manual” da terra.
Antes de atentarmos para a memoire do brabantino conspirador, convém lembrar
que, nos Paises Baixos, o nível de informação que se tinha de Pernambuco não era baixo.
Um documento de 1623, intitulado “Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco,
Ilha de Itamaracá e Paraíba”, alimentou em muito o sonho dos holandeses de se
apoderarem do “ouro branco” nordestino. Um outro, do mesmo ano de 1623, intitulado
“Uma relação dos engenhos de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba”, publicado nos
Paises Baixos, como muitos outros pamphleten, que incitavam as pessoas às apostas e
também ao investimento nas ações da Companhia das Índias Ocidentais, também nos
mostra a não ingenuidade batava acerca do lugar onde estavam pisando. Não restam

342
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adriaen Verdonck, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista. –Recife: MEC/SPHAN, 1981, p.33. Numa pequena introdução ao documento, Gonsalves de
Mello se refere a “vários neerlandeses” e provenientes da “Províncias Obedientes” proprietários de
engenho em Pernambuco quando da invasão, como é o caso Gaspar de Mere e Pedro Lahoest. Estes
“comerciantes ricos, como parece ser o caso de Adrien Verdonck”.

132
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dúvidas de que, pelo menos uma década antes da invasão em 1630, a WIC estava ciente
da produção média da maior parte dos engenhos do Nordeste. Pelo menos da Paraíba,
Itamaracá e Pernambuco. A relação de que dispunham discriminava o proprietário do
engenho e, em seguida, a quantidade de “açúcar macho” (branco e mascavado) e açúcar
retame produzido pelas unidades. O documento não nos fornece, porém, a precisa
localização dos engenhos.
Essa relação dos engenhos acima citada, segundo José Antônio Gonsalves de
Mello, não fazia parte de um simples panphleten, mas de um documento entregue em
forma de uma memoire aos Estados Gerais dos Paises Baixos por volta de 1636 por um
judeu de origem portuguesa chamado José Israel da Costa. Portanto, seis anos depois da
invasão, muito embora se referindo à produção daqueles engenhos no ano de 1623. Em
termos gerais, José Israel da Costa, que residira muitos anos no Brasil entes da invasão,
forneceu aos holandeses informações acerca dos detalhes da produção açucareira, desde o
cuidado com os “cobres, madeiras, ferragens, carpinteiros, pedreiros, formas, carros,
servidores brancos, a quem se dão bons salários e de comer cada ano, quantidade de
lenhas para arderem [o caldo do açúcar], caixões, bois, vacas, mantimentos [...] além dos
custos de 70 escravos que deve ter cada engenho [...]”.343 José Israel da Costa fornece,
enfim, uma ‘radiografia’ do cotidiano da produção açucareira, com toda sua
complexidade e despesas.
Retomando ao documento de Adrien Verdonck, o mesmo nos parece mais
completo do que as informações oferecidas por José Israel da Costa. Em primeiro lugar,
chama à atenção a maneira como Verdonck divide o espaço. Assim, na sua ‘divisão
territorial’, aparecem locais como “Rio São Francisco”, “Alagoas”, “Porto calvo”, entre
outros, ou seja, locais que se confundem com os nomes de rios (o próprio São Francisco e
Una) e de vilas e povoados (Serinhaém, Ipojuca, etc). Para termos um exemplo dessa
divisão espacial, atualmente, Porto Calvo é uma cidade do Estado de Alagoas. Em inicio
do século XVII, a delimitação das localidades, aos olhos de pessoas como Adrien

343
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaraca e Paraiba – ano de 1623”. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista. –Recife: MEC/SPHAN, 1981, p. 22. Gonsalves de Mello nos apresentou a transcrição de partes
do documento.

133
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Verdonck, tinha outros referenciais. A concentração de engenhos seria um desses


referenciais.
O nosso objetivo aqui não é, vale ressaltar, fazer um estudo do relatório de Adrien
Verdonck. No entanto, ele nos importa na medida em que se apresentou como uma
maneira de entender o espaço da conquista a um grupo recém chegado ao Brasil. Precisar
até que ponto a sua memoire foi útil aos holandeses seria uma tarefa difícil, mas,
certamente, foi o que de mais detalhado teve o Conselho Político logo quando chegou a
Pernambuco.
O que nos interessa mais diretamente é a parte do relató em que os rios são
descritos. Em Porto Calvo, o rio [cujo nome não especifica Verdonck] tem “de 9 a 10
braças de fundo, pelo qual se pode subir do mar para o povoado”. No povoado
denominado de ‘Una’ [nome de um rio], “pode subir-se até ele [o povoado] em uma
chalupa”, ou seja, por um rio. O povoado de Serinhaém, por sua vez, “está a 2 milhas da
praia e as barcas sobem o rio para carregar açúcar [...]. O cronista completa sua descrição
do rio que passa por Serinhaém especificando que “é pouco profundo na foz, onde não
tem mais de 7 a 8 pés d’água”. A primeira denominação dada a um rio por Verdonck
aparece na região de Ipojuca, com relação ao rio de mesmo nome. A localidade
impressionou o cronista, que confidenciou que

“nas cercanias há 13 ou 14 engenhos que fazem grande quantidade de açúcar ;


[...] para chegar-se ao primeiro desses engenhos, junto ao qual há um armazém
para onde é levado o açúcar de quase todos os engenhos próximos, tem-se de
subir o rio Ipojuca, situado logo adiante do Cabo de Santo Agostinho por espaço
de 2 milhas; junto à foz do rio há 2 ou três canhões a fim de impedir a entrada
ao inimigo e na mesma foz não há mais de 7 ou 8 pés de água; ai vão as barcas
carregar de 100 a 110 caixas de açúcar para transporta-las ao Recife, como o
fazem em todos os outros lugares”. 344

Visto que a descrição de Adrien Verdonck é no sentido sul- norte, ao chegar à povoação
do Cabo de Santo Agostinho, ele considera que, nessa localidade,

344
Idem, pp. 37/38.

134
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“não havendo rio para subir-se até os engenhos, quase todo o açúcar tem
de ser transportado por terra até às barcas [possivelmente do rio Ipojuca] e
algum é levado para outro lugar e chega a foz de um rio chamado
Jangada, junto à Nossa Senhora da Candelária, umas três milhas ao norte
do Cabo”.345

Ao descrever o interior, numa povoação mais ao norte do Cabo denominada São


Lourenço [atualmente região da cidade de são Lourenço da Mata], com relação ao
transporte de pau-brasil, Verdonck afirma que “é [o pau-brasil] levado para ser
transportando em outros carros para o Passo do Fidalgo, distante de Pernambuco cerca de
2 milhas, e para onde se vai em barcas que sobem o rio”.346 Em Itamaracá, “tem um bom
rio, em que podem entrar navios de 14 pés de calado”. Já em Igarassu, ao descrever o rio
Paratibe, afirma o cronista que “é ali [na altura da vila de Igarassu] muito largo, porém
adiante estreita-se e fica água morta com cinco palmos ou mais de fundo”. Para Filipéia
[João Pessoa], “chega um rio de 4 milhas de extensão e 14 pés de fundo, de modo que os
navios que ali vão recebem os carregamentos [...] junto à cidade e, estando carregados,
descem de novo o rio, voltando para o mar [...]”.347
Adrien Verdonck, apresentava, portanto, em função do que se lembrava do muito
tempo em que fizera comércio no Nordeste, resumidamente, a malha hidrográfica desse
espaço à luz de sua utilização para transporte de açúcar, pau-brasil e outros. O
conhecimento mais detalhado por parte da WIC viria, entretanto, com o dia-a-dia da
guerra e do estabelecimento do pequeno comércio com a população local. Caminhando
lado-a-lado, estes dois elementos guerra-comércio, tenderam a se separar na medida em
que a resistência era vencida. Temos, sobretudo, que os primeiros seis anos da presença
do Conselho Político à frente da administração do Brasil Holandês, tenha sido a fase em
que se implantou toda uma rede de navegação nos rios do nordeste oriental.
A partir das operações de guerrilha adotadas em 1632, embarcações menores
como Iates e Chalupas passaram a ser utilizadas no bloqueio de barras e incursões aos
rios para fins de assalto e saques. O início de sua utilização foi discutido por Evaldo

345
Idem.
346
Idem, p. 41.
347
Idem, p. 44.

135
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Cabral de Mello348 que, apontando uma carta do Coronel Wanderburch aos Estados
Gerais, em novembro de 1631, situou a mudança de estratégia batava para empreender a
guerra de conquista. Na missiva, afirma o governador:

“Suas Graças [os Estados Gerais] ordenaram que se conservassem, sem exceção,
aqui na costa, todos os grandes navios e a frota inteira, o que não influirá de
modo algum em nossos fins, e não me parece que os grandes navios possam ser
de grande utilidade [...] o mais prudente em minha opinião seria retirar daqui os
ditos navios, pois que esta costa e estes portos são mais fáceis de defender por
meio de pequenos ‘yatchs’ e chalupas do que por meio de navios grandes
[...]”.349

Este parece ter sido o turning point da estratégia de defesa holandesa. A proposta
do governador militar foi seguida, de modo que em 1635 já se podia contar dezenas de
embarcações menores transitando nos rios de Itamaracá, Pernambuco e Paraíba. Se
Wanderbuch estava ciente das descrições de Adrien Verdonck, feitas pouco mais de um
ano antes, é algo a se cogitar, vez que demonstra já ter conhecimento da profundidade das
barras e desembocaduras destes rios, possíveis, boa parte deles, apenas de serem
navegados por embarcações de pequeno calado. Não é à toa que, sobre isso, comentou
Cabral de Mello que, a esse tempo, era “significativo o conhecimento pormenorizado de
que dispunham os holandeses acerca das condições técnicas de navegação nos pequenos
rios do Nordeste oriental”.350 Esse “conhecimento pormenorizado” de rios como o
Goiana, Camaragibe, Formoso, Serinhaém, São Miguel, entre outros, foi sobretudo
aurido nos diversos ataques aos engenhos e povoações localizados em seus cursos
inferiores.
A partir do ano de 1635, encontramos fartamente nas Nótulas Diárias (Dagelijkse
Notulen) várias informações acerca da incursão de iates e chalupas aos rios do nordeste.

348
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1979, p. 39. Com relação ao uso destas embarcações, em rios, a inferência é do próprio autor quando afirma
“o litoral do Nordeste poderia ser melhor bloqueado mediante o emprego de iates e chalupas que poderiam
atacar os portos, fechar as barras dos rios ou subi-los para atacar os engenhos em suas margens”.
349
Missiva do Governador D. van Weerdenburch, em Antonio Vaz, aos Estados Gerais. 09/11/1631. In:
Documentos Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 89.
350
MELLO, Idem.

136
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Todavia, não seria difícil de imaginar que elas tenham sido utilizadas antes ainda nos
primeiros dois anos da conquista. Essa utilização seria, de inicio, mais de forma pontual
do que mesmo generalizada, como vai ser de 1635 em diante. Ao lado do “pequeno
comércio”, que se fazia mais forte principalmente após a queda do Arraial Velho do Bom
Jesus, também a “pequena navegação”, que prescindia dos grandes navios, se constituía.
Na guerra de “guerrilha”, em que as operações pontuais valiam mais do que os
ataques frontais que exigiam um grande efetivo, da mesma forma, as embarcações
menores valiam mais do que os grandes navios. A mudança da tática de guerra, mudaria,
por conseguinte, o cotidiano administrativo do Brasil holandês.
Um detalhe técnico. Na Europa, os barcos de pequena tonelagem tinham na Idade
Moderna uma presença na economia muito maior do que os grandes. Para Braudel, pelo
menos no aspecto mercantil, os barcos menores “carregam rapidamente, deixam os portos
351
à primeira rajada”. Nos rios do Nordeste, eram as barcas (ou barcaças) que os
portugueses utilizavam para adentrarem os rios e colher as caixas de açúcar dos engenhos
em suas margens. Este pormenor, observado por Verdonck em sua memoire , certamente
também o foi pelos primeiros militares e civis que adentraram a interlândia em
campanhas extenuantes. A prova disto são os relatórios de capitães de embarcações e
militares em geral compiladas por Johannes de Laet com o fim de instruir Maurício de
Nassau acerca do Brasil.352
Sobre o rio Cunhau, no Rio Grande do Norte, teve ciência a WIC que, a partir do
depoimento de um prisioneiro português, que tem, “doze pés de profundidade, duas
léguas ao sul da Ponte da Pipa [Ponta da praia de Pipa], os barcos entram quatro a cinco
léguas rio adentro com profundidade de 2, 2 1/2 e 3 braçadas, onde está um engenho de
açúcar e onde se cultiva muito tabaco. [...] Teríamos entrado nele com a chalupa se o
tempo estivesse melhor”. Sobre a Paraíba, souberam que “é um rio grande; nunca entrou
nele senão de barco; na entrada tem uma curva e coroas de areia e de pedra. Querendo
entrar nele, deveria-se mandar adiante uma chalupa veleira para sondar os baixios”.353

351
BRAUDEL, Fernand. O Mediterraneo e o Mundo Mediterranico ao Tempo de Filipe II. Vol I. – Lisboa:
Martins Fontes, 1983, p. 330.
352
Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de
jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido.
Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007.
353
Ibidem, pp. 121-122.

137
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Sobre o Rio Goiana, na capitania de Itamaracá, souberam que “na desembocadura há uma
profundidade de só 8, 10 pés, mas dentro é muito profundo. Seis a sete léguas rio adentro
há três a quatro engenhos, aonde os barcos navegam para carregar. [...] Dirigindo-se lá
com quatro a cinco chalupas expulsaria a todos e tomaria todos os açúcares”.354 Da
mesma forma, outros rios foram descritos, especificamente do norte da capitania de
Pernambuco e Itamaracá, como o Massaranduba, Igarassu, Catuama e Maria Farinha. O
primeiro deles, para se ter uma idéia, é muito pouco conhecido atualmente. Entretanto, na
geografia dos engenhos dos séculos XVI e XVII, tinha uma importância que não poderia
ser descartada. Ao descrecer o Rio Igarassu, consideraram que “por este rio é que [Matias
de] Albuquerque recebeu a maior parte da suas provisões, as quais chegaram com barcos
da Paraíba a Goiana, e logo detrás de Itamaracá e Igarassu”.355 Essa ligação entre Paraíba
e Goiana, já evidenciada quando a questão é um estabelecimento de comércio regular
entre a WIC e a população local, tinha a sua anterioridade nas relações de comunicação
fluvial intracapitanias antes da invasão em 1630. O que não era novidade para a
resistência luso-brasileira sitiada no Arraial, era para os militares e conselheiros políticos
neerlandeses. Certamente, a localização do Arraial do Bom Jesus levou em consideração
essa malha de assistência fluvial que ligava a Paraíba àquela fortificação. Quando nada,
para a WIC, a relação entre a navegação dos cursos d’água e a relativa normalização do
comércio da interlândia, é direta.
Quanto aos rios situados ao sul do Recife, o conhecimento holandês através do
depoimento de Peres seguia a ordem. Rio das Jangadas, Ipojuca, Maracaípe, Formoso e
356
Una . Neste último, “só entram barcos ligeiros”. Finalmente, no extremo sul da
capitania de Pernambuco, encontram o rio de Porto Calvo, no qual “os barcos entram seis
léguas rio adentro, ande estão três engenhos, uma légua afastados das margens do rio”. O
ultimo deles, o Rio Coruripe, “ao entrarmos com um iate ou uma chalupa, lá ainda
357
encontraríamos paus bastantes para levar”. Até a Barra Grande (sul da capitania de

354
Ibibem, p. 125.
355
Ibidem.
356
O região do Rio Una, em especifico, mereceu a seguinte descrição de um depoente português: “ A aldeia
do Uma fica a dez léguas espanholas de Pernambuco, légua e meia terra adentro. Lá há dois engenhos. O
rio se chama Uma, pelo qual os barcos entram até o primeiro engenho; o outro fica meia légua terra
adentro. Os açúcares são transportados até o rio em carros. O rio tem uma profundidade de apenas seis
pés”. In: Johannes de Laet. Op. Cit. p. 133.
357
Ibidem.

138
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Pernambuco), situada em cartas náuticas antes da conquista, careceu de uma


“atualização” para os holandeses. Segundo a declaração e Manuel Vieira, “tem [Barra
Grande] tanta profundidade que uma carraca carregada poderia entrar nela; e, dentro do
358
porto, há bastante espaço para mil navios”.
Em todas essas descrições, vale ressaltar, a relação com o comércio de açúcar e
madeira era discriminada, além, é claro, das condições de navegabilidade. A malha de
comunicação fluvial do São Francisco à Paraiba começava a ser conhecida, desbravada e
aparecia aos olhos dos holandeses como atualizações precisas do conhecimento da área
que ambicionavam dominar.
Antes mesmo da invasão, em 1630, os holandeses contavam com uma outra
minuciosa descrição dos índios Gaspar Paraupaba, Andrés Francisco e Pedro Poti.
Também em seus relatos, esses brasilianen não deixaram de apontar os rios em que se
podiam usar embarcações pequenas. Assim, “uma légua da Baia da Traição há um
pequeno rio para chalupas, chamado Camaratuba”. Mais ao norte da Paraíba, “a uma
légua da Baia Formosa, segue um rio para iates, chamado Curimatau [...] os iates não
chegam tão longe, e deve continuar-se navegando uma légua em chalupas”. Por esse
depoimento, percebemos o maior alcance das chalupas na navegação fluvial. Convém
lembrar também que, as informações dos índios aliados dos holandeses,
complementavam outras descrições de rios e vilas do interior, sempre observando as
condições de navegabilidade deles. Era muito importante se saber, além da profundidade
dos cursos d’água, em quais lugares existiam escolhos ou rochas que não sobressaíam à
flor da água, mas que podiam avariar qualquer embarcação.
A dominação dos rios poderia levar a dominação de áreas importantes. No caso da
Ilha de Itamaracá, por exemplo, escreveu o conselheiro Johannes van Walbeeck aos
Estados Gerais, “estando em nosso poder os pequenos rios Maria Farinha e Goiana,
359
estaríamos também senhores da Ilha inteira”. Vale ressaltar que, enquanto a conquista
por rios pode ser feita em qualquer época, a conquista por terra se mostrava mais difícil
durante os chamados regenen tijt (tempos chuvosos ou estação das chuvas), que eram os

358
Johannes de Laet. Op. Cit. p. 133.
359
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633. In: Documentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 127.

139
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meses de abril, maio, junho, julho e agosto.360 Os meandros da conquista necessitava de


uma adaptação ao clima. Não são raras as vezes em que as autoridades reportavam aos
Países Baixos que as chuvas intensas haviam danificado paliçadas, estradas e pontes.
Esses primeiros anos eram, acima de tudo, de reconhecimento do interior da capitania de
Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Nas crônicas do Valeroso Lucideno, o frei Manuel
“dos Óculos” narrou o drama da guerrilha ao dizer que os moradores civis luso-
brasileiros, no início da resistência no Arraial Velho do Bom Jesus,

“se foram indo para suas casas, outros afrouxaram do continuo trabalho, assim
diurno, como noturno [...] dizendo que trabalhassem os soldados, que haviam
vindo do reino, pois eram pagos, e se soubessem e experimentassem ao que sabia
o andar por matos, e atoleiros, o que eles ate então tinham feito [...]”.361

Numa ata de 4 de julho de 1636, o governo holandês, sobre uma operação militar
em Porto Calvo, considerou que “ nós tínhamos nos preparado para essa expedição, mas,
por causa do tempo, não a continuamos, [...] Visto que o pior, com relação `as chuvas, já
passou, faz-se necessário avançar com destemor[...]”. Nesse caso em particular, as chuvas
tinham bloqueado “todas as passagens e estradas”.362
A utilização de iates e chalupas em rios como tática de guerra supria as
dificuldades das guerrilhas terrestres. Soma-se o fato de que estas embarcações podiam
subir e descer rapidamente os cursos inferiores daqueles rios. O conhecimento
pormenorizado dos rios do Nordeste era também um complemento ao conhecimento
pormenorizado da costa e das desembocaduras dos mesmos rios. Se a defesa dos impérios
espanhol e português “era concebida em Madri ou em Lisboa em termos exclusivamente
navais”, como disse E. Cabral de Mello, em Pernambuco, no universo micro dos
engenhos e povoados às margens dos rios, essa defesa ficou a desejar. A resistência luso-

361
CALADO, Manuel. O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade. – Recife: CEPE, 2004, P. 48. Até a
chegada de Mauricio de Nassau, em inicio de 1637, não encontramos nas crônicas referencias ao uso de
iates e chalupas por parte dos holandeses. Após a queda do Arraial Velho do Bom Jesus, preocupado em
narrar a situação da guerra na parte sul da Capitanias de Pernambuco, Manual Caldo não se referiu à porção
norte, que era a parte em que se dava uma ligação comercial entre os holandeses e os moradores luso-
brasileiros de Igarassu e Goiana.
362
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.

140
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brasileira não dispunha de embarcações pequenas e artilhadas para fazer frente aos
holandeses na guerrilha fluvial. As ‘barcas’ utilizadas largamente pelos luso-brasileiros
para transportar, entre outros, açúcar e pau-brasil, não estavam preparadas para o escopo
da guerra como os iates neerlandeses. Com a invasão holandesa, é bem possível que a
resistência sitiada no Arraial velho do Bom Jesus ainda se utilizasse daquelas barcas para
transportar mantimentos vindos de Portugal e Espanha para propriedades do interior.
Como já é bem conhecido, até a queda daquela fortaleza, os sitiados continuavam
recebendo reforços em armas e víveres pelo porto de Nazaré, no cabo de Santo
Agostinho.
Retomando a questão da guerrilha por terra, devemos considerar que as
conquistas de Igarassu, Goiana, Itamaracá, Paraíba e Arraial Velho do Bom Jesus, foram
combinando cercos terrestres e bloqueio de barras. Não podemos, portanto, negar a
importância da “guerra frontal” na conquista holandesa. No entanto, foi no incremento do
pequeno comércio que as embarcações de pequeno porte tiveram um papel importante na
consolidação administrativa da companhia principalmente entre as capitanias da Paraíba,
Itamaracá e Pernambuco. Principalmente a partir do estreitamento dos contatos com os
povoados de Itamaracá, Filipéia (João Pessoa), Goiana, Igarassu e o Recife. E é
sobretudo na relação com o comércio e a administração que podemos discutir a
importância e função dos iates e chalupas nos rios daquelas regiões.
Para entendermos essa dinâmica logístico-administrativa é necessário, de
antemão, atentarmos para o fato de que os conselheiros políticos de distribuíam pelas
conquistas à medida que estas se faziam. Assim, Ippo Eijssens se ocupava da
administração de Goiana, Igarassu e Itamaracá, Serveas Carpentier da Paraíba e Johan
Ginselling do Recife e porção sul da capitania de Pernambuco. Muitas vezes, eles se
demoravam longe do centro administrativo, o Recife e tomavam decisões em locais
afastados deste centro. Entretanto, reuniam-se constantemente no Recife. Analisando as
Atas de reunião do governo holandês no Brasil em 1635 e 1636, não encontramos
indícios evidentes de que em todas as reuniões estivessem presentes todo o Conselho
Político. Em algumas das atas, quando se tratava de uma reunião de grande importância,
discriminava-se então a presença de todos. Na sessão de 29 de maio de 1635, estavam
presentes não só as autoridades militares (Schopp, Arzcizenscki e Jan Lichthart) como

141
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também os conselheiros políticos (Serveas Carpentier, Johan Wijnants, Ippo Eijssens e


Jakob Stachouer). Faltava, contudo, o conselheiro Willem Schott, que exercia função de
tesoureiro. Nessa reunião, em especifico, decidiu-se unanimemente sobre questões
relativas às táticas de combate e falta de viveres.363 Na reunião de 7 de junho do mesmo
ano, praticamente não havia conselheiro político presente, pois tinham ido acompanhar as
tropas no sitio do Arraial Velho do Bom Jesus.364 Já na de 9 de junho, apenas o Senhor
Wintijens acompanhava as discussões.365 Quatro dias depois, chegaram à noite, do
Arraial, os senhores Serveas Carpentier e Ippo Eissens, mas não a tempo de participarem
da reunião. Em alguma reunião, era possível a presença de apenas um único conselheiro,
como aconteceu em 7 de setembro, onde apenas o Sr. Stachouwer se encontrava entre um
almirante e um coronel. 366 Finalmente, nas reuniões dos dias 13 e 17 de setembro, todos
estavam presentes. Nesta última, em particular, o Conselho Político decidiu como seriam
distribuídos os soldados pelos diversos pontos da conquista.367
Não é possível entender qual era a lógica de se enviar esse ou aquele conselheiro
para um determinado lugar. O que poderia contar, nesse sentido, era o fato de um
determinado conselheiro conhecer mais a região pelo fato de já ter feito parte de
operações militares ou expeditien aos locais que iriam dirigir futuramente. Afinal de
contas, eles não poderiam se colocar acima do poder militar sem conhecer os limites da
conquista. O aparato da WIC era numeroso. Diversos funcionários se enraizavam nas
conquistas. Com salários diversos, as várias funções eram preenchidas, muitas vezes, por
indicações de autoridades civis e militares e, para ser aprovado no exercício do novo
cargo, o individuo tinha que passar pela votação do Conselho Político.
Retomando as embarcações menores, já podemos observar o seu uso efetivo em
1634. Num relatório expedido aos Herren XIX (Diretores da Companhia) os delegados
políticos Ceulen e Gijseling reportaram que, numa das expedições ao litoral sul de
Pernambuco, destinaram os iates Pernambuco, Concorde de Dordrecht, Naerden, Le
Renard, Chauve Souris, La Pivoine, L’Eperlan, La Balette, Arara, Ceulen e Lichhardt,
“com uma pequena chalupa a vela e dois grandes barcos”. Pelo número de tripulantes,

363
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 29/05/1635.
364
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/06/1635.
365
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 09/06/1635.
366
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/09/1635.
367
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 13/09 e 17/09/1635.

142
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que eram de 600 homens, podemos presumir, para os iates, algo em torno de 70 homens
por embarcação, contando com os dois barcos maiores. A expedição teve por objetivo
“fazer sentir ao inimigo nossas armas, nas localidades mais distantes [...] de maneira a
368
causar- lhe, em todos os rios e em todos os portos, todos os donos possíveis [...]”. Com
essas embarcações, subiam rios nas proximidades de Porto Calvo, quando a profundidade
permitia. Nos lugares mais rasos, apenas a chalupa poderia navegar. Em rio próximo a
Porto Calvo “quando pela tarde o comandante Lichthart chegou aqui com as pequenas
embarcações, o coronel e o comandante subiram o rio até duas ou três léguas além daqui,
369
onde também encontraram um armazém com grande quantidade de açúcar”. A
expedição, durante a noite, subiu mais três ou quatro léguas de rio utilizando-se de três
embarcações de pequeno porte até que “o rio se tornasse tão estreito, que não se podia
manejar os remos; além disso, ele se tornava cada vez menos profundo”.370 Convém
lembrar que os holandeses encontraram algumas barcas portuguesas carregadas ou não
com açúcar e outros produtos estacionados em alguns cursos d’água. Só a quantidade de
caixas de açúcar encontrada nessa expedição, aproximadamente 450 caixas, no dá bem a
medida desses butins. Até então, as embarcações que mais circulavam nos rios do
Nordeste eram as barcaças portuguesas. Enquanto o porto de Nazaré não caía em poder
dos holandeses, as barcaças portuguesas continuavam a carregar açúcar dos engenhos e
levar ao porto. Vez ou outra, eram apreendidas pelos soldados da Companhia.
Ao estabelecerem um pequeno comércio com a população local, os holandeses,
muitas vezes através dos ‘vrijluiden’, se serviam dos pequenos barcos (baercqiens)
portugueses. A expedição acima citada, encontrou pelo menos uns 45 baercquiens. 371 Ao
contrário das chalupas e Iates neerlandeses, as barcas portuguesas não apresentam seus
nomes mencionados na documentação. Se é que todas os tinham.
Em 1635 e 1636, já é possível falar numa maior regularidade de fluxo de barcas e
iates nos rios das capitanias da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Antes disso, não
podemos falar em um comércio mais regular entre holandeses e moradores, a não ser em
368
Documentos Holandeses, Op. Cit. p. 136.
369
Ibidem, p. 137/138.
370
Ibidem, p. 139.
371
1 barca próximo a Porto Calvo contendo 43 caixas de açúcar; 1 “pequena barca” em rio não mencionado
com 11 caixas de açúcar; 2 barcas no rio “Tatu Amunsá”; 2 barcas em Alagoas; 20 barcas em Porto do
Francês (Alagoas); 7 barcas no Rio Conjau; 1 pequena embarcação em Barra Grande carregada com e 2
caixas de tecidos

143
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casos esporádicos como o do português Manuel Jácome e Pedro da Rocha, plantadores de


açúcar de Itamaracá. O primeiro deles, usou uma barca para fornecer açúcar aos
holandeses navegando pelo Rio Maria Farinha.372 Jácome e Pedro Rocha foram um dos
que se apartaram da resistência luso-brasileira sitiada no Arraial Velho do Bom Jesus e
foram viver com alguns outros em Itamaracá junto aos holandeses.
Já nas crônicas de Francisco de Brito Freire podemos ter uma noção clara dos
principais rios e portos da capitania de Pernambuco. Como bom militar e estrategista,
Brito Freire se refere aos rios desta capitania como “de águas saudáveis e caudalosas”.
Destes últimos, de um total de 25, são destacados 8: Jangada, Serinhaém, Formoso, das
Pedras, Camaragibe, Santo Antônio, São Miguel e São Francisco”. Já os portos,
preparados para “diferentes embarcações”, são os de Recife, Pontal de Santo Agostinho,
Ilha de Santo Aleixo, Barra Grande, Jaraguá, Porto dos Franceses e Coruripe. 373
Evidentemente, todos esses rios e portos se tornaram importantes aos holandeses tanto no
aspecto militar quanto no administrativo.
Que os rios são um meio eficiente para se chegar a algum lugar não é novidade
para ninguém. Entretanto, para o caso de Pernambuco, em particular, a função da
comunicação fluvial era primordial, uma vez que, ainda segundo Brito Freire, “
ordinariamente, por ser a terra tão coberta, se fazem quase todas as estradas do Brasil das
praias do mar”. Ou seja, poucos eram os caminhos por terra pelo interior. Logo,
confirma-se a importância da comunicação fluvial. Rios que, nos dias de hoje, estão
reduzidos praticamente a navegação de pescadores, na época holandesa, presenciaram em
grande intensidade as estratégias militares holandesas e portuguesas.
Evidentemente, entre os portos destacados acima, o do Recife mereceu especial
atenção do cronista militar. Para ele, “o porto do Recife, coração dos espíritos de
Pernambuco, [...] por onde todas as drogas de mar afora entravam e todos os da terra
saiam ...”. 374
Em 1632, os holandeses já eram capazes de adentrar os rios do Nordeste.
Contudo, essas incursões eram menos sistemáticas. Neste mesmo ano, auxiliados por

372
Idem Ibidem, p. 153.
373
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: Historia da Guerra Brasílica. – São Paulo: Beca Produções
Culturais, 2001, p. 118.
374
Idem, p. 124.

144
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Domingos Fernandes Calabar, os holandeses aprisionaram algumas caravelas no Rio


Formoso. Os portugueses, numa das margens deste rio, guardavam-se em um fortin
375
protegido “por duas peças e vinte homens de terra” que logo foi destruído por um
efetivo de 600 homens distribuídos em 8 navios e 15 lanchas holandesas. Essa não era
ainda uma operação pontual, mas já se usava embarcações menores em operações
militares nos rios. Dois anos depois os holandeses passariam a empregar efetivos bem
menores nestas incursões.
A conquista da vila de Igarassu e da Ilha de Itamaracá em 1633 representou o
primeiro passo no domínio holandês da malha hidrográfica do litoral norte de
Pernambuco e da Capitania de Itamaracá. Havendo-se deslocado para o sul do Recife, a
guerrilha se afastava cada vez mais da porção norte da conquista. Pelo menos diminuía
ali a sua intensidade. A conseqüência disso é que foi justamente a partir da região de
Igarassu, Goiana e Itamaracá que começaram a aparecer os pequenos lucros.
A opção estratégica de se utilizar os rios em vez da guerra terrestre, por parte dos
holandeses, teve suas razões. Brito Freire, referindo-se ao cerco batavo ao Arraial Velho
do Bom Jesus, dizia que a dificuldade de se carregar a artilharia por terra se devia “a
campanha toda coberta de árvores ou de canaviais de açúcar”. 376 Nessas circunstâncias,
“para bater o Real (Arraial)”, os holandeses desceram o rio Afogados

“crescido de presente de água do monte, embarcaram onze peças com muitas


munições em um navio sem vela acompanhado de uma lancha e duas barcaças.
Estas pela popa com infantaria e quatro roqueiros de seis libras em ambas”. 377

Nessa operação, apesar de já se utilizar o transporte fluvial com pequenas


embarcações, não havia menos que 400 soldados por terra.
A invasão dos exércitos holandeses aos rios começavam a incomodar os luso-
brasileiros. A adaptação à hidrografia local dos batavos foi destacada por Brito Freire ao
se referir à sumacas: “nadam em pouco fundo, guarnecidas em proporcionada artilharia,
se aproveitava delas o inimigo para melhor entrar nos muitos rios que deságuam por toda

375
Idem, p. 156.
376
Idem, p. 168.
377
Idem.

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a costa”. 378 Essa observação do militar cronista resumiu muito bem o propósito batavo
da utilização de barcos pequenos e artilhados na guerrilha.
As embarcações sem vela citadas acima, algumas elas possivelmente lanchas,
eram utilizadas nessas incursões. Em início de 1634, Calabar, no Rio Mamanguape
(Paraiba), “subindo em quatro lanchas e um patacho, tirou outro carregamento de
açúcares, queimando algumas embarcações que ainda estavam sem eles”. 379
Em março de 1635, já é possível detectarmos barcas e iates que tomavam parte
nos kleine profiten na parte norte da Capitania de Pernambuco, na capitania de Itamaracá
e na Paraíba. Os pontos do comércio, Recife-Goiana-Igarassu-Itamaracá (ilha) e Filipéia
(João Pessoa), já ressaltados na secção anterior, eram, e ainda são interligados por uma
vasta rede hidrográfica. Curiosamente, a parte norte de Pernambuco, que antes da invasão
não produzia tanto açúcar como os engenhos do sul, foi a que primeiro se dinamizou no
comércio que se utilizava de cursos d’água. Para se ter uma idéia, de Itamaracá era
possível navegar rio acima e chegar a Igarassu. Numa descrição, o Capitão Jacob
Piertersen Tolck,

“tendo levado de Tamarica [Itamaracá] uma escolta consigo, subiu o rio Garaçu
[Igarassu] e, apesar de estar ele seco em vários pontos, chegou ate bem perto da
cidadezinha, onde entrou e abateu tanta madeira quanto era possível embarcar e
transportar no barco”.380

Itamaracá foi, curiosamente, o primeiro lugar de construção de engenhos em


Pernambuco.381
Ao norte do Recife, existem as duas maiores bacias hidrográficas do litoral Norte
de Pernambuco, que são a bacia do rio Goiana e a do rio Capibaribe. O rio Goiana, por
sua vez, se capilariza em vários afluentes, entre eles o rio Igarassu. Da mesma forma, o
rio Capibaribe. No litoral Sul, os cursos d’água mais mencionados são: Massangana,

378
Idem, p. 172.
379
Idem, p. 180.
380
Ibidem, p. 154.
381
Segundo Gilberto Freyre, “A lavoura da cana no Nordeste – e pode-se acrescentar, no Brasil – parece
ter começado nas terras de Itamaracá, à beira da água doce, como também da salgada; das duas águas ao
mesmo tempo. [...]”. Ref. FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a
paisagem do Nordeste do Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p.58.

146
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Maracaipe e Formoso; Estes são considerados os “rios Atlânticos”, pelo fato de nascerem
e desaguarem na zona litorânea. São rios perenes. Já os rios Pirapama, Ipojuca,
Serinhaém e Una, são considerados como ‘translitorâneos’, por nascerem no Agreste de
Pernambuco e tornarem-se perenes apenas ao percorrerem a Zona da Mata. Todos eles
apresentam vários afluentes, como o Rio Gurjau, que é afluente do Rio Una, que foi
citado acima. O rio Serinhaém também apresenta diversos afluentes. Dentre eles os rios
Tapiruçu, Camagagibe e Amaragi.382 Muitos destes rios, os considerados
“transatlânticos”, só eram navegáveis em seus cursos inferiores e já próximos de
desaguarem no litoral. Daí o fato de que, em algumas incursões, o holandeses não podiam
adentrar nem com os iates, e sim com barcos ainda menores. Nesse sentido, os
baercquiens (barquinhos) portugueses já eram embarcações bem adaptadas a esses tipos
de rios. Reforça-se, então, o seu uso pelos holandeses. Sobre o uso das barcaças pelos
portugueses, considerou Gilberto Freyre que, ao tempo de Jerônimo de Albuquerque e
Vasco Fernandes Lucena (século XVI), “já moia cana em Igarassu – terras alagadas e
383
donde as canas podiam vir de barcaça pelo rio”.
Muito embora, em favor do holandês, o próprio Gilberto Freyre houvesse
observado que “deu [os holandeses] a esta parte da América seus elementos
característicos de ordem: blocos de construção que representam um método ou um
sistema de conquista, de economia, de colonização, de domínio sobre as águas e sobre as
matas. E não uma série de aventuras a esmo, cada qual a seu jeito”, como fizeram os
portugueses, ele mesmo se rendeu ao fato de que “mesmo assim, conservando curvas à
vontade, que elemento da natureza regional agiu mais poderosamente no sentido de
regularização da vida econômica e social dos colonos do Nordeste que esses rios
pequenos do extremo Nordeste e da Bahia?”384 E era nesse mundo de “regularização da
vida econômica e social” luso-brasileira, convulsionado pela invasão, que os holandeses
tentavam impor o seu ritmo de conquista. Assim como fez Evaldo Cabral de Mello, o
próprio Gilberto Freyre chamou à atenção para a importância dos “pequenos rios do
382
Diagnóstico Sócioambiental do Litoral Sul de Pernambuco. Hidrografia. Publicações
CPRH/MMA/PNMA 2. 1 ed.
383
Freyre, Op. Cit., p. 58.
384
Ibdem. Idem, p. 59. Ao destacar a importância dos rios do Nordeste oriental, Freyre se refere ao estudo
do geógrafo francês Pierre Mombeig. Segundo Freyre, “rios sanchos-pancas, sem os arrojos quixotescos
dos grandes; prestando-se portanto às tarefas da sedentariedade e da fixação; aos deveres pachorrentos,
mas de modo nenhum vis, da antiga rotina agrícola”.

147
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extremo Nordeste”, “rios do tipo do Beberibe, do Jaboatão, do Una, do Serinhaém, do


Tambai, do Tibiri, do Ipojuca [...]”.
A conquista dos rios era algo que corria paralelamente à expulsão da resistência
luso-brasileira para a Bahia, abalada após a queda do Arraial e junho de 1635. Assim,
enquanto iates e chalupas holandesas enfrentavam a resistência nos portos e rios do litoral
sul da capitania de Pernambuco, no norte, em rios como o Goiana e Igarassu,
enfrentavam os desafios de ganhar os primeiros lucros no comércio. Esse era o momento
em que soldados e funcionários da WIC tornavam-se comerciantes e que moradores luso-
brasileiros menos abonados desertavam das fileiras de Matias de Albuquerque e do
Conde de Bagnuolo para tentar enriquecer nesse mesmo comércio com os invasores. É
bem possível, porém, que estes primeiros portugueses que passaram a comercializar com
a Companhia não viessem das camadas mais abastadas da ‘nobreza da terra’. Assim, pela
diferença estatutária destes, uma vez que não eram nobres, preferiram colocar os seus
interesses de comerciantes em primeiro plano a ter que se unir aos de Albuquerque por
uma “identidade reinifica”. Neste caso, como considerou Antônio Manuel Hespanha, a
385
identidade estatutária se sobrepunha à de reino ou nação.
Voltando aos anos 1635 e 36, em que o pequeno comércio de tornava inevitável,
temos que o contato com o porto da Paraiba já se tornara evidente. É o caso dos iates
“Ter Veere” e “T’Wapen van Hoorn” que, em 29 de março de 1635, partiram para os
Países Baixos e fizeram escala na Paraíba com uma carga de açúcar e pau-brasil.
386
Provavelmente, para completar a sua carga naquele porto. No mês seguinte, veio de
Itamaracá para o Recife a chalupa “Duitzendbeen”, carregada de 2 pipas de cal, dezenas
de cachos de banana e cocos. Parte da carga tinha sido trazida de Igarassu pelo rio de
mesmo nome. Esta mesma embarcação voltaria ao Recife uma semana depois carregada
de pouco mais de 300 cocos.387 Ainda nesse mesmo mês (abril), dois baerquiens

385
Segundo Hespanha e Ana Cristina Nogueira da Silva: “Para além de uma identidade “local” e “regional”
mais ou menos vincada, os portugueses acumulavam depois, como é natural numa sociedade de estados,
uma fortissima identidade estatutária, que fazia com que um nobre português se sentisse mais próximo de
um nobre castelhano do que de um peão portugues. Esses sentimentos de identidade estatutária
sobrepunham-se frequentemente, mesmo em momentos e em questões dramáticos, ao sentimento de
identidade reinícola”. Hespanha, António Manuel / SILVA, Ana Cristina Nogueira da. A Identidade
Portuguesa. In: História de Portugal: O Antigo Regime. Vol. VII - Rio de Mouro: Ind. Gráfica, 2002, p. 32.
386
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 29/03/1635.
387
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/04/1635.

148
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trouxeram para o Recife 7 caixas de açúcar branco e mascavado.388 Em abril, dois iates
trouxeram de Goiana para o Recife aproximadamente 80 caixas de açúcar.389 No dia 24
de maio, iate “De Goutvinck” partiu do Recife para a Paraíba a fim de abastecer um
navio com 12 caixas de açúcar. Essas caixas foram pegas em Goiana, de modo que o
390
barco teve que subir e descer o Rio Goiana para, em seguida, chagar à Paraiba. Esse
mesmo iate, quase três meses depois, retornou da região do Cabo de Santo Agostinho
com 800 alqueires de Farinha. É provável que tenha percorrido, neste caso, alguns rios da
localidade. Em 3 de novembro, chegou ao Recife o fluit “De Zeerob”, trazendo das
margens do Rio Ipojuca um certa quantidade de pau-brasil.391
Se atentarmos para a movimentação das embarcações entre a Paraiba e
Pernambuco, poderemos observar que a freqüência deles era maior no litoral sul e sem
penetrarem demais nos rios. (ver anexo I) Ocorre que, principalmente no ano de 1636, a
luta dos holandeses contra as tropas luso-brasileiras estacionadas entre Porto Calvo e
Barra Grande, exigiu uma presença maciça de embarcações do porte de um iate. Só no
ano de 1636, de 136 viagens de embarcações a diversas partes da conquista, 47 se
deveram a assistências de tropas e viveres às campanhas militares no Sul da Capitania de
392
Pernambuco. As embarcações, de uma forma geral, tanto as grande quanto as menores,
tinham que se dividir entre a guerra e a mercância, entre as tropas e os goederen (bens de
comércio). Balancear essa dupla função na era tarefa simples. Entre a possibilidade de
expulsar de vez as tropas luso-brasileiras e a de engendrar um comércio com a população
local, a administração da conquesten se viu quase sempre dividida. Nesse ponto, parece
que a primeira opção lograva vencer.
Em fins de janeiro de 1636, o Conselheiro Político Ippo Eijssens pedia, através de
carta que enviou ao Recife, que fosse enviado um iate à Goiana para carregar-se de

388
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 13/04/1635.
389
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 22/04/1635.
390
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
391
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
392
Algumas embarcações tinham por finalidade patrulhar a costa. Enquanto ocorriam os enfrentamentos no
Sul da Capitania de Pernambuco, vários iates e navio eram designados para o litoral da Bahia. Com base
nas Dagelijckse Notulen, das 136 viagens de embarcações em direção ao sul no ano de 1636, temos um
total de: 1 viagem no inicio de março que envolveu os navios Salamander, Ter Tholen, De Faem, De
Maecht van Doot, Overijssel e Walcheren; 1 viagem no dia 01 de março com o navio Out Vlissingen; o
mesmo navio chega ao Recife no dia 18 de abril trazendo da Bahia informações acerca da frota espanhola;
1 viagem do navio Sint Michiel, que regressou ao Recife no dia 24 de abril;

149
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açúcar. Nessa época, as embarcações holandesas iam constantemente em direção à Santo


Aleixo, Serinhaém, Cabo de Santo Agostinho, Porto Calvo e Barra Grande. Só para este
393
último local, registra-se aproximadamente 9 viagens em conexão com o Recife.
Talvez umas das maiores contribuições da navegação nesses dois anos (1635 e
1636) tenha sido a importância que ela assumiu no que se refere à comunicação entre os
administradores da conquista, ou seja, entre os conselheiros políticos. Dessa forma, as
embarcações, além de transportarem mercadorias e tropas, serviam de correio entre as
diversas partes do território até então em poder da WIC. Graças a isso, o conselheiro
Serveas Carpentier, que cuidava dos negócios da WIC na Paraiba, expediu um iate
(cruzador) ao Recife para pedir provisões, como aconteceu por duas vezes em abril de
394
1635. De Porto calvo, o Fiscal De Ridder remeteu, em fins de maio, uma carta ao
conselho pedindo víveres para as tropas que estavam estacionadas na região.395 No
sentido contrário, saiu do Recife o iate De leeuwinne em direção à Paraíba levando uma
carta para o Sr. Carpentier.396
Frequentemente, quando chegavam navios dos Paises Baixos com cartas dos
administradores da Companhia, as notícias tinham que ser repassadas para outras partes
da conquista. Esse foi o caso do navio De Leeuwine, que levou para a Paraiba algumas
instructiens do Recife. 397 Em dezembro de 1635, chegou ao Recife o iate De Goutvinck
com missiva do Sr. Ippo Eissens, que na ocasião se encontrava na Paraiba.398 Em janeiro
do ano seguinte, o mesmo Eijssens escreveu de Goiana, através de uma galeota, que
precisava de víveres para as guarnições que estavam lá.399 As trocas de missivas entre os
militares são mais numerosas que as trocadas entre os conselheiros políticos. Via de
regra, preferia-se para esses fins os barcos menores e mais rápidos, conhecidos como

393
É possivel, por outro lado, que esse numero seja bem maior, visto que várias embarcações que
chegavam ou saiam do porto do Recife provinham do sul da capitania de Pernambuco, que era onde se
encontrava maciçamente o exército neerlandês.
394
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 16/04/1635 e 25/04/1635. Nas duas ocasiões foram
utilizados dois iates diferentes. Na primeira, foi o iate Gijseling e, na segunda vez, o iate De Spewer van
Zeeland.
395
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/05/1635. A missiva foi trazida pelo navio
Erasmus.
396
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
397
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 14/03/1636.
398
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 17/12/1635.
399
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 24/01/1636.

