Tese-2008 NASCIMENTO Romulo Luiz Xavier Do-S PDF
Tese-2008 NASCIMENTO Romulo Luiz Xavier Do-S PDF
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com
I
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II
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Agradecimentos
Engana-se quem acha que uma tese é trabalho de uma só pessoa. Esta não poderia
ser diferente. Portanto, agradeço:
A minha orientadora Fátima Gouvêa pela paciência e preciosos conselhos;
principalmente porque me deixou trabalhar com autonomia sem me deixar perder nos
arroubos pretenciosos do historiador iniciante;
Aos professores que me formaram: Marcos Albuquerque e Veleda Lucena, pois
me iniciaram na pesquisa; Virgínia Almoêdo, pela orientação e apoio no mestrado;
A Marcus Carvalho pela amizade e incentivo constantes; também por todas as
portas que me abriu;
Aos professores da UFF em especial Ronaldo Vainfas e Marta Abreu, pelas aulas
e apoio num momento difícil;
A Pollyanna Mendonça, pela amizade e apoio dispensados no Rio de Janeiro;
A Mariana Dantas, pela importante ajuda nos momentos finais.
A Flávio Gomes pelos incentivos e oportunidades franqueadas;
A Reinaldo José Carneiro Leão pelo acesso ao Instituto e pelas conversas
agradáveis e ao amigo Bruno Câmara, pelo incentivo e fotografia das fontes;
A Levi, do LAPEH, pela paciência e presteza com que me auxiliou;
Aos amigos da graduação George Cabral, Lílian Raposo, Tatiana Ferraz, Juliana
Elias, Onésimo Santos, Guilherme Medeiros, Gustavo Villar e e Andredick
A Edson Hely pelo importante apoio até então recebido;
Ao meu compadre e amigo Érico Valente (tico), pela amizade antiga e icentivos
constantes;
A Peron Rios, pela amizade e conselhos importantes;
A Emília e Thomas Habbeger e Sandra Nascimento, pelo importante apoio de
sempre;
A minha cadela Batatinha pela companhia nas inúmeras madrugadas que passei
em claro;
A minha mulher, Aline Moraes de Carvalho, por cuidar tão bem de mim e por ter
suportado, com muito amor e carinho, todos os momentos difíceis dessa viagem.
III
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Dedicatória
que ainda não nasceu para o mundo, mas que já nasceu para mim
Em memória de:
IV
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Resumo
Este trabalho tem como objetivo tratar, em linhas gerais, de questões administrativas no
Brasil holandês. O primeiro capítulo enfatiza a dimensão atlântica da presença da
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, destacando de que forma os neerlandeses se
inseriram no espaço atlântico ibérico. O segundo capítulo chama atenção para a
administração que antecedeu o governo de Maurício de Nassau, destacando, nos anos de
1635 e 1636, o surgimento de um pequeno comércio entre portugueses e a Companhia.
Procuraremos aqui mostrar que havia um governo holandês apesar do clima de guerrilha
na capitania de Pernambuco. No terceiro capítulo analisamos as dificuldades de
abastecimento dos holandeses no Brasil antes e durante a administração nassoviana
(1637-44). Sobre este tópico temos, sobretudo, que Maurício de Nassau não conseguiu
superar a falta de farinha de mandioca para os seus efetivos. O quarto e último capítulo
aborda o funcionamento das câmaras dos escabinos (espécie de tribunais de justiça
locais) nas várias partes da conquista holandesa, chamando a atenção para os problemas
vivenciados por essas câmaras no governo de Maurírico de Nassau. O objetivo primordial
desse trabalho é mostrar que havia administração da Companhia das Índias Ocidentais no
Brasil antes da chegada de Maurício de Nassau, apesar do clima de guerra e que, na
administração do mesmo, tida como um período de apogeu da presença neerlandesa no
Brasil, as crises eram constantes.
Abstract
The purpose of this work is to deal , in general terms, with the administrative questions
of the Dutch period in Brazil. The first chapter enphasizes the presence of the West
Indies Company in Brazil, and its Atlantic dimension. This way, it looks at how the
Dutch entered the Iberian dominated atlantic.
The Second chapter draws attention to the government which preceded John Maurice of
Nassau's administration, enphasizing the origin of trade between the Portuguese and the
Company during the years 1635 and 1636. I will prove the existence of a Dutch
government, in spite of the tense atmonsphere in the State of Pernambuco.
In the third chapter I will analyse the supply difficulties faced by the Dutch before and
during Nassau's administration (1637-44). On this topic I will show that Nassau had
difficulty to feel his troops due to manioc shortage. In the fourth chapter I will discuss
the work of the "Escabin Chambers" ( a type of local justice court) during the various
periods of the Duch conquest as well as the problems faced by these courts during
Nassau'sadministration.
V
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Siglas
VI
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Sumário
Introdução ................................................................................................................ 8
Considerações finais.....................................................................................................264
Anexos...........................................................................................................................266
Fontes............................................................................................................................301
Bibliografia ..................................................................................................................307
VII
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Introdução
“... les serviteurs enfideles sont la ruine de la Companie”. 1 Com esta simples
afirmação, o predicante calvinista Vicente Soler, em dezembro de 1637, expressou o seu
descontentamento com a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) que, havia sete anos,
fincara o pé em Pernambuco. Esta mesma companhia, que no ano acima citado
completava dezesseis anos de sua fundação, colhia na América portuguesa os
infortúnios e sucessos de uma administração conturbada. Por mais paradoxal que seja,
tal binômio infortúnio/sucesso acompanhou boa parte da presença holandesa no Brasil.
Quem poderiam ser os “servidores infiéis” aos quais se referiu Vicente Soler? Seriam os
católicos luso-brasileiros, que estiveram quase sempre à beira de uma sedição? Seriam
os judeus sefarditas, que se enlanharam na economia do Brasil holandês a ponto de
provocar a insatisfação de calvinistas e católicos? Ou seriam os próprios funcionários da
Companhia das Índias Ocidentais, por vezes partícipes e artífices de atos de corrupção
no seio do governo batavo? Ou, finalmente, seria um pouco de tudo isso? Seja como for,
este trabalho tentará desvendar, sem talvez responder de todo a essa pergunta, alguns
aspectos dos anos anteriores à presença de Maurício de Nassau no Brasil (sobretudo os
anos de 1634-35-36) assim como durante a administração do mesmo (1637-1644).
O tema “Brasil holandês”, à parte os modismos que as recentes comemorações
do nascimento de Maurício de Nassau e da Batalha dos Guararapes sucitaram, é e
sempre será visitado. Pois é dessa forma que o historiador (re) inventa o passado,
produzindo narrativas que possam nos mostrar novos personagens que nunca “falaram”
ao público leitor. Esse é o caso, por exemplo, do padre Manuel Moraes, desenterrado de
2
seu contexto seiscentista por Ronaldo Vainfas. O próprio título de seu trabalho mais
recente (‘Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição’)
trouxe à tona a questão fidelidade/infidelidade proposta na declaração do predicante
1
Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit Brasilie. IAHGP. Na transcrição, optou-se por não
“atualizar” a escrita para as normas ortográficas contemporâneas da língua francesa.
8
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3
calvinista. O trânsito entre estes dois pólos era muito comum num constante clima de
tensão vivenciado num contexto de guerra. Assim, Manuel Morais faria parte de um
grupo que poderia incluir João Fernandes Vieira e Domingos Fernandes Calabar, para
não citarmos muitos outros sobre os quais nada ou pouco conhecemos. Até mesmo
figuras bem conhecidas, como o próprio Mauricio de Nassau, abrirão sempre brechas à
uma nova interpretação do passado, ainda que esse ‘passado’ nos dê sempre a impressão
de ter sido totalmente contado. A própria biografia do nobre alemão, recentemente
revisitada por Evaldo Cabral de Mello, tem nos mostrado como a fugura de Maurício de
Nassau é atual. Sobretudo quando nos mostra um Brasil “que poderia ter sido”. Assim,
muito embora a consistente produção até então existente sobre o tema “Brasil holandês”
tenda a nos conduzir à acomodação, é aí mesmo que a necessidade em se “atualizar o
passado” se apresenta. Muitas vezes para nos mostrar uma história “que não poderia ter
sido”. Ou melhor, um presente quase que totalmente vinculado a um passado idílico.
Cabral de Mello mostrou isso ao registrar que Nassau, ainda que humanista e sensato
nas questões de governo, apoiou as suas práticas administrativas na plantação da cana-
de-açúcar e no comércio de escravos. Práticas que não apontavam de forma alguma para
uma alternativa ao status quo ante da colonização portuguesa, em que as instituições
republicanas dos Países Baixos não tiveram vez. 4 É mais ou menos sob essa perpectiva
que este trabalho se situa.
A idéia de administração proposta constantemente ao longo deste trabalho vai
além das descrições funcionais dos conselhos e do frio tratamento dado a alguns setores
do governo neerlandês. Pelo contrário, leva em consideração a presença de um clima de
guerra que se mistura ao da própria política-administrativa da Companhia das Índias
Ocidentais (WIC). Longe de antagonizar as práticas administrativas da WIC e a luso-
brasileira, procuraremos interpretar um quadro de convivência e, se isso for possível
considerar, de acomodação entre as partes envolvidas. Entendemos que o cotidiano da
administração e o da conquista militar se misturam. Os limites entre guerrilha e
administração serão, para o escopo deste trabalho, imprecisos. Nesse sentido, não
3
VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
4
MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau: Governador do Brasil holandês. – São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
9
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5
HESPANHA, Antônio Manuel. Governo, elites e competência social: sugestões para um entendimento
renovado da história das elites. In: Modos de Governar: Idéias e praticas políticas no império português.
Maria Fernanda Bicalho/Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs). – São Paulo: Alameda, 2005, p. 29. A discussão
sobre política-administrativa passa evidentemente por uma discussão do conceito de poder que, segundo
Hespanha, “se tem diversificado e atomizado”. O mesmo tem justificado essa proprosição sob o argumento
de que “como se tem descoberto uma microfísica do poder, que se infiltra molecularmente e todos os
nichos do tecido social. Como o parente não-exercício do poder (como no exemplo paradigmático do
liberalismo) é sempre uma devolução de poderes para outras instâncias (sejam elas a ciência, os agentes
econômicos, as elites culturais, os fazedores de opinião). Quando o poder se capilariza, as suas
manifestações, a legitimidade para mandar e a disponibilidade para obedecer, passam a ser outras. O poder
interpersonaliza-se, depende dos factores moles que movem o interior de nós mesmos – os afectos, os
poderes de sedução, as hegemonias e dependências emocionais, os encantamentos e os aborrecimentos de
toda a espécie, beleza e fealdade”. Contrariamente a perspectiva de Hespanha, Laura de Mello e Souza
argumentou que à despeito da crescente utilização da obra deste historiador nos trabalhos acadêmicos
brasileiros nos últimos anos, devemos ter cuidado ao fazer uso indiscriminado de sua análise para o caso
brasileiro “primeiro, porque a corrente à qual se filia – dos estudos da historiografia constitucional alemã à
discussão mais contemporânea, voltada para a revisão daquilo que se convencionou chamar de Estado
Moderno – tem por objetivo as manifestações eminentemente européias do fenômeno”. Ver. SOUZA,
Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp.52-53.
6
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. – Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1987.
O autor deixa claro que a categoria dos “cidadãos-livres” não se refere apenas àqueles que deixaram de ser
funcionários (bedinaer) da Companhia das Índias Ocidentais para ser tornarem comerciantes, mas também
artesãos, taverneiros, etc. Enfatizou Gonsalves de Mello que “tão rapidamente cresceu esse número [de
cidadãos-livres] que, já em começo de 1634, podia-se arregimentar, somente no Recife, duas companhias
de burgueses, com efetivo de oitenta homens cada uma.
10
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7
no Brasil. Por fim, “cidadãos” também assumem, nesse trabalho, um sentido
geográfico, significando mais um “Einwohner einer Stadt” (morador de uma cidade) do
8
que qualquer outra coisa.
O leitor talvez estranhe o pouco enfoque que será dado à questão religiosa da
administração do Brasil pela WIC. Sabe-se, no entanto, que a religião corria de mãos
dadas com o quotidiano da administração. Não é à toa que os holandeses identificavam
os portugueses como papisten (papistas), em sua maioria, e sabiam muito bem quem
eram os jooden (judeus) que moravam nos limites de sua conquista. Ocorre que, tratar
de questões religiosas no Brasil holandês é terefa que requer por si só grande esforço
que significaria uma tese à parte. Ainda mais quando temos à disposição trabalhos como
o de Frans Leonard Schalckwijck [Igreja e Estado no Brasil Holandês], o clássico estudo
de José Antônio Gonsalves de Mello [Gente da Nação] e outros mais recentes sobre
cristãos-novos. Essa lacuna, infelizmente, vai permanecer. Há, entretanto, uma
referência mais geral ao aspecto religioso no primeiro capítulo, do qual trataremos mais
adiante. Também no último, ao tratarmos dos ‘podres locais’, tocaremos de algum
9
modo em questões religiosas.
Apenas dois bons motivos para destacarmos o papel da religião no tema Brasil
holandês. São eles: a destruição de imagens do Convento dos Jesuítas (Olinda) quando
da invasão em 1630 e a aclamação de João Fernandes Vieira como líder português na
luta “pela liberdade divina” no processo de expulsão dos holandeses em 1645. Também
é importante não deixar de fora as disputas religiosas no seio da política-administrativa
da Companhia das Índias Ocidentais entre facções gomaristas (protestantes mais
radicais) e arminianos (protestantes menos radicais). A prórpria ascensão econômica dos
Países Baixos no século XVII esteve relacionada a perspectivas religiosas nas visões de
estudiosos como Karl Marx, Max Weber e Werner Sombart. 10
7
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil. – Recife: CEPE, 2004, p. 183.
8
Langenscheidts Grosswoerterbuch, 1998.
9
Essas primeiras justificativas têm a finalidade de antender às proposições feitas por parte da banca
quando da qualificação da tese em outubro de 2007. Outras sujestões terão vez ao longo do texto.
Ressalta-se que, naquela ocasião, o trabalho contava com apenas dois capítulos, apesar de ter as suas
diretrizes já assentadas.
10
Resume bem a relação entre capitalismo e religião o historiador Hugh Trevor-Roper da seguinte maneira;
“Karl Marx via o protestantismo como a ideologia do capitalismo, o epifenômeno religioso de um
fenômeno econômico. Max weber e Werner Sombart inverteram a fórmula. Julgando que o espírito
precedia a letra, postulavam um espírito criativo, “o espírito do capitalismo”. Weber e Sombart, como
11
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“Se determináveis dar estas mesmas terras aos Piratas de Holanda, porque lhas
não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos serviços vos
tem feito essa gente pervertida e apóstata, que nos mandastes primeiro cá por
seus aposentadores, para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarmos as
Cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregares? Assim se hão de
lograr os hereges, e inimigos da Fé dos trabalhos Portugueses e dos suores
Católicos?” 11
Logo, a apartir de relatos como os de Vieira e Baers, temos uma conjuntura em que as disputas
religiosas tomavam parte nas questões temporais.
Marx, situavam a ascensão do capitalismo moderno no século XVI, e portanto ambos buscavam a origem
do novo “espírito do capitalismo” nos acontecimentos desse século. Weber, seguido por Ernest Troeltsch,
econtrou-a na Reforma: o espírito do capitalismo, dizia ele, surgiu como conseqüência direta da nova “ética
protestante”, tal como ensinada não por Lutero, mas por Calvino. Sombart rejeitou a tese de Weber e de
fato lhe aplicou alguns pesados e eficazes golpes. Mas, quando fez uma sugestão positiva, produziu uma
tese muito mais vulnerável. Sugeriu que os criadores do moderno capitalismo eram os judeus sefarditas
que, no século XVI, fugiram de Lisboa e Sevilha para Hamburgo e Amsterdã; e remontou o “espírito do
capitalismo” à ética judaica do Talmude”. Ref. TREVOR-ROPER, Hugh. A Crise do Século XVII:
Religiao, a Reforma & Mudança Social. – Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 28.
11
“Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda” Ref. VIEIRA, Antônio.
Sermões. São Paulo: Hedra, 2000, pp. 443-462.
12
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O Outro dado que não poderíamos deixar de mencionar diz respeito aos limites
geográficos da pesquisa. Afora o primeiro capítulo, em que a escala geográfica
alcançará principalmente o Atlântico, notadamente a sua porção sul, ao tratarmos
diretamente do Brasil holandês, a nossa escala se reduzirá a Pernambuco e Paraíba.
Outra oberservação é que nem todos os órgãos da administração holandesa serão
comtemplados neste estudo. Para ser mais preciso, priorizamos o Conselho Político, o
Alto e Secreto Conselho e os Escabinos, estes últimos na esfera do poder local das
12
freguesias.
O corte temporal é o período que se situa entre a conquista (1630) e o último ano
de Maricio de Nassau no Brasil (1644), ainda que as primeiras páginas nos tragam ao
debate o período em torno da presença neerlandesa em Pernambuco, ou seja, a primeira
metade do século XVII.
***
12
Para um entendimento preliminar e bastante claro de quais instituições atuaram no Brasil holandês ver:
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil, WAETJEN, Hermann. O império colonial holandês no Brasil e
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo II: A administração
da conquista. Sobretudo, neste último trabalho, há uma parte introdutória que resume muito bem os órgãos
da Companhia das Índias Ocidentais instituídos no Brasil tais quais o Conselho Político, o Alto e Secreto
Conselho, a Diretoria Delegada, o Conselho de Finanças, os Escabinos e Escoltetos, etc.
13
ISRAEL, J. I. A Conflict of Empires: Spain and Netherlands 1618-1648. In: Past and Present, No. 76,
1977, pp.34-74.
13
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14
Ibid, p. 37. ainda segundo o autor: “ Cleary the truce years were a period of dramatic expansion in Dutch
navigation and trade ans Philip III’s ministers were inclined to link the two phenomena as cause and
effect”.
15
Cito aqui os respectivos trabalhos Economia, Sociedade e Capitalismo (Braudel) e O Sistema Mundial
Moderno (Wallerstein).
16
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. – São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. Especificamente o capítulo VI, intitulado “as guerras pelos mercados de
escravos”.
17
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Conexões imperiais: oficiais régios no Brasil e em Angola (c. 1680-
1730). In: Modos de Governar ... p. 179.
14
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18
Sobre os clássicos trabalhos acerca da escravidão no Atlântico veja-se: BOOGAART, Ernest van den.
The trade between Wersten África and the Atlantic World, 1660-90. In: Journal of African History, 1992,
pp. 353-75; BOOGAART, Ernest van den e EMMER, Pieter C. The Dutch participation in the Atlantic
slave trade 1596-1650. In: J. Hogendorn e H. Gemery. The uncommon market, Nova York, 1979, pp. 353-
375. DUNN, Richard. Sugar and Slaves – The rise of the planter class in the English West Indies, 1623-
1713, Londres, 1972; ELTIS, David. Economic growth and the ending of the transatlantic slave trade. Nova
York. 1987. Idem, The relative importance of slaves and commodities in the Atlantic trade of seventeenth
century Africa. In: Journal of african History., vol. 35, 1994, pp. 237-249; EMMER, Pieter. The Dutch and
da making of the second Atlantic system. In: Barbara L. Solow (org). Slavery and the rise of the Atlantic
system. Nova York, 1991, pp.71-95; FAGE, J. D. African societies and the Atlantic slave trade. In: Past
and Present, No 125, 1989, pp. 97-115; KLEIN, Herbert S. O tráfico de escravos no Atlântico. – Ribeirão
Preto, SP: FUNTEC Editora, 2004; Idem, Recent trends in the study of Atlantic slave trade. In: História y
Sociedad, vol. I, No 1, Porto Rico, 1988; KLEIN, Martin. The impacts of the Atlantic slave trade on the
societies of Western Sudan.. In: The Atlantic slave trade – effects on economies, societies, and peoples in
Africa, the Americas and Europe. Londres, 1992; MILLER, Joseph. Mortality in the Atlantic slave trade –
Statistical evidence on causality.In: Journal of Interdisciplinary History, 1981, pp. 385-423; POSTMA, J.
M. The Dutch in the Atlantic slave trade (1600-1815). New York, 1980.; idem, The dispersal of African
slaves in the West by Dutch slae traders. In: J. E. Inikori e S. L. Engerman. The Atlantic slave trade –
effects on economies, societies, and peoples in África, the américas and Europe. Londres, 1992; RUSSEL-
WOOD, A. J. R. Iberian expansion and the issue of Black slavery – Changing Portuguese attitudes 1440-
1770. In: The American Historical Review, Vol. 83, No 1, 1978, pp.16-42.
19
Para esta parte do trabalho foram importantes algumas fontes portuguesas acerca da capitania de
Pernambuco e colhidas no Projeto Resgate. Inclusive mostrando qual era o estado dessa capitania nos anos
que precederam a invasão em fevereiro de 1630. Isso tem como objetivo maior mostrar o “mundo” (já em
plena formação) que os holandeses encontraram.
15
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20
EMMER, Pieter. Los holandeses y el reto Atlântico em el siglo XVII. In: PÉREZ, José Manuel Santos;
SOUZA, George Felix Cabral de (org). El Desafio holandês al domínio ibérico em Brasil em el siglo XVII.
Slamanca: - Aquilafuente, 2066, p. 22. As principais características da colonizacao ibérica, sobretudo
espanhola, eram: papel importante do assentamento, investimento de grande soma de dinheiro na América
tropical e exploração de metais preciosos mediante trabalho indígena (cada vez mais em desuso nos fins do
século XVII).
21
Ibid. p. 23.
22
Idem. Segundo o autor, “en las plantaciones situadas cerca de águas com muchas mareas se podían
aprovechar las subidas e bajadas de estas mareas para hacer funcionar los ingenios de azúcar”.
16
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23
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vidae a paisagem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 58.
24
COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil. – São Paulo: Beca, 2003.
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE, 2004.
17
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25
Ver MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. – Rio de
Janeiro: Topbooks, 1997. Principalmente o capitulo intitulado “Nostalgia nassoviana”.
26
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês; BOXER, Charles.
Os holandeses no Brasil. NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil holandês. São Paulo: - Ed. da
Universidade de São Paulo, 1971.
18
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***
27
Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Sessão especial de 9 de maio de 1885.
p.8 In: Revista do IAHGP, Nos 29-30. Reedição fac-similar. Recife, 1977.
28
Ambos os fundos documentais passaram, a partir de 1856, a fazer parte do Arquivo Geral do Reino dos
Países Baixos de Haia. Ref. Guia de fontes para a história do Brasil holandês: acervo de manuscritos em
arquivos holandeses. (orgs) Marcos Galindo e Lodewijk Hulsman. Parte das fontes utilizadas na tese foram
traduzidas pelo projeto Munumenta Higinea, levado a cabo pelo professor e biblioteconomista Marcos
Galindo a partir de 2004. A tradução de algumas fontes da coleção José Higino (as Dagelijckse Notulen dos
anos de 1635 e 36) ficou a cargo de Pablo Bruins e Anne Blockland. Nas restantes, a responsabilidade é
toda do autor do presente trabalho. Na introdução de Tempo dos Flamengos, José Antônio Gonsalves de
Mello fez questão de destacar que a Coleção José Hygino era “a mais completa coleção existente, fora da
Holanda, de documentos sobre o período da dominação neerlandesa do nordeste brasileiro. Nem sobre
outra documentação é que se baseou-o, sob certo aspecto, melhor trabalho sobre o assunto: o livro do
professor da Universidade de Munster Dr. Hermann Waetjen, Das hollaendische Kolonialreich in Brasilien
[nesta tese utilizaremos a versão em português intitulado O Império Colonial holandês no Brasil]. Ref.
MELLO, op. cit., p. 22. O autor ainda chama atenção para o fato de que a sobredita coleção comporta
“volumes de documentos que hoje [1947] não se sabe se serão ainda encontrados na Holanda, talvez tendo
tido o fim de tanta coisa valiosa, durante esta segunda grande guerra”. Também ressaltou Leonardo Dantas
Silva, sobre a Coleção José Hygino, que foi “graças a tão importante acervo documental, pôde Alfredo de
Carvalho (1870-1916) e Francisco augusto Pereira da Costa (1851-1923) publicar, na Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico Pernambucano, algumas traduções de documentos preciosos bem como vários
19
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Não é à toa que, ainda em consonância com o que afirmou José Antônio
Gonsalves de Mello na passagem acima, as Notulen nos serão de grande utilidade quando
abordarmos a questão dos pequenos lucros, das pequenas embarcações e do dia-a-dia do
poder local no Brasil holandês.
ensaios sobre o Brasil holandês sem a necessidade do Brasil; o mesmo acontecendo nos anos quarenta deste
século com José Antônio Gonsalves de Mello”. Ref. Fontes, op. cit., p. XXXIII.
29
MELLO, op. cit., p.24.
20
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Capitulo I
Eis um trecho de uma descrição portuguesa da região de Serra Leoa, por volta de
1625:
“A verdadeira Serra Leoa, que se pode povoar e aproveitar, são umas
montanhas que estão entre o Nijota Garim, que fica ao norte, e a angra de
Bagara Bomba, que fica ao sudeste e sul; pela banda do ocidente, tem as
ilhas Bravas e o mar oceano etiópico [...] Cabo Ledo que está a oito graus
da banda no norte e o Cabo Rapado, que está indo para Bagara Bomba em
sete graus e meio, onde ficam de fronte as Ilhas Bravas, bem perto da
terra, as quais estão desertas por serem pequenas, mas povoadas de sidras,
laranjas, limões, bananas e outras frutas, que a natureza cria; [...] O
principal lugar em que se pode povoar é em duas partes a saber, na
aguada onde haverá muito grosso trato por mar e terra, mas é necessário
fortaleza por causa dos inimigos piratas holandeses e outras nações...” 30
30
Monumenta Missionária Africana. África Ocidental (1623-1650). Segunda Série. Vol. V. P. 91 e 95.
Trata-se do Memorial de André Donelha a Francisco Vasconcelos da Cunha (7-11-1625). Este último,
por sua vez, fora nomeado há pouco, Governador de Cabo Verde.
22
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31
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo I: A economia
açucareira. MEC/SPHAN/Fundação Pro-Memoria. Recife, 1981. PP. 35 e 39. Trata-se da Memória
oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco sobre a
situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande
segundo o que eu, Adrien Verdonk, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630.
23
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32
Neste caso em especifico, a transferência de militares dá-se pelos serviços prestados à coroa através de
um sistema de nobilitação quer seja por descendência nobre ou mesmo por serviços prestados ao rei. Sobre
isso, podemos citar o trabalho de Maria Beatriz Nizza da Silva, Ser Nobre na Colônia.
33
SCHAMA, Simon. O Desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro, uma
interpretação. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
34
FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração. – São Paulo: Editora Hucitec, 1997,
p.35.
35
Ibid.
24
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O fato de, nesse estudo, a questão administrativa ganhar maior relevo, não quer dizer que
desconsideramos os embates religiosos entre papistas e protestantes. Nas próprias fontes
holandesas, as dissensões religiosas ocupam páginas importantes.36
Nesse mundo atlântico se insere a Capitania de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba,
Rio Grande (do Norte), Ceará e Maranhão. Foram estes os espaços ocupados pela
Companhia das Índias Ocidentais tendo como capital o Recife. Contudo, a presença mais
intensa de batavos no Brasil se deu em Pernambuco, Itamaracá e Paraiba. A partir daqui,
alcançaram São Jorge da Mina (1637) e Luanda (1641). Coroava-se ai um “plano
atlântico” da companhia batava. O tenebroso, como era chamado o Atlântico, era também
neerlandês.
Os diretores da WIC, com relação ao comércio, aconselharam a Nassau, quando
de sua administração, e ao Alto Conselho que todos os navios vindos da Holanda
aportassem diretamente no Recife, pelo fato de aí ser o lugar “onde as mais altas
autoridades residem”.37 Com isso, transformavam esta cidade no único centro comercial
do Brasil holandês. Com relação a esta atitude da Companhia, reforçou Luís da Câmara
Cascudo a posição do Recife e da Cidade Maurícia como o centro único do comércio da
WIC no Brasil. Segundo ele, isto tem a ver com uma prática adotada na Europa do Norte.
Ali, nas observações de Câmara Cascudo, se determinavam “as feiras, os pontos centrais
e únicos de concentração e traficância ”.
Evidentemente, na medida em que os Países Baixos se firmavam nesse espaço
outrora praticamente dominado pelas coroas ibéricas, tentativas fracassadas ocuparam um
espaço importante nessa ascensão neerlandesa. Chegaram vagarosamente à costa africana
desde fins do século XVI e inicio do XVII. Ocuparam Salvador por um ano (1624-25).
Aprisionaram o carregamento espanhol de prata em Cuba (1628). Estes são alguns
exemplos de conquistas. Contudo, muitos são os de fracassos. Talvez o maior deles tenha
sido com relação ao clima, tropical, quente e úmido, que envolvia e fazia adoecer as
36
Para maior compreensão dos problemas religiosos no Brasil Holandês, ver o clássico estudo do
historiador Frans Leonard Schalkwijk. (Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630-1654. – São Paulo:
Cultura Crista, 2004) Sobre a questão judaica é importante, entre outros, o clássico trabalho de José
Antonio Gonsalves de Mello (Gente da nação. – Recife: Massangana, 1978)
37
Dagelische Notulen. 02/06/1637. Coleção José Hygino. IAHGP.
25
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tropas da WIC com seus soldados neerlandeses, poloneses, alemães, belgas e ingleses.
Fugiam do inferno da Guerra dos Trinta Anos para o mundo das doenças tropicais. As
mesmas não podiam deixar de afetar a lenta adaptação daqueles soldados às matas do
Brasil. Disso nos dá testemunho o diário de guerra escrito por Ambrósio Rischoffer,
soldado a serviço da WIC em Pernambuco.
Do recrutamento na Europa às matas do Nordeste brasílico, as adversidades se
colocavam entre as fantasias que alimentavam aqueles soldados, quase sempre de origem
pobre, e o que os mesmos teriam que enfrentar no cotidiano da guerrilha. Na Holanda, o
desejo de melhorar de vida através do serviço de três anos na Companhia. No Brasil, o
desejo de sobrevivência ao inferno que a guerrilha os propiciava. Logo se veria a WIC na
difícil tarefa de conquistar um espaço ao mesmo tempo em que administrava infortúnios.
Sobre o destino daqueles soldados, muitas vezes as decisões em servir e para quem servir
eram tomadas no calor do momento. No caso do Rischoffer, natural de Strassburgo,
temos a seguinte prova desta situação:
“A nossa intenção era seguirmos para a Índia Oriental, mas, como não se
nos oferecesse ocasião para fazê- lo, e a Companhia das Índias Ocidentais
estivesse recrutando fortemente, fiz- me alistar junto com o meu camarada
Filipe de Haus, por oito florins holandeses mensais ...”38
38
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diário de um soldado. – Recife: CEPE, 2004. P. 7.
26
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39
Expressão frequentemente encontrada em fontes coêvas para designar a primeira fase da resistência ludo-
brasileira aos holandeses de 1630 à 1636.
40
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.
41
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D. 100.
27
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tempo de espera por alguma decisão contrária. Dez anos depois, essa demora custaria
muito aos luso-brasileiros que defendiam Pernambuco.
Sobre o comércio de pau-brasil, temos a entender um pouco sobre o
funcionamento do frete. Na década anterior a ocupação de Pernambuco pela WIC, são
vários os casos em que o almoxarifado desta Capitania informava ao rei acerca do
pagamento do frete de pau-brasil que se envia ao reino com o dinheiro dos “direitos do
contrato dos escravos de Angola”. Renda dos contratos de transporte e comercialização
de escravos de Angola pagando aos mestres dos navios que transportavam pau-brasil para
a Europa. Só num semestre, de 400 a 500 quintais da madeira saíram de Pernambuco
dessa forma. Vale dizer que se solicitava o pagamento através da Fazenda Real.42
Esses exemplos nos fornecem os bastidores da ‘opulenta’ capitania fundada por
Duarte Coelho e gente de sua cepa, assim referida pelo Frei Manuel Calado às vésperas
de ser invadida pelos holandeses. Foi esse o mundo que os holandeses encontraram. É
bem verdade que, do ponto de vista do frei, as coisas tivessem se dado mais em função de
um castigo divino, visão essa muito própria de um século barroco, do que mesmo por
injunções meramente temporais. A invasão holandesa a Pernambuco era, pois, um castigo
divino. Em suas palavras, era a reprimenda a uma terra onde “as usuras, onzenas, e
ganhos ilícitos era cousa ordinária, os amancebamentos públicos sem emenda alguma,
porque o dinheiro fazia suspender o castigo, as ladroices, e roubos sem carapuça de
rebuço ...”43 Enfim, são muitas as comparações que o frei faz de Olinda a Sodoma e
Gomorra de forma a justificar as vicissitudes temporais dentro de um plano divino.
Outra relação a “escala Atlântica” do problema que pretendemos discutir seria a
que liga a crise da produção açucareira em Pernambuco, na segunda década do século
XVII, e uma crise conjuntural da própria economia Atlântica. Essa relação foi
evidenciada, para o estudo do Brasil holandês, por Evaldo Cabral de Mello, baseado nos
trabalhos de Pierre Chaunnu e Fréderic Mauro. Sobre isso, afirmou Cabral de Mello:
42
Verificando os meses de janeiro, fevereiro e março de 1624, podemos computar nove casos desse tipo,
perfazendo um pouco mais de 400 quintais de pau-brasil. Ref. LAPEH (UFPE). Projeto Resgate.
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Docs. 87/88/89/90/91/92/93 e 96.
43
CALADO, Manoel, [1584-1654] O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade. – 5.ed. – Recife. CEPE,
2004. V.l., p. 39.
28
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44
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. Rio de Janeiro, Forense-Universitaria; São Paulo, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1975. PP. 52-53. Semelhantemente, a análise de Pierre Chaunnu diz que a fase
de expansão da economia açucareira no Brasil teria ido até próximo de 1610, se estabilizando até quase
1630.
45
A documentação a qual nos referimos é a Coleção José Higyno, que utilizaremos fartamente ao longo
deste trabalho. Aqui, ao logo de suas quase 12 mil páginas, podemos encontrar varias referências ao
comércio de pau-brasil e também à insistência das autoridades neerlandesas em promover expeditien
(expedições) ao interior com o fim de encontrar ouro e prata.
29
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esfera celeste”. Assim, apareceu nas crônicas de Barléus o Atlântico que pôde contemplar
este “eclipse premonitório” através da menção a lugares como Nicarágua, Cartagena,
Porto Seguro, Angola e Rio da Prata. 46
O Atlântico também circulava através dos nomes. O próprio iate que tomou
Ambrósio Rishchoffer para regressar à Europa levava o nome de ‘Itamaracá’ e
freqüentava assiduamente o Caribe. Por outro lado, em Itamaracá [Pernambuco],
imprimiu-se uma marca holandesa ao se colocar como nome de uma fortificação um
membro da família Orange-Nassau. Nome brasileiro, de origem tupi, em embarcação
batava. Nome holandês em fortificação construída no Brasil. Tal a experiência das trocas.
Mais exemplos: no Recife, edificou-se um pequeno mundo criado pelos invasores que
dão nome aos espaços. Desta forma, temos uma wijnstraaten (rua do vinho),
joodenstraaten (rua dos judeus), entre outros. Todos locais designados numa gramática
estranha ao universo ibérico, uma pequena Holanda, ao mesmo tempo provinciana e
cosmopolita, na Capitania de Pernambuco.
Entre a África, Portugal e o Brasil estava o mundo atlântico ibérico, que cederia
espaço aos holandeses. Portanto, um mundo que pré-existia a invasão de 1630, com as
suas bases culturais e socioeconômicas totais (ou relativamente?) formadas. Os
holandeses não criaram um novo Brasil, mas transformaram ou tentaram transformar uma
estrutura anterior sendo, em alguns casos, bem sucedidos. Administrativamente, já existia
em Pernambuco uma estrutura burocrática com todas as suas práticas e vícios. Era
preciso aos recém chagados entender esse status quo ante, dominar os códigos daquela
sociedade e, só assim, implantar a sua política administrativa.
Estamos falando aqui de uma confluência de dois modelos administrativos
distintos dentro de um mesmo espaço e época. Poderiam existir pontos em comum nessas
duas formas de gerir um território colonizado? Talvez sim. Nesse sentido, tentaremos
discutir ao longo desse trabalho as possíveis diferenças e, porque não, as possíveis zonas
de acomodação, de entendimento. Nos vinte quatro anos de ocupação nem tudo era
guerrilha e emboscadas. Era também entendimento, acordos, negócios em comum,
acordos de paz.
46
BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 205.
30
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47
Diogo Lopes Santiago vincula a Restauração Pernambucana à passagens bíblicas em que a Providência
Divina atuou nos momentos de maior sofrimento do “povo de Israel”. Ao justificar a aclamação de
Fernandes Vieira para líder da guerra da “liberdade Divina”, ressaltou: “ Este Pernambuco, que chamam
Nova Lusitânia ou novo Portugal, teve um homem (e tem hoje) com o nome venturoso de João, que na
língua hebraica significa boa graça, o qual com sua bondade, boa graça, afabilidade, liberdade e outras
virtudes morais de que foi dotado, veio a ser o impulsor e origem desta venturosa liberdade quando os
moradores estavam em tão ínfimo grau de miséria, tão derrocados, tão oprimidos, com tão pouco ânimo e
tão vexado da tirania holandesa, tão atribulados com imaginações, tão carregados de de tributos e tão faltos
do necessário [..] Ref. SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE,
2004, p. 172.
48
MELLO, Olinda Restaurada, p.58.
31
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49
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_005, Cx1, D. 20.
50
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Missiva de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 30/04/1642. Onde se lê: De extensie van dês Compagnies limiten van tijt tot tijt sôo
serienslijcken bij V. Ed. gerecommendeert hebben wij ter eerster bequame gelegentheijt nos doenlijck
sijnde, nier aleene met groot ijner behartigt maer door Godes zegen daertoe genracht dat de capitania van
Sergippe del Rey, het rijcke van Angola, de eylanden St Thomé ende Maranhoon onder Udl.
Gehoorsaemckeyt gebracht ende dese conquesten sijn geanexeert, plaetsen van soodanige consideratien
voor onser staet van de welcke wij nos verseeckert hebben […]”
51
Colocou-se em itálico para se reproduzir como se apresenta na documentação coêva.
52
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.158.
32
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galeões espanhóis que sairiam da Baía de Cádiz e iria socorrer o Arraial do Bom Jesus.
Diz um trecho da dita consulta:
Não teríamos aí, necessariamente, uma situação de ‘desinteresse’ das duas coroas.
O prejuízo era sentido pelos campanhistas abrigados no Arraial Velho do Bom Jesus no
cotidiano da guerrilha. No tempo desta Consulta, restavam apenas quatro meses para o
Arraial cair em poder dos holandeses. Vale ressaltar a relação de compra dos bens acima
requeridos com a região da Andaluzia. Para o século XVI, traçou o historiador Fernand
Braudel um quadro bem positivo desta região ao tratar da relação entre as regiões baixas
da Espanha e o comércio intercontinental. Nesse sentido, a região onde se assentam as
cidades de Córdoba e Sevilha, viu-se na condição de “celeiro da Espanha”. Para Braudel,
“foi a sua própria riqueza que estimulou – se não mesmo forçou – a Andaluzia a
extravasar os seus limites geográficos”.54 Parece que o alto custo do trigo naquela região
deve-se ao fato de, já no século XVI, as planícies andaluzas dependiam do abastecimento
53
Idem.
54
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Vol. I. Martins Fontes, 1983, p.99.
33
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55
Sobre as planícies da Andaluzia, coloca Braudel: “ Exportadoras de azeite, de uvas, de vinhos, e também
de tecidos e de objetos manufacturados, as cidades andaluzas vivem do trigo do Norte da Africa, e quem
domina esse trigo tem-nas de certo modo à mercê”. Prossegue Fernand Braudel: “ ... no século XVI, essa
grandeza ainda persiste, embora tenha sido necessário que cicatrizassem as feridas causadas pela
reconquista cristã do século XIII. [...] De qualquer modo, a Andaluzia continua a ser uma região magnifica
, “celeiro, pomar, adega e estábulo da Espanha” (APUD. G. Botero, p.8), destinatária habitual dos elogios
dos embaixadores venezianos nas suas Relazioni ...” Op. Cit. p.98.
56
Idem, p.99.
57
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 101.
34
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58
BRAUDEL, Fernand. Op. Cit. Ppx.... (verificar)
59
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 94.
60
De fato, a presença holandesa na costa da Guiné já se fazia desde antes de 1617, quando decidiram
construir, próximo à El-Mina, uma pequena fortificação. o Forte Nassau, em Mori. Na descrição do
historiador J. Bato’ora Mewuda, “En réalité, le petit fort Guillaume-de-Nassau de Mori, abrite en 1617, une
guarnison de quatre-vingt personnes; et cette anneé-là les Hollandais décident d’améliorer les defénses de
leur château en le transformant en une forteresse inexpugnable et en amenagéant par conséquent de
boulevards de tout côtés, un puits intérieur pour le cas oú aucun securs ne peut leur venir par la mer.” Ref.
NEWUDA, opus. cit., pp.474.
35
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com muita fazenda, com que fazem seu comercio”.61 No porto de Ioala, por exemplo,
holandeses, franceses e ingleses comerciavam às largas couro, marfim, cera, âmbar, ouro
e escravos. Nessa região, os holandeses se faziam conhecedores de muitos cursos d’água
como o Rio do Ouro, o Gâmbia e o de São Domingos. Deste último, para se ter uma
idéia, os holandeses remetiam alguns escravos para Cartagena.
Evidentemente, reconstruir uma história do Atlântico através da presença
neerlandesa no Brasil é tarefa impossível, já que esse corte espacial abarca um período
bem maior que os vinte e quatro anos da WIC em Pernambuco. Contudo, podemos
entrever tal presença à luz de um contexto menos hemisférico, menos unilateral. Assim,
torna-se importante perceber a chegada batava como que “encaixada” numa estrutura
mental e político-administrativa pré-existentes. Havia, então, um Império ibérico, com
seus problemas e descaminhos, mas, ainda assim, um Império. Mesmo durante a
ocupação holandesa, as coroas ibéricas mantinham, paralelamente, um olho no que ainda
remanescia sob seus domínios, e outro na tentativa de reaver os territórios conquistados.62
Antes mesmo do tempo dos flamengos, o Atlântico sul ibérico pode ser entendido
também pelo viés da ocupação de cargos. Assim foi o caso, dentre muitos, de um
Bartolomeu Ferraz de Meneses que, através de Requerimento63 , em setembro de 1626,
pedia ao Rei para exercer o cargo de Provedor Mor da Fazenda de Pernambuco “em
remuneração de serviços prestados em Angola”. Ocorre que o suplicante havia, poucos
anos antes, fugido da cidade do Porto por ocasião da invasão do Prior do Crato e
recebido, por parte do rei, o comando da fortaleza de Massangano, em Angola. Parece
que a estada em Angola não agradou nem um pouco ao Bartolomeu Ferraz de Meneses,
uma vez que “a fortaleza de Massangano não é a que podia esperar da grandeza de Vossa
Magestade por haver sido seu pai das pessoas principais da cidade do Porto e seu avô o
coronel Bartolomeu Ferraz de Andrade...”. Completando os feitos do avô de Bartolomeu
Meneses, temos:
61
Roteiro da Costa da Guine (1635). BNM., Ms. 3015, fls. 189-201 v. In: Monumenta Missionaria
Africana (1623-1650). Vl. V. pp. 287-293.
62
O máximo que a expansão holandesa, através da Companhia das Índias Ocidentais, atingiu foi, no Brasil,
um território que ia da foz do Rio São Francisco (fronteira sul) ate São Luis do Maranhão (fronteira norte).
Na África, os portos de Benguela, Luanda, São Jorge da Mina e a Ilha São Tomé também foram
arrebatadas aos holandeses.
63
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, doc. 119.
36
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64
Idem.
65
SALVADOR, Frei Vicente, op. cit. p. 356.
66
Idem.
67
Idem p. 355.