150
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400
fluitschepen ou “navios que fluem”. Hernamm Waetjen inclui nesse grupo de
embarcação os iates e as sumacas, embarcações “de um mastro só” que “no Brasil
401
achavam multíplice emprego nos serviços de cabotagem e patrulhamento”. Outras
características dos fluiten é que podiam navegar com mais eficácia à flor da água e se
adaptavam a qualquer mudança de vento. Essas condições faziam- na ideal na incursão de
rios de pouca profundidade. Como pudemos observar, nesta secção, elas tiveram usos
além dos militares no Brasil holandês.

4. Nordeste e Caribe: uma ligação possível

Não foi por mero acaso que demos ao primeiro capitulo o titulo Brasil holandês:
Uma Historia do Atlântico. Pelo contrário, acreditamos que apenas uma visão de
conjunto ofereça a este estudo uma proposta ao mesmo tempo regional e internacional,
microscópica ou macroscópica. Da mesma forma que a Companhia das Índias
Ocidentais, também as coroas ibéricas raciocinavam em termos de uma guerra
internacional, que envolvia o Índico, o Atlântico e o Pacífico. Mas fiquemos apenas com
este último, para fins didáticos.
Até aqui, ao analisar a tentativa do Conselho Político de fazer com que a
administração obtenha os sonhados profijten (proveitos) levando em consideração a
navegação de cabotagem ou pelos rios e o pequeno comércio, temos uma visão mais local
da presença holandesa no Brasil. Aliás, essa divisão entre administração, comércio e
guerra se dá de forma mais didática do que se nos apresenta nas fontes. E nem poderia.
No século XVII, a fronteira entre uma coisa e outra é praticamente inexistente. Assim, ao
tratar de guerra e açúcar no Brasil Holandês, levando em consideração as estratégias luso-
brasileiras de escoar a produção em meio à guerrilha, encontra o seu correlato na
tentativa da WIC em conciliar os “pequenos lucros” e a mesma guerrilha. Às vésperas da

400
Uma boa explicacao sobre esse tipo de embarcacao nos oferece o historiador Herman Waetjen que
colocou o seguinte: “somos muito bem informados pelas sólidas investigações de Bernhard Hagedorn.
Segundo elle affirma, a denominação “Fleute, Fliete, Fluit” está ligada à palavra “fliessen” (fluir, correr,
deslisar) e quer dizer o mesmo que “navio que deslisa ou corre adiante”. Ref. WAETJEN, Hermann. O
Domínio Colonial Holandês no Brasil. 1938, p. 526.
401
Idem.

151
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vinda de Nassau para o Brasil, a administração por parte do Politicque Raden havia
adquirido um grau de complexidade que já era possível, pelo menos no Recife e região
próxima, se falar em um cotidiano. É bem verdade que a guerra não havia terminado, mas
também não era menos verdade que a vida social, de alguma maneira, fosse mais presente
a partir de 1635. As razões disso já explicitamos acima.
Na esteira de uma perspectiva atlântica, temos que a própria Companhia não
olhava apenas para o Nordeste. Em 1633, por exemplo, um dos conselheiros políticos
chamava a atenção para as ligações entre o Nordeste e outros pontos como o Rio da
Prata, o Chile e até as Índias Orientais. Chegaram, inclusive, a considerar que “este país
seria para nossa Companhia das Índias Ocidentais uma estação de Parada cômoda e
402
segura”.
Para o Norte, muito embora a WIC tenha consolidado a conquista com a ocupação
de São Luis, em 1640, houve embarcações que passaram a fazer escala no Caribe antes
de regressarem aos Paises Baixos. Mas, antes entrarmos nessa questão, retomemos as
conexões que a WIC podiam fazer frente às coroas ibéricas. Numa descrição anônima
sobre a região do Rio da Prata, feita por alguém a bordo do navio De Windhond, de 1628,
consta:

“O Brasil venderia a eles [comerciantes locais] suas manufaturas [...], que são
muito procurados pelos habitantes do Rio da Prata e de todo o Mar do Sul; [...]
Angola venderia a eles uma quantidade notável de escravos [...] porque é fato
conhecido que os portugueses mandaram e venderam todos os anos de Luanda
entre seis e sete mil negros, que de lá são mandados ao interior e vendidos de
uma mão à outra, até chegarem às minas. Em troca deles os mercadores de
Angola receberam trigo, milho e também prata e ouro”. 403

Pelo relato acima, cinco anos antes do relatório do conselheiro político, a WIC
estava ciente das conexões entre Angola e o Rio da Prata. Sabiam também que os

402
Carta de Walbeeck ao Conselho dos XIX, Op. Cit, p. 126.
403
Consideracoes a respeito do Rio da Prata. In: Johannes e Laet [1637]. Roteiro de um Brasil
desconhecido: Descrição da costa do Brasil. Capa Editorial, 2007, p. 304. Segundo o lingüista holandês B.
N. Teensma “ pelas características litográficas e lingüísticas do texto holandês é provável que seja de
autoria de Willem Joster Glimer.

152
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espanhóis preferiam descarregar os seus metais de Potosi pelo Norte, por terra até
Cartagena e, daí em diante, por mar ate a Europa. Nesse sentido, o avanço holandês em
direção ao norte (Rio Grande, Ceará e Maranhão) viria a preencher essa lacuna. A
preocupação das coroas ibéricas com as capitanias ao norte de Pernambuco ficou
evidente quando, numa Carta Régia destinada ao Conselho da Fazenda em 1634, Filipe
III chamou a atenção para necessidade em se proteger o Rio Grande do Norte, Maranhão
e Grão-Pará. Havendo aprestado algumas embarcações em socorro de Pernambuco,
considerou em suas ordens o seguinte:

“E porque o Rio Grande há mister com que poder fazer oposição ao enemigo
para que não entre a terra adentro e nella lhe senhoria em que fica o Rio Grande
do Seare [Ceará] e D’Aly ao Maçanhão [Maranhão] e Gráo Pará que são praças
muy importantes. E de que podem tirar os enemigos grande proveito pelas
madeiras que aly há para fabricar navios e terá aly os milhores portos do Brasil
que seria do dano que se deixa hir se dessem por essas praças [...]” 404

Pelo visto os socorros vieram um pouco tarde, uma vez que os holandeses, já no
final do ano de 1634, estendiam as suas tropas à Paraiba e ao Rio Grande. A conquista do
Ceará e do Maranhão esperaria mais alguns anos. O importante é salientar que, tanto os
holandeses quanto as coroas ibéricas estavam cientes de suas fragilidades militares 405 e
da importância geo-estratégica das capitanias ao norte de Pernambuco. A consolidação da
conquista de Pernambuco era já meio caminho para a conquista da porção norte do
Brasil. Mesmo depois da saída dos holandeses do Brasil, em 1654, navios holandeses
freqüentavam o litoral do Rio Grande do Norte. Em 1662, um parecer do Conselho
Ultramarino dava noticias do contrabando de pau-brasil no litoral potiguar feito pelos
holandeses. O dito parecer registrava que os holandeses “vinhão carregar pao Brasil, que
naquelle sitio avia feito e deixado hú hollandéz, antes que à terra se rendesse aos nossos

404
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.127. “Carta Régia (minuta de capítulo) do rei
[D. Filipe III] ao Conselho da Fazenda, ordenando o envio de quatro esquadras das duas coroas com
homens, armas e munições, para socorrer a Capitania de Pernambuco, impedindo que o inimigo se espanhe
pelas Capitanias do Rio Grande do Norte, Maranhão e Grão Para”.
405
Idem. Segundo o mesmo documento: “ [...] a experiência tem mostrado que muita parte dos maus
sucessos que há havido no Brasil he por falta de cabeças que governem a guerra [...]

153
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406
[...]”. Em 1662, a costa do Rio Grande do Norte ainda era muito desabitada, o que
favorecia o contrabando.
Por outro lado, já que os holandeses não conseguiram conquistar a região do
Prata, valeria a pena investir mais se aproximar mais do Caribe. Um grande incentivo
seria, sem dúvida, a proximidade da frota da prata. Outra observação: tanto o relato de
um anônimo sobre a região do Prata como o relatório do conselheiro político convergem
numa coisa: no “desvio do comércio de Angola”.407
A captura da frota da prata na costa de Cuba, em 1628, representou um grande
golpe contra a Espanha, uma vez que os banqueiros genoveses passaram a investir menos
no negócio das minas. Assim, a casa de Madrid passou a compensar a falta de recursos
com o aumento dos impostos. Esse subterfúgio de Castela desagradou, sobretudo, aos
408
catalães e aos portugueses.
Antes mesmo desse episódio, em 1624, a WIC havia enviado uma expedição de
reconhecimento ao Caribe, com uma forca superior a 1000 homens. Logo em seguida,
409
atacaram a Bahia. Seis anos depois desta expedição ao caribe, algumas embarcações
que dela fizeram parte haveriam de estar em Pernambuco. As descrições que a WIC tinha
desde o Rio da Prata ao extremo norte do Maranhão municiavam- lhes de um
conhecimento relevante para se chegar ao Caribe. Do ponto de vista da navegação em si,
sair de Pernambuco rumo ao Caribe pode ser uma aventura, dependendo da época em que
se navegue. Segundo relatórios de navegação, em certos meses do ano, os ventos
Nordeste empurram as águas para o sul, dificultando a navegação em direção ao norte.
As viagens de navios holandeses para as Índias Ocidentais, partindo de
Pernambuco, começaram ainda na época dos “tempos difíceis”. Em abril de 1632, alguns
navios partiram em direção ao Caribe, num dos quais se encontrava o soldado Ambrósio
Richoffer, que registrou o percurso das embarcações pelas ilhas de Barbados, Santa

406
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_018, Cx.1, D.6. Parecer do [conselheiro do Conselho
Ultramarino] Feliciano Dourado, sobre uma devassa acerca do cntrabando de pau-brasil feito pelos
holandeses no poto de João Lostao, no Rio Grande do Norte.
407
Relatório do… , op. cit, p. 126.
408
BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo: do barroco ao moderno (1492-
1800). – Rio de janeiro: Record, 2003, p. 236. Paradoxalmente, essa vitória holandesa na captura da prata
espanhola, segundo o autor, complicava a situação da Companhia das Índias Ocidentais porque “com o
poder espanhol enfraquecido no Atlântico, parte se sua raison d’être deixou de existir – pelo menos aos
olhos daqueles excluídos de seus privilégios”.
409
Ibidem, Idem, p. 235.

154
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Lúcia, Martinica, São Domingos, São Martinho, Tortugas, Bonaire e Cuba. Junto aos 10
navios mencionados pelo cronista, haviam mais 4 navios carregados de açúcar de
Pernambuco. Estes, contudo, não fizeram escala no Caribe. 410 Nessa escala, os
holandeses carregaram suas embarcações com sal antes de voltarem aos Paises Baixos.
Algumas poucas viagens de navios saídos de Pernambuco em direção às Índias
Ocidentais foram registradas pela documentação. Em agosto de 1635, os navios De
Swaem, Erasmus, Mercurius e Ernestus receberam a missão de carregar sal e madeira em
Curaçau.411 Em setembro (dia 23), o navio Alkmaer, cuja carga não foi especificada,
também partiu rumo ao Caribe.412 Finalmente, poucos dias depois, o Westfrieslant,
acompanhado de uma chalupa, foi incumbido de completar a sua carga nas Índias
Ocidentais.413
Em linhas gerais, para além de uma concepção estatalista de administração, na
qual se detaca apenas os órgãos da administração em si, temos que o papel das
embarcações na promoção do pequeno comércio figura como um elemento da política
administrativa tão importante como a instituição de um Conselho Político. Assim, a
distribuição dessas embarcações, seja nas operações militares de reconhecimento, seja no
cotidiano dos kleine profijten entrava com a mesmo relevância da organização
burocrática em si na concepção de administração do período.

410
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diario de um soldado (1629-1632). – Recife: CEPE, 2004.
411
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
412
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
413
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.

155
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Capitulo III
O problema do abastecimento

1. A escassez de víveres

Ao longo da resistência e Restauração de Pernambuco, o abastecimento das tropas


era dependente, grande modo, da farinha de mandioca. Sobre o suprimento de tropas,
Evaldo Cabral de Mello chegou a considerar que

“neste setor fundamental de uma economia de ancien régime, que é o dos


cereais, o reino está de todo despreparado para satisfazer as exigências da
expansão ultramarina, em geral, e da colonização do Brasil, em
414
particular”.

Na falta de um abastecimento regular de trigo, vingou, para o português no Brasil


a farinha de mandioca.
Enquanto Nassau e o Alto Conselho se esforçavam para produzir farinha a uma
nível máximo em todas as freguesias, Portugal enviava para os luso-brasileiros
envolvidos na guerra um abastecimento de 10900 alqueires de “farinha da terra”, 240
alqueires de sal, 113 queijos flamengos e 22 pipas de vinha da Ilha da Madeira. 415
Uma das principais preocupações de Nassau e do Alto Conselho ao assumir o
governo do Brasil holandês foi o incremento da produção de farinha de mandioca. Isso
era compreensível, visto que o efetivo neerlandês girava em torno de 5.000 soldados,
416
pouco mais ou menos. Evidentemente, aos olhos dos holandeses, a farinha de

414
MELLO, Op. Cit, p. 191. O autor considera que a mudança da dieta do português em lugares de clima
tropical era “menos um resultado de uma capacidade especial de amoldação do que da impossibilidade de
obter um suprimento regular e abundante de trigo e outros víveres de origem européia”.
415
LAPEH. Projeto Resgate. Carta ao rei sobre o comércio e cobrança de direitos do sal no porto da Bahia
e a invasão dos holandeses à costa brasileira. [1640].
416
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/01/1637. Espalhados por diversos pontos da
conquista, a distribuição era a seguinte: 541 soldados nas guarnições do Recife; 231 na região dos
Afogados; 81 homens em Muribeca; 91 em São Lourenço; 257 no Cabo de Santo Agostinho; 289 em
Itamaracá; 665 na Paraiba; 137 no Rio Grande; Esse número, era elastecido, tendo-se ai o Groot leger
(grande exército), que elevava o efetivo para mais 2894 homens. Finalmente, soma-se o efetivo de índios

156
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mandioca também tinha uma importância relevante no abastecimento das tropas, visto
que abastecimento da Europa era, via de regra, insuficiente.
Ainda nos primeiros anos da conquista, a WIC, a partir principalmente de
campanhas militares, tomou conhecimento dos locais em que a mandioca era plantada.
Em meados de 1633, o Conselho Político enviou aos Paises Baixos um relatório no qual
discriminava os locais das rossas. Assim, tomou-se conhecimento da presença dessa
roças nas freguesias de Serinhaém, nas proximidades do São Francisco, e em Porto
Calvo. No relatório, consideram, em linhas gerais que do “rio São Francisco até Porto
Calvo, oferecem [as localidades] abundância de gado, tabaco, farinha e algodão”. Isso
para se referir a parte sul da capitania de Pernambuco. Em direção à Paraiba, temos que
as localidades não eram “mais desprovidas de farinha e gado”.417 Observaram bem os
batavos que “a farinha, proveniente da raiz mandioca, serve- lhe de pão, a aos naturais,
tanto portugueses como brasileiros, preferem- na ao nosso trigo”.418 Certamente, foram
essas localidades que forneceram farinha para as tropas que se aventuraram nas
campanhas de conquista da Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará.419
Apesar de elogiarem, ainda segundo o relatório do Conselho Político, a riqueza
alimentar do Brasil, os holandeses não deixaram de registrar que “a condição de perfeição
do Brasil nada deixa a desejar, senão trigo, vinho e azeite”. Contudo, os mesmos acharam
o trigo, no Brasil, “supérfluo”, devido à possibilidade de se produzir farinha de
mandioca.420 Em outra carta não deixaram de considerar a oportunidade de se diversificar

armados (600), de marinheiros com possibilidades de combater (1000) e do pessoal do trem de artilharia
(6000). Fica de fora, nessa contagem, o vliegende leger (exército volante) com mais 604 soldados.
417
Relatório do Conselho Politico aos Estados Gerais. 11/07/1633. In: Documentos Holandeses, op. Cit,
pp.118-120.
418
Idem, p. 122.
419
Evaldo Cabral de Mello chamou a atenção, em específico, para a campanha do Maranhão, em 1614, que
contou com bem menos de 3000 alqueires para uma tropa de 800 homens. Segundo ele: “Apesar dos
esforços do Governador [Gaspar de Souza], despachando oficiais da coroa pelas Freguesias de Pernambuco
para recolher farinha, os resultados ficaram certamente muito aquém dos 3.000 alqueires prometidos [...]”
Op cit, p. 192.
420
Ibidem. Idem. Sobre a possibilidade da cultura do trigo no Brasil, observaram que “não deu ainda
resultados satisfatórios nas vizinhanças da costa do mar; entretanto, como o Peru, que está situado sob o
mesmo grau, produz trigo em abundância, não há dúvida de que, se se quiser cuidar disso à serio (porque os
portugueses, só tendo em vista os lucros extraordinários da cana de açúcar, não se ocupam senão dessa
cultura), a terra não deixara, também a este respeito, de dar prova de sua fecundidade.

157
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a agricultura. Para tal, certa vez, a Ilha de Fernando de Noronha seria um lugar ideal
421
“para cultivar a terra [...] com todas as espécies de frutos e plantas”.
Do lado luso-brasileiro, Francisco de Brito Freire se referiu à falta de farinha no
Arraial do Bom Jesus da seguinte maneira: “dias houve que em que se deu de ração a
cada soldado uma só espiga de milho grosso”. Isso se deu justamente pela carência de
farinha de mandioca, “ordinário pão da terra, esperdiçada e despendida”. Nessa fase da
guerra, o preço da farinha aumentou vertiginosamente, de maneira que antes da refrega,
comprava-se um alqueire por um preço bem mais barato do que quando começou. O
cronista deixou claro o processo de fabricação da farinha e a sua possibilidade de se
conservar, quando seca, até seis meses. Finalmente, o lugar dessa provisão entre as tropas
422
era o melhor depois do trigo.
É possível que nas imediações das instâncias do Arraial Velho do Bom Jesus não
se encontrasse muitas provisões para abastecer as tropas de resistência luso-brasileiras.
Duarte de Albuquerque Coelho comentou a insatisfação de muitos, quando da decisão em
se construir a fortificação, pelo fato de se tratar de um local faltando “todo o necessário
423
para poder sustentar-se”. As considerações desses dois cronistas sugerem uma carestia
de farinha para se sustentar uma guerra de grandes proporções. Mesmo assim, no correr
da “guerra velha”, os holandeses conseguiam se apoderar, mediante saque, de provisões
nas vilas em que chegavam. Manuel Calado, ao descrever a entrada dos holandeses em
Porto Calvo, na ocasião da retirada do exército do Conde de Bagnuolo, observou que
424
“acharam muitas pipas de vinho e azeite e muita farinha”.
As tropas neerlandesas, antes da chegada de Mauricio de Nassau e do Alto
Conselho, contavam com o fornecimento de víveres também por parte dos vrijluiden

421
Relatorio de M. Van Ceulen e Johan Gyselingh aos Diretores da Companhia. 11/03/1634. Op. Cit. p.
151.
422
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitania: História da Guerra Brasílica. – ed. ataul. – São Paulo:
Beca Produções Culturais, 2001, p. 129. Vale destacar a descrição pormenorizada que o autor faz do
processo de produção da farinha de mandioca. “Esta farinha, que chamam comumente de pau, se faz de
uma raiz com nabo, cujo nome é mandioca. A mandioca divide-se em perluxas e diversas espécies de
outras plantas, com a mesma propriedade. Cresce de pequena estaca, ao igual das ervas que mais se
levantam da terra, sazonando-se em menos de um ano. O sumo é mortalmente venenoso. O amego lavado e
espremido se cose no forno em vasos largos, desfeito como o cuzcuz da Europa. Desta sorte lavram esta
farinha que, sustentando geralmente todo o Estado do Brasil, obram os índios de três castas: a que chamam
uitinga, uieçacoatinga e uiatá”.
423
COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da Guerra do Brasil. – São Paulo: Beca, 2003, p.
47.
424
CALADO, Manoel. O Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade. – Recife: CEPE, 2004, p. 57.

158
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quando se fizesse necessário. Em janeiro de 1636, quando a WIC empreendia campanha


extenuantes no sul da capitania de Pernambuco, decidiu o Conselho Político exigir dos
comerciantes livres os víveres necessários para as tropas, “levando em conta a escassez
425
de nossos armazéns”. Dos víveres que foram enviados para Barra Grande, local dos
conflitos, 200 tonéis eram de farinha. Os outros eram: 2 tonéis de manteiga; 20 tonéis de
carne; 9 tonéis de toucinho; 100 tonéis de cevada; 9 tonéis de ervilha e 15 tonéis de
426
feijão. Notemos que a quantidade de farinha era 10 vezes superior a de carne, proteína
importante ao dia-a-dia da guerra. A importância dada pelos batavos a essa “munição de
boca” era tanta que, certa vez, por não dispor de meios para acondicioná- la, compraram
427
100 sacas de um comerciante.
De qualquer forma, a dieta das tropas holandesas contava, e muito, com provisões
da terra, principalmente peixes. Aliás, essa complementação era sempre bem vinda face a
pouca oportunidade que a monocultura dera a diversificação da agricultura. Em
Itamaracá, pelo menos, os holandeses começaram a diversificar a produção de gêneros
ainda antes da vinda de Nassau. Alagoas, por sua vez, era um bom manancial de peixes.
Gilberto Freyre, ao se referir à dieta de pescadores de Pernambuco, observou que “é a
gente mais pobre que fica com esses peixes mais bonitos para o seu almoço e para a sua
428
ceia com farinha de mandioca e molho de pimenta”. Contudo, havia possibilidades de
destruições de culturas em razão das cheias, em que plantações que ficavam às margens
dos cursos d’água do Nordeste ficavam arrasadas.429
Para os soldados e marinheiros, as dificuldades alimentares no Nordeste podiam
contrastar, em muito, com o que lhes era oferecido a bordo. Simon Schama, acerca desse
importante pormenor, escreveu que “em 1636, o almirantado de Amsterdam determinou
que todo homem a bordo recebesse semanalmente 250 gramas de queijo, 250 de manteiga
e 2,5 quilo de pão, cabendo aos oficiais rações duplas”. Segundo ele, as tripulações

425
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 17/01/1636.
426
Idem.
427
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 13/02/1636.
428
FREYRE, Gilberto. Nordeste: Aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 69.
429
Idem. Sobre isso, observou Freyre que “Nem sempre tem sido idílicas as relações entre a gente e a água
desta sub-região do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homem, a água não falta nunca
(porque os rios verdadeiramente da mata nunca secam de todo nem os olhos d’água ficam estorricados),
mas onde `as vezes transborda desadorada e terrível. As grandes cheias deixam sem mocambo centenas de
gente pobre. [...] A água de repente se torna o maior inimigo do homem, dos bichos, das plantas”. p, 70.

159
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430
gozavam de uma boa dieta em alto mar. Na viagem para o Brasil, relatou o soldado
Ambrósio Richshoffer que, antes de embaracar com os seus companheiros de viagem:
“demos várias salvas e fomos novamente conduzidos para os transportes, depois de nos
havermos regalado com pão, queijo, manteiga, arenques frescos e cerveja, do que mais
431
tarde sentimos grande falta”. Já embarcados, o cronista nos informou acerca da
distribuição de víveres por pessoa:

“cada tripulante recebia 4,5 libras de biscoito, 0,5 libra de manteiga e um pouco
de vinagre. [...] Tinhamos por semana dois dias de carne e um de toucinho para o
jantar, junto com um prato redondo de favas, 0,5 libras para cada um; isto era aos
Domingos, Terças e Quintas-Feiras. Nos demais dias davam-nos um prato de
aveia mondada, ou cevada, ou ervilhas, e algumas vezes bacalhau, porém de tudo
tão pouco que dois homens com bom apetite teriam devorado as rações dos
oito”.432

Essa descrição, muita embora bastante parcial, contradiz a anterior do Simom


Schama, que ressaltou a boa dieta em alto mar dos marinheiros que serviam aos Países
Baixos. O fato é que normalmente a alimentação transatlântica poderia ser
complementada pela pesca durante a viagem. Na frota que invadiu Pernambuco, durante
a travessia atlântica, os holandeses aprisionaram uma fragata espanhola que vinha de
433
Angola e trazia consigo uma carga de farinha, ainda segundo Richshoffer. Finalmente,
ao conquistarem o Recife, descreveu este último que as únicas mercadorias que
encontram deixadas pelos luso-brasileiros foram “apenas de pouco mais ou menos cem

430
SCHAMA, Simon. O desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, p. 179. Onde se lê: “Talvez o exemplo mais confiável do que os holandeses
entendiam por ‘suficiência decente’ – uma alimentação que evitasse os perigosos extremos da cozinha
gorda e magra – fosse o da cozinha dos navios. O passadio naval seguia rigorosamente as noções oficiais da
norma alimentar, pois os navio holandeses eram considerados pequenas repúblicas [...] Assim como se
orgulhava de seus navios impecavelmente, a Marinha holandesa também se empenhava em oferecer uma
alimentação que superasse o passadio miserável a que a maioria dos marujos estava condenada, sobretudo
em viagens longas. [...] Como os holandeses nunca recorreram ao recrutamento compulsório,
provavelmente a dieta generosa constituía forma de atrair tripulantes entre populações maritimas
estrangeiras e nativas”.
431
RICHSHOFFER, Ambrósio. O Diário de um Soldado. – Recife: CEPE, 2004, p. 9.
432
Idem, p. 14. Para agravar a situação, os tripulantes recebiam diariamente “uma medida de água, a maior
parte das vezes fétida, e cada tripulante recebia tres grandes queijos flamengos para toda a viagem”.
433
Richshoffer, op. cit. p. 57. Possivelmente, tratava-se de farinha de trigo e não de mandioca.

160
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caixas de açúcar, um número considerável de pipas, que são tonéis, com vinho de
434
Espanha”. No entanto, nenhum armazenamento de farinha de mandioca. O primeiro
carregamento de trigo que os soldados da WIC receberam após a invasão (dez meses
depois) foi trazido ao Recife pela embarcação Zuikerbrood, trazendo consigo também
435
biscoito.
Uma vez em terra, a situação seria bem diferente. Disputando o mesmo espaço,
holandeses e luso-brasileiros haveriam de encontrar melhor saída para o abastecimento de
seus efetivos. De início, levavam vantagens os luso-brasileiros, que contavam com a
ajuda de vivandeiros que plantavam roças nas imediações do Arraial Velho do Bom
Jesus. A ajuda alimentar vinda da Europa era mais difícil. Mais fácil era o envio de armas
e pólvoras. Em abril de 1630, ainda no início da presença holandesa em Pernambuco, um
decreto do Governador Geral do Brasil logrou enviar “300 arcabuzes e manufatura de 40
quintais de pólvora que é o que está resoluto vá nas duas caravelas que a conforme ao que
tudo isto importar se poder consultar a Vossa majestade fosse servido mandar dar o
436
direito necessário”.
O abastecimento da resistência luso-brasileira teria mesmo que vir do próprio
Brasil. Num outro decreto de 1630, o governador do Brasil recomendava, a título de
antecipação, a qualquer armada que fosse em socorro de Pernambuco que:

“em razão de se mandarem a Pernambuco, e as mais capitanias que se tivesse por


necessário as ordens que cumprirem para se semearem nelas todos os
mantimentos que da terra na maior quantidade puder ser [...]” E prossegue, em
especifico sobre o abastecimento de farinha: “... que o pressuposto da prevenção
que é necessária para a armada que chegue aquela costa possa está prevenidos; a
Martin de Sá capitão-mor do Rio de Janeiro, se deve particularmente escrever,
procure com os mestres daquela capitania, levem a maior quantidade de farinha,
a que chamam mandioca e se vão armazenar, para que com o aviso que se lhe
mandar, o possa mandar embarcar da costa os pagamentos que se lhe ordenar ; a

434
Idem, p. 73.
435
Idem, p. 96.
436
LAPEH. UFPE. (AHU. Codice 476. fl. 89v). Sobre o decreto do governador acerca do Socorro que se há
de mandar ao Brasil, pelo aviso que se teve de estarem 55 vilas de inimigos em Pernambuco.

161
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mesma prevenção se deve mandar as mais capitanias do Brasil, e ainda conforme


onde a abundância de mandioca.”437

Este decreto, ainda bem intencionado, recomendava que as capitanias da Paraíba e


Itamaracá, que ainda não haviam caído em poder dos holandeses, abastecessem o Arraial
Velho do bom Jesus de farinha de mandioca. Parece que só Itamaracá, como bem
438
observou Evaldo Cabral de Mello, conseguiu esse feito. Mesmo assim, a penúria era
grande para ambos os lados da contenda, com uma pequena “vantagem” para os luso-
brasileiros que, conhecedores da terra, conseguiam buscar farinha “até os limites da
fronteira colonizadora”, completa Cabral de Mello. 439
Da mesma forma que os holandeses souberam que no Arraial do Bom Jesus “o
440
inimigo [luso-brasileiros], devido à falta de alimento, está disposto a negociar” ,
também souberam que “aportou, vindo da Paraíba, por causa da falta de mantimentos o
441
cruzador ‘De Meerminne’”. Parte da tropa luso-brasileira que fugiu em direção ao
Cabo de santo Agostinho ficava numa situação de penúria, visto que não dispunham “de
alimentos para mais do que 14 dias, e que eles estão comendo muita carne de cavalo, que
quase está se acabando, e dizem que Luis barbalho Bezerra, que ali está no comando, não
442
quer outra coisa a ano ser fugir com um pequeno grupo do Cabo”. A essa altura da
guerra, meados de 1635, a diferença entre os dois lados era que os luso-brasileiros
estavam prestes a se evadirem de Pernambuco e que o desafio de abastecer as tropas com
gêneros locais cabia aos invasores.
Retomando a situação das tropas luso-brasileiras situadas no Arraial, temos que a
falta do poder de combate devido à escassez de víveres desafia um pouco a assertiva de
Jerônimo de Albuquerque de que na guerra brasílica os homens se contentavam com “um

437
LAPEH. UFPE. (AHU, Cod. 476. fls. 126/127. 24/05/1630) Sobre se mandar ordem ao Brasil para se
provirem os mantimentos que antecipado para quando for armada que ha de ir de Socorro a Pernambuco.
438
MELLO, Op. cit. p. 194. “Mas da capitania de Itamaracá e de algumas freguesias de Pernambuco
chegava alguma ajuda: sobretudo em farinha e peixe seco. O autor também avaliou os racionamentos que
Matias de Albuquerque obrigara aos sitiados no Arraial, uma vez que “a escassez atingiu de forma
praticamente aguda a farinha de mandioca, devido ao abandono das roças pelos moradores que acorriam
para a defesa da capitania, tendo-se chegado a estreiteza de dar aos soldados a ração de uma única espiga
de milho”.
439
Idem, p. 195.
440
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/06/1635.
441
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/06/1635.
442
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/06/1635.

162
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punhado de farinha e um pedaço de cobra”. Pelo contrário, muito embora o


endurcisement de um combatente luso-brasileiro seja maior que a do europeu nos
trópicos, isso não significa superestimar a resistência do primeiro. Provavelmente a
443
assertiva de Jerônimo de Albuquerque era uma hipérbole em defesa de sua classe.
Certamente, ao contrário dos desvalidos do Arraial Velho do Bom Jesus, a
situação alimentar da WIC não descia ao nível da quase total carência alimentar, pois
podiam abastecer, para a campanha do sul da capitania de Pernambuco, os navios De
Meermine (com 60 homens para o tempo de seis meses) e o barco Nossa Senhora do Ó
(com 38 homens para o período de 5 meses).444 No entanto, muitas vezes, não sabemos os
detalhes desse abastecimento, e é bem possível que a ração recebida pelos soldados da
companhia não satisfizesse a tropa. Pelo menos nas crônicas de Ambrósio Richshoffer,
houve casos de deserção por parte do exército neerlandês, já que “as mais das vezes as
rações de pão ou provisões distribuídas para oito dias mal chegam para dois, sendo até
devorados cães, gatos e ratos”. O mesmo complementa o sofrimento das tropas dizendo
que “assim achamo- nos na alternativa de ou expulsarmos o inimigo da sua vantajosa
445
posição ou morreremos de fome”. Esta breve consideração destoa da fartura alimentar
nos navios holandeses, apontada por Simom Schama.
Uma vez em terra, os holandeses sentiram necessidade de procurar com que
alimentar os seus soldados com recursos da própria terra em que queriam se instalar. O
demorar da “guerra volante” (de emboscadas) empreendida por Matias de Albuquerque
colocava as tropas da Companhia, cada vez mais, em situações de problemas internos.
Por isso se entende a alcunha de anos terribilis que se emprestou aos primeiros anos dos
holandeses no Brasil. Não foi à toa que os batavos deram o nome de Desafio ao diabo
446
(Trots den duivel) ao Forte das Cinco Pontas localizado na Ilha de Antonio Vaz.
A variedade dos víveres enviados ao Brasil pela WIC era inversamente
proporcional à quantidade deles. Nem todos os carregamentos eram satisfatórios, como
avaliou Hermann Waetjen, de forma que a companhia procurava “suprir as faltas de um

443
SOUZA, Laura de Mello e. Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas
fronteiras e nas fortificações. In: História da vida privada na América portuguesa – São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p. 46.
444
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/06/1635.
445
Richshoffer, op. cit. p. 88.
446
Idem, p. 92.

163
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carregamento com as mercadorias do seguinte”. Via de regra, quando se enviava


mantimentos, a variedade contava com “carne salgada, toucinho, pão, legumes, bacalhau
447
manteiga, queijo, sal, azeite, vinho, cerveja, vinagre e óleo de baleia”. Hermann
Waetjen também avaliou o preço médio de algumas mercadorias no Brasil, considerando-
448
os em “tempos normais”, possivelmente para o período nassoviano. Segue o quadro:

Artigos Em florins

1 pão 0.20
1 libra de carne 0.30
1 libra de toucinho 0,40
1 libra de queijo 0,40
1 libra de manteiga holl 1. –
1 quarta de feijão 0,15
1 quarta de ervilhas 0,15
1 quarta de cevadinha 0,25
1 libra de farinha de trigo 0,25
1 alqueire de farinha 1,50
1 libra de farinha de centeio 0,15
1 libra de presunto 0,40
1 libra peixe-salpreso 0,20
1 libra de bacalhau 0,15
1 quartinho de azeite 1,50
1 quartilho de vinho espanhol 1,50
1 quartilho de vinho francês 1. –
1 quartilho de conhaque 1,75
1 quartilho de cerveja da Zelândia 0,50
1 quartilho de cerveja de Delft 0,75

447
WAETJEN, op. cit. p. 478. Sobre o preço de alguns produtos, infere Waetjen: “ Quando porém os navio
tardavam, as colheitas eram más, o inimigo invadia o território da colônia ou a falta de numerário de
tornava sensível, então os preços dos viveres subiam rapidamente como se impelidos por uma potente
mola. Especialmnte os da manteiga, do queijo e do vinho. Estes três artigos eram os que sofriam mais fortes
oscilações no mercado de Recife e eram por isso objeto de especulação preferido pelos comerciantes livres
e judeus”.
448
Certamente esses preços foram avaliados para o periodo nassoviano, quando, segundo o autor, a partir
de 1640, trazia-se bacalhau para ser vendido no Brasil.

164
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1 quartilho de cerveja de Rotterdam 0,55

Fonte: WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil. [1938], p. 482.

Caloricamente, a ração média de um soldado da Companhia das Índias Ocidentais


era de aproximadamente 3.400 calorias, quantidade essa satisfatória para trabalhos que
exigiam esforço. Isso foi observado por Evaldo C. de Mello num estudo de Michel
Morineau. Contudo, contra essa constatação, Mello observou bem que

“embora se possam encarar as conclusões do Sr. Morineu como uma


aproximação útil ao problema, caberia assinalar que não se baseiam numa análise
das condições reais do abastecimento das tropas neerlandesas no Brasil, supondo
condições normais que foram antes a exceção do que a regra”.449

Em se tratando do regime alimentar na Holanda, Simom Schama considerou o


queijo, por exemplo, como pertencendo ao grupo de alimentos “de qualidades morais
generalizantes”, uma vez que, ao ser prazerosamente degustado por todos, isso por si só
450
“anulava as diferenças sociais na comunidade nacional”. Para o propósito da guerra, a
comunhão pelo queijo traria, sobretudo, o espírito de corpo que uma difícil empreitada
exigia. Pelo menos antes de embarcar para o Brasil, como foi citado por Ambrósio
Richshoffer, a ceia de queijo poderia dar a falsa impressão de fartura que os soldados
poderiam encontrar no Novo Mundo. Já o açúcar, na qualidade de “alimento pagão”,
poderia afastar o homem da retidão moral.
É evidente que, numa situação de guerra, a preocupação imediata com a
sobrevivência torna-se refratária às considerações de ordem moral, de modo que a

449
MELLO, op. cit. p. 185. O autor constatou a pouca resistência do soldado do soldado vindo do Reino a
Pernambuco e notou a sua pouca resistência orgânica ao clima. De forma contraria, os soldados do norte da
Europa eram mais resistentes que os portugueses, agüentando mais o cansaço das campanhas.
450
SCHAMA, op. cit. p. 168. O contrário também é verdadeiro. Algumas comidas eram mal vistas,
principalmente pela religião calvinista. Observou Schama: “Especiarias exóticas, em especial as das Índias
Orientais, como canela e macis, com sua fragrância inebriante e sua origem paga (ao contrario das raízes e
legumes nacionais), podiam afastar os homens da culinária caseira e da moralidade comum. [...] Mas o
grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades
adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas medias, o açúcar
brasileiro alimentava o apetite dos holandeses por doces – apetite então já sedimentado.”

165
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Companhia das Índias Ocidentais, no Brasil, tentava diversificar ao máximo e, na medida


do possível, a dieta.
Em 1635, já é possível saber que existiam diversas ‘padarias’ (backerij)
espalhadas pela conquista. Isto porque, de uma só vez, chegaram alguns assistentes de
padeiros para exercerem os seus ofícios em Pernambuco, na Paraíba e Itamaracá. O
salário de um assistente de padeiro era de 13 ou 14 florins por mês. O “padeiro-chefe”
chegava a ganhar 17.451 Para se ter uma idéia, um soldado recebia 8 florins/mês.
Provavelmente, a maior parte dos pães distribuídos na conquesten eram de trigo, ainda
por volta de 1635. Um navio que partia do Recife em direção aos Paises Baixos, foi
aprovisionado com nada menos que 1000 arrobas de pão. É bem possível que esse pão
fosse de farinha de trigo e não de mandioca, visto que ainda estava no tempo da “guerra
velha” e não haveria tempo de se produzir uma quantidade grande de farinha de
mandioca para se fazer um milhar de arrobas de pão. Soma-se o fato de que a mandioca
tem ciclo de um ano. Se houvessem plantado a mandioca em 1634, talvez não colhessem
tanto, dado que boa parte dos soldados estava e operações militares contra o Arraial do
Bom Jesus e nos portos do litoral sul de Pernambuco, como ainda o estavam em maio de
1635, quando desembarcava o sobredito navio.452
Nos cinco primeiros anos da presença holandesa no Brasil, a complementação dos
víveres que vinham dos Paises Baixos era feita com a pilhagem e a caça. No ano de 1635,
o fornecimento de viveres vindos da Europa se deu em nove ocasiões. Desse grupo de
embarcações, a única que discrimina a sua carga é o navio Walcheren, com farinha (de
453
trigo) e outros. Este número, se comparado ao aprovisionamento do ano de 1630
(primeiro ano da ocupação) é bem inferior. Em 1630, foram 35 abastecimentos de
454
provisões e víveres de navios que entraram no porto do Recife. (ver anexo I).
Podemos entender o maior aprovisionamento para o ano de 1630 pelo maior número de
soldados que foram enviados ao Brasil, se comparado a 1635. Por outro lado, é possível
que neste último ano, com o arrefecimento da guerrilha, tenha possibilitado o acesso da
WIC às fontes locais. Esse foi o caso do iate De Goutvinck que, em agosto de 1635,

451
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 11/05/1635.
452
Idem.
453
Fonte: Dagelijckse Notulen do ano de 1635.
454
Fonte: Richshoffer, op. cit.

166
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trouxe do Cabo de Santo Agostinho uma carga de 800 alqueires de farinha obtida
mediante pilhagem.455
A expansão da conquista levava inevitavelmente à necessidade de se aumentar o
aprovisionamento da tropas. Para se ter uma idéia, o comissário de bens Crispijnsz ficou
de aprovisionar o iate De leeuwerick para uma viagem de três meses e com uma
tripulação de 21 homens. Mais difícil ainda era prover o Forte Ceulen (Rio grande do
456
Norte) com mantimentos para 300 homens por três meses. Em agosto de 1635, foram
feitos pedidos de ervilha, feijão e cevada para 100 homens que estavam acampados em
457
Barra Grande (sul de Pernambuco).
Uma relação a ser feita é a que diz respeito ao crescimento do pequeno comércio
e o abastecimento de víveres vindos dos Paises Baixos. À medida que mais bens de
comércio eram enviados para o Brasil, menos espaço sobraria nos navios para os víveres
e provisões.
O arrefecimento da guerrilha no sul de Pernambuco diminuía, pelo menos por
hora, o ritmo de campanhas naquela área. Mas certamente outras frentes de combate
haveriam de ser abertas. Em setembro de 1635, o Conselho Político dispôs o seu “plano
de ocupação” para diversas partes da conquista. Nesse plano, a distribuição das tropas era
a seguinte: Rio Grande do Norte (200 homens), Maranguape (150), Paraiba (700),
Itamaracá (400), Recife e fortificações em torno (700), Cabo de Santo Agostinho (250),
Barra Grande (200), Porto Calvo (200). Para o Rio São Francisco e Peripueira, mais ao
sul, as projeções seriam de 400 soldados no primeiro e 200 no segundo ponto. Isso
458
perfazia um total de 3500 homens em fortificações.
Um exemplo da dinâmica do abastecimento e suas exigências: num dos relatórios
dos quais se serviu a WIC para se conhecer mais o Brasil, a recomendação era que, após
a conquista, seria necessário “deixar uma guarnição adequada na fortaleza, fortificá- la
contra as violências, aprovisioná- la de todo o necessário”. Neste relato, fornecido por
indígenas levados à Holanda, aparecem “recomendações” de como se conquistar o Rio
Grande e estabelecer contato com as tribos das proximidades. Para tal, os navios

455
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
456
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
457
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
458
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 17/09/1635.

167
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deveriam estar carregados, além dos víveres, de mercadorias de troca (cargasoen) para o
trato com os tapuias e brasilianen. Sobre os recursos locais, os informantes ainda
opinaram para que a WIC não duvidasse de que “eles [os indígenas locais] contenham
boa quantidade de farinha, ervilhas, feijão e outras vitualhas dos selvagens para mandar a
459
Pernambuco”.
De fato, quanto mais distante do Recife ficasse qualquer conquista holandesa,
melhor pensado deveria ser o aprovisionamento, uma vez que a navegação nem sempre
era favorável em determinadas épocas do ano. Para o rio Grande do Norte, por exemplo,
devia-se evitar a navegação nos meses de setembro-outubro- novembro, ocasião em que a
monção de verão (que trás o vento do nordeste) empurra as águas para o sul.460 Diante
desse quadro, qual seria a estratégia de aprovisionamento da WIC nos anos seguintes?
Retomando ao tema da produção de farinha de mandioca, temos que os
holandeses, desde os relatos de Adrien Verdonck, ou até antes, haviam tomado
conhecimento das áreas de cultivo. Assim, foi reportado sobre a região do São Francisco,
que as pessoas “fazem também ali bastante farinha”. Nessa área, muito embora a
produção de açúcar seja inexpressiva (se comparada aos engenhos da Várzea ou da região
do rio Una e do rio Serinhaém), a mandioca dividia o solo com o fumo.461 Já em Alagoas,
nos informes do cronista, produziam e plantavam “a maior parte da farinha que vem para
Pernambuco”. Além da farinha, também produziam bastante fumo e comercializavam
462
muito pescado seco e outros gêneros alimentícios. Da mesma forma, Porto Calvo e a
região do Rio Una tinham, além de muito gado, “bastante farinha”. Esta última, com a
463
peculiaridade de se produzir milho. Serinhaém e Ipojuca, além de muitos cereais e

459
“Descrição da costa do noroeste do Brasil entre Pernambuco e rio Camocipe, do Relatório dos
brasilianos seguintes: Gaspar Paraupaba do Ceará, de idade de 60 anos; Andrés Francisco do Ceará, da
idade de 50 anos; Antônio Paraupaba de Tubussuram, que fica na distancia de 2 dias no interior da Paraiba,
da idade de 30 anos; Pedro Poti, da idade de 20 anos” [1629]. In: DE LAET, Johannes. Roteiro de um
Brasil desconhecido: descrição das costas do Brasil [1637]. KAPA Editorial, 2007. O relatório data do ano
d 1629.
460
Correntes e ventos na costa do Brasil e entre Angola. In: DE LAET, op, cit, p. 110.
461
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraiba e Rio
Grande. 20 de maio de 1630. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil
Holandês. – Recife: MEC/IPHAN, 1980, p. 35.
462
Idem, p. 36.
463
Idem, p. 36/37.

168
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pau-brasil, também pareciam ser bons fornecedores de farinha. 464 No litoral sul de
Pernambuco, no tocante a produção de gêneros, o Cabo de Santo Agostinho parece ser a
exceção, uma vez que

“quanto a cereais, farinha, fumo, gado e peixe quase nada vem dali porquanto os
habitantes apenas plantam, fabricam, criam e pescam o necessário ao seu
consumo, dedicando-se principalmente à cultura da cana”.465

A região da Várzea do Capibaribe, apesar de produzir “muita farinha, que


ordinariamente é a melhor da terra”, destinava a mesma para o consumo de seus
466
moradores. A oeste do Recife, no interior, a região de São Lourenço, denominada por
Verdonck como “mata do Brasil”, produzia, além de fumo, feijão e milho, uma “boa
quantidade de farinha”. Ao norte do Recife, as localidades de Goiana, Araripe e Igarassu,
passam despercebidas quanto a cultura da mandioca. Por fim, a Paraíba apresentava uma
cultura de mandioca inexpressiva, “de pouca consideração”.467 Três anos depois, o
conselheiro político Joannes van Walbeeck, também ressaltava a produção de farinha de
mandioca, principalmente ao sul do Recife (freguesias de São Francisco, Porto Calvo,
Alagoas, etc). Sobre a agricultura de subsistência, especificou que “a farinha feita das
raízes da mandioca serve-lhes [aos portugueses e luso-brasileiros] de pão , e é mais
agradável aos portugueses e brasilianos do que o nosso trigo”.468
Os holandeses encontraram no Brasil portugueses mais afeitos e adaptados à dieta
da farinha de mandioca, resultado de quase cem anos de convivência com os nativos.
Restava aos soldados europeus a serviço da WIC se adaptarem a um novo regime.
Certamente, a primeira leva de soldados que veio em 1630 e que retornou aos Países
Baixos em fins de 1632 ainda não contou com a farinha de mandioca no seu dia-a-dia. Os
mais adaptados à dieta brasílica e à guerrilha eram mesmo os soldados luso-brasileiros,
sobre os quais destacou Evaldo Cabral de Mello que

464
Idem, p. 37/38.
465
Idem, p. 38.
466
Idem, p. 39.
467
Idem, p.44.
468
Relatorio de Joannes van Walbeeck. In: DE LAET, op. Cit. p. 159.

169
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“não exageraria quem imputasse a agilidade dos soldados da terra, tão


admirada pelas autoridades neerlandesas, não apenas às características
físicas da população luso-brasileira, também por ela descrita como
pequena e seca de corpo, mas também ao gosto da roupa leve e
sumária”.469

Do lado holandês, podemos dizer que em quase todas as campanhas empreendidas até
1635, era com o escasso trigo e outros cereais dos Países Baixos que teriam de contar os
soldados da WIC.
Certamente, quase todos estes pontos da capitania de Pernambuco situados acima
forneciam farinha aos sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus no inicio da guerrilha.
Todavia, não dispomos de dados da produção de mandioca por localidade. É de se supor
que ela tenha sido baixa, mesmo levando-se em consideração as localidades que
remetiam farinha para o Recife. Lembremos que a população de Olinda foi para o Arraial
se juntar à resistência, aumentando assim a necessidade de víveres. A guerra de
resistência pôs fim à regularidade da produção de farinha tanto dos locais próximos ao
Arraial, como do sul da Capitania de Pernambuco. Com alguma possibilidade, deve ter
sido retomada após a queda do Arraial em Goiana, Itamaracá e na Paraiba.
A emergência dos kleine profijten nos anos 1635 e 1636, que trouxe consigo um
maior dinamismo do comércio interno, também possibilitou a que se pensasse no
próximo passo para a produção dos víveres, que passava principalmente pelo incremento
da produção de farinha de mandioca. Pelo menos até a chegada de Mauricio de Nassau e
do Hooge Raden (Alto Conselho), no período acima citado, havia tempo de plantar as
primeiras roças. Com o retorno de muitos moradores para suas casas, ressurgia não só a
possibilidade de se plantar e colher o açúcar, mas de, aos olhos da Companhia, direcionar
a plantação de mandioca para uma escala certamente maior do que se fazia antes da
invasão. Antes deste, não apenas Pernambuco, mas também a Bahia consumia gêneros
alimentícios da Capitania de São Paulo, sobre o que escreveu John Monteiro. A
dificuldade de abastecimento de gêneros mesmo antes da invasão holandesa se devia,
sobretudo, ao aumento pari passu da população branca e livre com o conseqüente

469
MELLO, op. cit. p. 187.

170
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aumento da produção açucareira em fins do século XVI e inicio do XVII. Existia então,
como bem estudou John Monteiro, um “circuito comercial intercapitanias”. A ocupação
holandesa viria a tolher este abastecimento e, em contrapartida, tentar suprir a falta
470
daqueles gêneros. Como veremos adiante, dentro da finalidade da Companhia das
Índias Ocidentais no Atlântico, o problema do abastecimento de gêneros em geral, e da
produção de farinha, em particular, era um problema interno e externo à conquesten
holandesa.

2. Uma herança problemática: A produção da farinha de mandioca no governo


nassoviano

Num relatório enviado do Brasil aos diretores da Companhia das Índias


Ocidentais, Mauricio de Nassau e o Alto Conselho, entre outros assuntos, informavam
sobre o que consumiam os portugueses. Nessa avaliação:

“Não há profusão nos seus alimentos, pois podem sustentar-se muito bem com
um pouco de farinha e um peixinho seco, conquanto tenham galinhas, perus,
porcos, carneiros e outros animais, de que também usam de mistura com aqueles
mantimentos [...] Tem belíssimas frutas, como laranjas, limões, melões,
melancias, abóboras, pacovas, bananas, ananazes, batatas, maracujá-açu,
maracujá-mirim, araticum-apê e o belo e mais delicioso dos frutos, a mangaba e
ainda vários legumes, milho, arroz e outros mais, de que fazem diversidade de
confeitados. Estes são muito sãos, e deles comem em quantidade”.471

Esse relato se deu um ano após a chegada de Nassau e os seus conselheiros. Afora
a farinha e o peixe seco, a variedade alimentar existia incorporando-se à cultura local os

470
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. – São
Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 100. Sobre a expansão bandeirante no Planalto Paulista e a
economia açucareira observou o autor: “Com o advento do século XVII, estes movimentos vieram ao
encontro de dois impulsos externos. Primeiro, o rápido crescimento da economia açucareira a partir de
1580, sobretudo nas capitanias de Pernambuco, Bahia e, em escala menos, Rio de Janeiro, fez surgir nas
zonas secundárias oportunidades para criadores de gado e produtores de gêneros de abastecimento”.
471
Breve Discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de
Janeiro de 1638. In: MELLO, op. Cit, p. 109.

171
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gêneros holandeses. Dois anos depois, foi o Alto Conselheiro Adrien van der Dussen que,
no seu relatório, dedicou à mandioca um tópico à parte. Dussen ressaltou, em comparação
aos cereais dos Países Baixos, a mandioca, dado que no Brasil deve-se apenas “lançar à
terra as sementes para colher as sementes: lá se planta o que não se aproveita do arbusto,
sem que nada se perca da raiz ou do que serve para alimento”.472
Como se observou anteriormente, o abastecimento de víveres vindo dos Paises
Baixos era, quase sempre, insuficiente aos soldados da WIC no Brasil. No ano que
antecedeu à vinda de Nassau, 1636, aproximadamente 18 embarcações trouxeram
víveres, mas trouxeram também mais soldados, munições e mercadorias para serem
vendidas aos vrijluiden. No final das contas, era constante a falta de alimentos para as
tropas. Soma-se o fato de que, nos anos de 1635 e 36, o envio de mantimentos para as
tropas estacionadas no litoral sul da capitania de Pernambuco era cada vez mais
necessário. (ver anexo I)
O deslocamento das tropas para o sul da capitania, ao mesmo tempo em que
exigia mais provisões para os soldados do front, fez com que as freguesias mais próximas
ao Recife ficassem um tanto afastadas da guerrilha. Aos poucos, locais como a Várzea e
Igarassu, por exemplo, começaram a ser ocupados por luso-brasileiros que aceitaram a
dominação batava e retomaram a produção de açúcar. E é no esteio da retomada da
produção de açúcar, que Nassau e o Alto Conselho procuraram, nas propriedades
daquelas freguesias, o incremento da produção de farinha de mandioca.
Entretanto, antes mesmo da execução desse intuito, a transição entre a “guerra
velha” e a nova ordem imposta por Nassau viveu um período de transição em que as
propriedades eram retomadas, ou por novos senhores de engenho ou até mesmo por
autoridades militares ou civis holandesas. Mas o início da produção sistematizada de
farinha não se deu de forma monolítica e sem problemas. Pelo contrário, implicou numa
473
relação tensa entre os administradores e a população local.
Em 1637, a conquista em Pernambuco foi dividida em quatro jurisdições
(jurisditien), cada qual contendo uma câmara que a representasse. No primeiro relatório

472
Relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no Brasil, apresentado pelo Senhor Adriaen van
der Dussen ao Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdam, em 4 de abril de 1640. In: MELLO, op, cit. p.
198.
473
Sobretudo, senhores de engenho.

172
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que procurou dar conta da administração no Brasil holandês já na gestão de Nassau e do


Alto Conselho, em 1638, muitos eram os engenhos que ainda não tinham moído. No
termo da Câmara da jurisdição do São Francisco, a mais meridional dos territórios
conquistados, expôs o relatório que muitos dos 15 engenhos que existem nos seus limites
não iriam moer dentro de um curto prazo, “porquanto em razão da guerra e de terem por
aí passado recentemente os exércitos de um e outro lado, estão sem dúvida muito
arruinados”. Em seguida, na jurisdição ou distrito de Serinhaém, apenas 5 engenhos (no
total de 18) iriam moer. Na jurisdição de Olinda (que englobava as freguesias de Ipojuca,
Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão, Muribeca, Várzea e São Lourenço), do total de 67
engenhos, apenas 47 moíam. Na jurisdição de Igarassu, do total de 8, um engenho apenas
não moía. O território da Capitania de Itamaracá contava com os engenhos das
localidades de Goiana, Taquara, Tejucupapo e Araripe, e do total de 20 unidades, 8 não
davam safra. Na Paraíba a situação era bem melhor que nas outras partes da conquista,
uma vez que lá apenas 2 engenhos não moíam, de um total de 20. Finalmente, no Rio
Grande, apenas 1 engenho dava seus frutos. Logo, em termos aproximados, de um total
de 147 engenhos, é certo que 89 davam cana até à época do relatório. Isto sem contar os
engenhos da jurisdição do São Francisco que ainda iam moer e não foram
discriminados.474 Mais da metade dos engenhos de toda essa área havia retomado a sua
capacidade produtiva. Em termos relativos, os engenhos mais produtivos até então eram
os da Capitania de Itamaracá e os da jurisdição de Igarassu. Em termos absolutos, os da
freguesia da Várzea (jurisdição de Olinda).
O início da produção sistematizada de farinha de mandioca teve vez dentro de um
quadro administrativo mais complexo após a vinda de Nassau e do Alto Conselho. Até
1636, era o Conselho Político que exercia a maior autoridade nas conquistas. A partir de
1637, Nassau e seus ministros implementaram as câmaras de escabinos (schepenen) nas
diversas jurisdições (jurisditien) que especificamos acima. O papel dessas câmaras
analisaremos mais adiante. Por enquanto, basta-nos saber que os escabinos ficavam, entre
outras funções, com a fiscalização da finta de farinha que cada engenho deveria fornecer.

474
Breve discurso sobre o Estado das quarto capitanias conquiatadas, de Pernambuco, Itamaraca, Paraiba e
Rio Grande, situadas nap arte setentrional do Brasil. In: MELLO, Fontes para a História do Brasil
Holandês.

173
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O incremento da produção de farinha se deu no mesmo momento da retomada da


produção de açúcar nos engenhos. A “guerra velha” destruiu quase todas as propriedades
e seus materiais de produção. O grau de dificuldade em “pacificar” a conquista através
das campanhas de expulsão das tropas de resistência luso-brasileira para o sul concorria
com a retomada da produção açucareira.
Outro dado é o crescimento demográfico em torno do Recife. Essa informação,
que dificilmente pode ser precisada, fica sempre no campo da especulação. Pela altura do
ano de 1641, além da população do Recife, que girava em torno de cinco a seis mil
pessoas, agrupavam-se próximas várias aldeias de brasilianen. Essa concentração
populacional deve-se sobretudo ao fato também de que entre Itamaracá e a Várzea do Rio
Una se situar a grande maioria dos engenhos moentes. O investimento na retomada da
produção açucareira era alto. Para se ter uma noção, num engenho puxado a bois, o
investimento chegava a pouco mais de 2000 florins anuais. Os gastos incluíam o salário
do feitor (375 florins), o mestre de açúcar (150 florins), o purgador (37florins e 10
stuivers), o responsável pelo carregamento da produção (225 florins), madeira para
475
carvão (375 florins) e reparações na instalação (750 florins).
Em fins de1637, a Companhia dispunha de 7000 alqueires de farinha de mandioca
476
para abastecer um efetivo de 2250 soldados e marinheiros. É bem possível que a
conquista de São Jorge da Mina, que ocorreu poucos meses antes e saiu do Recife, tivesse
se beneficiado da farinha de mandioca no abastecimento das tropas. Futuramente, a
conquista de Angola, em 1641, precisaria de muito mais.
Como foi dito ainda no início deste capítulo, o entendimento da produção de
farinha de mandioca no período nassoviano passa pela compreensão da administração
local. Mais especificamente, eram os escabinos que, juizes nas diversas jurisditien da
conquista, deveriam cobrar uma espécie de finta ou contribuição do produto. Assim é
que, em abril de 1639, o escabino da jurisdição de Olinda, Gaspar Dias Ferreira,
informou a Nassau e ao Alto Conselho a situação dos moradores das freguesias da
Várzea, Muribeca, Santo Amaro e Cabo de Santo Agostinho. O fato é que os ditos

475
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 26/05/1637. Este cálculo não leva em consideração
os bois e os escravos. O cálculo para a produção do engenho em questão era para 25 tarefas de cana-de-
acucar, que poderia render 500 arrobas de açúcar.
476
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/11/1637.

174
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moradores não conseguiram plantar a quantidade exigida e pediram, através de Dias


Ferreira, que o Alto Governo abrisse mão de metade da quantidade exigida.477 Uma das
“desculpas” fornecidas pelos moradores é que não só as roças não vingaram, mas “a
velha farinha foi consumida” (de oude mandioqua geconsummeert). Certamente, nessas
freguesias, a passagem de uma agricultura de subsistência para uma agricultura de maior
escala talvez não fosse tarefa fácil. O fato é que, no ano de 1639, segundo os cálculos de
Hermann Waetjen, o quilo da farinha custava mais do que o do trigo.
A organização do plantio adquiriu ares de mais organizada em julho de 1639,
quando Nassau e o Alto Conselho lançou um edital (placard), para que cada senhor de
engenho e lavrador, tanto holandeses quanto portugueses, plantassem 500 covas de
mandicoca por escravo num espaço de 6 meses.478
A distribuição de farinha por quotas fixas pelos moradores locais obedecia ao que
na Guerra dos Trinta Anos chamava-se “sistema de contribuição” (kontribuitionssystem),
ao que se referiu Evaldo Cabral de Mello. No entanto, o mesmo se referiu ao “sistema de
contribuição” nos termos da resistência luso-brasileira, em que

“durante a resistência, o provimento do Arraial e seguramente de outras praças-


fortes foi confiado a vivandeiros (expressão utilizada por cronistas como frei
Manuel Calado e Brito Freyre), um método mais apropriado à existência
relativamente sedentária de guarnições do que a um exército em marcha”.479

Parece que esta forma de “cota fixa” também valia para os holandeses, sobretudo
quando se trata de um exército cuja maioria do efetivo estava confinada em fortificações.
Prática de aprovisionamento européia aplicada no Brasil nassoviano.480
O preço do alqueire de farinha, por volta de 1642, foi fornecido por Johan
Nieuhof, segundo o qual

477
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 12/04/1639. Onde se lê: “Welcke alles
geconsidereert sijn goet gevonden de bovengesegde freguesias te remitteren, de hefte van de farinha daer
opgefinteert waeren”.
478
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/07/1639.
479
CABRAL DE MELLO, Evaldo. Olinda Restaurada, op. cit. p. 193.
480
Idem. Paro lado luso-brasileiro, o kontribuitionsystem, segundo o autor, foi adotado sobretudo a partir
de 1635, quando o exército estava acampado ao sul da Capitania de Pernambuco.

175
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“o governo dá por mês aos soldados holandeses e nativos meio alqueire (7 litros)
de farinha, a cada um. O preço do alqueire, na média, regula quatro florins, ora
mais ora menos”.481

Segundo Watjen, para o período da administração nassoviana, “a farinha não era


exportada, pois toda a produção era consumida no país, sem nada restar”.482 Seria mesmo
difícil a exportação deste gênero, dada a constância e volume das campanhas
empreendidas pela WIC em várias partes do Brasil. O autor também assegurou que a
remessa de farinha de trigo não cessou, mesmo com a produção de farinha de mandioca,
“afim de que a colônia se achasse sempre garantida, no caso de estrago das plantações
483
pelas intempéries ou por força das inundações”.
Outra peculiaridade do sistema de cobrança por contribuição imposto por Nassau
e o Alto Conselho é que a cobrança e fiscalização era tarefa da administração local civil e
não por militares. É que o relativo clima de paz que passou a existir a partir de 1637,
como fora para os luso-brasileiros nos anos analisados por Cabral de Mello, permitiu uma
certa calma da administração superior para implantar um modus operandi administrativo
que permitisse a fiscalização nas freguesias sem as urgências de uma guerra imediata.
Apesar disso, o desconforto rondava as freguesias, de forma que as tropas luso-brasileiras
não davam trégua aos holandeses e cruzavam constantemente as fronteiras do Brasil
holandês, atingindo diversas jurisdições e destruindo plantações de cana-de-açúcar e
roças de mandioca.
Também era possível que militares ajudassem na fiscalização, sobretudo nas
freguesias em que ainda não existissem os escabinos. Foi o caso do Coronel Hans Koin
que reportou à administração superior que a Freguesia de Serinhaém levantaria 3.200
484
alqueires de farinha a partir de 175.670 covas de mandioca plantadas. A notícia era de
julho de 1639 e a promessa da farinha era para dentro de um mês.

481
APUD. Waetjen, op. cit. p. 446.
482
Watjen, op. cit. p. 447. O autor também assegurou que a remessa de farinha de trigo não cessou mesmo
com a produção de farinha de mandioca.
483
Idem. P. 447.
484
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 22/07/1639. No qual se lê: “ De Heer colonel Coin,
rappoteert mede soo dat volgens de Commissie hem opgeleyt, hij de rossas hadden doen texeren in de
fregasie van Serinhain ende onder alle de invonders bevonden te sijn 175670 covas van achtman den ende

176
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As roças de Serinhaém, freguesia situada ao sul da capitania de Pernambuco,


certamente seriam bem vindas às tropas da WIC. Já o responsável pela administração da
capitania de Itamaracá, Pieter Mortamer, informou que aquela região produzia 20.000
alqueires farinha. No entanto, o mesmo reforçou a necessidade de se tomar parte dessa
produção para o sustento dos moradores locais (de inwoonders met souden behouden om
te leven). 485 A produção de farinha por alqueire de Itamaracá, mais de cinco vezes maior
que a freguesia de Serinhaém, pode nos dar bem a medida de que ao norte de
Pernambuco o plantio da mandioca já estava bem consolidado. Talvez isso se devesse ao
fato de que esta parte da conquista estivesse menos vulnerável aos ataques luso-
brasileiros. Não foi à toa que o pequeno comércio, já visto no capitulo anterior, teve
início naquela área, que incorporava a jurisdição de Goiana. Na própria ilha de Itamaracá,
já é sabido que o incremento da produção de víveres, incluindo a farinha, já se fazia
desde antes da vinda de Nassau e do Alto Conselho. Já as freguesias ao sul de
Pernambuco, como é o caso de Serinhaém, ficaram até 1636, e mesmo depois, sujeitas
aos ataques das tropas luso-brasileiras vindas da Bahia. Muitos militares a serviço da
Companhia andavam nas matas do sul a destruírem e causarem terror à população local,
fato este que já foi bem documentado.
A produção de farinha da jurisdição de Olinda também era bem menor do que a
da capitania de Itamaracá. Ficava em torno de 2.320 alqueires. Curioso é que a produção
da freguesia da Várzea do Capibaribe, apenas 253 alqueires, contra 828 da freguesia de
Santo Amaro e 876 de Muribeca. Isto talvez se explique pelo fato de que na Várzea a
produção de açúcar tivesse retornado de forma efetiva, uma vez que lá, por essa época,
aproximadamente 50 engenhos moíam. Sobravam terras para a mandioca?486 Na
jurisdição de Olinda, ao contrário da Capitania de Itamaracá, o número de engenhos
moentes era na ordem de 12 ou treze unidades (de um total de 20). Logo, sobravam terras
para a mandioca.

daer em boven out, welck getaxeert, nae consideratie van iegelijcx gront ende vruchtbaerheijdt als desselfs
sullen t samem aen de compagne binnen den tijt van een maent uitleveren 3.200 alquer farinha”.
485
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 26/07/1639.
486
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 23/08/1639. Na qual se lê: “ Alsoo de Schepenen
van Olinda met haer districten nos lijsten hebben overgelevert hoe veel farinha de volgende freguesias os
souden leveren uit de mandioques die boven de 8 maenden out sijnd te weeten: Moribequa (876 alquires);
St Amaro (828), de Varges (253 ½), Biberibe (76 ½); Paratibi ende Jagoaribi (285)”.

177
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Até o momento, pudemos observar que o conhecimento das condições de


produção de farinha pelas diversas freguesias demandava algum tempo, de forma que
houve, conforme condições específicas, diferenças na produção de cada uma. Outro dado
importante é que as chuvas poderiam influir no resultado final do fornecimento da quota
de mandioca. Enquanto a parte sul da capitania de Pernambuco, zona climática conhecida
como Mata Úmida, o índice pluviométrico era alto, ao norte de Pernambuco, a Mata Seca
propiciava, pela menor quantidade de chuvas, uma maior produção de farinha. Logo, o
clima funcionava como uma importante variável na produção da “munição de boca”.
Parece que a farinha não era suficiente para abastecer os soldados das guarnições.
Em novembro de 1639, o Alto Governo recebia notícias dos comandantes dos efetivos
das guarnições de Serinhaém, Una, Alagoas, Porto Calvo e até mesmo da Paraíba, que
diziam que os moradores não vinham fornecendo farinha (dat sij geen farinha naer de
eijsch ofte nootdruft voor de guarnisoenen van de inwoonders connen becomen).487
Viviam apenas com um pouco de pão de trigo. Assim, as “necessidades das guarnições”,
sendo mal atendidas, faziam soçobrar os sonhos da WIC de ocupação do Nordeste.
As guarnições acima esperavam ansiosamente pela chegada de suprimentos dos
Países Baixos. Por isso, percebe-se que, muito embora não estejamos nos “tempos
difíceis” de Wanderbuch, o problema do abastecimento das tropas continua no Brasil
nassoviano. A tentativa de racionalizar a produção de farinha não encontrava o sucesso
na prática.
No caso do Nordeste, se havia divergências entre os modelos de colonização
português e holandês, como bem observou Sérgio Buarque de Holanda, as dificuldades
de abastecimento local laçaram com igual força a coroa portuguesa e a Companhia das
488
Índias Ocidentais. Se havia plano de abstecimento da WIC para a ocupação do
Nordeste, o mesmo não incluía o abastecimento sistemático das tropas com a farinha

487
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 08/11/1639. Quem enviou as cartas se referindo às
dificuldades do abastecimento de farinha nas diversas guarnições foram o Coronel Coin (Serinhaém), o
Capitão Preston (Una), Major Piccart (Paraiba), Capitao Preston (São Lourenço), Major Mansfeld
(Alagoas) e o Diretor Bas (Porto Calvo).
488
Segundo Sérgio Buarque de Holanda, “o sucesso de um tipo de colonização como o dos holandeses
poderia fundar-se, ao contrário, na organização de um sistema eficiente de defesa para a sociedade dos
conquistadores contra princípios tão dissolventes. [...] O que faltava em plasticidade aos holandeses
sobrava-lhes, sem dúvida, em espírito de empreendimento metódico e coordenado, em capacidade de
trabalho e coesão social”. Ref. Raízes do Brasil, p. 62.

178
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local. Foi só com o correr da presença no Brasil que o Conselho Político e,


posteriormente, Nassau adotaram um “plano emergencial” de abastecimento. Dessa
forma, portugueses e holandeses se assemelhavam pelo fato de agirem segundo as
necessidades do momento. Assim sendo, portugueses e neerlandeses se assemelhavam no
pragmatismo. Nassau não transpôs o problema do abastecimento, herança de seus
antecessores.
A falta de víveres para as tropas limitava a expansão neerlandesa no Nordeste
como veremos no exemplo a seguir. Em maio de 1635, o Conselho Político justificava a
dificuldade em se enviar um maior efetivo para operações no litoral da Bahia da segunte
forma:

“O fato de não podermos mandar mais soldados imediatamente está relacionado,


de um lado, com a grande falta de provisões que nós temos neste país e, por
outro, porque os marinheiros dos navios que se encontram em Barra Grande
estão sendo utilizados na ocupação de Porto Calvo em campanhas terrestres”. 489

Numa outra ocasião, em setembro de 1635, o Conselho Político festejava a


expulsão das tropas luso-brasileiras do Rio Grande do Norte até São Gonçalo. Mas
lamentava a presença das tropas comandadas por Matias de Albuquerque e o Conde de
Bagnuolo ao norte de Alagoas. Para derrotá- las, pensavam os conselheiros políticos e os
oficiais militares que deveria se fazer uma grande ofensiva que contasse com
embarcações bem abastecidas. Após várias conjecturas e reuniões, concluíram os
administradores o que se segue:

“Nós compartilhamos da opinião de que uma embarcação bem abastecida é


difícil de se arranjar, principalmente porque lugares como a Paraíba e o Cabo de
Santo Agostinho devem ser abastecidos urgentemente com víveres e outros bens
[...]”. 490

489
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 29/05/1635.
490
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 13/09/1635.

179
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Na mesma ata do governo holandês mencionada logo acima, o Conselho Político


deixava exposto a herança do mau abastecimento que legariam a Nassau na seguinte
passagem:

“[...] se levou em consideração que o exército deverá ser abastecido


continuamente de farinha e animais, assim como outros lugares que quase não
têm mais nada. Para realizar esta operação quase não teríamos mais dinheiro em
caixa e os portugueses não querem vender a crédito porque muitos já estão lhes
devendo. Levando em conta alguns assuntos, torna-se claro porque o conselho
terminou a reunião neste ponto e que os outros pontos serão discutidos na
próxima reunião depois que tenhamos discutido sobre este problema”. 491

Estes exemplos citados acima nos mostram bem as limitações da expansão


territorial batava em função da dificuldade de aprovisionamente. Da mesma forma,
algumas décadas antes, os portugueses sentiram nas suas campanhas de conquista da
Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Maranhão.
A importância dada à farinha de mandioca por Nassau encontra mais um
precendente na administração que o antecedera nas proposições do conselheiro Jacob
Stachouwer. Apresenta- nos uma notulen:

“O Senhor Stachouwer proprõe, tendo em vista que nós não temos condições de
comprar bastante farinha por causa da escassez de meios líquidos e tendo em
vista que a farinha de trigo que chegou aqui em abundância não é tão nutritiva
como a farinha de mandioca, se não é aconselhável fazer uma troca da farinha de
trigo pela farinha de mandioca com os portugueses [...] o mesmo foi aprovado
sob a condição de que no mínimo a troca seja feita pela mesma quantidade de
farinha de mandioca que temos em farinha de trigo, isto em benefício da
Companhia”. 492

Em 1640, o medo do mau abastecimento das tropas holandesas chegava num


momento em que o iate Siara trazia ao Recife a informação de que os espanhóis
491
Idem.
492
Idem, 08/04/1636.

180
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493
preparavam uma armada para atacar o Recife. Nas recomendações que foram dadas
aos comandantes de diversas guarnições, um delas era de que deveriam, através de seus
aprovisionadores, juntar toda a farinha disponível para a possível utilização em
campanhas. Assim fez os Comissários de Bens Hondius e Alber Gerritz com a farinha do
Cabo de santo Agostinho. Era necessário se ter provisões para os 12 navios que serviam
494
na ocasião no Brasil.
Apesar das reclamações dos chefes das diversas guarnições, em novembro de
1639 na Paraíba, os escabinos mandavam dizer que poderia se esperar muito da
contribuição da capitania, porém não informando a quantidade de farinha a ser
produzida.495 O aviso vinha em boa hora para as guanisioen (guarnições) que estavam
estacionadas lá. Um mês depois, o conselheiro Daniel Alberti informava que se
esperasse, num curto prazo, a quantia de trezentos alqueires de farinha. A população
496
local, na falta do produto, se sustentava com milho e bananas.
De uma forma geral, pouco se sabe acerca da adaptação dos soldados da
Companhia das Índias Ocidentais à farinha de mandioca. É possível, contudo, que nem
todos os soldados se afeiçoassem à raiz. Pelo menos na crônica de Pierre Moreau, a
farinha de mandioca “causa aos europeus, quando se alimentam sempre dela, o mesmo
efeito: ataca e ofende o estômago e, com o correr do tempo, corrompe o sangue, muda a
497
cor e debilita os nervos”. Talvez possamos ver com reservas as considerações de
Moreau, uma vez que suas crônicas se referiam à fase final da ocupação holandesa no
Brasil, numa fase de grande desestruturação da produção de víveres. Soma-se o fato de
que é possível que os víveres que viessem dos Países Baixos estivessem estragados,
provocando problemas de saúde aos soldados que os consumissem. Esse exemplo já
vimos nos primeiros anos da ocupação, sobre os quais nos referimos anteriormente. Mas
Pierre Moreau nos dá uma outra pista, que é a de que o Recife e a Cidade Maurícia

493
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 13/11/1639.
494
Idem, eram os navios De Witte Leeu, Tertoolen, d’Eendragt, de haes, Westwouderkerk, De Prins, Prins
Hendrick, de Hoope, de Saeijer, de Stockvis e Soutkas.
495
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 21/11/1639. Onde se lê: “De schepen van Paraiba
van wegen de gemeente der selver Capitanie remonstreren dat haer landen soo veel farinha met connen
uitgeven als tot behouff van guarnisoen ende haere families van noode hebben…”
496
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 21/12/1639.
497
MOREAU, Pierre. História das ultimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses e relação da
viagem ao pais dos tapuias (Roulox Baro). – Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1979, p. 46.

181
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(edificada na Ilha de Antônio Vaz a mando de Nassau) se abasteciam às largas dos


víveres provenientes da interlândia em seu entorno. Pelo menos isso ficou claro no caso
da falta de “frutas e refrescos” que os moradores do Recife sofreram nos últimos anos da
ocupação holandesa, porque “privados de todos os socorros dos campos”.498
A tentativa de se aumentar a produção de farinha imposta por Nassau, nunca
atingiu um nível satisfatório. José Antônio Gonsalves de Mello descreveu bem este
desconforto ao tratar da constante insuficiência na sua distribuição. Nas fortificações, a
situação da carência de víveres chegava a tal ponto que Nassau afirmou: “ai os ratos
499
morrem de fome nos armazéns”. O autor de Tempo dos Flamengos tratou a política de
produção direcionada de farinha de mandioca implementada por Nassau como um sinal
de preocupação dele em relação à monocultura. Dessa forma,

“apesar, porém, de todas as dificuldades, de todos os vexames suportados


pelos moradores e da insuficiência das colheitas, Nassau persistiu na sua
política de incrementar a produção de farinha, combatendo, como podia,
os efeitos da monocultura”.500

Para Gonsalves de Mello, havia mesmo “um programa” de Mauricio de Nassau para
501
combater a monocultura, tendo como principais opositores os senhores de engenho. A
atividade açucareira, com toda a sua complexidade, exauria a mão-de-obra escrava. No
final das contas, não dava tempo aos escravos de trabalharem na plantação e corte da
cana e, na entresafra, produzir a finta de 500 covas exigidas pela administração
superior.502 Vale salientar que os lavradores ficavam com a obrigação de fornecer 1000
alqueires de farinha.

498
Idem.
499
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit Brasilie. 1640. onde se lê: “ in forten sonder
vivres, daer de ratten in de magasijnen van honger sterven”.
500
MELLO, op. cit. p. 152.
501
Idem, p. 153.
502
Segundo Mello, “já ficou referido que, em 1637, os Vereadores da Câmara de Olinda previram uma
fome geral, porque os moradores haviam alugado os seus negros para a plantação de canaviais. Em 1639 os
senhores de engenho e lavradores alegaram que não poderiam plantar, ao todo, 500 covas de mandioca por
escravo nos meses de janeiro e agosto, porque em agosto e setembro os negros estavam ocupados com o
corte da cana, o seu transporte,a moagem etc.”

182
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Outro aspecto a ser considerado seria, talvez, a insuficiência de mão-de-obra


escrava para o cultivo da mandioca. Para os anos de 1638, 39 e 40, o número de escravos
vendidos em Pernambuco era de, respectivamente, 1.711, 1.802 e 1.188. Parece muito,
mas parece também que este número de escravos para o período em questão não
satisfazia ainda à demanda para a produção total dos engenhos da conquista. Para ser ter
uma idéia, a população escrava em Pernambuco antes da chegada dos holandeses era de
aproximadamente 5.000 almas. No auge da importação de escravos para Pernambuco, os
503
holandeses puderam contar com pouco mais de 5. 500 deles, no ano de 1644.
Na tensão do cotidiano, as notícias que vinham de fora da conquista poderiam
interferir no deslocamento de um determinado efetivo de uma para outra região.
Consequentemente, o local que “abrigava” a tropa, pela proximidade, deveria fornecer a
farinha necessária. Em início de 1640, a WIC teve “muitas informações de que os
inimigos estavam armados com 56 velas e havia se alojado em Alagoas vindos da Bahia”.
Dentre essas embarcações, havia 33 navios de guerra (oorlogschepen). Como mesmo
informou a brieven, tal esquadra “estava destinada a permanecer naquela costa com o fim
único de fazer guerra”. Diante desse quadro, instalou-se o medo e as medidas para o
abastecimento foram tomadas. Desde janeiro, as tropas do major Mansveldt estiveram em
Alagoas, retirando-se logo em seguida para Porto Calvo, onde os moradores foram
intimados a fornecerem mais farinha. Parece que aí as tropas de Mansveldt receberam
muita farinha (heeft ons seer veel farinha uitgelevert). Estas situações exigiam bastante
do abastecimento das tropas. Especificamente, nessa mesma época, soube-se no Recife
que Filipe Camarão e Capitão Barbalho haviam cruzado o Rio São Francisco com um
efetivo de 1.500 homens, indo se estabelecer em Alagoas. Diante desse quadro, o Major
Cornelis van der Brande escrevia ao Alto Conselho no Recife, pedindo medidas com
relação ao aprovisionamento. Van der Brande estava no limite da conquista, no Forte
504
Mauricio.
Essas notícias mobilizavam todas as fortificações holandesas. Por extensão, os
moradores ficavam de sobreavisos. Diante desse quadro de medo e tensão, não fica difícil

503
WAETJEN, op. cit. p. 487. Sobre o numero de escravos encontrados pelos holandeses em Pernambuco
quando da invasão em 1630, considerou Hermann Waetjen: “muito longe estavam de satisfazer às carências
de trabalhadores escravos para o serviço agrícola na colônia”.
504
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.

183
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imaginar que o incremento da produção de farinha por Nassau tivesse se dado mais pela
necessidade de abastecimento imediato das tropas do que mesmo pela preocupação do
príncipe em acabar com os malefícios da monocultura. Homem de Guerra, prático nas
estratégias, Nassau saberia bem procurar alternativas para encontrar recursos locais de
abastecimento. Antes mesmo de vir ao Brasil, ele estava bem informado do hábito da
plantação de farinha pelos moradores.
A falta de farinha atingia sobretudo a população civil mais pobre. Dois anos após
as publicações dos editais para a produção de farinha, o Alto Governo informava que
“não se podia mais obter farinha e carne da terra” e que “a farinha disponível chegava
505
agora ao fim”. Na substituição da farinha, alimentavam-se de milho.
Por vezes, a Companhia contava com algum apresamento. Em 24 de abril de
1640, o navio holandês Alckmaer chegou ao Recife trazendo uma caravela que cruzava o
litoral da Bahia com uma boa carga de víveres. A embarcação havia saído de Lisboa no
dia 5 de fevereiro transportava trigo, óleo, bacalhau e outros produtos. O apresamento foi
comemorado por Nassau e o Alto Conselho, principalmente quanto ao bacalhau, dada a
“necessidade de carne em diversas partes, as quais serão supridos por mais 4 ou 5
506
semanas”.
As campanhas militares empreendidas além do rio São Francisco causavam
diversos males a população civil. Em meados de 1640, Nassau expediu uma structie ao
Coronel Hans van Koin que comandou uma expedição ao norte da Bahia (noord qwartier
van Bahia) e, uma de suas ordens era a destruição de plantações de mandioca que
507
encontrassem pela frente. Isso ficou bem especificado no artigo 9 da Instrução. Por

505
Idem. Onde se lê: “de farinha en vlees is niet langer uit lant te becomen, men moet de armen
inwoonderen die maer twee aff 3 koeyen hebben om van de melck met haer kinderen t eleven deselve
affperssen, jae met gewelt nemen ende noch sijnder soo qualijck meer te krigen. De farinha is nu ook gans
te eynde […]”
506
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 7 de Maio de 1640. Onde se lê: “De bekomene bacaljau slaecht ons seer wel in dese in
dese schaersheyt van beesten, om dat wij het gebreck van vlees in verscheyden plaetsen binnen t’lands
daermede voor 4 aff 5 weecken suppleeren, doende aen yder 3 tt visch tot 5 stuyvers tt ter weecke tot
rantsoen uitgeven”.
507
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. “Instructie van wegen sujn Excie voor
den Ed. Gestrengen Hans van Koin Colonel gaende als hooft ende generael commando hebbende over de
troupen ende de scheepen die men voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontrent op des viants boden, dese
naest maenden te doen begienen ende onderhouden” Recife, 23 de maio de 1640.

184
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vezes, a remessa de víveres era prejudicada pelo fato da mercadoria se estragar. Certa
vez, o navio do vrijluiden Abrahan Geurtsen, perdeu mais da metade de sua carga.
A insuficiência do abastecimento de farinha de mandioca pode ser percebida pela
falta da farinha de trigo. Em meados de 1641, Nassau e o Alto Conselho confirmou
claramente que “o trigo é o mais necessário de todos os mantimentos e é o que agente
mais espera que se traga”.508 A expectativa do “pessoal de guerra” (krijsvolck) pode
indicar mesmo a preferência que os soldados da WIC tinham pelo trigo em detrimento da
farinha de mandioca. Isso reforça a opinião exposta acima por Pierre Moreau, da
inadaptabilidade dos soldados da Companhia à raiz da terra.
As dificuldades alimentares do “pessoal de guerra”, contraditoriamente, geravam
algum dividendo para a própria Companhia, uma vez que na falta de comida, “gastavam
509
os seus penningen nos armazéns” da Companhia. A dieta era complementada pelo
estoque de peixe enviado dos Países Baixos que remanesciam nos armazéns da WIC. A
carne de boi atingia um alto preço em razão da carência de animais. Muitos deles estavam
510
sendo utilizados em atividades nos engenhos (moagem e carro de boi).
Em Angola, as tropas holandesas sitiadas em Luanda compravam mantimentos
dos portugueses que ocupavam o interior ao longo do rio Kuanza e nas regiões
Massangano e Cambambe. Também lá, como bem observou Alberto da Costa e Silva,
quando ambas as partes não estavam em conflito, faziam comércio entre si. Dessa forma,
os holandeses compravam aos portugueses principalmente manteiga, queijo e azeite.511
Na África centro-ocidental, as brigas intertribais influenciavam bastante o abastecimento
dos soldados da WIC. Enquanto em Pernambuco fornecimento de farinha enquanto
gênero de primeira necessidade era prejudicado pela insuficiência do solo e destruição
das roças por campanhistas luso-brasileiros, nas proximidades de Angola, os portugueses

508
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 1641. Onde se lê: “ Het meel is het noodigste van alle vivres, dat best kan verwaert
worden, ende aen den man gebracht worden”.
509
Idem, “ …, dan hare penningen in de magasijnen te besteeden. Met de stockvis die bij Uwe Ed e.
gesonden wort…”
510
Idem.
511
SILVA, Alberto da Costa. A manilha e o libambo: a Africa e a escravidao (1500-1700). – Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 466.

185
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construiram um arraial na foz do Rio Gango (por volta de 1643) com o fim de destruir as
512
terras que os congueses cultivavam para abastecer os holandeses.
Tudo leva a crer que, na África, a destruição sistemática de roças como tática de
guerra de ambos os lados era mais prejudicial aos holandeses que mesmo aos
portugueses, de forma que é bem possível que a WIC houvesse recorrido aos víveres do
Brasil. No entanto, a carestia alimentar teve mais uma “solução local”, de forma que os
holandeses sentiram-se obrigados a negociar com os portugueses um comércio sem
hostilidades. Finalmente, para Alberto da Costa e Silva, “teriam sido, aliás, as
necessidades de abastecimento – em torno de Luanda, a terra era sáfara e pouco produzia
– o que moveu os flamengos a negociar o documento”.513
A farinha de mandioca poderia alimentar os escravos nas viagens de volta ao
Brasil. Nessa perspectiva, o aumento do tráfico de escravos a partir da conquista de São
Jorge da Mina pela WIC poderia ter demandado uma quantidade cada vez maior de
farinha. A troca deste produto por escravos pode ter sido, o que não foi regra, efetuada a
partir da segunda década do século XVII em Angola pelos portugueses.514
Sobre os números do comércio de escravos, tem-se como valor estimado a
quantidade de pouco mais de 23 mil “peças de negros” (stucks negros) entre os anos de
1636 e 1645. O auge da importação de escravos se deu no ano de 1644 (5.565),
515
coincidentemente o último ano da presença de Nassau no Brasil. Mas o local de onde
provinham os escravos vindos para o Brasil não eram os mesmos. Mesmo após a
conquista de Luanda, em 1641, muitos escravos provinham dos portos mais ao norte, da
Costa da Guiné, Mina, dos portos de Calabar, do Cabo Lopez e de Ardras. Antes da
conquista de Angola, em 1641, e mesmo bem antes de se dedicarem ao tráfico negreiro,
conheciam bem os portos ao sul do Cabo Lopez para adquirir sobretudo marfim. Mesmo
estabelecidos na Mina e em Axim, a WIC procurava controlar, como destacou Alberto da
Costa e Silva, “os escoadouros do ouro”. O mesmo também observou que, mesmo em El

512
Idem, p. 469.
513
Idem.
514
Idem, p.864.
515
WAETJEN, op. cit., p. 487. A tabela de escravos vendidos no leilão do Recife e apresentada por
Hermann Waetjen é fruto de informações colhidas no “Anuário Historico Hanseático de 1913”.

186
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Mina, os holandeses iam pegar escravos sobretudo na Senegâmbia para não esbarrarem
nos territórios dominados pelo manicongo. 516

Tabela II

Números do tráfico de escravos para o Recife

Navio Chegada Escravos (peça) Procedência Mortos


De Camel 27
Charitas 29/04/1640 325 Mina e Ardras

Die Swarter 08/09/1640 369 Cabo Lopez e 90


Aercob Calabar
St. Joan Batista 08/09/1640 Cabo Lopez e 90
Calabar
Leeuwine 08/03/1641 265 Ardras e Calabar 51
De Swarten Arent 30/06/1641 263 Mina e Calabar 60
Thuis 21/10/1641 89 Angola 13
Nassau 07/02/1642 391 Costa da Guiné 60
Matanca 11/03/1642 349 Costa da Guiné 70
- 04/1642 367 Angola e “bosques 43
da Guiné” (t’bosch
van Guinaea)
Leyden 08/08/1642 65 São Tomé e Costa 14
da Guiné
Mauritius 11/1642 312 Luanda -
Prince
Gheelde Rhec 05/01/1643 147 “bosque da Guiné” -
Nassau 26/08/1642 - Guiné e São Tomé -
‘T Wapen van 17/01/1643 - Guiné -
Mademblick
Nassau 232 Guiné -
Het Wapen van 26/01/1643 146 Angola -
Doordrecht

516
COSTA E SILVA, op. cit. , p. 664.

187
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De Camel 12/02/1643 345 Guiné 75


De Beigvis 12/05/1643 350 Luanda “boa parte da carga
morreu”
Den Swarten Arent Guiné -
Bejvis Angola -
Brack 28/05/1643 -
Walckeren 20/10/1643 595 Angola -

Entre março de 1641 e novembro de 1642, foram registrados pelo menos seis
carregamentos de escravos provenientes daquelas partes. Em pouco mais de dois casos, a
517
carga humana veio de Angola. No ano de 1643, a freqüência era maior dos navios
provenientes de Angola. Um deles, o conhecido Walckeren, trouxe ao Recife nada menos
518
que 595 escravos. Vale acrescentar que até a data do leilão, na Rua dos Judeus, a
alimentação dos escravos ficava a cargo da Companhia. Muitas vezes, os escravos
ficavam até uma semana sob responsabilidade da WIC.
A viagem entre Angola e Recife durava aproximadamente 35 dias, já a de El
Mina e Recife demorava mais um pouco. Era necessário prover os escravos durante, pelo
menos, mais de 30 dias. Dada a situação de penúria porque passavam os soldados da
WIC no Brasil, não é de se surpreender que os editais para plantação de mandioca
exigidos por Nassau e o Alto Conselho a partir de 1639 fossem para os escravos do
tráfico. Soma-se o fato de que, dependendo de onde viessem no interior da África, é bem
possível que alguns escravos não tenham se adaptado à dieta da farinha de mandioca nas
519
viagens e no Brasil.
Em se tratando da troca de produtos, por escravos, no caso dos holandeses, vários
produtos comprados em Gênova a baixíssimo custo eram levados para os portos do
520
tráfico.
Votando ao abastecimento de farinha de mandioca, temos que as poucas milhares
de covas que poderiam ser produzidas pelas freguesias de Pernambuco e Paraiba fossem

517
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 1641 (8 de março, 30 de junho, 21 de novembro) e
1642 (7 de fevereiro, 11 de março, abril, 08 de agosto e novembro).
518
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 20/10/1643.
519
COSTA E SILVA, op. cit. p. 870.
520
WAETJEN, op.cit., p. 486. Outros produtos eram trocados por escravos nos portos africanos tais quais:
a cachaça, o fumo, búzios do litoral baiano, pólvora, etc. Ver. Costa e Silva, op. Cit. , p. 865.