37
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sob a coroa ibérica em termos de ajuda a uma expedição. Dessa vez, os holandeses se
colocaram mais diretamente contra os interesses de Castela pelo fato de ameaça o eixo da
economia espanhola nas Américas: a prata de Potosi. Esta ação coordenada entre as
capitanias, que empresta ao tema Brasil holandês uma dimensão extra-capitania de
Pernambuco, tem outro exmplo numa carta régia de 1635, em que Filipe III dava ordens
para que se contivesse os ânimos dos índios e portugueses da Paraíba que estavam sob o
domínio neerlandês e que a Bahia e as capitanias do sul se reforçassem com homens e
munições.68
Sobre a situação do Pará mencionada anteriormente, antes mesmo das apreciações
de Frei Vicente do Salvador, o seu Capitão- mor Manuel de Souza de Eça fez saber ao rei,
através de uma Consulta do Conselho da Fazenda da necessidade de se enviar padres
jesuítas e da ordem de Santo Antônio para doutrinação dos índios e contenção das
“heresias estrangeiras”. 69 No mesmo ano em que os holandeses ocuparam Salvador,
1624, ouviu-se em Madri a notícia de que a WIC intentava ocupar a capitania do Pará
70
com quatro naus. Mesmo após a ocupação do Nordeste pelos neerlandeses, a
preocupação com a “ameaça batava” persistia nesta capitania. Em duas ocasiões, no ano
de 1638, o então Capitão- mor Manuel Madeira, pedia ao rei que enviasse presos
sentenciados e degredados do Brasil para combater os “rebeldes holandeses” naquela
71
capitania.
O medo de uma invasão holandesa foi também presente no Maranhão alguns anos
antes da ocupação de Pernambuco. Em dezembro de 1619, Diogo da Costa Machado
alertava ao rei da necessidade de construção de engenhos, fabrico in loco de navios e,
72
sobretudo, envio de armas e munições. Alguns anos depois, em 1624, o seu sucessor, o
Capitão- mor Antônio Muniz Barreiros, ante a ocupação de Salvador pela WIC, pedia ao
reino mais urgência no envio de munições e defesa da capitania, incluindo a manutenção
73
de fortificações já existentes. Também nesse contexto da invasão neerlandesa de
Salvador, o Governador do Maranhão reclamava da pouca atenção dada por Matias de
68
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_014, cx. 1, Doc. 25.
69
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 20.
70
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 28.
71
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 48.
72
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 35.
73
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 75.
38
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Albuquerque a defesa desta capitania. Quase quinze anos depois, o Maranhão viria a cair
74
em mãos da Companhia das Índias Ocidentais.
Vale ressaltar que a tardia ocupação das capitanias do Grão-Pará e Maranhão pela
coroa ibérica apresentava, na segunda década do século XVII, um quadro problemático
no qual se confrontavam portugueses e indígenas. No meio dessa querela estavam
algumas ordens religiosas. No Maranhão, por exemplo, a presença dos carmelitas foi
fundamental na “conversão dos gentios” durante o processo de conquista. 75 No Pará, em
1619, o rei foi avisado, por dois capuchinhos, freis Cristóvão de São José e Antônio de
Merceana, de um levantamento contra os nativos por ordem de um capitão local. 76 Por
fim, ainda nesse mesmo ano de 1619, índios da aldeia de Baqueriubu promoveram ataque
77
ao povoado de São Luís. Todo esse clima de instabilidade nas praças ibéricas do Norte
apresentou-se como terreno fértil à política agressiva da WIC. Tanto que a conquista do
Maranhão se deu de forma bem mais rápida do que em Pernambuco e Paraíba.
Parece que esta estrutura atlântica luso-espanhola foi bem compreendida pelos
neerlandeses. Isso se confirma pelo estratagema da Companhia das Índias Ocidentais em,
conjuntamente, ocupar, primeiro, Pernambuco (1630) e, depois, Angola (1641). Os
holandeses procuraram fechar essas duas importantes portas do Atlântico sul da mesma
forma que fizeram no Oriente com Ormuz e Málaca. Era a continuação de uma guerra
que havia começado na Europa, se estendido pela Ásia e, com igual força, atingido o
espaço Atlântico Sul. Nesse espaço, Recife e Angola existiam numa relação de
contigüidade econômica, era uma voorland da outra e vice- versa.78 Na teia do Império
português ambos os espaços estavam ligados diretamente por atividades comerciais, entre
outras. Muito do que se arrecadava com o direito de comércio de escravos de Luanda
servia para financiar o frete de pau-brasil arremetido a partir do porto do Recife ao reino.
Era esta uma prática comum bem antes dos holandeses chegarem a Pernambuco.
74
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 90.
75
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 19.
76
AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 25.
77
AHU_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 31.
78
O termo vorland é emprestado da geografia pelo historiador Russel-Wood. O mesmo utiliza-o para tratar
a questão do que é periferia no Império português. Diz o autor: “ Vorland refere-se a localidades que não
têm contigüidade territorial com o núcleo, mas em relação às quais o núcleo tem uma intensa conexão [...]
Os portos aparecem dentro desta categoria”. RUSSEL-WOOD. A. J. R. Centros e Periferias no Mundo
Luso-Brasileiro, 1500-1808. Revista Brasileira de História. V.18 n.36. São Paulo, 1998. Juntamente à
categoria de vorland, temos também as de hinterland e umland.
39
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79
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 247.
80
Idem.
81
Idem, p. 248. As outras rotas especificadas pelo autor eram: 1) Portugal-Angola-Brasil-Portugal; 2)
Potugal-Brasil-Angola-Portugal; 3)Potugal-Brasil-Angola-Brasil-Portugal; 4) Portugal-Brasil-Angola-
Prata-Portugal.
82
Sobre a farinha de mandioca brasileira na África, considerou Luis Filipe de Alencastro que alguns
cronistas, entre eles o frei Vicente do Salvador e Ambrósio Fernandes Brandão, “ressaltaram esse ‘ciclo’ da
mandioca’, ignorado pela historiografia, cujo pico teve lugar nos anos 1590-1630, gerando novidades nas
duas margens do Atlântico”. Idem, p. 251.
83
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Manchester: - Johns Ropkins, 1992.
40
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84
As observações de Boxer sobre a presença neerlandesa no Brasil se baseiam-se em obras que destacam
fontes coêvas em Portugal. Dentre elas, Elementos para a história do município de Lisboa, publicada em
1887 por Freire de Oliveira e a Collecção Chronológica, 1627-1633, documentos publicados por Andrade e
Silva. Ref. BOXER, C. R. Os Holandeses no Brasil. Recife: CEPE, 2004.
85
Sergio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, p.67: “A geografia fantástica do Brasil, como do restante
da América, se tem como fundamento, em grande parte, as narrativas que os conquistadores ouviram ou
quiseram ouvir dos indígenas, achou-se além disso contaminada, desde cedo, por determinados motivos
que, sem grande exagero, se podem chamar arquetipicos”.
86
Procurando mostrar um caráter mais internacional da invasão holandesa a Pernambuco, Charles Boxer
cita as instruções dadas ao Almirante Lonck pouco antes de seu desembarque. Nesse documento, o dito
Almirante foi designado para, tão logo conquistar o Nordeste, conquistar também a Bahia, Rio de Janeiro e
Buenos Aires. Aliás, já Jose Antônio G. de Mello, havia, segundo Boxer, feito uso desse documento em seu
livro Tempo dos Flamengos.
87
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Urcas hamburguesas no porto de Pernambuco. PP.... (completar
referência)
41
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em longo trânsito. Uma vez atracados, sofriam reparos, descarregavam escravos vindos
de Guiné e Angola, carregavam-se de madeira e, sobretudo, faziam contrabando de ouro
e prata de Potosí. A atividade de contrabando ligava Pernambuco a região do Prata, por
onde descia o carregamento desviado do Peru. Assim, podemos ver essas duas regiões
como vorland uma da outra. Neste caso, diga-se de passagem, transgredindo as relações
com o centro. Teríamos então uma ‘anti-vorland’, já que a relação de vorland só tem
sentido em relação a um núcleo, no caso, Madri ou Lisboa.
O conhecimento holandês acerca do Brasil não era ingênuo, ainda que incompleto
e restrito principalmente aos portos e barras e as relações econômicas mais importantes.
A produção de açúcar, por exemplo, de grande interesse às refinarias dos Paises Baixos,
já era rastreada pelos holandeses através de contatos estabelecidos e Pernambuco. Um
ano antes da invasão a Salvador, sabia-se aproximadamente a produção anual dos
engenhos de Pernambuco. Na Holanda, os panfleten circulavam entre a gente comum a
tentar convencê-los da aposta nas ações da WIC. Pequenos e médios burgueses entraram
nessa empresa. Uma destes panfletos, denominado Lista do que o Brasil pode produzir
anualmente, que circulou nos Países Baixos em 1923, calculava que a Companhia
88
poderia obter anualmente 4.800.000 florins ao ano com o negócio do açúcar. Um outro
documento, chamado Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de
Itamaracá e Paraíba, discrimina os donos de cada engenho e quantas arrobas
produziam.89
As informações colhidas pela Companhia antes da invasão foram fornecidas
principalmente por moradores locais em contato com mercadores neerlandeses.
Informações valiosas ofereceu o belga Adrien Verdonck, residente em Pernambuco desde
1618. A memoire oferecida pelo brabantino em 1630, ainda no inicio da presença
holandesa em Pernambuco, talvez tenha sido um dos mais detalhados documentos acerca
da nova conquista. Nele, Verdonck vai além da simples menção a produção açucareira e
descreve o curso dos rios (sobre o que discorreremos no capítulo seguinte ao tratar da
88
Neste mesmo ano, 1623, há um outro pamfleten denominado Uma relação dos engenhos de Pernambuco,
Itamaracá e Paraíba em 1623. As informações teriam sido fornecidas aos Estados Gerais por um cristão
novo chamado José Israel da Costa. O mesmo teria vivido na Bahia antes da invasão em 1623. Sobre isso
ver. José Antônio Gonsalves de Mello, Fontes para a História do Brasil Holandês: A administração da
conquista. IPHAN/MEC: Recife, 1981.
89
Ibidem.
42
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43
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Mais uma vez aqui, podemos perceber o estratagema da WIC para além de
Pernambuco, tendo Olinda e Recife como bases. Aliás, além mesmo do Brasil, tal
estratagema para o Atlântico Sul por parte da Companhia das Índias Ocidentais se
apresenta, segundo o historiador britânico A. J. Russell-Wood, como tema a ser mais
explorado.93 No caso do Atlântico Norte existem sem dúvidas vários trabalhos acerca da
WIC naquelas partes, sobretudo em Nova York. A Companhia das Índias Orientais,
“irmã mais velha” da WIC, interessa mais ao estudo de historiadores principalmente
neerlandeses talvez pelo fato de ter sido mais exitosa em suas empreitadas às coroas
ibéricas.
Esse Atlântico, ao mesmo tempo ibérico e holandês, tinha como ponto de
confluência o Recife, transformado numa espécie de quartel general das operações da
WIC no Hemisfério Sul. Favorecido pela posição geográfica e pelo regime dos ventos e
correntes atlânticas, o Recife adquiriu importância antes mesmo na condição de porto do
92
Missiva do Coronel D. van Veerderburch aos Estados Gerais. In: Documentos Holandeses. Ministério da
Educação e Saúde. Vol.I, 1945, p.30.
93
Segundo RusselL-Wood: “ raramente os historiadores da Companhia Holandesa Oriental se debruçam
sobre as atividades da Companhia Holandesa Ocidental. [...] Em geral os historiadores têm focalizado seja
o Brasil e a presença portuguesa nos dois lados do Atlântico, seja o Estado da Índia”. Ref. O Antigo regime
nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI e XVIII) – Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, pp. 15 e 16. No prefácio deste livro, Russel-Wood considera que os únicos responsáveis
por esse estudo sistemático da Companhia das Índias Ocidentais foram Charles Boxer e Amaral Lapa.
Contudo, foi notável a pesquisa empreendida pelo historiador alemão Hermann Wartjen , Das
Holaendische Kolonialreich in Brasilien (O Império Colonial Holandês no Brasil)
44
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que na de vila. Partia de seu cais boa parte do açúcar consumido na Europa. Desde fins
do século XVI e inicio do XVII, notadamente na primeira década deste último, vários
foram os navios que aportaram em seu porto vindos do norte da Europa transportando
sobretudo açúcar. Por volta de 1590, temos em torno de 20 urcas e, quinze anos depois,
mais de 70 navios anuais.94 Neste mesmo período temos que a disputa entre as coroas
ibéricas e os Países do Norte da Europa, deixando o Atlântico mais para a condição de
mare liberum, levou os neerlandeses a atacarem as possessões portuguesas. Os desvios do
pau-brasil e do açúcar produzido em Pernambuco trouxeram a esta capitania, em 1607, o
Desembargador Sebastião de Carvalho, com a finalidade de fiscalizar o comércio entre
Pernambuco e o Reino. Ao analisar os “Livros de saídas de urcas do Porto do Recife”,
entre os anos de 1595 e 1605, José Antônio Gonsalves de Mello constatou a grande
quantidade de açúcar que tomava o rumo dos portos de Flandres em vez dos de Portugal.
Sem contar os navios que eram aprisionados por piratas ingleses e holandeses, que
navegavam próximos às ilhas Açores e Madeira e atacavam, em média, 15 a 20 navios
portugueses por ano. Só entre os anos 1589 e 1591 foram 34 navios.95
Há, em meio a isso tudo, uma questão técnica. Portugal, muitas vezes, passou a
aceitar que o açúcar fosse transportado por navios alemães e neerlandeses, as ditas urcas
(Hulk em holandês e alemão arcaico). Tratava-se de um tipo de barco forte e que poderia
ser bem artilhado, além de suportar muita carga. As caravelas portuguesas, ao contrário,
tornavam-se presas fáceis aos corsários, de tal forma que o Padre Antônio Vieira chegou
96
a chamá-las de “escolas de fugir”. A urca, tipo de navio que transitava mais no
comércio da Europa setentrional, passou a ser utilizada com freqüência ao sul do
Equador. Nessa fase de expansão da economia açucareira, até pouco antes da invasão a
Pernambuco, em 1630, os holandeses teriam desviado “mais da metade do cultivo anual
94
MELLO, Jose Antônio Gonsalves de. Os Livros das Saídas das Urcas do Porto do Recife, 1595-1605. In:
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.Vol. LVIII. – Recife, 1993,
pp.21-85. Entre os anos acima citados, temos que a maior parte dos navios que arribavam em Pernambuco
eram urcas provenientes de Hamburgo, algumas da Antuérpia e umas poucas de Lubeck.
95
O prejuízo que o desvio de cargas para portos do norte da Europa acarretava era que os impostos da Sisa
e a Dizima, sobre a mercadoria transportada e comercializada, não iam para os portos portugueses. De
diversas formas a coroa portuguesa tentou resolver este problema. Uma delas foi fazendo com que as taxas
passassem a ser cobradas já no Brasil. A sisa, por exemplo, passou a ser cobrada, por algum tempo, nas
alfândegas.
96
MELLO, Idem. P.26.
45
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46
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100
BODIAN, Miriam. Hebrews of the Portuguese Nation: Conversos and Community in early Modern
Amsterdam. - Indiana University Press: 1997, p.5. Ao tratar da formação de uma nova identidade sefardita
em Amsterdam, a autora considera a situação dos judeus portugueses frente ao calvinismo holandês e,
sobretudo, ao judaísmo rabínico, do qual encontravam-se afastados à algumas gerações. Sobre isso,
considera que : “When conversos left the Península after generations of isolation from traditional jewish
life, they brought with them notions of Judaism that were anomalous and rudimentary”. (p.18).
101
EMMER, Idem.
102
Idem, pp. 25-26.
47
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103
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV-XVIII): Os Jogos da
Troca. – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.82. Sobre a anterioridade de outros mercados de valores afirma
Braudel: “ Os títulos da divida pública do Estado começaram muito cedo a ser negociados em Veneza, em
Florença mesmo antes de 1328, em Gênova, onde há um mercado ativo de luoghi e paghe da Casa de San
Giorgio, para não falar nas Kuxen, as ações das minas alemães cotadas desde o século XV nas feiras de
Leipzig, dos juros espanhóis, das obrigações francesas emitidas pelo Paço Municipal de Paris (1522) ou do
mercado das obrigações das cidades asiáticas, já no século XV”. (p.82)
104
MELLO, José Antônio Gonsalves de. A Nação Judaica do Brasil Holandês . In: Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.XLVIII – Recife: 1976, p.229. Ao investigar
fontes de tabeliães de Amsterdam, Gonsalves de Mello demonstrou diversas apostas acerca de situações
vividas na guerra holandesa em Pernambuco, tal qual a queda (ou não) do Forte de Nazaré (Cabo de Santo
Agostinho) antes ou depois de determinado período, etc.
105
AZEVEDO, João Lúcio de. História dos Cristãos-Novos Portugueses. – Clássica Editora:Lisboa, 1989,
p. 29.
106
Idem.
48
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participação dos judeus na fundação das Companhias das Índias Orientais e Ocidentais,
conclui Azevedo:
107
Idem.
108
BRAUDEL, Fernand. Civilizacao Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV a XVIII): Os Jogos
das Trocas. – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.134. O autor ressalta, a partir da diáspora sefardita da
época moderna, um incremento das redes de comércio judias tanto em direção à Península Ibérica como em
direção a partes do Mediterrâneo, tais quais Veneza, Mântua, Ferrara e Livorno. Sobre as migrações
atlânticas, afirma que “não há duvidas de que estejam [os judeus] também entre os obreiros das primeiras
grandezas coloniais da América, especialmente no que diz respeito à expansão da cana e ao comercio de
açúcar no Brasil e nas Antilhas”.
49
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109
Idem, MELLO, pp. 230-233.
110
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil. – Editora Massangana: Recife, 1987, pp.230-231. Para justificar a
influencia dos cristãos-novos que residiam no Brasil na invasão holandesa, o autor recorreu à peça teatral
contemporânea de Lope de Vega, El Brasil Restituído.
111
Idem. O autor lançou mão de Frei Manuel Calado para mostrar algumas das famílias de cristãos-novos
de Pernambuco que se converteram ao judaísmo quando da invasão holandesa. São eles Gaspar Francisco
da Costa, Baltasar da Fonsaca, Vasco Fernandes, Manoel Rodrigues Mendes, Simão do Vale, etc.
112
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835.- São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 25.
50
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113
social das grandes áreas de produção açucareira da América Portuguesa”. Ao analisar
os extratos que compunham a sociedade açucareira que antecedeu à invasão holandesa,
considerou Cabral de Mello que
Vale esclarecer que, ainda segundo Evaldo Cabral de Mello, o primeiro extrato da
sociedade açucareira ante-bellum era formado “não por rurículas afidalgados do
imaginário nativista mas por citadinos, entenda-se, indivíduos procedentes das grandes
cidades marítimas (Lisboa, Porto, Viana, Aveiro); ou de médias e pequenas vilas do
interior de Portugal”.115 Também é fato que muitos deles enxergavam os seus engenhos
como extensão ou mesmo “prolongamento lucrativo das suas lojas de Olinda e
Salvador”.116 Temos, então, já em Pernambuco, a presença de cristãos- novos nas redes ou
“dinastias comerciais”, como observou E. Cabral de Mello, no Atlântico pré-invasão.
No início da colonização, ainda no século XVI, a coroa portuguesa, através da
Casa da Índia, fazia contratos com diversos grupos comerciais. Alguns deles eram, não
raro, de cristãos-novos.117 Finalmente, ao avaliar as relações entre sefarditas e a WIC no
comércio do açúcar, considerou Philip Curtin que a migração atlântica da produção de
açúcar para o Caribe, após a Restauração, foi obra de cristãos-novos “sob a bandeira
113
MELLO, Evaldo Cabral de. Os Alecrins no Canavial: A acucarocracia Pernambucana no Ante-Bellum
(1570-1630). Revista do Instituto, Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol. LVII. Recife,
1984, p. 145.
114
Idem, p.152. O autor afirma que este extrato cristão-novo tinha uma situação financeira “mais sólida do
que os cristãos-velhos”.
115
Idem, p. 150.
116
Idem.
117
CURTIN, Philip D. Curtin. The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essays in Atlantic History.
Cambridge University Press: 1990, p.49. Sobre os primeiros comerciantes no Brasil considera o autor:
“...some were not even portuguese – The crown being less nationalistic about Brazil than about more
obviously valuable overseas territories. Anyone could trade, so long as the crown received its determined
share”.
51
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holandesa”. Conclui Curtin que “many important Sephardic Jewish families of the
Caribbean today trace their presence to this migration”.118
Contudo, não convém generalizar esta inserção dos judeus ou cristãos-novos nas
atividades coloniais sob pena de incorrermos em precipitações ou conceitos mal
averiguados. Como já se observou, a ‘recriação’ de um judaísmo rabínico fora da
Península Ibérica foi um processo traumático para aqueles já há algumas gerações
afastados das práticas tradicionais. Na Holanda, por exemplo, o processo de
transformação de cristãos-novos em ‘judeus–novos’ não foi linear e sempre exitoso. Pelo
contrário, muitos dos sefarditas que migraram para os Países Baixos traziam em suas
identidades atitudes próprias da Península Ibérica (iberismos). A convivência com grupos
ashkenazitas também não resultou tão simples. Do ponto de vista específico das relações
de identidade, a dubiedade de cristãos- novos portugueses deve ser levada em
consideração. Principalmente aquelas gerações afastadas do período da conversão forçada
a que foram submetidos em Portugal e na Espanha. Como afirmou Charles Boxer:
A dubiedade na afiliação religiosa pode ter levado, não raro, a uma certa dúvida
nas opções políticas. Em se tratando da adesão de cristãos-novos de Pernambuco aos
invasores holandeses, nem todos se colocaram ao lado ou van dienst (a serviço) da
Companhia das Índias Ocidentais. Criar uma relação necessária entre cristãos-novos e a
invasão batava pode ser, de alguma forma, algo precipitado. Tal foi o caso, por exemplo,
de Manoel Gomes Chacon (Chacão), cristão-novo que se converteu ao judaísmo rabínico
no Brasil Holandês e, no limiar da Restauração, voltou a professar a fé católica. O seu
caso foi particularmente analisado por Ronaldo Vainfas. Para ele, o lavrador de canas de
118
Idem, p. 82.
119
BOXER, Charles R. A Igreja Militante e a Expansão Ibérica (1440-1770). – São Paulo: Companhia da
Letras, 2007, p.110.
52
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Itamaracá, que passou a freqüentar a sinagoga do Recife, e se sentiu entre a família que
havia deixado e os negócios com os judeus de Maurícia que haveria de deixar às vésperas
da Restauração. Chacon foi preso, enviado à Bahia, julgado pelo auto-de-fé de 1647, mas
não foi ‘relaxado ao braço secular’.
120
IAHGP. Coleção José Higyno. Brieven em Paieren uit brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 08/04/1642.
53
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121
MELLO, op. cit., p59.
122
[apud]. “a corrente equatorial que vem da África se bifurca no Cabo de São Roque e uma de suas
bifurcações segue a costa Norte do Brasil e das Guianas e chega às Antilhas, enquanto a outra segue até o
sul, paralela à costa Brasileira e constitui a corrente do Brasil; nos meses de junho a setembro , que era
quando os barcos que saiam da Península Ibérica chegavam ao Brasil, as correntes nas imediações do Cabo
de São Roque se dirigem a NW e se a sua ação se junta à das monções do Sul, que alcançam então sua
maior identidade, se compreende facilmente que aos barcos a vela era sumamente difícil vencer esses
obstáculos para dirigir-se ao Sul , sendo muitas vezes arrastados até as Antilhas. Em troca, alcançando-se o
Cabo de Santo Agostinho se cai dentro da corrente do Brasil e é fácil prosseguir a viagem para o sul. A
54
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quem quer que estivesse na carreira das Índias Orientais, sabia muito bem precisar o
Cabo (como é popularmente conhecido), na Capitania de Pernambuco. Segundo Ulysses
Pernambucano de Mello, “era o Cabo de Santo Agostinho e suas proximidades o lugar
para onde se dirigiam os navios dispersos que cruzavam o atlântico sul, constituindo-se
no local de mais fácil identificação para os que vinham do Hemisfério Norte”.123 Esses
pormenores da navegação sul-atlântica já foram bem explorados por Luis Filipe de
Alencastro, que observou:
Ao norte do Recife, a praia de Pau Amarelo (como fora acima observado) oferecia
boas condições de aportagem. Não é à toa que foi lá que desembarcaram mais de vinte
navios das tropas da Companhia das Índias Ocidentais em 1630. A outra metade
estacionou no porto do Recife. O próprio nome ‘Pernambuco’, que significa algo como
‘pedra vazada’ em tupi- guarani, deve a sua origem a uma barreira de arrecifes que, como
era vazada, permitia a passagem de embarcações que ficavam protegidas por sua barra.
eleição do Cabo de Santo Agostinho como ponto que satisfaz plenamente as condições indicadas supõe
viagens anteriores que impuseram o conhecimento dessas características, impossíveis de se obter de uma
única vez em navegação” In: MELLO, Ulysses Pernambucano de. O Cabo de Santo agostinho e a Baia de
Suape. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano: - Vol. LIII. Recife, 1981,
p. 38.
123
Idem. O autor considera que o Cabo já aparece bem representado em cartas náuticas do inicio do século
XVI, como as de Caverio, Magiollo (1504), A. Vespucio (1505), Kustmann II, Waldseemuller (1508) e
Ruysch (1508).
124
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. – São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 57-58.
55
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Localizava-se esta barra nas imediações da Vila de Igarassu (norte do Recife). Logo,
surgiu o topônimo Pernambuco a partir de um porto.125
Com o início da economia açucareira em Pernambuco e o seu desenvolvimento na
segundo metade do século XVI, tais portos passaram a ter, na prática, uma função a mais
do que oferecer boas condições de aportagem. A expansão da economia açucareira, aliada
a extração de pau-brasil, aumentou a importância dos portos do Nordeste do Brasil.
Como em Pernambuco se produzia a maior parte do açúcar consumido na Europa, já no
último quartel do século XVI, teve no porto do Recife a sua mais importante porta de
saída daquele produto. A partir de então os navios passaram a freqüentar o Nordeste não
126
apenas para se afastar da cabotagem ao longo da África, e sim para fazer comércio.
Mas estes portos eram também, e muitas vezes, de contrabando. Vejam-se os
casos do Porto dos Franceses (Alagoas) e Pitimbu (norte de Pernambuco), fartamente
utilizados pelos franceses para desviar açúcar e madeira das capitanias de Pernambuco e
127
Itamaracá. O próprio porto do Recife protagonizou um comércio ilegal de madeira,
açúcar e, inclusive, prata de Potosí desviada pelo Rio da Prata. Nas relações atlânticas, o
contrabando esteve presente e precisou sobremodo de lugares ermos para o seu êxito.128
O interesse da WIC na prata espanhola era evidente. Uma vez estabelecidos no
Caribe, os holandeses “cercavam” as saídas da prata do México e do Peru. Por volta de
1630-1640, a produção argentífera daquelas minas ainda se revelava atraente aos batavos.
125
MEDEIROS, Guilherme de Souza. Cruzando o Tenebroso: A Arte da Navegação no Inicio do Século
XVI em Pernambuco. Dissertação de Mestrado defendida em 2000 (UFPE). P. (?)
126
Acerca da navegacao no litoral do Nordeste, escreveu Philip Curtin: “ Brazil was, first and foremost, a
place the Portuguese had to pass on the way to India. Once past the bulge of Africa and the doldrums, the
most direct route to the Cape of the Good Hope was in the teeth of the southeast trade winds. To avoid this,
mariners sailed as close to the trade as possible – just as they headed back toward Europe took a detour
away from the Saharan coast of Africa. As a result, they passed very close to the northeastern bulge of
Brazil. Ref. CURTIN, Philip D. The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essays in Atlantic History.
Cambridge University Press, 1990, p. 48.
127
Sobre a presença de franceses em Itamaracá e Paraiba, afirmou Capistrano de Abreu: “ Os petiguares da
serra entretinham boa relacao boas relações com os colonos; [...] os da praia, sempre amigos dos franceses,
faziam com estes bons negócios na Paraiba”. Essa referência é do século XVI (segunda metade), fase em
que a presença francesa era constante na costa do Brasil. (Capítulos de História Colonial: 1500-1800. –
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Brasília, 1976, p. 56)
128
Sobre o contrabando na America do Sul envolvendo Pernambuco, afirmou Fernand Braudel: “Do Brasil
para o Rio da Prata, um tráfico continuo de pequenas naus de umas quarenta toneladas trazia à socapa
acucar, arroz, tecidos, escravos negros, talvez ouro. Regressavam ‘carregados de reaes de prata’ .
Paralelamente, pelo Rio da Prata, vinham mercadores do Peru com espécies para comprar mercadorias em
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro. Os lucros destes tráficos ilegais , segundo um mercador, Francisco
Soares (1597), iam de 100% a 500% e, se acreditarmos no que ele diz, chegavam a 1.000%”. Ref.
BRAUDEL, Opus. Cit, p. 135.
56
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Merece destaque, também, a economia que girava em torno da atividade mineradora, que
era o comércio de roupas, vinho da Espanha e escravos africanos que circulava nas vilas
mineiras. Todas essas mercadorias eram pagas com grandes quantidades de metal
precioso. Certamente os comerciantes ligados a WIC quiseram entrar nestes “circuitos
129
econômicos, energizados pela mineração”, como destacou Peter Backwell. No
processo de colonização da América desenvolveu-se desde cedo uma classe social local
(os crioullos), os quais colocaram as colônias espanholas, cada vez mais, numa relação de
independência da Espanha. Como observou John Lynch:
129
BAKEWELL, Peter. A Mineração na América Espanhola Colonial. In: História da América Latina:
América Latina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org). – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Brasília, 2004, p. 102.
130
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New York: - New York University Press, 1984,
p.13.
131
MOERNER, Magnus. A Economia e a Sociedade Rural da América do Sul Espanhola no Periodo
Colonial. In: História da América Latina: América Latina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org). – São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília, 2004, p. 194.
57
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132
Ibidem. Segundo o autor, “na costa peruana os escravos africanos constituíram parte importante da
força de trabalho rural. Em 1767 os jesuítas empregavam 5224 escravos, 62 por cento nas fazendas de
cana-de-açúcar, 30 por cento nos vinhedos. Esses escravos muitas vezes recebiam pedaços de terra onde
podiam cultivar seus próprios alimentos”. P. 195.
133
WAETJEN, op. cit. p. 209. O autor se refere a duas expedições incentivadas por Nassau no ano de 1637
em “abas de serra de Pernambuco” e a expedição empreendida por Elias Herckmans ao interior. Ambas
sem sucesso. No Ceará, uma expedição comandada por Mathias Beck teve mais êxito, tendo encontrado
uma mina de prata “aparentemente rica”, mas que não chegou a ser explorada.
134
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New York: - New York University Press, 1984, p.
11. Segundo o autor, “ a crise pode ser datada precisamente entre os anos 1598 e 1620 e se tratou de uma
crise de mudança da tendência econômica do século XVI”. Na Espanha, o contexto foi de
“empobrecimento da população rural, depopulação e recessão do comércio com as colônias americanas”.
58
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uma tentativa dos holandeses para se apoderarem dos carregamentos para a Europa. Em
setembro de 1640, uma expedição comandada pelos almirantes Jol e Lichthart intentou
com vinte navios capturar a prata vinda das minas de Potosí a partir do porto de Havana.
A operação foi malsucedida. Segundo Barléus:
The planetary currents of the North Atlantic are circular. Eupeans pass by Africa
to the Caribbean and then to North America. The Gulf Stream then at three knots
moves north to the Labrador and Artic currents, which moves eastward , as the
North Atlantic Drift, to temper the climates of northwestern Europe. 136
Uma outra forma de atacar o Império espanhol sem ser pelo Caribe foi a ocupação
de Angola em 1641. Tomou parte da mesma o Almirante Jol citado acima. Da fracassada
expedição a Cuba para a bem sucedida conquista de São Paulo de Luanda, a WIC atingia
135
BARLÉU, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 204.
136
LINENBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. The Many-Headed Hydra: sailors, Slaves, Commoners,
and the Hidden History of the Revolutionary Atlantic. Boston: - Beacon Press, 2000, p. 1.
59
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a Espanha impedindo que 15.000 negros saíssem de Angola para trabalhar nas minas do
137
Peru e do México.
O Recife antes da invasão holandesa, enquanto porto da então florescente vila de
Olinda, já tinha um caráter de ‘cidade-etapa’ na economia- mundo do Atlântico. Tendo
como ‘cidade-pólo’ Lisboa, passou, após a invasão a girar, de forma direta, na órbita de
Amsterdam, o maior empório comercial da primeira metade do século XVII. E foi
mesmo durante a presença holandesa que a cidade do Recife deixou a condição de
“povo” para a de núcleo urbano com problemas de superpopulação, inclusive. Ao
descrever o Recife por volta de 1636, José Antônio Gonsalves de Mello não deixou de
mencionar os altíssimos preços de imóveis bem como a circulação constante de gente de
diversas partes da Europa. O Recife deixava de ser um “burgo triste e sem vida” 138 para
ser um importante entreposto comercial para os Países Baixos, pelo menos para uma
parte da burguesia de Amsterdam.
Evidentemente, não podemos comparar o porto do Recife com os de Amsterdam e
Antuérpia, os quais podiam comportar mais de mil embarcações de uma só vez. Nestes
ancoradouros existiam diversas embarcações que chegavam do Báltico após pescarem
centenas de baleias e aproveitarem seus derivados. Chegavam a lucrar com essa atividade
mais de 2 milhões de florins a cada temporada. O maior de todos esses comércios era
mesmo o de Arenque, chamado de moedernegotie, ou ‘negócio mãe'.
A presença holandesa fez com que o Recife se conectasse mais diretamente a
outras partes do Atlântico como, por exemplo, o Caribe. Assim, como veremos em
capítulo mais adiante, navios como o Holandia, De Wapen van Hoor e Bonte Coe, bem
conhecidos das fontes coêvas, faziam viagens a Curaçau, Barbados, Santa Bárbara e
Cuba. Em agosto de 1635, de uma só vez, zarparam do porto do Recife em direção a
Cuba os navios De Zujdsterre, Schoop, De Meermine e Angola levando vários soldados
137
Barleus, op. cit. p. 214. Segundo o cronista: “ Efetivamente, o próprio rei da Espanha se acostumou a
levar dali anualmente 15.000 negros, dos quais se utilizava para trabalharem nas minas do Ocidente. É,
pois, certo que o rei tentará extremos para recuperar o Reino de Angola, de tanta importância para o
império hispânico”.
138
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil. – Editora Massangana: Recife, 1987, p. 35. Palavras do autor: “Burgo triste
e abndonado [o Recife], que os nobres de Olinda deviam atravessar pisando em ponta de pé, receando os
alagados e os mangues; burgo de marinheiros e de gente ligada ao serviço do porto; burgo triste, sem vida
própria, para onde até a água tinha de vir de Olinda”.
60
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139
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijkse notulen van de Hooge Raden in Brasilie. 17/08/1635.
140
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633. In: Documentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, pp. 125/126.
141
As intenções flamengas no Nordeste enquanto ponto estratégico no Atlântico Sul evidencia-se após a
tomada de São Jorge da Mina, em 1637, quando os primeiros navios da WIC passaram a trazer escravos
diretamente dos portos africanos. Para o ano de 1639, já é possível identificar a chegada de navios das
regiões próximas ao Castelo da Mina sobretudo “peças de escravos” (stuck negers). Numa ocasião, aportou
no Recife os navios Camel e Charitas, trazendo pouco mais de 300 escravos, sendo 150 provenientes de El
Mina e 174 do porto de Ardras. Também trouxeram ouro e uma carta do administrador Willem Willeckems
do Cabo Lopez. IAHGP. Coleção José Higino. Birven em Papieren uit brasilie. 29/04/1639.
61
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A ocupação do Brasil pelos holandeses não foi fortuita. Essa observação, apesar
de óbvia para quem trabalha este tema, não nos exime de uma reflexão acerca do que
foram as companhias de comércio do século XVII. Nos Países Baixos, em particular, o
paulatino processo de independência do domínio espanhol teve como principal
conseqüência a criação da Companhia das Índias Orientais (VOC) e, a sua “irmã mais
nova”, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC). Temos, de antemão, que a primeira
exerceu grande influência sobre a segunda.
Evidentemente, o grande cenário para essa discussão passa pela ascensão do
capitalismo e na forma como ele se expressou entre nações protestantes e católicas. Sobre
esse assunto, Hugh Trevor-Hoper epressou que em lugares como Milão e Antuérpia, “o
capitalismo independente definhou” e que “os únicos grandes lucros nos negócios eram
os lucros do capitalismo de Estado”. Enfim, para a Espanha, a situação era a seguinte: “A
plutocracia genovesa, tolerada como enclave urbano autogovernado, a fim de ser o
financiador estatal do império espanhol, e investindo seus lucros em funções, títulos e
terras dentro desse império, é típica dessa história”. 142 Assim, em oposicão ao capitalismo
“independente” dos Países Baixos, a influência do império espanhol no “capitalismo de
143
Estado” foi determinante nos Países da Contra-Reforma. Mesmo assim, essa dicotomia
entre o capitalismo em países da Reforma e da Contra-Reforma não pode ser tão radical,
uma vez que mesmo um teórico da república mercantil como Paolo Sarpi, permaneceu no
seio da Igreja católica. Só que na república de Sarpi, Veneza, a Igreja se via separada do
144
Estado. Ele não era, pois, a” Igreja desse Estado”, como concluiu Trevor-Roper.
Por outro lado, o fato de o capitalismo livre-empreendedorista ter preponderado
nos Países protestantes não torna fraco o papel do Estado. Pelo contrário, no caso dos
Países Baixos, a aparente ausência do Estado faz parte de uma idéia que foi encampada
142
TREVOR-ROPER, Hugh. A Crise do Século XVII: Religiao, a Reforma & Mudança Social. –
Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 73.
143
O autor tipificou a sociedade espanhola como “feudal”, arcaica, acidentalmente alçada ao poder mundial
pela prata da América”. De uma forma geral, também tipificou Trevor-Hoper a forma de capitalismo
espanhola, ou ”dos estados principescos” como uma regressão econômica e até ironiza ao insinuar que “por
volta de 1640, o apoio espanhol podia ser de pouca valia para qualquer um; mas nessa época as sociedades
da Europa da Contra-Reforma estavam estabelecidas: estabelecidas em declínio econômico”.
144
TREVOR-ROPER, idem, p.80.
62
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por muitos historiadores que não entendiam que a riqueza de uma sociedade refeletia
num Estado mais forte e não necessariamente absolutista. 145 O pensamento da fragilidade
do governo nos Países Baixos pode encontar eco nas rivalidades que sempre existiram
entre a plutocracia da Província da Holanda e o poder dos Stathouders, que controlavam
as Províncias do interior e eram elementos da casa de Orange-Nassau. No entanto, apesar
dessas disputas domésticas, os Países Baixos nunca deixaram de exercer o seu poder
externo no século que ficou conhecido como “o século de ouro” para a Holanda: o século
XVII. Do que concluímos que o governo sobreviveu as turbulências provinciais.
As companhias holandesas das Índias Orientais e Ocidentais têm origens numa
tendência já verificada na Europa Ocidental desde a segunda metade do século XVI. São
as chamadas sociedades de capitais, apelidadas pelos ingleses de Joint Stock Companies
146
(sociedades por ações). Na própria Inglaterra, por volta de 1550, formou-se a primeira
sociedade de ações, a Moscovy Companie. Já na França, observou Fernand Braudel, a
instituição das sociedades de ações apareceu mais lentamente que na Inglaterra e nos
Países Baixos. Contudo, foi mesmo no século XVII que se consolidaram as grandes
companhias comerciais, e à sombra de uma condição sine qua non, segundo o autor de O
Mediterrâneo: a de que “só há crescimento significativo da empresa quando há
associação com o Estado – o Estado, a mais colossal das empresas modernas que,
crescendo sozinho, tem o privilégio de fazer crescer as outras”. 147 Essa declaração
mostra por si só a importância que o Estado, inclusive o dos Países Baixos, possuíam no
florescimento de companhias do porte da VOC e da WIC. E foi de suas grandes e
organizadas companhias de comércio que, ainda segundo Frenand Braudel, “as
148
Províncias Unidas e a Inglaterra se serviram para conquistar o mundo”.
145
O historiador Franand Braudel, apoiado nos estudos de Immanuel Wallerstein, ao considerar que
governo e sociedade fazem parte de um mesmo bloco. Ainda segundoBraudel, no centro de qualquer
economia-mundo, a figura do Estado é tanto mais “temida e venerada”, quanto mais riqueza e dinamismo
econômico ele puder trazer para si. Esse foi o caso de Veneza (século XVI), Holanda (século XVII) e
Inglaterra (século XVIII). Ref. BRAUDEL, Civilização Material e Capitalismo, O Tempo do Mundo, p. 40.
146
Sobre esse assunto, Braudel reitera a anterioridade das “sociedades de ações” à segunda metade do
século XVI ao afirmar que “ já antes do século XV, os navios do Mediterrâneo são muitas vezes
propriedades divididas em ações – chamadas partes em Veneza, luoghi em Gênova, carrati na maior parte
das cidades italianas, quiratz ou carats em Marselha”. Ref. BRAUDEL, Civilização Material e
Capitalismo, Os Jogos das Trocas, p. 388.
147
Idem, p. 391.
148
Idem, p. 392.
63
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149
Idem.
150
Idem, p. 396. No entanto, Braudel considera que a Merchant Adventurers Company era administrada
como uma “corporação”, em que “os membros da companhia são irmãos entre si, e suas mulheres, irmãs.
Os irmãos devem ir todos juntos aos ofícios religiosos, aos enterros. Estão proibidos de se portar mal, de
pronunciar palavras grosseiras, de se embriagar, de tornar-se espetáculo para os outros [...]”. Assim
reproduziu o autor parte do estatuto da companhia.
64
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Republic were first stablished in 1612, commercial contacts had already been made by
travellers and by merchants engaged in Mediterranean trade before 1600”. 151
Em prirmeiro plano, os olhos dos países capitalistas emergentes no século XVII
estavam voltados para o Oriente das especiarias, terreno já bem conhecido pelos países
ibéricos, sobretudo Portugal. A inserção portuguesa na Ásia eral tal que fez jus à
afirmação de Charles Boxer de que
E foi para esse destino que os Países Baixos lançaram os seus olhares através.
Primeiro, com a Compagnie Van Verre, em fins do século XVI e, no alvorecer do século
XVII, com a Companhia das Índias Orientais (VOC). A atuação desta última sobretudo
no Oceano Índico é que influenciará, alguns anos mais tarde, a criação da Companhia das
Índias Ocidentais (WIC).
No século XVII as possessões portuguesas no Oriente foram seriamente atingidas
pela VOC no que diz respeito ao comércio lusitano ai enraizado desde o século anterior.
O avanço de Portugal em direção ao Oriente fez parte de um processo, não
necessariamente consciente de expansão, como demostrou Charles Boxer, mas
certamente “surgiram de uma mistura de fatores religiosos, econômicos, estratégicos e
políticos, é claro que nem sempre dosados nas mesmas proporções”. 153 Também ficou
claro que, segundo o autor, o deslanchar de Portugal na colonização ultramarina se deu
sob o clima de paz interna que o seu território experimentou ao longo de todo o século
XV, enquanto os outros países da Europa Ocidental estavam envolvidos de alguma forma
com guerras civis internas ou ameaças estrangeiras. Finalmente, como fator religioso,
mas indubitavelmente, econômico, a conquista de Ceuta aos “infiéis” hereges conbinou
151
BULUT, Mehmet. The Role of the Ottomans and Dutch in the Commercial Integration between the
levant and Atlantic in the Seventeenth Century. In: Journal of the Economic and Social History of the
Orient, Vol. 45, No. 2 (2002), pp. 197-230.
152
BOXER, Charles. O Império Marítimo Português. – São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 52.
153
Idem, p. 33.
65
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mais de um fator para o avanço da coroa portuguesa em território africano. 154 É forte a
tese, ainda segundo Charles Boxer, acerca dos interesses econômicos de Portugal na
ocupação daquela praça, uma vez que, a partir dali poderiam estabelecer contatos com o
comércio de ouro desde há muito existente nas terras do alto Níger e do rio Senegal.
Assim, os portgueses promoveram o carreamento desse comércio de ouro do Sudão
ocidental, que se fazia no interior, para o litoral. 155 Que fique claro, portanto que a coroa
portuguesa procurava manter o monopólio do comércio de ouro, escravos e especiarias
em geral, muito embora, em alguns casos isolados, a coroa tenha concedido os direitos de
importação de marfim e escravos a alguns indivíduos mediante, é evidente, o pagamento
de licença.
No Índico, o império português consolidou-se no grosso trato com as cidades
suális da costa oriental da África (Mombaça, Quíloa, Melinde e Pate) que, segundo
Charles Boxer, eram “todas possuidoras de alto nível de florescimento cultural e
prosperidade comercial”. 156 O estabelecimento dos portugueses no Índico situou-se entre
as cidades acima citadas e o Timor, passando por importantes entrepostos comerciais
como Mascat, Ormuz, Diu, Bombaim, Goa, Calecute, Ceilão, Meliapor, Negapatão,
Pegu, Sião, Malaca, Macau e Ilhas Molucas, para não citarmos outros. Ao longo do
século XVII, quase todo esse território foi alvo da Companhia das Índias Orientais.