188
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insuficientes para abastecer os escravos na viagem atlântica, numa média de pouco mais
de mil peças ao ano. Não bastava a Nassau conquistar o principal ponto de desembarque
de escravos para as Américas. Em principio, a estratégia militar que levou, logo após a
aclamação de D. João IV ao trono, os holandeses a se apoderarem de Luanda foi um
sucesso. Luis Filipe de Alencastro descreve bem as estratégias da WIC até chegar a
conquista de Luanda, em 1641. Segundo ele,

“constatando que Pinda e Mina não davam conta do fornecimento de escravos a


Pernambuco, o Statthouter (Nassau) deixa a Bahia de lado e lança seus navios
sobre o pólo econômico complementar à Nova Holanda. Sobre o maior mercado
atlântico de cativos: Angola”. 521

A tomada de Angola veio num bom momento não apenas do ponto de vista do
abastecimento dos engenhos de Pernambuco pela WIC, mas também pelo fato de os
escravos daquela região estarem mais acostumados à dieta da farinha de mandioca na
viagem transatlântica do que aqueles dos portos da Guiné, mais ao norte de Luanda,
como já foi dito.
O tempo que os navios europeus ficavam nos portos africanos até completarem a
carga de escravos requeria da WIC a manutenção de víveres para a tripulação, agravando
522
assim o abastecimento das tropas. Como um exemplo, temos o navio Nassau, que veio
de São Tomé e da Costa da Guiné em agosto de 1642 e novamente da Guiné em janeiro
de 1643.523
No entanto, o cotidiano da ocupação de Angola e adjacências revelou as suas
armadilhas. Da mesma forma que a WIC não conquistou de pronto o interior de
Pernambuco, em Angola, a interlândia permanecia sob o controle dos portugueses. Nas
freguesias de Igarassu, Serinhaém e na Várzea do Capibaribe é possível que alguns

521
ALENCASTRO, op. Cit. p. 213.
522
Segundo Alberto da Costa e Silva: “Era comum que um navio chegasse a um porto e nao encontrasse
senão alguns poucos escravos disponiveis. Tinha com freqüência de esperar semanas ancorado, para por a
bordo uma ou duas dezenas, muitas vezes a adquirir as peças por unidade, dia a dia. Em geral, velejava de
ancoradouro em ancoradouro, ao longo do litoral, a comerciar em cada um deles, nisto podendo ganhar
meio ano, antes de completar a carga”. P. 867-868.
523
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 26/08/1642 e 26/01/1643.

189
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senhores de engenho e lavradores sonegassem ou fizessem “corpo mole” à finta de


farinha que deveriam dar todos os anos.
Contudo, em algumas situações, poderia haver ‘cooperação’ entre produtores de
açúcar (senhores de engenho e lavradores) e a WIC. Em dezembro de 1643, pouco tempo
entes do retorno de Mauricio de Nassau aos Paises Baixos, houve uma série de
reclamações dos senhores de engenho e lavradores das freguesias da Várzea do
Capibaribe em relação à baixa produtividade de açúcar pela perda de escravos doentes de
bexiga (De sterste uit de Bexigas ofte kinderpocken, die de negros in soo grooter
quantitijt weggenomen heeft [...]) . Em vista disso, a companhia forneceria escravos aos
plantadores em troca de farinha de mandioca (welcke labradores de compagnie negros
sal mogen geven om daervoor met farinha betaelt te worden).
A troca de escravos por farinha foi extendida a outras freguesias. Para resolver o
caso, Nassau e o Alto Conselho deviam enviar duas pessoas a todas as freguesias para
524
escolher os lavradores com maiores perdas de cativos. Parece que, dessa forma,
Nassau podeira obter farinha para o abstecimento de suas tropas.
No auge de sua extensão territorial, o Brasil holandês, não apenas o Brasil, mas
também Luanda, uma outra importante conquista de Nassau, sofria de abastecimento de
viveres. No Brasil, Nassau achou por bem fazer de Alagoas uma espécie de ‘celeiro’ da
conquista batava em março de 1642. 525
Se havia falta de farinha de trigo para o abastecimento dos soldados da WIC no
Brasil, sobretudo no período nassoviano (1637-1644), isto de deve a uma série de fatores.
Na Europa, a Guerra dos Trinta Anos diminuía a produção em muitos territórios. As
próprias disputas no seio da Companhia das Índias Ocidentais, cuja crise financeira já se
esboçava ao longo da década de 30, tornavam os abastecimentos de trigo para o efetivo
do Brasil cada vez mais escasso. Paradoxalmente, os mercadores holandeses foram os
maiores fornecedores de trigo da Europa Ocidental já desde o fim da Idade Média.
Primeiro, mercadores da Liga Hanseática, depois, mercadores sobretudo de Amsterdam
(isso já no século XVII), passaram a centralizar o comércio de grãos em geral a fixar o
seu preço. É certo então que, como afirmou Jean Louis Flandrin, os trigos do Báltico

524
IAHGP. Coleção José higino. Brieven en Papieren uit Brasilien. Dez/1643.
525
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo 2, p. 103.

190
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trazido pelos holandeses “permitiram alimentar populações urbanas cada vez mais
numerosas na Europa Ocidental, e não apenas em tempos de crise”. 526
No Brasil, a possibilidade em se produzir a farinha de mandioca em larga escala
também guardava as suas limitações. A montagem do sistema colonial baseado na mão-
de-obra escrava veio a incrementar o uso da terra na subsistência das populações
escravas. Antes da instalação desse sistema, a produção de mandioca levada a cabo pelos
tupi no litoral não era intensa e não disputava terras com a cana-de-açúcar. Waren Dean
fez uma precisa obervação sobre este pormenor importante ao dizer que “os tupis não
submetiam seus vizinhos a escravidão e tributo, o que poderia ter estimulado o uso mais
intensivo da terra”. 527 Outra observação precisa desse mesmo autor acerca da “produção”
de mandioca pré- monocultura da cana diz:

“Os tupis conseguiam produzir excedentes e estocá-los. O método mais fácil era
simplesmente deixar de colher as raízes de mandioca que amadureciam. Os
estoques assim preservados ficavam mais a salvo de saqueadores e pragas,
embora começassem a perder palatabilidades e qualidades nutritivas após alguns
meses. Na verdade, os solos podem ter sido avaliados em parte segundo a
capacidade de armazenar mandioca. [...] É evidente que suas reservas de
alimentos eram enormes: proviam facilmente grandes frotas espanholas e
528
portuguesas em trânsito com os gêneros alimentícios para a viagem de volta.”

Após a montagem da estrutura canavieira no Nordeste, ficou certo de que o


abastecimento do Brasil não poderia contar com o reino. Crises sucessivas no
abastecimento do reino e espalhamento da cultura da cana-de-açúcar nas ilhas atlânticas e
no Brasil, deixaram pouco espaço para a diversificação da produção agrícola. Ainda no
início da ocupação holandesa, destaca Evaldo Cabral de Mello, “a ajuda enviada pela
529
coroa era toda em homens, armas e munições, raramente em víveres”. Uma vez no

526
FLANDRIN, Jean-Louis. História da Alimentação. – São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p. 537.
527
DEAN, Warren. A Ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. – São Paulo:
Comapnhia das Letras, 1996, p. 49.
528
Idem.
529
MELLO, op. cit., p. 195.

191
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Brasil, a WIC passou a seguir o exemplo dos brasílicos no consumo da farinha de


mandioca.
Evaldo Cabral de Mello ressaltou bem a fracassada política para a obtenção de
farinha de mandioca levada a cabo por Nassau mediante o pagamento de uma quota. Em
alguns casos, frisou o mesmo, o produto era obtido através da violência. Tal atitude por
parte do governo holandês teria provocado muita insatisfação da população local, que
passou a sabotar a política de quotas da WIC. 530 Contrariando a perspectiva de Hermann
Waetjen, segundo a qual “ farinha não era exportada, pois toda a produção era consumida
no pais, sem nada restar” 531 , Evaldo C. de Mello, baseado em Frei Manuel Calado,
reforçou o abastecimento de farinha para os soldados de Angola, São Jorge da Mina e
São Tomé. 532 Contudo, é bem possível que a produção de farinha de mandioca no
governo nassoviano não atingisse quantidade necessária para tal. Finalmente, Evaldo
Cabral de Mello resume a problemática da política de abastecimento do governo
Nassoviano da seguinte maneira:

“A política nassoviana de abastecimento visou assim primordialmente a atender


às necessidades do exército e da burocracia holandeses em particular, e dos
consumidores urbanos, em geral, juntando-se à longa lista dos ressentimentos da
gente da terra, na medida mesmo em que o Brasil holandês, interesses urbanos e
interesses rurais coincidiam grosso modo com conquistadores e conquistados”.533

No Brasil nassoviano, a demanda pela farinha não permitia os estoques de farinha


dos períodos pré e proto-coloniais. Nassau propôs a colonização de Alagoas através do
retorno de portugueses fugidos para a Bahia em 1640. Em opinião contrária, o Conselho
dos XIX preferiu que a região fosse colonizada apenas por neerlandeses e outros de
nações protestantes.
Quem relatou esta relação África Ocidental – Brasil holandês no que concerne ao
abastecimento de víveres foi Gaspar Barléus, observando que
530
Idem, p. 205. O autor considera que “não foram só os lavradores de mandioca a sabotarem a politica
governamental, que criou a insatisfação em todo o meio rural, sendo mencionada por Calado entre as
causas do movimento restaurador de 1645”.
531
WAETJEN, Hermann. Op. cit., p. 447.
532
MELLO, op. cit., p. 204.
533
Idem, p. 206.

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“por esta ocasião, extrema necessidade de mantimento oprimia Luanda, assim


como o Brasil. Não se acreditava houvesse outro remédio para tal carestia senão
a diligente cultura das terras em Alagoas”.534

O historiador laudatório de Mauricio de Nassau observou bem que “declaravam


os portugueses que outrora nem o Brasil os havia provido de vitualhas, sendo preciso
pedi-las a Portugal ou aos ribeirinhos do São Francisco”. 535 Numa generale missive
analisada por Gonsalves de Mello, consta que:

“S. Excia. [Nassau], tendo refletido nessa questão e inquieto com a demora na
remessa de socorros e temendo que agora e no futuro todo este Estado possa estar
ameaçado, pois que, não obstante os editais publicados acerca da plantação de
mandioca, a farinha continua por um alto preço, propôs em nossa reunião de 28
de julho o povoamento das Alagoas, sustentando ser este o único remédio para
evitar a fome neste país, pois que os portugueses informaram que, antigamente,
enquanto as Alagoas estiveram despovoadas, sendo necessário que os viveres
viessem de Portugal, do Rio de Janeiro e de outros lugares longínquos”. 536

Pelo exposto acima, percebemos que a necessidade de aumentar a produção de


mandioca através da ocupação efetiva de Alagoas foi um problema percebido pelos
portugueses desde o início da colonização no século XVI. Mais uma vez, a necessidade
de ocupação dessa parte da conquista mostrou, pela falta de viveres (sobretudo a farinha
de mandioca) o fracasso da política de abastecimento implementada por Nassau.
A necessidade de farinha esbarrou na pouca oportunidade que a agricultura
poderia dar aos emigrados dos Países Baixos bem como aos portugueses, em sua maior
parte já envolvidos com os engenhos moentes. Sobre isso, enfatizou Hendrick de
Moucheron, num relatório acerca da situação de Alagoas em 1643:

534
Tradução de José Antônio Gonsalves de Mello. (Ref. Fontes para a História do Brasil holandês, p. 113)
535
Idem.
536
Idem, p. 117.

193
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“os neerlandeses e os súditos de outras nações, que se passaram para o Brasil a


fim de estabelecer aqui a sua residência, são ordinariamente pessoas de poucas
posses, e as mais das vezes o seu fito é vender alguma mercadoria, estabelecer
taverna ou exercer algum oficio, e poucos são os que se ocupam com engenhos,
com a criação de animais, com a plantação de cana ou a cultura das terras. Do
pequeno número que a isso se tem dedicado, quase que nenhum há que tenha
tirado proveito, não só por falta de conhecimento do trabalho que empreendem,
como principalmente porque, sendo no Brasil as mercadorias européias muito
caras, a agricultura não pode dar os frutos que lhes premitam manter-se
devidamente, conforme a condição que tinham em sua pátria”. 537

Hendrick de Moucheron foi indicado por Nassau e pelo Alto Conselho para
administrar a região de Alagoas, Porto Calvo e São Miguel bem como para estudar as
perspectivas em se recolonizar a região. O estudo de Moucheron conclui relatando que:

“ Dantes era tão grande a abundância de farinha que, muitas vezes, o alqueire se
vendia aí por um schelling, porquanto produziam mensalmente oito mil alqueires,
de sorte que havia uma grande navegação para a exportação de viveres para o
Recife”. 538

O problema do abastecimento de farinha já se revelou deficitário desde o seu


inicio. Num relatório feito pelo Alto Conselheiro Adrien van Bullestrate verificou-se a
seguinte situação na freguesia do Cabo de Santo Agostinho:

“Fiz vir a minha presença os fintadores da freguesia, a saber, Albert Garritsz


Wedda, Filipe Paes e Luis de Paiva, os quais declaravam que todas as semanas
fintavam 34 alqueires [de farinha], que entregavam ao comissário. Feita a conta,
verificou-se que os soldados da guarnição não presisavam senão de 24 alquires.
Ouvido a respeito, o comissário esclareceu que ele ainda não tinha recebido toda

537
Relatório sobre a situação das Alagoas em outubro de 1643; apresentado pelo asessor Johannes van
Walbeeck e por Hendrick de Moucheron, diretor do mesmo distrito e dos distritos vizinhos, em
desempenho do encargo que lhes foi dado por sua Excia. e pelos nobres membros do Alto Conselho. In:
MELLO, op. cit., p. 133.
538
Idem, p. 135.

194
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a finta e que quando recebia mais do que precisava, vendia em proveito da


Companhia”. 539

Longe do Recife, as relações entre funcionários da WIC e fintadores eram


conflituosas. Ao mesmo tempo, muitos moradores que não produziram farinha de
mandioca na mesma freguesia do Cabo se justicicavam perante a WIC com a desculpa de
“fortes chuvas caídas nos meses de inverno e também a grande estiagem”, que
terminaram por estragar os roçados.
Podemos ver que a boa ideía de Nassau em se produzir mais farinha, idéia essa
tão reverenciada por Barléus, não funcionava na prática. Em Ipojuca, a produção semanal
ficava em torno de 12 alqueires, segundo o mesmo relatório. As notas do conselheiro
Bullestrate também se referiram a farinha que foi encontrada em mal estado de
conservação no Forte Mauricio (margem do São Francisco). A providência que seria
tomada a esse respeito foi de trazer víveres dos armazéns do Recife. Enfim, muito
embora o sobretido relatório de viagem de Adrien van Bullestrate trata-se de diversos
assuntos, a preocupação em fiscalizar o fornecimento de farinha para as guarnições era
uma constante. Essa cobrança recaia sobretudo nos ombros dos escabinos. Essa questão
será tratada no capítulo seguinte.
As urgências das operações militares requeriam farinha em quantidades que nem
sempre poderiam ser levantadas. Em meados de 1640, Nassau dava conta ao Conselho
dos XIX acerca da necessidade de farinha para os navios que por hora cruzavam a costa,
além de alertar para o fato de que a farinha se estragava (no caso dos soldados que
marchavam em terra), ao menor sinal de humidade (de shepen op de cust cruydende, ofte
op tochten gaende gaende moeten broot hebben, de soldaten te landwaert in
marchierende, om dat de minste natticheiijt de farinha bederft ...) 540 Percebe-se que o
problema não dizia respeito apenas a obtenção de farinha mas, sobretudo, a conservação
da mesma. A mandioca podia se estragar tanto nas campanhas militares nos “tempos de
chuva” (regenen tijten) como nos armazéns. Para se ter uma idéia, numa expedição

539
Notas do que se passou na minha viagem, desde 15 [sic] de dezembro de 1641 até 24 de janeiro do
anoseguinte de 1642. In: MELLO, op. cit., 148.
540
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em papieren uit brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 07/05/1640.

195
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empreendida por Nassau em direção ao Rio Real, havia necessidade de víveres para
alimentar aproximadamente 2400 militares (entre marinheiros e soldados). 541
Se a contribuição de farinha era fiscalizada pelos escabinos, a compra de alguns
produtos para a WIC de livres comerciantes fazia parte de uma das atribuições do
Conselho Político. Em fins de 1640, este conselho adquiriu de alguns ‘vrijluidens’ uma
boa quantidade de farinha de trigo trazida dos Paises Baixos. Além da função judicante, o
Conselho Político continuava desempenhando a função de aprovisionador, de agentes da
WIC para o aprovisionamento. 542 Na fase que antecede a criação do Conselho de Justiça,
o conselho Político estava em diversos ramos da administração da WIC. Poderíamos
chamar esse arranjo político-administrativo da WIC no Brasil como ‘carente de
organização’? Concentração de mais de uma função num mesmo órgão administrativo se
ria o mesmo que indefinição das funções administrativas? Em vez de respondermos
apressadamente a essas questões, temos que apelar para o fato de que a própria WIC não
tinha um plano estrito e definitivo para a administração do Brasil. Pelo contrário, no caso
do Conselho Político, foi a realidade do cotidiano da conquista que foi mudando a forma
de atuação deste órgão da administração superior.

541
Idem. 05/1640.
542
Idem.

196
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Capitulo IV

O poder local

1. Os escabinos

Uma das medidas administrativas adotadas por Maurício de Nassau foi a


implantação, em grande parte da conquista, das câmaras dos escabinos (shepenen). Essa
instituição respondia pelo poder local em diversas jurisdições dentro e fora da capitania
de Pernambuco.
O objetivo deste capítulo será entender, na medida do possível, o funcionamento
desta estrutura administrativa desde a sua implantação em 1637 até 1644, véspera do
movimento da Restauração Pernambucana. Antes de mais nada, seria bom ressaltar que a
instituição do escabinato, enquanto representativa do poder local nos Paises Baixos,
deriva de uma tradição do poder local que não foi instituído repentinamente na Idade
Moderna. Pelo contrário, os juizes escabinos eram representantes do poder local com
bases sobretudo numa herança medieval.
Antes de mais nada, devemos admitir que as informações sobre os escabinos são
bastante esparsas e, em alguns casos, repetitivas. No entanto, mesmo na dificuldade da
busca de detalhes de seu funcionamento cotidiano, além do que foi observado pelos
trabalhos de José Antônio Gonsalves de Mello, pensamos ser necessário pensar a
instituição do escabinato no Brasil Holandês como a força e a frequeza da administração
nassoviana. Também é difícil acompanhar, nas localidades aonde se formaram as
câmaras dos escabinos, a interferência de outras esferas da administração da WIC, como
o Alto Conselho e o Conselho Político.
Limitando o nosso espaço de análise, temos que a instituição dos escabinos no
Brasil holandês se sobrepôs ao poder local representado antes pelas câmaras. 543 Na
capitania de Pernambuco, ao tempo da invasão em 1630, era a câmara de Olinda a que

543
Segundo Charles Boxer, sobre os escabinos: “ficavam abaixo na escala administrativa os conselhos
regionais ou municipais, criados em 1637, em substituição às câmaras portuguesas”. Ref. BOXER, op. cit.,
p.182. Hermann Waetjen também fazia a mesma comparação, ressaltando a superioridade das câmaras
neerlandesas em relação às portuguesas. Ref. WAETJEN, op. cit., p. 201.

197
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mais influía nas jurisdições locais. Logo, deu-se a existência das câmaras de escabinos
em locais de tradição camarária baseada no mundo português. Mais que isso. Os
544
escabinos administraram toda uma população civil afeita ao modus faciendi da política
administrativa ibérica.
Para nosso estudo, a comparação entre o escabinato e o poder local no império
português é inevitável, ainda que o foco deste capítulo seja contar a história daquela
instituição no Brasil holandês.
A invasão holandesa encontrou um Portugal submetido à casa dos Áustrias. Em
termos de instauração de um modelo administrativo, devemos admitir que os holandeses
encontraram um mundo de tradições ibéricas, em que os poderes locais eram
representados pelas câmaras municipais. Ao tratar desse traço ibérico no início da Idade
Moderna, Stuart Schwartz e James Lockhart ressaltaram o fato de que

“A cidade ibérica, com seus direitos e privilégios tradicionais, suas funções


político-simbólicas e seu amplo domínio sobre os recursos sociais e econômicos
dos habitantes da região, era um teatro de ações de toda a sociedade, e não
apenas metade de uma dicotomia urbano-rural como pode ter acontecido com
mais freqüência no norte da Europa”. 545

Para esses autores, a “cidade ibérica” regia, através de seus vereadores das
câmaras municipais, as atividades econômicas de seu entorno. Assim, por mais que a
fonte de riqueza local estivesse assentada no campo (na atividade canavieira), os
detentores desta riqueza tinham uma “base urbana”, ou uma referência urbana. Podemos
admitir esta situação para o poder local na capitania de Pernambuco dos séculos XVI e
XVII que, assentados sobretudo na produção açucareira dos engenhos do interior, tinham
os seus interesses representados pela câmara de Olinda, principal nicho do poder local.
As declarações apresentadas acima acerca da quebra da dicotomia rural- urbano na função
da cidade no mundo ibérico vêm em consonância com o que considerou Sérgio Buarque
de Holanda, segundo o qual os neerlandeses eram uma.

544
Ao longo deste capítulo usaremos as palavras escabinos e escabinato, sendo os primeiros aqueles que
exerciam o cargo e, o último, o próprio cargo, a instituição.
545
A América Latina na época colonial / James Lockhart e Stuat B. Schwartz. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 22.

198
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“população cosmopolita, instável, de caráter predominantemente urbano [...]


estimulando, assim, de modo prematuro, a divisão clássica entre o engenho e a
cidade, entre o senhor rural e o mascate, divisão que encheria, mais tarde, quase
toda a história pernambucana”. 546

Ainda na perspectiva de Schwartz e Lockhart, temos a seguinte descrição genérica


do poder local ibérico:

“No nível local ou provincial, o órgão principal, o Conselho Municipal, era


também colegiado; era ainda mais isolado que os outros, porque, embora as
nomeações precisassem da sansão real, eram, em última instância, geradas
localmente. Os membros do conselho eram cidadãos importantes e não
funcionários treinados, e os conselhos, que representavam interesses locais, não
pertenciam, em essência, ao governo real”. 547

Finalmente, tanto Schwartz como Lockhart percebem o governo ibérico moderno


com fragmentado, muito embora “uma faceta essencial da sociedade”. Para eles, “a
ideologia de um estado ativista já surgira, mas não seria nada mais do que palavras até
que acontecimentos posteriores, a partir do século XVIII, começassem a lhe dar mais
548
substância”.

Nos países ibéricos, a politica local respaldava os interesses comerciais locais. No


caso de Pernambuco, era o comércio do açúcar. No nascente capitalismo mercantil, a
atividade açucareira ligava Pernambuco aos maiores portos de comércio da Europa
ocidental, tal qual ficou salientado no primeiro capítulo deste trabalho. Assim, ainda que
o poder local, através da câmara de Olinda, tivesse uma expressão provinciana, os
546
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 63. O
autor complementa a idéia argumentando que “Esse processo urbano era ocorrência nova na vida brasileira,
e ocorrência que ajuda a melhor distinguir, um do outro, os processos colonizadores de “flamengos” e
portugueses. Ao passo que em todo o resto do Brasil as cidades continuavam simples e pobres
dependências dos domínios rurais, a metrópole pernabucana “vivia por si”.
547
Idem, p. 30.
548
Idem, p. 32.

199
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interesses de seus representantes ecoavam para os quatro cantos do espaço Atlântico.


Para o comércio do açúcar, concorreram capitais genoveses, sefarditas dos Países Baixos
e, não raro, sevilhanos com representações em Lisboa e Porto. Pernambuco era uma parte
desta cadeia. 549
No clássico estudo Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, a administração
moderna do estado português baseava-se sobretudo no patrimonialismo burocrático.
Contudo, ele chama a atenção para o sentido moderno de burocracia. Esta então, não
seria a que se entende atualmente, “como aparelho racional, mas da apropriação do cargo
– o cargo carregado do poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da
esfera própria de competência [...]”. 550 Raymundo Faoro encerra a sua visão do Estado
moderno português qualificando-o da seguinte maneira: “ ... não é uma pirâmide
autoritária , mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação , com respeito à
aristocracia dos subordinados”. Essa visão geral do modo de governar português
apresentada por Faoro baseia-se na perspectiva clássica de Max Weber, notadamente do
seu livro Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade). Através sobretudo da
classificação dos “modelos de administração” propostos por Max Weber, Raymundo
Faoro qualificou a “dominação legitima” no Antigo Regime lusitano como a baseada no
551
carisma.
Na capitania de Pernambuco, é bem provável que existisse mais o carisma da
”nobreza da terra”, espécie de elite local que plantava açúcar e ocupava os postos de
vereadores na câmara de Olinda. A relação da capitania de Pernambuco, através de seu

549
Sobre a atividade comercial na Península Ibérica moderna, afirmaram Schartz e Lockhart: “
Antigamente era comum encontrar afirmações de que os ibericos evitavam ligações com os negócios e
eram, no fundo, anticomerciais. Embora seja verdade que os italianos, e em especial os genoveses, tenham
desempenhado papel importante no desenvolvimento do comércio de longa distância no mundo ibérico, os
habitantes da Península tinham seus próprios mercadores e suas próprias tradições comerciais. Os
genoveses e europeus do Norte forneciam bens manufaturados à Península em troca de produtos agrícolas
de Castela, sal e peixe de Portugal e certa quantidade de artigos de luxo vindos de toda a Península. Mas
havia ibéricos que competiam ou, às vezes, cooperavam com eles: castelhanos de Burgos e de Medina del
Campo (cidade totalmente comercial, com uma feira famosa) que participavam do comércio exportador de
lã, mercadores e investidores portugueses em vinho e açúcar, que se concentravam em Lisboa e no Porto e,
naturalmente, as grandes familias catalãs de Barcelona”. (Idem, p. 35)
550
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. – São Paulo:
Globo, 2001, p. 102.
551
Em nota, esclarece Raymundo Faoro: “ Distingue o sociólogo alemão [Max Weber], em contribuição
original à ciência política, três tipos puros de dominação legitima: a racional, a tradicional e a carismática.
A autoridade repousa sobre a entrega emocional , extraquotidiana, à santidade, heroísmo ou exemplaridade
de uma pessoa e das disposições por ela criadas ou reveladas [...] Op, cit., p. 845.

200
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poder local, com a coroa portuguesa oscilou entre a obediência e o auto-governo. Mais
obediência do que autonomia. As vilas fundadas no Brasil vieram, ainda na perspectiva
de Raymundo Faoro, antes do povoamento. 552 Impõe-se uma ordem jurídico-politica
antes mesmo de se povoar. Finalmente, a visão deste autor acerca do poder local pode ser
resumida na seguinte passagem:

“Uma visão moderna do instituto poderia desorientar o historiador, acaso


seduzido com o self-government saxônio: o município não criava nenhum
sistema representativo, nem visava à autonomia que depois adquiriu,
abusivamente aos olhos da coroa. A base urbana era o desmentido à entrega do
poder aos latifundiários, base mais tarde alargada em movimento oposto às suas
inspirações originais.” 553

A perspectiva de Raymundo Faoro acerca do poder local no Brasil, muito embora


desencantada de uma perspectiva contemporânea de representatividade, entendia o poder
central, metropolitano, dentro de uma visão centralizadora. Assim,
“o município, como as capitanias e o governo-geral, obedecia, no molde de
outorga de poder público, ao quadro da monarquia centralizada do século XVI,
gerida pelo estamento, cada vez mais burocrático”. 554

De maneira contrária ao que pensava Raymundo Faoro, outros estudos mais atuais
vieram a contribuir para uma perspectiva diferente acerca da centralização do poder no
Antigo Regime. Dentre eles, destacam-se os de Antônio Manuel Hespanha, para o qual os
poderes do rei eram bastante limitados na formação do Estado Moderno. Essa limitação
dos poderes do monarca no Antigo Regime, encontrou eco também nos trabalhos de
Emmanuel Le Roy Ladurie e Xavier Pujol. 555 Para Antônio Manuel Hespanha, existiu um

552
Segundo o autor: “Os primeiros municípios criados no Brasil, com o nome de vilas – São Vicente e
Piratininga, de onde sairiam São Paulo e Santos – precederam ao povoamento. A organização jurídica
modelou o estabelecimento social e a ordem econômica.” Op. cit. p. 171.
553
Ibidem.
554
Idem, p. 172.
555
Ver: LE ROY LADURIE. Emmanuel. O Estado Monárquico. França (1460-1610). – São Paulo:
Companhia das Letras, 1994; PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e
culturais entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII. In: Penélope: Fazer e
desfazer historia, n. 6, Lisboa, 1991.

201
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equívoco, por parte de historiadores pós Revolução Francesa ao analisarem as instituições


no Antigo Regime. Essa idéia pode ser resumida na proposição de que, no domínio da
história institucional, alguns historiadores impuseram “acriticamente ao passado as
categorias, as classificações e os paradigmas do presente”. 556 Nesse sentido, projetou-se
para os séculos que antecederam ao Iluminismo uma visão de poder na qual o poder
político se opõe aos interesses particulares. Para António Manuel Hespanha,

“na verdade, a teoria social e jurídica da Idade Média e da Época Moderna,


embora distinga o interesse dos particulares do interesse geral, considera-os
como componentes harmônicos duma unidade mais vasta, o bem comum. Em
termos tais que o fim do poder não seria a prossecução dum interesse diferente
do dos particulares, eventualmente à custa dum certo sacrifício do interesse
destes últimos , mas a salvaguarda da natural harmonia desses interesses, quer
entre si, quer com o interesse superior da comunidade”.557

Por fim, António Manuel Hespanha destaca que, entre as “deformações” que o
“paradigma estadualista” imprimiu a história institucional do Antigo Regime foi a noção
de separação (trennungsdenken) entre os direitos público e privado. 558 Em resumo,
baseado na perspectiva do teórico alemão Otto Brunner, conclui Hespanha acerca do
poder no período em questão:

556
HESPANHA, António Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. – Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, s/d, p. 25. O autor afirma que a perspectiva de “Estado” contemporânea (o
“paradigma estadualista”) foi empregada ao Antigo Regime. Segundo ele: “uma manifestação desta
tendência é constituída pelo uso, na historiografia sobre a sociedade e o poder político pré-revolucionários
do “paradigma estadualista” e das conseqüentes contraposições entre “Estado” e “sociedade civil”,
“interesse público (direito público)”/”interesse primeiro (direito privado)”. Para ele, esta distinção entre
Estado/sociedade civil, só passou a predominar no fim do Antigo Regime, “ embora se possam encontrar
manifestações incipientes destas distinções na literatura política e jurídica anterior [...]”. Op. cit., pp. 26-27.
557
Ibidem, p. 29.
558
Concepção desenvolvida por Otto Brunner, da qual faz uso o autor. Segundo Hespanha: “coube a O.
Brunner um papel central na critica do “paradigma estadualista” na historiografia política e institucional do
Antigo Regime europeu. A sua obra central é expressamente dirigida contra a “idéia de separação”
(trennungsdenken) que, a seu ver, reduzira e distorcera as perspectivas históricas sobre o sistema de poder
anterior ao iluminismo e à revolução. Brunner propõe, assim, um reencontro entre a história jurídico-
constitucional e a historia social que restaure o caráter global e indiferenciado dos mecanismos do poder no
período pré-estatal e que deixe de novo aparecer o caráter “plural” da constituição política da época”. P. 32.

202
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“caráter globalizante dos mecanismos de poder ou, utilizando uma forma mais
tradicional, confusão entre autoridade e propriedade, pluralismo político e,
consequentemente, indistinção entre “Estado” e “sociedade civil” são, deste
modo, os traços estruturais do sistema político e institucional pré-revolucionário
[...]” 559

Entre a perspectiva de Raymundo Faoro e António Manuel Hespanha sobre o


poder monárquico, temos que este último entende a idéia de soberania como uma
“hierarquização dos vários centros do poder, para uma “preeminência” ou
“superioridade” de um deles sobre os outros, mas não para uma idéia duma posse
exclusiva e ilimitada do poder político pela entidade soberana”.
É esta última perspectiva, utilizada por António Manuel Hespanha, que
adotaremos para a nossa perspectiva do poder institucional no Antigo Regime para
tratarmos das câmaras dos escabinos no Brasil holandês.
A referência que fazemos ao poder local no mundo português se deve ao fato de
que é a estrutura camarária deste mesmo universo que nos serve de parâmetro de
comparação com o escabinato. Não podemos, todavia, esquecermos que tratamos única e
exclusivamente de entender o escabinato no Brasil e sob a tutela da Companhia das
Índias Ocidentais. Certamente, no Brasil, dada a especificidade das circunstâncias, a
história da instituição do escabinato obedeceu a móbiles distintos dos que vigiam nos
Países Baixos. Isso se deveu sobretudo ao fato de que, no Brasil, a necessidade de
interagir com o poder local pré-existente (que se constituía de luso-brasileiros com
representação na câmara) falou alto na implantação dessa instituição.
Apesar de compartimentarmos um pequeno estudo sobre os escabinos no Brasil
holandês em um capítulo, pensamos que o entendimento dessa instituição perpassa vários
aspectos do cotidiano da conquista, que requer discussões de caráter socioeconômicos da
mesma. Afinal de contas, tratamos de um período em que a esfera econômica engloba a
esfera do poder, haja vista a indistinção dos espaços de poder acima mencionada.
Interessa-nos, então, falar do escabinato em relação ao cotidiano da conquista.

559
Idem, p. 36.

203
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Antes mesmo de enveredarmos no tema em tela, devemos entender como os


administradores da WIC passaram interpretar a administração local desde antes da
instalação dos escabinos. Que noção de espaço administrativo os holandeses adquiriram
no Brasil e como passaram a trabalhar esses espaços?
A partir das fontes primárias, desde o início da conquista, fica claro que os
holandeses utilizavam os termos Capitania e jurisdição (jurisditie). O conhecimento
desses espaços jurídico-administrativos, mais pormenorizadamente, só viria com o
tempo. Na medida em que iam conhecendo o território (no sentido geográfico), os
conselheiros políticos, principais responsáveis pela administração pré- nassoviana, iam
desvelando o que desde cedo ouviam acerca da capitania e das jurisdições de
Pernambuco e adjacências. Como nas operações militares, as autoridades civis, em
algumas delas, estavam presentes, os mesmos aproveitavam os momentos de trégua para
colher informações acerca do cotidiano dos engenhos, da produção deles, dos
proprietários que participavam do poder local. Os senhores de engenho tinham, como já é
bem conhecido, assento no senado da câmara de Olinda, cuja jurisdição se estendia até a
região do Cabo de Santo Agostinho.
Nos primeiros três anos, é bem verdade que a constante guerrilha houvesse
limitado a administração neerlandesa à apenas se defender dos ataques luso-brasileiros e
de criar um sistema de fortificação capaz de, pelo menos, assegurar o Recife e seus
arredores. Portanto, pouco tempo deveria lhes sobrar para a administração civil. Foi
preciso arrefecer a guerrilha para que se criasse um cotidiano em que as relações sociais
se restabelecessem para que a administração local passasse a ser possível.
A primeira noção territorial que os holandeses tiveram no Brasil tinha um caráter
mais geográfico para atender a fins militares. Foi através da construção de fortificações
que, num primeiro momento, os agentes administrativos passaram a compreender o
espaço. Assim é que, em maio de 1631, o governador Coronel Wanderburch enviou aos
Estados Gerais da Holanda “o desenho da Ilha de Tamarica (Itamaracá), feito a olho
560
[...]”. A construção de um sistema de fortificação no Recife levou a que, sobretudo, se
conhecesse em detalhes os limites deste território. Nesta mesma missiva citada acima, o

560
“Fragmento ou post-scriptum achado com uma carta do governador D. Van Weerdenburch, em Antônio
Vaz, aos Estados Gerais, e a ela pertencente”. In. Documentos Holandeses, p. 70.

204
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governador prometeu enviar aos diretores da WIC “uma carta de nossa fortificação em
Antônio Vaz [...], mas da próxima vez enviarei uma também de todas as fortificações
561
[...]”.
Mais importante que o Recife, cuja ocupação efetiva só teve vez a partir de 1631,
foi o conhecimento do espaço ocupado pela vila de Olinda que preocupou os holandeses.
Difícil de ser fortificada, a vila de Olinda, situada em cima de um monte, quase que foi
preterida pela Ilha de Itamaracá para ser a sede do Brasil holandês. Nessa disputa, ganhou
o Recife. Numa operação militar à Ilha de Itamaracá, que contou com elementos da
administração civil, produziu-se uma espécie de relatório misto, no qual se narrou o
seguinte:

“[...] depois de trem desembarcado sem acidentes, os delegados do conselho


político, os oficiais superiores das tropas e os chefes da marinha procederam a
uma inspeção local e, segundo parecer unânime, que deram por escrito,
verificaram que diante de uma força como a acima mencionada a cidadela é
inexpugnável, visto como se acha numa alta montanha, tão escarpada de todos os
lados, que nem um homem, que nada tivesse eu carregar, seria capaz de galga-la,
quanto mais com as suas armas. Além disso, em quase toda parte, ao redor, há
pântanos, e de tal forma providos de mato, que não é possível abrir caminho
através dele [...]”. 562

Relatórios como este, para fins eminentemente militares, dotaram posteriormente


os administradores civis para o conhecimento do território que pretendiam administrar.
Aliás, os limites entre a administração civil e militar são bastante estreitos no Brasil
holandês como no Brasil luso-americano. Inserido no século XVII, como já fora dito
neste trabalho, o tema faz parte de uma época em que guerra e administração se
confundiam. Num primeiro momento, o conhecimento territorial dos civis foi obtido a
partir de operações militares.

561
Ibidem.
562
Missiva do Governador D. van Weerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. 31/05/1631. In:
Documentos Holandeses, p. 68.

205
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É num relatório enviado aos diretores da WIC pelo conselheiro político Jan Van
Walbeeck, datado de julho de 1633, é que percebemos a noção holandesa do território
além do senso puramente geográfico. Diz parte deste relatório:

“Para começar pela capitania de Pernambuco (da qual é senhor e proprietário


Duarte D’Albuquerque Coelho, irmão de Matias D’Albuquerque, atualmente
governador desta capitania, e superintendente e inspetor das capitanias situadas
ao norte), esta capitania, de nome e de fato a maior, e ultrapassando de muito
todas as outras, tem seu começo no Rio São Francisco, 50 léguas ao sul do Recife
de Pernambuco e termina cinco léguas ao norte do Recife no Rio de Garaçu
[Igarassu]; neste distrito, contando do sul, as principais freguesias e povoações
são: a freguesia ou penedo de São Francisco, as duas Alagoas, Porto Calvo, São
Gonçalo, Serinhain [Serianhém]. São Miguel de Pojuca [Ipojuca], Santo Antônio
de Cabo [Cabo de Santo Agostinho], Moribeca [Muribeca], Varga de Capiberibe
[Várzea do Capibaribe], São Lourenço e Garaçu”. 563

Ao longo deste relatório, por sinal bastante extenso, todas estas freguesias são
descritas. Nas próprias fontes, os holandeses utilizam literalmente o termo freguesia. Três
anos antes, num outro relatório oferecido aos holandeses pelo brabantino Adrien
Verdonck, o termo ‘freguesia’ não é mencionado. A descrição dos lugares é feita
utilizando-se a denominação ‘povoado’. Desta forma, lugares como Una, Serinhaém,
Ipojuca, entre outros, são referidos enquanto ‘povoados’ grandes ou pequenos. O termo
‘jurisdição’ aparece relacionado à Capitania de Pernambuco, logo, ‘jurisdição de
Pernambuco’. Nas descrições de Verdonck, valiosas em termos geográficos, as
freguesias, definitivamente, não aparecem. 564
Certamente, as intermitências da guerrilha não davam aos holandeses tempo para
o funcionamento da administração local. Assim, o restabelecimento da administração
local após a invasão só se daria afetivamente após a expulsão da resistência luso-
563
“Relatório do Conselho Político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia
das Indias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais a 11 de julho de 1633”. Op. cit., p.
117.
564
“Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adrriaen Verdonck, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630”. In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Op. cit., pp. 35-46.

206
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brasileira para a Bahia. No entanto, como ficou exemplificado no capitulo II, o


restabelecimento do pequeno comércio nos anos de 1635-36, já sinalizava para o
rearranjo territorial. A situação política se resolvia a partir de uma situação econômica,
em que foram importantes os “pequenos proveitos”.
Até 1633-34, as referências às localidades se traduziam nos engenhos, povoados e
aldeias de brasilianen. O regimento da WIC para a administração da conquista não fazia
alusão ao poder local. Nele rezava apenas a instituição de um conselho civil composto
565
pelo Conselho Político e com função judicante. Mesmo assim, haviam divergências
entre as esferas civil e militar. De fato, as competências entre o governo civil e militar
eram quase sempre confundidas. Numa observação de José Antônio G. de Mello:

“O Conselho [político] era presidido sucessivamente por cada um dos seus


membros, por períodos de trinta dias e tinha autoridade superior em toda a
administração. Ao tratar de questões militares ou outras de maior importância
poderia convocar o General e o Governador, isto é, os comandantes superiores da
Marinha e do Exército”. 566

Desentendimentos entre o Conselho Politico e o Governador Wanderburch acerca da


administracao superior da conquista fizeram com que viessem ao Recife dois membros do
Conselho dos XIX, Matias Van Ceulen e Joham Gijselin. Estes ficaram exercendo, até fins de
1634, o cargo de “Diretores Delegados”. Nos anos de 1635 e 1636, o Conselho Político reassumiu
a administração superior nas pessoas de Serveas Carpentier, Willem Schott, Jacob Stachhouwer,
Johan Wijntgis e Ippo Eisens, sendo o cargo de Governador exercido por Sigismund von
Schkopp. José Antônio Gonsalves de Mello apontou que “’é em relação a esse período que
ocorreram acusações graves de extorsões, roubos e até mortes por parte dos mesmos”. 567
Voltando a tratar das jurisdições locais, temos que os holandeses tiveram que
entender primeiro como a população estava inserida numa rede de poder que ligava o rei

565
Segundo Gonsalves de Mello: “ Quando foi decidida a conquista de Pernambuco (1629), o Conselho dos
XIX organizou e os Estados Gerais aprovaram um “Regimento do governo das praças conquistadas ou que
forem conquistadas nas Índias Ocidentais”, isto é, nas Américas. Nele se determinava que elas seriam
administradas por um Conselho (que viria a ser chamado de Conselho Político, isto é, civil) formado por
nove membros, naturais das Provincias Unidas ou nelas residentes há mais de sete anos, professando a
Religião Reformada e versados “nas matérias de policia, justiça e comércio ou, pelo menos, em alguma das
ditas matérias””. Op. cit. p.9.
566
Idem, tomo II, p. 10.
567
Idem, p. 12.

207
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ao vereador da câmara. Vale ressaltar que, quando falamos da população local, tratamos
de senhores de engenho e pessoas de proeminência na capitania. O sentido de jurisdição
que atribuímos aqui entende que o poder político local, representado pelos senhores de
568
engenho, guardava certa autonomia em relação ao poder central.
Examinando as fontes relativas aos anos de 1635-36 podemos ter uma idéia do
papel desempenhado pelo Conselho Político em Pernambuco. Administrando a capitania
da Paraiba, o conselheiro político Serveas Carpentier, em inicio de abril de 1635,
escreveu uma carta ao comissário Crispijnsz pedindo provisões para as tropas lá
569
instaladas. Exercia, assim, uma função de aprovisionador militar, sem ser
necessariamente um militar. Da mesma forma, o responsável pelo aprovisionamento da
Ilha de Itamaracá, o Capitão Jacob Petri, enviava ao Recife algumas pipas de cal. 570 Ao
que parece, essa função podia ser exercida tanto por um civil como por um militar
superior. Não havia uma linha que separava exatamente as atividades do cotidiano
administrativo. A atividade que diferenciava mais um conselheiro político de um militar
superior era a inserção no âmbito da justiça civil, atribuição do Conselho Político. A 11
de abril desse mesmo ano, é sabido que o conselheiro Willem Schott tomava vez nas
operações militares do Coronel Artishoffscki. 571
Por vezes, parece que autoridades civis e militares tomavam decisões em
conjunto. Numa das operações de cerco ao Arraial Velho do Bom Jesus, o Governador
Schkopp, o Coronel Artischoffsck e o conselheiro político Jacob Stachouwer decidiram
juntos acerca do deslocamento de tropas da guarnição de Itamaracá para as proximidades
do Arraial. Foi uma decisão de emergência e ficou registrado na ata de reunião do
Conselho Político que foi feita “oralmente porque o Presidente [Johan] Wijtgis e o fiscal
se encontravam junto ao exército”. 572

568
Cf segundo Hespanha, op. cit. pp. 59-60. “O poder político (a “jurisdição”, na linguagem da época) dos
corpos periféricos constituía então uma limitação inultrapassável do poder central, uma vez que, dada a já
referida concepção patrimonial do poder político, as faculdades (que hoje diríamos públicas) desses corpos
eram consideradas como integradas no seu patrimônio, aí figurando como uma casa ou uma quinta, enfim,
como direitos adquiridos ou radicados que o rei nunca poderia violar”.
569
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 05/04/1635.
570
Idem, 06/04/1635.
571
Idem, 11/04/1635.
572
Idem. Quanto ao presidente do Conselho Político, temos que o mesmo, como fica claro na notulen, se
encontrava em outra área, junto ao grosso do exército móvel da WIC.

208
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A primazia do poder civil sobre o militar fica mesmo evidenciada quando Willem
Schott diz para o Governador Van Schkop permanecer em determinado lugar “a espera
de outras ordens”. O gouverneur,, como é referido nas fontes, não tinha, em relação ao
colégio dos Conselheiros Políticos, a posição de primus inter pares. Certamente o
governador Sigismund Von Schkop se conformava com esta situação. Pelo menos mais
do que o primeiro governador do Brasil holandês, o Coronel Diedrick Wanderburch.
Este, por sua vez, bateu muito de frente com o Conselho Político entre 1630 e 1633.
Da primeira formação administrativa no Brasil holandês, definindo essa relação
poder civil/poder militar, observou Hermann Waetjen:

“Querendo a WIC submeter á sua própria administração as novas terras, junatara


á expedição de Loncq três comissários: Johan de Bruyne [...], Philips
Serooskerken e Horatio Calendrini. Deviam eles,, em nome da Companhia, como
‘Conselheiros Politicos’ – titulo que conservaram daí em diante – assumir a
administração das terras conquistadas. Devia também fazer parte desse Conselho
(Kollegium) o Coronel waerdenburch, nesse ínterim promovido a governador.
Tinha ele assento e voto no Concelho, cabia-lhe exclusivamente a
responsabilidade pelos negócios militares, mas em todos os outros assuntos
nenhum decisão podia tomar sem a aprovação dos Conselheiros Políticos. Não
podia também exercer o cargo de Presidente, o qual era mensalmente alternado
entre os Conselheiros”. 573

Em resumo, os primeiros elementos da administração holandesa a governar


menores porções de território e a tomarem conhecimento das questões locais foram os
conselheiros Políticos. Antes da chegada de Mauricio de Nassau e do Alto Conselho, a
WIC já dispunha de vários relatórios acerca das diversas localidades e freguesias sob o
domínio holandês. 574
De uma forma geral, nos dois anos que antecedem a instalação dos escabinos
(1635-36), as atividades que mais ocupavam os conselheiros políticos eram aquelas
referentes a problemas internos de administração de recursos financeiros e provisões da

573
WAETJEN, Hermann. Op. cit. , p.105.
574
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil holandês. Tomo II. A
administração da conquista.

209
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própria companhia. O contato mais direto com as questões legais com a população luso-
brasileira ainda se fazia incipiente. Com estamos tratando ainda da fase dos kleine
profijten, sobre o que nos referimos anteriormente, a exação da justiça e do policiamento
por parte daquele conselho ficaria em segundo plano. A consolidação da economia, para
compensar as perdas que a WIC havia até então tido com a guerra, exigia uma
fiscalização dos bens (goedenen) e finanças. Nas obras de reparo do Forte Ernestus, por
exemplo, o Conselheiro Willem Schott, que exercia a função de Tesoureiro, foi
encarregado de pagar aos trabalhadores Jan Hart e seu sócio, dos quais foram
descontados “os alimentos e os materiais que eles usaram”. 575 Este é um ponto onde
guerra e administração não se dissociam.
Pelo que ficou exposto acima, o Conselho Politico acumulava funções judicantes,
de administração do comércio e polícia, mas sobretudo na fiscalização do comércio que
os conselheiros atuaram. Numa ocasião, chegou a reunião, como uma das pautas, uma
denúncia de contrabando de víveres que estaria sendo feito pelos navios ancorados no
Recife. A conseqüência dessa denúncia foi a abertura de uma investigação e a promessa
de que “aqueles que estão fazendo contrabando de cargas em seus navios serão
punidos”.576 Os gastos exagerados com a guerra de conquista faziam com que os olhos da
administração civil do Politique Raden não se decuidassem da fiscalização do
aprovisionamento.
Na tentativa de consolidação da economia dos “tempos difíceis”, o
acondicionamento das caixas de açúcar em armazéns era fundamental. Foi assim que se
pediu autorização ao conselheiro Willem Shott para que fosse “reparada com
brevidade”577 uma casa em Muribeca para o acondicionamento do produto. Para tal
necessitava-se de telhas, “dois carpinteiros, pregos e um pedreiro”. A importância de
aprovisonamento de açúcar ao sul do Recife facilitava aos exércitos que por hora
percorriam os engenhos abandonados às margens dos rios do litoral sul da capitania de
Pernambuco. Muito embora o Recife, resguardado por um seguro sistema de
fortificações, fosse o lugar mais propício para o armazenamento de açúcar, era
emergencial para a WIC dispor de outros locais. Na construção de uma pequena

575
IAHGP, Coleção José Higino, Dagelijkse Notulen , 15/04/1635.
576
Idem, 19/04/1635.
577
Idem, 20/04/1635.

210
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fortificação (reduto) próximo ao Arraial do Bom Jesus, quem deu as ordens foram o
Coronel Artischofscki e o conselheiro Jacob Stachouwer. Para esse fim foram
convocados 300 marinheiros. 578 O Conselho Político, dedicando-se efetivamente ao
comércio e a guerra, passava ao largo da perspectiva de poderes locais fora do Recife .
Era preciso que a vida no interior se normalizasse principalmente no litoral sul. Ao norte
do Recife, como já foi observado no capitulo II, na região que compreende Goiana,
Itamaracá e Igarassu, os moradores do interior começavam a retornar para as suas
propriedades.
A administração pré-nassoviana, em meio ainda a uma guerra constante, tinha
uma preocupação mais imediata do ponto de vista econômico. A pilhagem ainda era,
naquelas circunstâncias, uma das formas de se tirar algum proveito da nova conquista.
Era um momento em que a administração da WIC estava mais voltada para si própria.
Ocupava o espaço luso-brasileiro, mas lidava com a própria sovrevivência, tomando
decisão dentro do próprio raio de ação. O contato mais constante com os luso-brasileiros,
os “da terra”, nas questões mais simples do cotidiano, só se daria mais a partir da queda
do Arraial Velho do Bom Jesus (meados de 1635). O governo nassoviano veio a
consolidadar a administração local num contexto de retomada da produção de açúcar e do
comércio em geral.
A situação dos “pequenos lucros”, exposta no segundo capítulo, não era ainda a
da recomposição dos poderes locais nos moldes das câmaras de escabinos. No entanto,
em algumas localidades, as condições para o exercício do poder local estavam em
progresso. Assim, ao falar dos kleine porfijten, estamos indo além da questão comercial e
considerando as primeiras “aliança” entre os holandeses e os luso-brasileiros. E foram
alguns elementos desse “primeiro contato” que vieram a ocupar, tanto como eleitores
quanto como escabinos, as estruturas do poder local. Isso será visto adiante. Por
enquanto, vamos tratar apenas do poder local na ótica dos holandeses antes da
implantação do escabinato por Nassau.
As instâncias administrativas da WIC no Brasil foram descritas por José Antônio
Gonsalves de Mello em termos gerais, servindo- nos até o presente de referência para
quem queira trabalhar a questão político-administrativa no Brasil holandês. O Conselho

578
Idem, 22/04/1635.

211
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Político foi o órgão pensado para administrar questões relativas ao poder policial, justiça
e comércio. 579 Em princípio, o que a WIC imaginava para a administração do Brasil era a
redução do controle de vários espaços a um único órgão: o Conselho Político. Essa
posição “centralista”, que teve como base o Recife, ignorou as injunções locais. A
economia açucareira, espalhada por diversas freguesias, não poderia prescindir de
situações locais de natureza geográfica, política ou social.
Os primeiros relatórios remetidos aos Paises Baixos procuraram entender essas
particularidades. Num relatório acerca da capitania da Paraiba aos Estados Gerais, o
conselheiro Serveas Carpentier compara a Vila de Filipéia (que deu origem à atual João
Pessoa) à cidade de Geertruidenberg na Holanda e deixando bem claro que ali residia “o
Tribunal de Justiça e juntamente o clero e os burgueses”. 580 Das impressões que os
holandeses tiveram ao descrever a capitania da Paraíba, nos interessa saber que
identificaram, no espaço da vila, os elementos da justiça e do comércio. Assim, remetiam
informações aos seus correlatos nos Paises Baixos, muito embora as municipalidades
funcionassem de forma pouco diversa aqui.
Politicamente, as municipalidades nos Paises Baixos gozavam de maior
autonomia que no império português. Ainda que a recente historiografia, sobretudo
brasileira, venha contestando a situação de total subordinação das câmaras no mundo
português ao poder central, elas ainda guardavam um quê de sujeição ao poder do
monarca. Nos Paises Baixos, ao contrário, as formações municipais guardavam uma
considerável autonomia frente ao poder dos Estados Gerais dos Paises Baixos. Na
verdade, todos os municípios possuíam representações nesses Estados. Na formação da
Companhia das Índias Ocidentais, o município que mais contribuiu para sua subscrição
de capital inicial foi o de Amsterdam. E é a essa municipalidade que podemos tomar
como parâmetro ao tratarmos dos holandeses no Brasil. Contudo, desde já, vale antecipar
que não pretendemos fazer nesse trabalho uma tese de comparação extensiva entre a
maior ou menor autonomia das municipalidades nos mundos português e holandês. O
próprio poder centralizador da Companhia das Índias Ocidentais por si só já afastaria a
possibilidades de um self government no escabinato. Assim, a instauração por Nassau de

579
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo II, p. 9.
580
Idem, p.42.

212
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um poder local que combinava elementos neerlandeses e luso-brasileiros poderia dar uma
falsa idéia de autonomia para as administrações locais no Brasil holandês. Nesse sentido,
ainda está em voga a perspectiva de Mário Neme ao contestar a tese de José Antônio
Gonsalves de Mello, segundo o qual o escabinato representou uma fase “democrática” no
“tempo dos flamengos”. 581 Ao descrever parte do funcionamento dessa instituição, Mário
Neme obrsevou:

“Como ocorria no caso do Conselho Político, também os membros dos colégios de


escabinos tinham de julgar as causas segundo o bom entendimento de cada um, e é por
isso que dizemos que talvez em nenhuma parte do mundo ocidental de então a garantia de
direito dependeu tanto da personalidade dos juízes quanto no Brasil holandês”. 582

Nos relatórios administrativos observados por Johannes de Laet, ele mesmo sendo
um dos diretores da WIC, encontramos a influência de algumas pessoas que ocupavam
cargos nas municipalidades mais importantes dos Paises Baixos. De fato, as câmaras mais
importantes dos Países Baixos estavam representadas na administração da Companhia
das Índias Ocidentais no Brasil através de suas câmaras de comércio. Assim, como
poderia existir uma autonomia administrativa no Brasil de poderes locais subordinados a
outros poderes locais? Johan de Laet nomeou com clareza alguns diretores da WIC até o
ano de 1636 e que atuaram como escabinos nos Países Baixos. São eles: Jan Gijsbertsz de
Vries (escabino de Amsterdam), Albert Coenraets Burgh (escabino de Amsterdam),
Willem van Moerberghen (escabino de Leiden), o próprio de Laet (escabino por Leide),
Simon van der Does (escabino por Amsterdam), Warner Ernst van Bassen (escabino por
Amsterdam). Pelas demais câmaras, Zelândia, Roterdam e Mosa e Holanda Setentrional,
não encontramos escabinos como tendo sido diretores da WIC até 1636. É possível que
os escabinos neerlandeses do Brasil nunca tivessem desempenhado esta função nos seus
583
locais de origem.
Diferentemente da Capitania de Pernambuco, em que as freguesias são
especificadas nos relatórios enviados aos Países Baixos, na Paraiba, não se fez esse tipo
581
NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil Holandês. Editora da Universidade de São Paulo: São
Paulo, 1971, p. 219.
582
Idem, p. 221.
583
DE LAET, Johan. Jaerlijck Verhael ... p. 33.

213
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de descrição das localidades. Acerca do controle do comércio de açúcar, o relatório acima


se referiu enfaticamente ao caminho percorrido por esse produto para ser exportado da
seguinte maneira:

“O açúcar estando fabricado e encaixado é conduzido para certos passos ou


armazéns situados à margem do rio Paraíba, para poder ser facilmente
embarcado; há presentemente dois deles, um pertencente a Paulo de Almeida do
lado norte do rio e o outro, que é o principal, a Manuel de Almeida. Esses passos
têm seus privilégios, ninguém podendo ter outro perto dele. Cada caixa que é
trazida ali, paga por todo tempo que permanecer um schelling, se a marcarem,
mais um e se quiserem pesar mais dois; o senhor do passo é mestre de balança
juramentado. Todo o açúcar que é levado ali toma o competente registro num
livro, assim como quando sai de lá. Alguém que leve lá algum açúcar, recebe um
recibo do senhor do passo o qual ele representa juntamente com uma amostra aos
que o quiserem comprar, e, tendo-o vendido, entrega a nota ao contador que
retira por meio dela o seu açúcar”. 584

Essa passagem nos revela, do lado do Conselheiro Político Serveas Carpentier, o


registro não apenas do “caminho” que percorria a produção açucareira na Capitania da
Paraíba, mas dos privilégios do passos e seus detentores. Os holandeses tomavam ciência,
assim, do status quo ante da produção e escoamento do açúcar local. A questão dos
privilégios dos paços envolvia questões jurídicas locais. Qualquer passo na administração
holandesa no sentido de “desconsiderar” privilégios de elementos portgueses anteriores à
invasão, poderia causar problemas na condução do governo local.
Na medida em que iam conquistando espaço, a WIC colocava guarnições em
diversas freguesias. Assim é que alguns conselheiros adiministravam cada qual um
espaço distinto. Em novembro de 1635, os conselheiros Willem Schott e Ippo Eisens
“pediram ao Conselho permissão para partir, a saber, o senhor Schott em direção ao
Cabo, e o senhor Eisens para a ilha de Itamaracá, a fim de colocar tudo em ordem nos
585
lugarem onde eles governavam”. Os conselheiros políticos, civis, assumiam os

584
Idem, p. 50.
585
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 19/11/1635.

214
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poderes locais em função sobretudo da administração militar (víveres, roupas, soldos) e


da interação entre neerlandeses e a população local (visto no capítulo II). Os kleine
profijten surgiram num contexto de administração civil baseada, em parte, em ocupações
militares.
Coincidentemente, as divisões territoriais adotadas pelos neerlandeses
correspondiam às freguesias antes existentes, no caso da capitania de Pernambuco. No
Brasil holandês, as freguesias não foram extintas, apenas mudaram de donos. No entanto,
perspectiva espacial que os neerlandeses empregaram às freguesias não se deu no plano
de circunscrições religiosas. Pelo contrário, a WIC olhou as freguesias como limites
territoriais laicos. Essa inversão na perspectiva do espaço territorial luso-americano por
parte dos neerlandeses reforça a idéia proprosta por Antônio Manuel Hespanha e Ana
Cristina Nogueira da Silva acerca do espaço como “uma realidade construída e não uma
extensão bruta e objetiva”. 586 Se houve impacto nas freguesias após a ocupação
holandesa, ele deve ter se dado mais na noção religiosa que esses espaços sucitavam na
população local, uma vez que a WIC governava um espaço anteriormente inserido na
lógica territorial do Antigo Regime português. No entanto, a freguesia à maneira
holandesa não impediu as relações comerciais entre os produtores de açúcar e a WIC. A
administração neerlandesa impôs à territorialidade luso-brasileira uma territorialidade
econômica, baseada fundamentalmente nas relações entre a Companhia e a produção
açucareira da interlândia. E a isso se adaptaram bem vários senhores de engenho.
Obervemos, finalmente, que os holandeses não alteraram as estruturas econômicas de
Pernambuco, baseadas na monocultura e na escravidão, daí a relativa facilidade com que
alguns senhores de engenho se adaptaram à administração da WIC.
Por outro lado, fica bem claro, através de uma ata de setembro de 1635, que a
preocupação maior de civis e militares na ocupação do território até então conquistado
era mesmo o litoral. Nessa ápoca, o grosso das tropas estava destinado a se posicionar no
Rio Grande (200 homens), Maranguape (150), Paraíba (700), Itamaracá (400), Recife e
fortificações em torno (700), Cabo de Santo Agostinho (250), Porto Calvo (200), Rio São

586
SILVA, Ana Cristina Nogueira da; HESPANHA, Antônio Manuel. O quadro espacial. In: História de
Portugal, op. cit., p. 45.

215
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Francisco (400), Peripueira (200). 587 Essa preocupação com o litoral era bastante
plausível para a época, uma vez que a concepção de superiroridade militar e desfesa dos
588
territórios conquistados se dava eminentemente em termos marítimos.
Pouco a pouco, ao interiorizarem a conquista, a WIC foi se firmando nas vilas do
interior como Goiana e Igarassu. Nessas freguesias, pode-se dizer que também vigorava a
defesa por via naval, só que agora com barcos menores que permitissem a navegação
fluvial. Isso já foi ressaltado no segundo capitulo, entretanto em termos sobretudo
comerciais. Na medida em que um sistema de navegação fluvial se consolidava nas
freguesias da interlândia, cresciam as possibilidades de policiamento e fiscalização da
administração local já na fase de implantação do sistema de escabinato. Ao inicar o seu
governo com a implantação das diversas câmaras de escabinos, Mauricio de Nassau e o
seu Alto Conselho já podiam contar com a ligação eficaz via fluvial entre o Recife e as
freguesias do interior. Por volta de 1637-38, até às vésperas da Restauração
pernambucana (1645), este sistema de comunicação fluvial estava tão consolidado, que as
viagens inter freguesias já quase não aparecem mencionadas nas fontes coêvas de tão
constantes que eram. Esta foi uma conquista dos anos 1635-1636. Logo, a implantação do
escabinato surge também no rastro da consolidação de um sistema de navegação fluvial
que descortinou privilégios locais de moradores que detinham direitos de navegação
sobre determinados passos.
Sobre a transição do modelo político-administrativo luso-brasileiro para o
neerlandês poderíamos admitir uma grande mudança? Pelo menos nas questões
589
comerciais, o que vigorava eram os preceitos do direito romano (gemeene ordre).
Nessa questão, a transição não deve ter sido difícil, uma vez que o direito comum
(gemeene) era uma herança também compartilhada por Portugal. Essa perspectiva foi

587
Idem, 17/09/1635.
588
Ver Olinda Restaurada, op. cit., p. 21. Muito embora Evaldo C. de Mello tenha considerado que a defesa
dos impérios espanhol e português no inicio em fins do século XVI e inicio do XVII era tida em termos
“exclusivamente navais”, o mesmo poderia se dar para os Paises Baixos. A ocupação do litoral por tropas
em diversas guarnições dava grandes possibilidades de cabotagens e empreitadas por partes dos navios de
guerra e marcantes da WIC ou a serviço da mesma. Na conquista do Nordeste pelos holandeses, estratégias
terrestres e marítimas se combinavam. Não é à toa que a superioridade naval neerlandesa afetou
sobremaneira as coroas ibéricas nesse período. O autor considera a importância da defesa naval no caso de
Portugal e Paises Baixos quando afirma que “para espanhóis e portugueses, como mais tarde para
holandeses, ingleses e franceses, o poder naval parecia dotado da mesma eficácia final que se atribuia ao
bombardeio aéreo estratégico durante a Segunda Guerra Mundial e mesmo depois”.
589
MELLO, idem, p. 10.

216
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veementemente defendida, entre outros, por Raymundo Faoro. Na formação do Estado


português o direito romano sobreviveu à Idade Média e à superposição do direito
590
visigodo. Vale lembrar, como foi ressaltado no início deste estudo, que comerciantes
de Portugal e dos Países Baixos realizavam entre si atividades comerciais deste a Idade
Média. Certamente, houve uma espécie de “língua comum” nas relações comerciais de
longo curso entre as duas partes. Entre os séculos XI e XIII, apesar da exígua burguesia
portuguesa desse período, a litoral centro-norte de Portugal era bem conhecido por
normandos e flamengos. Data dessa época o início do comércio de longa distância entre
Porugal e o norte europeu. 591 Já mais tarde, no século XV, a atividade da pesca do
arenque em grande escala pelos Países Baixos irá colocar Portugal no circuito neerlandês
do moeder negocie (comércio mãe) do mares Báltico e do Norte. É que o sal utilizado
pelos holandeses para conservar o arenque vinha em larga escala de Setúbal (sul de
Lisboa). A presença neerlandesa na atividade pesqueira foi identificada por Immanuel
Wallerstein já por volta de 1400, momento em que “a eficiência produtiva holandesa
consumou-se primeiramente sob a forma historicamente mais antiga da produção de
alimentos, neste caso a captura de peixes [...]”. 592
Ao iniciarem as primeiras trocas comerciais após a invasão de 1630, os luso-
brasileiros só haveriam de se adptar ao sistema monetário da Holanda. Contudo, temos
que grande parte dos pagamentos, inclusive de soldos, eram feitos em mercadorias.

590
Segundo o autor: “As colunas fundamentais, sobre as quais assentaria o Estado portugues, estavam
presentes, plenamente elaboradas, no direiro romano. O príncipe, com a qualidade de senhor do Estado,
proprietário eminente ou virtual sobre todas as pessoas e bens, define-se, como ideia dominante, na
monarquia romana. O rei, supremo comandante militar, cuja autoridade se prolonga na administração e na
justiça, encontra reconhecimento no período clássico da história imperial”. Ref. FAORO, Raymundo. Os
Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. – São Paulo: Globo, 2001, p. 27.
591
Na perspectiva do historiador Oliveira Marques” “ Não sobreviveram grandes vestigios de comércio
externo, embora as costas e os portos de Portugal fossem bem conhecidos de normandos e cruzados, que
regularmente faziam escalas por eles, com fins múltiplus, desde o século IX até meados do século XIII.
Podem datar-se, porém, de 1194, os começos de um comércio a longa distância, data em que um navio
flamengo carregado de mercadoria naufragou em costas portuguesas”. Ref. História de Portugal. Palas
Editores, Lisboa, s/d, p.104.
592
WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema mundial moderno. – Edições Afrontamento: Porto, 1974, p.47.

217
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2. Aspectos e conflitos nos poderes locais

A implantação das diversas câmaras de escabinos se deu em maior número na


Capitania de Pernambuco. A título de comparação, na Capitania da Paraíba só existia um
conselho de escabinos. A imediata resposta para essa questão pode nos remeter a uma
afirmação bastante simplista, segundo a qual foi apenas em Pernambuco que a presença
neerlandesa se deu de forma mais intensa. Contudo, uma questão puxa a outra. Não se
devia essa presença “mais intensa” da Companhia das Índias Ocidentais em Pernambuco
a uma conseqüência do fato de que aqui estava concentrada a grande maioria dos
engenhos produtivos do Nordeste, para não dizer do Brasil? De fato, essa explicação
pode nos levar a consideração de fatores econômicos como determinantes de situações
políticas. No entanto, não há como descartar essa versão, sobretudo pelo fato de que os
primeiros relatórios da WIC acerca do Nordeste discriminam muito bem a quantidade de
freguesias e, em seguida, a quantidade de engenhos por freguesia.
Resumindo o que foi a experiência do escabinato, Mário Neme considerou que

“no caso do Brasil holandês, em virtude das funções centralizadoras em


que investira a junta de governo de Recife, as câmaras de escabinos muito
pouco tinham que fazer, na verdade, em matéria de administração
local”.593

Ainda que pertinente e interessante esta visão de Mário Neme acerca das
atividades dos escabinos no Brasil holandês, ela pode nos apresentar uma situação de
“vazio institucional”, segundo a qual a administração local seria dispensável. Este
argumento pode esconder a complexidade da administração das freguesias e a
importância que cada uma delas, quando representada por elementos luso-brasileiros e
neerlandeses, poderia ter no “controle” que o centro administrativo (o Recife) exercia
sobretudo em Pernambuco.

593
Idem.

218
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A invasão holandesa, ao mesmo tempo em que desorganizou a produção


açucareira, desorganizou também a vida local. Dessa forma, tanto os senhores de
engenho como moradores mais simples (chamados vivandeiros pelos cronistas) foram
atingidos por tal desorganização. Nas fontes luso-brasileiras e neerlandesas aparecem
apenas alguns nomes de moradores, geralmente senhores de engenho. Pouco antes da
invasão, os que não eram militares, tanto no Recife como fora dele, eram tratados
genericamente como “moradores” pelas crônicas de Duarte de Albuquerque Coelho. Para
o mesmo, fora os militares, “somente havia os moradores que, por não serem soldados,
nos apertos tratam somente de salvar suas mulheres, filhos e fazendas”. 594 Nessa
narrativa, a referência ao espaço político local aparece na seguinte passagem:

Por meio de bandos, publicou em todas as freguesias de fora [de Olinda] que,
livre e seguramente, podiam vir todos que se achassem prisoneiros por crimes ou
dividas, e segundo procedessem na defesa, se perdoaria aos que não tivessem
parte, conforme as ordens reais que tinha”. 595

A iminência da invasão nos mostra a tomada de decisões de Matias de


Albuquerque sobre as localidades a fim de se engrossar as fileiras da defesa. Contudo, a
principal vila a qual se refere o cronista é mesmo a de Olinda, da qual não poderiam sair
os moradores com suas “mulheres, filhos e fazendas”. Esta foi uma estratégia de Matias
de Albuquerque para conter os moradores da vila na defesa da terra. No Recife, povoação
mais próxima de Olinda, mais ainda assim sob a jurisdição da mesma, moravam
596
aproximadamente 150 pesssoas.
Aos poucos, Duarte de Albuquerque Coelho deixa aparecer as localidades fora de
Olinda, notadamente ao Norte. Assim, foram nomeados os responsáveis pela defesa dos
“distritos” de Paratibi (Paratibe), São Lourenço e Igarassu. Eram eles, respectivamente,
Paulo Leitão, Henrique Alonso Pereira e Pedro da Rocha Leitão. O liroral norte,
especificamente no Forte de Pau Amarelo, estava guardado por um militar que serviu no
Rio Grande do Norte, o capitão André Pereira Temudo. Dos três citados acima, o nome

594
COELHO, Duarte de Albuquerque, p. 24.
595
Idem.
596
Idem, p. 25.

219
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de Pedro da Rocha Leitão, provavelmente morador na jurisdição de Igarassu, aparece


numa relação da produção açucareira de engenhos das capitanias de Pernambuco, Ilha de
Itamaracá e Paraiba. Produtor de açúcar, Rocha Leitão tirou, no ano de 1623, mais de
duas mil arrobas de açúcar branco e mascavado e 674 de açúcar retame. 597 Ele não
estava entre os que mais porduziam açúcar em Pernambuco. Os que mais porduziam,
chegavam a 7, 8, 9, 10 e até 11 mil arrobas de açúcar branco e mascavado. 598 Nas
localidades da Várzea, Muribeca e Santo Amaro mais moradores (senhores de engenho
civis) defendiam as suas localidades. Eram eles, por ordem, Francisco Monteiro Bezerra,
Miguel de Abreu Soares e Manuel da Costa Calheiros. 599 O primeiro, Francisco Bezerra,
produzia em 1623-24, quase 6 mil arrobas de açúcar no ano. 600 De uma forma geral, as
localidades aparecem primeiro nas crônicas nas Memórias Diárias da Guerra Brasílica
num contexto de defesa por seus moradores civis. Talvez sejam a estes ‘moradores’ ou
‘inwoonders’ que se refiram as fontes neerlandesas. Ou seja, morador como sinônimo de
produtores de açúcar.
A instalação do escabinato não foi algo tão simples de ser feito. Pelo contrário,
exigiu toda uma estratégia para que os poderes locais passassem a funcionar em
consonância com os interesses dos ‘poderes do centro’ (Nassau e o Alto Conselho).
Numa notulen de junho de 1637, o governo holandês deixou bem claro que os futuros
escabinos luso-brasileiros deveriam conhecer bem os costumes e leis portugueses (de
601
wetten ende costumen van Portugal). Essa condição, por si só, mostra como os
holandeses não poderiam prescindir das leis anteriores. Nesse sentido, as câmaras dos
esabinos não representaram necessariamente uma ruptura com a situação anterior. Para os
luso-brasileiros, não deveria ser extinto o direiro português. Para os neerlandeses, fazia-se

597
“ Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Pariba – ano de 1623” In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Vol. 1. pp. 28-32.
598
Segundo a “lista…”, os maiores produtores de açúcar (em arrobas) das Capitanias da Paraiba, Ilha de
Itamaracá e Pernambuco eram seguintes: Manual Saraiva de Mendonça (11.620), Jerônimo Couto (10.317),
Jerônimo Paes (9.520), Pedro da Cunha de Andrade (9.035), Gregório de Barros Pereira (9.021) e Antônio
D’olanda (9.000). A média produz em torno de 4 a 5 mil arrobas ao ano.
599
COELHO, op. cit., p. 26.
600
“lista…”
601
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 27/06/1637.

220
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necessário conhecer as leis portuguesas para saber lidar com situações que envolvessem
602
os costumes “do tempo do rei”.
Na função judicante, os escabinos, tanto neerlandeses como luso-brasileiros,
deveriam incorporar dois mundos jurídicos: o neerlandês e o Ibérico. Isto pelo menos em
teoria. Assim, ao contrário da pesrpectiva ‘esvaziada’ do poder do escabinato proprosta
por Mário Neme, pensamos que os escabinos neerlandeses estavam à espera de um
mundo complexo, em que as freguesias dispunham de suas peculiaridades geográficas e
de grupos de poder. A partir de 1637, ano em que se formaram as primeiras câmaras de
escabinos no Brasil holandês, escabinos como Wilhelm Doncker e Jacques Hack já
tinham o conhecimento, senão pleno, quase que total de como funcionavam algumas
localidades em Pernambuco e na Paraíba. Soma-se o fato de que alguns deles, em contato
com elementos do Conselho Político tenham, antes da administração nassoviana, tomado
conhecimento das dificuldades em se administrar qualquer parte do Nordeste até então
conquistada.
Coube ao Conselho Político procurar, em cada território onde se constituiria uma
câmara de escabinos, os moradores mais probos e habilitados em matéria de lei (no caso
dos luso-brasileiros). Este foi o primeiro passo na escolha dos ‘oficiais cicis’ (civille
officianten). Os moradores selecionados nas esferas locais seriam em numero de 20 ou 30
e seriam eleitores que estariam habilitados a selecionar os esbaninos portugueses. A
escolha dos escabinos não seria, pois, fruto de um sufrágio direto. Nem poderia, visto
que, mesmo nos Paises Baixos, onde o sistema de representatividade sugeria um maior
grau de “democracia” (se comparado ao Antigo Regime ibérico), as tomadas de decisões,
inclusive ao nível dos Estados Gerais, davam-se mais num nível de convencimento do
que mesmo por voto direto. Este tipo de sufrágio só faz sentido num mundo pós
Mostequieu, a apatir do qual haveria uma ‘quebra’ da sociedade estamental. Na Holanda
setecentista, mesmo existindo um capitalismo financeiro em curso, a ruptura de uma
sociedade medieval com seus sistemas de representatividades ainda sobreviviam.
Escolhidos os eleitores, feitas as indicações para os escabinos locais, uma lista de nomes
deveria se enviada para que Nassau nomeasse quais escabinos finalmente representariam

602
É bastante comum, nas fonts em holandês, a referência à situações que ocorreram antes de 1630 (ano da
invasão holandesa) como sendo situações que se passaram “no tempo do rei” (tijt van de king).

221
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as suas respectivas localidades. 603 Vale ressaltar que a própria palavra em neerlandês da
época (oficiais civis) guarda uma semelhança direta com o correlato em português
(oficial da câmara). As câmaras deveriam ser renovadas anualmente, seguindo o mesmo
processo eletivo.
Antes de passarmos às primeiras listas de escabinos, devemos fazer algumas
observações com relação ao Conselho Político na implantação do escabinato. De grande
influência na administração da conquista antes da vinda de Nassau, este Conselho
dispunha de informações importantes e das quais Nassau se serviria quando de seu
governo. Servaes Carpentier pode servir de exemplo para esta questão, uma vez que
serviu no Brasil na qualidade de conselheiro político, administrando a Paraíba em 1635 e
36. Havendo ele desempenhado funções administrativas e judicantes no Brasil,
Carpentier apresentou minucioso relatório aos diretores da WIC em 1635, fornecendo
detalhes do funcionamento daquela capitania. De sua experiência administrativa se valeu
Maurício de Nassau ao lhe incorporar na função de assessor do Alto Conselho. Serveas
Carpentier era homem bem relacionado na conquista, tendo como cunhado um Alto
Conselheiro conhecido como Hendrick Hamel, que fora também comerciante no Brasil
604
holandês. Uma outra figura importante, Elias Herckmans, que chegou a Pernambuco
em dezembro de 1635, participou ativamente da administração da Paraíba e do Rio
Grande nos anos seguintes. Herckmans foi responsável por instruir os escabinos
neerlandeses e portugueses no direito civil e criminal vigente nos Países Baixos. 605 Na
sua Descrição geral da capitania da Paraíba, datada de 1639, Elias Herckmans
descreveu bem como se dava a administração desta capitania antes da invasão holandesa.
De certo, nomes de portugueses que foram indicados para escabinos já eram de
conhecimento do Conselho Político nos anos de 1635 e 36.
No início de julho de 1637, foram escolhidos os eleitores dos escabinos da
Paraíba. Uma lista com 15 nomes foi enviada desta capitania ao Recife pelo Conselheiro
Elias Herckmans. A lista dos eleitores era a seguinte:

603
IAHGP, idem. Onde se lê: “ te weten dat den politiuen Raet sal verkiesinge doen van 20 a 30 van de
qualificeerte van de Capitanie die electors sullen sijn soo lange sij leven ende electie doen van ‘civille
officianten”.
604
Informação fornecida por José Antônio Gonsalves de Mello. Ver. MELLO, Fontes para a história do
Brasil holandês, tomo II, p. 51, nota 51.
605
Idem, pp. 56-54.

222
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1. Jorge Homem Pinto


2. Francisco Camelo de Valcáçer
3. Francisco D’orado
4. Henks Fransen
5. Eduard Hunnickhoven
6. Gaspar Fernandes Dourado
7. Jacque van der Neevens
8. Bento de Reguo Bezerra
9. Jan van Pool
10. Samuel Gerards
11. Manuel D’Azevedo
12. Manuel Dalmeida
13. Isaak de Rasiere
14. Pieter van Wijden
15. Cornelis Jucisens

Dos nomes acima, foram eleitos escabinos:

1. Jorge Homem Pinto


2. Isaak de Rasiere
3. Manuel Dalmeida
4. Jan van Pool
5. Gaspar Fenandes Dourado

Vale ressaltar que o processo de eleição de escabinos na Paraiba foi mediado pelo
conselheiro Elias Haerckmans. Este, por sua vez, conhecia bastante os moradores daquela
região, pois foi o primeiro a administrá- la após sua conquista pelos holandeses em fins de
1634. A pressa em se fazer a eleição na Paraiba se justifica talvez pelo fato de ser o
segundo mais impontante porto do Brasil holandês. Essa posição a Paraiba já havia
conquistado no período dos ‘pequenos lucros’ dos anos 1635-36. Após a queda do Arraial

223
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Velho do Bom Jesus (meados de 1635) a Paraíba viveu um clima de recuperação do


comércio, ainda que em pequena escala. Não só a Paraiba, mas também Goiana e
Itamaracá forneceram, como foi visto no capitulo II, os primeiros proveitos para a WIC.
Dentre os eleitos, vale destacar que Isaak de Rasiere já figurava como um conhecido
nosso da fase pré-nassoviana. O mesmo, na fase dos kleine profijten, atuava como
cidadão- livre e havia emprestado grande soma de dinheiro à WIC no Brasil. É provável
que, já por volta de 1635, ele já fizesse comércio na capitania da Paraíba. Parte de seu
capital pode ter ajudado alguns engenhos da Paraiba a retomarem a sua produção. Afora
estas especulações, o certo é que ele gozava de prestígio, pelo menos para a WIC, na
Paraíba. Era importante para a administração de Nassau e do Alto conselho ter como
escabino, entre outros, pessoas de sua confiança nas esferas locais. Rasierre tornou-se
senhor de engenho na Paraiba.
Outro nome da lista de ‘eleitores’, Jorge Homem Pinto, também assumiu a
propriedade de um engenho na localidade. Outro senhor de engenho e eleitor na Paraiba
era Francisco Camelo de Valcacer. Nem Jorge Homem Pinto, nem Francisco Camelo de
Valcacer seguiram Matias de Albuquerque na sua defesa no Arraial Velho do Bom Jesus.
Coincidentemente, são esses dois nomes que encabeçam a lista de eleitores da Paraíba.
Manuel D’Almeida, por seu turno, detinha, antes da invasão, o privilégio de um
importante passo no rio Paraíba por onde atravessava a produção de açúcar. Como já foi
mencionado anteriormente, segundo o relatório de Serveas Carpentier, “esses passos tem
seus privilégios, ninguém podendo ter outro perto deles”. 606 Por fim, Jorge Homem Pinto
e Manuel D’Almeida estiveram entre os primeiros escabinos eleitos da capitania da
Paraíba.
Alguns dos antigos proprietárias abandonaram os seus engenhos e fugiram com
Albuquerque para a Bahia. Foi o caso de Jorge Lopes Brandão, Luis Brandão e Manuel
Pires Correia. Nem todos os senhores de engenho da Paraíba que permaneceram entraram
para lista de primeiros leitores. Assim, Antônio Valadares, Duarte Gomes da Silveira,
Antônio Pinto de Mendonça, João Araújo de Freitas, Fernando Álvares Romão e João de
Souto, que, ao que parecem, permaneceram na Capitania, não lograram espaço entre os
eleitores na primeira lista preparada por Elias Herckmans. Jan van Poel (ou Jan van Ool)

606
MELLO, op. cit., p. 50.

224
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tornou-se proprietário de dois enhenhos (o Espirito Santo e o Santo Antônio). Essa


inversão, ou seja, holandeses se tornando senhores-de-engenho nos revela, num contexto
de exercício de um poder local, que a instituição do escabinato, pelo menos neste aspecto,
não diferia da câmara no mundo português. Houve, em alguns casos, uma espécie de
“continuísmo” na relação ocupação de cargo no poder local/representante de uma
aristocracia agrária.
Diante do exposto, qual seria a lógica de formação de uma lista de eleitores luso-
brasileiros para representar o seu grupo? Pelo menos o argumento simplista de que ser
proprietário de um engenho era garantia de ser eleitor ou escabino não se verificou, uma
vez que alguns deles que permaneceram na capitania não tiveram espaço nessa
conformação de poder.
Um outro critério pode ter sido o conhecimento das leis e costumes porugueses.
Nesse quesito, Mário Neme, ao comparar o conhecimento jurídico dos escabinos
holandeses com portugueses, afirma que estes últimos dominavam melhor o seu sistema
de leis. Para ele:

“É de se presumir que estes juizes dos pequenos núcleos portugueses, arcando


pessoalmente com toda a responsabilidade dos julgamentos, cuidassem de
conhecer melhor as leis, de estudar com maior atenção os casos e de orientar-se,
nas suas decisões, tanto pelas regras jurídicas quanto pelas normas morais e
éticas que regiam o corpo social”. 607

Do lado dos escabinos holandeses, Mério Neme apontou a incapacidade dos


mesmos, dada a inabilidade jurídica de muitos deles. Por outro lado, a falta de habilidade
jurídica poderia ser compansada pela habilidade comercial, de maneira que estes
escabinos holandeses atuassem bem na esfera da fiscalização da produção local de
açúcar. Pelo menos na escolha dos eleitores para a câmara de Porto Calvo, o Conselho
Político foi avisado de que as pessoas mais conhecidas (personen best bekent) da WIC
naquela localidade eram Rodrigo de Barros Pimentel, Miguel Camelo de Queiroga,
Diogo Gonsalves da Costa, Miguel Gonsalves Mazagão e Miguel Barbosa. 608 Não foi

607
NEME, op. cit., p. 221.
608
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/05/1638.

225
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por acaso que Miguel Queiroga e Miguel Mazagão serviram por mais de uma ocasião em
Porto Calvo.
A primeira lista de eleitores do “distrito da cidade de Olinda e Recife”, preparada
pelo Alto Conselheiro Shilt, já era bem maior que a da Paraiba. São eles:

1. Jacob Stachouer
2. Gaspar da Silva
3. Nicolas de Rider
4. Pedro da Cunha Dourado
5. Willen Doncker
6. Pedro Lopes de Vera
7. Elbers Chrisping
8. João Carneiro de Maris
9. Jaque Hack
10. Theodosius Lempreur
11. Fernando Vale
12. Jan Schaep
13. Antônio de Belchiors
14. Matheus Bec
15. Arnau DOlanda
16. Cheristoffel Airschettel
17. Bernardim de Carvalho
18. Bartholomeus van Ceulen
19. Gaspar Dias Ferreira
20. Jos van de Boogart
21. Francisco de Brito
22. Michiel Hendrickx
23. Luiz Braz Bezerra

Essa lista provocou desagrado em alguns eleitores, que apontaram a origem


judaica de Pedro Lopes de Vera (omdat van joodsche geslachte waren), Fernando Vale e
Gaspar Dias Ferreira. Este último, por sua vez, afirmou que os seus antecedentes “eram

226
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cristãos velhos” (oude kristenen waren) e que “era tão nobre quanto os outros que ali
estavam presentes (ende van soo noble geslaerchte des yemant die daer present waren)609
De todos aqueles nomes indicados para votar e serem votados, chegou-se a uma
lista menor de 14 nomes:

1. Jacob Stachouer
2. Willen Doncker
3. Jaques Hack
4. Michiel Hendrickx
5. Christoffel Airschettel
6. Elbert Chrispynsen
7. Francisco de Brito Pereira
8. João Carneiro Mariz
9. Jan van den Boogart
10. Antônio da Silva
11. Gaspar Dias Ferreira
12. Paulo D’Araújo
13. Arnau D’Olanda
14. Francisco Dandrade

Dessa lista de eleitores, Francisco de Brito era proprietário de um engenho na


Várzea, Gaspar Dias Ferreira havia comprado à WIC os engenhos Santa Maria e Santo
André na freguesia de Muribeca. 610 João Carneiro Mariz comprou da WIC o engenho
611
Sibiró de Cima, na Freguesia de Ipojuca e se tornava um novo senhor-de-engenho.
Pelo menos numa lista de proprietários de engenhos das capitanias da Paraíba,
Pernambuco e Itamaracá, datada de 1623, o seu nome não aparece. 612 Arnau de Holanda
era proprietário do engenho São João, na freguesia de São Lourenço. O mais antigo
porprietário de engenho dos até então elencados parece ter sido Antônio da Silva, dono
do engenho São Braz na freguesia do Cabo de Santo Agostinho. O seu nome consta na

609
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/08/1637.
610
MELLO, op. cit., p.86.
611
Idem, p. 83.
612
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Paraíba – ano de 1623”. In:
MELLO, op. cit., p.28.

227
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lista de proprietários de 1623. Dos neerlandeses, Jacques Hack havia adquirido um


engenho na freguesia da Várzea. 613
Sobre a composição das listas de eleitores nas diversas localidades, temos que as
sua composição poderia variar. Em medos de 1639, as câmaras de Olinda e da Paraíba
encontravam-se vacantes. Para Olinda, ingressaram como novos eleitores Jacob Alrichts,
Hans van der Goes e Gillis Kroll. Para a Paraíba, foram escolhidos Pieter Coets e Jaspar
van Sulphen. 614
Realizadas as listas de eleitores e escabinos para as câmaras da Paraíba e Olinda,
no segundo ano de vigência do escabinato, alguns nomes começavam a representar
perigo à administração nassoviana. Do lado luso-brasileiro, enquanto o nome João
Fernandes Vieira, futuro escabino da câmara de Mauricía, adquiria visibilidade e respeito
615
por parte dos holandeses, outros amigos seus caíam em desconfiança. Foi o caso dos
senhores de engenho e também eleitores João Carneiro de Mariz e Arnau de Holanda, em
Pernambuco e Duarte Gomes da Silveira e João do Souto na Paraiba. Esse grupo foi
preso em 2 de agosto de 1638 sob acusação de se corresponder e dar acolhidas aos
campanhistas luso-brasileiros. Segundo conclusão de José Antônio Gonsalves de Mello,
em relação a este episódio,

“foram apreendidos todos os papéis dos acusados e estabelecida uma comissão


de inquérito. Depois de longa demora, nada se apurou contra eles. Entretanto,
morrera na prisão Pedro da Cunha de Andrade, um dos mais prestigiados entre os
acusados”. 616

Talvez esse fato explique a não escolha de um nome como Arnau de Holanda,
tradicional senhor de engenho em Pernambuco, para compor o seleto grupo de escabinos

613
MELLO, op. cit., p.87.
614
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 10/06/39.
615
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , p. 50. Segundo o autor: “Em 12 de agosto, ainda em 1638, Viera arrematou, em
seu proprio nome, por 26.000 florins, o contrato anual da “pensão”, sobre os açúcares dos enegenhos de
Pernambuco. Por esta mesma época (entre 1 de agosto e 6 de outubro de 1638), Viera adquiriu a crédito,
em leilão, “para o Senhor Jacob Stachouwer”, um partido de canas que pertencera a Luís Barbalho Bezerra,
por 28.500 florins”.
616
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , pp. 50-51.