Quando os holandeses partiram para tomar o quinhão ibérico na Ásia, já estavam bem
conscientes do que iriam encontar.
Antes de se “aventurar” no Oriente com uma grande companhia de comércio, as
experiências anteriores colhidas pelos neerlandeses mostraram aos empreendedores
holandeses e zelandeses que “ leurs succès durable exigeait une organization rigoureuse”,
como afirmou o historiador Yves Cazaux. 157 O mesmo resume o êxito neerlandês no
Oriente da seguinte forma:
154
Boxer, no tocante a tomada de Ceuta, chamou a atençao para o motivo eminentemente econômico da
conquista de Ceuta, uma vez que se tratava de um centro comercial florescente à época, dotado de uma boa
condição de aportagem que seria fundamental para uma futura expansão portuguesa através do estreito de
Gibraltar.
155
Tal empreitada levada a cabo pela coroa portuguesa foi lucrativa, haja vista que, só no reinado de dom.
Manuel I (1496-1521), os portugueses truxeram de São Jorge da Mina, anualmente, 170 mil dobras de ouro
a cada ano em média. Ref. BOXER, op. cit. p. 45.
156
Idem, p. 55.
157
CAZAUX, op. cit., p. 241.
66
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158
Idem, p. 242. O lastro do sucesso da VOC no Oriente foram, entre outrso fatores, a poderosa marinha
mercante de que dispunham os neerlandeses (segundo o autor, “encore une autre statistique globale: aux
alentours de 1660, les Provinces-Unies posséderont lês trois quarts de la flotte de commerce mondiale”),
assim como de um arrojado sistema de seguros de cargas tal ponto de organização que “ dés lê debut de la
guerre des Trente Ans, elles parviennent à garantir lês risques de mer pour une prime de dix por cent em
temps de guerre, de huit pour cent em temps de paix, et même moins cher encore, quand la conjoncture
s’améliore. Ces tarifs à Amsterdam sont souvent inférieurs de moitié aux tarifs français correspondents”.
Convém lembrar da importância das companhias inglesa e holandesa na Ásia. Em trabalho acerca das
grandes companhias de comércio, os historiadores da economia Ann Carlos e Stephen Nicholas
enfatizaram que “if one looks at only a fraction of the transactions, the invoicing of goods between the
factory at batvia (present-day Jakarta, Indonésia) and the head office of the Dutch East Índia Company, the
volume of transactions filled ‘more than 500 fat volumes from the 17th century’. “ Os autores também
observam que este número o volume comercial intra-asiático, nem as transacoes entre feitorias da
companhia e mercadores locais no Oriente Médio, India, Batávia e Japão. Ref. CARLOS, Ann M. ,
NICHOLAS, Stephen. In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988), pp.401.
159
Yves Casaux enfatiza os contatos neerlandeses no extremo Oriente com Osaka, Cantão e Formosa,
salientando também que desde 1616 o chá da China já tomava o rumo do entreposto que seria holandês de
Batávia.
67
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mundial à qual já nos referimos na seção anterior. No Oriente, a Companhia das Índias
Orientais (VOC) e, no Atlântico-Sul, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC).
Um Historiador indiano, Sanjay Subramanyam, além de seguir os caminhos
abertos por Boxer, nos dá bem a medida do conflito luso-neerlandês pelo controle dos
entrepostos comerciais do Golfo de Bangala. Aqui, pontos nevrálgicos do comércio do
Índico como Negapatão e Paleacate (costa leste da Índia) foram alcançados pelas
companhias de comércio neerlandesas, mas com maior autonomia dos nativos para
negociarem com o invasor. Vale salientar que estas localidades tinham desde há muito,
antes mesmo da chegada dos portugueses, um comércio constituído bem como um nível
de organização política mais consolidado que o das tribos tupis do litoral brasileiro . 160
Subrahmanyam, ao mesmo tempo em que considera o caráter mundial da luta
entre portugueses e holandeses, mergulha na especificidade da administração local que
os portugueses instalaram em termos de fixação de câmaras e delimitações de espaços.
Deste modo, temos uma perspectiva de um historiador nativo que mergulhou não só em
fontes portuguesas como naquelas referentes à Companhia das Índias Orientais em
arquivos da Holanda. A chegada dos holandeses nestes espaços, já no início do século
XVII, desarticula as relações comercias de Portugal constituídas com muita persistência
pelos prepostos dos reis em início do século XVI.161
Se foi verdade que a presença neerlandesa no Oriente produzia histórias
fantásticas na mente dos contemporâneos, como bem ressaltou Simon Schama162 ,
também não foi menos verdade que as questões político-administrativas foram relatadas
por agentes neerlandeses pertencentes à Companhia das Índias Orientais neste quadrante.
Desse modo, o mesmo homem que poderia se deslumbrar com as fantasiosas viagens do
navio Botencoe bem como as aventuras de seus marujos, também se decepcionava com as
perdas da Companhia das Índias Ocidentais na América portuguesa.
Um caso a ser citado, um ponto de comércio português no Golfo de Bengala:
Negapatão. Este, por sua vez, localiza-se na costa Leste do subcontinente indiano, quase
160
SUBRAHMANYAM, Sanjay. Guerra e Comércio: A Presença Portuguesa no Golfo de Bengala
(1500-1700). Lisboa: Edições 70, 1989.
161
O portugueses instituíram várias rotas (carreiras) comerciais no Golfo de Bengala. As mais conhecidas
e citadas por Subrahmanyam são as que tinham como itnerário Malaca-Paleacate-Malaca, Goa-Paleacate-
Malaca-Goa, Malaca-Pegu-Malaca e Goa-Paleacate-Pegu-Goa.
162
SHAMA, Simon, op. cit.
68
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em frente a ilha do Sri Lanka e à poucos quilômetros de Goa, situada na costa Oeste do
Malabar.
Em 1642, atacaram os holandeses, sob o comando do Almirante Cornelis
Leendertszoon Blauw, a possessão portuguesa de Negapatão. Aqui, negociam uma
recompensa de 50.000 patacas de resgate. A empresa malogrou em função da resistência
local e a consequência administrativa foi que os Eleitos (administradores portugueses
locais) que Goa tomasse conta de Negapatão. O que se seguiu aqui foi a instalação de
uma Câmara Municipal para substituir os Eleitos, além de nomeação de um Capitão-
mor e o reforço da fortificação. Tal atitude, por parte da Coroa portuguesa, não fora
tomada doze anos antes com relação a Pernambuco que, mesmo após a ocupação de
163
Salvador pelos holandeses (1624-1625) permaneceu mal guarnecido.
Entretanto, os holandeses na Ásia se beneficiavam das represálias que sofriam os
portugueses dos nativos. Narram os holandeses, em depoimento encontrado por
Subrahmanyam nas fontes neerlandesas, o ataque que sofreu a povoação portuguesa por
parte das forças de Tanjavur, em princípios de 1632, pelo fato da comunidade mercantil
aí instalada não ter conseguido o suficiente para pagar os tributos que lhes permitissem
fazer o comércio. Aqui em Bengala, pelo menos, estavam os portugueses entre uma
poderosa estrutura nativa, os Nayaka164 , e os holandeses. Situação, aliás, diferente do
Brasil, onde puderam subordinar os ameríndios e impor- lhes uma política hegemônica.
Em dado momento, Nayakas e holandeses se “congeminaram”, no dizer de
Subramanyan, para tomar Negapatão aos portugueses.
Por fim, chama a atenção Sanjay Subrahmanyam para o fato de que em certa
medida, a lição que os portugueses, tal como os holandeses, não aprenderam, se resumia
a isto: poucos seriam os “príncipes pagãos ou mouros” capazes de suportar, de boa
vontade, a imposição de verem uma “aldeia indefesa” transformada em povoação
fortificada ...”.165 Além de frisar bem que, malgrado o controle neerlandês de Negapatão
163
As crônicas de Brito Freyre mostram a dificuldade em se treinar um exército de última hora ante uma
invasão holandesa a Pernambuco. Outro cronista, Gabriel Soares de Souza em 1587, já observara a
necessidade de melhor defesa da costa brasileira. A própria presença francesa no litoral brasileiro até fins
do século XV, como observou Capistrano de Abreu, fornece subsídio a este argumento.
164
Assinala Sanjay Subrahmanyam o governo do chefe Nayaka, Vijayaraghava, que liderou de 1634 até
1637.
165
. SUBRAHMANYAM, op. cit. pp. 104.
69
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“the kandya king, who was by this time heartly tired of the Potuguese, received
him in the most friendly manner, and promised him, in return for assitance
against the Portuguese, every facility for trade and for the building of fortresses
on the coast”.
Mas a presença efetiva da VOC naquele território se deu mesmo em 1637, no mesmo
ano em que a WIC, a partrir do Recife, conquistava São Jorge da Mina. A
administração só vingaria a apartir de 1640, restando aos portugueses a ocupação de
Colombo, que viriam a perder finalmente em 1656. 166
Assim como no Brasil, onde um governo civil tendeu a sobrepujar o militar,
também no Ceilão, a fórmula fora a mesma. Segundo R. G. Antonisz, no Ceilão, a
necessidade de se procurar um equilíbrio social veio imediatamente após o
estabelecimento de um governo civil. 167 No topo da administração estava um
Governador que era acessorado por um Conselho Político (Political Concil), composto
por dez dos maiores funcionários da VOC. Em seguida, abaixo do Governador, vinham
os Comanndeurs das subregiões de Jafnna e Galé, que tinham o status de Governadores
Provinciais (Provincial Governors). Estes, finalmente, eram acessorados por conselhos
políticos locais, mas subordinados ao Conselho Político maior. Os Commandeurs
podeiam ter assento no Conselho Político do Ceilão (o conselho maior) e, uma vez
estando em Colombo (centro administrativo), tinham precedência sobre os outros
166
ANTONISZ, R. G. The Dutch in Ceylon: Glimpses of their life and times. (Lecture). Ceylon Examiner
Press, 1905, p. 03.
167
Idem, p. 4.
70
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71
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170
HUSMAN, Lodewijk. Guia para o estudo das Atas Diárias do Alto Conselho da Companhia das Índias
Ocidentais no Recife (1635-1654). In: Monumenta Hyginia. Recife, 2005, p.28 (mimeo)
72
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Soldados Commissen
Marinheiros e outros
empregados
Clientes Fornecedores
171
Fonte: HULSMAN, op. cit., p.29.
171
Esse organograma foi elaborado pelo autor, menos a inserção do Conselho Político no quadro central
logo abaixo do Conselho dos XIX.
172
MELLO, Fontes para a hisória do Brasil Holandês, p. 11.
73
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organizada nos moldes acima influenciou. Nesse sentido, Ann M. Carlos e Stephen
Nicholas enfatizaram o argumento de que o crescimento e a expansão de firmas
multinacionais não foi necessariamente um “American phenomenon” com raízes no
período pós-1950. Pelo contrário, eles destacaram que
173
CARLOS, Ann M. , NICHOLAS, Stephen. In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988),
pp.398.
174
Os autores, com esse argumento, concluem que “in these two critical respects, the early trading
companies were indeed analogues to the modern multinational”.
74
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O autor ainda chama atenção para a associação entre esses mercadores holandeses,
espécie de outsiders dos grandes negócios da companhia, e as atividades de corso
barbarescos que atuavam no mar do Norte. 175 Percebemos então, que o modelo dessas
grandes companhias de comércio não figurava como unanimidade na costelação dos
interesses comerciais dos mercadores dos Paises Baixos. Isso ficou bastante
evidenciado, no caso do Brasil, nos desentendimentos entre os mercadores de
Amsterdam e o resto da WIC no decorrer da empresa do Brasil.
Um caso emblemático, citado por W. J. Van Hoboken, diz respeito aos irmãos
Bicker, ricos mercadores amsterdaneses e co-fundadores da Companhia das Índias
Ocidentais. Segundo o historiador neerlandês, tão logo as ações da WIC subiram de
valor após o apresamento da prata espanhola por Piet Hein em 1629, Cornelis Bicker e o
175
BRAUDEL, op. cit., p. 187. Com isso o autor justifica o caráter, por vezes, contraditório entre os
interesses de Estado e os interesses dos comerciantes neerlandeses, lembrando que os holandeses foram
expulsos de Pernambuco com armas compradas aos próprios neerlandeses e que foi com armas batavas que
Luis XIV atacou os Paises Baixos, em 1672. Finalmente, para Braudel, isto se deve ao fato de que, nos
Países Baixos, “o mercador é rei e o interesse comercial desempenha na Holanda o papel de razão de
Estado”.
75
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seu irmão trataram de vender suas ações e rivalizarem com a companhia no comércio do
Brasil. Para J. Van Hoboken,
176
HOBOKEN, op. cit., pp.319-320.
177
WALLERSTEIN, Immanuel, op. cit., p. 58.
76
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Capitulo II
Num de seus trabalhos sobre o Brasil Holandês, Evaldo Cabral de Mello fez uma
importante reflexão acerca do que ele chamou de ‘memória da guerra holandesa’. Para
isso, recorreu habilmente aos cronistas. Duarte de Albuquerque Coelho, Francisco de
Brito Freire, Frei Manuel Calado, Diogo Lopes Santiago, entre outros, são analisados em
suas perspectivas, coerências ou incoerências. Também não faltou o “panegírico” Gaspar
Barléus. Extemporâneo à ocupação, o Frei Jaboatão não escapou às observações de
Cabral de Mello. A esse estudo ele denominou “o inventário da memória”.178
Sobre essa “memória” da ocupação neerlandesa é que se constituiu, digamos
assim, uma outra memória, a dos historiadores do século XIX e primeira metade do XX.
Se, por um lado, a ocupação do Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais ocupa
pouco espaço na bibliografia neerlandesa, por outro, o mesmo não pode ser dito com
relação ao Brasil.179 Não é novidade para ninguém a importância que a ocupação batava
ainda guarda no imaginário de muitos historiadores acadêmicos ou não.
Na “genealogia da memória”, se é que assim podemos falar, temos que um dos
principais cronistas a engrandecer a figura de Nassau tenha sido o Frei Manuel Calado. E
foi essa memória que se preservou até o século XIX. Percebeu isto Evaldo Cabral de
Mello quando afirmou que “para o pernambucano da primeira metade do século XIX
como para seus pais e avós setecentistas, só escapavam à condenação geral da
experiência neerlandesa Nassau e os melhoramentos de que dotara o Brasil Holandês”.180
O mesmo vai mais longe em suas análises, admitindo que “ao Lucideno, deve-se,
desde logo, a dicotomia entre a ação do conde, favorável aos luso-brasileiros, e o
178
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: O Imaginário da Restauração Pernambucana. – Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997.
179
Uma das razões para este fato pode ser o fato de que a WIC, em relação à Companhia das Índias
Orientais (VOC), obteve menores êxitos em termos de lucro. Criada em 1602, a Companhia das Índias
Orientais lançou-se cedo ao comércio com a Ásia. A Companhia das Índias Ocidentais procurou seguir o
seu modelo administrativo.
180
Idem, p. 330.
77
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181
Idem, p. 331.
182
Idem, p. 338.
183
Esse processo foi bem analisado pelo historiador Simon Schama, que aponta as influências romanas
(Tácito, Plínio e Estrabão) nas idéias de uma identidade neerlandesa de figuras como Van de Vonde, Gijsel
e Hugo Grorius.
78
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184
WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Hollandez no Brasil. – Companhia Editora nacional, 1938,
p. 135.
185
Idem, p.136.
186
Apesar do titulo de gouverneur, Diedrich Wnaderburch não tinha poderes além do Politicque Raden
(Conselho Político), este último composto por civis. Segundo Waetjen, o coronel não dispunha de uma
posição de primus inter paris na administração da conquista. Essa situação gerou em si muita disputa entre
autoridades civis e militares no inicio da ocupação neerlandesa.
187
Idem, p.141.
79
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188
Idem, p. 145.
189
Documentos Holandeses. Ministério da Educação e Saúde, 1945, pp. 55/56. Missiva do Governador D.
Van Weerdenburch, em Olinda, aos Estados Gerais.
80
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190
Revista do IAHGP, Números 29 e 30. Reedição fac-similar. Recife, 1977 [1884], pp. 5 e 6.
191
Idem, p.6.
192
Idem, pp. 8 e 9.
81
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193
com os invasores”. José Higino exaltava os holandeses, quando convinha, para exaltar
mais ainda os “pernambucanos” que resistiram e os expulsaram. Não relatava, também
quando convinha, a importância dos Países Baixos por puro amor à Província.
Em se tratando dos “feitos de guerra”, as idéias de José Higino bem lembram as
de Adolfo de Varnhagem. Este, por sua vez, foi considerado por José Higino como
“investigador paciente e exato – mas nem sempre historiador imparcial”. Até a ida do
historiador pernambucano para os arquivos holandeses, os mais importantes trabalhos
baseados em fontes batavas haviam sido os de P. Netscher e o do próprio Varnhagen.194
Temos, em meio a essa discussão, que, a partir da pesquisa de José Higino nos Países
Baixos, não apenas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha um corpus
documental de fontes neerlandesas. Agora, o Instituto Histórico Pernambucano passava a
abrigar fontes não menos importantes. A temática do Brasil holandês teve a sua ‘infância’
em meio a uma rivalidade entre institutos históricos no século XIX.
Quem faz uma reflexão preciosa do livro de Varnhagem acerca das lutas contra os
holandeses é o historiador Arno Wehling num prefácio de edição recente. Para Wehling,
um dos objetivos de Varnhagen com esta sua obra teria sido “uma estratégia da memória
para convencer os seus contemporâneos”, no sentido de lembrar aos brasileiros que
estavam havia dois anos na Guerra do Paraguai que, na ocupação holandesa, lutou-se 24
anos contra um inimigo forte. 195 Fica claro que, para José Higino, a luta era de
Pernambuco contra a Holanda, enquanto que para Varnhagen, era do Brasil (ainda que
colônia no século XVII) contra a Holanda. Varnhagen e Higino, positivistas que eram,
viam o passado como exemplo. Ou melhor, viam a guerra contra os holandeses como um
“aprendizado” para o presente. Nessa escolha temática, ou seja, na preferência por “feitos
militares”, ficou reduzido o papel de outras áreas da administração da WIC no Brasil.
193
Idem, p. 9.
194
Utilizou a documentação colhida na Holanda entre 1850 e 1854 pelo Dr. Joaquim Caetano da Silva.
195
Prefácio do Livro História das Lutas com os Holandeses no Brasil, Francisco A. de Varnhagen. – Rio de
janeiro: Biblioteca do Exercito, 2002, p. 7. O prefaciador destaca um trecho do discurso de Varnhagen , no
qual o mesmo afirma: “ Achávamos por motivos de serviço publico, no Rio de Janeiro, e acidentalmente
em Petrópolis, e ainda estava por decidir a titânica luta que o Brasil sustentou no Paraguai, e nem sequer as
armas aliadas haviam vencido o Humaitá e éramos testemunha do desfalecimento de alguns, quando, com o
assentimento de vários amigos, nos pareceu que nos deixaria de concorrer a acaroçoar os que já se
queixavam de uma guerra de mais de dois anos, a avivar-lhes a lembrança, apresentando-lhes de uma forma
conveniente, o exemplo de outra mais antiga, em que o próprio Brasil, ainda então insignificante colônia,
havia lutado, durante 24 anos, sem descanso, e por fim vencido, contra uma das nações naquele tempo mais
guerreiras da Europa”.
82
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Contudo, ao defender a sua “missão” aos arquivos dos Países Baixos, José Higino
chamou a atenção para o fato de que as fontes coligidas por ele “vêm lançar muita luz
sobre aquillo que nós menos conhecemos – os pormenores da administração, os
costumes, o modus vivendi da colônia”. O mesmo fecha o seu discurso se referindo à
possibilidade de, a partir da coleção que levaria o seu nome, “estudar todas as relações
sociaes da colônia Neerlandeza do Brazil”.196
Em termos de “afiliação histórica”, perece que José Higino, ao se declarar a favor
do estudo das relações sociais, se aproxima do positivismo de Arnold Toynbee. Ao
mesmo preocupava o estudo das relações entre as sociedades ou culturas diferentes.197
Segundo o historiador Collingwood, uma das ‘categorias’ do estudo de uma cultura na
perspectiva de Toynbee seria a de interregnum ou época de crise, que seria, nas palavras
de Collingwood, “o período caótico entre a queda duma sociedade e a ascensão duma
outra sua descendente”.198 Curioso é que, no discurso de ‘prestação de contas’ de José
Higino, o mesmo se referiu à necessidade de se buscar novas fontes sobre o passado
numa época de decadência econômica da Província de Pernambuco e do “abatimento do
espírito público”. 199 Para Higino, o resgate do passado poderia redimir o presente de
crise de sua Província.
Retomando a perspectiva nassoviana de Varnhagem, temos que o mesmo se
referia a ele da seguinte forma: “este chefe era nada menos do que um Príncipe que aos
mais qualificados dotes de capitão prestigioso reunia os de prudente juiz e honrado
administrador”.200 Ao analisarmos a expressão “nada menos que um príncipe”, fica claro
a preferência de Varnhagen pela nobreza de Mauricio de Nassau, cuja origem contrastava
com a de muitos administradores que vieram para o Brasil antes dele. Ocorre que Nassau
e Varnhagen pertenciam a um mesmo stablishment, para usarmos um termo caro ao
sociólogo- historiador Nobert Elias. E é a partir do capitulo V de sua “Historia das Lutas
com os Holandeses no Brasil” que Varnhagen vai começar a tratar do tema da
196
Op. Cit. , p.15.
197
Ao se referir a Toynbee, o também historiador inglês C. R. Collingwood afirmou: “ O campo de acção
do historiador [para Toynbee] oferece-lhes uma variedade infinita de trabalhos, mas, entre estes, os mais
importantes dizem respeito à diferenciação destas entidades chamadas sociedades e ao estudo das relações
entre elas”. Ref. COLLINGWOOD, C. R. A Idéia de História. – Martins Fontes: Lisboa, 1972, p. 204.
198
Idem, pp. 204/205.
199
Op. Cit. , p.9.
200
Op. Cit, p.137.
83
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201
Idem, p. 143.
202
Idem.
203
Idem, p. 144.
84
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Varnhagen. No trato com os da terra, diz o historiador, “cada colono era olhado como
amigo” pelo o conde. Mas essa era inicialmente a política da Companhia e era também o
que buscava o governo holandês antes da vinda de Nassau, em janeiro de 1637. Não
interessava à companhia a destruição dos engenhos e sim a cooperação com os senhores
de engenhos e lavradores. Uma perspectiva “personalista” que granjeou a Nassau o cetro
da justiça foi a maneira com que ele lidou com os prisioneiros, com “concessões e
generosidades”, o que diminuiu a “aversão que os portugueses votavam aos seus
conquistadores”. As opiniões de Robert Southey sobre Nassau estavam baseadas nas
crônicas de Gaspar Barléus e Nieouhoff. Naturalmente, em se tratando do primeiro
(Barléus), as opiniões acerca de Nassau haveriam de ser as mais positivas possíveis, já
que ele se destinou a escrever uma história panegírica sobre o príncipe alemão. Logo, o
Nassau de Robert Southey era o mesmo de Barléus.204 Southey evocou a sua principal
fonte sobre Nassau da seguinte forma:
Por fim, a opinião que Southey, baseado em Barléus, tinha da fase do governo
pré-nassoviano era tal que tudo nesta fase estava mal resolvido, confuso e arbitrário. A
administração pré- nassoviana do Conselho Político206 precisava ser corrigida e colocada
em bom funcionamento.
204
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Vol. I. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, pp.
394/395.
205
Idem.
206
Corpo civil de administradores que respondiam pela administração superior da conquista. Em teoria,
este conselho foi concebido para comportar o número de nove membros e os seus representantes deviam
entender de questões de justiça, política e comércio. Funcionou de 1630 a 1633, quando foi substituído por
85
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Muito embora Southey tenha tido uma visão de Nassau aproximada da que teve
Barléus, devemos levar em consideração o lapso de tempo que separam os dois
historiadores. Barléus pertencia a um mundo em que as histórias eram “instrumentos
recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou
políticas”. No caso dele, principalmente morais e teológicas. Essa referência a como se
fazia história no século XVII foi bem expressa por Reinhart Koseleck.207
Outro historiador novecentista, Heinrich Handelmann, apontou as vantagens
pessoais de Nassau na condução do Brasil Holandês. Assim, para Handelmann, Maurício
de Nassau vinha governar “com igual zelo e aptidão os grandes problemas como os
208
pequenos”. Ao se referir à maneira como Maurício de Nassau conduziu o seu governo,
Handelmann expôs que “sob o governo sábio do Conde Moritz de Nassau foi ali
209
efetivamente estabelecido o fundamento para o progresso interno muito prometedor”.
É curioso como Handelmann analisa uma proposta de Nassau aos diretores da
Companhia (os Heren XIX) acerca de se distribuir terras aos soldados no Brasil após o
210
fim de seus serviços militares. O historiador alemão compara tal iniciativa “à medida
da antiga Roma”. Também da mesma forma que outros historiadores de seu tempo, H.
Handelmann não deixou de ressaltar as qualidades pessoais de seu conterrâneo,
destacando nele “a origem régia, o cavalheirismo e a amável simplicidade”. Era Nassau
um sábio nobre que governava para uma república. A sua “origem régia” emprestava aos
Países Baixos um colorido especial na condução dos negócios da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil.
uma “Diretoria Delegada”, representada pelos senhores Mathias van ceulen e Johan Gijseling. Em 1634, o
Conselho Político reassumiu a dianteira na administração superior do Brasil holandês, tendo como
representantes Serveas Carpentier, Willem Schott, Jacob Stachhouwer, Johan Wijntgis e Ippo Eissens. A
partir de 1637, quando da chgada de Mauricio de Nassau e o Alto Conselho, o Conselho Político deixou de
ser o órgão máximo da administração do Brasil Holandês e passaram a funcionar como um tribunal de
segunda instância.
207
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. – Rio de
Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p. 43.
208
HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. – Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 182.
209
Idem, p. 192. Nesse momento, o autor se refere aos territórios em poder da WIC após a perda do
Maranhão e o Ceará, que eram as capitanias do Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco e
Sergipe.
210
Curiosamente, esta mesma proposta hvaia sido feita em 1634 pelo Conselho Político. Tratava-se, na
ocasião, de assentar ex-soldados da WIC na Ilha de Itamaracá e ai plantarem uma diversidade de culturas.
(ver nótulas diárias)
86
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211
Idem, p. 180. Handelmann chama aos Conselho Politico de “Conselho dos Cinco”.
212
SOUTHEY, op. cit. pp 372-373.
213
MELLO, op. cit. , p. 339.
87
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214
Em Os Holandeses no Brasil , as primeiras páginas se destinam a entender de que modo a os holandeses
entraram no Atlântico Sul até decidirem pela ocupação da Bahia e Pernambuco. Intitulado Primeiros
Movimentos (1621-1629), as primeiras secções do primeiro capitulo são as seguintes: 1. O assalto holandês
ao mundo colonial ibérico, 2. Usselincx e a formação da Companhia das Índias Ocidentais e 3. A trégua
dos doze anos e suas repercussões.
88
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215
Segundo Hermann Waetjen: “Apesar, porém, do titulo pomposo de “governador”, não lhe era conferida
plena autoridade senão em matéria militar”. Ref. WAETJEN, op. Cit. p. 292.
216
Idem, pp. 292-293.
217
No livro “Fontes para a História do Brasil Holandês” (p.9), Gonsalves de Mello destaca um capitulo do
clássico livro de Hermann Waetjen “O Dominio Colonial Holandês no Brasil”, em que este ultimo trata
especificamente sobre o tema.
218
WAETJEN, op. Cit., p. 308.
89
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219
IAHGP. Coleção José Higino. Dageliscke Notulen. 27/03/1635.
220
SCHAMA, Simon. O Desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro, uma interpretação.
– São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 29. Destacou o autor: “Em 1599, a cidade concedeu aos
supervisores da Tugthuis o monopólio de pau-brasil pulverizado para seus trabalhos de tinturaria, e a partir
daí a casa passou a ser chamada coloquialmente Rasphuis (serraria). Pois esse era o regime que deveria
transformar ociosos, parasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e
responsáveis”.
221
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 13/04/1635.
90
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222
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 21/04/1635.
91
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“Os comissários são sem exceção pequenos condes; vivem, comem, bebem,
vestem e aprontam-se como gente graúda, principalmente os que superintendem,
a artilharia, os viveres, as mercadorias e os açúcares da Companhia; tudo são
vestidos preciosos, mesa preciosa, cavalos, criados, etc. Donde tudo isto provém,
que o medite quem toca”. 223
223
APUD, MELLO, Fontes para a História do Brasil Holandês, p. 36.
224
Idem.
225
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 25/04/1635.
226
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil holandês, tomo II, p. 12.
227
Idem.
92
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Albuquerque. A informação chegou à WIC por intermédio de seu servente, que também
228
falou da carência de farinha e carne que existia no Arraial.
A guerrilha escondia os ‘pequenos negócios’. Em meio a cercos, observações de
ambos os lados e espionagens, a tentativa de acordo aparecia no fornecimento clandestino
de víveres. Mas esse fornecimento, por vezes, prescindia a uma fiscalização por parte de
algum membro do Conselho Político, que chegou até a criar um edital229 em que proibia o
recebimento de açúcar ou qualquer provisão dos portugueses sem antes passar por uma
fiscalização deles próprios. Quem não seguisse essas ordens teriam os seus bens
confiscados. Nesse edital, proibiu-se, inclusive, que os portugueses vendessem bebidas
alcoólicas nas estradas sem antes passarem pela fiscalização do Conselho Político. Para
consolidar o controle, montou-se uma feira em frente à residência deste conselho.
Havia, pelo menos em teoria, um esforço do Concelho Político em colocar as
coisas em ordem. Não deixaram eles [os conselheiros políticos] de confirmar a punição
dos infratores “segundo alguns outros artigos relacionados à justiça”.
Durante as operações ao interior, o pequeno comércio também poderia ser feito
entre a companhia e os próprios soldados. Numa mata próxima a Porto Calvo (sul da
Capitania de Pernambuco) achou-se 116 caixas de açúcar. Como elas estavam muito
pesadas para serem transportadas até o litoral (onde aguardavam os navios), o jeito foi
dá-las aos soldados para que os mesmos se sentissem ‘estimulados’ a carregá- las às
embarcações e, depois, vendê- las. O fato é que a própria companhia foi quem comprou o
açúcar. Os valores foram pagos pelos comissários de bens. Certamente a WIC ia revender
as 116 caixas por preços mais altos na Europa. Para a soldadesca, o valor pago (de três a
quatro soldos por libra de açúcar) aliviava as dificuldades do cotidiano de soldos
230
frequentemente atrasados.
Até meados de 1634, a situação da WIC no Brasil era muito difícil sob vários
aspectos. No entanto, as várias entradas que os militares faziam para o interior faziam
com que conhecessem mais outras vilas e lugarejos, principalmente aqueles situados na
228
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 27/04/1635.
229
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 28/04/1635.
230
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945, p. 141)
93
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“Em Alagoa do Sul, que se estende para o sul atrás de Porto dos
Franceses, incendiamos um povoado ou povoação considerável, chamada
Nostre Signore de Conceipcao, que, em extensão e beleza de arquitetura,
não era menor que a cidadezinha de Garacu [Igarassu]”.231
231
Idem.
232
Idem, p. 151.
94
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caixas. Nesse caso, falou-se em ‘crime capital’, pelo fato do português ter ignorado as
ordens da Companhia. Mas prevaleceu o arbítrio, apelando-se para o bom senso. Era
dessa forma que se aplicava, na maioria dos casos, o direito no Brasil Holandês. Mais por
‘arbitria’ que por ‘justitia’. Situações novas requeriam soluções que prescindiam à lei
escrita. Não seria de estranhar, pois, que o afamado jurista holandês, Hugo Grótius, que
também prestou serviço às grandes companhias de comércio holandesas, optava por um
equeilíbrio entre a lei escrita e o bom-senso, sobretudo num mundo marcado por brigas
religiosas em que o direito deveria ser dessacralizado. Soma-se o fato de que, por essa
época, o direito “dessacralizado” neerlandês se encontrava em fase formação. 233
A racionalidade legal batava era refratada por uma prática local anterior. No caso
acima citado, era bem normal que a produção de açúcar viesse para o Recife, vindo de
qualquer parte da Capitania de Pernambuco. É bem possível que Gonsalves Almeida
234
realmente ignorasse as ordens da Companhia.
Uma questão que merece ser analisada neste caso, e diz respeito mais ao caráter
da WIC. Ao se referir que “não se pode permitir que os direitos da Companhia sejam
colocados de lado”, temos ai uma questão de soberania enquanto “essência da
República”. Este preceito, como esta aqui colocado, foi primeiramente observado por
Jean Bodin. Soberania, diga-se de passagem, da própria Companhia frente aos Estados
235
Gerais dos Países Baixos.
Outro caso de transgressão foi o do comissário Veneman, que ficou preso em sua
residência “por causa de sua negligência, quando prestou conta de sua administração e da
236
má organização de suas contas”. Entretanto, como este quebrou as suas algemas e
“continuou os seus atos do mesmo modo”, a punição foi “cavalgar em cavalo de
madeira” (tipo de tortura) e não receber mais que um rancho de soldado. Não se fala em
233
Ver VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. – São Paulo: Martins Fontes, 2005.
O autor chama a atenção para a “ obra composta no cativeiro da fortaleza de Gorkum e muito consultada na
Holanda, a Inleindinge tot de Hollandsche Rechtsgellerdheid, a introdução ao ensino do direito holandês,
publicada em 1631 [...] Ali se encontra a prova de que os horizontes de Grócio estendem-se para além do
direito público; de que ele é o continuador de Connan, de Doneau e de Althusius, e um dos artesãos desses
direitos comuns, meio romanos e meio consuetudinários, que tendem, sob a égide da razão, a substituir os
direitos múltiplos da sociedade medieval dos Estados da Europa moderna.”
234
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 29.04.1635.
235
GOYARD-FABRE, Simone. Os Principios Filosóficos do Direito Político Moderno. – São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 23.
236
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 30/05/1635.
95
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pena de morte, mas fica claro que a punição existia como exemplo a futuras atividades
ilícitas. Tais punições se nos apresentam como algo que contrasta com a situação pintada
por Waetjen antes da vinda de Nassau, como sendo a de uma “completa desordem”.
Varnhagen, por sua vez, admite apenas para a época de Nassau a decisão de que
todos os empregados cumpriam com os seus deveres. Como se só a partir de então, o
237
governo passasse a conciliar “a severidade com a prudência”. Nos casos acima
citados, parece que estes dois “ingredientes” já estão misturados antes mesmo da vinda
do Stathouder Maurício de Nassau. Assim, a severidade se encontrava na punição em si,
enquanto que a prudência estava na intensidade das penas, que podiam ser abrandadas.
Não se podia simplesmente punir com a morte um funcionário da Companhia por
qualquer motivo. Nos Países Baixos, as penas de morte eram aplicadas para casos de
crimes contra a família ou “contra a ordem sexual ‘natural’ que exigiam a extirpação pela
238
água”. Assim declarou Simom Schama, um o estudioso da sociedade e cultura
holandesa. O mesmo observou como as penas eram aplicadas nos Países Baixos. Lá, as
mesmas eram aplicadas segundo vários critérios, em que se observavam vários graus de
confinamento, desde prisões de três e seis meses até a prisão perpétua. Em caso de
homicídio, dependendo da idade do réu, a pena não era capital. Diferentemente da
Holanda, cujas penas eram aplicadas, nas cidades, pelos schout (cherife) e auxiliado por
um grupo de magistrados (schepenen), no Brasil pré-nassoviano a função ficava a cargo
do Conselho Político.
Cada espaço da conquista tinha a sua burocracia. No caso dos comissários de bens
era interessante exercer essa função em pontos importantes da conquista. Para Goiana,
por exemplo, Vincent Drillenburch, que já era Comissário de Bens no Recife, pediu para
substituir o anterior Jan Wijnants. Drillenburch foi indicado pelo conselheiro político o
Sr. Ippo Eijssens. A vila de Goiana era, mesmo antes da invasão de 1630, um ponto de
comércio importante entre Pernambuco, Paraíba e Itamaracá. Fica, até os dias de hoje,
envolta numa interessante rede fluvial. Para que o pequeno comércio funcionasse, devia-
se providenciar as embarcações para levar ao Recife os açúcares dos plantadores já
‘aliados’ à Companhia. Um dos conselheiros, Willem Schott, solicitou um barco no Rio
237
VARNHAGEN, F. A. de. História das Lutas com os Holandeses no Brasil, p. 144.
238
SCHAMA, Simon. O Desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, pp. 34-35.
96
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da Jangada, para atravessar a produção do engenho de Michel Paes. O pedido não foi
satisfeito e o açúcar deveria mesmo vir por terra.239
O sistema de transporte de açúcar, pelo menos dos engenhos situados ao norte e
sul do Recife, era, via de regra, fluvial, de forma que os açúcares eram trazidos ao porto
desta cidade por barcos pequenos. As fontes batavas os denominam baercqiens ou
baerquiens. Eram as mesmas descritas por Giberto Freyre como barcaças que, até início
do século passado, traziam “açúcar, sal, madeira e cocos para o Recife”. O autor fez
questão de descrevê- las como tendo um “feitio colonial”. 240
Na fase inicial da guerra, muitos desses barcos tinham sido destruídos ou mesmo
levados para a Bahia pelos luso-brasileiros. Esses barcos pequenos eram peças
importantes no processo de deslocamento do produto até o porto. Um transporte mais
lento poderia até encarecer o produto. Os menores barcos neerlandeses, as chalupas e os
iates, não podiam realizar essa função, uma vez que estavam comprometidos com
missões militares. Mesmo assim, sempre que possível, quando estas embarcações traziam
ou levavam tropas e armas para certas localidades, transportavam também caixas de
açúcar. Soma-se ao fato de que esses iates traziam açúcar através de saques. Um deles,
que teve vez no sul da capitania de Pernambuco, trouxe aos armazéns do Recife mais de
241
2.500 caixas de açúcar.
Se o constante estado de guerrilhas dificultava o transporte do produto por terra,
o fato deles passarem a ser transportados pelos rios não era estranho aos batavos já
afeitos ao transporte fluvial na própria Holanda. Como observou Fernando Braudel, na
Holanda, “most goods travelled by water”. 242 Na Vaterland, o comércio de bens quase
não se utilizou do “overland transport”. Percebemos, pois, que o constante estado de
beligerância não impediu a que o Conselho Político iniciasse, ainda que com dissabores,
a suas práticas administrativas. Como estratégia de dominação, um modelo
239
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 30. 04. 1635.
240
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a pasaigem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 68.
241
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945. (especificar a página)
242
BRAUDEL, Fernand. Economia e capitalismo. p. 350.
97
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243
Se compararmos com os três primeiros anos da conquista, percebemos que a partir de 1635 passa a
existir um maior interesse, devido ao arrefecimento da guerrilha, no exercício de diversos oficios no Brasil
Holandês.
244
IAHP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 01.05.1635.
245
WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil, p. 379.
246
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo. – São Paulo: Martins Fontes,
1996, pp. 392-393.
247
Idem.
98
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“interlúdio de paz” para a WIC, através de seus agentes e também para os produtores
locais.
Vejamos, pois pela ótica destes últimos. Pedir empréstimos era uma prática antiga
entre os plantadores de cana em Pernambuco. Comprar a prazo também. Assim
adquiriam-se, inclusive, escravos. Quando as safras de cana não vingavam, por diversos
motivos, as dívidas certamente aumentavam. Nesse sentido, a invasão holandesa veio a
livrar muitos senhores de engenho e lavradores de suas dividas antigas. Dessa forma, os
kleine profijten foram importantes não apenas para a Companhia (satisfazendo a terceira
“condição” do monopólio), mas também para os lavradores que se apartaram da
resistência.
Em abril de 1634, a companhia já contava com a colaboração de alguns senhores
de engenhos e lavradores como Pedro da Rocha Leitão, Gonçalo Novo de Lira, Gaspar
Ximenes e Francisco da Costa Brandão. Este último, por sua vez, trouxe consigo alguns
outros moradores para ganhar a salvaguarda da Companhia. A partir disso, considerou o
Conselho Político que “as pessoas estão retornando aos domínios” da Companhia.
Praticamente a um ano da queda do Arraial, muitos moradores, do Cabo de Santo
Agostinho até Itamaracá, rendiam-se às garantias oferecidas pelos holandeses. Mais
ainda, é bem possível que alguns deles já servissem há mais tempo aos holandeses, visto
que, numa brieven, há referência de “renovação das salvaguardas”.248 Muitos civis
aceitaram, sob a condição de garantia de seus bens, a subordinação ao invasor.
Por outro lado, a manutenção de seus negócios já era assegurada pelo Regimento
da WIC. Os empréstimos só voltariam a acontecer, grosso modo, na administração de
Nassau e do Alto Conselho anos depois. Em Itamaracá, alguns soldados holandeses,
passados os três anos de serviço militar, obtiveram a condição de cidadão- livre. Aqui,
“muitos colonos começam a se fortalecer, [..] vindo morar na ilha na condição de
cidadão- livre e agricultores [...]”. Muitos são provenientes da França, Inglaterra,
248
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit brasilie.18/04/1634. Onde se lê: “ soo hebben
verscheyden inwoonders versocht vernieuwinge van de salveguardes ende onder anderen eenen signor
d’Ingenho Francisco da Costa Brandaon, die wij onlanghs hebben does affbranden, comt ook het hooft in
de schoot leegen ende versouckt saveguard, doch is alles affgeslaegen, alsoo wij sien daer niets met is te
proffiteren, soodat dit volckie ook al is vertreckende, soodat nu alles van de Cabo aff tot Goyana toe is
verlaten.”
99
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Alemanha, além da Holanda e Portugal. Estes últimos sendo os que já haviam aceitado a
salvaguarda.249
Essa “vitória de Pirro” da Companhia deve ser vista frente a uma escala micro.
Evidentemente, até a queda do Arraial, em meados de 1635, e mesmo depois, o grosso da
produção açucareira era escoado para Portugal por portos ainda não ocupados pelos
holandeses. Eram as “escápulas” do açúcar sobre o que falou Evaldo Cabral de Mello.
Enquanto os holandeses apenas estavam no Recife, bem no inicio da conquista, saía do
porto da Paraíba um navio carregado com 400 caixas de açúcar. E foi esse mesmo navio
250
que comunicou às coroas ibéricas acerca da invasão a Pernambuco. E eram por portos
ainda não conquistados que passavam os groote profijten (grandes lucros), os quais a
WIC só obtinha mediante apreensões.
Voltando ao ‘pequeno comércio’, entendemos a boa receptividade batava ao
compararmos com uma conjuntura de quatros anos antes, 1631. Naquele ano, certa vez,
chegaram as autoridades holandesas a considerar que “não há esperança de entabular
relações de comércio e de negócios aqui” 251 . As dificuldades dos três primeiros anos de
ocupação impediam o pequeno comércio por diversos motivos. Para ter acesso aos
engenhos da interlândia era necessário, antes de tudo, conhecer os caminhos e pequenos
cursos d’água. O Governador Wanderburch, em meados de 1633, desabafava aos
diretores da Companhia quando se referiria ao
249
Idem. Onde se lê: “ de coloniers beginnen opt eyland sterck te werden, veele voor desen op St
Christoffel ende andere plaetsen, daer colonien sijn gewoont hebbende, nu hier haren tijt uitgedient
hebbende sijn opt eylandt gaen woonen om haer als sijnde vrijluiden met het planten te generen, daer siijn
alle natien France, engelsche, Duytsche, Nederlanders ende Portugesen, ook eenige Brasilianen stileren
haer meest op den maniva ofte mandioca te planten om farinha de pao van te maecken doch het land is soo
vol groot mieren met scheeren, [...] dat de farinha geen arbeijtsloon sal voortbrengen maer alle andere
gewassen ende vruchten als bacovas, bananas, potatos, ananas, pompoenem, meloenen, cocos papayas,
boonen ende diergelijcke meer het in overvloet ende soo schoon als ergens in Brasil [...]”
250
Carta dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais de Zelândia aos Estados Gerais. 23 de abril de
1630. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p.37.
251
Missiva do Governador D. Van Weerdenbuch, em Antonio Vaaz, aos Estados Gerais. 03 de agosto de
1631. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 71. Esses eram os
“tempos difíceis” aos quais se referia José Antonio Gonsalves de Mello.
100
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252
Relatório do Governador D. Van Weerdenburch aos Estados Gerais. 11 de julho de 1633. In:
Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 114.
253
Idem. Relato de Wanderburch: “muita incursão na região [entorno de Igarassu] foi por nós feita com
nossa pequena tropa; diversos bons engenhos, armazéns e navios com açúcar e fumo (que não sabíamos por
segurança de outra forma) foram queimados por nós, diversos açúcares foram tomados por nós nos canais,
dos quais trazemos conosco uma boa parte...” .
101
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254
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635. De fato, Cristóvão Botelho possuía 2
engenhos nas proximidades de Porto Calvo. O seu nome consta num levantamento sobre o Brasil Holandês,
aliás, o primeiro depois da chegada de Mauricio de Nassau. Ref. Breve discurso sobre o Estado das quatro
capitanias conquistadas, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do
Brasil. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês. Tomo I.
MEC/IPHAN/FUNDAÇAO PRÓ-MEMÓRIA, Recife, 1981, pp. 77-129.
255
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
256
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/04/1636.
257
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/04/1636.
102
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próprio Silveira, Domingues da Silveira. A pena para Gomes da Silveira foi o exílio,
enquanto que Simão Soares foi torturado para poder fornecer à companhia mais
informações acerca de sua participação no plano.258 Apesar dessas ameaças, a WIC ainda
podia contar com ‘colaboradores’ portugueses. A própria navegação na Paraiba era
facilitada pelo rio de mesmo nome. Nas crônicas de Frei Vicente do Salvador, o rio
Paraiba
Sobre Goiana, um dado importante. Das regiões conquistadas pela WIC no Brasil,
desde 1630, a de Goiana foi a primeira na qual os luso-brasileiros se organizaram com
consentimento do Conselho Político. Um de seus conselheiros, Ippo Eijssens, em janeiro
de 1630, informou aos demais administradores que tinha promovido “a eleição de oficiais
para a Câmara da Capitania de Goiana”. Haveria alguma relação entre a freqüência do
comércio com a vila de Goiana e a reestruturação do pode local, ainda que sob as vistas
dos holandeses? Os luso-brasileiros escolhidos foram Gonsalvo Garibaldi, Caldas de
Ruiz, Vaz Pinto, Cosmo da Silva, Agostinho Nunes e Conrado de Liz. Os mesmos
tiveram que “fazer juramentos” perante a administração Batava.
Essa primeira organização do poder local luso-brasileiro em Goiana pode ser
compreendida como um acontecimento a favor do entendimento entre holandeses e
população local. Convém lembrar que, nessa mesma época, a resistência luso-brasileira
se encontrava há poucas léguas dali, precisamente no sul da capitania de Pernambuco. A
referência feita pelos holandeses à “câmara da capitania de Goiana” demonstra, de certa
forma, um certo “deconhecimento” territorial anterior, uma vez que a vila era a mais
importante da Capitania de Itamaracá antes da invasão. Posteriormente, os neerlandeses
258
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/05/1636.
259
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. - Belo Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 184.
103
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vão dividir os territórios conquistados como jurisditien (jurisdições). Goiana vai ser
260
entendida como uma dessas jurisdições.
Há poucas léguas dali, soldados da WIC e tropas volantes luso-brasileiras se
atacavam. A interlândia se dividia entre a guerrilha e o comércio. Entre a ordem e a
desordem. Soma-se o fato de que as autoridades holandesas consideravam os seus
efetivos insuficientes tanto para manter a conquista como para avançar nelas. A essa
altura, o Conselho Político e as autoridades militares, expressavam a necessidade de
expandir a conquista para o sul, para o lado de “Muribeca, Ipojuca, Porto Calvo e outros
lugares com uma grande quantidade de homens ... fazendo, desta maneira, que em todo
país se garanta o fornecimento de farinha e animais”.261
Por razões óbvias, o maior inimigo dos pequenos lucros da Companhia era a
resistência local sediada no Arraial Velho do Bom Jesus. Contudo, uma outra razão um
pouco menos óbvia é que os iates e chalupas holandesas tinham que se dividir entre as
operações militares e o transporte de mercadorias entre uma e outra parte da conquista.
Esse primeiro alargamento da conquista, do Recife até a Paraíba, já apresentava os seus
inconvenientes. Principalmente no que se refere a distribuição dos administradores pelas
“jurisdições”. Houve um momento em que, no Recife, só residia um conselheiro político
e que era responsável por administrar todas as finanças da conquista bem como “de todos
262
os problemas do Recife”.
Há motivos, entretanto, para crer que esse “pequeno comércio” não estivesse
centralizado no Recife. Antes, pelo contrário, dava-se em situações bem circunstanciais.
O Conselho Político relatou, certa vez, da necessidade de se proibir a presença de
portugueses no Recife
260
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 20/01/1636.
261
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.
262
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/05/1635.
263
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.
104
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264
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/05/1635.
265
Idem.
266
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/09/1635.
267
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 01/06/1635.
268
Op. Cit. P. 29. Lá, segundo Simon Schama, a cidade concedeu o monopólio de pau-brasil aos
supervisores da casa de detenção, conhecida inicialmente pelo nome de Tugthuis. Lá, os presos aprendiam
o oficio da marcenaria e carpintaria. Para Schama “esse era o regime que deveria transformar ociosos,
parasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e responsáveis”.
105
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O cidadão-livre, muitas vezes, fazia por sua conta e risco o trabalho que a
Companhia precisava, pois não recebia mais salário desta. Para a WIC, era uma maneira
de diminuir os gastos com salário. Para os cidadãos- livres, era uma forma de arriscar a
sorte. Provavelmente, a experiência de muitos soldados dava- lhes gabarito para exercer
determinadas funções, como fornecer madeira e carne à própria WIC. Essa espécie de
“trabalho indireto” coloca alguns cidadãos- livres numa condição de semi-empregados da
Companhia, contrariando um pouco a visão de José Antônio Gonsalves de Mello,
segundo o qual estavam completamente desvinculados dela. Mas também é verdade,
ainda segundo Gonsalves de Mello, que os vrijeluiden não eram necessariamente
269
dienaeren, ou seja, servidores da WIC. Em diversas campanhas ao interior eles
tomavam conhecimento dos caminhos, rios, portos e pessoas com quem se informar e até
dividir os kleine profijten. Estas foram conquistas que se deram numa escala micro e que
se afasta um pouco da visão de um Brasil holandês pré nassoviano mergulhado
exclusivamente na guerrilha e no medo constante.
A perspectiva do Brasil holandês pré- nassoviano mergulhado na guerilha encontra
a sua razão de ser nas crônicas acerca dos primeiros anos da WIC no Brasil. Ao trarar do
que se sucedeu após a conquista da Paraiba em 1634, Diogo Lopes Santiago registrou:
269
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. – Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1987, p. 52.
106
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experimentaram uantas vezes lhes foram quebrados, assim os eu com eles como
com os moradores de Pernambuco fizeram [...]”. 270
“continuarmo-la [a guerra] lenta em Pernambuco ficava tão útil e tão fácil aos
tesouros preciosos de Espanha como prejudicial e impossível aos cabedais
atenuados da Companhia. Que desenganada já dos prometidos interesses, pelos
excessivos gastos das contínuas assitências e das largas viagens, havia perdido do
270
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. – Recife: CEPE, 2004, p. 77.
271
Idem, p. 2.
272
Idem, p. 3. Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, “Santiago oferece seu insubstituível depoimento
sobre a insurreição Pernambucana, isto é, sobre os acontecimentos posteriores a 1645. Depoimento que
deve sofrer crítica em relação aos louvores à ação desinteressada, segundo ele, de João Fernandes Vieira.
Ao autor deve-se a importante descrição dos outeiros dos Guararapes e das suas vizinhanças e minuciosa
relação das várias fases das duas batalhas ali travadas”.
107
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grosso com que entrou a sessenta por cento. E como somava a opinião da honra
pela conta dos algarismos, fazendo da conquista mercancia, em não excedendo o
que adquirisse a espada ao que montasse a pena, obriga-la-ia a deixar o Brasil sua
mesma conveniência [...]”. 273
Essa passagem, que teve vez ainda no calor dos primeiros anos da guerrilha,
mostra realmente o paradoxo da WIC no Brasil que era a persistência na luta malgrado as
perdas financeiras da mesma. Como se sabe ao longo deste capítulo, a persistência da
Companhia na sustentação da guerra, atendendo assim mais as espectativas da “facção da
guerra” desta empresa semi-privada, coroou-a com a experiência dos kleine profijten.
Podemos entender o paradoxo acima mencionado considerando também que a guerrilha,
ao mesmo tempo em que exauria os recursos da WIC, dotava os seus soldados de
experiência na guerra-de-mato. E isso logo foi percebido pelos portugueses no Reino que
observaram que “nem obstava que já a experiência de dois anos houvesse dado algum
conhecimento à imperícia estrangeira; porque enqunto aprenderam os holandeses a
prática do país, ensinaram aos moradores a disciplina da guerra”. 274
Retomando a questão dos cidadãos- livres, podia ocorrer destes virem direto dos
Paises Baixos numa condição que não a de soldados. De uma só vez, o navio
“Speeljacht”, da Câmara de Amsterdam, desembarcou no Recife alguns vrijluiden
275
especializados em plantação de tabaco e um farmacêutico.
Mais contribuições de moradores. Ainda em agosto de 1635, o comerciante
português Aleixo Peres da Mota forneceu à Companhia 231 arrobas de açúcar branco e
46 arrobas de açúcar mascavo. Por isso, recebeu a soma de aproximadamente 900 florins,
276
sendo a arroba do branco vendida a 12 schellings e a do mascavo pela metade. O caso
de Peres da Mota é interessante porque ele “adiantou” à Companhia a quantia de 885
273
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica. – São Paulo: Beca Produções
culturais, 2001, pp. 139-140.
274
Idem.
275
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/08/1635. É possível que determinadas
especializações fossem mais bem pagas no Brasil do que nos Paises Baixos, dada a reativa escassez de
mão-de-obra no Brasil Holandês. Simom Schama, para o caso dos Paises Baixos, observou que aqui, ao
contrário do que possamos imaginar, “a mão-de-obra não especializada sempre esteve em posição tão boa
quanto a de sua contrapartida, ou até melhor, ao longo dos cem anos que se estendem de 1580 a 1680”. Ref.
Op. Cit. P. 171.
276
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
108
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florins pelo aluguel de carroças e a aquisição de farinha e animais. Mota, comerciante que
era, provavelmente traria aos navios da WIC mais caixas de açúcar perdidas de engenhos
do interior. Também é possível que comercializasse a farinha comprada à mesma. Aliás,
quanto a farinha, alimento preciosíssimo à soldadesca, era, não raro, obtido em
campanhas no interior e redistribuídos pela tropa. De uma vez só, o iatche “De
Goutvinck” trouxe do Cabo de Santo Agostinho um carregamento de 800 alqueires de
farinha para ser distribuído “entre os soldados em lugar do pão”. 277
Outro português que servia a Companhia era Pedro da Cunha, que recebeu 20
caixas de açúcar que aquela lhe devia. Tais caixas vieram da conquista do Arraial do
278
Bom Jesus como resultado do saque lá feito pelas tropas holandesas.
Muitos outros portugueses prestaram, na condição de comerciantes, serviços para
a WIC em lugares distantes de Pernambuco. Esse foi o caso de alguns “barcos
279
portugueses vindos de Porto Calvo” e cujos donos pediram permissão, mediante
juramento a WIC, para irem ao Caribe e de lá trazer produtos de volta para o Recife. A
condição para a partida era de que levassem os prisioneiros portugueses capturados na
refrega do Arraial Velho e que fossem lá desembarcados. Esse caso figura como uma
exceção. Não se sabe se estes navios portugueses retornaram a Pernambuco ou
aproveitaram a situação para fugirem dos neerlandeses.
O primeiro historiador a pesquisar com detalhes os anos que precedem a vinda de
Nassau, especificamente 1635 e 1636, José Antônio Gonsalves de Mello, mostrou a
mudança quase radical do cotidiano do Brasil Holandês após a rendição do Arraial Velho
do Bom Jesus (meados de 1635). Nesses dois anos, aumentou bastante o fluxo migratório
de colonos neerlandeses e judeus. No Recife e na Ilha de Antônio Vaz, a especulação
imobiliária já se fazia presente. Com um pequeno comércio praticamente consolidado,
começaram a ser criadas as feiras. Dentre elas, o vismarcket (mercado de peixe). O dado
da existência de um mercado em agosto 1636 nos remete as relações de sociabilidade que
aí têm curso. Pelo exposto em reunião do Conselho Político, “foi lido em voz alta os
280
regulamentos relacionados ao mercado de peixe”.
277
Idem.
278
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
279
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/09/1635.
280
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/08/1636.
109
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110
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por sua vez, “tomará conta dos armazéns, para que ele receba o açúcar e os armazéns
gerando proveitos para si mesmo”. A WIC não pagava nada a Saraiva, mas este teria a
liberdade de ganhar no comércio com os comerciantes privados. O certo é que, a essa
altura, a Companhia já dispunha de um comércio com diversos elementos luso-
brasileiros. Ao tentar diminuir os gastos com funcionários e ‘delegar’ determinadas
funções a cidadãos- livres como Duarte Saraiva, ela tentava racionalizar as finanças e
colocar os seus ex-empregados em outras frentes de conquista.
A expansão da conquista exigia alocação de profissionais que fossem capazes de
fazer as contas e dar conta mesmo de todo o comércio local. Assim, os comissários de
bens eram requisitados em várias partes. Junto a eles, os caixas e tesoureiros. Os fiscais
também se faziam presentes. Um deles, De Ridder, foi quem confiscou para a Companhia
engenhos em Pernambuco, Paraíba, Itamaracá e Porto Calvo. Como ele não recebeu por
285
isto, a WIC decidiu pagar- lhe 50 florins de gratificação.
O alargamento da conquista tinha os seus incovenientes para a WIC,
principalmente no tocante ao pagamento de salários aos seus dienaers (servidores). Esse
foi o caso de Jacob Pieterz Tolck, mestre de equipamento (equipage) no Recife que pediu
um aumento de salário alegando que “o serviço está mais difícil atualmente em razão das
286
conquistas no sul e no norte”. Nessa situação, os funcionários teriam que atender em
diversos pontos e com a requerida diligência. Tolck teve o seu salário aumentado para
140 florins.
Em se tratando do Conselho Político, temos que cada um dos conselheiros tinha
autonomia para governar uma parte da conquesten. Contudo, a autonomia se dava mais
na coordenação das ações que mesmo na decisão delas por apenas um elemento. Assim,
na reforma do Forte Orange, decidiram os conselheiros políticos que o responsável pela
287
Capitania de Itamaracá, Ippo Eijssens, coordenaria as atividades. Até as questões
militares eram propostas pelo Conselho. Prima-se pela autoridade civil acima da militar,
o que é natural de uma companhia oriunda de um país que, não fazia muito, havia se
libertado do absolutismo Habsburgo. Essa revolta dos Países Baixos contra a Espanha
teve o seu primeiro capítulo quando da abdicação de Carlos V ao trono em 1555,
285
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/09/1635.
286
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/09/1635.
287
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 19/09/1635.
111
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passando as Províncias Neerlandesas a serem não mais parte de um império, mas parte de
um domínio espanhol. Essa situação em si levou a que, segundo John Lynch, os
neerlandeses se sentissem como se tivessem perdido o status. Para Lynch, aos olhos dos
holandeses, “fazer parte de um império, igual às outras partes, era uma coisa, enquanto
288
que ser um domínio espanhol era outra”.
O poder conselhio exercido pelos holandeses tinha os seus dramas na relação
centralização-descentralizaçao administrativa, repressão-delegação de autonomia,
autoridade sem autoritarismo. Se o autoritarismo fosse a tônica da política administrativa
holandesa no Brasil holandês, não fariam diferente do que fez o Duque de Alba a mando
de Filipe II décadas atrás.289 Mas como ser prudente e “racionalizar” a administração em
tempos de guerra? Paradoxalmente, foi a própria guerrilha que permitiu à WIC um
melhor conhecimento do território, do mundo das matas. Foi a guerrilha que permitiu a
atualização de mapas holandeses após 1630. Às vésperas da chegada de Nassau, o que os
holandeses conheciam do Brasil superava em muito as informações fornecidas por
Adrien Verdonck quando da invasão. Uma fonte portuguesa nos deixa entrever a inserção
dos holandeses em território de domínio luso-brasileiro. Numa das ajudas de socorro aos
sitiados no Arraial velho do Bom Jesus, as autoridades portuguesas estavam cientes que
em alguns rios como o Coruripe, Formoso, Camaragibe e Serinhaém, “entram
inimigos”.290
Nos Paises Baixos, a situação não era fácil. Enquanto o Conselho Político e o
corpo militar tentavam expulsar a resistência cada vez mais para o sul, o Príncipe de
Orange conquistava as cidades brabantinas de Landen, Wahen, Diest, Thienen e
Aerschott e que continuariam a sua marcha em direção a Brussel e Mechelen. Essas
informações foram sabidas no Recife pelo comandante do navio Alckmaer, que aportou a
291
30 de agosto de 1635.
288
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. – New York: New York Universisty Press, 1984, p. 288.
289
Em 1567, o Duque de alba foi enviado aos Paises Baixos para reprimir as revoltas que surgiam nessa
parte do império espanhol. Sobre esse momento, observou David Lynch o seguinte: “ Philip II’s tiny
domination in the north became a gigantic battllerfield, the weakest sector of his defenses, consuming his
men and money voraciously”.
290
LAPEH (UFPE). AHU. Cód. 24, fl.21. Sobre o Requerimento hão de levar os capitães das caravelas que
hão de socorrer ao Brasil, dinheriro em credito, contos particulares.
291
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.
112
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Parece que as informações colhidas antes da invasão não foram suficientes para
uma conquista rápida. Mesmo assim, houve, desde essa fase inicial, indícios de
colaboração da população local com os batavos. Por outro lado, não podemos exagerar a
colocação do governador holandês da fartura da terra “tão cultivada”. Contra a versão da
“fartura” da capitania duartina, considerou E. Cabral de Mello que a “prosperidade
material já não correspondia à realidade da Nova Lusitânia na segunda e terceira décadas
292
SHAMA, Op. Cit. p.40.
293
Missiva do Goverenador D. van Wanderburch aos Estados Gerais. 03/08/1631. In: Documentos
Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 74.
113
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Vê-se, pois, que a resistência do Arraial não era o único e maior problema a ser
enfrentado pelos neerlandeses na conquista de Pernambuco.
O pequeno comércio só apareceria mesmo a partir de 1635 em diante. Não que os
problemas com o reforço e aprovisionamento de tropas houvessem terminados. Essa foi
sempre uma constante durante a presença holandesa no Brasil. Não podemos, todavia,
negar que a expulsão da resistência para o sul, facilitou em muito o acesso da WIC a uma
série de bens escondidos nas matas ou em poder dos luso-brasileiros. De uma só vez, um
iate holandês trouxe uma boa quantidade de farinha das roças do Cabo de Santo
299
Agostinho em agosto de 1635. Certamente a farinha estava escondida e, na correria da
guerrilha, havia sido largada aos holandeses que a trouxeram ao Recife.
Outro fator que contribuiu para o surgimento dessa nova fase (a dos pequenos
lucros), além da derrota do Arraial, foi a dinamização das navegações em rios que
levavam ao interior. Por enquanto, tratemos ainda dos kleine profijten.
É também possível que o pequeno comércio se fizesse nas proximidades dos
lugares de confronto com finalidade de, além do pequeno lucro, angariar a confiança dos
portugueses que residiam no entorno. É assim que o cruzador Camarivogel transportou
para o sul da capitania de Pernambuco, além de viveres e 80 soldados, alguns produtos
300
para serem comercializados. A essa altura, Matias de Albuquerque estava com a sua
tropa nas proximidades de Porto Calvo.
A localização da resistência ao sul de Pernambuco fez com que o tráfego nos
poucos caminhos que existiam ficasse menos tenso ao norte do Recife. Assim, era
possível se locomover sem que os milicianos luso-brasileiros pudessem alcançar. Foi
assim que o conselheiro político Ippo Eissens partiu sozinho, certa vez, para Itamaracá,
301
por terra, coisa essa impensada um ano antes. Em 22 de outubro, o Coronel
298
Idem, p. 90.
299
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
300
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
301
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.
115
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Stachhouwer ia também por terra até o sul de Pernambuco a fim de tratar de negócios
com o Conselheiro Willem Schott.302 Além de cuidar de assuntos militares, Stachhouwer
iria também tratar de “negócios”.
O açúcar que se consegue armazenar nos armazéns do Recife eram vendidos pela
Companhia diretamente aos navios de carga que viessem fornecer materiais a ela mesma.
Em outubro de 1635, o navio de carga Speeljacht forneceu alguns produtos à WIC tais
quais: 13 carrinhos de mão, 3 rodas soltas, pescado dos paises nórdicos, 25 estacas de
madeira, 3 serrotes, 6 grozas e 40 machados. Tudo isso, segundo a documentação, foi
vendido pelo preço que o comandante Jan Maartensz Clotendraeijer pagou nos Países
Baixos. O capitão comprou, em contrapartida, açúcar pelo preço de 4 stuivers a caixa.303
No mesmo dia em que chegou o navio acima, chegou também um outro da Câmara de
Amsterdam, que trouxe, além de mantimentos, bens de comércio para os cidadãos- livres.
É difícil precisar a quantidade, em fins de 1635, de vrijluiden ou “comerciantes
livres” que viviam no Brasil Holandês. Gonsalves de Mello refere-se a mais ou menos
oitenta. Havia os que vinham diretamente da Holanda nesta condição sem antes terem
sido empregados da WIC, como foi o caso de Cornelis Danielsz e Nicolaes de Haen.304
Estes pediram permissão para dispor de uma casa em Antonio Vaz. No Recife, a situação
imobiliária encontrava-se insustentável, com uma população considerável vivendo num
curto espaço e tendo que pagar caro pelos aluguéis. Gonsalves de Mello observou que a
falta de casas, nos anos de 1635 e 36, no Recife, era um fato sem contestação.
Com a invasão, a Companhia confiscou vários terrenos e casas. Em Nova
Amsterdam (Nova York), por volta de 1624/25, o administrador da colônia e o seu
conselho era orientado a distribuir terra aos colonos de acordo com o tamanho da família.
Antes, porém, considerou uma pesquisadora do tema, Adriana Zwieten, que havia um
reconhecimento formal, por parte da Companhia das Índias Ocidentais, da propriedade da
305
terra aos índios, de quem era inicialmente adquirida mediante pagamento.
302
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/10/1635.
303
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/10/1635.
304
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/10/1635.
305
ZWIETEN, Adriana. “Conversisng with each other, among other things of the sale of houses”: Buying
and Selling Real Property in New Amsterdam. P. 3. Segundo a autora, essa era uma pratica que se fazia em
todos os Paises Baixos desde a Idade Média. A transação se dava em frente às autoridades municipais ou
magistrados locais, que eram os escabinos (schepenen)
116
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306
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 31/10/1635.
307
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 18/10/1635.
308
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/10/1635.
117
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309
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 19/10/1635.
310
Idem.
118
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quase 80 mil florins. O seu irmão, Jacob, tornou-se credor de 6 mil florins da mesma
coroa naquele mesmo ano. 311
Seria bom, porém, ressaltar que nem todos os judeus eram comerciantes abastados. Isso
se percebe no pedido de Manuel Mendes de Castro para trazer ao Brasil “toda uma nação
312
hebraica de 200 almas, ricos e pobres”. A vinda ao Brasil de grupos sefarditas veio em
boa hora certamente em função da abertura de oportunidades. Muito embora a maneira
holandesa de ter acolhido os judeus possa ser visto, segundo Simon Shama, como “o
locus classicus do pluralismo saudável”, o mundo neerlandês apresentava- lhes restrições
em algumas áreas da produção como a de refino de açúcar. Contudo, ainda se faziam
presente no comércio do Báltico e, mais expressivamente, no processamento de tabaco
313
através de suas “conexões brasileiras”.
Ainda num misto de guerra e estabilização da economia, na medida em que a
primeira ia se afastando, a segunda parecia mais provável. Tão logo os holandeses
expulsaram as tropas do Conde de Bagnuolo de Porto Calvo, encontraram nos habitantes
locais boa acolhida, pois estavam com intenções de comerciar com a WIC. Como nessa
campanha na parte sul da capitania de Pernambuco faltasse víveres às tropas, foi pedido
grande soma em dinheiro para se comprar animais e farinha para as tropas lá
estacionadas. Naturalmente esses víveres seriam comprados aos comerciantes locais. O
impasse se deu na possibilidade de falta de dinheiro em caixa ou de bens de comércio nos
armazéns do Recife, o que realmente veio a acontecer. Para solucionar o caso, a
Companhia pediu que um “vrijluiden” chamado Johannes Terwijden fornecesse uma
carga de bens de comércio a um valor de 2292 florins, dinheiro que ainda remanescia no
caixa da Companhia.314 Percebe-se, mais uma vez, a estreita relação entre os cidadãos
livres e a WIC. Ainda que não fossem funcionários diretos da mesma, sua função de
dienaers (servidores), ainda que indireto, era tão importante como a de um fiscal ou de
um comissário de bens. Dentre os “bens de comércio” fornecido por Terwijden,
encontramos tecidos (cetim e veludo), chapéus, meias e camisas de algodão.
311
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54.
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Recife, 1979, pp. 162-63.
312
Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. N. 48. Recife, 1976, p. 230-
233.
313
SCHAMA, Op. cit. p. 578/579. O autor enfatiza que “só gradativamente os judeus foram admitidos em
algumas guildas”.
314
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/10/1635.
119
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“caso ele fosse contratado para buscar sal em salinas navegando com seus
próprios recursos e levando sua própria tripulação ... Em seguida, os sal seria
vendido nesta cidade [Recife] ou em algum outro porto, aos habitantes ou a
Companhia, que também precisa do produto...”315
Uma das condições impostas pela WIC era a de que ele pagasse, naturalmente, os
impostos arbitrados por ela. Mas Claez Cornelisz não ficou por aí, passou também a
transportar, por conta própria, para a WIC, as caixas de açúcar que os comerciantes livres
forneciam à Companhia. Os serviços do capitão, agora na condição de livre-comerciante,
faziam com que, no caso do transporte de açúcar, dos armazéns para os navios, não
passasse a ser mais feito pelos barcos da própria Companhia. Outro fato a ser observado é
que Cornelisz já servia desde o início da invasão no Brasil a ponto de saber das
necessidades de sal ao longo do litoral que a conquista alcançava. Este é um exemplo de
pequeno comerciante que, ao longo de seu trabalho como “servidor” da Companhia,
conseguiu juntar dinheiro para comprar a sua própria embarcação. Certamente um soldo
de capitão de navio não era o mesmo de um soldado. Resolvia, pelo menos
temporariamente, o problema do escoamento da produção de açúcar da Paraíba e regiões
circunvizinhas. Também em Ipojuca, cidadãos livres forneciam pau-brasil à Companhia
316
utilizando-se de barcos da mesma.
À falta de dinheiro em espécie, os pagamentos eram feitos com mercadorias que
tivessem aceitabilidade na colônia. Os contratadores de pau-brasil da companhia,
Roeland Carpentier e Hans Willen Louissen,317 receberam vinho como pagamento da
madeira fornecida. No caso acima citado, do comércio com moradores de Porto Calvo
315
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/10/1635.
316
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
317
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/11/1635.
120
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também se deu o mesmo. Outro caso foi o do comerciante Isaac de Rassiére, que
emprestou dinheiro à Companhia para que esta comprasse aos moradores “farinha e
animais” para o abastecimento de tropas. Rassiére seria ressarcido com açúcar que, no
momento, estava sendo estocado no Cabo de Santo Agostinho ou “que ainda terá que ser
recebido”.318 Nesse caso, os habitantes, de inicio, haviam se recusado a fornecer os
víveres pelo fato da Companhia não dispor de dinheiro em espécie. Nem por isso eles
foram punidos. Pelo contrário, o Conselho Político se esforçava por normalizar a relação
com os moradores do interior. Para garantir “farinha e animais” para abastecer as tropas,
os cidadãos livres entram mais uma vez como intermediadores. Numa ocasião, a partir de
uma constatação do conselheiro político Willem Schott, a Companhia, para adquirir
víveres, teve que comprar panos de algodão dos vrijluiden para trocar por víveres
319
fornecidos por portugueses que estavam em Muribeca (sul do Recife).
Com o arrefecimento da “guerra velha” (1630-37), eram as plantações de açúcar
que deveriam voltar a fazer parte do dia-a-dia da conquista. O esforço mais efetivo nesse
sentido começou em fins de 1635. Assim é que um engenho às margens do rio Igarassu
ficou sob a guarda provisória de Vicente Cerqueira até que a Companhia regularizasse a
situação do mesmo. Nove escravos desse engenho foram transferidos para o engenho
Massiape.320 O próprio Governador, Sigismund van Schcoppe, adquiriu um engenho
pertencente a João Paes Barreto em sociedade com o fiscal Nicolaas de Ridder. Como o
açude do dito engenho tinha secado, foi- lhes oferecido um outro engenho chamado
Guerra.321 O Conselho Político também cogitou em preparar, para o ano de 1636, a
recuperação do engenho Velho (ou Veloso), situado no Cabo de Santo Agostinho, após
um inventário do mesmo. Encontravam-se, muitas vezes, nessas unidades produtivas,
muitos escravos que não haviam seguido os seus senhores para a Bahia.
A ocupação desses espaços na interlândia aparecia a essa altura como “prêmios”
da guerrilha. Funcionários e militares a serviço da companhia pediam, muitas vezes como
“bons serviços” prestados, que se deixasse ocupar esse ou aquele espaço. Em 17 de
novembro, o Major pediu permissão para construir uma casa na região dos Afogados e o
318
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635. A documentação não especifica o
lugar que residiam estes moradores.
319
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/01/1636.
320
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
321
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/11/1635.
121
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Comissário de bens Willem Doncker requereu “um certo pedaço de terra, situado na
Várzea, que pertenceu a Filipe Monteiro...”322 A WIC concedeu, contanto que obedecesse
“às mesmas condições que também foram impostas a outras pessoas”, ou seja, que se
pagasse à companhia pela aquisição da terra. Esse já é fato conhecido da historiografia.
José Antonio Gonsalves de Mello já evidenciou que
322
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635.
323
MELLO, op. Cit, p. 48.
324
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/11/1635.
325
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/11/1635.
122
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326
Sobre isso considerou Fernand Barudel que “ o Estado moderno, tal como o capitalismo, recorre aos
monopolios para enriquecer: “ os portugueses, à pimenta; os espanhóis, à prata; os franceses, aos sal; os
suaecos, ao cobre; o para, ao alúmen”. Ao que se deveria acrescentar, no tocante à Espanha, a Mesta,
monopólio da transumância ovina, e a Casa de la Contratacion, monopólio da ligação com o Novo Mundo”.
Ref. BRAUDEL, op. Cit. vol. II, p. 463.
327
Idem.
123
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Essa passagem é importante, primeiro, porque nos revela o grau de tensão que
passava a conquista, segundo, por que nos mostra a “estratégia” do governo civil em
consolidar a conquista através da dissuasão de seus conquistados, os “bons cidadãos”. A
população civil, que de súditos passam à categoria de “cidadãos” é instada a colaborar
com a WIC com a contrapartida de ter o seu “bem estar” assegurado.
Se, por um lado, o pequeno comércio aproximava os holandeses da população
local, por outro, diminuía os lucros da Companhia. Charles Boxer chama a atenção para
esse fato ao se referir às queixas que os diretores da WIC recebiam “por causa dos lucros
329
auferidos pela gente livre (vrijluiden)”. Diante desse quadro, segundo Boxer, a própria
companhia não se sentia obrigada a dar as garantias prometidas aos moradores, os quais
na sua ótica faziam mais comércio com os cidadãos- livres. As coisas tomam mesmo um
tom de desconfiança quando a diferença religiosa entrava na questão. Essa relação
moradores-vrijluiden “favorecia os lavradores portugueses, papistas e traiçoeiros, em
330
detrimento dos investidores holandeses, protestantes e leais”. Esse problema do
monopólio comercial da WIC foi expresso por Charles Boxer praticamente às vésperas da
vinda de Nassau para o Brasil.
O problema dos cidadãos- livres em relação a Companhia se nos apresenta como
um fato paradoxal na administração holandesa pré-nassoviana principalmente porque,
como vimos em alguns casos acima, em várias ocasiões, foram os vrijluiden que
socorreram a WIC em situações de falta de dinheiro. Em algumas ocasiões, eles foram a
ponte entre o Conselho Político e a população local. Essa animosidade em relação aos
livre-comerciantes partia principalmente de acionistas e representantes das câmaras da
Zelândia, Roterdã e Groningen. Nas atas do governo holandês, pelo menos, não se
verificam reclamações acerca dos vrijluiden. No entanto, a referência a essas vicissitudes
328
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/11/1635.
329
BOXER, Charles. Os Holandeses no Brasil. – Recife: CEPE, 2004, p. 107.
330
Idem, p. 108.
124
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Talvez, contudo, não devêssemos encarar esta situação dos vrijluiden contra alguns
acionistas da WIC não tanto como ‘paradoxal’, uma vez que tratamos de um período
(inicio do século XVII) em que o capitalismo estava se formando. No Brasil, o ‘modelo’
331
BRAUDEL, Idem, p. 187.
332
Idem.
125
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de uma companhia de comércio estava sendo confrontado com uma realidade até certo
ponto nova.
Não há dúvidas de que deixar de ser funcionário da companhia para ser cidadão-
livre não era um mau negócio. Em janeiro de 1636, Joost Pietersz van der Bij, Jacob
Pietrsz e Sas Sickels deixaram a profissão de ferreiro para obter a condição de
vrijluiden.333 Da mesma forma agiu o sargento Jan Jaspertsz., após o término de seu
tempo de serviço para a WIC.334 A situação de livre-comerciante não ensejava total
liberdade. Em caso de alerta, de aproximação iminente de tropas luso-brasileiras, o
Conselho Político podia expedir ordens para que os mesmos se armassem e se
mantivessem sempre alertas. Numa ocasião, ordenou-se que
“todos os cidadãos livres se armem com uma boa espingarda e que ninguém será
dispensado de marchas ou será liberado de ficar de sentinela, e que aqueles que
se recusarem serão punidos sem perdão”.335
126
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337
BRAUDEL, op. cit., pp. 216-217.
338
Idem.
127
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Companhia. Manuel Graci [ou Garcia], foi contratado pelo Conselho Político para ser
timoneiro de um cruzador holandês na campanha que estes moviam no sul de
Pernambuco em janeiro de 1636. O currículo de Graci era bom, uma vez que “a partir do
momento em que a Paraíba foi conquistada até a conquista do Cabo de Santo Agostinho,
serviu na função de prático e timoneiro no cruzador ‘De Cauwe’ da Zelândia”. Manuel
passou a receber, a partir de janeiro de 1636, um salário de 36 florins mensais. Ele
chegou a receber uma recompensa de 50 florins da WIC por ter trazido da Paraíba para o
339
Recife alguns navios sem que tivessem sofrido avarias.
A WIC contava, não raro, com depoimentos de prisioneiros para aumentar o seu
cabedal de conhecimento de Pernambuco. Um deles, um português de Viana do Castelo
chamado Bartolomeu Peres, fez crer à Companhia que
339
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/01/1636.
340
Interrogação de Bartolomeu Peres, natural de Viana do Castelo, navegou a 6 a 7 anos ao Brasil onde
ficou domiciliado depois. In: Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio
da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil
Desconhecido. Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007, p. 118.
128
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341
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.
129
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Quadro I
130
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Bij
Jacob Pietrsz 03/01/1636 ferreiro
Sas Sickels van Eskort 03/01/1636 ferreiro
Jan Jaspertsz 14/01/1636 sargento
Ottho Etmeijer 24/01/1636 -
Instavo - -
Vlugge - -
Manuel Graci - Capitão do navio ‘De
Cauwe’
Geronimo - -
Bartholomeus
Gilbert Ritskur - -
Jan Gerritsz - -
Opken Pieter - -
Juriaan Gerritsz - -
Jan Dircksen - -
Pieter Hardy - -
Jan Roeloffsz - -
Jan Adriesen - -
Pieter Back - -
Hendrick Jansz - -
Claes Jansz - -
Jan Jansz - -
Simon Nunes van 30/07/1636 -
Norden
Crhistoffel Eijerschettel - -
Aaron Navarro - -
Joost van den Boogaert - -
Jan Goutier - -
131
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Quando Nassau chegou com a sua comitiva ao Recife, em janeiro de 1637, não
havia um só curso d’água, entre o rio São Francisco e o Rio Grande do Norte, que não
fosse conhecido pelos holandeses. Pouco a pouco, foi-se estabelecendo uma malha de
navegação, tanto pelo litoral, como pelos rios da costa do Nordeste, o que facilitou a
administração do Conselho Político nos primeiros anos da conquista.
Logo na chegada, os holandeses contaram com a descrição, na medida do possível
detalhada, das capitanias do Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Tal descrição
é uma memoire oferecida pelo brabantino Adrien Verdonck ao Conselho Político e escrita
em 20 de maio de 1630. Esse belga, segundo Gonsalves de Mello, vivia em Pernambuco
já desde pelo menos o ano de 1620 e era um entre outros neerlandeses e belgas que
342
viviam e faziam negócio nesta capitania. Voltado para os negócios do açúcar,
Verdonck, dado o tempo em que já residia no Brasil, serviu de instrumento à WIC no que
diz respeito a se conhecer mais portos e interlândia. Antes de “ser injustiçado pelos
holandeses” em 1631, por descobrirem que ficou do lado dos luso-brasileiros, Adrien
Verdonck legou aos novos invasores uma espécie de “manual” da terra.
Antes de atentarmos para a memoire do brabantino conspirador, convém lembrar
que, nos Paises Baixos, o nível de informação que se tinha de Pernambuco não era baixo.
Um documento de 1623, intitulado “Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco,
Ilha de Itamaracá e Paraíba”, alimentou em muito o sonho dos holandeses de se
apoderarem do “ouro branco” nordestino. Um outro, do mesmo ano de 1623, intitulado
“Uma relação dos engenhos de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba”, publicado nos
Paises Baixos, como muitos outros pamphleten, que incitavam as pessoas às apostas e
também ao investimento nas ações da Companhia das Índias Ocidentais, também nos
mostra a não ingenuidade batava acerca do lugar onde estavam pisando. Não restam
342
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adriaen Verdonck, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista. –Recife: MEC/SPHAN, 1981, p.33. Numa pequena introdução ao documento, Gonsalves de
Mello se refere a “vários neerlandeses” e provenientes da “Províncias Obedientes” proprietários de
engenho em Pernambuco quando da invasão, como é o caso Gaspar de Mere e Pedro Lahoest. Estes
“comerciantes ricos, como parece ser o caso de Adrien Verdonck”.
132
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dúvidas de que, pelo menos uma década antes da invasão em 1630, a WIC estava ciente
da produção média da maior parte dos engenhos do Nordeste. Pelo menos da Paraíba,
Itamaracá e Pernambuco. A relação de que dispunham discriminava o proprietário do
engenho e, em seguida, a quantidade de “açúcar macho” (branco e mascavado) e açúcar
retame produzido pelas unidades. O documento não nos fornece, porém, a precisa
localização dos engenhos.
Essa relação dos engenhos acima citada, segundo José Antônio Gonsalves de
Mello, não fazia parte de um simples panphleten, mas de um documento entregue em
forma de uma memoire aos Estados Gerais dos Paises Baixos por volta de 1636 por um
judeu de origem portuguesa chamado José Israel da Costa. Portanto, seis anos depois da
invasão, muito embora se referindo à produção daqueles engenhos no ano de 1623. Em
termos gerais, José Israel da Costa, que residira muitos anos no Brasil entes da invasão,
forneceu aos holandeses informações acerca dos detalhes da produção açucareira, desde o
cuidado com os “cobres, madeiras, ferragens, carpinteiros, pedreiros, formas, carros,
servidores brancos, a quem se dão bons salários e de comer cada ano, quantidade de
lenhas para arderem [o caldo do açúcar], caixões, bois, vacas, mantimentos [...] além dos
custos de 70 escravos que deve ter cada engenho [...]”.343 José Israel da Costa fornece,
enfim, uma ‘radiografia’ do cotidiano da produção açucareira, com toda sua
complexidade e despesas.
Retomando ao documento de Adrien Verdonck, o mesmo nos parece mais
completo do que as informações oferecidas por José Israel da Costa. Em primeiro lugar,
chama à atenção a maneira como Verdonck divide o espaço. Assim, na sua ‘divisão
territorial’, aparecem locais como “Rio São Francisco”, “Alagoas”, “Porto calvo”, entre
outros, ou seja, locais que se confundem com os nomes de rios (o próprio São Francisco e
Una) e de vilas e povoados (Serinhaém, Ipojuca, etc). Para termos um exemplo dessa
divisão espacial, atualmente, Porto Calvo é uma cidade do Estado de Alagoas. Em inicio
do século XVII, a delimitação das localidades, aos olhos de pessoas como Adrien
343
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaraca e Paraiba – ano de 1623”. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista. –Recife: MEC/SPHAN, 1981, p. 22. Gonsalves de Mello nos apresentou a transcrição de partes
do documento.
133
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Visto que a descrição de Adrien Verdonck é no sentido sul- norte, ao chegar à povoação
do Cabo de Santo Agostinho, ele considera que, nessa localidade,
344
Idem, pp. 37/38.
134
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“não havendo rio para subir-se até os engenhos, quase todo o açúcar tem
de ser transportado por terra até às barcas [possivelmente do rio Ipojuca] e
algum é levado para outro lugar e chega a foz de um rio chamado
Jangada, junto à Nossa Senhora da Candelária, umas três milhas ao norte
do Cabo”.345
345
Idem.
346
Idem, p. 41.
347
Idem, p. 44.
135
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Cabral de Mello348 que, apontando uma carta do Coronel Wanderburch aos Estados
Gerais, em novembro de 1631, situou a mudança de estratégia batava para empreender a
guerra de conquista. Na missiva, afirma o governador:
“Suas Graças [os Estados Gerais] ordenaram que se conservassem, sem exceção,
aqui na costa, todos os grandes navios e a frota inteira, o que não influirá de
modo algum em nossos fins, e não me parece que os grandes navios possam ser
de grande utilidade [...] o mais prudente em minha opinião seria retirar daqui os
ditos navios, pois que esta costa e estes portos são mais fáceis de defender por
meio de pequenos ‘yatchs’ e chalupas do que por meio de navios grandes
[...]”.349
Este parece ter sido o turning point da estratégia de defesa holandesa. A proposta
do governador militar foi seguida, de modo que em 1635 já se podia contar dezenas de
embarcações menores transitando nos rios de Itamaracá, Pernambuco e Paraíba. Se
Wanderbuch estava ciente das descrições de Adrien Verdonck, feitas pouco mais de um
ano antes, é algo a se cogitar, vez que demonstra já ter conhecimento da profundidade das
barras e desembocaduras destes rios, possíveis, boa parte deles, apenas de serem
navegados por embarcações de pequeno calado. Não é à toa que, sobre isso, comentou
Cabral de Mello que, a esse tempo, era “significativo o conhecimento pormenorizado de
que dispunham os holandeses acerca das condições técnicas de navegação nos pequenos
rios do Nordeste oriental”.350 Esse “conhecimento pormenorizado” de rios como o
Goiana, Camaragibe, Formoso, Serinhaém, São Miguel, entre outros, foi sobretudo
aurido nos diversos ataques aos engenhos e povoações localizados em seus cursos
inferiores.
A partir do ano de 1635, encontramos fartamente nas Nótulas Diárias (Dagelijkse
Notulen) várias informações acerca da incursão de iates e chalupas aos rios do nordeste.
348
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1979, p. 39. Com relação ao uso destas embarcações, em rios, a inferência é do próprio autor quando afirma
“o litoral do Nordeste poderia ser melhor bloqueado mediante o emprego de iates e chalupas que poderiam
atacar os portos, fechar as barras dos rios ou subi-los para atacar os engenhos em suas margens”.
349
Missiva do Governador D. van Weerdenburch, em Antonio Vaz, aos Estados Gerais. 09/11/1631. In:
Documentos Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 89.
350
MELLO, Idem.
136
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Todavia, não seria difícil de imaginar que elas tenham sido utilizadas antes ainda nos
primeiros dois anos da conquista. Essa utilização seria, de inicio, mais de forma pontual
do que mesmo generalizada, como vai ser de 1635 em diante. Ao lado do “pequeno
comércio”, que se fazia mais forte principalmente após a queda do Arraial Velho do Bom
Jesus, também a “pequena navegação”, que prescindia dos grandes navios, se constituía.
Na guerra de “guerrilha”, em que as operações pontuais valiam mais do que os
ataques frontais que exigiam um grande efetivo, da mesma forma, as embarcações
menores valiam mais do que os grandes navios. A mudança da tática de guerra, mudaria,
por conseguinte, o cotidiano administrativo do Brasil holandês.