228
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617
de Olinda nos anos de 1638-39. O panegírico Gaspar Barléus registrou esse episódio
da “conjura de portugueses acreditada, mas não provada” ao mesmo tempo em que
celebrava a cessão, por parte de Nassau, brasões de selo às câmaras provinciais para a
autenticação de atos públicos. Também deixou claro que, sobre a suposta counjura,
“esses acontecimentos afrontavam o nosso império, sem consentir que se considerasse
inteiramente feliz”.618 Fica claro que Gaspar Barléus, no intuito de não enxergar a
gravidade da situação que envolvia eleitores e escabinos portugueses, não relacionou os
nomes aos cargos. Por último, pode ter concorrido para a “liberação” dos pró-homens
acima o fato de que o ano de 1638 dava boas perspectivas na safra de açúcar “em razão
das chuvas moderadas e tempestivas, que dava aos agricultores esperança de 18.000
619
caixas”. No caso de Duarte Gomes da Silveira, não foi esquecido, por parte de Nassau
e do Alto Conselho, do “auxílio por ele prestado na expugnação da Paraiba”. 620 Seja
como for, o fato é que, desde o início de sua aplicação, o sistema do escabinato se
apresentava como algo frágil, dada a permanente tensão entre neerlandeses e luso-
brasileiros. Aliás, essa fragilidade da administração holandesa já fora exposta no capítulo
anterior. A base social da economia açucareira, a classe dos senhores-de-engenho,
representava a incerteza aos olhos dos administradores batavos.
O sistema do escabinato se adaptava, no Brasil, às necessidades e possibilidades
do momento. Vejamos dois casos: Em julho de 1639, o Alto Conselheiro Nuno Olpherdi,
em viagem à região do São Francisco, aconselhou Nassau a instituir uma câmara de
escabinos nesta parte da conquista. Dois anos após a instituição do escabinato, a fronteira
sul do Brasil holandês passaria a ganhar um tribunal local. Nuno Olpherdi observou na
região diversos incovenientes naquele distrito, cujos moradores não tinham a quem
recorrer em questões civis e criminais senão à gurnição local. A demora em se instalar
uma câmara de escabinos nesta região demosntra a deficiência da administração
nassoviana em alcançar legalmente todo o território conquistado. 621 O segundo exemplo

617
Como se vê nos anexos, Arnau de Holanda só representará a Câmara de Escabinos da Cidade Maurícia
bem mais tarde, na gestão de 1643-44.
618
BARLEUS, op. cit. p. 103.
619
Idem, p.103.
620
Idem, p.105.
621
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/07/1639. Na qual se lê: “ De edele heer Nuno
Ulpherdi rapporteerende, hoe nodich was in Rio Sto Francisco ook een camera va schepenen geordeneert
werde, met conde de saecke van justitie aldaer waerneme”.

229
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da adaptação do escabinato às realidades locais temos em Porto Calvo. Nesse distrito,


alguns escabinos holandeses permaneceram até três anos seguidos no cargo (o permitido
era de, no máximo, dois anos). Este foi o caso dos escabinos Davids de Vries, Jan
Fletcher e Jacob Welthuisen que serviram em Porto Calvo nos anos de 1642, 43 e 44. O
argumento da administração superior foi de que aí residiam poucos holandeses para se
revezarem na função. 622
Nassau e o Alto Conselho não não deviam temer apenas aos luso-brasileiros, mas
também aos próprios neerlandeses. Em julho de 1639, chegou ao conhecimento da
administração superior, através de informações fornecidas por comerciantes que “muitos
escabinos que regressam aos Países Baixos são pessoas que contraíram muitas
dívidas”.623 O cuidade que Nassau e o Alto Conselho, assessorados pelo Conselho
Político nas diversas localidades, deveriam ter com relação à probidade dos portugueses
que iriam compor as diversas câmaras de escabinos fez a WIC se esquecer da probidade
de seus próprios agentes. A denúncia é de que esses escabinos individados estariam
embarcando de volta para os Países Baixos “sem o conhecimento dos capitães dos
navios” (bujten de kennisse van de schippers). Essa situação acima relatada contradiz as
opiniões de Hermann Waetjen ao afirmar que “enquanto João Maurício teve em suas
mãos as rédeas do governo, a terra conservou-se geralmente quieta, - pelo menos as
capitanias principais foram preservadas de pesadas tempestades”. 624 Hermann Waetjen
relacionou o “controle” da administração por parte de Nassau com a criação das câmaras
de escabinos. A prática mostrou que esse controle não se verificava. Soma-se o fato que
a opinião de Waetjen acerca das câmaras portuguesas era bastante negativa, chegando ele
a considerá- las como “mal organizadas”. 625
Assim, retomando a primeira lista de eleitores de Olinda, foram excluídos Pero
Lopes de Vera e Fernando Vale 626 , considerados ‘inabilitados’ por serem supostamente
judaizantes. Essa intolerância religiosa se deu mais em função de uma oposição dos

622
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/06/1642.
623
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/07/1639.
624
WAETJEN, op.cit. p. 201.
625
Idem.
626
José Antônio Gonsalves de Mello referiu-se a este fato e registrou este episódio. Ref. MELLO, Revista
do IAHGP/separata do vol. 51. Gente da nação: Judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54. Recife,
1979, p. 78.

230
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cristãos-velhos portugueses que não queriam dividir o mesmo espaço de poder como os
supostos judaizantes.
Finalmente, no dia 24 de setembro de 1637, foram escolhidos por Nassau e o Alto
Conselho para exercerem a função de escabinos de Olinda:

1. Willen Doncker
2. Jaques Hack
3. Francisco de Brito Pereira
4. Gaspar Dias Ferreira
5. João Carneiro Maris

Dos três escabinos portugueses escolhidos, cada um representava uma freguesia


diferente, talvez como estratégia de Nassau e do Alto Conselho em não concentrar juizes
de uma mesma região ou freguesia. Foi decidido que eles deveriam residir e Olinda, local
das audiências. Com isso, a vila de Olinda não ressurgia apenas como um conjunto de
edificações, mas também como um locus juridicus, papel que sempre teve na capitania de
Pernambuco.
Um dado importante dessa eleição em Olinda é de que, pela primeir vez, aparece
na documentação a função dos escabinos. Deveriam, sobretudo, administrar a justiça e
exercer o poder policial (justitie ende politie mochten administreren). Mas a notulen
datada de 25 de setembro, um dia após a escolha dos escabinos, deixou claro que os
mesmos deveriam ser instruídos por um membro do Alto Conselho, um membro do
Conselho Político e um Advogado Fiscal sobre os procedimentos legais e de acordo com
o direito dos Estados Gerais da Holanda. 627
Essa eleição de escabinos em Olinda pode ser um caso emblamático, sobretudo
porque nos suscita uma série de questões. Primeiro porque, o cuidado que se teve em
detalhar as funções do poder local, coisa que não foi feita para o caso da Paraíba. Mas
isso não importa tanto, já que era tão óbvio que não carecia de detalhamento em fontes. O
que podemos depreender dessas considerações acima é o interesse que despertava a
função nesse ‘distrito’. E isto também por razões óbvias. Olinda e Recife, unidos numa só

627
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 25/09/1637.

231
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área jurisdiconal, e geograficamente o ‘centro do poder’ na conquesten batava. Isso em si


guardava vantagens e desvantagens para os que iam desempenhar as funções de
escabinos.
Vale ressaltar que as câmaras dos escabinos traziam uma nova realidade jurídica
aos portugueses. A maior diferença entre as câmaras portuguesas e dos escabinos foi
descrita por Mário Neme como se segue:

“[...] nas capitanias portuguesas, nas quais vigoravam as Ordenações do reino,


além das devassas a que estavam sujeitos os julgadores e todos os funcionários
da justiça, das sentenças dos juízes ordinários das vilas e cidades, em causas de
certo valor para cima, autores e réus podiam apelar, primeiro para o ouvidor da
capitania (juiz de segunda instância), depois para o ouvidor-geral da Bahia (com
função de corregedor), e, finalmente, para tribunais da metrópole. Sob os
holandeses, das decisões dos escabinos só cabia recurso, e assim mesmo apenas
em certos casos, para o Conselho Político, cujos membros [...] exerciam também
funções de administração como funcionários subordinados ao Conselho Supremo
[Alto Conselho] e eram, ao mesmo tempo, procuradores dos negócios da
Companhia”. 628

A vantagem mais visível de um poder local junto a um poder central é a de se


estar próximo ao também centro econômico da conquista. Não podemos nos esquecer que
o Recife funcionou como uma espécie de ‘cidade armazém’, para onde convergiam os
principais produtos negociados na conquista. Assim, armazéns de açúcar e pau-brasil,
mercados de escravos e outros produtos, orbitavam em torno de seu porto. Poderia-se
dizer de um Recife como uma miniatura de Amsterdam. Ao tempo de Nassau e do Alto
Conselho, não tínhamos apenas os pequenos lucros, mas os grandes lucros (groote
profijten). O Recife possuía uma população de mais de 3 mil pessoas, a ilha de Antônio
Vaz vivia em meio a um violento processo de especulação imobiliária. Enfim, pelo
menos nos limites destes dois burgos, o comércio vicejava e era interessante a
aproximidade com eles. As possibilidades de contato com várias partes do Atlântico
poderia despertar em indivíduos como o Jaques Hack e Gaspar Dias Ferreira o desejo de

628
NEME, op. cit., p. 222.

232
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empreitadas mercantis com a África Centro-Ocidental e com o Caribe. Não é à toa que
foi por essa época que a ilha de Barbados deu início às suas primeiras plantações de cana-
de-açúcar a apartir de pessoas que estiveram em Pernambuco. Sobre Gaspar Dias
Ferreira, afirmou José Antoônio Gonsalves de Mello que “era um tipo de aventureiro
intelectual, com boa instrução latina e autor de escritos muito interessantes; baseou-se e
sua amizade com Nassau a sua ambição de riqueza”. 629 Por isso depreendemos a
importância, sobretudo para Nassau, da indicação de seu nome para escabino de Olinda.
As possibilidades de progredir comercialmente é um fator que liga uma influência
local (ou uma ocupação no poder local do Recife) através de um cargo judicante aos
objetivos de expansão econômica.
No caso mencionado acima acerca da desqualificação de Pero Lopes de Vera para
a condição de eleitor e escabino de Olinda, ainda que este fosse proprietário de dois
engenhos em Serinhaém (engenho Serinhaém e São Braz), isto não lhe garantiu assento
entre os escabinos.
Na definição da alçada dos escabinos, ficou determinado que os mesmos
atuariam em sentenças de um valor até 100 guldens. Isto já foi refrerido por Hermann
Waetjen e José A. Gonsalves de Mello. Contudo, não foi uma decisão repentiva. Ela só
veio expressa quase um mês após a eleição dos escabinos em setembro de 1637. 630 O que
nos interessa neste caso dos limites das setenças dos escabinos (e a decisão se estendeu à
todas as câmaras ‘dat alle camaras sullen mogen bij arrest setencieren ...’) é que foi algo
que não foi decidido instantaneamente. Pelo contrário, foi necessário praticamente um
mês para que essa decisão fosse tomada. Isso demonstra que a implantação do escabinato
não era algo monolítico e automático. Pelo contário, estava-se tentando uma um modelo
de administração local presente nos países do norte da Europa nos trópicos. Por mais que
a instituição tentasse presenvar a sua origem, os problemas com os quais ela lidou no
Brasil foram bem diversos daqueles vivenciados nos Países Baixos.

629
MELLO, op. cit., p. 52.
630
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/10/1637. Na qual se lê: “op het versouck van de
schepenen van Olinda te weten I wat saecke sende tot wat waerde ofte somme sij bij arrest sullen mogen
sententierenn sijn her datter appel van haere setencie mochte wellen. Soo is met sijn Excellentie goet
gevonden dat alle camaras sullen mogen bij arreste setentieren in saecken die maer een honders guldens
ende daer beneden waerdigh sijnde”.

233
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Por vezes, Nassau e o Alto Coselho eram consultados pelos escabinos de Olinda.
Em fins de 1637, o Alto Governo foi consultado a respeito do pagamento de capitães-do-
mato para a captura de escravos fugidos dos engenhos daquela jurisdição. O
representante dos moradores foi o escabino Gaspar Dias Ferreira. Sobre o assunto foi
aconselhado que os capitães-de-mato deveriam receber 150 guldens anualmente. 631 Essa
figura do escabino enquanto mediador entre os moradores e o Alto Governo pode ser
visto neste caso acima. Teoricamente, eles deveriam ser os olhos do Alto Governo nas
localidades. O que Gaspar Dias Ferreira observou nos engenhos da jurisdição de Olinda
era que a plantação de mandioca no ano de 1637 tinha sido bastante exígua, daí
certamente a necessidade de se ter mais negros para o plantio. 632 Esse caso do pagamento
de capitães do mato jogava a instituição dos escabinos num emaranhado de problemas
estranhos aos Países Baixos. A imersão neerlandesa diretamente no mundo da escravidão,
desde a compra diretas de cativos em São Jorge Mina e Luanda até a captura de escravos
fugidos, reverberava nas instituições do poder local representado pelos escabinos. Vivia-
se no Brasil uma espécie escabinato à maneira atlântica. Nesse sentido, qualquer reflexão
sobra a experiência dos escabinos no Brasil deve levar em consideração a seriedade que
isso implicou. Essa não foi uma experiência simplesmente inócua, como tenta parecer
Mário Neme ao esvaziar o papel dos escabinos no Brasil.
Seis meses depois da implantação das câmaras de escabinos na Paraíaba e Olinda,
chegou a vez do ‘distrito’ de Igarassu, de menor jusrisdição que os demais. Foram
indicados para eleitores:

1. Sebastião Lopes da Fonseca


2. Inácio Paes de Chaves
3. Sebastião Gomes Machuca
4. Sebastião Vieira
5. João Dias Leite
6. Domingos Mendes Braga

631
Idem, 30/12/1638. na qual se lê: “ De cameren van Olinda vooderen versoercht sijnde ons met haer
adveijs te … wat ordre bequamelijcke sonde gestalt werderop de captos do campo ende haere soldadten,
soo geconpacert de shepen Gaspar Dias Ferreira ende gehoort sijn advijs. Is geresolveert dat men de capts
do campo ijder jaerlicx aen gagie van f. 150.
632
Idem. No qual se lê: “ Alsoo voor desen de Camara van Olinda wat voor gehouden, hoe dat de
inwonderen dit jaer wienich mandioque oft rossas souden planten also se alle hare negros gebruyckten”.

234
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7. Thomé Gomes
8. João Freire
9. Marcus Dias de Lucena

Foram eleitos os seguintes nomes:

1. Sebastião Lopes da Fonseca


2. Sebastião Vieira
3. Domingos Mendes Braga

De menor jurisdição, Igarassu não precisou de nenhum holandês. No primeiro


relatório redigido por Nassau no Brasil, em 1638, nenhum dos nomes acima aparece
como proprietários de engenho em Igarassu. Ou situavam-se na classe dos lavradores, ou
633
na dos comerciantes. Um dos senhores-de-engenho em Igarassu era o cristão-novo
Domingos da Costa Brandão, que pode ter sido exluído da câmara dos escabinos pela sua
ascendência judaica, tal qual Pero Lopes de Vera. Costa Brandão era proprietário do
engenho Jaracutinga, sob a invocação de São Filipe e Santiago. Segundo depoimentos à
inquisição recolhidos de alguns cristãos-novos, Domingos da Costa Brandão já residia no
Recife à época da invasão (1630) e exercia também a atividade de comerciante em
634
Olinda.
Olinda, ao contrário tinha uma jurisdição que ia até Ipojuca, no litoral sul. Era o
maior distrito e abarcava várias freguesias, desde a Várzea do Capibaribe até o Cabo de
Santo Agostinho. Essa jurisdição de Olinda, sob os holandeses, correspondia à jurisdição
de Olinda sob os portugueses.
Na Paraiba, um ano após a primeira eleição, o sistema de jurisdição local foi
repensado. Foi decidido por Nassau e pelo Alto Conselho que a câmara da Paraiba seria
constituída por três neerlandeses e dois portugueses. Também foi decidido que, todo ano,

633
MELLO, op. cit., p.89. Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias conquistadas, de
Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do Brasil. Segundo o
relatório, dos oito engenhos de Igarassu, constavam como proprietários os descendentes de Pero da Rocha
Leitão (que foi enforcado no Arraial Velho do Bom Jesus por ter se correspondido com os holandeses),
Manuel Jácome Bezerra, Domingos Velho Freire, Gonçalo Novo de Lira, Domingos da Costa Brandão,
João Lourenço Francez e um outro pertencente à Ordem dos Beneditinos.
634
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: Judeus residentes no Brasil Holandês (1630-54).
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.51. Recife, 1979, p. 67.

235
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permaneceriam dois escabinos do ano anterior (soo is ook geresolveert alle jaren twee
635
van de oude schepenen te continuiren). Essa regra foi descumprida, como no caso de
Porto Calvo citado acima.
Aos poucos, o que seria, segundo alguns historiadores, um “modelo ideal” de
administração das localidades, mostra os seus desconfortos e problemas. Da parte
neerlandesa, havia sempre medo de uma traição por parte de algum escabino português.
Mauricio de Nassau e o alto Conselho, no caso citado acima da maioria de escabinos na
câmara da Paraiba, acataram uma reclamação dos escabinos holandeses preocupados com
a maioria portuguesa naquela jurisdição. O Alto Governo chegou a considerar a medida
como “mais segura para nosso estado” (securder voor onsen staet).
Na segunda eleição para a câmara da Paraiba em 1638, foi feita a seguinte lista de
eleitores:

1. Geraldo Mendes
2. Rafael Carvalho
3. Duarte Gomes da Silveira
4. João do Souto
5. Francisco Camelo de Valcácer
6. Manoel D’Azevedo
7. Meuno France
8. Eduart Munickhoven
9. Gijsbert Dionijs

Nessa nova lista para eleitores na Paraiba ingressaram os senhores de Engenho


João do Souto (engenho Santa Luzia) e Duarte Gomes da Silveira (engenho Salvador).
Não apenas as listas de escabinos eleitos podiam ser modificadas, mas também as
relações de eleitores. Essa “proposição” dos eleitores por parte do governo holandês
colocava no poder local elementos holandeses sobretudo ligados ao comércio.
Dos antigos escabinos, permaneceram Jan van Pol e Manuel D’Almeida. O novos
eleitos foram:
635
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 25/07/1638. A notulen deixa bem claro que estes
escabinos não podem permanecer por mais de dois anos consecutivos (“Hets evenwel dat se niet meer als
enns twee jaren achter den anderen mogen dienen, nider den derden jaer moeten geexcuseert warden”.

236
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1. Alonso França
2. Geraldo Mendes
3. Eduart Munickhoven

Essa constante regulação das esferas locais contrasta com a experiência municipal
nos Paises Baixos. Um estudioso da história da Companhia das Índias Ocidentais, W. J.
van Hoboken, chamou a antenção para a autonomia municipal neerlandesa e a sua relação
com a prosperidade econômica dos Paises Baixos. Levando em consideração alguns
argumentos de Huizinga, observou Hoboken que:

“Ele [Johan Huizinga] rejeita a idéia de que a Holanda deveu a sua


prosperidade econômica ao desenvolvimento de idéias econômicas
avançadas. Pelo contrário, foi essencialmente o velho principio medieval
da liberdade municipal que continuou a dominar a vida econômica.
Huizinga assinala que o vigor interno da estreita organização municipal
não foi suficiente para explicar o extraordinário crescimento da juvem
Republica; foram antes as condições políticas da Europa que permitiram
aos habitantes dos Paises Baixos utilizarem-se plenamente da sua
liberdade e das suas capacidades inatas”. 636

O argumento de Hoboken, levando em consideracão parte do pensamento de


Johan Huizinga, considera a fundação da Companhia das Índias Ocidentais como
conseqüência da liberdade política de um povo que herdou da Idade Média a autonomia
do poder local. Contudo, no Brasil holandês, esses poderes, pulverizados na conquesten,
não eram autônomos na medida em que respondiam às instruções do Consellho Político e
de Nassau e o Alto Conselho. Afasta-se então a falsa idéia de democracia do escabinato
brasileiro.
Se na esfera do comércio portugueses e halandeses se entendiam, o mesmo não se
pode dizer das questões cíveis e criminais. Por vezes, a interferência do Alto Governo
(Nassau e o Alto Conselho) se fazia necessária na aplicação do direito nas localidades.
636
HOBOKEN, W. J. van. A Companhia das Indias Ocidentais: fatores politicos da sua ascensão e
declinio. In. Revista do IAHGP. Separata do vol, 49. Recife, 1977, p. 309.

237
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Passado um ano da primeira eleição para escabinos, o Alto Governo achou prudente que
o Alto Conselheiro Serveas Carpentier e o Conselheiro Político Johan Boedecker

“formulassem instruções para os escoltetos 637 e escabinos em matérias de policia


e justiça bem como ordenações sobre matéria de casamentos e outros necessárias
ao melhor governo. As instruções devem ser estendidas aos secretários dos
escabinos”. 638

Como visto, as “instruções” deveriam ser estendidas aos assessores dos escabinos
para que não houvesse confusão no limite de suas jurisdições .
Analisando a instituição dos escabinos, Mário Neme destacou que a própria
Holanda carecia de uma estrutura jurídica orgânica ao nível dos municípios. Daí, a seu
ver, a ausência, no Brasil holandês, de “um corpo de legislação geral, um corpus júris que
contemplasse o direito publico, o direito privado, o direito penal, o direito processual
639
civil e criminal [...]”. O poder local existia com leis e costumes das províncias da
Holanda e da Frísia Ocidental. Era apenas uma adptação de costumes provinciais dos
Países Baixos em instituições locais na América potuguesa. Baseado no argumento da
“vazio normativo” das câmaras dos escabinos, Mário Neme fechou a questão afirmando
veementemente que “talvez em nenhuma parte do mundo ocidental de então a garantia de
direito dependeu tanto da personalidade dos juizes quanto no Brasil holandês”. 640
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o autor de Fórmulas Políticas no Brasil
Holandês critica o principio de reprentatividade do poder local no Brasil holandês,
exarceba o caráter representativo da câmara no Brasil colonial denominando-a como uma
instituição de “caráter democrático indiscutível”. Em relação a isso, os estudos mais
recentes acerca do município no império português tem desmentido às largas esta visão
do poder local. Para afirmar o que afirmou, Mário Neme se apoiou no fato de que

637
Exerciam função policial e fiscalizavam os escabinos.
638
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. Na qual se lê: “[…] om te formeren instruction voor
de scholtetten ende schepenen in politie ende justitie, als mede ordenantien over huweliijxsaecken ende
andere tot better regeringe nodig sullen beconden warden, ales mede instruction voor secretarissen van de
schepenen […]”.
639
NEME, op. cit., p. 220.
640
Idem.

238
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“as câmaras municipais do Brasil já haviam nascido conformadas e


reguladas por um corpo de leis que lhes dava não só um caráter
democrático indiscutível, mais ainda um razoável grau de autonomia,
deconhecido em paises mais evoluídos da época”. 641

Ocorre que o “corpo de leis” ao qual estavam subordinados os poderes locais no


Brasil nem sempre funcionava na prática. Julgar um melhor ou pior funcionamento de um
poder local pela existência ou não de um conjunto de leis orgânicas seria não considerar a
diferença entre o direito nos livros e o direito na vida, como ressaltou recentemente
António Manuel Hespanha. Assim, Mário Neme comungava de uma perspectiva

“em que o poder era algo produzido pelo direito, nos lugares designados
pelo direito, com os agentes nomeados pelo direito e sob as formas
prescritas pelo direito. Este encerramento jurídico do poder atenuou-se um
tanto com o advento das instituições que, pelo menos, distinguiu mais
claramente o direito dos livros (law in the books) do direito tal como ele
642
era vivido no quotidiano (law in action).

Também não parece plusível, ainda segundo Mário Neme, que a Companhia das
Índias Ocidentais fosse apenas uma organização comercial desprovida de ordenamento
jurídico ou necessariamente incapaz totalmente de conduzir um processo de consquista e
expansão territorial e comercial. O que é justo observar é que a mesma encontrava-se
ainda em seu estágio inicial de vida e, por isso mesmo, muitas “experiências” eram feitas
em matéria de administração colonial ultramarina. Vigorava, na experiência do
escabinato no Brasil, o law in action.
A segunda eleição para a câmara de escabinos de Olinda (em junho de 1638) deu
a maioria para os holandeses. Dos escabinos da primeira gestão, ficaram Willen Doncker
e Gaspar Dias Ferreira, aos quais se juntaram Gaspar van Niehof van der Ley, Samuel

641
Idem, p. 225.
642
HESPANHA, António Manuel. Governo, elites e competência social: sugestões para um entendimento
renovado da história das elites. In: Modos e Governar: idéias e práticas políticas no Império portugues.
Maria Fernanda Bicalho e Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs). – São Paulo: Alameda, 2005, p. 39.

239
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Halters e Luiz Brás Bezerra. Enquanto isso, para câmara de Igarassu, foram nomeados:
Francisco Dias de Oliveira, João Lourenço Francez e Leonardo Dias. Algumas
considerações podemos fazer em relação a lista de eleitores das câmaras de Olinda e
Igarassu. A primeira delas é que, em ambos os casos, alguns nomes foram substituídos
em relação à primeira eleição. No caso de Olinda, nesta segunda eleição, a quantidade de
eleitores se reduziu bastante em relação à primeira, de 23 nomes para 15. Ao mesmo
tempo, foram nomeados para escabinos, na freguesia de Serinhaém, Miguel Fernandes de
Sá, Gaspar Correia Réguo e Francisco de la Tour. 643
Poucos dias depois, o Conselho Político preparou a lista de elitores do Rio Grande
(do Norte). Os primeiros eleitores do Rio Grande são os seguintes:

1. Simão Nunes Correia


2. Francisco Mendes da Fonseca
3. João Borges Souto Maior
4. Estevão Machado
5. Manuel Roiz Pimentel
6. Domingos Carvalho DAzevedo
7. Diogo Dias Soares
8. Pero Xará Ravasco
9. Manuel Pinheiro
10. João Leitão Navarro
11. Filipe Parede
12. Jan Bonania (?)
13. Joorge Gaartzman

Finalmente, foram indicados por Nassau e pelo Alto Conselho para a função de
escabinos no Rio Grande:

1. Domingos Carvalho DAzevedo


2. Pero Xará Ravasco
3. Manuel Pinheiro

643
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 26/06/1638.

240
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4. Andries Classen Quartz

O que, de inicio, podemos observar nessa primeira lista para escabinos na


capitania do Rio Grande é que nela predominam praticamente portugueses. Outra
observação é de que o nome de Andries Classen Quartz, que não estava na lista de
eleitores, foi incorporado aos escabinos escolhidos pelo Alto Governo. Essa
predominância de nomes portugueses na lista de eleitores do Rio Grande poderia
significar desleixo da administração da WIC nessa região? Certamente não, uma vez que
se tratava de um distrito estratégico no Atlântico sul, uma vez que servia de ponto de
escala para os navios que iam ao Ceará, Maranhão e Caribe. Além do que a quantidade de
sal e madeira era extraída daquela região em escala considerável. Ainda no início da
invasão neerlandesa em 1630, a coroa ibérica chamava a atenção para o risco dos
holandeses atingirem o Rio Grande e o Ceará para não se servirem da madeira de boa
qualidade que havia naqueles lugares.
Nesse distrito do Rio Grande, temos que o que menos importava à WIC era a
quantidade de açúcar produzida. Não se tratava de uma região como a capitania de
Pernambuco, com uma quantidade considerada de engenhos. Segundo um relatório de
1638, existiam apenas dois engenhos na capitania do Rio Grande, que estava subdividida
em quatro freguesias. Ainda segundo este relatório, efetuado um ano após a chegada de
Mauricio de Nassau, a principal atividade do Rio Grande era a pecuária. As quatro
freguesias que ai existiam ficaram sujeitas a apenas uma câmara de escabinos.
Da principal contribuição desta capitania para a Companhia, o relatório acima
deixa saber que ela “já está dando muito gado, que é conduzido para a Paraiba, Itamaracá
e Pernambuco, onde parte dele forma novos currais e parte é utilizada para o corte e para
644
trabalhar nos carros e nos engenhos”. Do primeiro ano de atividade da câmara no Rio
Grande, o relatório também considerou que:

“A câmara desta capitania está em Potigi (Potengi) com licença de S. Excia e dos
Altos e Secretos Conselheiros, trabalhando para agregar ai uma população que dê

644
Breve Discurso sobre o estado das quatro Capitanias conuistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de
Janeiro de 1638. In: MELLO, op. cit. p. 95.

241
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começo a uma cidade; dará ai suas audiências, e para este fim levantará uma casa
pública, com a contribuição dos moradores, cada um conforme suas posses”. 645

Vale registrar que este relatório, tendo sido o primeiro realizado após a chegada
de Mauricio de Nassau, como bem observou José Antônio Gonsalves de Mello, faz
questão de registrar a tarefa dos escabinos na conquista. Do resumo da atuação dos
“colégios subalternos de justiça” (maneira como foram tartadas as câmaras dos
escabinos), registrou-se o seguinte:

“Há alguns meses que os colégios dos escabinos se acham instalados e


funcionam, mas até o presente não tem sido possível que procedam conforme as
ordenações e o estilo da Holanda e Frísia Ocidental, primeiro porque é coisa
muito grave fazer com que um povo inteiro mude de leis, ordem e estilo, e
aprenda um novo estilo; e segundo por causa da diferença da língua, e por ser
difícil verter as nossas ordenações do holandês para o português, no que
entretanto estamos muito empenhados, e em brave lhes daremos traduzidas em
português as ordenações sobre coisas de justiça, tanto quanto forem concernentes
a esses colégios”. 646

Como já foi afirmado anteriormente, as Câmaras de escabinos funcionavam como


tribunais de primeira instância, enquanto que o Conselho Político era o tribunal ao qual
os moradores poderiam apelar em segunda instância. A relação entre essas duas
instâncias da administração nem sempre era pacifica. As listas de escabinos nas diversas
jurisdições eram “preparadas” por conselheiros políticos. Pelo menos nesse prorpósito,
havia interferência de uma esfera em outra. No primeiro relatório feita por Nassau acerca
da conquesten que referimos acima, a preocupação com o conhecimento jurídico, por
parte do Governo Supremo, é maior para o Conselho Político. Isso assim se justifica:

“Como as principais funções do Colégio dos Conselheiros Políticos dizem


respeito à justiça, é da mais alta conveniência que as exerçam alguns juristas, que
não somente tenham aprendido a teoria na Academia, mas também, se for

645
Idem.
646
Idem, p. 97.

242
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possível, tenham freqüentado os tribunais durante alguns anos e sejam instruídos


na prática e com experiência nela”. 647

Ao tratar dos escabinos, parece que a maior exigência não era necessariamente o
domínio dos conceitos e práticas jurisdicionais, mas sim a preocupação com a idoneidade
dos componentes das câmaras. Nassau se referiu aos escabinos como “colégios
subalternos de justiça”. As “instruções” legais eram passadas pelo Governo Supremo
(Nassau e o Alto Governo) e, ocasionamente, pelo Conselho Político aos escabinos.
Em 19 de janeiro de 1639, um escolteto (policial) de Itamaracá havia consultado a
câmara de escabinos daquela jurisdição acerca das “instruções” que deveriam dar aos
“capitães de campo” ou capitães de mato. 648 A maneira da administração local em lidar
com os problemas do quotidiano, pelo menos para os holandeses, exigia algum tipo de
instrução ou ordenamento por escrito.
As relações nem sempre amistosas entre os escabinos e o Conselho Político
poderiam colocar em dúvidas os limites de ação deste órgão da administração batava. O
colégio dos conselheiros políticos não queriam ver o seu poder diminuido, como fora
certa vez mencionado numa missiva. Era necessário o apoio de Nassau e do Alto
Conselho no estabelecimento da autoridade deste conselho (en wilde hopen dat sijn Exc
649
ende E E het recht ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden). A idéia de
reforço d autoridade do Conselho Politico foi bem expressa aos Senhores do XIX e aos
Estados Gerais dos Paises Baixos foi uma constante. Em meados de 1640, Nassau e o
Alto Conselho reforçaram o primado da “administração da justiça” pelo Conselho
Político. (Goede ordre te stellen op de Administratie van justitie, onde de Politique
Raden, em allen anderen dieneren van de Compie, daer toe te houden [...]) Nessa

647
Idem.
648
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse notulen. 19/01/1639. Onde se lê: “ Joahannes Lustry, schout
in de Capitania van Itamarica bij requeste van wegende Camere van de selve capitania, versouckende opt
tractemente ende instructie voord den Cap de campo, waerop een person mochte verwitlich worden die
chargie aen te nemen”.
649
Cartas e papéis do Brasil (Elias Herckmans ao Consalho dos XIX) 1640 (escrita na época do ataque do
Conde da Torre). Na qual se lê: “sich onderstaen heeft den Gecommitteerden Politijcken Raede te
ontrecken (retirar) het recht, authoritijt en respect dat volgens instructie en commissie bij de E.
Vergaderinge van XIX denselve toegelijt (permitir) is ,…” “en wilde hopen dat sijn Exc ende E E het recht
ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden noch meer sonden willen verminderen (diminuir, minorar)
ende betroyen, waerop naer naer een cleijn gespreck nuy gelast worden int vertreck te gaen ,…”

243
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missiva, seguia ainda, endereçada a Nassau e ao Alto Conselho, algumas instruções em


forma de artigos. (dat ook het Collegie der Politique Raden volgens het articule van
haerlieden instructie wert gelast den Gouverneur ende de Hooge Raden onderweerpen te
sijn, ende gehouden deselve [...]) 650
Nas jurisdições da Paraíba e Olinda, os assessores das respectivas câmaras
relataram ao Governo Supremo o problema em se atravessar os carregamentos de açúcar
pelos passos dos rios Tiberi (Paraiba) e no Varadouro (Olinda). O problema, reportado ao
Alto Conselho e a Nassau exigiu uma “ordenância provisória” (provisionelle
ordenantie). 651 Uma problema local, neste caso da travessia e acondicionamento de
açúcar em duas jurisdições se constituía em porblema para o Governo Supremo que
esperava pela sua resolução. Os escabinos, que poderiam interferir em questões
administrativas locais, ficaram de fora da decisão final. No caso da Paraiba, mais distante
do Recife, o problema do transporte de açúcar também não foi solucionado localmente.
No auge da presença holandesa no Brasil, quando muitos engenhos haviam retomado a
sua produção, alguns problemas persistiam e encontravam a suas resoluções a nível do
poder centralizado em Maurício de Nassau e do Alto Conselho. Essa centralização do
poder decisório por sis só retira a condição de executor local da administração pelos
escabinos e os colocavam algumas vezes na condição meramente de relatores dos
problemas locais.
Uma função importante desempenhada pelos escabinos era a fiscalização das
roças de mandioca. Da Paraiba, em dezembro de 1639, o Alto Conselheiro Daniel Alberti
informava que as roças da Paraiba foram visitadas pelos escabinos daquela capitania e
que a produção estaria em tono de 300 alqueires. Deu conta também de que lá as famílias
652
sustentam também da cultura do milho. De fato, na Paraiba, os planos de Nassau e do
Alto Governo começariam a ser minados. Em inicio de 1640, já se tinha noticia que Vidal
de Negreiros havia percorrido a região do Tiberi, nas proximidades de um engenho

650
Brieven en Papieren uit Brasilie, carta de Nassau e do Alto Conselho aos Estados Gerais e ao Conselho
dos XIX. 13/12/1640.
651
Idem, 07/02/1639.
652
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/12/39. na qual se lê: “ Ontfangen een missive
van de Heer Daniel van Paraiba, inhoudende onder anderen dat de schepenen van Paraiba de geheele
capitania door geweest waeren om te rossas te besichten, end dat deselve rapporteerde soo grooten gebreck
van farinha over al te sijn […]”

244
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pertencente a Josias Mariscal. 653 Certamente, aqueles escabinos luso-brasileiros que, na


Paraiba, alimentasse um desejo de se ver livre do jugo neerlandês, poderiam, em face
dessas incursões dos luso-brasileiros, boicotar as ordens de Nassau e do Alto Conselho.
Soma-se o fato de que, pela mesma época, vazava o alerta de que uma armada espanhola
havia sido vista no litoral da Paraiba. 654 Essa era uma guerra silenciosa, diferente daquela
vivenciada nos primeiros anos da presença holandesa no Brasil. O desejo secreto de
alguns moradores portugueses em se verem livres deve ter sido alimentado sobretudo por
causa dos tiros de canhões espanhóis que puderam ser ouvidos à noite do dia 10 de
janeiro (...dat de sapaensche schepen des nachts veel canoschoten hadden gedoen )
Não era só a Paraiba que se viu, na perspectiva holandesa, ameaçada pela
incursão de luso-brasileiros. O medo se estendia para os ditritos ao sul do Recife, como o
Cabo de Santo Agostinho e Serinhaém. A ameaça de uma invasão da armada espanhola
mencionada acima provocou um deslocamento de tropas para esses lugares, sobretudo
porque “os inimigos passaram próximo a Serinhaem” (den vijant beneden serinhain
waeren gepasseerte ) . 655 Foi resolvido por Nassau e pelo Alto Conselho o envio de cinco
companhias de soldados para os distritos do sul de Pernambuco. A missão certamente
tinha o duplo objetivo de proteger aqueles territórios bem como evitar o contato de
moradores locais com as tropas de Filipe Camarão. Eram essas as tensões a que estavam
submetidos os escabinos nas diversas jurisditien do Brasil holandês. Nesse sentido, os
escabinos tinham que lidar com um constante clima de iminente combate. Não era, pois,
uma condição normal de exercício do poder local.
Se, como consideramos, acima, os escabinos não representavam um self
government na conquista batava, muito menos o era em situações de perigo iminente, em
que se viam cercados e vigiados por tropas da WIC. Esse estado de tensão quebra, por si
só, a perspectiva dos anos miribilis do governo de Mauricio de Nassau. Soma-se o fato de
que o deslocamento de tropas para as localidades poderia, de uma hora para a outra,
provocar atritos entre as populações locais e os próprios soldados da WIC.

653
Idem, 11/01/1640.
654
Idem.
655
Idem, 15/01/1640. Onde se lê: “ Irm is geresolveert noch vijff compagnien onder den Sergent major
Crayt van Cabot en wachten, ende de Colonel Hans van Hoin soot e senden waermede hij over de duijsent
man sterck sal sijn, ende gelast dat hij daermede Camaron soude gemoet trecken…]”

245
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As fontes neerlandesas dispostas na Coleção José Higyno (as Atas do Governo


Holandês e as Cartas do Brasil) não nos mostram um número grande de excessos
cometidos por militares da WIC e civis locais, muito embora isso já tenha sido
encontrado desde o trabalho de Hermann Waetjen e José Antônio Gonsalves de Mello. A
ocupação neerlandesa certamente aumentou as populações das localidades pelo número
de soldados das guanicões em todas elas. Em março de 1640, tal era a distribuição dos
656
efetivos por localidades :

Serinhaén 8 companhias e 200 brasilianen


Cabo de Santo Agostinho 7 companhias e 100 brasilianen
Candelária (Entre o Recife e o Cabo) 8 companhias e 150 brasilianen
Pau Amarelo 9 companhias e 300 brasilianen
São Lourenço 3 companhias e 150 brasilianen
Itamaracá 3 companhias e 300 brasilianen
Goiana 800 brasilianen
Cabo Branco (Paraiba) 150 brasilianen

Dada a relação parcial de soldados nas localidades, é de se presumir que houvesse


constantes choques entre eles e a população local, sobretudo nos períodos de pouca
comida para as guarnicões.
Outro caso encontrado numa brieven nos mostra bem o desconforto dos escabinos
nas localidades. Foi sabido que um grupo de monges beneditinos que moravam no
engenho Massurepe, em Igarassu, mantinham contatos através de cartas com luso-
brasileiros na Bahia. Diante disso, a administração superior ficou com receio de um
movimento de revolta luso-brasileira (om de alarm ende revolte onder de Portuguesen
ontstecken) e incumbiu os escabinos da jurisdição de Igarassu a tomarem informações
657
acerca desse fato. Provavelmente, a essa altura, as autoridades neerlandesas
confiassem mais nos escabinos neerlandeses que mesmo nos luso-brasileiros. Esta função

656
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Paieren uit Brasilie. Foi omitido aqui o número de soldados
nas guarnicões do Recife pelo fato de que aqui influência dos escabinos (câmara de Olinda) ser ofuscada
pelo Conselho Político, Alto Governo e Nassau.
657
Idem.

246
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de descobrir qualquer denúncia de ameaça à ordem da WIC no governo do Brasil nas


localidades dava uma dinamicidade às atividades dos escabinos, demonstrando assim o
cotidiano da administração local. Diante de uma ameaça de invasão por tropas de
Espanha e Portugal, o Alto Governo holandês redimencionava a função dos escabinos,
passando de judicantes para investigadores.
A grande extensão da conquista levou Nassau e o Alto Conselho a considerar as
dificuldades de comunicação entre a administração superior e as localidades. A
reclamação era que as ordens vindas do Recife não estavam sendo, nas localidades mais
distantes do Recife, prontamente atendidas. 658 Achou-se necessário um maior número de
conselheiros políticos em algumas partes da conquista, que foram as seguintes: Paraiba,
Itamaracá, Serinhaém ou Porto Calvo e Rio São Francisco. Nesse sentido, Nassau e o
Alto Conselho concluíram ser necessário que estas “partes da conquista” (quartieren)
“fossem ocupadas por Conselheiros Políticos” (waer Polityeque Raiden geoccupeert
werden). Para tal, era preciso que fossem enviados dos Paises Baixos mais 4 pessoas para
o cumprimento desta missão, “dos quais nós precisamos de mais um ou dois conselheiros
que residam naquelas áreas, e que possam dirigir os negócios da Companhia”.
(Ondertuschen sullen Uld. seer wel doen nach 4 Politijcque Raiden te senden, op dat wij
noch een aff twee in affgelegene plaetsen daer die seer nodich sijn mogen doen resideren,
659
ende des Compies saecken dirigeren) Esta brieven mostra bem a preocupação de
Nassau e do Alto Conselho com o andamento da administração local de seus interesses.
O medo de uma revolta por parte dos luso-brasileiros era constante e, ademais, a
administração superior sabia que os escabinos portugueses seriam um perigo para o
andamento da justiça local. Os Conselheiros Políticos, ao contrário, tendiam a ser mais
fieis à WIC que os escabinos portugueses.
A implementação de uma administração local no Brasil hoandês era uma tarefa
difícil. Os casos acima nos apresentam uma administração nassoviana minada por
insatisfações e precariedades na condução da justiça nos vários locais da conquesten. As

658
Idem. Na qual se lê: “ Alsoo de cust van Brasil sôo verre die hij de Compie is geconquesteert, over de
100 mijlen is streckende, sôo is bevonden dat in alle onse ordre ende bevelen soodanich, noch sôo
promptelijck werden geexecuteert als de geode regieringe tot weltland van de Compie was vereijschende”.
659
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie. 02/03/1639. Nessa mesma missiva, José
Antônio Gonsalves de Mello nos apresentou a criação de uma câmara de escabinos na Cidade Mauricia
(Recife e Antônio Vaz). (ver. MELLO, Tempo dos Flamengos, pgs. 61-62)

247
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coisas da administração eram mais claras e visíveis no Recife e Olinda do que mesmo nos
locais mais distantes ao norte e ao sul do centro político-administrativo. Especialmente
no Recife, onde residiam Nassau e o Alto Conselho, a fiscalização era mais eficiente que
em Porto Calvo e Paraiba, por exemplo.
Na proximidade de um ataque externo, como foi o promovido pelo Conde da
660
Torre, em 1640, Nassau e o Alto Conselho expediram uma instructie , espécie de
regimento momentâneo que guiasse as tropas nas suas ações contra os ataques luso-
brasileiros. A instructie datada de 17 de abril de 1640, chamou à responsabilidade
elementos do Alto Conselho, do Conselho Político e oficiaias militares. Deixou de fora os
escabinos em suas diversas jurisdições. Soma-se o fato de que, nesses momentos de
possíveis confrontos, Nassau e o Alto Conselho retirava das localidades os conselheiros
políticos, um dos principais observadores dos escabinos junto às autoridades centrais.
Numa segunda instructien, emitida antes de uma expedição ao Rio Real, Nassau
enviou com as tropas o conselheiro político Nieulant. 661 Repetia-se aqui a mesma fórmula
utilizada antes da chegada de Nassau e do Alto Conselho: o poder civil (representado
pelo Conselho Político) acompanhando o poder militar. Nessa situação, as localidades
ficavam à mercê única e exclusivamente dos escabinos.
A mobilidade social a que poderiam ter acesso os senhores de engenho menos
abastados no Brasil Holandês é algo que não pode ser desprezado, sobretudo em locais
aonde a produção de açúcar não era tão significativa como na capitania de Pernambuco.
Na Paraiba, por exemplo, a pobreza de seus moradores, em relação a Pernambuco, foi
percebida pelo Alto Conselheiro Elias Herckmans. O mesmo não deixou de observar que
esta “capitania é uma nova Província que é habitada por portugueses há pouco tempo, e
há não mais que 50 anos se planta açúcar lá. O povo ai não é muito rico [...]”. 662 Em

660
IHGP. Coleção José Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie. 17/04/1640. Tal expediçãorumaria na
direção sul de Pernambuco. ”Instructie van wegen sijn Excell J. Maurits; Grave van Nassau etc. als
Gouverneur, Cap. ende Admirael General over de Conquesten van Brazil, mitsgaders de Ed. Heren van de
Hoogen ende secreten Raide voor den Ed. Manhaften Heer Jan corneliszen Lichthart, Leuten Admirael
van sijn welgemelde Excie ende de Heere Charles de Toulon, commandeur over de militaire tropen, gaende
op de aenstende expeditie suidtwaerts”
661
Idem, 23/05/1640. “ Instructie van wegen sijn Excie voor den Ed. Gestrongen Hans van Koin Colonel
gaende als hooft ende het generael commando hebbende over de troupen ende de scheepen die men
voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontraent op des viants boden, dese naest maenden te doen logieren
ende onderhouden”.
662
Idem, 08/09/1640. Carta de Elias Haerckmans ao Conselho dos XIX.

248
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1643, um ex escabino de Olinda adquiriu um engenho “no distrito de Igarassu”. O mesmo


não consta na lista dos produtores de açúcar na Capitania de Pernambuco antes da
663
invasão.
Os “julgamentos” dos escabinos poderiam, quase sempre, aparecer em forma de
propostas ao Governo Supremo. Esse foi o caso dos escabinos da Cidade Mauricia que
apresentaram a administração superior uma espécie de “tabelamento” dos preços do pão,
da cerveja e do vinho. 664 Naturalmente, trantando-se da mais importante câmara de
escabinos da conquesten holandesa, a questão dos preços destes produtos tem
importância pelo maior consumo destes produtos nos limites do centro político-
administrativo. Naturalmente, a demanda por decisões da população do Recife e de
Antonio Vaz colocavam os escabinos no centro das reclamações da população local, mas
não como árbitros finais dessas reivindicações. Em localidades mais distantes, como no
Rio Grande (do norte), os escabinos poderiam ter uma maior autonomia, sobretudo
quando se tratava de situações extremas. No inicio de 1643, um incidente envolvendo um
comandeur de índios, Jacob Rabbi, levou a que os escabinos desta capitania tomassem a
decisão de prendê- lo. Evidentemente, em primeiro lugar, a decisão teve que ser
comunicada ao Alto Conselho e a Nassau. 665
No mesmo Rio Grande foram separadas as jurisdições de Potengi e Cunhau, cada
qual com o seu conselho (vergaderinge). Por ordem de Nassau e do Alto Governo, o
número de escabinos na capitania do Rio Grande deveria aumentar de 3 para 5,
666
certamente para atender à demanda dos problemas locais. A mesma recomendação
dada no início da implantação das diversas câmaras de escabinos na conquista em 1638
(execução de atividades de direito civil e criminal, etc...), foi dada no Rio Grande cinco
anos depois na “reforma” que foi feita no poder local. Esse episódio nos mostra uma
capacidade de adptação do escabinato às circunstâncias. Temos, através desse caso, que
tal instituição estava longe do monolitismo, mesmo não funcionando como um auto
governo local. No Rio Grande, as situações do quotidiano determinaram a criação de
mais um conselho de escabinos.