Um detalhe técnico. Na Europa, os barcos de pequena tonelagem tinham na Idade
Moderna uma presença na economia muito maior do que os grandes. Para Braudel, pelo
menos no aspecto mercantil, os barcos menores “carregam rapidamente, deixam os portos
351
à primeira rajada”. Nos rios do Nordeste, eram as barcas (ou barcaças) que os
portugueses utilizavam para adentrarem os rios e colher as caixas de açúcar dos engenhos
em suas margens. Este pormenor, observado por Verdonck em sua memoire , certamente
também o foi pelos primeiros militares e civis que adentraram a interlândia em
campanhas extenuantes. A prova disto são os relatórios de capitães de embarcações e
militares em geral compiladas por Johannes de Laet com o fim de instruir Maurício de
Nassau acerca do Brasil.352
Sobre o rio Cunhau, no Rio Grande do Norte, teve ciência a WIC que, a partir do
depoimento de um prisioneiro português, que tem, “doze pés de profundidade, duas
léguas ao sul da Ponte da Pipa [Ponta da praia de Pipa], os barcos entram quatro a cinco
léguas rio adentro com profundidade de 2, 2 1/2 e 3 braçadas, onde está um engenho de
açúcar e onde se cultiva muito tabaco. [...] Teríamos entrado nele com a chalupa se o
tempo estivesse melhor”. Sobre a Paraíba, souberam que “é um rio grande; nunca entrou
nele senão de barco; na entrada tem uma curva e coroas de areia e de pedra. Querendo
entrar nele, deveria-se mandar adiante uma chalupa veleira para sondar os baixios”.353
351
BRAUDEL, Fernand. O Mediterraneo e o Mundo Mediterranico ao Tempo de Filipe II. Vol I. – Lisboa:
Martins Fontes, 1983, p. 330.
352
Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de
jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido.
Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007.
353
Ibidem, pp. 121-122.
137
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Sobre o Rio Goiana, na capitania de Itamaracá, souberam que “na desembocadura há uma
profundidade de só 8, 10 pés, mas dentro é muito profundo. Seis a sete léguas rio adentro
há três a quatro engenhos, aonde os barcos navegam para carregar. [...] Dirigindo-se lá
com quatro a cinco chalupas expulsaria a todos e tomaria todos os açúcares”.354 Da
mesma forma, outros rios foram descritos, especificamente do norte da capitania de
Pernambuco e Itamaracá, como o Massaranduba, Igarassu, Catuama e Maria Farinha. O
primeiro deles, para se ter uma idéia, é muito pouco conhecido atualmente. Entretanto, na
geografia dos engenhos dos séculos XVI e XVII, tinha uma importância que não poderia
ser descartada. Ao descrecer o Rio Igarassu, consideraram que “por este rio é que [Matias
de] Albuquerque recebeu a maior parte da suas provisões, as quais chegaram com barcos
da Paraíba a Goiana, e logo detrás de Itamaracá e Igarassu”.355 Essa ligação entre Paraíba
e Goiana, já evidenciada quando a questão é um estabelecimento de comércio regular
entre a WIC e a população local, tinha a sua anterioridade nas relações de comunicação
fluvial intracapitanias antes da invasão em 1630. O que não era novidade para a
resistência luso-brasileira sitiada no Arraial, era para os militares e conselheiros políticos
neerlandeses. Certamente, a localização do Arraial do Bom Jesus levou em consideração
essa malha de assistência fluvial que ligava a Paraíba àquela fortificação. Quando nada,
para a WIC, a relação entre a navegação dos cursos d’água e a relativa normalização do
comércio da interlândia, é direta.
Quanto aos rios situados ao sul do Recife, o conhecimento holandês através do
depoimento de Peres seguia a ordem. Rio das Jangadas, Ipojuca, Maracaípe, Formoso e
356
Una . Neste último, “só entram barcos ligeiros”. Finalmente, no extremo sul da
capitania de Pernambuco, encontram o rio de Porto Calvo, no qual “os barcos entram seis
léguas rio adentro, ande estão três engenhos, uma légua afastados das margens do rio”. O
ultimo deles, o Rio Coruripe, “ao entrarmos com um iate ou uma chalupa, lá ainda
357
encontraríamos paus bastantes para levar”. Até a Barra Grande (sul da capitania de
354
Ibibem, p. 125.
355
Ibidem.
356
O região do Rio Una, em especifico, mereceu a seguinte descrição de um depoente português: “ A aldeia
do Uma fica a dez léguas espanholas de Pernambuco, légua e meia terra adentro. Lá há dois engenhos. O
rio se chama Uma, pelo qual os barcos entram até o primeiro engenho; o outro fica meia légua terra
adentro. Os açúcares são transportados até o rio em carros. O rio tem uma profundidade de apenas seis
pés”. In: Johannes de Laet. Op. Cit. p. 133.
357
Ibidem.
138
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358
Johannes de Laet. Op. Cit. p. 133.
359
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633. In: Documentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 127.
139
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“se foram indo para suas casas, outros afrouxaram do continuo trabalho, assim
diurno, como noturno [...] dizendo que trabalhassem os soldados, que haviam
vindo do reino, pois eram pagos, e se soubessem e experimentassem ao que sabia
o andar por matos, e atoleiros, o que eles ate então tinham feito [...]”.361
Numa ata de 4 de julho de 1636, o governo holandês, sobre uma operação militar
em Porto Calvo, considerou que “ nós tínhamos nos preparado para essa expedição, mas,
por causa do tempo, não a continuamos, [...] Visto que o pior, com relação `as chuvas, já
passou, faz-se necessário avançar com destemor[...]”. Nesse caso em particular, as chuvas
tinham bloqueado “todas as passagens e estradas”.362
A utilização de iates e chalupas em rios como tática de guerra supria as
dificuldades das guerrilhas terrestres. Soma-se o fato de que estas embarcações podiam
subir e descer rapidamente os cursos inferiores daqueles rios. O conhecimento
pormenorizado dos rios do Nordeste era também um complemento ao conhecimento
pormenorizado da costa e das desembocaduras dos mesmos rios. Se a defesa dos impérios
espanhol e português “era concebida em Madri ou em Lisboa em termos exclusivamente
navais”, como disse E. Cabral de Mello, em Pernambuco, no universo micro dos
engenhos e povoados às margens dos rios, essa defesa ficou a desejar. A resistência luso-
361
CALADO, Manuel. O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade. – Recife: CEPE, 2004, P. 48. Até a
chegada de Mauricio de Nassau, em inicio de 1637, não encontramos nas crônicas referencias ao uso de
iates e chalupas por parte dos holandeses. Após a queda do Arraial Velho do Bom Jesus, preocupado em
narrar a situação da guerra na parte sul da Capitanias de Pernambuco, Manual Caldo não se referiu à porção
norte, que era a parte em que se dava uma ligação comercial entre os holandeses e os moradores luso-
brasileiros de Igarassu e Goiana.
362
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.
140
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brasileira não dispunha de embarcações pequenas e artilhadas para fazer frente aos
holandeses na guerrilha fluvial. As ‘barcas’ utilizadas largamente pelos luso-brasileiros
para transportar, entre outros, açúcar e pau-brasil, não estavam preparadas para o escopo
da guerra como os iates neerlandeses. Com a invasão holandesa, é bem possível que a
resistência sitiada no Arraial velho do Bom Jesus ainda se utilizasse daquelas barcas para
transportar mantimentos vindos de Portugal e Espanha para propriedades do interior.
Como já é bem conhecido, até a queda daquela fortaleza, os sitiados continuavam
recebendo reforços em armas e víveres pelo porto de Nazaré, no cabo de Santo
Agostinho.
Retomando a questão da guerrilha por terra, devemos considerar que as
conquistas de Igarassu, Goiana, Itamaracá, Paraíba e Arraial Velho do Bom Jesus, foram
combinando cercos terrestres e bloqueio de barras. Não podemos, portanto, negar a
importância da “guerra frontal” na conquista holandesa. No entanto, foi no incremento do
pequeno comércio que as embarcações de pequeno porte tiveram um papel importante na
consolidação administrativa da companhia principalmente entre as capitanias da Paraíba,
Itamaracá e Pernambuco. Principalmente a partir do estreitamento dos contatos com os
povoados de Itamaracá, Filipéia (João Pessoa), Goiana, Igarassu e o Recife. E é
sobretudo na relação com o comércio e a administração que podemos discutir a
importância e função dos iates e chalupas nos rios daquelas regiões.
Para entendermos essa dinâmica logístico-administrativa é necessário, de
antemão, atentarmos para o fato de que os conselheiros políticos de distribuíam pelas
conquistas à medida que estas se faziam. Assim, Ippo Eijssens se ocupava da
administração de Goiana, Igarassu e Itamaracá, Serveas Carpentier da Paraíba e Johan
Ginselling do Recife e porção sul da capitania de Pernambuco. Muitas vezes, eles se
demoravam longe do centro administrativo, o Recife e tomavam decisões em locais
afastados deste centro. Entretanto, reuniam-se constantemente no Recife. Analisando as
Atas de reunião do governo holandês no Brasil em 1635 e 1636, não encontramos
indícios evidentes de que em todas as reuniões estivessem presentes todo o Conselho
Político. Em algumas das atas, quando se tratava de uma reunião de grande importância,
discriminava-se então a presença de todos. Na sessão de 29 de maio de 1635, estavam
presentes não só as autoridades militares (Schopp, Arzcizenscki e Jan Lichthart) como
141
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363
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 29/05/1635.
364
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/06/1635.
365
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 09/06/1635.
366
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/09/1635.
367
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 13/09 e 17/09/1635.
142
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que eram de 600 homens, podemos presumir, para os iates, algo em torno de 70 homens
por embarcação, contando com os dois barcos maiores. A expedição teve por objetivo
“fazer sentir ao inimigo nossas armas, nas localidades mais distantes [...] de maneira a
368
causar- lhe, em todos os rios e em todos os portos, todos os donos possíveis [...]”. Com
essas embarcações, subiam rios nas proximidades de Porto Calvo, quando a profundidade
permitia. Nos lugares mais rasos, apenas a chalupa poderia navegar. Em rio próximo a
Porto Calvo “quando pela tarde o comandante Lichthart chegou aqui com as pequenas
embarcações, o coronel e o comandante subiram o rio até duas ou três léguas além daqui,
369
onde também encontraram um armazém com grande quantidade de açúcar”. A
expedição, durante a noite, subiu mais três ou quatro léguas de rio utilizando-se de três
embarcações de pequeno porte até que “o rio se tornasse tão estreito, que não se podia
manejar os remos; além disso, ele se tornava cada vez menos profundo”.370 Convém
lembrar que os holandeses encontraram algumas barcas portuguesas carregadas ou não
com açúcar e outros produtos estacionados em alguns cursos d’água. Só a quantidade de
caixas de açúcar encontrada nessa expedição, aproximadamente 450 caixas, no dá bem a
medida desses butins. Até então, as embarcações que mais circulavam nos rios do
Nordeste eram as barcaças portuguesas. Enquanto o porto de Nazaré não caía em poder
dos holandeses, as barcaças portuguesas continuavam a carregar açúcar dos engenhos e
levar ao porto. Vez ou outra, eram apreendidas pelos soldados da Companhia.
Ao estabelecerem um pequeno comércio com a população local, os holandeses,
muitas vezes através dos ‘vrijluiden’, se serviam dos pequenos barcos (baercqiens)
portugueses. A expedição acima citada, encontrou pelo menos uns 45 baercquiens. 371 Ao
contrário das chalupas e Iates neerlandeses, as barcas portuguesas não apresentam seus
nomes mencionados na documentação. Se é que todas os tinham.
Em 1635 e 1636, já é possível falar numa maior regularidade de fluxo de barcas e
iates nos rios das capitanias da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Antes disso, não
podemos falar em um comércio mais regular entre holandeses e moradores, a não ser em
368
Documentos Holandeses, Op. Cit. p. 136.
369
Ibidem, p. 137/138.
370
Ibidem, p. 139.
371
1 barca próximo a Porto Calvo contendo 43 caixas de açúcar; 1 “pequena barca” em rio não mencionado
com 11 caixas de açúcar; 2 barcas no rio “Tatu Amunsá”; 2 barcas em Alagoas; 20 barcas em Porto do
Francês (Alagoas); 7 barcas no Rio Conjau; 1 pequena embarcação em Barra Grande carregada com e 2
caixas de tecidos
143
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372
Idem Ibidem, p. 153.
373
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: Historia da Guerra Brasílica. – São Paulo: Beca Produções
Culturais, 2001, p. 118.
374
Idem, p. 124.
144
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375
Idem, p. 156.
376
Idem, p. 168.
377
Idem.
145
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a costa”. 378 Essa observação do militar cronista resumiu muito bem o propósito batavo
da utilização de barcos pequenos e artilhados na guerrilha.
As embarcações sem vela citadas acima, algumas elas possivelmente lanchas,
eram utilizadas nessas incursões. Em início de 1634, Calabar, no Rio Mamanguape
(Paraiba), “subindo em quatro lanchas e um patacho, tirou outro carregamento de
açúcares, queimando algumas embarcações que ainda estavam sem eles”. 379
Em março de 1635, já é possível detectarmos barcas e iates que tomavam parte
nos kleine profiten na parte norte da Capitania de Pernambuco, na capitania de Itamaracá
e na Paraíba. Os pontos do comércio, Recife-Goiana-Igarassu-Itamaracá (ilha) e Filipéia
(João Pessoa), já ressaltados na secção anterior, eram, e ainda são interligados por uma
vasta rede hidrográfica. Curiosamente, a parte norte de Pernambuco, que antes da invasão
não produzia tanto açúcar como os engenhos do sul, foi a que primeiro se dinamizou no
comércio que se utilizava de cursos d’água. Para se ter uma idéia, de Itamaracá era
possível navegar rio acima e chegar a Igarassu. Numa descrição, o Capitão Jacob
Piertersen Tolck,
“tendo levado de Tamarica [Itamaracá] uma escolta consigo, subiu o rio Garaçu
[Igarassu] e, apesar de estar ele seco em vários pontos, chegou ate bem perto da
cidadezinha, onde entrou e abateu tanta madeira quanto era possível embarcar e
transportar no barco”.380
378
Idem, p. 172.
379
Idem, p. 180.
380
Ibidem, p. 154.
381
Segundo Gilberto Freyre, “A lavoura da cana no Nordeste – e pode-se acrescentar, no Brasil – parece
ter começado nas terras de Itamaracá, à beira da água doce, como também da salgada; das duas águas ao
mesmo tempo. [...]”. Ref. FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a
paisagem do Nordeste do Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p.58.
146
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Maracaipe e Formoso; Estes são considerados os “rios Atlânticos”, pelo fato de nascerem
e desaguarem na zona litorânea. São rios perenes. Já os rios Pirapama, Ipojuca,
Serinhaém e Una, são considerados como ‘translitorâneos’, por nascerem no Agreste de
Pernambuco e tornarem-se perenes apenas ao percorrerem a Zona da Mata. Todos eles
apresentam vários afluentes, como o Rio Gurjau, que é afluente do Rio Una, que foi
citado acima. O rio Serinhaém também apresenta diversos afluentes. Dentre eles os rios
Tapiruçu, Camagagibe e Amaragi.382 Muitos destes rios, os considerados
“transatlânticos”, só eram navegáveis em seus cursos inferiores e já próximos de
desaguarem no litoral. Daí o fato de que, em algumas incursões, o holandeses não podiam
adentrar nem com os iates, e sim com barcos ainda menores. Nesse sentido, os
baercquiens (barquinhos) portugueses já eram embarcações bem adaptadas a esses tipos
de rios. Reforça-se, então, o seu uso pelos holandeses. Sobre o uso das barcaças pelos
portugueses, considerou Gilberto Freyre que, ao tempo de Jerônimo de Albuquerque e
Vasco Fernandes Lucena (século XVI), “já moia cana em Igarassu – terras alagadas e
383
donde as canas podiam vir de barcaça pelo rio”.
Muito embora, em favor do holandês, o próprio Gilberto Freyre houvesse
observado que “deu [os holandeses] a esta parte da América seus elementos
característicos de ordem: blocos de construção que representam um método ou um
sistema de conquista, de economia, de colonização, de domínio sobre as águas e sobre as
matas. E não uma série de aventuras a esmo, cada qual a seu jeito”, como fizeram os
portugueses, ele mesmo se rendeu ao fato de que “mesmo assim, conservando curvas à
vontade, que elemento da natureza regional agiu mais poderosamente no sentido de
regularização da vida econômica e social dos colonos do Nordeste que esses rios
pequenos do extremo Nordeste e da Bahia?”384 E era nesse mundo de “regularização da
vida econômica e social” luso-brasileira, convulsionado pela invasão, que os holandeses
tentavam impor o seu ritmo de conquista. Assim como fez Evaldo Cabral de Mello, o
próprio Gilberto Freyre chamou à atenção para a importância dos “pequenos rios do
382
Diagnóstico Sócioambiental do Litoral Sul de Pernambuco. Hidrografia. Publicações
CPRH/MMA/PNMA 2. 1 ed.
383
Freyre, Op. Cit., p. 58.
384
Ibdem. Idem, p. 59. Ao destacar a importância dos rios do Nordeste oriental, Freyre se refere ao estudo
do geógrafo francês Pierre Mombeig. Segundo Freyre, “rios sanchos-pancas, sem os arrojos quixotescos
dos grandes; prestando-se portanto às tarefas da sedentariedade e da fixação; aos deveres pachorrentos,
mas de modo nenhum vis, da antiga rotina agrícola”.
147
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385
Segundo Hespanha e Ana Cristina Nogueira da Silva: “Para além de uma identidade “local” e “regional”
mais ou menos vincada, os portugueses acumulavam depois, como é natural numa sociedade de estados,
uma fortissima identidade estatutária, que fazia com que um nobre português se sentisse mais próximo de
um nobre castelhano do que de um peão portugues. Esses sentimentos de identidade estatutária
sobrepunham-se frequentemente, mesmo em momentos e em questões dramáticos, ao sentimento de
identidade reinícola”. Hespanha, António Manuel / SILVA, Ana Cristina Nogueira da. A Identidade
Portuguesa. In: História de Portugal: O Antigo Regime. Vol. VII - Rio de Mouro: Ind. Gráfica, 2002, p. 32.
386
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 29/03/1635.
387
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/04/1635.
148
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trouxeram para o Recife 7 caixas de açúcar branco e mascavado.388 Em abril, dois iates
trouxeram de Goiana para o Recife aproximadamente 80 caixas de açúcar.389 No dia 24
de maio, iate “De Goutvinck” partiu do Recife para a Paraíba a fim de abastecer um
navio com 12 caixas de açúcar. Essas caixas foram pegas em Goiana, de modo que o
390
barco teve que subir e descer o Rio Goiana para, em seguida, chagar à Paraiba. Esse
mesmo iate, quase três meses depois, retornou da região do Cabo de Santo Agostinho
com 800 alqueires de Farinha. É provável que tenha percorrido, neste caso, alguns rios da
localidade. Em 3 de novembro, chegou ao Recife o fluit “De Zeerob”, trazendo das
margens do Rio Ipojuca um certa quantidade de pau-brasil.391
Se atentarmos para a movimentação das embarcações entre a Paraiba e
Pernambuco, poderemos observar que a freqüência deles era maior no litoral sul e sem
penetrarem demais nos rios. (ver anexo I) Ocorre que, principalmente no ano de 1636, a
luta dos holandeses contra as tropas luso-brasileiras estacionadas entre Porto Calvo e
Barra Grande, exigiu uma presença maciça de embarcações do porte de um iate. Só no
ano de 1636, de 136 viagens de embarcações a diversas partes da conquista, 47 se
deveram a assistências de tropas e viveres às campanhas militares no Sul da Capitania de
392
Pernambuco. As embarcações, de uma forma geral, tanto as grande quanto as menores,
tinham que se dividir entre a guerra e a mercância, entre as tropas e os goederen (bens de
comércio). Balancear essa dupla função na era tarefa simples. Entre a possibilidade de
expulsar de vez as tropas luso-brasileiras e a de engendrar um comércio com a população
local, a administração da conquesten se viu quase sempre dividida. Nesse ponto, parece
que a primeira opção lograva vencer.
Em fins de janeiro de 1636, o Conselheiro Político Ippo Eijssens pedia, através de
carta que enviou ao Recife, que fosse enviado um iate à Goiana para carregar-se de
388
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 13/04/1635.
389
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 22/04/1635.
390
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
391
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
392
Algumas embarcações tinham por finalidade patrulhar a costa. Enquanto ocorriam os enfrentamentos no
Sul da Capitania de Pernambuco, vários iates e navio eram designados para o litoral da Bahia. Com base
nas Dagelijckse Notulen, das 136 viagens de embarcações em direção ao sul no ano de 1636, temos um
total de: 1 viagem no inicio de março que envolveu os navios Salamander, Ter Tholen, De Faem, De
Maecht van Doot, Overijssel e Walcheren; 1 viagem no dia 01 de março com o navio Out Vlissingen; o
mesmo navio chega ao Recife no dia 18 de abril trazendo da Bahia informações acerca da frota espanhola;
1 viagem do navio Sint Michiel, que regressou ao Recife no dia 24 de abril;
149
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393
É possivel, por outro lado, que esse numero seja bem maior, visto que várias embarcações que
chegavam ou saiam do porto do Recife provinham do sul da capitania de Pernambuco, que era onde se
encontrava maciçamente o exército neerlandês.
394
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 16/04/1635 e 25/04/1635. Nas duas ocasiões foram
utilizados dois iates diferentes. Na primeira, foi o iate Gijseling e, na segunda vez, o iate De Spewer van
Zeeland.
395
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/05/1635. A missiva foi trazida pelo navio
Erasmus.
396
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
397
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 14/03/1636.
398
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 17/12/1635.
399
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 24/01/1636.
150
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400
fluitschepen ou “navios que fluem”. Hernamm Waetjen inclui nesse grupo de
embarcação os iates e as sumacas, embarcações “de um mastro só” que “no Brasil
401
achavam multíplice emprego nos serviços de cabotagem e patrulhamento”. Outras
características dos fluiten é que podiam navegar com mais eficácia à flor da água e se
adaptavam a qualquer mudança de vento. Essas condições faziam- na ideal na incursão de
rios de pouca profundidade. Como pudemos observar, nesta secção, elas tiveram usos
além dos militares no Brasil holandês.
Não foi por mero acaso que demos ao primeiro capitulo o titulo Brasil holandês:
Uma Historia do Atlântico. Pelo contrário, acreditamos que apenas uma visão de
conjunto ofereça a este estudo uma proposta ao mesmo tempo regional e internacional,
microscópica ou macroscópica. Da mesma forma que a Companhia das Índias
Ocidentais, também as coroas ibéricas raciocinavam em termos de uma guerra
internacional, que envolvia o Índico, o Atlântico e o Pacífico. Mas fiquemos apenas com
este último, para fins didáticos.
Até aqui, ao analisar a tentativa do Conselho Político de fazer com que a
administração obtenha os sonhados profijten (proveitos) levando em consideração a
navegação de cabotagem ou pelos rios e o pequeno comércio, temos uma visão mais local
da presença holandesa no Brasil. Aliás, essa divisão entre administração, comércio e
guerra se dá de forma mais didática do que se nos apresenta nas fontes. E nem poderia.
No século XVII, a fronteira entre uma coisa e outra é praticamente inexistente. Assim, ao
tratar de guerra e açúcar no Brasil Holandês, levando em consideração as estratégias luso-
brasileiras de escoar a produção em meio à guerrilha, encontra o seu correlato na
tentativa da WIC em conciliar os “pequenos lucros” e a mesma guerrilha. Às vésperas da
400
Uma boa explicacao sobre esse tipo de embarcacao nos oferece o historiador Herman Waetjen que
colocou o seguinte: “somos muito bem informados pelas sólidas investigações de Bernhard Hagedorn.
Segundo elle affirma, a denominação “Fleute, Fliete, Fluit” está ligada à palavra “fliessen” (fluir, correr,
deslisar) e quer dizer o mesmo que “navio que deslisa ou corre adiante”. Ref. WAETJEN, Hermann. O
Domínio Colonial Holandês no Brasil. 1938, p. 526.
401
Idem.
151
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vinda de Nassau para o Brasil, a administração por parte do Politicque Raden havia
adquirido um grau de complexidade que já era possível, pelo menos no Recife e região
próxima, se falar em um cotidiano. É bem verdade que a guerra não havia terminado, mas
também não era menos verdade que a vida social, de alguma maneira, fosse mais presente
a partir de 1635. As razões disso já explicitamos acima.
Na esteira de uma perspectiva atlântica, temos que a própria Companhia não
olhava apenas para o Nordeste. Em 1633, por exemplo, um dos conselheiros políticos
chamava a atenção para as ligações entre o Nordeste e outros pontos como o Rio da
Prata, o Chile e até as Índias Orientais. Chegaram, inclusive, a considerar que “este país
seria para nossa Companhia das Índias Ocidentais uma estação de Parada cômoda e
402
segura”.
Para o Norte, muito embora a WIC tenha consolidado a conquista com a ocupação
de São Luis, em 1640, houve embarcações que passaram a fazer escala no Caribe antes
de regressarem aos Paises Baixos. Mas, antes entrarmos nessa questão, retomemos as
conexões que a WIC podiam fazer frente às coroas ibéricas. Numa descrição anônima
sobre a região do Rio da Prata, feita por alguém a bordo do navio De Windhond, de 1628,
consta:
“O Brasil venderia a eles [comerciantes locais] suas manufaturas [...], que são
muito procurados pelos habitantes do Rio da Prata e de todo o Mar do Sul; [...]
Angola venderia a eles uma quantidade notável de escravos [...] porque é fato
conhecido que os portugueses mandaram e venderam todos os anos de Luanda
entre seis e sete mil negros, que de lá são mandados ao interior e vendidos de
uma mão à outra, até chegarem às minas. Em troca deles os mercadores de
Angola receberam trigo, milho e também prata e ouro”. 403
Pelo relato acima, cinco anos antes do relatório do conselheiro político, a WIC
estava ciente das conexões entre Angola e o Rio da Prata. Sabiam também que os
402
Carta de Walbeeck ao Conselho dos XIX, Op. Cit, p. 126.
403
Consideracoes a respeito do Rio da Prata. In: Johannes e Laet [1637]. Roteiro de um Brasil
desconhecido: Descrição da costa do Brasil. Capa Editorial, 2007, p. 304. Segundo o lingüista holandês B.
N. Teensma “ pelas características litográficas e lingüísticas do texto holandês é provável que seja de
autoria de Willem Joster Glimer.
152
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espanhóis preferiam descarregar os seus metais de Potosi pelo Norte, por terra até
Cartagena e, daí em diante, por mar ate a Europa. Nesse sentido, o avanço holandês em
direção ao norte (Rio Grande, Ceará e Maranhão) viria a preencher essa lacuna. A
preocupação das coroas ibéricas com as capitanias ao norte de Pernambuco ficou
evidente quando, numa Carta Régia destinada ao Conselho da Fazenda em 1634, Filipe
III chamou a atenção para necessidade em se proteger o Rio Grande do Norte, Maranhão
e Grão-Pará. Havendo aprestado algumas embarcações em socorro de Pernambuco,
considerou em suas ordens o seguinte:
“E porque o Rio Grande há mister com que poder fazer oposição ao enemigo
para que não entre a terra adentro e nella lhe senhoria em que fica o Rio Grande
do Seare [Ceará] e D’Aly ao Maçanhão [Maranhão] e Gráo Pará que são praças
muy importantes. E de que podem tirar os enemigos grande proveito pelas
madeiras que aly há para fabricar navios e terá aly os milhores portos do Brasil
que seria do dano que se deixa hir se dessem por essas praças [...]” 404
Pelo visto os socorros vieram um pouco tarde, uma vez que os holandeses, já no
final do ano de 1634, estendiam as suas tropas à Paraiba e ao Rio Grande. A conquista do
Ceará e do Maranhão esperaria mais alguns anos. O importante é salientar que, tanto os
holandeses quanto as coroas ibéricas estavam cientes de suas fragilidades militares 405 e
da importância geo-estratégica das capitanias ao norte de Pernambuco. A consolidação da
conquista de Pernambuco era já meio caminho para a conquista da porção norte do
Brasil. Mesmo depois da saída dos holandeses do Brasil, em 1654, navios holandeses
freqüentavam o litoral do Rio Grande do Norte. Em 1662, um parecer do Conselho
Ultramarino dava noticias do contrabando de pau-brasil no litoral potiguar feito pelos
holandeses. O dito parecer registrava que os holandeses “vinhão carregar pao Brasil, que
naquelle sitio avia feito e deixado hú hollandéz, antes que à terra se rendesse aos nossos
404
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.127. “Carta Régia (minuta de capítulo) do rei
[D. Filipe III] ao Conselho da Fazenda, ordenando o envio de quatro esquadras das duas coroas com
homens, armas e munições, para socorrer a Capitania de Pernambuco, impedindo que o inimigo se espanhe
pelas Capitanias do Rio Grande do Norte, Maranhão e Grão Para”.
405
Idem. Segundo o mesmo documento: “ [...] a experiência tem mostrado que muita parte dos maus
sucessos que há havido no Brasil he por falta de cabeças que governem a guerra [...]
153
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406
[...]”. Em 1662, a costa do Rio Grande do Norte ainda era muito desabitada, o que
favorecia o contrabando.
Por outro lado, já que os holandeses não conseguiram conquistar a região do
Prata, valeria a pena investir mais se aproximar mais do Caribe. Um grande incentivo
seria, sem dúvida, a proximidade da frota da prata. Outra observação: tanto o relato de
um anônimo sobre a região do Prata como o relatório do conselheiro político convergem
numa coisa: no “desvio do comércio de Angola”.407
A captura da frota da prata na costa de Cuba, em 1628, representou um grande
golpe contra a Espanha, uma vez que os banqueiros genoveses passaram a investir menos
no negócio das minas. Assim, a casa de Madrid passou a compensar a falta de recursos
com o aumento dos impostos. Esse subterfúgio de Castela desagradou, sobretudo, aos
408
catalães e aos portugueses.
Antes mesmo desse episódio, em 1624, a WIC havia enviado uma expedição de
reconhecimento ao Caribe, com uma forca superior a 1000 homens. Logo em seguida,
409
atacaram a Bahia. Seis anos depois desta expedição ao caribe, algumas embarcações
que dela fizeram parte haveriam de estar em Pernambuco. As descrições que a WIC tinha
desde o Rio da Prata ao extremo norte do Maranhão municiavam- lhes de um
conhecimento relevante para se chegar ao Caribe. Do ponto de vista da navegação em si,
sair de Pernambuco rumo ao Caribe pode ser uma aventura, dependendo da época em que
se navegue. Segundo relatórios de navegação, em certos meses do ano, os ventos
Nordeste empurram as águas para o sul, dificultando a navegação em direção ao norte.
As viagens de navios holandeses para as Índias Ocidentais, partindo de
Pernambuco, começaram ainda na época dos “tempos difíceis”. Em abril de 1632, alguns
navios partiram em direção ao Caribe, num dos quais se encontrava o soldado Ambrósio
Richoffer, que registrou o percurso das embarcações pelas ilhas de Barbados, Santa
406
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_018, Cx.1, D.6. Parecer do [conselheiro do Conselho
Ultramarino] Feliciano Dourado, sobre uma devassa acerca do cntrabando de pau-brasil feito pelos
holandeses no poto de João Lostao, no Rio Grande do Norte.
407
Relatório do… , op. cit, p. 126.
408
BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo: do barroco ao moderno (1492-
1800). – Rio de janeiro: Record, 2003, p. 236. Paradoxalmente, essa vitória holandesa na captura da prata
espanhola, segundo o autor, complicava a situação da Companhia das Índias Ocidentais porque “com o
poder espanhol enfraquecido no Atlântico, parte se sua raison d’être deixou de existir – pelo menos aos
olhos daqueles excluídos de seus privilégios”.
409
Ibidem, Idem, p. 235.
154
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Lúcia, Martinica, São Domingos, São Martinho, Tortugas, Bonaire e Cuba. Junto aos 10
navios mencionados pelo cronista, haviam mais 4 navios carregados de açúcar de
Pernambuco. Estes, contudo, não fizeram escala no Caribe. 410 Nessa escala, os
holandeses carregaram suas embarcações com sal antes de voltarem aos Paises Baixos.
Algumas poucas viagens de navios saídos de Pernambuco em direção às Índias
Ocidentais foram registradas pela documentação. Em agosto de 1635, os navios De
Swaem, Erasmus, Mercurius e Ernestus receberam a missão de carregar sal e madeira em
Curaçau.411 Em setembro (dia 23), o navio Alkmaer, cuja carga não foi especificada,
também partiu rumo ao Caribe.412 Finalmente, poucos dias depois, o Westfrieslant,
acompanhado de uma chalupa, foi incumbido de completar a sua carga nas Índias
Ocidentais.413
Em linhas gerais, para além de uma concepção estatalista de administração, na
qual se detaca apenas os órgãos da administração em si, temos que o papel das
embarcações na promoção do pequeno comércio figura como um elemento da política
administrativa tão importante como a instituição de um Conselho Político. Assim, a
distribuição dessas embarcações, seja nas operações militares de reconhecimento, seja no
cotidiano dos kleine profijten entrava com a mesmo relevância da organização
burocrática em si na concepção de administração do período.
410
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diario de um soldado (1629-1632). – Recife: CEPE, 2004.
411
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
412
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
413
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.
155
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Capitulo III
O problema do abastecimento
1. A escassez de víveres
414
MELLO, Op. Cit, p. 191. O autor considera que a mudança da dieta do português em lugares de clima
tropical era “menos um resultado de uma capacidade especial de amoldação do que da impossibilidade de
obter um suprimento regular e abundante de trigo e outros víveres de origem européia”.
415
LAPEH. Projeto Resgate. Carta ao rei sobre o comércio e cobrança de direitos do sal no porto da Bahia
e a invasão dos holandeses à costa brasileira. [1640].
416
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/01/1637. Espalhados por diversos pontos da
conquista, a distribuição era a seguinte: 541 soldados nas guarnições do Recife; 231 na região dos
Afogados; 81 homens em Muribeca; 91 em São Lourenço; 257 no Cabo de Santo Agostinho; 289 em
Itamaracá; 665 na Paraiba; 137 no Rio Grande; Esse número, era elastecido, tendo-se ai o Groot leger
(grande exército), que elevava o efetivo para mais 2894 homens. Finalmente, soma-se o efetivo de índios
156
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mandioca também tinha uma importância relevante no abastecimento das tropas, visto
que abastecimento da Europa era, via de regra, insuficiente.
Ainda nos primeiros anos da conquista, a WIC, a partir principalmente de
campanhas militares, tomou conhecimento dos locais em que a mandioca era plantada.
Em meados de 1633, o Conselho Político enviou aos Paises Baixos um relatório no qual
discriminava os locais das rossas. Assim, tomou-se conhecimento da presença dessa
roças nas freguesias de Serinhaém, nas proximidades do São Francisco, e em Porto
Calvo. No relatório, consideram, em linhas gerais que do “rio São Francisco até Porto
Calvo, oferecem [as localidades] abundância de gado, tabaco, farinha e algodão”. Isso
para se referir a parte sul da capitania de Pernambuco. Em direção à Paraiba, temos que
as localidades não eram “mais desprovidas de farinha e gado”.417 Observaram bem os
batavos que “a farinha, proveniente da raiz mandioca, serve- lhe de pão, a aos naturais,
tanto portugueses como brasileiros, preferem- na ao nosso trigo”.418 Certamente, foram
essas localidades que forneceram farinha para as tropas que se aventuraram nas
campanhas de conquista da Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará.419
Apesar de elogiarem, ainda segundo o relatório do Conselho Político, a riqueza
alimentar do Brasil, os holandeses não deixaram de registrar que “a condição de perfeição
do Brasil nada deixa a desejar, senão trigo, vinho e azeite”. Contudo, os mesmos acharam
o trigo, no Brasil, “supérfluo”, devido à possibilidade de se produzir farinha de
mandioca.420 Em outra carta não deixaram de considerar a oportunidade de se diversificar
armados (600), de marinheiros com possibilidades de combater (1000) e do pessoal do trem de artilharia
(6000). Fica de fora, nessa contagem, o vliegende leger (exército volante) com mais 604 soldados.
417
Relatório do Conselho Politico aos Estados Gerais. 11/07/1633. In: Documentos Holandeses, op. Cit,
pp.118-120.
418
Idem, p. 122.
419
Evaldo Cabral de Mello chamou a atenção, em específico, para a campanha do Maranhão, em 1614, que
contou com bem menos de 3000 alqueires para uma tropa de 800 homens. Segundo ele: “Apesar dos
esforços do Governador [Gaspar de Souza], despachando oficiais da coroa pelas Freguesias de Pernambuco
para recolher farinha, os resultados ficaram certamente muito aquém dos 3.000 alqueires prometidos [...]”
Op cit, p. 192.
420
Ibidem. Idem. Sobre a possibilidade da cultura do trigo no Brasil, observaram que “não deu ainda
resultados satisfatórios nas vizinhanças da costa do mar; entretanto, como o Peru, que está situado sob o
mesmo grau, produz trigo em abundância, não há dúvida de que, se se quiser cuidar disso à serio (porque os
portugueses, só tendo em vista os lucros extraordinários da cana de açúcar, não se ocupam senão dessa
cultura), a terra não deixara, também a este respeito, de dar prova de sua fecundidade.
157
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a agricultura. Para tal, certa vez, a Ilha de Fernando de Noronha seria um lugar ideal
421
“para cultivar a terra [...] com todas as espécies de frutos e plantas”.
Do lado luso-brasileiro, Francisco de Brito Freire se referiu à falta de farinha no
Arraial do Bom Jesus da seguinte maneira: “dias houve que em que se deu de ração a
cada soldado uma só espiga de milho grosso”. Isso se deu justamente pela carência de
farinha de mandioca, “ordinário pão da terra, esperdiçada e despendida”. Nessa fase da
guerra, o preço da farinha aumentou vertiginosamente, de maneira que antes da refrega,
comprava-se um alqueire por um preço bem mais barato do que quando começou. O
cronista deixou claro o processo de fabricação da farinha e a sua possibilidade de se
conservar, quando seca, até seis meses. Finalmente, o lugar dessa provisão entre as tropas
422
era o melhor depois do trigo.
É possível que nas imediações das instâncias do Arraial Velho do Bom Jesus não
se encontrasse muitas provisões para abastecer as tropas de resistência luso-brasileiras.
Duarte de Albuquerque Coelho comentou a insatisfação de muitos, quando da decisão em
se construir a fortificação, pelo fato de se tratar de um local faltando “todo o necessário
423
para poder sustentar-se”. As considerações desses dois cronistas sugerem uma carestia
de farinha para se sustentar uma guerra de grandes proporções. Mesmo assim, no correr
da “guerra velha”, os holandeses conseguiam se apoderar, mediante saque, de provisões
nas vilas em que chegavam. Manuel Calado, ao descrever a entrada dos holandeses em
Porto Calvo, na ocasião da retirada do exército do Conde de Bagnuolo, observou que
424
“acharam muitas pipas de vinho e azeite e muita farinha”.
As tropas neerlandesas, antes da chegada de Mauricio de Nassau e do Alto
Conselho, contavam com o fornecimento de víveres também por parte dos vrijluiden
421
Relatorio de M. Van Ceulen e Johan Gyselingh aos Diretores da Companhia. 11/03/1634. Op. Cit. p.
151.
422
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitania: História da Guerra Brasílica. – ed. ataul. – São Paulo:
Beca Produções Culturais, 2001, p. 129. Vale destacar a descrição pormenorizada que o autor faz do
processo de produção da farinha de mandioca. “Esta farinha, que chamam comumente de pau, se faz de
uma raiz com nabo, cujo nome é mandioca. A mandioca divide-se em perluxas e diversas espécies de
outras plantas, com a mesma propriedade. Cresce de pequena estaca, ao igual das ervas que mais se
levantam da terra, sazonando-se em menos de um ano. O sumo é mortalmente venenoso. O amego lavado e
espremido se cose no forno em vasos largos, desfeito como o cuzcuz da Europa. Desta sorte lavram esta
farinha que, sustentando geralmente todo o Estado do Brasil, obram os índios de três castas: a que chamam
uitinga, uieçacoatinga e uiatá”.
423
COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da Guerra do Brasil. – São Paulo: Beca, 2003, p.
47.
424
CALADO, Manoel. O Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade. – Recife: CEPE, 2004, p. 57.
158
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425
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 17/01/1636.
426
Idem.
427
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 13/02/1636.
428
FREYRE, Gilberto. Nordeste: Aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do
Brasil. – São Paulo: Global, 2004, p. 69.
429
Idem. Sobre isso, observou Freyre que “Nem sempre tem sido idílicas as relações entre a gente e a água
desta sub-região do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homem, a água não falta nunca
(porque os rios verdadeiramente da mata nunca secam de todo nem os olhos d’água ficam estorricados),
mas onde `as vezes transborda desadorada e terrível. As grandes cheias deixam sem mocambo centenas de
gente pobre. [...] A água de repente se torna o maior inimigo do homem, dos bichos, das plantas”. p, 70.
159
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430
gozavam de uma boa dieta em alto mar. Na viagem para o Brasil, relatou o soldado
Ambrósio Richshoffer que, antes de embaracar com os seus companheiros de viagem:
“demos várias salvas e fomos novamente conduzidos para os transportes, depois de nos
havermos regalado com pão, queijo, manteiga, arenques frescos e cerveja, do que mais
431
tarde sentimos grande falta”. Já embarcados, o cronista nos informou acerca da
distribuição de víveres por pessoa:
“cada tripulante recebia 4,5 libras de biscoito, 0,5 libra de manteiga e um pouco
de vinagre. [...] Tinhamos por semana dois dias de carne e um de toucinho para o
jantar, junto com um prato redondo de favas, 0,5 libras para cada um; isto era aos
Domingos, Terças e Quintas-Feiras. Nos demais dias davam-nos um prato de
aveia mondada, ou cevada, ou ervilhas, e algumas vezes bacalhau, porém de tudo
tão pouco que dois homens com bom apetite teriam devorado as rações dos
oito”.432
430
SCHAMA, Simon. O desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, p. 179. Onde se lê: “Talvez o exemplo mais confiável do que os holandeses
entendiam por ‘suficiência decente’ – uma alimentação que evitasse os perigosos extremos da cozinha
gorda e magra – fosse o da cozinha dos navios. O passadio naval seguia rigorosamente as noções oficiais da
norma alimentar, pois os navio holandeses eram considerados pequenas repúblicas [...] Assim como se
orgulhava de seus navios impecavelmente, a Marinha holandesa também se empenhava em oferecer uma
alimentação que superasse o passadio miserável a que a maioria dos marujos estava condenada, sobretudo
em viagens longas. [...] Como os holandeses nunca recorreram ao recrutamento compulsório,
provavelmente a dieta generosa constituía forma de atrair tripulantes entre populações maritimas
estrangeiras e nativas”.
431
RICHSHOFFER, Ambrósio. O Diário de um Soldado. – Recife: CEPE, 2004, p. 9.
432
Idem, p. 14. Para agravar a situação, os tripulantes recebiam diariamente “uma medida de água, a maior
parte das vezes fétida, e cada tripulante recebia tres grandes queijos flamengos para toda a viagem”.
433
Richshoffer, op. cit. p. 57. Possivelmente, tratava-se de farinha de trigo e não de mandioca.
160
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caixas de açúcar, um número considerável de pipas, que são tonéis, com vinho de
434
Espanha”. No entanto, nenhum armazenamento de farinha de mandioca. O primeiro
carregamento de trigo que os soldados da WIC receberam após a invasão (dez meses
depois) foi trazido ao Recife pela embarcação Zuikerbrood, trazendo consigo também
435
biscoito.
Uma vez em terra, a situação seria bem diferente. Disputando o mesmo espaço,
holandeses e luso-brasileiros haveriam de encontrar melhor saída para o abastecimento de
seus efetivos. De início, levavam vantagens os luso-brasileiros, que contavam com a
ajuda de vivandeiros que plantavam roças nas imediações do Arraial Velho do Bom
Jesus. A ajuda alimentar vinda da Europa era mais difícil. Mais fácil era o envio de armas
e pólvoras. Em abril de 1630, ainda no início da presença holandesa em Pernambuco, um
decreto do Governador Geral do Brasil logrou enviar “300 arcabuzes e manufatura de 40
quintais de pólvora que é o que está resoluto vá nas duas caravelas que a conforme ao que
tudo isto importar se poder consultar a Vossa majestade fosse servido mandar dar o
436
direito necessário”.
O abastecimento da resistência luso-brasileira teria mesmo que vir do próprio
Brasil. Num outro decreto de 1630, o governador do Brasil recomendava, a título de
antecipação, a qualquer armada que fosse em socorro de Pernambuco que:
434
Idem, p. 73.
435
Idem, p. 96.
436
LAPEH. UFPE. (AHU. Codice 476. fl. 89v). Sobre o decreto do governador acerca do Socorro que se há
de mandar ao Brasil, pelo aviso que se teve de estarem 55 vilas de inimigos em Pernambuco.
161
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437
LAPEH. UFPE. (AHU, Cod. 476. fls. 126/127. 24/05/1630) Sobre se mandar ordem ao Brasil para se
provirem os mantimentos que antecipado para quando for armada que ha de ir de Socorro a Pernambuco.
438
MELLO, Op. cit. p. 194. “Mas da capitania de Itamaracá e de algumas freguesias de Pernambuco
chegava alguma ajuda: sobretudo em farinha e peixe seco. O autor também avaliou os racionamentos que
Matias de Albuquerque obrigara aos sitiados no Arraial, uma vez que “a escassez atingiu de forma
praticamente aguda a farinha de mandioca, devido ao abandono das roças pelos moradores que acorriam
para a defesa da capitania, tendo-se chegado a estreiteza de dar aos soldados a ração de uma única espiga
de milho”.
439
Idem, p. 195.
440
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/06/1635.
441
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/06/1635.
442
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/06/1635.
162
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443
SOUZA, Laura de Mello e. Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas
fronteiras e nas fortificações. In: História da vida privada na América portuguesa – São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p. 46.
444
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/06/1635.
445
Richshoffer, op. cit. p. 88.
446
Idem, p. 92.
163
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Artigos Em florins
1 pão 0.20
1 libra de carne 0.30
1 libra de toucinho 0,40
1 libra de queijo 0,40
1 libra de manteiga holl 1. –
1 quarta de feijão 0,15
1 quarta de ervilhas 0,15
1 quarta de cevadinha 0,25
1 libra de farinha de trigo 0,25
1 alqueire de farinha 1,50
1 libra de farinha de centeio 0,15
1 libra de presunto 0,40
1 libra peixe-salpreso 0,20
1 libra de bacalhau 0,15
1 quartinho de azeite 1,50
1 quartilho de vinho espanhol 1,50
1 quartilho de vinho francês 1. –
1 quartilho de conhaque 1,75
1 quartilho de cerveja da Zelândia 0,50
1 quartilho de cerveja de Delft 0,75
447
WAETJEN, op. cit. p. 478. Sobre o preço de alguns produtos, infere Waetjen: “ Quando porém os navio
tardavam, as colheitas eram más, o inimigo invadia o território da colônia ou a falta de numerário de
tornava sensível, então os preços dos viveres subiam rapidamente como se impelidos por uma potente
mola. Especialmnte os da manteiga, do queijo e do vinho. Estes três artigos eram os que sofriam mais fortes
oscilações no mercado de Recife e eram por isso objeto de especulação preferido pelos comerciantes livres
e judeus”.
448
Certamente esses preços foram avaliados para o periodo nassoviano, quando, segundo o autor, a partir
de 1640, trazia-se bacalhau para ser vendido no Brasil.
164
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449
MELLO, op. cit. p. 185. O autor constatou a pouca resistência do soldado do soldado vindo do Reino a
Pernambuco e notou a sua pouca resistência orgânica ao clima. De forma contraria, os soldados do norte da
Europa eram mais resistentes que os portugueses, agüentando mais o cansaço das campanhas.
450
SCHAMA, op. cit. p. 168. O contrário também é verdadeiro. Algumas comidas eram mal vistas,
principalmente pela religião calvinista. Observou Schama: “Especiarias exóticas, em especial as das Índias
Orientais, como canela e macis, com sua fragrância inebriante e sua origem paga (ao contrario das raízes e
legumes nacionais), podiam afastar os homens da culinária caseira e da moralidade comum. [...] Mas o
grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades
adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas medias, o açúcar
brasileiro alimentava o apetite dos holandeses por doces – apetite então já sedimentado.”
165
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451
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 11/05/1635.
452
Idem.
453
Fonte: Dagelijckse Notulen do ano de 1635.
454
Fonte: Richshoffer, op. cit.
166
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trouxe do Cabo de Santo Agostinho uma carga de 800 alqueires de farinha obtida
mediante pilhagem.455
A expansão da conquista levava inevitavelmente à necessidade de se aumentar o
aprovisionamento da tropas. Para se ter uma idéia, o comissário de bens Crispijnsz ficou
de aprovisionar o iate De leeuwerick para uma viagem de três meses e com uma
tripulação de 21 homens. Mais difícil ainda era prover o Forte Ceulen (Rio grande do
456
Norte) com mantimentos para 300 homens por três meses. Em agosto de 1635, foram
feitos pedidos de ervilha, feijão e cevada para 100 homens que estavam acampados em
457
Barra Grande (sul de Pernambuco).
Uma relação a ser feita é a que diz respeito ao crescimento do pequeno comércio
e o abastecimento de víveres vindos dos Paises Baixos. À medida que mais bens de
comércio eram enviados para o Brasil, menos espaço sobraria nos navios para os víveres
e provisões.
O arrefecimento da guerrilha no sul de Pernambuco diminuía, pelo menos por
hora, o ritmo de campanhas naquela área. Mas certamente outras frentes de combate
haveriam de ser abertas. Em setembro de 1635, o Conselho Político dispôs o seu “plano
de ocupação” para diversas partes da conquista. Nesse plano, a distribuição das tropas era
a seguinte: Rio Grande do Norte (200 homens), Maranguape (150), Paraiba (700),
Itamaracá (400), Recife e fortificações em torno (700), Cabo de Santo Agostinho (250),
Barra Grande (200), Porto Calvo (200). Para o Rio São Francisco e Peripueira, mais ao
sul, as projeções seriam de 400 soldados no primeiro e 200 no segundo ponto. Isso
458
perfazia um total de 3500 homens em fortificações.
Um exemplo da dinâmica do abastecimento e suas exigências: num dos relatórios
dos quais se serviu a WIC para se conhecer mais o Brasil, a recomendação era que, após
a conquista, seria necessário “deixar uma guarnição adequada na fortaleza, fortificá- la
contra as violências, aprovisioná- la de todo o necessário”. Neste relato, fornecido por
indígenas levados à Holanda, aparecem “recomendações” de como se conquistar o Rio
Grande e estabelecer contato com as tribos das proximidades. Para tal, os navios
455
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
456
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
457
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
458
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen. 17/09/1635.
167
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deveriam estar carregados, além dos víveres, de mercadorias de troca (cargasoen) para o
trato com os tapuias e brasilianen. Sobre os recursos locais, os informantes ainda
opinaram para que a WIC não duvidasse de que “eles [os indígenas locais] contenham
boa quantidade de farinha, ervilhas, feijão e outras vitualhas dos selvagens para mandar a
459
Pernambuco”.
De fato, quanto mais distante do Recife ficasse qualquer conquista holandesa,
melhor pensado deveria ser o aprovisionamento, uma vez que a navegação nem sempre
era favorável em determinadas épocas do ano. Para o rio Grande do Norte, por exemplo,
devia-se evitar a navegação nos meses de setembro-outubro- novembro, ocasião em que a
monção de verão (que trás o vento do nordeste) empurra as águas para o sul.460 Diante
desse quadro, qual seria a estratégia de aprovisionamento da WIC nos anos seguintes?
Retomando ao tema da produção de farinha de mandioca, temos que os
holandeses, desde os relatos de Adrien Verdonck, ou até antes, haviam tomado
conhecimento das áreas de cultivo. Assim, foi reportado sobre a região do São Francisco,
que as pessoas “fazem também ali bastante farinha”. Nessa área, muito embora a
produção de açúcar seja inexpressiva (se comparada aos engenhos da Várzea ou da região
do rio Una e do rio Serinhaém), a mandioca dividia o solo com o fumo.461 Já em Alagoas,
nos informes do cronista, produziam e plantavam “a maior parte da farinha que vem para
Pernambuco”. Além da farinha, também produziam bastante fumo e comercializavam
462
muito pescado seco e outros gêneros alimentícios. Da mesma forma, Porto Calvo e a
região do Rio Una tinham, além de muito gado, “bastante farinha”. Esta última, com a
463
peculiaridade de se produzir milho. Serinhaém e Ipojuca, além de muitos cereais e
459
“Descrição da costa do noroeste do Brasil entre Pernambuco e rio Camocipe, do Relatório dos
brasilianos seguintes: Gaspar Paraupaba do Ceará, de idade de 60 anos; Andrés Francisco do Ceará, da
idade de 50 anos; Antônio Paraupaba de Tubussuram, que fica na distancia de 2 dias no interior da Paraiba,
da idade de 30 anos; Pedro Poti, da idade de 20 anos” [1629]. In: DE LAET, Johannes. Roteiro de um
Brasil desconhecido: descrição das costas do Brasil [1637]. KAPA Editorial, 2007. O relatório data do ano
d 1629.
460
Correntes e ventos na costa do Brasil e entre Angola. In: DE LAET, op, cit, p. 110.
461
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraiba e Rio
Grande. 20 de maio de 1630. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil
Holandês. – Recife: MEC/IPHAN, 1980, p. 35.
462
Idem, p. 36.
463
Idem, p. 36/37.
168
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pau-brasil, também pareciam ser bons fornecedores de farinha. 464 No litoral sul de
Pernambuco, no tocante a produção de gêneros, o Cabo de Santo Agostinho parece ser a
exceção, uma vez que
“quanto a cereais, farinha, fumo, gado e peixe quase nada vem dali porquanto os
habitantes apenas plantam, fabricam, criam e pescam o necessário ao seu
consumo, dedicando-se principalmente à cultura da cana”.465
464
Idem, p. 37/38.
465
Idem, p. 38.
466
Idem, p. 39.
467
Idem, p.44.
468
Relatorio de Joannes van Walbeeck. In: DE LAET, op. Cit. p. 159.
169
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Do lado holandês, podemos dizer que em quase todas as campanhas empreendidas até
1635, era com o escasso trigo e outros cereais dos Países Baixos que teriam de contar os
soldados da WIC.
Certamente, quase todos estes pontos da capitania de Pernambuco situados acima
forneciam farinha aos sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus no inicio da guerrilha.
Todavia, não dispomos de dados da produção de mandioca por localidade. É de se supor
que ela tenha sido baixa, mesmo levando-se em consideração as localidades que
remetiam farinha para o Recife. Lembremos que a população de Olinda foi para o Arraial
se juntar à resistência, aumentando assim a necessidade de víveres. A guerra de
resistência pôs fim à regularidade da produção de farinha tanto dos locais próximos ao
Arraial, como do sul da Capitania de Pernambuco. Com alguma possibilidade, deve ter
sido retomada após a queda do Arraial em Goiana, Itamaracá e na Paraiba.
A emergência dos kleine profijten nos anos 1635 e 1636, que trouxe consigo um
maior dinamismo do comércio interno, também possibilitou a que se pensasse no
próximo passo para a produção dos víveres, que passava principalmente pelo incremento
da produção de farinha de mandioca. Pelo menos até a chegada de Mauricio de Nassau e
do Hooge Raden (Alto Conselho), no período acima citado, havia tempo de plantar as
primeiras roças. Com o retorno de muitos moradores para suas casas, ressurgia não só a
possibilidade de se plantar e colher o açúcar, mas de, aos olhos da Companhia, direcionar
a plantação de mandioca para uma escala certamente maior do que se fazia antes da
invasão. Antes deste, não apenas Pernambuco, mas também a Bahia consumia gêneros
alimentícios da Capitania de São Paulo, sobre o que escreveu John Monteiro. A
dificuldade de abastecimento de gêneros mesmo antes da invasão holandesa se devia,
sobretudo, ao aumento pari passu da população branca e livre com o conseqüente
469
MELLO, op. cit. p. 187.
170
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aumento da produção açucareira em fins do século XVI e inicio do XVII. Existia então,
como bem estudou John Monteiro, um “circuito comercial intercapitanias”. A ocupação
holandesa viria a tolher este abastecimento e, em contrapartida, tentar suprir a falta
470
daqueles gêneros. Como veremos adiante, dentro da finalidade da Companhia das
Índias Ocidentais no Atlântico, o problema do abastecimento de gêneros em geral, e da
produção de farinha, em particular, era um problema interno e externo à conquesten
holandesa.
“Não há profusão nos seus alimentos, pois podem sustentar-se muito bem com
um pouco de farinha e um peixinho seco, conquanto tenham galinhas, perus,
porcos, carneiros e outros animais, de que também usam de mistura com aqueles
mantimentos [...] Tem belíssimas frutas, como laranjas, limões, melões,
melancias, abóboras, pacovas, bananas, ananazes, batatas, maracujá-açu,
maracujá-mirim, araticum-apê e o belo e mais delicioso dos frutos, a mangaba e
ainda vários legumes, milho, arroz e outros mais, de que fazem diversidade de
confeitados. Estes são muito sãos, e deles comem em quantidade”.471
Esse relato se deu um ano após a chegada de Nassau e os seus conselheiros. Afora
a farinha e o peixe seco, a variedade alimentar existia incorporando-se à cultura local os
470
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. – São
Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 100. Sobre a expansão bandeirante no Planalto Paulista e a
economia açucareira observou o autor: “Com o advento do século XVII, estes movimentos vieram ao
encontro de dois impulsos externos. Primeiro, o rápido crescimento da economia açucareira a partir de
1580, sobretudo nas capitanias de Pernambuco, Bahia e, em escala menos, Rio de Janeiro, fez surgir nas
zonas secundárias oportunidades para criadores de gado e produtores de gêneros de abastecimento”.
471
Breve Discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de
Janeiro de 1638. In: MELLO, op. Cit, p. 109.
171
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gêneros holandeses. Dois anos depois, foi o Alto Conselheiro Adrien van der Dussen que,
no seu relatório, dedicou à mandioca um tópico à parte. Dussen ressaltou, em comparação
aos cereais dos Países Baixos, a mandioca, dado que no Brasil deve-se apenas “lançar à
terra as sementes para colher as sementes: lá se planta o que não se aproveita do arbusto,
sem que nada se perca da raiz ou do que serve para alimento”.472
Como se observou anteriormente, o abastecimento de víveres vindo dos Paises
Baixos era, quase sempre, insuficiente aos soldados da WIC no Brasil. No ano que
antecedeu à vinda de Nassau, 1636, aproximadamente 18 embarcações trouxeram
víveres, mas trouxeram também mais soldados, munições e mercadorias para serem
vendidas aos vrijluiden. No final das contas, era constante a falta de alimentos para as
tropas. Soma-se o fato de que, nos anos de 1635 e 36, o envio de mantimentos para as
tropas estacionadas no litoral sul da capitania de Pernambuco era cada vez mais
necessário. (ver anexo I)
O deslocamento das tropas para o sul da capitania, ao mesmo tempo em que
exigia mais provisões para os soldados do front, fez com que as freguesias mais próximas
ao Recife ficassem um tanto afastadas da guerrilha. Aos poucos, locais como a Várzea e
Igarassu, por exemplo, começaram a ser ocupados por luso-brasileiros que aceitaram a
dominação batava e retomaram a produção de açúcar. E é no esteio da retomada da
produção de açúcar, que Nassau e o Alto Conselho procuraram, nas propriedades
daquelas freguesias, o incremento da produção de farinha de mandioca.
Entretanto, antes mesmo da execução desse intuito, a transição entre a “guerra
velha” e a nova ordem imposta por Nassau viveu um período de transição em que as
propriedades eram retomadas, ou por novos senhores de engenho ou até mesmo por
autoridades militares ou civis holandesas. Mas o início da produção sistematizada de
farinha não se deu de forma monolítica e sem problemas. Pelo contrário, implicou numa
473
relação tensa entre os administradores e a população local.
Em 1637, a conquista em Pernambuco foi dividida em quatro jurisdições
(jurisditien), cada qual contendo uma câmara que a representasse. No primeiro relatório
472
Relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no Brasil, apresentado pelo Senhor Adriaen van
der Dussen ao Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdam, em 4 de abril de 1640. In: MELLO, op, cit. p.
198.
473
Sobretudo, senhores de engenho.
172
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474
Breve discurso sobre o Estado das quarto capitanias conquiatadas, de Pernambuco, Itamaraca, Paraiba e
Rio Grande, situadas nap arte setentrional do Brasil. In: MELLO, Fontes para a História do Brasil
Holandês.
173
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475
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 26/05/1637. Este cálculo não leva em consideração
os bois e os escravos. O cálculo para a produção do engenho em questão era para 25 tarefas de cana-de-
acucar, que poderia render 500 arrobas de açúcar.
476
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/11/1637.
174
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Parece que esta forma de “cota fixa” também valia para os holandeses, sobretudo
quando se trata de um exército cuja maioria do efetivo estava confinada em fortificações.
Prática de aprovisionamento européia aplicada no Brasil nassoviano.480
O preço do alqueire de farinha, por volta de 1642, foi fornecido por Johan
Nieuhof, segundo o qual
477
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 12/04/1639. Onde se lê: “Welcke alles
geconsidereert sijn goet gevonden de bovengesegde freguesias te remitteren, de hefte van de farinha daer
opgefinteert waeren”.
478
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/07/1639.
479
CABRAL DE MELLO, Evaldo. Olinda Restaurada, op. cit. p. 193.
480
Idem. Paro lado luso-brasileiro, o kontribuitionsystem, segundo o autor, foi adotado sobretudo a partir
de 1635, quando o exército estava acampado ao sul da Capitania de Pernambuco.
175
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“o governo dá por mês aos soldados holandeses e nativos meio alqueire (7 litros)
de farinha, a cada um. O preço do alqueire, na média, regula quatro florins, ora
mais ora menos”.481
481
APUD. Waetjen, op. cit. p. 446.
482
Watjen, op. cit. p. 447. O autor também assegurou que a remessa de farinha de trigo não cessou mesmo
com a produção de farinha de mandioca.
483
Idem. P. 447.
484
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 22/07/1639. No qual se lê: “ De Heer colonel Coin,
rappoteert mede soo dat volgens de Commissie hem opgeleyt, hij de rossas hadden doen texeren in de
fregasie van Serinhain ende onder alle de invonders bevonden te sijn 175670 covas van achtman den ende
176
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daer em boven out, welck getaxeert, nae consideratie van iegelijcx gront ende vruchtbaerheijdt als desselfs
sullen t samem aen de compagne binnen den tijt van een maent uitleveren 3.200 alquer farinha”.
485
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 26/07/1639.
486
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 23/08/1639. Na qual se lê: “ Alsoo de Schepenen
van Olinda met haer districten nos lijsten hebben overgelevert hoe veel farinha de volgende freguesias os
souden leveren uit de mandioques die boven de 8 maenden out sijnd te weeten: Moribequa (876 alquires);
St Amaro (828), de Varges (253 ½), Biberibe (76 ½); Paratibi ende Jagoaribi (285)”.
177
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487
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 08/11/1639. Quem enviou as cartas se referindo às
dificuldades do abastecimento de farinha nas diversas guarnições foram o Coronel Coin (Serinhaém), o
Capitão Preston (Una), Major Piccart (Paraiba), Capitao Preston (São Lourenço), Major Mansfeld
(Alagoas) e o Diretor Bas (Porto Calvo).
488
Segundo Sérgio Buarque de Holanda, “o sucesso de um tipo de colonização como o dos holandeses
poderia fundar-se, ao contrário, na organização de um sistema eficiente de defesa para a sociedade dos
conquistadores contra princípios tão dissolventes. [...] O que faltava em plasticidade aos holandeses
sobrava-lhes, sem dúvida, em espírito de empreendimento metódico e coordenado, em capacidade de
trabalho e coesão social”. Ref. Raízes do Brasil, p. 62.
178
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489
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 29/05/1635.
490
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 13/09/1635.
179
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“O Senhor Stachouwer proprõe, tendo em vista que nós não temos condições de
comprar bastante farinha por causa da escassez de meios líquidos e tendo em
vista que a farinha de trigo que chegou aqui em abundância não é tão nutritiva
como a farinha de mandioca, se não é aconselhável fazer uma troca da farinha de
trigo pela farinha de mandioca com os portugueses [...] o mesmo foi aprovado
sob a condição de que no mínimo a troca seja feita pela mesma quantidade de
farinha de mandioca que temos em farinha de trigo, isto em benefício da
Companhia”. 492
180
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493
preparavam uma armada para atacar o Recife. Nas recomendações que foram dadas
aos comandantes de diversas guarnições, um delas era de que deveriam, através de seus
aprovisionadores, juntar toda a farinha disponível para a possível utilização em
campanhas. Assim fez os Comissários de Bens Hondius e Alber Gerritz com a farinha do
Cabo de santo Agostinho. Era necessário se ter provisões para os 12 navios que serviam
494
na ocasião no Brasil.
Apesar das reclamações dos chefes das diversas guarnições, em novembro de
1639 na Paraíba, os escabinos mandavam dizer que poderia se esperar muito da
contribuição da capitania, porém não informando a quantidade de farinha a ser
produzida.495 O aviso vinha em boa hora para as guanisioen (guarnições) que estavam
estacionadas lá. Um mês depois, o conselheiro Daniel Alberti informava que se
esperasse, num curto prazo, a quantia de trezentos alqueires de farinha. A população
496
local, na falta do produto, se sustentava com milho e bananas.
De uma forma geral, pouco se sabe acerca da adaptação dos soldados da
Companhia das Índias Ocidentais à farinha de mandioca. É possível, contudo, que nem
todos os soldados se afeiçoassem à raiz. Pelo menos na crônica de Pierre Moreau, a
farinha de mandioca “causa aos europeus, quando se alimentam sempre dela, o mesmo
efeito: ataca e ofende o estômago e, com o correr do tempo, corrompe o sangue, muda a
497
cor e debilita os nervos”. Talvez possamos ver com reservas as considerações de
Moreau, uma vez que suas crônicas se referiam à fase final da ocupação holandesa no
Brasil, numa fase de grande desestruturação da produção de víveres. Soma-se o fato de
que é possível que os víveres que viessem dos Países Baixos estivessem estragados,
provocando problemas de saúde aos soldados que os consumissem. Esse exemplo já
vimos nos primeiros anos da ocupação, sobre os quais nos referimos anteriormente. Mas
Pierre Moreau nos dá uma outra pista, que é a de que o Recife e a Cidade Maurícia
493
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 13/11/1639.
494
Idem, eram os navios De Witte Leeu, Tertoolen, d’Eendragt, de haes, Westwouderkerk, De Prins, Prins
Hendrick, de Hoope, de Saeijer, de Stockvis e Soutkas.
495
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 21/11/1639. Onde se lê: “De schepen van Paraiba
van wegen de gemeente der selver Capitanie remonstreren dat haer landen soo veel farinha met connen
uitgeven als tot behouff van guarnisoen ende haere families van noode hebben…”
496
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen. 21/12/1639.
497
MOREAU, Pierre. História das ultimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses e relação da
viagem ao pais dos tapuias (Roulox Baro). – Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1979, p. 46.
181
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Para Gonsalves de Mello, havia mesmo “um programa” de Mauricio de Nassau para
501
combater a monocultura, tendo como principais opositores os senhores de engenho. A
atividade açucareira, com toda a sua complexidade, exauria a mão-de-obra escrava. No
final das contas, não dava tempo aos escravos de trabalharem na plantação e corte da
cana e, na entresafra, produzir a finta de 500 covas exigidas pela administração
superior.502 Vale salientar que os lavradores ficavam com a obrigação de fornecer 1000
alqueires de farinha.
498
Idem.
499
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit Brasilie. 1640. onde se lê: “ in forten sonder
vivres, daer de ratten in de magasijnen van honger sterven”.
500
MELLO, op. cit. p. 152.
501
Idem, p. 153.
502
Segundo Mello, “já ficou referido que, em 1637, os Vereadores da Câmara de Olinda previram uma
fome geral, porque os moradores haviam alugado os seus negros para a plantação de canaviais. Em 1639 os
senhores de engenho e lavradores alegaram que não poderiam plantar, ao todo, 500 covas de mandioca por
escravo nos meses de janeiro e agosto, porque em agosto e setembro os negros estavam ocupados com o
corte da cana, o seu transporte,a moagem etc.”
182
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503
WAETJEN, op. cit. p. 487. Sobre o numero de escravos encontrados pelos holandeses em Pernambuco
quando da invasão em 1630, considerou Hermann Waetjen: “muito longe estavam de satisfazer às carências
de trabalhadores escravos para o serviço agrícola na colônia”.
504
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
183
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imaginar que o incremento da produção de farinha por Nassau tivesse se dado mais pela
necessidade de abastecimento imediato das tropas do que mesmo pela preocupação do
príncipe em acabar com os malefícios da monocultura. Homem de Guerra, prático nas
estratégias, Nassau saberia bem procurar alternativas para encontrar recursos locais de
abastecimento. Antes mesmo de vir ao Brasil, ele estava bem informado do hábito da
plantação de farinha pelos moradores.
A falta de farinha atingia sobretudo a população civil mais pobre. Dois anos após
as publicações dos editais para a produção de farinha, o Alto Governo informava que
“não se podia mais obter farinha e carne da terra” e que “a farinha disponível chegava
505
agora ao fim”. Na substituição da farinha, alimentavam-se de milho.
Por vezes, a Companhia contava com algum apresamento. Em 24 de abril de
1640, o navio holandês Alckmaer chegou ao Recife trazendo uma caravela que cruzava o
litoral da Bahia com uma boa carga de víveres. A embarcação havia saído de Lisboa no
dia 5 de fevereiro transportava trigo, óleo, bacalhau e outros produtos. O apresamento foi
comemorado por Nassau e o Alto Conselho, principalmente quanto ao bacalhau, dada a
“necessidade de carne em diversas partes, as quais serão supridos por mais 4 ou 5
506
semanas”.
As campanhas militares empreendidas além do rio São Francisco causavam
diversos males a população civil. Em meados de 1640, Nassau expediu uma structie ao
Coronel Hans van Koin que comandou uma expedição ao norte da Bahia (noord qwartier
van Bahia) e, uma de suas ordens era a destruição de plantações de mandioca que
507
encontrassem pela frente. Isso ficou bem especificado no artigo 9 da Instrução. Por
505
Idem. Onde se lê: “de farinha en vlees is niet langer uit lant te becomen, men moet de armen
inwoonderen die maer twee aff 3 koeyen hebben om van de melck met haer kinderen t eleven deselve
affperssen, jae met gewelt nemen ende noch sijnder soo qualijck meer te krigen. De farinha is nu ook gans
te eynde […]”
506
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 7 de Maio de 1640. Onde se lê: “De bekomene bacaljau slaecht ons seer wel in dese in
dese schaersheyt van beesten, om dat wij het gebreck van vlees in verscheyden plaetsen binnen t’lands
daermede voor 4 aff 5 weecken suppleeren, doende aen yder 3 tt visch tot 5 stuyvers tt ter weecke tot
rantsoen uitgeven”.
507
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. “Instructie van wegen sujn Excie voor
den Ed. Gestrengen Hans van Koin Colonel gaende als hooft ende generael commando hebbende over de
troupen ende de scheepen die men voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontrent op des viants boden, dese
naest maenden te doen begienen ende onderhouden” Recife, 23 de maio de 1640.
184
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vezes, a remessa de víveres era prejudicada pelo fato da mercadoria se estragar. Certa
vez, o navio do vrijluiden Abrahan Geurtsen, perdeu mais da metade de sua carga.
A insuficiência do abastecimento de farinha de mandioca pode ser percebida pela
falta da farinha de trigo. Em meados de 1641, Nassau e o Alto Conselho confirmou
claramente que “o trigo é o mais necessário de todos os mantimentos e é o que agente
mais espera que se traga”.508 A expectativa do “pessoal de guerra” (krijsvolck) pode
indicar mesmo a preferência que os soldados da WIC tinham pelo trigo em detrimento da
farinha de mandioca. Isso reforça a opinião exposta acima por Pierre Moreau, da
inadaptabilidade dos soldados da Companhia à raiz da terra.
As dificuldades alimentares do “pessoal de guerra”, contraditoriamente, geravam
algum dividendo para a própria Companhia, uma vez que na falta de comida, “gastavam
509
os seus penningen nos armazéns” da Companhia. A dieta era complementada pelo
estoque de peixe enviado dos Países Baixos que remanesciam nos armazéns da WIC. A
carne de boi atingia um alto preço em razão da carência de animais. Muitos deles estavam
510
sendo utilizados em atividades nos engenhos (moagem e carro de boi).
Em Angola, as tropas holandesas sitiadas em Luanda compravam mantimentos
dos portugueses que ocupavam o interior ao longo do rio Kuanza e nas regiões
Massangano e Cambambe. Também lá, como bem observou Alberto da Costa e Silva,
quando ambas as partes não estavam em conflito, faziam comércio entre si. Dessa forma,
os holandeses compravam aos portugueses principalmente manteiga, queijo e azeite.511
Na África centro-ocidental, as brigas intertribais influenciavam bastante o abastecimento
dos soldados da WIC. Enquanto em Pernambuco fornecimento de farinha enquanto
gênero de primeira necessidade era prejudicado pela insuficiência do solo e destruição
das roças por campanhistas luso-brasileiros, nas proximidades de Angola, os portugueses
508
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 1641. Onde se lê: “ Het meel is het noodigste van alle vivres, dat best kan verwaert
worden, ende aen den man gebracht worden”.
509
Idem, “ …, dan hare penningen in de magasijnen te besteeden. Met de stockvis die bij Uwe Ed e.
gesonden wort…”
510
Idem.
511
SILVA, Alberto da Costa. A manilha e o libambo: a Africa e a escravidao (1500-1700). – Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 466.
185
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construiram um arraial na foz do Rio Gango (por volta de 1643) com o fim de destruir as
512
terras que os congueses cultivavam para abastecer os holandeses.
Tudo leva a crer que, na África, a destruição sistemática de roças como tática de
guerra de ambos os lados era mais prejudicial aos holandeses que mesmo aos
portugueses, de forma que é bem possível que a WIC houvesse recorrido aos víveres do
Brasil. No entanto, a carestia alimentar teve mais uma “solução local”, de forma que os
holandeses sentiram-se obrigados a negociar com os portugueses um comércio sem
hostilidades. Finalmente, para Alberto da Costa e Silva, “teriam sido, aliás, as
necessidades de abastecimento – em torno de Luanda, a terra era sáfara e pouco produzia
– o que moveu os flamengos a negociar o documento”.513
A farinha de mandioca poderia alimentar os escravos nas viagens de volta ao
Brasil. Nessa perspectiva, o aumento do tráfico de escravos a partir da conquista de São
Jorge da Mina pela WIC poderia ter demandado uma quantidade cada vez maior de
farinha. A troca deste produto por escravos pode ter sido, o que não foi regra, efetuada a
partir da segunda década do século XVII em Angola pelos portugueses.514
Sobre os números do comércio de escravos, tem-se como valor estimado a
quantidade de pouco mais de 23 mil “peças de negros” (stucks negros) entre os anos de
1636 e 1645. O auge da importação de escravos se deu no ano de 1644 (5.565),
515
coincidentemente o último ano da presença de Nassau no Brasil. Mas o local de onde
provinham os escravos vindos para o Brasil não eram os mesmos. Mesmo após a
conquista de Luanda, em 1641, muitos escravos provinham dos portos mais ao norte, da
Costa da Guiné, Mina, dos portos de Calabar, do Cabo Lopez e de Ardras. Antes da
conquista de Angola, em 1641, e mesmo bem antes de se dedicarem ao tráfico negreiro,
conheciam bem os portos ao sul do Cabo Lopez para adquirir sobretudo marfim. Mesmo
estabelecidos na Mina e em Axim, a WIC procurava controlar, como destacou Alberto da
Costa e Silva, “os escoadouros do ouro”. O mesmo também observou que, mesmo em El
512
Idem, p. 469.
513
Idem.
514
Idem, p.864.
515
WAETJEN, op. cit., p. 487. A tabela de escravos vendidos no leilão do Recife e apresentada por
Hermann Waetjen é fruto de informações colhidas no “Anuário Historico Hanseático de 1913”.
186
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Mina, os holandeses iam pegar escravos sobretudo na Senegâmbia para não esbarrarem
nos territórios dominados pelo manicongo. 516
Tabela II
516
COSTA E SILVA, op. cit. , p. 664.
187
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Entre março de 1641 e novembro de 1642, foram registrados pelo menos seis
carregamentos de escravos provenientes daquelas partes. Em pouco mais de dois casos, a
517
carga humana veio de Angola. No ano de 1643, a freqüência era maior dos navios
provenientes de Angola. Um deles, o conhecido Walckeren, trouxe ao Recife nada menos
518
que 595 escravos. Vale acrescentar que até a data do leilão, na Rua dos Judeus, a
alimentação dos escravos ficava a cargo da Companhia. Muitas vezes, os escravos
ficavam até uma semana sob responsabilidade da WIC.
A viagem entre Angola e Recife durava aproximadamente 35 dias, já a de El
Mina e Recife demorava mais um pouco. Era necessário prover os escravos durante, pelo
menos, mais de 30 dias. Dada a situação de penúria porque passavam os soldados da
WIC no Brasil, não é de se surpreender que os editais para plantação de mandioca
exigidos por Nassau e o Alto Conselho a partir de 1639 fossem para os escravos do
tráfico. Soma-se o fato de que, dependendo de onde viessem no interior da África, é bem
possível que alguns escravos não tenham se adaptado à dieta da farinha de mandioca nas
519
viagens e no Brasil.
Em se tratando da troca de produtos, por escravos, no caso dos holandeses, vários
produtos comprados em Gênova a baixíssimo custo eram levados para os portos do
520
tráfico.
Votando ao abastecimento de farinha de mandioca, temos que as poucas milhares
de covas que poderiam ser produzidas pelas freguesias de Pernambuco e Paraiba fossem
517
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 1641 (8 de março, 30 de junho, 21 de novembro) e
1642 (7 de fevereiro, 11 de março, abril, 08 de agosto e novembro).
518
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 20/10/1643.
519
COSTA E SILVA, op. cit. p. 870.
520
WAETJEN, op.cit., p. 486. Outros produtos eram trocados por escravos nos portos africanos tais quais:
a cachaça, o fumo, búzios do litoral baiano, pólvora, etc. Ver. Costa e Silva, op. Cit. , p. 865.
188
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insuficientes para abastecer os escravos na viagem atlântica, numa média de pouco mais
de mil peças ao ano. Não bastava a Nassau conquistar o principal ponto de desembarque
de escravos para as Américas. Em principio, a estratégia militar que levou, logo após a
aclamação de D. João IV ao trono, os holandeses a se apoderarem de Luanda foi um
sucesso. Luis Filipe de Alencastro descreve bem as estratégias da WIC até chegar a
conquista de Luanda, em 1641. Segundo ele,
A tomada de Angola veio num bom momento não apenas do ponto de vista do
abastecimento dos engenhos de Pernambuco pela WIC, mas também pelo fato de os
escravos daquela região estarem mais acostumados à dieta da farinha de mandioca na
viagem transatlântica do que aqueles dos portos da Guiné, mais ao norte de Luanda,
como já foi dito.
O tempo que os navios europeus ficavam nos portos africanos até completarem a
carga de escravos requeria da WIC a manutenção de víveres para a tripulação, agravando
522
assim o abastecimento das tropas. Como um exemplo, temos o navio Nassau, que veio
de São Tomé e da Costa da Guiné em agosto de 1642 e novamente da Guiné em janeiro
de 1643.523
No entanto, o cotidiano da ocupação de Angola e adjacências revelou as suas
armadilhas. Da mesma forma que a WIC não conquistou de pronto o interior de
Pernambuco, em Angola, a interlândia permanecia sob o controle dos portugueses. Nas
freguesias de Igarassu, Serinhaém e na Várzea do Capibaribe é possível que alguns
521
ALENCASTRO, op. Cit. p. 213.
522
Segundo Alberto da Costa e Silva: “Era comum que um navio chegasse a um porto e nao encontrasse
senão alguns poucos escravos disponiveis. Tinha com freqüência de esperar semanas ancorado, para por a
bordo uma ou duas dezenas, muitas vezes a adquirir as peças por unidade, dia a dia. Em geral, velejava de
ancoradouro em ancoradouro, ao longo do litoral, a comerciar em cada um deles, nisto podendo ganhar
meio ano, antes de completar a carga”. P. 867-868.
523
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 26/08/1642 e 26/01/1643.
189
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524
IAHGP. Coleção José higino. Brieven en Papieren uit Brasilien. Dez/1643.
525
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo 2, p. 103.
190
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trazido pelos holandeses “permitiram alimentar populações urbanas cada vez mais
numerosas na Europa Ocidental, e não apenas em tempos de crise”. 526
No Brasil, a possibilidade em se produzir a farinha de mandioca em larga escala
também guardava as suas limitações. A montagem do sistema colonial baseado na mão-
de-obra escrava veio a incrementar o uso da terra na subsistência das populações
escravas. Antes da instalação desse sistema, a produção de mandioca levada a cabo pelos
tupi no litoral não era intensa e não disputava terras com a cana-de-açúcar. Waren Dean
fez uma precisa obervação sobre este pormenor importante ao dizer que “os tupis não
submetiam seus vizinhos a escravidão e tributo, o que poderia ter estimulado o uso mais
intensivo da terra”. 527 Outra observação precisa desse mesmo autor acerca da “produção”
de mandioca pré- monocultura da cana diz:
“Os tupis conseguiam produzir excedentes e estocá-los. O método mais fácil era
simplesmente deixar de colher as raízes de mandioca que amadureciam. Os
estoques assim preservados ficavam mais a salvo de saqueadores e pragas,
embora começassem a perder palatabilidades e qualidades nutritivas após alguns
meses. Na verdade, os solos podem ter sido avaliados em parte segundo a
capacidade de armazenar mandioca. [...] É evidente que suas reservas de
alimentos eram enormes: proviam facilmente grandes frotas espanholas e
528
portuguesas em trânsito com os gêneros alimentícios para a viagem de volta.”
526
FLANDRIN, Jean-Louis. História da Alimentação. – São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p. 537.
527
DEAN, Warren. A Ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. – São Paulo:
Comapnhia das Letras, 1996, p. 49.
528
Idem.
529
MELLO, op. cit., p. 195.
191
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192
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“S. Excia. [Nassau], tendo refletido nessa questão e inquieto com a demora na
remessa de socorros e temendo que agora e no futuro todo este Estado possa estar
ameaçado, pois que, não obstante os editais publicados acerca da plantação de
mandioca, a farinha continua por um alto preço, propôs em nossa reunião de 28
de julho o povoamento das Alagoas, sustentando ser este o único remédio para
evitar a fome neste país, pois que os portugueses informaram que, antigamente,
enquanto as Alagoas estiveram despovoadas, sendo necessário que os viveres
viessem de Portugal, do Rio de Janeiro e de outros lugares longínquos”. 536
534
Tradução de José Antônio Gonsalves de Mello. (Ref. Fontes para a História do Brasil holandês, p. 113)
535
Idem.
536
Idem, p. 117.
193
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Hendrick de Moucheron foi indicado por Nassau e pelo Alto Conselho para
administrar a região de Alagoas, Porto Calvo e São Miguel bem como para estudar as
perspectivas em se recolonizar a região. O estudo de Moucheron conclui relatando que:
“ Dantes era tão grande a abundância de farinha que, muitas vezes, o alqueire se
vendia aí por um schelling, porquanto produziam mensalmente oito mil alqueires,
de sorte que havia uma grande navegação para a exportação de viveres para o
Recife”. 538
537
Relatório sobre a situação das Alagoas em outubro de 1643; apresentado pelo asessor Johannes van
Walbeeck e por Hendrick de Moucheron, diretor do mesmo distrito e dos distritos vizinhos, em
desempenho do encargo que lhes foi dado por sua Excia. e pelos nobres membros do Alto Conselho. In:
MELLO, op. cit., p. 133.
538
Idem, p. 135.
194
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539
Notas do que se passou na minha viagem, desde 15 [sic] de dezembro de 1641 até 24 de janeiro do
anoseguinte de 1642. In: MELLO, op. cit., 148.
540
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven em papieren uit brasilie. Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 07/05/1640.
195
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empreendida por Nassau em direção ao Rio Real, havia necessidade de víveres para
alimentar aproximadamente 2400 militares (entre marinheiros e soldados). 541
Se a contribuição de farinha era fiscalizada pelos escabinos, a compra de alguns
produtos para a WIC de livres comerciantes fazia parte de uma das atribuições do
Conselho Político. Em fins de 1640, este conselho adquiriu de alguns ‘vrijluidens’ uma
boa quantidade de farinha de trigo trazida dos Paises Baixos. Além da função judicante, o
Conselho Político continuava desempenhando a função de aprovisionador, de agentes da
WIC para o aprovisionamento. 542 Na fase que antecede a criação do Conselho de Justiça,
o conselho Político estava em diversos ramos da administração da WIC. Poderíamos
chamar esse arranjo político-administrativo da WIC no Brasil como ‘carente de
organização’? Concentração de mais de uma função num mesmo órgão administrativo se
ria o mesmo que indefinição das funções administrativas? Em vez de respondermos
apressadamente a essas questões, temos que apelar para o fato de que a própria WIC não
tinha um plano estrito e definitivo para a administração do Brasil. Pelo contrário, no caso
do Conselho Político, foi a realidade do cotidiano da conquista que foi mudando a forma
de atuação deste órgão da administração superior.
541
Idem. 05/1640.
542
Idem.
196
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Capitulo IV
O poder local
1. Os escabinos
543
Segundo Charles Boxer, sobre os escabinos: “ficavam abaixo na escala administrativa os conselhos
regionais ou municipais, criados em 1637, em substituição às câmaras portuguesas”. Ref. BOXER, op. cit.,
p.182. Hermann Waetjen também fazia a mesma comparação, ressaltando a superioridade das câmaras
neerlandesas em relação às portuguesas. Ref. WAETJEN, op. cit., p. 201.
197
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mais influía nas jurisdições locais. Logo, deu-se a existência das câmaras de escabinos
em locais de tradição camarária baseada no mundo português. Mais que isso. Os
544
escabinos administraram toda uma população civil afeita ao modus faciendi da política
administrativa ibérica.
Para nosso estudo, a comparação entre o escabinato e o poder local no império
português é inevitável, ainda que o foco deste capítulo seja contar a história daquela
instituição no Brasil holandês.
A invasão holandesa encontrou um Portugal submetido à casa dos Áustrias. Em
termos de instauração de um modelo administrativo, devemos admitir que os holandeses
encontraram um mundo de tradições ibéricas, em que os poderes locais eram
representados pelas câmaras municipais. Ao tratar desse traço ibérico no início da Idade
Moderna, Stuart Schwartz e James Lockhart ressaltaram o fato de que
Para esses autores, a “cidade ibérica” regia, através de seus vereadores das
câmaras municipais, as atividades econômicas de seu entorno. Assim, por mais que a
fonte de riqueza local estivesse assentada no campo (na atividade canavieira), os
detentores desta riqueza tinham uma “base urbana”, ou uma referência urbana. Podemos
admitir esta situação para o poder local na capitania de Pernambuco dos séculos XVI e
XVII que, assentados sobretudo na produção açucareira dos engenhos do interior, tinham
os seus interesses representados pela câmara de Olinda, principal nicho do poder local.
As declarações apresentadas acima acerca da quebra da dicotomia rural- urbano na função
da cidade no mundo ibérico vêm em consonância com o que considerou Sérgio Buarque
de Holanda, segundo o qual os neerlandeses eram uma.
544
Ao longo deste capítulo usaremos as palavras escabinos e escabinato, sendo os primeiros aqueles que
exerciam o cargo e, o último, o próprio cargo, a instituição.
545
A América Latina na época colonial / James Lockhart e Stuat B. Schwartz. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 22.
198
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199
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549
Sobre a atividade comercial na Península Ibérica moderna, afirmaram Schartz e Lockhart: “
Antigamente era comum encontrar afirmações de que os ibericos evitavam ligações com os negócios e
eram, no fundo, anticomerciais. Embora seja verdade que os italianos, e em especial os genoveses, tenham
desempenhado papel importante no desenvolvimento do comércio de longa distância no mundo ibérico, os
habitantes da Península tinham seus próprios mercadores e suas próprias tradições comerciais. Os
genoveses e europeus do Norte forneciam bens manufaturados à Península em troca de produtos agrícolas
de Castela, sal e peixe de Portugal e certa quantidade de artigos de luxo vindos de toda a Península. Mas
havia ibéricos que competiam ou, às vezes, cooperavam com eles: castelhanos de Burgos e de Medina del
Campo (cidade totalmente comercial, com uma feira famosa) que participavam do comércio exportador de
lã, mercadores e investidores portugueses em vinho e açúcar, que se concentravam em Lisboa e no Porto e,
naturalmente, as grandes familias catalãs de Barcelona”. (Idem, p. 35)
550
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. – São Paulo:
Globo, 2001, p. 102.
551
Em nota, esclarece Raymundo Faoro: “ Distingue o sociólogo alemão [Max Weber], em contribuição
original à ciência política, três tipos puros de dominação legitima: a racional, a tradicional e a carismática.
A autoridade repousa sobre a entrega emocional , extraquotidiana, à santidade, heroísmo ou exemplaridade
de uma pessoa e das disposições por ela criadas ou reveladas [...] Op, cit., p. 845.