663
IAHGP. Coleção José Higino. 01/1643
664
Idem, 30/01/1643.
665
Idem, 19/02/1643.
666
Idem.

249
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A relativa autonomia dos escabinos situava-se nos limites da administração


central e, em ultima instância, do Conselho dos XIX (diretores da WIC). Mesmo assim,
não podemos dizer que, no Brasil Holandês, os ecabinos tinham pouco a fazer. Admitir
isso seria o mesmo que admitir a proeminência do law in the books em relação ao law in
life.
A fiscalização da finta da farinha de mandioca que era cobrada nas localidades,
como já foi dito, era função dos escabinos. Essa cota seria para abastecer as guarnições
do Recife. 667 O papel dos escabinos foi o de visitar as localidades nas imediações e trazer
informações (berichten) a Nassau e o Alto Governo. A presença de um holandês nessa
fiscalização nos mostra bem a desconfiança em relação aos portugueses que deveriam
contribuir com a finta.
A última eleição para a câmara de escabinos da Cidade Maurícia, antes da volta
668
de Nassau para os Paises Baixos, em 2 de junho de 1643 , foram escolhidos para a
função:

1. Christoffel Eyerchettel
2. Matthis Becx
3. Abraham de Vries
4. Guihelme Schu
5. Abraham Francisco Cabellian
6. Hugo Graswinckel
7. Gillis van Luffel
8. Bartholomeus van Ceulen
9. Jacques Jacques van Ceulen

Como escabinos portugueses temos:

1. Gaspar Dias Ferreira


2. Cosme de Castro

667
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/05/1643.
668
Idem, 02/06/1643

250
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3. Antônio de Abreu
4. Arnau de Holanda
5. Antônio da Silva Barbosa
6. Paulo Araújo de Azevedo

A maior câmara de escabinos da conquesten holandesa comportava não apenas


um maior número de integrantes em relação a qualquer outra, como também assegurava a
ampla maioria para os neerlandeses (9 neerlandeses contra 6 portugueses). Outra
observação é que alguns nomes que estão não lista, como os de Gaspar Dias Ferreira e
Arnau de Holanda, exerceram a função de escabinos na primeira eleição para escabinos
em Olinda no ano de 1638. A Cidade Maurícia, que compreendia o Recife e Antônio
Vaz, havia ganho o status de cidade pelos poderes da Companhia das Índias Ocidentais e
representavam um local de interesse econômico por conta de ser centro comercial da
conquista. Também era grande a população que residia dentro de seus domínios.
Certamente era mais interessante para Ferreira e Holanda a inserção nessa câmara.
A atuação dos escabinos nas localidades não impedia que o Conselho Político ai
interviesse. Pelo contrário, por vezes, os senhores de engenho e lavradores recorriam a
esta instância para relatar as suas necessidades. Em janeiro de 1642, alguns deles
manifestaram, através do Conselho Político, a necessidade de “negros e bois” para as
suas fazendas. 669 A constante fiscalização dos conselheiros políticos, ainda que meio
velada, interferia na esfera local e limitava “os passos” dos juizes escabinos. Não existia,
de fato, uma autonomia das câmaras locais. Poucos dias depois, um escabino da capitania
da Paraiba, Manoel de Queirós Siqueira, queixou-se ao Conselho dos XIX acerca de uma
epidemia de bexiga que custou a vida de duzentos escravos, o que comprometia a
produção de açúcar local e, consequentemente, as dividas que alguns senhores de
engenho e lavradores tinham com a WIC. O escabino falava em nome dos senhores de
engenho daquela capitania. 670

669
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/01/1642
670
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/01/1642. Na qual se lê: “Is door Manoel Queiros
Sequeiro, schepenen van de camer van Paraiba een requeste ter vergaderinge gepresenteert, uit den name
van de senhores de ingenios ende labradores van deselve capitania, wesende bij deselve onderteckent,
waermedeversochten tem aen sien van de destructie door den oorlogh geleden, den overloopvan wateren
die het riet ende de plantagien wel te helft hadden doen uitsterven, ende tem doordien om de sieckte van de

251
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Não havia necessariamente uma obrigatoriedade na ligação entre as localidades a


administração superior. Por vezes, os próprios senhores de engenho tinham acesso direto
ao Alto Consalho e a Nassau. Foi o caso de João Carneiro de Maris e e seu filho que, para
tratarem de questões de dividas à WIC, reportaram-se diretamente à Nassau e o Alto
671
Conselho.
As recomendações dadas por Nassau e o Alto Conselho às localidades eram em
forma de editais (placcard) e diziam respeito a diversos assuntos. Os maiores
intermediadores destes editais eram os escabinos. Poderíamos dize que esses editais eram
os equivalentes às instructien em tempos de iminentes confrontos militares. Na verdade,
um placcard poderia ser chamado de instructien (instruções), uma vez que se
assemelhavam na forma. Cabia aos escabinos, tanto portugueses como neerlandeses,
levar as ordens da administração superior por escrito e fazer com que a população local,
sem falta de qualquer morador, recebesse as tais recomendações.
Em 21 de março de 1642, um edital foi expedido para a plantação de farinha nas
localidades. As instruções nele contidas guiavam os escabinos na execução das ordens
expedidas por Nassau e pelo Alto Conselho. Tal peça jurídica era cheia de detalhes, que
iam desde quais terras poderiam plantar ou não mandioca até o intervalo de tempo em
que os senhores de engenho e lavradores deveriam fornecê- la à WIC. 672 Ao todo, trata-se
de 15 ordens a serem seguidas pelos escabinos e retransmitidas aos agricultores dos
diversos distritos de Pernambuco. Uma outra instructien, datada de 26 de março, dizia
respeito a alguns procedimentos que deveriam ser tomados na jurisdição de Alagoas. 673
À margem das funções eminentemente judicantes, os escabinos percorriam as
localidades e relatavam qualquer tipo de problema à administração superior. Certa vez,
em visita as freguesias do Cabo, Ipojuca e Muribeca, alguns escabinos da Cidade
Mauricia, Garpar Ley (Vand der Ley) e Manuel Fernades da Cruz, “convocou” Nassau e
o Alto Conselho e o Conselho Político “ a visitarem e se informarem acerca da situação
dessas freguesias” (een reyse derwaerts te doe nom haer op de gelegentheit van deselve

bisigas, die meer als duysent negros weghgemekt hadde, ende de eresterende negros die de sieckte ont
komem warensoo swack [...]”
671
Idem, 05/02/1642.
672
Idem, 21/03/1642. “Instructie voor de Herren schepenen, die ten platten lande gecomuniceert worden
om die invonderen op de plantinge van farinha te taxeren”.
673
Idem, 26/03/1642.

252
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674
fregasie aldaer present sijnde te informeren [...]) Pelo exposto, não bastava que os
escabinos, mesmo os neerlandeses, expusessem a situação das localidades. Era necessário
que se fizessem presentes nas freguesias as outras instâncias da administração acima das
câmaras locais. Nos locais nais distantes do Recife, como no Rio Grande, o poder local
ficava, grosso modo, nas mãos do escolteto, espécie de policial ou burgomestre. Numa
aldeia chamada ‘Apowapa’, comunicou um predicante de nome Leoninus a Nassau e ao
seu Conselho de que o local ficaria “sob às vistas do Escolteto (onder’t opsicht van de
schout gestaen heeft). 675
Estes dois exemplos citados acima nos mostram que o exercicio do poder local no
Brasil holandês não se deu uniformemente. Pelo contrário, teve de se ajustar a situações
particulares. As próprias aldeias, que devereiam se geridas por um commandeur,
poderiam estar sob a supervisão de um outro elemento da administração local. Com
relação ao primeiro exemplo, temos que a maior presença das autoridades superiores nas
localidades não se dava nos primeiros anos do escabinato. Na medida em que as
campanhas contra-ofensivas promovidas por tropas volantes vindas da Bahia assolavam
os canaviais de Pernambuco, o medo que a administração superiror passou a alimentar de
uma rebelião nos engenhos era cada vez maior. Daí certamente uma maior fiscalização
sobre os escabinos. Evidentemente, o relativo “interlúdio de paz” que existiu no Brasil
Nassoviano fez com que as autoridades superiores tivessem mais tempo para essas
visitas, salvo em casos de iminentes ataques por mar de luso-brasileiros. Os engenhos das
localidades acima mencianadas (Cabo, Ipojuca e Serinhaém) eram importantes na
produção açucareira de Pernambuco. Soma-se o fato de que Serinhaém e o Cabo de Santo
Agostinho eram portas de entrada para a capitania de Pernambuco. Cabo de Santo
Agostinho, pelo seu porto de Nazaré e Serinhaém, por terra. Era esta a freguesia mais
habitada do domínio sul do Brasil holandês. A visita de Nassau e do Alto Conselho a
estas localidades só se dará sete dias depois da ‘recomendação’ dos escabinos acima
676
citados. O resultado dessa visita foi que a administração superior decidiu, em caráter
provisório, implementar 43 artigos de um código de normas chamado Instruções Gerais

674
Idem, 15/05/1642.
675
Idem, 14/05/1642.
676
Idem, 22/05/1642.

253
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677
(generalen instructien). Esta decisão se deu pouco tempo após a eleição dos novos
escabinos da Cidade Maurícia. Esta última, que era responsável por reger as leis naquelas
localidades.
Qual era a ocupação dos escabinos? Ligamos, de antemão, muitos deles à de
plantadores de cana-de-açúcar. Mas, muitos deles, exerciam também a atividade
comercial. Jorge Homem Pinto, um dos primeiros escabinos da Paraiba, por volta de
junho de 1642, tinha uma considerável divida com a WIC, que fora, naquela ocasião,
amortizada em três pagamentos anuas. 678 Poderia, num caso desses, haver choques de
interesses entre o “fazer cumprir as leis” e as necessidades econômicas do comércio de
açúcar? Um escabino cada vez mais endividado cumpriria bem o seu papel na justiça
local?
O envolvimento de holandeses na economia açucareira se deu em diversos níveis.
Desde neerlandeses que se tornaram senhores de engenho até comerciantes de escravos.
Na Paraiba, um ex-funcionário da WIC, Jan Wijnants, adquiriu, em julho de 1642, o
679
direito de cobrar os dízimos por um valor de 27.500 florins. Numa fase em que a
produção açucareira estava enfrentando crises sucessivas (peste de bexiga, ataques aos
canaviais pelos luso-brasileiros), o endividamento entre os produtores de cana (alguns
escabinos) poderia gerar problemas entre cobrador-endividado. Aliás, esse foi um dos
motivos maiores para o inicio da Restauração Pernambucana. Na capitania de
Pernambuco, dada a maior quantidade e produtividade dos engenhos, o contratador dos
dízimos arrematou o diretito de cobrança pela quantia de 128 mil florins. 680 Nesse
espaço, o maior controle da administração local foi, na medida do possível, reforçado.
Talvez seja por isso que a reação luso-brasileira tenha se iniciado em seus engenhos.
A cobrança aos devedores passava pelas mãos dos escabinos, mas os pagamentos
deveriam ser entregues aos tesoureiros da WIC. 681 Nos Paises Baixos, segundo
682
Marjoleijn ‘T Hart, “most part of collectors were controlled by local magistrates”. No

677
Idem, 19/06/1742.
678
Idem, 16/05/1642.
679
Idem, 31/07/1642.
680
Idem.
681
15/08/1642.
682
‘T HART, Marjolijn, op. cit., 675.

254
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Brasil holandês, os magistrados locais não controlavam a coleta de taxas. A WIC era
muito restrita quanto ao controle das finanças na conquesten.
Um personagem que começa a aparecer na documentação neerlandesa é a figura
“secretário do tribunal de justiça” (secretaris van de gerechtsbancke), ainda que se saiba
que os escabinos tinham acessores. Mas as nomeações para essa função fica evidente nas
fontes em função da complexa relação dos escabinos nas localidades. Uma dessas
dificuldades diz respeito a aplicação das leis. Em setembro de 1642, dois secretários de
justiça neerlandeses foram nomeados para as freguesias de Goiana e Serinhaém. Assim,
foram indicados para secretários, nas respectivas freguesias, Cornelis Steulingh e
683
Hendrick Stewijs.
Seis anos após a criação do escabinato, é mais freqüente nas fontes a presença do
Conselho de Justiça (Raet van Justitien). Sobre este conselho, considerou José Antônio
Gonsalves de Mello:

“Na década de 1640 foi o Conselho Político substituído pelo Conselho de Justiça,
talvez na mesma altura em que foi criado o Conselho de Finanças (1641). Como
passaram para o novo órgão os Conselheiros do Político, a nova designação
parece ter tardado a ser adotada, e as primeiras cartas com tal referência somente
aparecem em 1644”. 684

Contrariando parte da consideração acima, temos que nas Atas do Alto Conselho
já aparecem referências ao Conselho de Justiça no ano de 1642, e não em 1644.
Precisamente na nótula diária (dagelijckse notulen) do dia 09 de stembro deste mesmo
ano. Nessa época, ele já vigia e era reconhecido nas fontes coêvas. De fato, o “novo
Conselho Político (a apartir de então Conselho de Justiça)” era nada mais que uma
redução deste as funções meramente judicantes. Antes exerciam a dupla função jurídica e
administrativa. No inicio do escabinato, existia o Conselho Político como um tribunal de
segunda instância e como uma espécie de “poder fiscalizador” da atuação dos escabinos
nas localidades. Agora, temos o Conselho de Justiça que designa os seus secretários para
atuarem nas localidades. Eles (os conselheiros de justiça) não precisam fiscalizar mais

683
09/09/1642.
684
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês. Op. cit., p.20.

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ostensivamente como andam as atividades dos escabinos. Com o passar dos anos, a
administração nassoviana tornava-se mais complexa e cheia de meandros, de forma que
uma instância procurava se inteirar bem da outra.
De uma forma geral, as municipalidades no Brasil holandês foram comparadas às
câmaras no mundo português por Mário Neme como tendo menos liberdade de ação que
estas últimas. No entanto, uma maior comparação pode se feita entre o poder local no
Brasil holandês e nos Paises Baixos. Analisando as cidades nos Paises Baixos nos séculos
XVI e XVII, Marlolein ‘T Hart considerou que “o estado holandês dos séculos dezessete
e dezoito era uma federação com pouca centralização. Esta era, por vezes, até ameaçada
por uma desintegração [...]”. 685 Percebemos, por essa passagem, que o problema da
centralização-descentralização não era apenas comum na monarquia portuguesa. Pelo
contrário, perseguia também a história dos Paises Baixos pós independência espanhola.
Se tormarmos como parâmetro a câmara de Olinda, sede da capitania de
Pernambuco antes da invasão holandesa, e a cidade de Amsterdam, temos que, ao
contrário da primeira, cuja interlândia estava calcada na grande lavoura, Amsterdam
dispunha de uma “interlândia próspera’, ainda na concepção de Marjolein ‘T Hart. 686 A
única municipalidade no Brasil holandês, com status de “cidade”, inclusive reconhecida
pelos próprios batavos, era a Cidade Mauricia, que compreendia o Recife e a Ilha de
Antônio Vaz. Esta, no auge da ocupação holandesa, tinha mais de 5 mil habitantes.
Mesmo assim, a Cidade Maurícia, cuja câmara de escabinos era a mais expressiva e
influente da conquesten, tinha uma população inexpressiva se comparada às cidades
holandesas da época. Para se ter uma idéia, por volta de 1630, Amsterdam contava com
pouco mais de 100 mil habitantes, seguida de Leidem (44.800 habitantes) e Haarlem
(39.500 habitantes). Mesmo as cidades medianas da Província da Holanda, como Haia
(22.500 habitantes) e Gouda (17. 500 habitantes), tinham bem mais moradores que a
Cidade Mauricia. 687 Talvez seja essa acomparação que devamos fazer, não a da Cidade

685
‘T HART, Marjolein. Cities and Statemaking in the Dutch Republic, 1580-1680. In: Theory and Society,
vol. 18, No. 5. Special Issue on Cities and States in Europa, 1000-1800, 1989, p. 663.
686
Idem, p. 664. O caso vale não apenas para Amsterdam, mas para as outras cidades da Provincia da
Holanda. Segundo ‘T Hart: “ The advantage for Holland was that it could dispose of a well-developed
“hinterland” that had prospered while Holland wal still a backwater in international relations and that
provided models of technonlogy, institutions, and capital”.
687
Idem, p. 665.

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Mauricia com a municipalidade no mundo portugues, mas com as municipalidades no


mundo holandês.
Sobre a câmara dos escabinos da Cidade Mauricia, observou José Antônio
Gonsalves de Mello que os mesmos tinham a pretenção de assumir, além das funções
judicantes, as funções administrativas. Segundo Gonsalves de Mello:

“Entre os privilégios pretendidos estava a criação do cargo de


Burgomestres de Mauricia, função que daria a um certo número de
burgueses o encargo de administrar a cidade, permanecendo a Câmara de
Escabinos com a função de tribunal de justiça de primeira instância”. 688

O Alto Conselho foi contrário às pretensões dos escabinos de Mauricia, com a


justificativa de que os burgomestres pudessem não obedecer a Administração Superior.689
Nas jurisdições do interior, a função mais comum dos escabinos era a de fiscalizar
o abastecimento das tropas. Em 6 de outubro de 1642, os escabinos e os seus secretários,
acompanhados do escolteto de cada jurisdição, constataram que havia falta de farinha de
mandioca na guarnição de Serinhaém. 690 Um mês depois, na jurisdição de Porto Calvo,
houve desentendimentos entre os escabinos holandeses e portugueses (den Portuguese
schepenen oppositie de geordeneerende finta met executie) quanto a ordem para se
recolher a finta da farinha dos moradoers locais. Isso provocou, evidentemente,
desagravo por parte dos escabinos neerlandeses. 691 O Alto Conselho e Nassau
resolveram enviar mais um secretrário holandês para a localidade. No tocante a cobrança
da finta de farinha nas freguesias do interior, os escabinos eram uma espécie de ponte
entre os soldados holandeses das guanições e os moradores civis. Podriam, assim, evitar a
cobrança direta da farinha pelos militares. Se isso foi uma atitude pensada ou não pela
administração nassoviana, não podemos afirmar pelas fontes neerlandesas. Os
pormenores do abastecimento de farinha no Brasil holandês ainda são obscuros.
Seguramente, a fiscalização das cotas se tornou uma das atribuições mais importantes dos

688
MELLO, op. cit., p.28.
689
Idem, p. 29.
690
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen, 06/10/1642.
691
Idem, 07/11/1642.

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escabinos em várias localidades. Não deixava essa de ser uma função logística que
assumiam os escabinos.
Retomando a perspectiva apresentada por Mário Neme, de que os escabinos
“pouco ou nada tinham a fazer”, podemos supor que havia uma comunicação rotineira
entre as câmaras dos escabinos e o Conselho dos XIX nos Países Baixos. Numa ata de
1642, Nassau e o Alto Conselho dava ordens para que todas as câmaras fizessem cópias
de suas nótulas (diários) “os quais devem ser enviados ao Conselho dos XIX (sullen
692
overschicken om die aen de Vergaderinge van de XIX te senden [...]). Contudo, não
podemos ter certeza até que ponto os diretores da WIC tinham a real ciência do que se
passava nas diversas partes da conquista. Pelo menos até essa data, não temos registro em
fontes de que as câmaras de escabinos tinham que enviar cópias de suas anotações aos
Senhores dos XIX. Convém não esquecer que, entre os escabinos e os Herren Negentien
(como eram conhecidos tais diretores), havia o Conselho Político ( à essa altura
convertido em Conselho de Justiça), Nassau e o Alto Governo.
Anteriormente, foi debatido nesse trabalho a importância que tinham os escabinos
da Cidade Mauricia e o medo que a administração superior tinha de que eles passassem a
desobedecer ao Alto Conselho e Nassau. Essa foi a observação feita por Gonsalves de
Mello ao notar como a criação do cargo de buromestres na Cidade Mauricia propiciaria
este clima de animosidade. O autor situou, em nota, a referência à criação daquela função
num memorial da câmara dirigida ao Conselho e a Nassau. 693 No entanto, ainda segundo
esta mesma referência, os senhores XIX concederam a criação da função de Pensionário,
694
ou alguém “a quem incumbisse o exame das peças dos processos”. Em dezembro de
1643, as atribuições do Pensionário foram especificadas em uma correspondência. Ao
todo, tratam-se de 12 itens (ou artigos). De inicio, dizem as ‘instructien’ que o documento
695
teria sido pensado pelos escabinos e pelo escolteto da Cidade Mauricia. Essas
instruções, que foram apresentadas ao Alto Conselho e Nassau, foram concebidas quase
um ano após a vinda de Lamair para assumir a função de Pensionário. Ao contrário do

692
Idem, 18/12/1642.
693
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo 2, p. 29, nota 41.
694
Idem.
695
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Instructie geconcipieert bij de heeren
scholtes schepenen der stadt Mauritia op approbatie van sijn Excellentie de Edelle heeren hooge secrete
Raiden, waernaer de heer Jabob Lamair, pendionaris derselver stadt sich sal hebben te reguleren.

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que temiam os Altos Conselheiros, que era o excesso poder do pensionário, as instruções
viriam justamente para restringi- lo (sich sal hebben te reguleren). O maior atributo do
Pensionário seria o de ser experimentado em matéria de direito civil e criminal. Assim,
assessorava aos escabinos de Mauricia “em todas as matérias, tanto civis quanto
696
criminais” (in alle saecken, soo civiel als criminele).
A necessidade de um Pensionário nos traz o argumento de que, já passados quase
cinco anos da instituição do escabinato na conquista holandesa por Nassau, os problemas
concernentes à justiça ainda persistiam. Diante disso, podemos concluir que os escabinos
e o Conselho de Justiça não tinham competência para analisar questões jurídicas? Outro
dado é que o pedido para a nomeação de um pensionário no Brasil holandês partiu dos
próprios escabinos da câmara da Cidade Mauricia, e não de Mauricio de Nassau e do Alto
697
Conselho. O Pensionário no Brasil holandês seria uma espécie de secretário
qualificado dos escabinos. Um dos pontos de suas atrubuições dizia que o mesmo deveria
percorrer as freguesias e anotar as reclamações e, “de volta à casa, deveria entregar em
mãos dos senhores escolteto e escabinos todos os papéis que contenham as suas
descrições (Ende thuijs comende, sal hij overleveren in handen van de heeren schoudt ;
schepenen alle de paieren bij hem in deschrige commissie geleght).
A relação entre os escabinos portugueses e a WIC piorava com o tempo. Em
inicio de 1643, um dos primeiros eleitores e escabinos da câmara de Olinda, João
Carneiro de Maris, devia à companhia a soma de 83 mil guldens por empréstimo
contraído. Carneiro de Maris morava na freguesia de Ipojuca e, juntamente com o seu
filho, Francisco Carneiro, teve a sua produção prejudicada pela perda de escravos por
698
bexiga.
A última proposta para composição de câmara de escabinos foi a que fez o
responsável pela administração do Maranhão, Jan Bas. Este escreveu a Nassau e ao Alto
Conselho em inicio de abril de 1642, alegando necessidade de “se manter a boa justiça e
punir os maus” ([...]in sijn goet recht sonde mogen gemaintineert ende de bose gestreft

696
Segundo Gonsalves de Mello, “ao Pensionário, sempre formado em direito civil, competia o exame das
questões submetidas ao Conselho, representando-o em público e responsabilizando-se pela redação e
guarda dos documentos oficiais”. Ref. MELLO, op. cit. pp. 29-30.
698
IAHGP. Brieven en paieren uit Brasilien. Brieven aen sijn Excellentie mitsgaders de Edelle Heeren van
de Hogen ende secreten Rade in Brasil.

259
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worden, sôo ist da teen bancque van justitie hebbe geformeert ende gestelt 4 van de
699
bequamste inwoonderen als schepenen [...]) No Maranhão, quatro moradores se
tornariam escabinos.
Em maio de 1640, numa nótula, podemos encontrar algo sobre a comunicação
entre os escabinos e a diretoria da Companhia das Índias Ocidentais. A mesma dava-se
através do Conselho Político, que enviava anualmente o que se sucedia nas localidades.
Assim, o que acontecia ao nível dos “governos menores” (subalterne gouvernmenten) e
nas diversas câmaras de escabinos (gericht bancken). 700
As fontes menionam constantemente a preocupação de Nassau e do Alto
Conselho em “ordenar que cada um dos escabinos possa protamente administrar a
701
justiça” (ordeneren dat sij aen yder een prompt recht souden administreren). Isso foi
particularmente verificado ao tempo da guerra com a armada do Conde da Torre (Dom
Jorge Mascarenhas), em inicio de 1640, ocasião em que, simultaneamente, campanhistas
vindos da Bahia cruzaram as freguesias do interior de Pernmabuco e Paraiba. Nassau
vivia preocupado com a possibilidade de comunicação entre os moradores do interior e os
campanhistas. Eis ai mais uma atribuição para os escabinos: além de tomar conta da
justiça nas localidades, impedir a ameaça vinda da Bahia. Mas a justiça e o seu bom
andamento significava, sobretudo, cobrar as dívidas e taxar (belasten) os devedores da
WIC nas localidades.
Ainda tratando da comunicação entre os escabinos e os Diretores da WIC,
podemos afirmar que desde a sua instituição (1637), as cartas ou atas das câmaras eram
remetidas aos diretores independentemente da intermediação do Conselho Político. Numa
brieve de inicio de 1638, consta que “todas as câmaras ou escabinos de todas as
jurisdições e outros oficiais que estão nas localidades escrevem aos “Uld”” (senhores dos
XIX) ( de cameren ofte schepenen van alle jurisditien ende alle andere officieren gelast
aen Uld. Te schrijven, [...]”)702 Nessa missiva, de Nassau aos Senhores XIX, seguiam
para os Paises Baixos cartas das câmaras de Olinda, Igarassu, Itamaracá e Serinhaém.
Pelo menos aparentemente, o controle do Brasil holandês parecia ser total por parte dos

699
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 08/04/1642.
700
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 07/05/1640.
701
Idem.
702
Idem, 1638.

260
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diretores (bewindhebbers) da WIC. Havia, pois, ligação direta entre as “câmaras


subalternas” e o poder maior da Companhia das Índias Ocidentais. Alguns meses depois,
ainda no ano de 1638, problemas relativos ao comércio local que envolviam portugueses
e holandeses levaram o conselheiro Johan Gijseling a reforçar a possibilidade dos
escabinos em se comunicar diretamente com os diretores da WIC. Frisou a administração
superior que “todas as capitanias Pernambuco, Goiana, Itamaracá, Paraiba, e Rio Grande
foram estimuladas a enviarem cartas ao Conselho dos XIX e tratarem desse mesmo
assunto” ( [...] alle dese capitanias Pernambuco, Goiana, tamarica, Paraiba, ende Rio
Grande hunne respective cameren van justitie geanimeert om desen aen de vergaderinge
de XIX brieven te schicken ende te soleren over dit selfde poinct,[...]) 703 Basta saber (o
que as fontes não especificam) se a possibilidade de comunicação entre os escabinos e o
Conselho dos XIX valia também para os escabinos portugueses. Um outro ponto dessa
passagem acima é que o conselheiro batavo trata Goiana como ‘capitania’. Isto se deva
talvez pelo fato desta possuir uma câmara de escabinos.
O conflito de jurisdições e de esferas de poder no Brasil holandês era também um
reflexo da situação política vivida nos Paises Baixos. Marjoleij ‘T Hart descreve as
disputas de poder nas Províncias Neerlandesas da seguinte forma:

“The relation between the States General – the federative sovereign body with
representatives of the seven sovereign provinces – and the Council of State –
made up of provincial delegates and the captain general (the Stadthouder), the
executive power – was characterized by many disputes over competence.
Instructions were vague and subject to several interpretations”. 704

Na sua biografia acerca de João Fernandes Vieira, José Antônio Gonsalves de


Mello, destacou bem a atuação do líder madeirense na articulação do movimento da
Restauração Pernambucana. 705 Vieira, assim como vários outros portugueses, havia
ocupado o cargo de escabino na câmara mais influente do Brasil holandês: a da Cidade
Maurícia.

703
Idem, 18/03/1638. Missiva de Johan Gijseling ao Conselho dos XIX.
704
‘T HART, op. cit., p. 669.
705
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco. – Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000.

261
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A figura de Fernandes Vieira, exaltada em grande parte por cronistas da guerra


holandesa, passou da condição de simples imigrande sem fortuna ou nobreza, para a de
senhor de vários engenhos e homem de confiança dos próprios holandeses alguns meses
depois da queda do Arraial Velho do Bom Jesus (1635). Eleitor da câmara de escabinos
de Maurícia por um bom tempo, a relação de João Fernandes Vieira com o exercício do
poder local no Brasil holandês é um caso exemplar. Primeiro que, ao mesmo tempo em
que exercia o cargo de escabino ascendia socialmente e ganhava influência na
comunidade luso-brasileira e mesmo neerlandesa. Às vésperas do movimento de
Restauração, já no ano de 1645, João Fernandes Vieira “continuou a dissimular os seus
706
proprósitos” de insurreição aos holandeses, segundo apontou José Antônio Gonsalves
de Mello.
Na qualidade de escabino da Cidade Maurícia, Fernandes Vieira percorria
distâncias desde os engenhos da Várzea, região mais próxima ao Recife, até o Cabo de
Santo Agostinho e Ipojuca mais ao sul. Nesse sentido, Fernandes Vieira acompanhou de
perto, na qualidade de escabino e senhor-de-engenho, as relações entre a WIC e os
poderes locais julgando processos e fazendo valer as combranças de Nassau e do Alto
Conselho em várias freguesias. Pelo menos a cobrança de cotas de farinha por agricultor
Fernades Vieira não havia esquecido, prática que exercerá alguns anos depois ao assumir
o governo de Angola.
O exemplo de Fernandes Vieira, enquanto escabino português da câmara mais
importante do Brasil holandês, talvez seja o que mais tenha representado o desconforto da
administração nassoviana. Do lado neerlandês, o contato com um elemento local que
exercia liderança em seu grupo era fundamental para enraizar as suas teias
administrativas na conquista.
Após o regresso de Nassau para os Países Baixos, em maio de 1644, o Alto
Conselho, representado pelos senhores Hamel, Bas e Bullestrate, sofreu com a
707
diminuição no orçamento que a WIC dispensava ao Brasil Holandês. A perda do
Maranhão e do Ceará havia dado ânimos aos luso-brasileiros que queriam se livrar do

706
Idem, p. 134. Dois anos antes, em 1643, ele havia sido acusado de conspirar contra a WIC, mas nada foi
provado. Segundo o autor, Fernandes Vieira alegou que “continuava a viver sossegadamente em seus
engenhos” e não a planejar qualquer insurreição contra os neerlandeses.
707
WAETJEN, op. cit., p. 222.

262
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governo holandês. Para reaver os prejuízos da manutenção do Brasil, os Diretores da


WIC ordenaram a cobrança aos devedores da mesma. Entre eles, Fernandes Vieira e
Jorge Homem Pinto na Paraíba. Hermann Waetjen descreve bem este quadro da seguinte
forma:

“Dentro de pouco tempo uma terrível excitação se apoderou da população da


Nova Holanda, dedicada a fabricação do açúcar e a agricultura em geral.
Choviam requerimentos, memoriais e representações, tendentes a demonstrar
claramente ao alto Conselho que não era possível que ele continuasse a proceder
daquela forma, sem perigo de provocar uma grande insurreição”. 708

A essa altura (segundo semestre de 1644 e início de 1645), as condições de


trabalho das câmaras de escabinos, à exceção da câmara de Maurícia, foram
desmanteladas. André Vidal de Negreiros e Fernandes Vieira preparavam a restauração
de Pernambuco. Mostrava João Fernandes Vieira a sua outra face à WIC, a face que
confirmou o deconforto experimentado por Nassau durante a sua presença no Brasil.

708
Idem, p. 225.

263
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Consideracões finais

Os aspectos da administração da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil


ressaltados neste trabalho de fato não esgotariam os problemas que os batavos
vivenciaram na sua conquesten que durou pouco mais de duas décadas. Longe, porém, de
apresentarmos conclusões radicais que atendam a uma determinada hipótese ou
hipóteses, pudemos, nos meandros das fontes, retomar os temas da guerrilha e da justiça
no Brasil holandês.
No esteio de trabalhos anteriores, muito bem elaborados, este trabalho procurou
percorrer pequenas brechas abertas por historiadores sobretudo nacionais. Tornou-se
difícil, em certos momentos, transpormos os limites das fontes e tornar mais claro o dia-
a-dia da administração como no caso dos escabinos. No entanto, ao menos, foi possível
realizar uma ligação entre essa instituição e a situação administratica anterior (dos anos
1635-36). Os escabinos, portugueses e neerlandeses, não surgiram do nada ou da idéia de
se implantar tribunais locais pura e simplesmente. Pelo contrário, a instituição é que veio
encontrar no Brasil elementos já anteriormente ligados à WIC. Nesse sentido, pudemos
ver continuidades entre o governo nassoviano e a fase dos kleine profijten. Continuidades
porque o sistema de comunicação fluvial do qual se serviu a administração de Nassau
teve início antes de sua chegada. Continuidades, também, pelo fato de Nassau ter herdado
a falta de víveres para as tropas e ter aprendido (na medida do possível) à força a se
abastecer sem ter que olhar para o oceano a espera de uma remessa de víveres dos Países
Baixos. Méritos de Nassau? Pode ser. No entanto, são méritos também que o conde
alemão pode muito bem dividir com alguns administradores e militares que vieram antes
dele. Não se trata, que isso fique bem evidente, de diminuir o papel de Nassau no
governo do Brasil. Trata-se, pois, de não reduzirmos o governo do Brasil holandês à sua
pessoa.
Outros “desconfortos” poderiam ser verificados na administração nassoviana, mas
que infelizmente não puderam ser abordados neste trabalho. Seria talvez a ocasião de se
sugerir um quinto capítulo que tratasse de três temas menores. Um primeiro seria estudar
como Nassau e o Alto Conselho lidou com a fuga de escravos e os prejuízos que os
bosnegers (negros da mata) causavam aos proprietários do interior. Como se sabe, no

264
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Brasil, os neerlandeses passavam a ter contato mais direto com as vicissitudes de uma
sociedade escravista. Não é a toa que tinham a palavra “capitão- de - campo” e a
atividade de perseguir quilombolas como algo novo em seus currículos. Afinal de contas,
não foi de uma hora para outra que se fez um Jan Blaer. No caso deste último, por
exemplo, a acapacidade de alcançar os mocambos dos Palmares foi resultado de anos de
quase mimetismo à geografia local e de adptação ao clima. Jan Blaer tornou-se mesmo
um capitão-do- mato tal qual os brasílicos que exerciam esta atividade. Outra questão, ou
“desconforto” que enfrentou Maurício de Nassau e o Alto Conselho foi a dificuldade em
se resolver problemas que ocorriam em lugares tão distantes do Recife como no Rio
Grande, no Maranhão e no São Francisco. Maurício Nassau se via cercado de pequenas e
grandes escalas de ação. No final das contas, a sua incapacidade para a resolução de
problemas nos limites da conquista chegou logo após a sua brilhante idéia em conqusitar
o Maranhão, Sergipe, São Jorge da Mina e Luanda. Se, por um lado, Nassau “fechava” o
Atlântico sul às coroas ibéricas, fazendo dele o seu mare clausum, por outro, começava
ele mesmo a perceber as dificuldades em se governar sem apoio bélico e financeiro.
Nassau, mais que qualquer um outro, tinha uma boa noção dos problemas que o
acompanhavam em torno do Recife e longe dele.
A questão do abastecimento de farinha de mandioca para a WIC continua ainda
em aberto. Qual seria o volume da produção de farinha das aldeias indígenas dispostas ao
redor do Recife? Ela era para o consumo próprio ou se destinava também às tropas
neerlandesas? Pelo jeito, as dúvidas são maiores que as conclusões.

265
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Anexo I

Tráfego de embarcações em Pernambuco


1630
Natureza Nome Chegada/saída Soldados Carga Procedência Câmara
/destino
1. navios - 10/03 665 - Paises -
(9 chegada Baixos
embarcações) (procede)
2. Iate De Braeck 10/03 - - Paises -
Saída Baixos
(destinos)
3. navios (8 - 23/03 - - Ilha Santa -
709
embarcações) (saída) Helena
(destino)
4. navios (5 - 15 e 16/04 - Viveres Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
5. navios (4 - 24/04 - açúcar Paises -
embarcações) (saída) Baixos
(destino)
6. navios (3 - 30/04 150 Víveres e Países -
embarcações) (chegada) munições Baixos
(procede)
7. navios (8 - 05/05 - - Índias -
embarcações) (saída) Ocidentais
(destino)
8. navios (2 - 08/05 - - Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
9. navio - 09/05 - - Paises -
(chegada) Baixos
(procede)
10. navio - 23/05 - - Países -

709
Com o objetivo de espreitar embarcações espanholas.

266
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(chegada) Baixos
11. Iate - 29/07 Soldados - Países -
(saída) inválidos Baixos
(destino)
12. navio Gellerlandt Países
13. navio Bruin Visch Baixos
31/07 55 Víveres (procede) -
(chegada)
14. Iate - 13/08 -
(chegada) Víveres e Países
15. navios (2 - 17/08 “poucos munições Baixos -
embarcações) (chegada) soldados” (procede)
16. navios (6 - 19/08 - - Países -
embarcações) (saída) Baixos
(destino)
17. Iate Bruin Visch 20/08 Escravos - Fernando -
(saída) para de Noronha
servir à
WIC
18. Iate - Países Zelândia
11/09 - Víveres Baixos
(chegada) (procede)
19. navio - Países Holanda
20. navio - 20/09 64 Víveres e Baixos Zelândia
(chegada) munições (procede)
21. Iate - Países
30/09 40 - Baixos Holanda
(chegada) (procede)
22. Iate Overijssel 02/10 Pau-brasil Paises
710
(saída) 120 e sinos Baixos -
(destino)
23. Iate De 08/10 Variados Países
711
Leeuwein (saída) - objetos Baixos -
(destino)
712
24. navios (11 23/10 Bahia

710
Dentre eles, alguns cegos.
711
Possivelmente resultado de pilhagens.

267
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embarcações) - (saída) - - (destino) -


25. navio De Swarte Paises -
Ruyter 27/10 - - Baixos
26. navio Arca Noe (saída) (destino) -
27. Iate Pernambuco 31/10 - - Países -
(chegada) Baixos
(procede)
28. Iate Curae - Víveres e Países
80 material Baixos -
29. ‘navio - - de (procede)
713
mercante’ construção -
30. Charrua Enckhuisen 17/11 Víveres Países -
714
(chegada) 50 Baixos
(procede)
31. Charrua - 30/11 - Sal, - -
(chegada) cebolas e
715
alho
32. navio - 04/12 Viveres Países Groeningen
(chegada) 40 Baixos
(procede)
33. navios (6 - 05/12 - Açúcar e Bahia e -
716
embarcações) (chegada) fumo Cabo de
Santo
Agostinho
(procede)

1631

1. navio - 01/01 50 Objetos Países -

712
Com a missão de patrulhar o litoral.
713
O cronista parece discernir aqui entre ‘navio mercante’ e ‘navio de guerra’, do que depreende que os
outros navios mencionados são ‘mercantes’. Quanto a carga, é bem provável que os soldados tivessem
vindo no Iate, enquanto que os viveres e o material de construção no ‘navio mercante’.
714
Espécie de embarcação de pequeno/médio porte.
715
Resultado de uma presa de embarcação espanhola, onde se aprisionou 15 pessoas.
716
Resultado do apresamento de uma caravela portuguesa.

268
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(chegada) variados Baixos


(procede)
2. navio - 02/01 40 - - -
(chegada)
3. barca Zuickerbroode 04/01 - - Índias -
(saída) Ocidentais
718
4. navios - 05/01 - - (destino- -
(3 (saída) Ilha de São
embarcações) Martinho)717
5. navio De Kat 719 07/01 - Víveres Países -
(chegada) Baixos
(procede)
6. navio - 11/01 - 84 caixas de - -
720
(chegada) açúcar
7. navio Amersfoort 14/01 50 Víveres Países -
(chegada) Baixos
(procede)
8. Iate - 17/01 - Armas e - -
721
(cruzador) (chegada) provisões
9. navios ( 2 - 24/01 90 Provisões Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
10. navios (2 - 27/01 100 - Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
11. navio - 14/02 - Viveres Países -
(chegada) Baixos
(procede)
12. navio - 15/02 - - Costa do -
722
(chegada) Nordeste
(procede)

717
A finalidade era de ser carregada, na dita ilha, de alguma carga que o cronista não especifica.
718
O cronista especifica como sendo “navios de provisões”.
719
O cronista brinca com o nome ‘De Kat’ (o gato) ao afirmar que “o gato traz comida para o rato
faminto”. Isso, é claro, em alusão à falta de víveres entre as tropas da WIC que serviam em Pernambuco.
720
Resultado do apresamento de uma pequena caravela espanhola.
721
Carga proveniente do apresamento de uma barca espanhola.
722
O cronista refere-se como sendo um navio que “saiu à aventura”/ Possivelmente no litoral do Nordeste.
Trouxe como prisioneiro um pirata francês.

269
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13. navios (2 - 16/02 - - Europa -


embarcações) (chegada)
723

14. Iate Den Eenhoorn 24/03 Soldados - Países -


(saída) inválidos Baixos
(destino)
15. navio e 2 - 26/03 2 - Cabo de -
chalupas (saída) companhias Santo
de Agostinho
escopeteiros (destino)
16. navios (3 - - - Litoral da -
embarcações) Bahia
28/03 (procede)
17. charrua - (chegada) - Pranchões e Países -
diversos Baixos
materiais (procede)
18. navio - 02/04 45 - Países -
(chegada) Baixos
(procede)
19. navios (3 - 06/04 50 Provisões Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
20. navios (5 Prins Willem, 14/04 Não Provisões Países -
embarcações) Uytrecht, De (chegada) especifica Baixos
e uma Windhond, De (procede)
charrua Raaf
21. navios (2 De Otter; De 24/04 Não Viveres e Países -
embarcações) Voghel (chegada) especifica provisões Baixos
Phoenix (procede)
22. chalupa - 30/04 - - Itamaracá -
(chegada) (procede)
23. navio Griffoen 11/05 50 Provisões Países -
(chegada) Baixos

723
Segundo o cronista: “Trazem notícia [os navios] de que D. Frederico [D. Fradique] partira da Espanha,
com 64 velas, não se sabendo se pretende vir aqui [para Pernambuco]. Referiram também que sua
Majestade o Rei da Inglaterra mandara euipar 100 navios, e que em Bleney estavam 11 prontos para
seguirem a mencionada frota espanhola”. Ref. RICHSHOFFER, op. cit., p. 104.

270
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(procede)
24. navio Amsterdam 13/05 Quantidade Objetos Países -
(chegada) não utilitários Baixos
especificada (procede)
25. navio Holanda 18/05 100 Viveres Países -
(chegada) Baixos
(procede)
26. navio De Halve 21/05 - Vitualhas Países -
Maen (chegada) Baixos
(procede)
27. ‘navio - 25/05 30 Provisões Países -
mercante’ (1) (chegada) Baixos
e charrua (1) (procede)
28. charruas - 29/05 51 Viveres Países -
(2 (chegada) Baixos
embarcações) (procede)
29. navio - 30/05 “pouca Viveres e Países -
(chegada) tropa” munições Baixos
(procede)
30. navio Dortrecht 31/05 104 - Países -
(chegada) Baixos
(procede)
31. navio Prins 04/06 - 150 caixas Cabo de -
Mauritius (chegada) de açúcar e Santo
724
tabaco Agostinho
(procede)
32. navios - - Provisões Países -
mercantes (2 05/06 Baixos
embarcações) (chegada) (procede)
33. Iate Amersfoort - 150 tonéis Litoral da -
de vinho Bahia
espanhol e (procede)
10 peças de

724
Resultado do apresamento de um navio espanhol.

271
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artilharia
725

34. navio Arca Noe 07/06 - Vinho de Países -


(chegada) Espanha e Baixos
mercadorias (procede)
726

35. navio Donderkloot 10/06 90 150 pipas de Países -


(chegada) vinho Baixos
727
espanhol (procede)
36. navio - 17/09 - - Países -
(chegada) Baixos
(procede)
37. navios (16 - 22/09 - - Países -
embarcações) (chegada) Baixos
(procede)
38. navio Omlandia 20/10 Sem Víveres Países -
(chegada) soldados Baixos
(procede)
39. navio - 21/10 - Provisões Países -
(chegada) Baixos
(procede)
40. navio De Goude 21/11 - - Países -
Leeuw (procede) Baixos
(procede)
728
41. navios (19 - 02/12 - - Paraíba -
embarcações) (saída) (destino)
42. navios (19 - 14/12 - - Paraíba -
embarcações) (chegada) (procede)
43. navios (14 - 21/12 19 - Rio Grande -
navios) (saída) companhias do Norte
(destino)

725
Resultado do apresamento de um navio espanhol. Dessa vez, segundo o cronista, “o capitão e todos os
tripulantes foram salvos e trazidos prisioneiros para aqui [o Recife]; assim como muitas cartas achadas com
eles foram entregues junto com o capitão espanhol ao Governador”. RISCHOFFER, op. cit., p. 118.
726
Resultado do apresamento de um navio espanhol que ia comerciar escravos em Angola.
727
Resultado do apresamento de um navio espanhol.
728
Segundo carta do Coronel Wanderbuch aos Estados Gerais, a saída deu-se no dia 03 de dezembro e
utilizou-se 14 embarcacações em vez de 19, como registrou Rischoffer. Podemos, seguramente, dar mais
crédito à informação do primeiro. Ref. Documentos holandeses, op. cit, p. 97.