200
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poder local, com a coroa portuguesa oscilou entre a obediência e o auto-governo. Mais
obediência do que autonomia. As vilas fundadas no Brasil vieram, ainda na perspectiva
de Raymundo Faoro, antes do povoamento. 552 Impõe-se uma ordem jurídico-politica
antes mesmo de se povoar. Finalmente, a visão deste autor acerca do poder local pode ser
resumida na seguinte passagem:
De maneira contrária ao que pensava Raymundo Faoro, outros estudos mais atuais
vieram a contribuir para uma perspectiva diferente acerca da centralização do poder no
Antigo Regime. Dentre eles, destacam-se os de Antônio Manuel Hespanha, para o qual os
poderes do rei eram bastante limitados na formação do Estado Moderno. Essa limitação
dos poderes do monarca no Antigo Regime, encontrou eco também nos trabalhos de
Emmanuel Le Roy Ladurie e Xavier Pujol. 555 Para Antônio Manuel Hespanha, existiu um
552
Segundo o autor: “Os primeiros municípios criados no Brasil, com o nome de vilas – São Vicente e
Piratininga, de onde sairiam São Paulo e Santos – precederam ao povoamento. A organização jurídica
modelou o estabelecimento social e a ordem econômica.” Op. cit. p. 171.
553
Ibidem.
554
Idem, p. 172.
555
Ver: LE ROY LADURIE. Emmanuel. O Estado Monárquico. França (1460-1610). – São Paulo:
Companhia das Letras, 1994; PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e
culturais entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII. In: Penélope: Fazer e
desfazer historia, n. 6, Lisboa, 1991.
201
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Por fim, António Manuel Hespanha destaca que, entre as “deformações” que o
“paradigma estadualista” imprimiu a história institucional do Antigo Regime foi a noção
de separação (trennungsdenken) entre os direitos público e privado. 558 Em resumo,
baseado na perspectiva do teórico alemão Otto Brunner, conclui Hespanha acerca do
poder no período em questão:
556
HESPANHA, António Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. – Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, s/d, p. 25. O autor afirma que a perspectiva de “Estado” contemporânea (o
“paradigma estadualista”) foi empregada ao Antigo Regime. Segundo ele: “uma manifestação desta
tendência é constituída pelo uso, na historiografia sobre a sociedade e o poder político pré-revolucionários
do “paradigma estadualista” e das conseqüentes contraposições entre “Estado” e “sociedade civil”,
“interesse público (direito público)”/”interesse primeiro (direito privado)”. Para ele, esta distinção entre
Estado/sociedade civil, só passou a predominar no fim do Antigo Regime, “ embora se possam encontrar
manifestações incipientes destas distinções na literatura política e jurídica anterior [...]”. Op. cit., pp. 26-27.
557
Ibidem, p. 29.
558
Concepção desenvolvida por Otto Brunner, da qual faz uso o autor. Segundo Hespanha: “coube a O.
Brunner um papel central na critica do “paradigma estadualista” na historiografia política e institucional do
Antigo Regime europeu. A sua obra central é expressamente dirigida contra a “idéia de separação”
(trennungsdenken) que, a seu ver, reduzira e distorcera as perspectivas históricas sobre o sistema de poder
anterior ao iluminismo e à revolução. Brunner propõe, assim, um reencontro entre a história jurídico-
constitucional e a historia social que restaure o caráter global e indiferenciado dos mecanismos do poder no
período pré-estatal e que deixe de novo aparecer o caráter “plural” da constituição política da época”. P. 32.
202
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“caráter globalizante dos mecanismos de poder ou, utilizando uma forma mais
tradicional, confusão entre autoridade e propriedade, pluralismo político e,
consequentemente, indistinção entre “Estado” e “sociedade civil” são, deste
modo, os traços estruturais do sistema político e institucional pré-revolucionário
[...]” 559
559
Idem, p. 36.
203
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560
“Fragmento ou post-scriptum achado com uma carta do governador D. Van Weerdenburch, em Antônio
Vaz, aos Estados Gerais, e a ela pertencente”. In. Documentos Holandeses, p. 70.
204
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governador prometeu enviar aos diretores da WIC “uma carta de nossa fortificação em
Antônio Vaz [...], mas da próxima vez enviarei uma também de todas as fortificações
561
[...]”.
Mais importante que o Recife, cuja ocupação efetiva só teve vez a partir de 1631,
foi o conhecimento do espaço ocupado pela vila de Olinda que preocupou os holandeses.
Difícil de ser fortificada, a vila de Olinda, situada em cima de um monte, quase que foi
preterida pela Ilha de Itamaracá para ser a sede do Brasil holandês. Nessa disputa, ganhou
o Recife. Numa operação militar à Ilha de Itamaracá, que contou com elementos da
administração civil, produziu-se uma espécie de relatório misto, no qual se narrou o
seguinte:
561
Ibidem.
562
Missiva do Governador D. van Weerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. 31/05/1631. In:
Documentos Holandeses, p. 68.
205
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É num relatório enviado aos diretores da WIC pelo conselheiro político Jan Van
Walbeeck, datado de julho de 1633, é que percebemos a noção holandesa do território
além do senso puramente geográfico. Diz parte deste relatório:
Ao longo deste relatório, por sinal bastante extenso, todas estas freguesias são
descritas. Nas próprias fontes, os holandeses utilizam literalmente o termo freguesia. Três
anos antes, num outro relatório oferecido aos holandeses pelo brabantino Adrien
Verdonck, o termo ‘freguesia’ não é mencionado. A descrição dos lugares é feita
utilizando-se a denominação ‘povoado’. Desta forma, lugares como Una, Serinhaém,
Ipojuca, entre outros, são referidos enquanto ‘povoados’ grandes ou pequenos. O termo
‘jurisdição’ aparece relacionado à Capitania de Pernambuco, logo, ‘jurisdição de
Pernambuco’. Nas descrições de Verdonck, valiosas em termos geográficos, as
freguesias, definitivamente, não aparecem. 564
Certamente, as intermitências da guerrilha não davam aos holandeses tempo para
o funcionamento da administração local. Assim, o restabelecimento da administração
local após a invasão só se daria afetivamente após a expulsão da resistência luso-
563
“Relatório do Conselho Político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia
das Indias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais a 11 de julho de 1633”. Op. cit., p.
117.
564
“Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adrriaen Verdonck, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630”. In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Op. cit., pp. 35-46.
206
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565
Segundo Gonsalves de Mello: “ Quando foi decidida a conquista de Pernambuco (1629), o Conselho dos
XIX organizou e os Estados Gerais aprovaram um “Regimento do governo das praças conquistadas ou que
forem conquistadas nas Índias Ocidentais”, isto é, nas Américas. Nele se determinava que elas seriam
administradas por um Conselho (que viria a ser chamado de Conselho Político, isto é, civil) formado por
nove membros, naturais das Provincias Unidas ou nelas residentes há mais de sete anos, professando a
Religião Reformada e versados “nas matérias de policia, justiça e comércio ou, pelo menos, em alguma das
ditas matérias””. Op. cit. p.9.
566
Idem, tomo II, p. 10.
567
Idem, p. 12.
207
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ao vereador da câmara. Vale ressaltar que, quando falamos da população local, tratamos
de senhores de engenho e pessoas de proeminência na capitania. O sentido de jurisdição
que atribuímos aqui entende que o poder político local, representado pelos senhores de
568
engenho, guardava certa autonomia em relação ao poder central.
Examinando as fontes relativas aos anos de 1635-36 podemos ter uma idéia do
papel desempenhado pelo Conselho Político em Pernambuco. Administrando a capitania
da Paraiba, o conselheiro político Serveas Carpentier, em inicio de abril de 1635,
escreveu uma carta ao comissário Crispijnsz pedindo provisões para as tropas lá
569
instaladas. Exercia, assim, uma função de aprovisionador militar, sem ser
necessariamente um militar. Da mesma forma, o responsável pelo aprovisionamento da
Ilha de Itamaracá, o Capitão Jacob Petri, enviava ao Recife algumas pipas de cal. 570 Ao
que parece, essa função podia ser exercida tanto por um civil como por um militar
superior. Não havia uma linha que separava exatamente as atividades do cotidiano
administrativo. A atividade que diferenciava mais um conselheiro político de um militar
superior era a inserção no âmbito da justiça civil, atribuição do Conselho Político. A 11
de abril desse mesmo ano, é sabido que o conselheiro Willem Schott tomava vez nas
operações militares do Coronel Artishoffscki. 571
Por vezes, parece que autoridades civis e militares tomavam decisões em
conjunto. Numa das operações de cerco ao Arraial Velho do Bom Jesus, o Governador
Schkopp, o Coronel Artischoffsck e o conselheiro político Jacob Stachouwer decidiram
juntos acerca do deslocamento de tropas da guarnição de Itamaracá para as proximidades
do Arraial. Foi uma decisão de emergência e ficou registrado na ata de reunião do
Conselho Político que foi feita “oralmente porque o Presidente [Johan] Wijtgis e o fiscal
se encontravam junto ao exército”. 572
568
Cf segundo Hespanha, op. cit. pp. 59-60. “O poder político (a “jurisdição”, na linguagem da época) dos
corpos periféricos constituía então uma limitação inultrapassável do poder central, uma vez que, dada a já
referida concepção patrimonial do poder político, as faculdades (que hoje diríamos públicas) desses corpos
eram consideradas como integradas no seu patrimônio, aí figurando como uma casa ou uma quinta, enfim,
como direitos adquiridos ou radicados que o rei nunca poderia violar”.
569
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 05/04/1635.
570
Idem, 06/04/1635.
571
Idem, 11/04/1635.
572
Idem. Quanto ao presidente do Conselho Político, temos que o mesmo, como fica claro na notulen, se
encontrava em outra área, junto ao grosso do exército móvel da WIC.
208
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A primazia do poder civil sobre o militar fica mesmo evidenciada quando Willem
Schott diz para o Governador Van Schkop permanecer em determinado lugar “a espera
de outras ordens”. O gouverneur,, como é referido nas fontes, não tinha, em relação ao
colégio dos Conselheiros Políticos, a posição de primus inter pares. Certamente o
governador Sigismund Von Schkop se conformava com esta situação. Pelo menos mais
do que o primeiro governador do Brasil holandês, o Coronel Diedrick Wanderburch.
Este, por sua vez, bateu muito de frente com o Conselho Político entre 1630 e 1633.
Da primeira formação administrativa no Brasil holandês, definindo essa relação
poder civil/poder militar, observou Hermann Waetjen:
573
WAETJEN, Hermann. Op. cit. , p.105.
574
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil holandês. Tomo II. A
administração da conquista.
209
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própria companhia. O contato mais direto com as questões legais com a população luso-
brasileira ainda se fazia incipiente. Com estamos tratando ainda da fase dos kleine
profijten, sobre o que nos referimos anteriormente, a exação da justiça e do policiamento
por parte daquele conselho ficaria em segundo plano. A consolidação da economia, para
compensar as perdas que a WIC havia até então tido com a guerra, exigia uma
fiscalização dos bens (goedenen) e finanças. Nas obras de reparo do Forte Ernestus, por
exemplo, o Conselheiro Willem Schott, que exercia a função de Tesoureiro, foi
encarregado de pagar aos trabalhadores Jan Hart e seu sócio, dos quais foram
descontados “os alimentos e os materiais que eles usaram”. 575 Este é um ponto onde
guerra e administração não se dissociam.
Pelo que ficou exposto acima, o Conselho Politico acumulava funções judicantes,
de administração do comércio e polícia, mas sobretudo na fiscalização do comércio que
os conselheiros atuaram. Numa ocasião, chegou a reunião, como uma das pautas, uma
denúncia de contrabando de víveres que estaria sendo feito pelos navios ancorados no
Recife. A conseqüência dessa denúncia foi a abertura de uma investigação e a promessa
de que “aqueles que estão fazendo contrabando de cargas em seus navios serão
punidos”.576 Os gastos exagerados com a guerra de conquista faziam com que os olhos da
administração civil do Politique Raden não se decuidassem da fiscalização do
aprovisionamento.
Na tentativa de consolidação da economia dos “tempos difíceis”, o
acondicionamento das caixas de açúcar em armazéns era fundamental. Foi assim que se
pediu autorização ao conselheiro Willem Shott para que fosse “reparada com
brevidade”577 uma casa em Muribeca para o acondicionamento do produto. Para tal
necessitava-se de telhas, “dois carpinteiros, pregos e um pedreiro”. A importância de
aprovisonamento de açúcar ao sul do Recife facilitava aos exércitos que por hora
percorriam os engenhos abandonados às margens dos rios do litoral sul da capitania de
Pernambuco. Muito embora o Recife, resguardado por um seguro sistema de
fortificações, fosse o lugar mais propício para o armazenamento de açúcar, era
emergencial para a WIC dispor de outros locais. Na construção de uma pequena
575
IAHGP, Coleção José Higino, Dagelijkse Notulen , 15/04/1635.
576
Idem, 19/04/1635.
577
Idem, 20/04/1635.
210
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fortificação (reduto) próximo ao Arraial do Bom Jesus, quem deu as ordens foram o
Coronel Artischofscki e o conselheiro Jacob Stachouwer. Para esse fim foram
convocados 300 marinheiros. 578 O Conselho Político, dedicando-se efetivamente ao
comércio e a guerra, passava ao largo da perspectiva de poderes locais fora do Recife .
Era preciso que a vida no interior se normalizasse principalmente no litoral sul. Ao norte
do Recife, como já foi observado no capitulo II, na região que compreende Goiana,
Itamaracá e Igarassu, os moradores do interior começavam a retornar para as suas
propriedades.
A administração pré-nassoviana, em meio ainda a uma guerra constante, tinha
uma preocupação mais imediata do ponto de vista econômico. A pilhagem ainda era,
naquelas circunstâncias, uma das formas de se tirar algum proveito da nova conquista.
Era um momento em que a administração da WIC estava mais voltada para si própria.
Ocupava o espaço luso-brasileiro, mas lidava com a própria sovrevivência, tomando
decisão dentro do próprio raio de ação. O contato mais constante com os luso-brasileiros,
os “da terra”, nas questões mais simples do cotidiano, só se daria mais a partir da queda
do Arraial Velho do Bom Jesus (meados de 1635). O governo nassoviano veio a
consolidadar a administração local num contexto de retomada da produção de açúcar e do
comércio em geral.
A situação dos “pequenos lucros”, exposta no segundo capítulo, não era ainda a
da recomposição dos poderes locais nos moldes das câmaras de escabinos. No entanto,
em algumas localidades, as condições para o exercício do poder local estavam em
progresso. Assim, ao falar dos kleine porfijten, estamos indo além da questão comercial e
considerando as primeiras “aliança” entre os holandeses e os luso-brasileiros. E foram
alguns elementos desse “primeiro contato” que vieram a ocupar, tanto como eleitores
quanto como escabinos, as estruturas do poder local. Isso será visto adiante. Por
enquanto, vamos tratar apenas do poder local na ótica dos holandeses antes da
implantação do escabinato por Nassau.
As instâncias administrativas da WIC no Brasil foram descritas por José Antônio
Gonsalves de Mello em termos gerais, servindo- nos até o presente de referência para
quem queira trabalhar a questão político-administrativa no Brasil holandês. O Conselho
578
Idem, 22/04/1635.
211
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Político foi o órgão pensado para administrar questões relativas ao poder policial, justiça
e comércio. 579 Em princípio, o que a WIC imaginava para a administração do Brasil era a
redução do controle de vários espaços a um único órgão: o Conselho Político. Essa
posição “centralista”, que teve como base o Recife, ignorou as injunções locais. A
economia açucareira, espalhada por diversas freguesias, não poderia prescindir de
situações locais de natureza geográfica, política ou social.
Os primeiros relatórios remetidos aos Paises Baixos procuraram entender essas
particularidades. Num relatório acerca da capitania da Paraiba aos Estados Gerais, o
conselheiro Serveas Carpentier compara a Vila de Filipéia (que deu origem à atual João
Pessoa) à cidade de Geertruidenberg na Holanda e deixando bem claro que ali residia “o
Tribunal de Justiça e juntamente o clero e os burgueses”. 580 Das impressões que os
holandeses tiveram ao descrever a capitania da Paraíba, nos interessa saber que
identificaram, no espaço da vila, os elementos da justiça e do comércio. Assim, remetiam
informações aos seus correlatos nos Paises Baixos, muito embora as municipalidades
funcionassem de forma pouco diversa aqui.
Politicamente, as municipalidades nos Paises Baixos gozavam de maior
autonomia que no império português. Ainda que a recente historiografia, sobretudo
brasileira, venha contestando a situação de total subordinação das câmaras no mundo
português ao poder central, elas ainda guardavam um quê de sujeição ao poder do
monarca. Nos Paises Baixos, ao contrário, as formações municipais guardavam uma
considerável autonomia frente ao poder dos Estados Gerais dos Paises Baixos. Na
verdade, todos os municípios possuíam representações nesses Estados. Na formação da
Companhia das Índias Ocidentais, o município que mais contribuiu para sua subscrição
de capital inicial foi o de Amsterdam. E é a essa municipalidade que podemos tomar
como parâmetro ao tratarmos dos holandeses no Brasil. Contudo, desde já, vale antecipar
que não pretendemos fazer nesse trabalho uma tese de comparação extensiva entre a
maior ou menor autonomia das municipalidades nos mundos português e holandês. O
próprio poder centralizador da Companhia das Índias Ocidentais por si só já afastaria a
possibilidades de um self government no escabinato. Assim, a instauração por Nassau de
579
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo II, p. 9.
580
Idem, p.42.
212
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um poder local que combinava elementos neerlandeses e luso-brasileiros poderia dar uma
falsa idéia de autonomia para as administrações locais no Brasil holandês. Nesse sentido,
ainda está em voga a perspectiva de Mário Neme ao contestar a tese de José Antônio
Gonsalves de Mello, segundo o qual o escabinato representou uma fase “democrática” no
“tempo dos flamengos”. 581 Ao descrever parte do funcionamento dessa instituição, Mário
Neme obrsevou:
Nos relatórios administrativos observados por Johannes de Laet, ele mesmo sendo
um dos diretores da WIC, encontramos a influência de algumas pessoas que ocupavam
cargos nas municipalidades mais importantes dos Paises Baixos. De fato, as câmaras mais
importantes dos Países Baixos estavam representadas na administração da Companhia
das Índias Ocidentais no Brasil através de suas câmaras de comércio. Assim, como
poderia existir uma autonomia administrativa no Brasil de poderes locais subordinados a
outros poderes locais? Johan de Laet nomeou com clareza alguns diretores da WIC até o
ano de 1636 e que atuaram como escabinos nos Países Baixos. São eles: Jan Gijsbertsz de
Vries (escabino de Amsterdam), Albert Coenraets Burgh (escabino de Amsterdam),
Willem van Moerberghen (escabino de Leiden), o próprio de Laet (escabino por Leide),
Simon van der Does (escabino por Amsterdam), Warner Ernst van Bassen (escabino por
Amsterdam). Pelas demais câmaras, Zelândia, Roterdam e Mosa e Holanda Setentrional,
não encontramos escabinos como tendo sido diretores da WIC até 1636. É possível que
os escabinos neerlandeses do Brasil nunca tivessem desempenhado esta função nos seus
583
locais de origem.
Diferentemente da Capitania de Pernambuco, em que as freguesias são
especificadas nos relatórios enviados aos Países Baixos, na Paraiba, não se fez esse tipo
581
NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil Holandês. Editora da Universidade de São Paulo: São
Paulo, 1971, p. 219.
582
Idem, p. 221.
583
DE LAET, Johan. Jaerlijck Verhael ... p. 33.
213
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584
Idem, p. 50.
585
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 19/11/1635.
214
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586
SILVA, Ana Cristina Nogueira da; HESPANHA, Antônio Manuel. O quadro espacial. In: História de
Portugal, op. cit., p. 45.
215
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Francisco (400), Peripueira (200). 587 Essa preocupação com o litoral era bastante
plausível para a época, uma vez que a concepção de superiroridade militar e desfesa dos
588
territórios conquistados se dava eminentemente em termos marítimos.
Pouco a pouco, ao interiorizarem a conquista, a WIC foi se firmando nas vilas do
interior como Goiana e Igarassu. Nessas freguesias, pode-se dizer que também vigorava a
defesa por via naval, só que agora com barcos menores que permitissem a navegação
fluvial. Isso já foi ressaltado no segundo capitulo, entretanto em termos sobretudo
comerciais. Na medida em que um sistema de navegação fluvial se consolidava nas
freguesias da interlândia, cresciam as possibilidades de policiamento e fiscalização da
administração local já na fase de implantação do sistema de escabinato. Ao inicar o seu
governo com a implantação das diversas câmaras de escabinos, Mauricio de Nassau e o
seu Alto Conselho já podiam contar com a ligação eficaz via fluvial entre o Recife e as
freguesias do interior. Por volta de 1637-38, até às vésperas da Restauração
pernambucana (1645), este sistema de comunicação fluvial estava tão consolidado, que as
viagens inter freguesias já quase não aparecem mencionadas nas fontes coêvas de tão
constantes que eram. Esta foi uma conquista dos anos 1635-1636. Logo, a implantação do
escabinato surge também no rastro da consolidação de um sistema de navegação fluvial
que descortinou privilégios locais de moradores que detinham direitos de navegação
sobre determinados passos.
Sobre a transição do modelo político-administrativo luso-brasileiro para o
neerlandês poderíamos admitir uma grande mudança? Pelo menos nas questões
589
comerciais, o que vigorava eram os preceitos do direito romano (gemeene ordre).
Nessa questão, a transição não deve ter sido difícil, uma vez que o direito comum
(gemeene) era uma herança também compartilhada por Portugal. Essa perspectiva foi
587
Idem, 17/09/1635.
588
Ver Olinda Restaurada, op. cit., p. 21. Muito embora Evaldo C. de Mello tenha considerado que a defesa
dos impérios espanhol e português no inicio em fins do século XVI e inicio do XVII era tida em termos
“exclusivamente navais”, o mesmo poderia se dar para os Paises Baixos. A ocupação do litoral por tropas
em diversas guarnições dava grandes possibilidades de cabotagens e empreitadas por partes dos navios de
guerra e marcantes da WIC ou a serviço da mesma. Na conquista do Nordeste pelos holandeses, estratégias
terrestres e marítimas se combinavam. Não é à toa que a superioridade naval neerlandesa afetou
sobremaneira as coroas ibéricas nesse período. O autor considera a importância da defesa naval no caso de
Portugal e Paises Baixos quando afirma que “para espanhóis e portugueses, como mais tarde para
holandeses, ingleses e franceses, o poder naval parecia dotado da mesma eficácia final que se atribuia ao
bombardeio aéreo estratégico durante a Segunda Guerra Mundial e mesmo depois”.
589
MELLO, idem, p. 10.
216
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590
Segundo o autor: “As colunas fundamentais, sobre as quais assentaria o Estado portugues, estavam
presentes, plenamente elaboradas, no direiro romano. O príncipe, com a qualidade de senhor do Estado,
proprietário eminente ou virtual sobre todas as pessoas e bens, define-se, como ideia dominante, na
monarquia romana. O rei, supremo comandante militar, cuja autoridade se prolonga na administração e na
justiça, encontra reconhecimento no período clássico da história imperial”. Ref. FAORO, Raymundo. Os
Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. – São Paulo: Globo, 2001, p. 27.
591
Na perspectiva do historiador Oliveira Marques” “ Não sobreviveram grandes vestigios de comércio
externo, embora as costas e os portos de Portugal fossem bem conhecidos de normandos e cruzados, que
regularmente faziam escalas por eles, com fins múltiplus, desde o século IX até meados do século XIII.
Podem datar-se, porém, de 1194, os começos de um comércio a longa distância, data em que um navio
flamengo carregado de mercadoria naufragou em costas portuguesas”. Ref. História de Portugal. Palas
Editores, Lisboa, s/d, p.104.
592
WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema mundial moderno. – Edições Afrontamento: Porto, 1974, p.47.
217
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Ainda que pertinente e interessante esta visão de Mário Neme acerca das
atividades dos escabinos no Brasil holandês, ela pode nos apresentar uma situação de
“vazio institucional”, segundo a qual a administração local seria dispensável. Este
argumento pode esconder a complexidade da administração das freguesias e a
importância que cada uma delas, quando representada por elementos luso-brasileiros e
neerlandeses, poderia ter no “controle” que o centro administrativo (o Recife) exercia
sobretudo em Pernambuco.
593
Idem.
218
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Por meio de bandos, publicou em todas as freguesias de fora [de Olinda] que,
livre e seguramente, podiam vir todos que se achassem prisoneiros por crimes ou
dividas, e segundo procedessem na defesa, se perdoaria aos que não tivessem
parte, conforme as ordens reais que tinha”. 595
594
COELHO, Duarte de Albuquerque, p. 24.
595
Idem.
596
Idem, p. 25.
219
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597
“ Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Pariba – ano de 1623” In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Vol. 1. pp. 28-32.
598
Segundo a “lista…”, os maiores produtores de açúcar (em arrobas) das Capitanias da Paraiba, Ilha de
Itamaracá e Pernambuco eram seguintes: Manual Saraiva de Mendonça (11.620), Jerônimo Couto (10.317),
Jerônimo Paes (9.520), Pedro da Cunha de Andrade (9.035), Gregório de Barros Pereira (9.021) e Antônio
D’olanda (9.000). A média produz em torno de 4 a 5 mil arrobas ao ano.
599
COELHO, op. cit., p. 26.
600
“lista…”
601
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 27/06/1637.
220
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necessário conhecer as leis portuguesas para saber lidar com situações que envolvessem
602
os costumes “do tempo do rei”.
Na função judicante, os escabinos, tanto neerlandeses como luso-brasileiros,
deveriam incorporar dois mundos jurídicos: o neerlandês e o Ibérico. Isto pelo menos em
teoria. Assim, ao contrário da pesrpectiva ‘esvaziada’ do poder do escabinato proprosta
por Mário Neme, pensamos que os escabinos neerlandeses estavam à espera de um
mundo complexo, em que as freguesias dispunham de suas peculiaridades geográficas e
de grupos de poder. A partir de 1637, ano em que se formaram as primeiras câmaras de
escabinos no Brasil holandês, escabinos como Wilhelm Doncker e Jacques Hack já
tinham o conhecimento, senão pleno, quase que total de como funcionavam algumas
localidades em Pernambuco e na Paraíba. Soma-se o fato de que alguns deles, em contato
com elementos do Conselho Político tenham, antes da administração nassoviana, tomado
conhecimento das dificuldades em se administrar qualquer parte do Nordeste até então
conquistada.
Coube ao Conselho Político procurar, em cada território onde se constituiria uma
câmara de escabinos, os moradores mais probos e habilitados em matéria de lei (no caso
dos luso-brasileiros). Este foi o primeiro passo na escolha dos ‘oficiais cicis’ (civille
officianten). Os moradores selecionados nas esferas locais seriam em numero de 20 ou 30
e seriam eleitores que estariam habilitados a selecionar os esbaninos portugueses. A
escolha dos escabinos não seria, pois, fruto de um sufrágio direto. Nem poderia, visto
que, mesmo nos Paises Baixos, onde o sistema de representatividade sugeria um maior
grau de “democracia” (se comparado ao Antigo Regime ibérico), as tomadas de decisões,
inclusive ao nível dos Estados Gerais, davam-se mais num nível de convencimento do
que mesmo por voto direto. Este tipo de sufrágio só faz sentido num mundo pós
Mostequieu, a apatir do qual haveria uma ‘quebra’ da sociedade estamental. Na Holanda
setecentista, mesmo existindo um capitalismo financeiro em curso, a ruptura de uma
sociedade medieval com seus sistemas de representatividades ainda sobreviviam.
Escolhidos os eleitores, feitas as indicações para os escabinos locais, uma lista de nomes
deveria se enviada para que Nassau nomeasse quais escabinos finalmente representariam
602
É bastante comum, nas fonts em holandês, a referência à situações que ocorreram antes de 1630 (ano da
invasão holandesa) como sendo situações que se passaram “no tempo do rei” (tijt van de king).
221
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as suas respectivas localidades. 603 Vale ressaltar que a própria palavra em neerlandês da
época (oficiais civis) guarda uma semelhança direta com o correlato em português
(oficial da câmara). As câmaras deveriam ser renovadas anualmente, seguindo o mesmo
processo eletivo.
Antes de passarmos às primeiras listas de escabinos, devemos fazer algumas
observações com relação ao Conselho Político na implantação do escabinato. De grande
influência na administração da conquista antes da vinda de Nassau, este Conselho
dispunha de informações importantes e das quais Nassau se serviria quando de seu
governo. Servaes Carpentier pode servir de exemplo para esta questão, uma vez que
serviu no Brasil na qualidade de conselheiro político, administrando a Paraíba em 1635 e
36. Havendo ele desempenhado funções administrativas e judicantes no Brasil,
Carpentier apresentou minucioso relatório aos diretores da WIC em 1635, fornecendo
detalhes do funcionamento daquela capitania. De sua experiência administrativa se valeu
Maurício de Nassau ao lhe incorporar na função de assessor do Alto Conselho. Serveas
Carpentier era homem bem relacionado na conquista, tendo como cunhado um Alto
Conselheiro conhecido como Hendrick Hamel, que fora também comerciante no Brasil
604
holandês. Uma outra figura importante, Elias Herckmans, que chegou a Pernambuco
em dezembro de 1635, participou ativamente da administração da Paraíba e do Rio
Grande nos anos seguintes. Herckmans foi responsável por instruir os escabinos
neerlandeses e portugueses no direito civil e criminal vigente nos Países Baixos. 605 Na
sua Descrição geral da capitania da Paraíba, datada de 1639, Elias Herckmans
descreveu bem como se dava a administração desta capitania antes da invasão holandesa.
De certo, nomes de portugueses que foram indicados para escabinos já eram de
conhecimento do Conselho Político nos anos de 1635 e 36.
No início de julho de 1637, foram escolhidos os eleitores dos escabinos da
Paraíba. Uma lista com 15 nomes foi enviada desta capitania ao Recife pelo Conselheiro
Elias Herckmans. A lista dos eleitores era a seguinte:
603
IAHGP, idem. Onde se lê: “ te weten dat den politiuen Raet sal verkiesinge doen van 20 a 30 van de
qualificeerte van de Capitanie die electors sullen sijn soo lange sij leven ende electie doen van ‘civille
officianten”.
604
Informação fornecida por José Antônio Gonsalves de Mello. Ver. MELLO, Fontes para a história do
Brasil holandês, tomo II, p. 51, nota 51.
605
Idem, pp. 56-54.
222
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Vale ressaltar que o processo de eleição de escabinos na Paraiba foi mediado pelo
conselheiro Elias Haerckmans. Este, por sua vez, conhecia bastante os moradores daquela
região, pois foi o primeiro a administrá- la após sua conquista pelos holandeses em fins de
1634. A pressa em se fazer a eleição na Paraiba se justifica talvez pelo fato de ser o
segundo mais impontante porto do Brasil holandês. Essa posição a Paraiba já havia
conquistado no período dos ‘pequenos lucros’ dos anos 1635-36. Após a queda do Arraial
223
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606
MELLO, op. cit., p. 50.
224
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607
NEME, op. cit., p. 221.
608
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/05/1638.
225
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por acaso que Miguel Queiroga e Miguel Mazagão serviram por mais de uma ocasião em
Porto Calvo.
A primeira lista de eleitores do “distrito da cidade de Olinda e Recife”, preparada
pelo Alto Conselheiro Shilt, já era bem maior que a da Paraiba. São eles:
1. Jacob Stachouer
2. Gaspar da Silva
3. Nicolas de Rider
4. Pedro da Cunha Dourado
5. Willen Doncker
6. Pedro Lopes de Vera
7. Elbers Chrisping
8. João Carneiro de Maris
9. Jaque Hack
10. Theodosius Lempreur
11. Fernando Vale
12. Jan Schaep
13. Antônio de Belchiors
14. Matheus Bec
15. Arnau DOlanda
16. Cheristoffel Airschettel
17. Bernardim de Carvalho
18. Bartholomeus van Ceulen
19. Gaspar Dias Ferreira
20. Jos van de Boogart
21. Francisco de Brito
22. Michiel Hendrickx
23. Luiz Braz Bezerra
226
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cristãos velhos” (oude kristenen waren) e que “era tão nobre quanto os outros que ali
estavam presentes (ende van soo noble geslaerchte des yemant die daer present waren)609
De todos aqueles nomes indicados para votar e serem votados, chegou-se a uma
lista menor de 14 nomes:
1. Jacob Stachouer
2. Willen Doncker
3. Jaques Hack
4. Michiel Hendrickx
5. Christoffel Airschettel
6. Elbert Chrispynsen
7. Francisco de Brito Pereira
8. João Carneiro Mariz
9. Jan van den Boogart
10. Antônio da Silva
11. Gaspar Dias Ferreira
12. Paulo D’Araújo
13. Arnau D’Olanda
14. Francisco Dandrade
609
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/08/1637.
610
MELLO, op. cit., p.86.
611
Idem, p. 83.
612
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Paraíba – ano de 1623”. In:
MELLO, op. cit., p.28.
227
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Talvez esse fato explique a não escolha de um nome como Arnau de Holanda,
tradicional senhor de engenho em Pernambuco, para compor o seleto grupo de escabinos
613
MELLO, op. cit., p.87.
614
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 10/06/39.
615
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , p. 50. Segundo o autor: “Em 12 de agosto, ainda em 1638, Viera arrematou, em
seu proprio nome, por 26.000 florins, o contrato anual da “pensão”, sobre os açúcares dos enegenhos de
Pernambuco. Por esta mesma época (entre 1 de agosto e 6 de outubro de 1638), Viera adquiriu a crédito,
em leilão, “para o Senhor Jacob Stachouwer”, um partido de canas que pertencera a Luís Barbalho Bezerra,
por 28.500 florins”.
616
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , pp. 50-51.
228
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617
de Olinda nos anos de 1638-39. O panegírico Gaspar Barléus registrou esse episódio
da “conjura de portugueses acreditada, mas não provada” ao mesmo tempo em que
celebrava a cessão, por parte de Nassau, brasões de selo às câmaras provinciais para a
autenticação de atos públicos. Também deixou claro que, sobre a suposta counjura,
“esses acontecimentos afrontavam o nosso império, sem consentir que se considerasse
inteiramente feliz”.618 Fica claro que Gaspar Barléus, no intuito de não enxergar a
gravidade da situação que envolvia eleitores e escabinos portugueses, não relacionou os
nomes aos cargos. Por último, pode ter concorrido para a “liberação” dos pró-homens
acima o fato de que o ano de 1638 dava boas perspectivas na safra de açúcar “em razão
das chuvas moderadas e tempestivas, que dava aos agricultores esperança de 18.000
619
caixas”. No caso de Duarte Gomes da Silveira, não foi esquecido, por parte de Nassau
e do Alto Conselho, do “auxílio por ele prestado na expugnação da Paraiba”. 620 Seja
como for, o fato é que, desde o início de sua aplicação, o sistema do escabinato se
apresentava como algo frágil, dada a permanente tensão entre neerlandeses e luso-
brasileiros. Aliás, essa fragilidade da administração holandesa já fora exposta no capítulo
anterior. A base social da economia açucareira, a classe dos senhores-de-engenho,
representava a incerteza aos olhos dos administradores batavos.
O sistema do escabinato se adaptava, no Brasil, às necessidades e possibilidades
do momento. Vejamos dois casos: Em julho de 1639, o Alto Conselheiro Nuno Olpherdi,
em viagem à região do São Francisco, aconselhou Nassau a instituir uma câmara de
escabinos nesta parte da conquista. Dois anos após a instituição do escabinato, a fronteira
sul do Brasil holandês passaria a ganhar um tribunal local. Nuno Olpherdi observou na
região diversos incovenientes naquele distrito, cujos moradores não tinham a quem
recorrer em questões civis e criminais senão à gurnição local. A demora em se instalar
uma câmara de escabinos nesta região demosntra a deficiência da administração
nassoviana em alcançar legalmente todo o território conquistado. 621 O segundo exemplo
617
Como se vê nos anexos, Arnau de Holanda só representará a Câmara de Escabinos da Cidade Maurícia
bem mais tarde, na gestão de 1643-44.
618
BARLEUS, op. cit. p. 103.
619
Idem, p.103.
620
Idem, p.105.
621
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/07/1639. Na qual se lê: “ De edele heer Nuno
Ulpherdi rapporteerende, hoe nodich was in Rio Sto Francisco ook een camera va schepenen geordeneert
werde, met conde de saecke van justitie aldaer waerneme”.
229
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622
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/06/1642.
623
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/07/1639.
624
WAETJEN, op.cit. p. 201.
625
Idem.
626
José Antônio Gonsalves de Mello referiu-se a este fato e registrou este episódio. Ref. MELLO, Revista
do IAHGP/separata do vol. 51. Gente da nação: Judeus residentes no Brasil holandês, 1630-54. Recife,
1979, p. 78.
230
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cristãos-velhos portugueses que não queriam dividir o mesmo espaço de poder como os
supostos judaizantes.
Finalmente, no dia 24 de setembro de 1637, foram escolhidos por Nassau e o Alto
Conselho para exercerem a função de escabinos de Olinda:
1. Willen Doncker
2. Jaques Hack
3. Francisco de Brito Pereira
4. Gaspar Dias Ferreira
5. João Carneiro Maris
627
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 25/09/1637.
231
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628
NEME, op. cit., p. 222.
232
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empreitadas mercantis com a África Centro-Ocidental e com o Caribe. Não é à toa que
foi por essa época que a ilha de Barbados deu início às suas primeiras plantações de cana-
de-açúcar a apartir de pessoas que estiveram em Pernambuco. Sobre Gaspar Dias
Ferreira, afirmou José Antoônio Gonsalves de Mello que “era um tipo de aventureiro
intelectual, com boa instrução latina e autor de escritos muito interessantes; baseou-se e
sua amizade com Nassau a sua ambição de riqueza”. 629 Por isso depreendemos a
importância, sobretudo para Nassau, da indicação de seu nome para escabino de Olinda.
As possibilidades de progredir comercialmente é um fator que liga uma influência
local (ou uma ocupação no poder local do Recife) através de um cargo judicante aos
objetivos de expansão econômica.
No caso mencionado acima acerca da desqualificação de Pero Lopes de Vera para
a condição de eleitor e escabino de Olinda, ainda que este fosse proprietário de dois
engenhos em Serinhaém (engenho Serinhaém e São Braz), isto não lhe garantiu assento
entre os escabinos.
Na definição da alçada dos escabinos, ficou determinado que os mesmos
atuariam em sentenças de um valor até 100 guldens. Isto já foi refrerido por Hermann
Waetjen e José A. Gonsalves de Mello. Contudo, não foi uma decisão repentiva. Ela só
veio expressa quase um mês após a eleição dos escabinos em setembro de 1637. 630 O que
nos interessa neste caso dos limites das setenças dos escabinos (e a decisão se estendeu à
todas as câmaras ‘dat alle camaras sullen mogen bij arrest setencieren ...’) é que foi algo
que não foi decidido instantaneamente. Pelo contrário, foi necessário praticamente um
mês para que essa decisão fosse tomada. Isso demonstra que a implantação do escabinato
não era algo monolítico e automático. Pelo contário, estava-se tentando uma um modelo
de administração local presente nos países do norte da Europa nos trópicos. Por mais que
a instituição tentasse presenvar a sua origem, os problemas com os quais ela lidou no
Brasil foram bem diversos daqueles vivenciados nos Países Baixos.
629
MELLO, op. cit., p. 52.
630
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/10/1637. Na qual se lê: “op het versouck van de
schepenen van Olinda te weten I wat saecke sende tot wat waerde ofte somme sij bij arrest sullen mogen
sententierenn sijn her datter appel van haere setencie mochte wellen. Soo is met sijn Excellentie goet
gevonden dat alle camaras sullen mogen bij arreste setentieren in saecken die maer een honders guldens
ende daer beneden waerdigh sijnde”.
233
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Por vezes, Nassau e o Alto Coselho eram consultados pelos escabinos de Olinda.
Em fins de 1637, o Alto Governo foi consultado a respeito do pagamento de capitães-do-
mato para a captura de escravos fugidos dos engenhos daquela jurisdição. O
representante dos moradores foi o escabino Gaspar Dias Ferreira. Sobre o assunto foi
aconselhado que os capitães-de-mato deveriam receber 150 guldens anualmente. 631 Essa
figura do escabino enquanto mediador entre os moradores e o Alto Governo pode ser
visto neste caso acima. Teoricamente, eles deveriam ser os olhos do Alto Governo nas
localidades. O que Gaspar Dias Ferreira observou nos engenhos da jurisdição de Olinda
era que a plantação de mandioca no ano de 1637 tinha sido bastante exígua, daí
certamente a necessidade de se ter mais negros para o plantio. 632 Esse caso do pagamento
de capitães do mato jogava a instituição dos escabinos num emaranhado de problemas
estranhos aos Países Baixos. A imersão neerlandesa diretamente no mundo da escravidão,
desde a compra diretas de cativos em São Jorge Mina e Luanda até a captura de escravos
fugidos, reverberava nas instituições do poder local representado pelos escabinos. Vivia-
se no Brasil uma espécie escabinato à maneira atlântica. Nesse sentido, qualquer reflexão
sobra a experiência dos escabinos no Brasil deve levar em consideração a seriedade que
isso implicou. Essa não foi uma experiência simplesmente inócua, como tenta parecer
Mário Neme ao esvaziar o papel dos escabinos no Brasil.
Seis meses depois da implantação das câmaras de escabinos na Paraíaba e Olinda,
chegou a vez do ‘distrito’ de Igarassu, de menor jusrisdição que os demais. Foram
indicados para eleitores:
631
Idem, 30/12/1638. na qual se lê: “ De cameren van Olinda vooderen versoercht sijnde ons met haer
adveijs te … wat ordre bequamelijcke sonde gestalt werderop de captos do campo ende haere soldadten,
soo geconpacert de shepen Gaspar Dias Ferreira ende gehoort sijn advijs. Is geresolveert dat men de capts
do campo ijder jaerlicx aen gagie van f. 150.
632
Idem. No qual se lê: “ Alsoo voor desen de Camara van Olinda wat voor gehouden, hoe dat de
inwonderen dit jaer wienich mandioque oft rossas souden planten also se alle hare negros gebruyckten”.
234
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7. Thomé Gomes
8. João Freire
9. Marcus Dias de Lucena
633
MELLO, op. cit., p.89. Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias conquistadas, de
Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do Brasil. Segundo o
relatório, dos oito engenhos de Igarassu, constavam como proprietários os descendentes de Pero da Rocha
Leitão (que foi enforcado no Arraial Velho do Bom Jesus por ter se correspondido com os holandeses),
Manuel Jácome Bezerra, Domingos Velho Freire, Gonçalo Novo de Lira, Domingos da Costa Brandão,
João Lourenço Francez e um outro pertencente à Ordem dos Beneditinos.
634
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: Judeus residentes no Brasil Holandês (1630-54).
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.51. Recife, 1979, p. 67.
235
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permaneceriam dois escabinos do ano anterior (soo is ook geresolveert alle jaren twee
635
van de oude schepenen te continuiren). Essa regra foi descumprida, como no caso de
Porto Calvo citado acima.
Aos poucos, o que seria, segundo alguns historiadores, um “modelo ideal” de
administração das localidades, mostra os seus desconfortos e problemas. Da parte
neerlandesa, havia sempre medo de uma traição por parte de algum escabino português.
Mauricio de Nassau e o alto Conselho, no caso citado acima da maioria de escabinos na
câmara da Paraiba, acataram uma reclamação dos escabinos holandeses preocupados com
a maioria portuguesa naquela jurisdição. O Alto Governo chegou a considerar a medida
como “mais segura para nosso estado” (securder voor onsen staet).
Na segunda eleição para a câmara da Paraiba em 1638, foi feita a seguinte lista de
eleitores:
1. Geraldo Mendes
2. Rafael Carvalho
3. Duarte Gomes da Silveira
4. João do Souto
5. Francisco Camelo de Valcácer
6. Manoel D’Azevedo
7. Meuno France
8. Eduart Munickhoven
9. Gijsbert Dionijs
236
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1. Alonso França
2. Geraldo Mendes
3. Eduart Munickhoven
Essa constante regulação das esferas locais contrasta com a experiência municipal
nos Paises Baixos. Um estudioso da história da Companhia das Índias Ocidentais, W. J.
van Hoboken, chamou a antenção para a autonomia municipal neerlandesa e a sua relação
com a prosperidade econômica dos Paises Baixos. Levando em consideração alguns
argumentos de Huizinga, observou Hoboken que:
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Passado um ano da primeira eleição para escabinos, o Alto Governo achou prudente que
o Alto Conselheiro Serveas Carpentier e o Conselheiro Político Johan Boedecker
Como visto, as “instruções” deveriam ser estendidas aos assessores dos escabinos
para que não houvesse confusão no limite de suas jurisdições .