272
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1632

1. navios (19 - 15/01 13 - Litoral Sul -


embarcações) (saída) companhias de
Pernambuco,
Rio Formoso
(destino)
2. chalupas - 02/02 13 - Itamaracá -
(saída) companhias (destino)
3. navios - 18/02 300 soldados - Fernando de -
(saída) doentes Noronha
(destino)
4. Iate De Eenhoon 28/02 - - Países Baixos -
(chegada) (procede)
5. Iate De Brack 11/03 - 260 caixas Países Baixos -
(chegada) de açúcar e (procede)
729
tabaco
6. navios (19 - 11/03 14 - Cabo de -
embarcações) (saída) companhias Santo
Agostinho
(destino)
7. navios (12 - 14/03 - - Litoral Sul -
embarcações) (chegada) de
Pernambuco
(procede)
730
8. navios (7 - 20/03 - Açúcar Rio Formoso -
embarcações) (chegada) (procede)
9. charruas - 21/03 34 Provisões Países Baixos -
(2 (chegada) (procede)
embarcações)
10. navios (2 Donderkloot 01/04 Primeiras - Índias -
embarcações) e De Goude (saída) tropas Ocidentais
Leeuwe “velhas” (destino)

729
Resultado de apresamento de uma caravela espanhola.
730
Resultado de apresamento de duas caravelas espanholas “bem carregadas de açúcar” próximo ao Rio
Formoso.

273
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que
serviram em
Pernmabuco
11. navios (4 Arca Noe, - Açúcar Países Baixos -
embarcações) Het Wapen (destino)
van Delft,
De Faeger, 11/04
Pater (saída)
12. navios (6 - Soldados - Índias -
embarcações) veteranos Ocidentais
(destino)

Tabela de embarcações que entraram e saíram do porto Recife 731


(Ano 1635)

Natureza Nome Data Soldados Carga e/ou Procedência/desti Câmara


informações no
1. Navio Walcheren 27/03 166 Farinha e Paises Baixos Zelândia
entrada outros (procede)
2.Cruzador DeVlederm 29/03 - - Barra Grande -
uis entrada (procede)
3.Cruzador Ter Veere 29/03 - Açúcar e pau- Paraíba e Paises -
saída brasil Baixos (destino)
4.Cruzador T’Wapen 29/03 - Açúcar e Pau- Paraíba e Paises -
van Hoorn saída brasil Baixos
(destino)
5. Navio Adam e Eva 02/04 89 Munições e Paises Baixos Groningen
entrada provisões (procede)
6. Navio Salamander 02/04 200 Munições e Paises Baixos Amsterda
entrada provisões (procede) m
7. Barco Gijseling 05/04 - - Paraíba -
entrada (procede)
8.Chalupa Duitzendbee 06/04 - 2 pipas de Itamaracá -
n entrada cal;700 (procede)
bananas e 20

731
Informações Colhida nas Dagelijckse Notulen do governo holandês no Brasil.

274
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cocos de
Igarassu
9. Navio Walcheren 06/04 - Provisões e Cabo de Santo Zelândia
saida munições Agostinho
(destino)
10. Navio Ter Veere 11/04 Quantida Provisões Paises Baixos Zelândia
entrada de não outros (procede)
informada
11.Navio Sint Martijn 12/04 48 Provisões Paises Baixos Zelândia
entrada (procede)
12.Chalupa Duizenbeen 13/04 - 320 cocos Itamaracá -
entrada (procede)
13.cruzador De 13/04 - - Barra Grande -
Vledermuis saida (destino)

14.cruzador De Bonte 13/04 - - Cabo de Santo -


Craij saida Agostinho e Barra
Grande
(destino)
15.cruzador Ceulen 13/04 - - Não informada -
entrada
16.cruzador Ceulen 15/04 - Provisões Sul de Pernambuco -
saida (destino)
17.navio Nossa 15/04 - 93,5 pipas de Costa de Angola -
(aprisionado Senhora do chegada vinho (procede)
pelo cruzador Carmo
Itamaracá)
18.cruzador Gijseling 16/04 - Cartas do Sr. Paraíba -
chegada Carpentier (procede)
pedindo
provisões
19.navio Sint Martha 16/04 - - - Zelândia
chagada
20. 2 barcos - 16/04 - 7 caixas de Ilha em frente ao -
chagada açúcar branco Forte Amélia
e mascavado (procede)
21. cruzador Lichthart 19/04 - - Sul de Pernambuco -
(sofreu chegada (procede)
avarias)
22. cruzador Lichthart 21/04 - Provisões Sul de Pernambuco -
saida (destino)

275
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23. cruzador De 22/04 - 68,5 caixas de Goiana -


Goutvinck chagada açúcar para a (procede)
24.cruzador De Spreeuw - WIC e 15 para -
serem
vendidas a
particulares
25.cruzador Gijseling 23/04 Efetivo Provisões e Porto Calvo -
Saída não carta ao (destino)
informado comandante
Lichthardt
26.cruzador De 24/04 - Carta do Barra Grande -
Vledermuis chagada comandante (procede)
Lichthardt
27.cruzador De Sperwer 25/04 - Carta de Paraíba Zelândia
van Zeeland chagada Carpentier (procede)
solicitando
viveres
28.navio De Liefde 27/04 37 Descarregou Paises Baixos Amsterda
chegada em função de (procede) m
uma
tempestade na
Inglaterra
29.cruzador De Sperwer 01/05 - Missiva para Paraíba Zelândia
saida Carpentier e (destino)
2.700 florins
30.cruzador De 01/05 - - Goiana -
Goutvinck saida (destino)
31.cruzador De Spreeuw 01/05 - Missiva para Goiana Zelândia
saida Eijsens e 1.200 (destino)
florins
32. chalupa Groningen 04/05 - Missiva do Itamaracá -
chegada Capitão Jacob
Petri e 6 pipas
de cal
33.cruzador Gijseling 07/05 36 Provisões para Cabo de Santo -
saida o governador e Agostinho
o Sr. Schott (destino)
34.cruzador De 12/05 - - Porto Calvo -
Vliegende chegada (procede)
Sperwer
35.cruzador De 23/05 - - Porto calvo -

276
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Leeuwerick chegada (procede)


36. cruzador De 24/05 - Carregará 12 Itamaracá, Goiana -
Goutvinck saida caixas de e Paraíba
açúcar, (destino)
passará em
Goiana e irá
abastecer um
navio na
Paraiba
37. cruzador Schoppe 25/05 - - Cabo de Santo -
chegada Agostinho
(procede)
38.barco Nossa 25/05 1 capitão e 100 potes Cabo de Santo -
Obs: Senhora do Chegada cinco pequenos de Agostinho
aprisionado Rosário marinheir óleo de feijão, (procede)
pelo cruzador os 72 tonéis de
Schoppe no bacalhau,12
Cabo de Sto tonéis de
Agostinho sardinha, 3000
vadem de
pavio e 4
toneis de
farinha
portuguesa
39. navio Pernambuc 27/05 - Açúcar Porto Calvo -
o chegada (procede)
40. navio Erasmus 27/05 - Carta do Porto Calvo -
chegada Fiscal de (procede)
Ridder
pedindo
viveres
41. cruzador De Bonte 27/05 - Madeira para Itamaracá -
Craij chegada as padarias do (procede)
Recife
42. cruzador De 27/05 21 Provisões para Rio Grande do -
Leeuwerick Saída o Forte Ceulen Norte
(destino)
43. barco Nossa 27/05 - Missiva para o Sul de Pernambuco -
Senhora do Saída capitão Jan (destino)
Rosário Vos
44. navio Mauritius 29/05 - Provisões Alagoas -

277
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Saída (destino)
45. cruzador Gijseling 29/05 - Açúcar e Porto Calvo -
chegada missiva do (procede)
capitão de
Ridder
46. cruzador Schoppe 30/05 - 2 missivas Porto calvo -
saida para o capitão (destino)
de Ridder e
provisões
47. cruzador De 08/06 - Sem provisões Paraíba Amsterda
Meerminne chegada (procede) m
48. cruzador De 16/06 - - Ilha de Santo Amsterda
Meerminne chegada Aleixo m
(procede)
49. navio Het Land 19/06 Sem Provisões Paises Baixos Amsterda
Fluit van Belofte chegada soldados (procede) m
50. navio De 19/06 - Sem provisões Cabo de Santo -
Winthond chegada Agostinho
van Hoorn (procede)
51. navio De Moriaen 28/06 - Provisões e Cabo de Santo -
Saída munições Agostinho
(destino)
52. cruzador De 29/06 - - Bahia -
Vledermuis chegada (procede)
53. cruzador Snaphaen 29/06 - Busca de Não informado -
saida materiais para
a construção
do forte de
Barra Grande
54. navio Het Land 10/07 - Será Índias Ocidentais e -
van Belofte saida carregado de Paises baixos
sal
55. cruzador De 17/07 soldados - Cuba e Paises Amsterda
Meermine saida portugues Baixos m
es (destino)
prisioneir
os
56. cruzador De 17/07 soldados - Cuba e Paises Zelândia
Zuijdsterre saida portugues Baixos
es (destino)
prisioneir

278
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os
57. cruzador Schoope 17/07 soldados - Cuba e Recife -
Saída portugues (destino)
es
prisioneir
os
58. barco Angola 17/07 soldados - Cuba e Paises -
Saída portugues Baixos
es (destino)
prisioneir
os
59. cruzador De 17/07 - Carta do Barra Grande -
Kemphaen chegada Fiscal de (procede)
Ridder
60. cruzador De Bonte 30/07 - - Cabo de Santo -
Craij chegada Agostinho
(procede)
61.cruzador De 30/07 - - Cabo de Santo -
Kemphaen chegada Agostinho
(procede)
62.cruzador De 30/07 - - Cabo de Santo -
Winthond chegada Agostinho
van Hoor (procede)
63. navio Enckhuisen 02/08 - Aprisionou um Bahia -
chegada navio de (procede)
Lubeck no
litoral da
Bahia
64. navio Não 02/08 - 27 peças de Bahia -
(aprisionado) informado chegada artilharia, (procede)
tabaco, pau-
brasil e 1.900
caixas de
açúcar
65. cruzador Ceulen 02/08 - - - -
Saida
66. cruzador De 02/08 - Provisões Porto Calvo -
kemphaen Saída (destino)
67.cruzador De 02/08 - Provisões Porto Calvo -
Vinthond Saída (destino)
van Hoor

279
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68.cruzador De Spreeuw 04/08 - - Porto Calvo Amsterda


chegada (procede) m
69. cruzador De 06/08 - - Não informado -
Vliegende Chegada
Spewer
70. cruzador Tortelduijf 06/08 - - Não informado -
Chegada
71. navio De Bonte 06/08 Quantida Viveres, Paises Baixos Groningen
Craij Chegada de não artigos para o (procede)
informada comércio e
material para
o exército;
missiva da
Câmara de
Groningen
72. cruzador De 06/08 - Missiva para Paraíba Zelândia
Leeuwinne Saída Carpentier (destino)
73.cruzador De 06/08 - -
Kemphaen Chegada
74. cruzador De 06/08 Soldados 800 alqueires Cabo de Santo -
Goutvinck Chegada espanhóis de farinha Agostinho
75. cruzador De 06/08 prisioneir - (procede) -
Winthond Chegada os
de Hoor
76. navio De Swaen Provisões
77. navio Erasmus (receberam Índias
78.navio Mercurius instruções Ocidentais(Ilhas
13/08 Não para Marguerita e -
Saida informado carregarem-se Curaçau)
79. navio Ernestus de sal e (destino)
madeira em
Curaçau)
80. barco - 13/08 - - Porto Calvo -
chegada (procede)
81. cruzador Ceulen 13/08 - 24 caixas de
chegada açúcar do - -
Arraial do
Bom Jesus
82. cruzador Deventer 16/08 - Provisões - -
chegada
83. navio Salamander

280
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84. navio Walcheren 16/08 Poucas Litoral da Bahia


85. navio De Maagd chegada - provisões (procedem) -
van Dort
86. navio De Faem
87. navio Westfrieslan 16/08 94 Provisões e Paises Baixos Maas
d chegada cartas da (procede) (Roterdam
Câmara de )
Maas
88. cruzador De 16/08 - - Cabo de Santo -
Kemphaen chegada Agostinho
(procede)
89. cruzador De 16/08 - Provisões Barra Grande, Delft
Vliegende Saída Porto Calvo e
Sperwer Santo Antônio
(destino)
90. cruzador De 17/08 - Trouxe carta Santo Antônio -
Canarievoge Chegada de Arcizewnsk (procede)
l
91. cruzador De Spreeuw 26/08 - Viveres e Santo Antonio Amsterda
Saída munições (destino) m

92.barco - 26/08 - Cartas Santo Antonio -


(grande) chegada pedindo (procede)
viveres
93. navio Enckhuisen 28/08 - Será - -
chegada carregado de
açúcar
94. barco De Nortsche 30/08 - - Santo Antônio -
(avariado) pip chegada (procede)
95. navio Alckmaer 30/08 - Viveres, Paises Baixos Amsterda
chegada material de (procede) m
trem e bens
para comércio
96. cruzador De 30/08 - - Barra Grande Maas
(avariado) Vliegende chegada (procede) (Roterdam
Spreeuw )
97. 3 barcos - 05/09 - - Porto Calvo -
portugueses chegada (procedem)
98. navio Overijsel 07/09 - - Bahia -
99. navio De Haes Saída - - (destino) -
100. barcos - 08/09 Prisioneir - Índias Ocidentais -

281
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portugueses Saída os luso- (destino)


brasileiros
101.cruzador De Spreeuw 10/09 - - Paraíba Zelândia
Chegada (procede)
102.cruzador Lichthart 12/09 - Viveres e São Gonçalo -
Saída artilharia (destino)
103.cruzador De Spreeuw 13/09 - - Porto Calvo Amsterda
Chegada (procedência) m
104. navio Salamander - - -
105 navio Walckeren - - -
106. navio De Maagd 18/09 - - Barra Grande -
van Doort Saída (destino)
107. navio De Faem - - -
108. navio De Sperwer 18/09 - - Barra Grande Zelândia
chegada (procede)
109. navio Alckmaer 23/09 - Carga não Índias Ocidentais e Amsterda
Saída especificada Paises Baixos m
(destino)
110.cruzador De 23/09 80 Viveres e Sul de Pernambuco -
Canarievoge Saida produtos para (destino)
l comércio
111.navio De - Carga não -
Wesfrieslan especificada
dt 30/09 Índias Ocidentais e
112.chalupa - Saída - Completara a Paises baixos -
(acompanhan sua carga nas (destino)
d o o navio Índias
Westferieslan Ocidentais
d)
113.cruzador De 30/09 - Viveres Itamaracá -
Goutvinck chegada (procede)
114.chalupa Groningen 30/09 - - Não informado -
chegada
115.cruzador De 30/09 - - Rio Grande do -
Bontecraij chegada Norte
(procedência)
116. navio Overijssel 30/09 - - Bahia -
chagada (procedência)
117.cruzador De 03/10 - Pau-brasil Cabo de Santo -
Bontecraij Saída para abastecer Agostinho
o navio De (destino)

282
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Moriaen
118.navio de De 03/10 - - Índias Ocidentais e -
carga Wassende Saída Paises Baixos
Maen
119.cruzador De 05/10 - Carta do São Gonçalo -
Canarievoge chegada Governador (procedência)
l pedindo 3 Cias
de soldados
120. navio Ter Toolen 05/10 Quantida Viveres Sul de Pernambuco -
Saída de não (destino)
informada
121.cruzador De Spreeuw 05/10 - Viveres Sul de Pernambuco Amsterda
Saída (destino) m
122.navio Overijssel 05/10 - - Paraíba -
chegada (procede)
123. barco Passmoij 08/10 - Será Ilha de Santo -
(fluit) Saida abastecido Aleixo
pelo navio (destino)
Hércules
124.cruzador De Cambe 08/10 - Viveres e Cabo de Santo -
Saída munições Agostinho
(destino)
125. navio Sint Clara 08/10 - Bens de Paises Baixos Amsterda
chegada comércio, (procede) m
ervilhas,
feijão, cevada
e farinha/carta
do Cons. XIX
126. galeão De Doffer 08/10 - Controlar o Ilha de Santo -
Saída descarregame Aleixo
nto do (destino)
Hércules
127.cruzador De 12/10 - Pau-brasil Rio Grande do -
Bontecreij chegada Norte
(procede)
128.cruzador Kemphaen 12/10 - - Santo Antonio -
chegada (procede)
129.cruzador Lichthart 12/10 - - Santo Antonio -
chegada (procede)
130.cruzador De 18/10 - Viveres Paraíba -
Leeuwerick Saída (destino)

283
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131.galeota Het Duifjie 18/10 - Tinha levado Itamaracá -


chegada materiais p/ a (procede)
ilha
132. navio De 19/10 - Recebera a Ilha de Santo -
Speeljatch Saída carga do Aleixo
Hércules (destino)
133. galeota De Doffer 27/10 - - Ilha de Santo -
chegada Aleixo
(procede)
134.cruzador Itamaracá 31/10 - Pau-brasil Ilha de Santo -
chegada Aleixo
(procede)
135.cruzador De 31/10 - Viveres e Santo Antonio -
Winthond Saída munições (destino)
van Hoor
136.cruzador De Cauwe 31/10 - Viveres Cabo de Santo Zelândia
Saída Agostinho
(destino)
137. fluit De Zeerob 03/11 - Pau-brasil e Ipojuca -
Chegada e cidadãos livres (destino)
saída
(permanênc
ia de 1 hora
no Recife)
138.cruzador De Spreeuw 08/11 - - Santo Antônio Amstrerda
chegada (procede) m
139.cruzador Lichthart 09/11 - Viveres Barra Grande -
Saída (destino)
140. navio De 09/11 - Óleo e vinho Paises Baixos Zelândia
Oragieboom chegada aprisionados (procede)
em butim
141.cruzador De Bonte 13/11 - Lenha para Itamaracá -
Craij chegada padaria (procede)
142.navio De Moriaen 19/11 - Pau-brasil e Cabo de Santo -
chegada açúcar Agostinho
(procede)
143.cruzador De 19/11 - Lenha para Paraíba -
Goutvinck chegada padaria (procede)
144.cruzador De Bonte 20/11 - Viveres Itamaracá -
Craij Saída (destino)
145. navio De Doffer 20/11 - Cartas de Sul de Pernambuco -

284
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chegada Arcizensck (procede)


146.cruzador De Spreeuw 23/11 - Viveres e Sul de Pernambuco Amsterda
Saída munições (destino) m
147.cruzador De Spewer 26/11 - Viveres Barra Grande Zelândia
Saída (destino)
148.cruzador De 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Kemphaen Saída (destino)
149.cruzador De 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Winthond Saída (destino)
150.cruzador De Spreeuw 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
151. navio Ter Tholen 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
152 .navio Salamander 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
153 .navio De Maagd 27/11 - - Sul de Pernambuco -
van Dort Saída (destino)
154. navio Walcheren 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
155. navio De Faem 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
156. navio Goeree 27/11 - - Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
157. cruzador Het Haentje 27/11 - Cartas Amsterdam -
chegada informando as (procede)
vitórias da
Espanha sobre
terras
neerlandesas
158. cruzador Het Haentje 28/11 - - Norte de -
saida Pernambuco
(destino)
159. cruzador De 28/11 - - Norte de Zelândia
Meermine Saída Pernambuco
(destino)
160. cruzador De Sperwer 28/11 - Viveres e Sul de -
Saída munições Pernambuco(?)
(destino)
161. cruzador - 06/12 - Veio Paises Baixos -
chegada comercializar (procedência)
pau-brasil

285
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162. cruzador De 06/12 - Viveres Paraíba -


Goutvinck Saída (destino)
163. cruzador De 06/12 - Viveres Sul de Pernambuco -
Meermine Saída (destino)
164. cruzador Canarevogel 06/12 - Viveres Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
167.navio Het Haus 06/12 - Foi buscar a Ilha de Santo -
van Nassau Chegada carga do navio Aleixo
Hercules (procede)
168. navio Spitsbergen 07/12 Cidadãos Bens de Paises Baixos -
Chegada –livres comércio, (procede)
vinho e
vinagre para a
WIC
169. navio De Sperwer 07/12 - Trouxe Barra Grande -
de Zeland Chegada informes (procede)
acerca da
marcha de
Arcizenski
para Alagoas
170. chalupa - 07/12 - Informa Paraíba -
Chegada acerca do (procede)
carregamento
do navio
Mauritius
171. navio Overijssel 07/12 - - Ilha de Santo -
Saída Aleixo
(destino)
172. cruzador De 15/12 - - Foi buscar os -
winthond Chegada navios que se
van Hoor encontravam nas
latitudes 10 e 11
graus de latitude
173. cruzador De 15/12 - - Latitude 10 e 11 -
Leeuwinwe Chegada graus
(procede)
174. cruzador Zeeridder 15/12 - - Latitude 10 e 11 -
Chegada graus
(procede)
175. cruzador Ceulen 15/12 - Informa cerca Sul de Pernambuco -
Chegada da falta de (procede)

286
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viveres das
tropas de
Alagoas
176. galeota De Doffer 16/12 - Açúcar Barra Grande -
Chegada (procede)
177. cruzador De 16/12 - Informa - -
Sprreeuw Chegada acerca da
de Zelândia vinda da
esquadra
espanhola
178. cruzador De Cauwe 16/12 - Informa a - Zelândia
Chegada falta de viveres
do Sr.
Stachouwer
179. cruzador De 17/12 - - - -
Canarivogel Chegada
180. cruzador De 17/12 - Missiva do Sr. Paraíba -
Goutvinck Chegada Eijsens (procede)
181. galeota De Duijft 23/12 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
182. cruzador De Cauwe 23/12 - Provisões Itamaracá -
Saída (destino)
183. navio De 23/12 - Bens para os Amsterdam Amsterdã
Holandsche Chegada cidadãos (procede)
Tuijn livres,
viveres,armas
e material de
artilharia
184. navio Enckhuisen 23/12 - Pau-brasil - -
Saída
185. cruzador Het Haentje 27/12 - Noticias do Sul de Pernambuco -
Chegada possível (procede)
ataque inimigo
por terra
186. cruzador Lichhart 27/12 - Noticias do Sul de Pernambuco -
Chegada possível (procede)
ataque inimigo
por terra
187. cruzador De 31/12 - - Sul de Pernambuco -
Canarivogel Chegada (procede)

287
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(Ano 1636)
Natureza Nome Data Soldados Carga Procedência/destino Câmara
1. cruzador Goutvinck 03/01 - - Paraíba -
Saída (destino)
2. cruzador De Doffer 03/01 - - Paraíba -
Saída (destino)
3. cruzador Ceulen 03/01 - Viveres Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
4. cruzador De Cauwe 07/01 - Munições Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
5. cruzador De Phaesant 07/01 - 62 caixas de Ilha de Santo -
Chegada açúcar Aleixo
(procede)
6. navio Goeree 07/01 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
7. cruzador De Bonte 08/01 - Munição Sul de Pernambuco -
Craij Saída (destino)
8. cruzador De 17/01 - Viveres e Barra Grande -
Canarivogel Saída munição (destino)
9. cruzador De winhond 18/01 - Cartas Barra Grande -
van Hoorn chegada pedindo (procede)
viveres
10. cruzador De Doffer 18/01 - Mercadorias Paraíba -
Saída para cidadãos (destino)
livres e viveres
para as
guarnições
11. cruzador Lichthart 18/01 - Viveres Barra Grande -
Saída (destino)
12. navio Salamander - Navegar em -
13. navio Walcheren - direção a -
14. navio Ht Wapen - Peripueira e -
van transportar o
Mademblick 19/01 exército de Peripueira/Barra
15. navio De Faem Saída - Arcizenscki Grande -
16. navio Overijssel - até Barra (destino) -
17. navio Ter Toolen - Grande -
18. navio Goeree - -
19. chalupa - 19/01 - - Serinhaém -
(chegada) (procede)

288
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20. navio De 19/01 Quantidade - Paraíba -


Meerminne Chegada não (procede)
informada
21. navio De 19/01 - - - Zelândia
Leeuwinne Saída
22. navio De goutvinck 19/01 - Bens de Paraíba -
Saída cidadãos livres (destino)
23. navio Out 19/01 - - Santo Aleixo -
Vlissingen Chegada (procede)
24. navio De Cauwe 19/01 - - Cabo de Santo -
Chegada Agostinho
(procede)
25.cruzador De Haes - Viveres e Barra Grande -
26. cruzador De Winthond 20/01 - material para (destino) -
van Hoorn Saída construção de
fornos
26. cruzador Het Haentje 21/01 - Trouxe Barra Grande -
Chegada noticias da (procede)
derrota de
Rojas y Borja
em Porto
Calvo
27. cruzador Vliegendehart 21/01 - Viveres Barra Grande -
Saída (destino)
28. cruzador De 22/01 - Viveres e Itamaracá -
Meerminne Saída recomendações (destino)
para que se
inspecione a
milícia
29. galeota De Doffer 24/01 - Missiva do Sr. Goiana -
chegada Eisens pedindo (procede)
viveres e um
cruzador para
transportar
açúcar
30. galeota De Doffer 27/01 Doentes e - Itamaracá -
Saída feridos (destino)
31. navio Amsterdam 27/01 Não Viveres e Amsterdam -
Chegada informado material de (procedência)
trem
32. cruzador De Phaesant 27/01 - Viveres Cabo de Santo -

289
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Saída Agostinho
(destino)
33. cruzador De Goutvinck 28/01 - - Paraíba -
Chegada (procede)
34. galeota De Doffer 01/02 - Carta pedindo Itamaracá
Chegada material de (procede)
construção -
para
construção do
Forte Orange
35. cruzador - 01/02 - Informações Cabo de Santo
Chegada sobre 13 Agostinho
navios (procede) Zelândia
holandeses que
estavam na
ilha de Santo
Aleixo
36. navio Out 04/02 - Noticia acerca Barra Grande -
Vlissingen Chegada de ataque do (procede)
inimigo a
guarnições da
região
37. navio De 06/02 - Viveres Rio Grande do -
Meerminne Saída Norte
(procede)
38. navio De 06/02 - Viveres Paraíba -
Leeuwinne Saída (destino)
39. galeota De Duijff 12/02 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
40. navio Salamander - - -
41. navio Ter Toolen - - -
42. navio De Faem 13/02 - - -
43. navio Dordrecht Saida - - Sul de Pernambuco -
44. navio Overijssel - - (destino) -
45. navio Walcheren - - -
46. navio De Phaesant 13/02 - Missiva Cabo de Santo -
Chegada pedindo Agostinho
viveres (procede)
47. cruzador Ceulen 13/02 - Missiva Barra Grande -
Chegada pedindo (procede)
viveres

290
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48. navio Enckhuijsen - - -


49. navio De Tijger - - -
50. navio De Moriaen - - -
51. navio De Bonte - - -
Coeij
52. navio St Clara *732 22/02 - Paises Baixos -
53. navio Speeljatch* Saída - (destino) -
54. navio Spitsbergen* - -
55. navio De - Açúcar e pau- -
Leeuwinne* brasil
56. navio Pasmoij* - -
57. navio Mauritius* - -
58. navio Zeerob* - -
59. cruzador Lichthart - Viveres Itamaracá -
(destino)
60. cruzador De Haen 23/02 - Viveres Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
61. navio Out 07/03 - Trouxe Litoral da Bahia -
Vlissingen Chegada informações (procede)
da luta
travada entre
navios da WIC
e 2 galeões
espanhóis no
litoral da
Bahia 733
62. navio Salamander - - -
63. navio Ter Tholen - - -
64. navio De Faem - - -
65. navio De Maecht - - -
van Doot 12/03 Litoral da Bahia
66. navio Overijssel Chegada - - (procede) -
67. navio Walcheren - - -
68. navio De - - -
Holandsche
Tuijn

732
(com asterisco) Embarcações saídas da Paraíba.
733
A noticia trazida por esta embarcação foi que os navios Salamander, Ter Tholen, De Faem, De Maecht
van Doort, Overijssel, Walcheren, Out Vlisssingen e De Holandsche Tuijn entraram em combate contra
dois galeões e um patacho espanhóis no litoral da Bahia. Na refrega, o navio Salamander saiu com o mastro
do traquete e o grande mastro avariados.

291
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69. navio Ter Tholen 12/03 - - Baia Formosa -


Saída (destino)
70. cruzador De Sperwer 14/03 - - Sul de Pernambuco -
Chegada (procede)
71. navio De 14/03 - Levou algumas Paraíba -
Leeuwvinne Saída “instructies” (destino)
do Recife
72. cruzador De Duijff 14/03 9 - Sul de Pernambuco -
Chegada prisioneiros (procede)
luso-
brasileiros
734

73. navio De Duijff 18/03 - Viveres Paraíba -


Saída (destino)
74. cruzador De Haen 20/03 - - Serinhaém -
Chegada (procede)
75. navio De Liefde Cidadãos- Informações Paises Baixos Amsterdam
livres das (procede)
76. navio De Trompet - embarcações
que viriam à
21/03 seguir 735
77.cruzador De Goutvinck Chegada - - Paraíba -
(procede)
78.cruzador De Zeeridder - - Zelândia
79.cruzador De - - Sul de Pernambuco -
Kemphaen (procede)
80.cruzador De Spreeuw 21/03 - Bens de Goiana Zelândia
Saída consumo (destino)
81.cruzador De Doffer 21/03 - - Serinhaém -
Chegada (procede)
82. navio Het Land van 22/03 - Viveres -
Belofte Chegada Paises Baixos

734
Entre eles, tinham 1 Alferes e 3 frades capuchinhos. Trouxeram também cartas para o almirante
Lichthart informando que os cruzadores De Spreweuw, De Winthond e De Leewinne navegariam até o
Porto Francisco (altura de Camaragibe?).
735
Segundo os tripulantes, sete embarcacoes viriam, em seguida, carregadas de viveres. A documentação
chama estes navio de Amsterdam de “navios de carga”. Os navios partiram de Texel no dia 1 de dezembro
de 1635.

292
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83. navio Haerlem 736 24/03 Soldados e bens de (procede) -


Chegada marujos comércio e
viveres
84.cruzador De Doffer 26/03 - Bens de Paraíba -
Saída comércio (destino)
85. navio Ter Tholen 26/03 - - Baia Formosa -
Chegada (procede)
86.cruzador De Phaesant - - Serinhaém -
(procede)
87. navio De Crabbe - - Paises Baixos -
27/03 (procede)
88.cruzador Ceulen Chegada - - Serinhaem -
(procede)
89.cruzador De Duijff 31/03 - - Paraíba -
Chegada (procede)
90. navio Out 01/04 - - Litoral da Bahia 737 -
Vlissingen Saída (destino)
91.cruzador De Brack 5 soldados - Paises Baixos Groningen
01/04 (procede)
92.cruzador Lichthart Chegada - 18 caixas de -
açúcar Serinhaem
93.cruzador Ceulen 13/04 - - (procede) -
Chegada
94.cruzador De Spreeuw 15/04 - - Paraíba -
Chegada (procede)
95. navio Zeelandt - - -
96. navio Domburch 15/04 - - Paises Baixos -
738 Chegada (procede)
97. navio De Soone - - -

98.cruzador De - Viveres Paraíba -


Leeuwerick (destino)
99.cruzador Ceulen 17/04 - - Serinhaém -
Saída (destino)
100. De Spreeuw - Viveres Sul de Pernambuco -
cruzador (destino)

736
Junto ao Haerlem vieram mais 15 navios, que sairam dos Paises Baixos no dia 15 de Janeiro. Todos
carregados de soldados, marinheiros, viveres e produtos para serem vendidos pelos cidadãos-livres. A
documentação, infelizmente, não especifica as embarcações. Chamou-se a atenção do navio Haerlem, pelo
fato desse ter trazido o conselheiro político Hendrick Schilt.
737
Foi em missão de saber se a armada espanhola ainda se encontrava nalgum porto daquela região.
738
Tais embarcações traziam uma embarcação ganhada aos luso-brasileiros (ao que tudo indica). A presa
estava cheia de vinho e viveres.

293
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101. navio Out 18/04 - Informações Litoral da Bahia -


Vlissingen Chegada sobre a frota (procede)
espanhola
102. navio Goeree 18/04 “tapuias” Viveres Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
103. Lichthart 21/04 - - Goiana -
cruzador Chegada (procede)
104. De Cauwe 24/04 - - Sul de Pernambuco -
Cruzador Chegada (procede)
105. De Phaesant 24/04 - Bens de Itamaracá -
Cruzador Saída comércio (destino)
106. navio Sint Michiel - Informações Litoral da Bahia Roterdam
de navios na (procede)
Bahia
107. De 26/04 - - Paraíba -
cruzador Vledermuis Chegada (procede)
108. Ceulen - Informando Serinhaém -
cruzador que as tropas (procede)
lá estavam sob
o comando do
governador
109. De Sperwer - Munição para Goiana -
cruzador 27/04 guerra (destino)
110. Ceulen Saída - Cartas para o Provavelmente -
Cruzador Governador para Serinhaém
111. - 27/04 - Aprisionaram Sul de Pernambuco -
Cruzadores Chegada um barco (procede)
739
espanhol
112. De Doffer - Munição de Cabo de Santo -
cruzador guerra Agostinho
(destino)
113. De Duijffer - - -
cruzador
114. De 29/04 - - -
Cruzador Vledermuis Saída São Gonçalo

739
Os nomes das embarcações não foram informados. O barco espanhol aprisionado transportava 36
prisioneiros (marinheiros, brasilianos e escravos). Também trazia muitas cartas que revelavam planos dos
luso-brasileiros em atacar as tropas da WIC a partir de Porto Calvo com um efetivo de 600 homens.

294
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115. De Haen - - (destino) 740 -


cruzador
116. De - - -
cruzador Kemphaen
117. De Sperwer - Informações São Gonçalo -
cruzador de que os luso- (procede)
brasileiros
29/04 tinham feito
Chegada um ataque ao
forte de
Peripueira
118. Lichthart - - Serinhaém -
cruzador (procede)
119. navio Het Wapen - - -
van São Gonçalo
Medenblick (destino) 741
120. navio Out 29/04 - - -
Vlissingen Saída
121. navio De Witte - - Paraíba -
742
Valck (destino)
122. navio Kampen - - -
123. navio De Faem 01/05 - - Ilha de Santo -
124. navio Overijssel Saída - - Aleixo -
743
125 navio Walcheren - - (destino) -
126. navio Ter Tholen 05/05 - - Paraíba -
Saída (destino)
127. navio Amsterdam - - Ilha de Santo -
128. navio Salamander - - Aleixo -
129. navio De 08/05 - - (destino) -
Hollandsche (saída)
Tuin
130. navio Haarlem - - Ilha de Santo -
131. navio De Goude 08/05 - - Aleixo -
Leeuw (saída) (destino)
132. navio Nassau - - -

740
Para fins de patrulhamento da costa sul da conquista, as instruções foram dadas no sentido de que essas
embarcações deveriam navegar ao máximo para o sul e o maximo possivel longed a costa.
741
O destino era se encontrar com as embarcações De Duijffer, De Vledermuis, De Haen e De Kemphaen
nos limites das latitudes 10 e 11,5 graus sul.
742
Foi ser carregado na Paraiba.
743
Na verdade, o destino final será cruzar o litoral da Bahia.

295
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133.cruzador De Doffer 12/05 - Viveres e Cabo de Santo -


134.cruzador De Dijffer (saída) - outros Agostinho -
(destino)
135. navio De Zoutberg 19/05 - Soldados 744 Serinhaém -
(saída) (destino)
136.cruzador Vledermuis 04/07 - Carta São Gonçalo -
(chegada) relatando a (procede)
falta de viveres

Anexo II
745
Lista de escabinos no Brasil Holandês (1637-1643)

Câmara da Paraíba

1637-38

Jorge Homem Pinto, Manuel D’Almeida, Isaacq de Rasiere, Garpar Fernandes


Dourado e Jan van Ool

1638-39

Jan van Ool e Manuel D’Almeida (reconduzidos), Alonso Francez, Geraldo Mendes
e Eduart Munickhoven

1639-40

Geraldo Mendes e Alonso Francez (reconduzidos), Manuel D’Azevedo, Francisco


Camelo de Valcácer, Manuel da Costa

1641-42

Francisco Gomes de Muniz, Gaspar van Solpten, Pieter Coets, Jacob Phibel,
Jacques van der Neese, Manuel Queiroz Siqueira e Sebastião da Cunha

744
A notulen fala que a embarcação irá se encontrar com outras que estão no sul da capitania de
Pernambuco. Fala-se numa quantidade de 2100 homens. Possivelmente, esse efetivo não era todo para o
navio em questão e sim seria dividido entre as embarcações que lá estavam.
745
Atas do Governo Holandês no Brasil.

296
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1642-43

Manuel Queiroz Siqueira, Sebastião da Cunha, Samuel Gerards, Michiel van de


Veene, Pieter Toenemann, Jan van Oolen e André Dias Figueredo

1643-44

Jan van Ool, Michiel van de Veene, Gaspar do Valle, Tomé (?) Leitão, Antônio de
Mattos Cardoso e André Dias Figueredo

Câmara de Itamaracá

1637-38

Johan Wijnants, Roelant Carpentier, Gonsalvo Cabral de Caldas, João Garcez, e


Estevão Couceiro de Serqueira

1638-39

Johan Wijnants e Estevão Couceiro de Serqueira (reconduzidos), David van Kessel,


Joris Stuart e Francisco de Souza Brito

1639-40

Francisco de Souza Brito e David van kessel (reconduzidos), Gonsalvo Cabral de


Caldas, João Garcez e Pieter Seullin

1641-42

Johannes Carpentier, Couret Pauli, Estevão de Couceiro Siqueira, David van kessel,
Jan Haeck, Francisco de Souza Brito e Rui vaz Pinto

1642-43

David van kessel, Francisco de Souza Brito, Rui vaz Pinto, Michiel Hendricks, Jan
(Johan) Wijnants, Francisco Soares e Noel de la Garame

1643-44

Michiel Hendricks, Jan Wijnants, Francisco Soares, Laubrecht Lieuvenso (?), Pieter
Seullen, Pedro de Freitas e Jorge de Castro Vieira

297
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Câmara de Igarassu

1637-38

João Malheiros da Rocha, Francisco Dias D’Oliveira e André Dias de Figueredo

1638-39

Francisco Dias D’Oliveira (reconduzido), João Lourenço Francez e Bernardo Dias

1639-40

João Lourenço Francez (reconduzido), Vicente Serqueira e Pedro Mariz

1641-42

Gonsalvo Novo de Lira, João Malheiros da Rocha, Jacob de Poex, Willen Elpingsten

1642-43

Gonsalvo Novo de Lira, Willen Elpingsten, Jaques Ballon, João Pimentel e Vicente
Cerqueira

1643-44

Jacques de Ballon, João Pimentel, Vicente Cerqueira, Johannes Pretorius e


Francisco Dias D’Oliveira

Câmara de Serinhaém

1637-38

Miguel de Sá, Guillen Placcard e Jaques Pires

1638-39

Miguel de Sá (reconduzido), Garpar Correia Réguo e Francisco de la Tour

298
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1639-40

Gaspar Correia Réguo (reconduzido), Roelant Carpentier e Manuel Velho Ferreira

1641-42

Francisco de la Tour, Roberto Cadarte, Jan Dapper Steijn, Francisco Fernandes


Anjo, Manuel da Cunha D’Andrade e Miguel Sá

1642-43

Matheus Ves, Manuel da Cunha D’Andrade, Guillame Plancker, Diogo Nunes


Fontes e Francisco Fernandes Anjo

1643-44

Guillame Plancker, Diogo Nunes Fontes, Francisco Fernando Anjo, johan Hick e
Roelant Carpentier

Câmara de Porto Calvo

1639-40

Manuel de Queiroga, Manuel de Gonsalves Mazagão, Francisco de Souza Falcão


Julien de Lima e David de Vries

1641-42

David de Vries, Jan Fletcher, André da Rocha Dantas, Bartholomeu Luis


D’Almeida, Jacob Welthuisen, Gaspar Gonsalves Filgueiras e Domingos Mazagão

1642-43

David de Vries, Jan Fletcher, Jacob Welthuisen, Gaspar Gonsalves Mazagão,


Francisco de Souza Falcão e Francisco Alves Pinto

1643-44

Davids de Vries, Jan Fletcher, Jacob Welthuisen, Francisco de Souza Falcão,


Antônio Alvares Pinto e Balthazar Leitão D’Olanda

299
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Câmara do Distrito de São Francisco

1639-40

João Fernandes de Paiva, João Velho Tinoco (?), Gaspar Gonsalves Novo, Moraes
de Barros e Valentin da Rocha Pitta

1641-42

João Fernandes de Paiva, João Velho, Gaspar Fernandes, Domingos Martins e


Diogo Fernandes Cardoso

1642-43

Manuel Gomes Rebelo, Roque Leitão, Antônio de Souza, Diego da Costa, Coubert
van Couverden

Câmara de Olinda e Cidade Maurícia 746

1637-38

Wilhelm Doncker, Jacques hack, Francisco de Brito Pereira, Gaspar Dias Ferreira e
João Carneiro de Mariz

1638-39

Wilhelm Doncker e Gaspar Dias Ferreira (reconduzidos), Casper van Niehof van
der Ley, Samuel Halters e Luís Braz Bezerra

1639-40

Samuel Halters e Luís Braz Bezerra (reconduzidos), Antônio de Bulhões, Paulo de


Araújo de Azevedo e Christoffel Eyerschettel
Com a transferência da câmara para Antônio Vaz, foram acrescidos ao conselho
Theodosius l’Empereur, Abrahan Francisco Cabeljau, Bartholomeus van Ceulen e
Gaspar Dias Ferreira

1640-41

Gaspar Dias Ferreira (reconduzido), Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de
Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos e Antônio Vieira

746
Lista extraída do levantamento realizado por José Antônio Gonsalves de Mello. Ref. Fontes para a
História do Brasil Holandês, tomo II, A Administração da Conquista.

300
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1641-42

Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos
e Antônio Vieira (reconduzidos), Samuel Halters, Jacob Coets, Hans van der Góes e
João Fernandes Vieira

1642-43

Samuel Halters, Jacob Coets, Hans van der Goes e João Fernandes Vieira
(reconduzidos), Albert Warsonck, gillis Krol, Antônio Cavalcanti, Antônio de
Bulhões e Francisco Berenguer de Andrade

1643-44

Albert Warnsinck, Gillis Krol, Antônio Cavalcanti e Francisco Berenguer de


Andrade (reconduzidos), Crhistiffel Eyerschettel, Mathijs Beck, Bartholomeus van
Ceulen, Antônio de Abreu e Arnau de Holanda

Fontes primárias

IAHGP (Coleção José Higino)

Dagelijckse Notulen (1635-1644)

Brieven en Papieren uit Brasilie

Projeto Resgate

LAPEH (UFPE)

Capitania de Pernambuco

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D. 100.

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 87

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 88

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 89

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 90

301
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AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 91

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 92

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 93

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 96

AHU_ACL_CU_005, Cx1, Doc. 20.

AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 94

AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 101

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, doc. 119

AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc.158

Capitania da Paraíba

AHU_ ACL_CU_014, cx. 1, Doc. 25.

Capitania do Maranhão

AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 19.

AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 20.

AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 25.

AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 31.

AHU_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 35.

AHU_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 75.

AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 90.

Capitania do Pará

AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 20.

AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 28.

AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 48.

302
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Outros

AHU. Cód. 24, fl.21.

Fontes primárias impressas

BAERS, Padre João. Olinda Conquistada. – Recife: CEPE, 2004.

BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no
Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.

BRÁSIO, Antônio (org). Monumenta Missionária Africana. 2a série (África Ocidental


Central), 15 vols., Lisboa, 1953-88.

Breve Discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas no Brasil, pelos
holandeses, 14 de Janeiro de 1638. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para
a história do Brasil Holandês. Tomo II: A administração da Conquista.
MEC/SPHAN/Fundação Pro-Memória. Recife, 1981

CALADO, Manoel, [1584-1654] O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade. – Vols I e


II – Recife. CEPE, 2004.

Carta dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais de Zelândia aos Estados Gerais.
23 de abril de 1630. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde,
1945.

Conferência Sobre as Índias Ocidentais (anônimo). Trad. Hipólito Overmeer. São


Paulo: Ed. Giordano, 1999.

303
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COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil. – São Paulo:


Beca, 2003.

“Descrição da costa do noroeste do Brasil entre Pernambuco e rio Camocipe, do


Relatório dos brasilianos seguintes: Gaspar Paraupaba do Ceará, de idade de 60 anos;
Andrés Francisco do Ceará, da idade de 50 anos; Antônio Paraupaba de Tubussuram,
que fica na distancia de 2 dias no interior da Paraiba, da idade de 30 anos; Pedro Poti,
da idade de 20 anos” [1629]. In: DE LAET, Johannes. Roteiro de um Brasil
desconhecido: descrição das costas do Brasil [1637]. KAPA Editorial, 2007.

FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: Historia da Guerra Brasílica. – São Paulo:
Beca Produções Culturais, 2001.

Interrogação de Bartolomeu Peres, natural de Viana do Castelo, navegou a 6 a 7 anos ao


Brasil onde ficou domiciliado depois. In: Johannes de Laet. Descrição das Costas do
Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações
oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido. Manuscrito do John
Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007.

Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata,
etc. Tirada de jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de
um Brasil Desconhecido. Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA
Editorial, 2007.

DE LAET, Johannes. Iaerlijck Verhael de Verichtinghen de Geotroeerde West-


Indische Compagnie. Haia, 1644. Trad. bras. J. H. Duarte Pereira e P. Souto Maior.
História ou Anais dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais. 2
vols. Rio de Janeiro:Biblioteca Nacional, , 1916-25.

Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de


Pernambuco sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como

304
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de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande segundo o que eu, Adrien Verdonk, posso me
recordar. Escrita em 20 de maio de 1630. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo I: A economia açucareira.
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