Analisando a instituição dos escabinos, Mário Neme destacou que a própria
Holanda carecia de uma estrutura jurídica orgânica ao nível dos municípios. Daí, a seu
ver, a ausência, no Brasil holandês, de “um corpo de legislação geral, um corpus júris que
contemplasse o direito publico, o direito privado, o direito penal, o direito processual
639
civil e criminal [...]”. O poder local existia com leis e costumes das províncias da
Holanda e da Frísia Ocidental. Era apenas uma adptação de costumes provinciais dos
Países Baixos em instituições locais na América potuguesa. Baseado no argumento da
“vazio normativo” das câmaras dos escabinos, Mário Neme fechou a questão afirmando
veementemente que “talvez em nenhuma parte do mundo ocidental de então a garantia de
direito dependeu tanto da personalidade dos juizes quanto no Brasil holandês”. 640
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o autor de Fórmulas Políticas no Brasil
Holandês critica o principio de reprentatividade do poder local no Brasil holandês,
exarceba o caráter representativo da câmara no Brasil colonial denominando-a como uma
instituição de “caráter democrático indiscutível”. Em relação a isso, os estudos mais
recentes acerca do município no império português tem desmentido às largas esta visão
do poder local. Para afirmar o que afirmou, Mário Neme se apoiou no fato de que
637
Exerciam função policial e fiscalizavam os escabinos.
638
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. Na qual se lê: “[…] om te formeren instruction voor
de scholtetten ende schepenen in politie ende justitie, als mede ordenantien over huweliijxsaecken ende
andere tot better regeringe nodig sullen beconden warden, ales mede instruction voor secretarissen van de
schepenen […]”.
639
NEME, op. cit., p. 220.
640
Idem.
238
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“em que o poder era algo produzido pelo direito, nos lugares designados
pelo direito, com os agentes nomeados pelo direito e sob as formas
prescritas pelo direito. Este encerramento jurídico do poder atenuou-se um
tanto com o advento das instituições que, pelo menos, distinguiu mais
claramente o direito dos livros (law in the books) do direito tal como ele
642
era vivido no quotidiano (law in action).
Também não parece plusível, ainda segundo Mário Neme, que a Companhia das
Índias Ocidentais fosse apenas uma organização comercial desprovida de ordenamento
jurídico ou necessariamente incapaz totalmente de conduzir um processo de consquista e
expansão territorial e comercial. O que é justo observar é que a mesma encontrava-se
ainda em seu estágio inicial de vida e, por isso mesmo, muitas “experiências” eram feitas
em matéria de administração colonial ultramarina. Vigorava, na experiência do
escabinato no Brasil, o law in action.
A segunda eleição para a câmara de escabinos de Olinda (em junho de 1638) deu
a maioria para os holandeses. Dos escabinos da primeira gestão, ficaram Willen Doncker
e Gaspar Dias Ferreira, aos quais se juntaram Gaspar van Niehof van der Ley, Samuel
641
Idem, p. 225.
642
HESPANHA, António Manuel. Governo, elites e competência social: sugestões para um entendimento
renovado da história das elites. In: Modos e Governar: idéias e práticas políticas no Império portugues.
Maria Fernanda Bicalho e Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs). – São Paulo: Alameda, 2005, p. 39.
239
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Halters e Luiz Brás Bezerra. Enquanto isso, para câmara de Igarassu, foram nomeados:
Francisco Dias de Oliveira, João Lourenço Francez e Leonardo Dias. Algumas
considerações podemos fazer em relação a lista de eleitores das câmaras de Olinda e
Igarassu. A primeira delas é que, em ambos os casos, alguns nomes foram substituídos
em relação à primeira eleição. No caso de Olinda, nesta segunda eleição, a quantidade de
eleitores se reduziu bastante em relação à primeira, de 23 nomes para 15. Ao mesmo
tempo, foram nomeados para escabinos, na freguesia de Serinhaém, Miguel Fernandes de
Sá, Gaspar Correia Réguo e Francisco de la Tour. 643
Poucos dias depois, o Conselho Político preparou a lista de elitores do Rio Grande
(do Norte). Os primeiros eleitores do Rio Grande são os seguintes:
Finalmente, foram indicados por Nassau e pelo Alto Conselho para a função de
escabinos no Rio Grande:
643
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 26/06/1638.
240
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“A câmara desta capitania está em Potigi (Potengi) com licença de S. Excia e dos
Altos e Secretos Conselheiros, trabalhando para agregar ai uma população que dê
644
Breve Discurso sobre o estado das quatro Capitanias conuistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de
Janeiro de 1638. In: MELLO, op. cit. p. 95.
241
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começo a uma cidade; dará ai suas audiências, e para este fim levantará uma casa
pública, com a contribuição dos moradores, cada um conforme suas posses”. 645
Vale registrar que este relatório, tendo sido o primeiro realizado após a chegada
de Mauricio de Nassau, como bem observou José Antônio Gonsalves de Mello, faz
questão de registrar a tarefa dos escabinos na conquista. Do resumo da atuação dos
“colégios subalternos de justiça” (maneira como foram tartadas as câmaras dos
escabinos), registrou-se o seguinte:
645
Idem.
646
Idem, p. 97.
242
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Ao tratar dos escabinos, parece que a maior exigência não era necessariamente o
domínio dos conceitos e práticas jurisdicionais, mas sim a preocupação com a idoneidade
dos componentes das câmaras. Nassau se referiu aos escabinos como “colégios
subalternos de justiça”. As “instruções” legais eram passadas pelo Governo Supremo
(Nassau e o Alto Governo) e, ocasionamente, pelo Conselho Político aos escabinos.
Em 19 de janeiro de 1639, um escolteto (policial) de Itamaracá havia consultado a
câmara de escabinos daquela jurisdição acerca das “instruções” que deveriam dar aos
“capitães de campo” ou capitães de mato. 648 A maneira da administração local em lidar
com os problemas do quotidiano, pelo menos para os holandeses, exigia algum tipo de
instrução ou ordenamento por escrito.
As relações nem sempre amistosas entre os escabinos e o Conselho Político
poderiam colocar em dúvidas os limites de ação deste órgão da administração batava. O
colégio dos conselheiros políticos não queriam ver o seu poder diminuido, como fora
certa vez mencionado numa missiva. Era necessário o apoio de Nassau e do Alto
Conselho no estabelecimento da autoridade deste conselho (en wilde hopen dat sijn Exc
649
ende E E het recht ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden). A idéia de
reforço d autoridade do Conselho Politico foi bem expressa aos Senhores do XIX e aos
Estados Gerais dos Paises Baixos foi uma constante. Em meados de 1640, Nassau e o
Alto Conselho reforçaram o primado da “administração da justiça” pelo Conselho
Político. (Goede ordre te stellen op de Administratie van justitie, onde de Politique
Raden, em allen anderen dieneren van de Compie, daer toe te houden [...]) Nessa
647
Idem.
648
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse notulen. 19/01/1639. Onde se lê: “ Joahannes Lustry, schout
in de Capitania van Itamarica bij requeste van wegende Camere van de selve capitania, versouckende opt
tractemente ende instructie voord den Cap de campo, waerop een person mochte verwitlich worden die
chargie aen te nemen”.
649
Cartas e papéis do Brasil (Elias Herckmans ao Consalho dos XIX) 1640 (escrita na época do ataque do
Conde da Torre). Na qual se lê: “sich onderstaen heeft den Gecommitteerden Politijcken Raede te
ontrecken (retirar) het recht, authoritijt en respect dat volgens instructie en commissie bij de E.
Vergaderinge van XIX denselve toegelijt (permitir) is ,…” “en wilde hopen dat sijn Exc ende E E het recht
ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden noch meer sonden willen verminderen (diminuir, minorar)
ende betroyen, waerop naer naer een cleijn gespreck nuy gelast worden int vertreck te gaen ,…”
243
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650
Brieven en Papieren uit Brasilie, carta de Nassau e do Alto Conselho aos Estados Gerais e ao Conselho
dos XIX. 13/12/1640.
651
Idem, 07/02/1639.
652
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/12/39. na qual se lê: “ Ontfangen een missive
van de Heer Daniel van Paraiba, inhoudende onder anderen dat de schepenen van Paraiba de geheele
capitania door geweest waeren om te rossas te besichten, end dat deselve rapporteerde soo grooten gebreck
van farinha over al te sijn […]”
244
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653
Idem, 11/01/1640.
654
Idem.
655
Idem, 15/01/1640. Onde se lê: “ Irm is geresolveert noch vijff compagnien onder den Sergent major
Crayt van Cabot en wachten, ende de Colonel Hans van Hoin soot e senden waermede hij over de duijsent
man sterck sal sijn, ende gelast dat hij daermede Camaron soude gemoet trecken…]”
245
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656
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Paieren uit Brasilie. Foi omitido aqui o número de soldados
nas guarnicões do Recife pelo fato de que aqui influência dos escabinos (câmara de Olinda) ser ofuscada
pelo Conselho Político, Alto Governo e Nassau.
657
Idem.
246
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658
Idem. Na qual se lê: “ Alsoo de cust van Brasil sôo verre die hij de Compie is geconquesteert, over de
100 mijlen is streckende, sôo is bevonden dat in alle onse ordre ende bevelen soodanich, noch sôo
promptelijck werden geexecuteert als de geode regieringe tot weltland van de Compie was vereijschende”.
659
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie. 02/03/1639. Nessa mesma missiva, José
Antônio Gonsalves de Mello nos apresentou a criação de uma câmara de escabinos na Cidade Mauricia
(Recife e Antônio Vaz). (ver. MELLO, Tempo dos Flamengos, pgs. 61-62)
247
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coisas da administração eram mais claras e visíveis no Recife e Olinda do que mesmo nos
locais mais distantes ao norte e ao sul do centro político-administrativo. Especialmente
no Recife, onde residiam Nassau e o Alto Conselho, a fiscalização era mais eficiente que
em Porto Calvo e Paraiba, por exemplo.
Na proximidade de um ataque externo, como foi o promovido pelo Conde da
660
Torre, em 1640, Nassau e o Alto Conselho expediram uma instructie , espécie de
regimento momentâneo que guiasse as tropas nas suas ações contra os ataques luso-
brasileiros. A instructie datada de 17 de abril de 1640, chamou à responsabilidade
elementos do Alto Conselho, do Conselho Político e oficiaias militares. Deixou de fora os
escabinos em suas diversas jurisdições. Soma-se o fato de que, nesses momentos de
possíveis confrontos, Nassau e o Alto Conselho retirava das localidades os conselheiros
políticos, um dos principais observadores dos escabinos junto às autoridades centrais.
Numa segunda instructien, emitida antes de uma expedição ao Rio Real, Nassau
enviou com as tropas o conselheiro político Nieulant. 661 Repetia-se aqui a mesma fórmula
utilizada antes da chegada de Nassau e do Alto Conselho: o poder civil (representado
pelo Conselho Político) acompanhando o poder militar. Nessa situação, as localidades
ficavam à mercê única e exclusivamente dos escabinos.
A mobilidade social a que poderiam ter acesso os senhores de engenho menos
abastados no Brasil Holandês é algo que não pode ser desprezado, sobretudo em locais
aonde a produção de açúcar não era tão significativa como na capitania de Pernambuco.
Na Paraiba, por exemplo, a pobreza de seus moradores, em relação a Pernambuco, foi
percebida pelo Alto Conselheiro Elias Herckmans. O mesmo não deixou de observar que
esta “capitania é uma nova Província que é habitada por portugueses há pouco tempo, e
há não mais que 50 anos se planta açúcar lá. O povo ai não é muito rico [...]”. 662 Em
660
IHGP. Coleção José Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie. 17/04/1640. Tal expediçãorumaria na
direção sul de Pernambuco. ”Instructie van wegen sijn Excell J. Maurits; Grave van Nassau etc. als
Gouverneur, Cap. ende Admirael General over de Conquesten van Brazil, mitsgaders de Ed. Heren van de
Hoogen ende secreten Raide voor den Ed. Manhaften Heer Jan corneliszen Lichthart, Leuten Admirael
van sijn welgemelde Excie ende de Heere Charles de Toulon, commandeur over de militaire tropen, gaende
op de aenstende expeditie suidtwaerts”
661
Idem, 23/05/1640. “ Instructie van wegen sijn Excie voor den Ed. Gestrongen Hans van Koin Colonel
gaende als hooft ende het generael commando hebbende over de troupen ende de scheepen die men
voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontraent op des viants boden, dese naest maenden te doen logieren
ende onderhouden”.
662
Idem, 08/09/1640. Carta de Elias Haerckmans ao Conselho dos XIX.
248
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663
IAHGP. Coleção José Higino. 01/1643
664
Idem, 30/01/1643.
665
Idem, 19/02/1643.
666
Idem.
249
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1. Christoffel Eyerchettel
2. Matthis Becx
3. Abraham de Vries
4. Guihelme Schu
5. Abraham Francisco Cabellian
6. Hugo Graswinckel
7. Gillis van Luffel
8. Bartholomeus van Ceulen
9. Jacques Jacques van Ceulen
667
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/05/1643.
668
Idem, 02/06/1643
250
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3. Antônio de Abreu
4. Arnau de Holanda
5. Antônio da Silva Barbosa
6. Paulo Araújo de Azevedo
669
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/01/1642
670
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/01/1642. Na qual se lê: “Is door Manoel Queiros
Sequeiro, schepenen van de camer van Paraiba een requeste ter vergaderinge gepresenteert, uit den name
van de senhores de ingenios ende labradores van deselve capitania, wesende bij deselve onderteckent,
waermedeversochten tem aen sien van de destructie door den oorlogh geleden, den overloopvan wateren
die het riet ende de plantagien wel te helft hadden doen uitsterven, ende tem doordien om de sieckte van de
251
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bisigas, die meer als duysent negros weghgemekt hadde, ende de eresterende negros die de sieckte ont
komem warensoo swack [...]”
671
Idem, 05/02/1642.
672
Idem, 21/03/1642. “Instructie voor de Herren schepenen, die ten platten lande gecomuniceert worden
om die invonderen op de plantinge van farinha te taxeren”.
673
Idem, 26/03/1642.
252
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674
fregasie aldaer present sijnde te informeren [...]) Pelo exposto, não bastava que os
escabinos, mesmo os neerlandeses, expusessem a situação das localidades. Era necessário
que se fizessem presentes nas freguesias as outras instâncias da administração acima das
câmaras locais. Nos locais nais distantes do Recife, como no Rio Grande, o poder local
ficava, grosso modo, nas mãos do escolteto, espécie de policial ou burgomestre. Numa
aldeia chamada ‘Apowapa’, comunicou um predicante de nome Leoninus a Nassau e ao
seu Conselho de que o local ficaria “sob às vistas do Escolteto (onder’t opsicht van de
schout gestaen heeft). 675
Estes dois exemplos citados acima nos mostram que o exercicio do poder local no
Brasil holandês não se deu uniformemente. Pelo contrário, teve de se ajustar a situações
particulares. As próprias aldeias, que devereiam se geridas por um commandeur,
poderiam estar sob a supervisão de um outro elemento da administração local. Com
relação ao primeiro exemplo, temos que a maior presença das autoridades superiores nas
localidades não se dava nos primeiros anos do escabinato. Na medida em que as
campanhas contra-ofensivas promovidas por tropas volantes vindas da Bahia assolavam
os canaviais de Pernambuco, o medo que a administração superiror passou a alimentar de
uma rebelião nos engenhos era cada vez maior. Daí certamente uma maior fiscalização
sobre os escabinos. Evidentemente, o relativo “interlúdio de paz” que existiu no Brasil
Nassoviano fez com que as autoridades superiores tivessem mais tempo para essas
visitas, salvo em casos de iminentes ataques por mar de luso-brasileiros. Os engenhos das
localidades acima mencianadas (Cabo, Ipojuca e Serinhaém) eram importantes na
produção açucareira de Pernambuco. Soma-se o fato de que Serinhaém e o Cabo de Santo
Agostinho eram portas de entrada para a capitania de Pernambuco. Cabo de Santo
Agostinho, pelo seu porto de Nazaré e Serinhaém, por terra. Era esta a freguesia mais
habitada do domínio sul do Brasil holandês. A visita de Nassau e do Alto Conselho a
estas localidades só se dará sete dias depois da ‘recomendação’ dos escabinos acima
676
citados. O resultado dessa visita foi que a administração superior decidiu, em caráter
provisório, implementar 43 artigos de um código de normas chamado Instruções Gerais
674
Idem, 15/05/1642.
675
Idem, 14/05/1642.
676
Idem, 22/05/1642.
253
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677
(generalen instructien). Esta decisão se deu pouco tempo após a eleição dos novos
escabinos da Cidade Maurícia. Esta última, que era responsável por reger as leis naquelas
localidades.
Qual era a ocupação dos escabinos? Ligamos, de antemão, muitos deles à de
plantadores de cana-de-açúcar. Mas, muitos deles, exerciam também a atividade
comercial. Jorge Homem Pinto, um dos primeiros escabinos da Paraiba, por volta de
junho de 1642, tinha uma considerável divida com a WIC, que fora, naquela ocasião,
amortizada em três pagamentos anuas. 678 Poderia, num caso desses, haver choques de
interesses entre o “fazer cumprir as leis” e as necessidades econômicas do comércio de
açúcar? Um escabino cada vez mais endividado cumpriria bem o seu papel na justiça
local?
O envolvimento de holandeses na economia açucareira se deu em diversos níveis.
Desde neerlandeses que se tornaram senhores de engenho até comerciantes de escravos.
Na Paraiba, um ex-funcionário da WIC, Jan Wijnants, adquiriu, em julho de 1642, o
679
direito de cobrar os dízimos por um valor de 27.500 florins. Numa fase em que a
produção açucareira estava enfrentando crises sucessivas (peste de bexiga, ataques aos
canaviais pelos luso-brasileiros), o endividamento entre os produtores de cana (alguns
escabinos) poderia gerar problemas entre cobrador-endividado. Aliás, esse foi um dos
motivos maiores para o inicio da Restauração Pernambucana. Na capitania de
Pernambuco, dada a maior quantidade e produtividade dos engenhos, o contratador dos
dízimos arrematou o diretito de cobrança pela quantia de 128 mil florins. 680 Nesse
espaço, o maior controle da administração local foi, na medida do possível, reforçado.
Talvez seja por isso que a reação luso-brasileira tenha se iniciado em seus engenhos.
A cobrança aos devedores passava pelas mãos dos escabinos, mas os pagamentos
deveriam ser entregues aos tesoureiros da WIC. 681 Nos Paises Baixos, segundo
682
Marjoleijn ‘T Hart, “most part of collectors were controlled by local magistrates”. No
677
Idem, 19/06/1742.
678
Idem, 16/05/1642.
679
Idem, 31/07/1642.
680
Idem.
681
15/08/1642.
682
‘T HART, Marjolijn, op. cit., 675.
254
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Brasil holandês, os magistrados locais não controlavam a coleta de taxas. A WIC era
muito restrita quanto ao controle das finanças na conquesten.
Um personagem que começa a aparecer na documentação neerlandesa é a figura
“secretário do tribunal de justiça” (secretaris van de gerechtsbancke), ainda que se saiba
que os escabinos tinham acessores. Mas as nomeações para essa função fica evidente nas
fontes em função da complexa relação dos escabinos nas localidades. Uma dessas
dificuldades diz respeito a aplicação das leis. Em setembro de 1642, dois secretários de
justiça neerlandeses foram nomeados para as freguesias de Goiana e Serinhaém. Assim,
foram indicados para secretários, nas respectivas freguesias, Cornelis Steulingh e
683
Hendrick Stewijs.
Seis anos após a criação do escabinato, é mais freqüente nas fontes a presença do
Conselho de Justiça (Raet van Justitien). Sobre este conselho, considerou José Antônio
Gonsalves de Mello:
“Na década de 1640 foi o Conselho Político substituído pelo Conselho de Justiça,
talvez na mesma altura em que foi criado o Conselho de Finanças (1641). Como
passaram para o novo órgão os Conselheiros do Político, a nova designação
parece ter tardado a ser adotada, e as primeiras cartas com tal referência somente
aparecem em 1644”. 684
Contrariando parte da consideração acima, temos que nas Atas do Alto Conselho
já aparecem referências ao Conselho de Justiça no ano de 1642, e não em 1644.
Precisamente na nótula diária (dagelijckse notulen) do dia 09 de stembro deste mesmo
ano. Nessa época, ele já vigia e era reconhecido nas fontes coêvas. De fato, o “novo
Conselho Político (a apartir de então Conselho de Justiça)” era nada mais que uma
redução deste as funções meramente judicantes. Antes exerciam a dupla função jurídica e
administrativa. No inicio do escabinato, existia o Conselho Político como um tribunal de
segunda instância e como uma espécie de “poder fiscalizador” da atuação dos escabinos
nas localidades. Agora, temos o Conselho de Justiça que designa os seus secretários para
atuarem nas localidades. Eles (os conselheiros de justiça) não precisam fiscalizar mais
683
09/09/1642.
684
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês. Op. cit., p.20.
255
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ostensivamente como andam as atividades dos escabinos. Com o passar dos anos, a
administração nassoviana tornava-se mais complexa e cheia de meandros, de forma que
uma instância procurava se inteirar bem da outra.
De uma forma geral, as municipalidades no Brasil holandês foram comparadas às
câmaras no mundo português por Mário Neme como tendo menos liberdade de ação que
estas últimas. No entanto, uma maior comparação pode se feita entre o poder local no
Brasil holandês e nos Paises Baixos. Analisando as cidades nos Paises Baixos nos séculos
XVI e XVII, Marlolein ‘T Hart considerou que “o estado holandês dos séculos dezessete
e dezoito era uma federação com pouca centralização. Esta era, por vezes, até ameaçada
por uma desintegração [...]”. 685 Percebemos, por essa passagem, que o problema da
centralização-descentralização não era apenas comum na monarquia portuguesa. Pelo
contrário, perseguia também a história dos Paises Baixos pós independência espanhola.
Se tormarmos como parâmetro a câmara de Olinda, sede da capitania de
Pernambuco antes da invasão holandesa, e a cidade de Amsterdam, temos que, ao
contrário da primeira, cuja interlândia estava calcada na grande lavoura, Amsterdam
dispunha de uma “interlândia próspera’, ainda na concepção de Marjolein ‘T Hart. 686 A
única municipalidade no Brasil holandês, com status de “cidade”, inclusive reconhecida
pelos próprios batavos, era a Cidade Mauricia, que compreendia o Recife e a Ilha de
Antônio Vaz. Esta, no auge da ocupação holandesa, tinha mais de 5 mil habitantes.
Mesmo assim, a Cidade Maurícia, cuja câmara de escabinos era a mais expressiva e
influente da conquesten, tinha uma população inexpressiva se comparada às cidades
holandesas da época. Para se ter uma idéia, por volta de 1630, Amsterdam contava com
pouco mais de 100 mil habitantes, seguida de Leidem (44.800 habitantes) e Haarlem
(39.500 habitantes). Mesmo as cidades medianas da Província da Holanda, como Haia
(22.500 habitantes) e Gouda (17. 500 habitantes), tinham bem mais moradores que a
Cidade Mauricia. 687 Talvez seja essa acomparação que devamos fazer, não a da Cidade
685
‘T HART, Marjolein. Cities and Statemaking in the Dutch Republic, 1580-1680. In: Theory and Society,
vol. 18, No. 5. Special Issue on Cities and States in Europa, 1000-1800, 1989, p. 663.
686
Idem, p. 664. O caso vale não apenas para Amsterdam, mas para as outras cidades da Provincia da
Holanda. Segundo ‘T Hart: “ The advantage for Holland was that it could dispose of a well-developed
“hinterland” that had prospered while Holland wal still a backwater in international relations and that
provided models of technonlogy, institutions, and capital”.
687
Idem, p. 665.
256
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688
MELLO, op. cit., p.28.
689
Idem, p. 29.
690
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen, 06/10/1642.
691
Idem, 07/11/1642.
257
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escabinos em várias localidades. Não deixava essa de ser uma função logística que
assumiam os escabinos.
Retomando a perspectiva apresentada por Mário Neme, de que os escabinos
“pouco ou nada tinham a fazer”, podemos supor que havia uma comunicação rotineira
entre as câmaras dos escabinos e o Conselho dos XIX nos Países Baixos. Numa ata de
1642, Nassau e o Alto Conselho dava ordens para que todas as câmaras fizessem cópias
de suas nótulas (diários) “os quais devem ser enviados ao Conselho dos XIX (sullen
692
overschicken om die aen de Vergaderinge van de XIX te senden [...]). Contudo, não
podemos ter certeza até que ponto os diretores da WIC tinham a real ciência do que se
passava nas diversas partes da conquista. Pelo menos até essa data, não temos registro em
fontes de que as câmaras de escabinos tinham que enviar cópias de suas anotações aos
Senhores dos XIX. Convém não esquecer que, entre os escabinos e os Herren Negentien
(como eram conhecidos tais diretores), havia o Conselho Político ( à essa altura
convertido em Conselho de Justiça), Nassau e o Alto Governo.
Anteriormente, foi debatido nesse trabalho a importância que tinham os escabinos
da Cidade Mauricia e o medo que a administração superior tinha de que eles passassem a
desobedecer ao Alto Conselho e Nassau. Essa foi a observação feita por Gonsalves de
Mello ao notar como a criação do cargo de buromestres na Cidade Mauricia propiciaria
este clima de animosidade. O autor situou, em nota, a referência à criação daquela função
num memorial da câmara dirigida ao Conselho e a Nassau. 693 No entanto, ainda segundo
esta mesma referência, os senhores XIX concederam a criação da função de Pensionário,
694
ou alguém “a quem incumbisse o exame das peças dos processos”. Em dezembro de
1643, as atribuições do Pensionário foram especificadas em uma correspondência. Ao
todo, tratam-se de 12 itens (ou artigos). De inicio, dizem as ‘instructien’ que o documento
695
teria sido pensado pelos escabinos e pelo escolteto da Cidade Mauricia. Essas
instruções, que foram apresentadas ao Alto Conselho e Nassau, foram concebidas quase
um ano após a vinda de Lamair para assumir a função de Pensionário. Ao contrário do
692
Idem, 18/12/1642.
693
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo 2, p. 29, nota 41.
694
Idem.
695
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie. Instructie geconcipieert bij de heeren
scholtes schepenen der stadt Mauritia op approbatie van sijn Excellentie de Edelle heeren hooge secrete
Raiden, waernaer de heer Jabob Lamair, pendionaris derselver stadt sich sal hebben te reguleren.
258
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que temiam os Altos Conselheiros, que era o excesso poder do pensionário, as instruções
viriam justamente para restringi- lo (sich sal hebben te reguleren). O maior atributo do
Pensionário seria o de ser experimentado em matéria de direito civil e criminal. Assim,
assessorava aos escabinos de Mauricia “em todas as matérias, tanto civis quanto
696
criminais” (in alle saecken, soo civiel als criminele).
A necessidade de um Pensionário nos traz o argumento de que, já passados quase
cinco anos da instituição do escabinato na conquista holandesa por Nassau, os problemas
concernentes à justiça ainda persistiam. Diante disso, podemos concluir que os escabinos
e o Conselho de Justiça não tinham competência para analisar questões jurídicas? Outro
dado é que o pedido para a nomeação de um pensionário no Brasil holandês partiu dos
próprios escabinos da câmara da Cidade Mauricia, e não de Mauricio de Nassau e do Alto
697
Conselho. O Pensionário no Brasil holandês seria uma espécie de secretário
qualificado dos escabinos. Um dos pontos de suas atrubuições dizia que o mesmo deveria
percorrer as freguesias e anotar as reclamações e, “de volta à casa, deveria entregar em
mãos dos senhores escolteto e escabinos todos os papéis que contenham as suas
descrições (Ende thuijs comende, sal hij overleveren in handen van de heeren schoudt ;
schepenen alle de paieren bij hem in deschrige commissie geleght).
A relação entre os escabinos portugueses e a WIC piorava com o tempo. Em
inicio de 1643, um dos primeiros eleitores e escabinos da câmara de Olinda, João
Carneiro de Maris, devia à companhia a soma de 83 mil guldens por empréstimo
contraído. Carneiro de Maris morava na freguesia de Ipojuca e, juntamente com o seu
filho, Francisco Carneiro, teve a sua produção prejudicada pela perda de escravos por
698
bexiga.
A última proposta para composição de câmara de escabinos foi a que fez o
responsável pela administração do Maranhão, Jan Bas. Este escreveu a Nassau e ao Alto
Conselho em inicio de abril de 1642, alegando necessidade de “se manter a boa justiça e
punir os maus” ([...]in sijn goet recht sonde mogen gemaintineert ende de bose gestreft
696
Segundo Gonsalves de Mello, “ao Pensionário, sempre formado em direito civil, competia o exame das
questões submetidas ao Conselho, representando-o em público e responsabilizando-se pela redação e
guarda dos documentos oficiais”. Ref. MELLO, op. cit. pp. 29-30.
698
IAHGP. Brieven en paieren uit Brasilien. Brieven aen sijn Excellentie mitsgaders de Edelle Heeren van
de Hogen ende secreten Rade in Brasil.
259
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worden, sôo ist da teen bancque van justitie hebbe geformeert ende gestelt 4 van de
699
bequamste inwoonderen als schepenen [...]) No Maranhão, quatro moradores se
tornariam escabinos.
Em maio de 1640, numa nótula, podemos encontrar algo sobre a comunicação
entre os escabinos e a diretoria da Companhia das Índias Ocidentais. A mesma dava-se
através do Conselho Político, que enviava anualmente o que se sucedia nas localidades.
Assim, o que acontecia ao nível dos “governos menores” (subalterne gouvernmenten) e
nas diversas câmaras de escabinos (gericht bancken). 700
As fontes menionam constantemente a preocupação de Nassau e do Alto
Conselho em “ordenar que cada um dos escabinos possa protamente administrar a
701
justiça” (ordeneren dat sij aen yder een prompt recht souden administreren). Isso foi
particularmente verificado ao tempo da guerra com a armada do Conde da Torre (Dom
Jorge Mascarenhas), em inicio de 1640, ocasião em que, simultaneamente, campanhistas
vindos da Bahia cruzaram as freguesias do interior de Pernmabuco e Paraiba. Nassau
vivia preocupado com a possibilidade de comunicação entre os moradores do interior e os
campanhistas. Eis ai mais uma atribuição para os escabinos: além de tomar conta da
justiça nas localidades, impedir a ameaça vinda da Bahia. Mas a justiça e o seu bom
andamento significava, sobretudo, cobrar as dívidas e taxar (belasten) os devedores da
WIC nas localidades.
Ainda tratando da comunicação entre os escabinos e os Diretores da WIC,
podemos afirmar que desde a sua instituição (1637), as cartas ou atas das câmaras eram
remetidas aos diretores independentemente da intermediação do Conselho Político. Numa
brieve de inicio de 1638, consta que “todas as câmaras ou escabinos de todas as
jurisdições e outros oficiais que estão nas localidades escrevem aos “Uld”” (senhores dos
XIX) ( de cameren ofte schepenen van alle jurisditien ende alle andere officieren gelast
aen Uld. Te schrijven, [...]”)702 Nessa missiva, de Nassau aos Senhores XIX, seguiam
para os Paises Baixos cartas das câmaras de Olinda, Igarassu, Itamaracá e Serinhaém.
Pelo menos aparentemente, o controle do Brasil holandês parecia ser total por parte dos
699
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 08/04/1642.
700
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 07/05/1640.
701
Idem.
702
Idem, 1638.
260
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“The relation between the States General – the federative sovereign body with
representatives of the seven sovereign provinces – and the Council of State –
made up of provincial delegates and the captain general (the Stadthouder), the
executive power – was characterized by many disputes over competence.
Instructions were vague and subject to several interpretations”. 704
703
Idem, 18/03/1638. Missiva de Johan Gijseling ao Conselho dos XIX.
704
‘T HART, op. cit., p. 669.
705
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre-de-Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco. – Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000.
261
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706
Idem, p. 134. Dois anos antes, em 1643, ele havia sido acusado de conspirar contra a WIC, mas nada foi
provado. Segundo o autor, Fernandes Vieira alegou que “continuava a viver sossegadamente em seus
engenhos” e não a planejar qualquer insurreição contra os neerlandeses.
707
WAETJEN, op. cit., p. 222.
262
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708
Idem, p. 225.
263
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Consideracões finais
264
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Brasil, os neerlandeses passavam a ter contato mais direto com as vicissitudes de uma
sociedade escravista. Não é a toa que tinham a palavra “capitão- de - campo” e a
atividade de perseguir quilombolas como algo novo em seus currículos. Afinal de contas,
não foi de uma hora para outra que se fez um Jan Blaer. No caso deste último, por
exemplo, a acapacidade de alcançar os mocambos dos Palmares foi resultado de anos de
quase mimetismo à geografia local e de adptação ao clima. Jan Blaer tornou-se mesmo
um capitão-do- mato tal qual os brasílicos que exerciam esta atividade. Outra questão, ou
“desconforto” que enfrentou Maurício de Nassau e o Alto Conselho foi a dificuldade em
se resolver problemas que ocorriam em lugares tão distantes do Recife como no Rio
Grande, no Maranhão e no São Francisco. Maurício Nassau se via cercado de pequenas e
grandes escalas de ação. No final das contas, a sua incapacidade para a resolução de
problemas nos limites da conquista chegou logo após a sua brilhante idéia em conqusitar
o Maranhão, Sergipe, São Jorge da Mina e Luanda. Se, por um lado, Nassau “fechava” o
Atlântico sul às coroas ibéricas, fazendo dele o seu mare clausum, por outro, começava
ele mesmo a perceber as dificuldades em se governar sem apoio bélico e financeiro.
Nassau, mais que qualquer um outro, tinha uma boa noção dos problemas que o
acompanhavam em torno do Recife e longe dele.
A questão do abastecimento de farinha de mandioca para a WIC continua ainda
em aberto. Qual seria o volume da produção de farinha das aldeias indígenas dispostas ao
redor do Recife? Ela era para o consumo próprio ou se destinava também às tropas
neerlandesas? Pelo jeito, as dúvidas são maiores que as conclusões.
265
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Anexo I
709
Com o objetivo de espreitar embarcações espanholas.
266
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(chegada) Baixos
11. Iate - 29/07 Soldados - Países -
(saída) inválidos Baixos
(destino)
12. navio Gellerlandt Países
13. navio Bruin Visch Baixos
31/07 55 Víveres (procede) -
(chegada)
14. Iate - 13/08 -
(chegada) Víveres e Países
15. navios (2 - 17/08 “poucos munições Baixos -
embarcações) (chegada) soldados” (procede)
16. navios (6 - 19/08 - - Países -
embarcações) (saída) Baixos
(destino)
17. Iate Bruin Visch 20/08 Escravos - Fernando -
(saída) para de Noronha
servir à
WIC
18. Iate - Países Zelândia
11/09 - Víveres Baixos
(chegada) (procede)
19. navio - Países Holanda
20. navio - 20/09 64 Víveres e Baixos Zelândia
(chegada) munições (procede)
21. Iate - Países
30/09 40 - Baixos Holanda
(chegada) (procede)
22. Iate Overijssel 02/10 Pau-brasil Paises
710
(saída) 120 e sinos Baixos -
(destino)
23. Iate De 08/10 Variados Países
711
Leeuwein (saída) - objetos Baixos -
(destino)
712
24. navios (11 23/10 Bahia
710
Dentre eles, alguns cegos.
711
Possivelmente resultado de pilhagens.
267
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1631
712
Com a missão de patrulhar o litoral.
713
O cronista parece discernir aqui entre ‘navio mercante’ e ‘navio de guerra’, do que depreende que os
outros navios mencionados são ‘mercantes’. Quanto a carga, é bem provável que os soldados tivessem
vindo no Iate, enquanto que os viveres e o material de construção no ‘navio mercante’.
714
Espécie de embarcação de pequeno/médio porte.
715
Resultado de uma presa de embarcação espanhola, onde se aprisionou 15 pessoas.
716
Resultado do apresamento de uma caravela portuguesa.
268
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717
A finalidade era de ser carregada, na dita ilha, de alguma carga que o cronista não especifica.
718
O cronista especifica como sendo “navios de provisões”.
719
O cronista brinca com o nome ‘De Kat’ (o gato) ao afirmar que “o gato traz comida para o rato
faminto”. Isso, é claro, em alusão à falta de víveres entre as tropas da WIC que serviam em Pernambuco.
720
Resultado do apresamento de uma pequena caravela espanhola.
721
Carga proveniente do apresamento de uma barca espanhola.
722
O cronista refere-se como sendo um navio que “saiu à aventura”/ Possivelmente no litoral do Nordeste.
Trouxe como prisioneiro um pirata francês.
269
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723
Segundo o cronista: “Trazem notícia [os navios] de que D. Frederico [D. Fradique] partira da Espanha,
com 64 velas, não se sabendo se pretende vir aqui [para Pernambuco]. Referiram também que sua
Majestade o Rei da Inglaterra mandara euipar 100 navios, e que em Bleney estavam 11 prontos para
seguirem a mencionada frota espanhola”. Ref. RICHSHOFFER, op. cit., p. 104.
270
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(procede)
24. navio Amsterdam 13/05 Quantidade Objetos Países -
(chegada) não utilitários Baixos
especificada (procede)
25. navio Holanda 18/05 100 Viveres Países -
(chegada) Baixos
(procede)
26. navio De Halve 21/05 - Vitualhas Países -
Maen (chegada) Baixos
(procede)
27. ‘navio - 25/05 30 Provisões Países -
mercante’ (1) (chegada) Baixos
e charrua (1) (procede)
28. charruas - 29/05 51 Viveres Países -
(2 (chegada) Baixos
embarcações) (procede)
29. navio - 30/05 “pouca Viveres e Países -
(chegada) tropa” munições Baixos
(procede)
30. navio Dortrecht 31/05 104 - Países -
(chegada) Baixos
(procede)
31. navio Prins 04/06 - 150 caixas Cabo de -
Mauritius (chegada) de açúcar e Santo
724
tabaco Agostinho
(procede)
32. navios - - Provisões Países -
mercantes (2 05/06 Baixos
embarcações) (chegada) (procede)
33. Iate Amersfoort - 150 tonéis Litoral da -
de vinho Bahia
espanhol e (procede)
10 peças de
724
Resultado do apresamento de um navio espanhol.
271
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artilharia
725
725
Resultado do apresamento de um navio espanhol. Dessa vez, segundo o cronista, “o capitão e todos os
tripulantes foram salvos e trazidos prisioneiros para aqui [o Recife]; assim como muitas cartas achadas com
eles foram entregues junto com o capitão espanhol ao Governador”. RISCHOFFER, op. cit., p. 118.
726
Resultado do apresamento de um navio espanhol que ia comerciar escravos em Angola.
727
Resultado do apresamento de um navio espanhol.
728
Segundo carta do Coronel Wanderbuch aos Estados Gerais, a saída deu-se no dia 03 de dezembro e
utilizou-se 14 embarcacações em vez de 19, como registrou Rischoffer. Podemos, seguramente, dar mais
crédito à informação do primeiro. Ref. Documentos holandeses, op. cit, p. 97.
272
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1632
729
Resultado de apresamento de uma caravela espanhola.
730
Resultado de apresamento de duas caravelas espanholas “bem carregadas de açúcar” próximo ao Rio
Formoso.
273
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que
serviram em
Pernmabuco
11. navios (4 Arca Noe, - Açúcar Países Baixos -
embarcações) Het Wapen (destino)
van Delft,
De Faeger, 11/04
Pater (saída)
12. navios (6 - Soldados - Índias -
embarcações) veteranos Ocidentais
(destino)
731
Informações Colhida nas Dagelijckse Notulen do governo holandês no Brasil.
274
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cocos de
Igarassu
9. Navio Walcheren 06/04 - Provisões e Cabo de Santo Zelândia
saida munições Agostinho
(destino)
10. Navio Ter Veere 11/04 Quantida Provisões Paises Baixos Zelândia
entrada de não outros (procede)
informada
11.Navio Sint Martijn 12/04 48 Provisões Paises Baixos Zelândia
entrada (procede)
12.Chalupa Duizenbeen 13/04 - 320 cocos Itamaracá -
entrada (procede)
13.cruzador De 13/04 - - Barra Grande -
Vledermuis saida (destino)
275
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276
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277
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Saída (destino)
45. cruzador Gijseling 29/05 - Açúcar e Porto Calvo -
chegada missiva do (procede)
capitão de
Ridder
46. cruzador Schoppe 30/05 - 2 missivas Porto calvo -
saida para o capitão (destino)
de Ridder e
provisões
47. cruzador De 08/06 - Sem provisões Paraíba Amsterda
Meerminne chegada (procede) m
48. cruzador De 16/06 - - Ilha de Santo Amsterda
Meerminne chegada Aleixo m
(procede)
49. navio Het Land 19/06 Sem Provisões Paises Baixos Amsterda
Fluit van Belofte chegada soldados (procede) m
50. navio De 19/06 - Sem provisões Cabo de Santo -
Winthond chegada Agostinho
van Hoorn (procede)
51. navio De Moriaen 28/06 - Provisões e Cabo de Santo -
Saída munições Agostinho
(destino)
52. cruzador De 29/06 - - Bahia -
Vledermuis chegada (procede)
53. cruzador Snaphaen 29/06 - Busca de Não informado -
saida materiais para
a construção
do forte de
Barra Grande
54. navio Het Land 10/07 - Será Índias Ocidentais e -
van Belofte saida carregado de Paises baixos
sal
55. cruzador De 17/07 soldados - Cuba e Paises Amsterda
Meermine saida portugues Baixos m
es (destino)
prisioneir
os
56. cruzador De 17/07 soldados - Cuba e Paises Zelândia
Zuijdsterre saida portugues Baixos
es (destino)
prisioneir
278
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os
57. cruzador Schoope 17/07 soldados - Cuba e Recife -
Saída portugues (destino)
es
prisioneir
os
58. barco Angola 17/07 soldados - Cuba e Paises -
Saída portugues Baixos
es (destino)
prisioneir
os
59. cruzador De 17/07 - Carta do Barra Grande -
Kemphaen chegada Fiscal de (procede)
Ridder
60. cruzador De Bonte 30/07 - - Cabo de Santo -
Craij chegada Agostinho
(procede)
61.cruzador De 30/07 - - Cabo de Santo -
Kemphaen chegada Agostinho
(procede)
62.cruzador De 30/07 - - Cabo de Santo -
Winthond chegada Agostinho
van Hoor (procede)
63. navio Enckhuisen 02/08 - Aprisionou um Bahia -
chegada navio de (procede)
Lubeck no
litoral da
Bahia
64. navio Não 02/08 - 27 peças de Bahia -
(aprisionado) informado chegada artilharia, (procede)
tabaco, pau-
brasil e 1.900
caixas de
açúcar
65. cruzador Ceulen 02/08 - - - -
Saida
66. cruzador De 02/08 - Provisões Porto Calvo -
kemphaen Saída (destino)
67.cruzador De 02/08 - Provisões Porto Calvo -
Vinthond Saída (destino)
van Hoor
279
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280
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281
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282
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Moriaen
118.navio de De 03/10 - - Índias Ocidentais e -
carga Wassende Saída Paises Baixos
Maen
119.cruzador De 05/10 - Carta do São Gonçalo -
Canarievoge chegada Governador (procedência)
l pedindo 3 Cias
de soldados
120. navio Ter Toolen 05/10 Quantida Viveres Sul de Pernambuco -
Saída de não (destino)
informada
121.cruzador De Spreeuw 05/10 - Viveres Sul de Pernambuco Amsterda
Saída (destino) m
122.navio Overijssel 05/10 - - Paraíba -
chegada (procede)
123. barco Passmoij 08/10 - Será Ilha de Santo -
(fluit) Saida abastecido Aleixo
pelo navio (destino)
Hércules
124.cruzador De Cambe 08/10 - Viveres e Cabo de Santo -
Saída munições Agostinho
(destino)
125. navio Sint Clara 08/10 - Bens de Paises Baixos Amsterda
chegada comércio, (procede) m
ervilhas,
feijão, cevada
e farinha/carta
do Cons. XIX
126. galeão De Doffer 08/10 - Controlar o Ilha de Santo -
Saída descarregame Aleixo
nto do (destino)
Hércules
127.cruzador De 12/10 - Pau-brasil Rio Grande do -
Bontecreij chegada Norte
(procede)
128.cruzador Kemphaen 12/10 - - Santo Antonio -
chegada (procede)
129.cruzador Lichthart 12/10 - - Santo Antonio -
chegada (procede)
130.cruzador De 18/10 - Viveres Paraíba -
Leeuwerick Saída (destino)
283
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284
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285
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286
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viveres das
tropas de
Alagoas
176. galeota De Doffer 16/12 - Açúcar Barra Grande -
Chegada (procede)
177. cruzador De 16/12 - Informa - -
Sprreeuw Chegada acerca da
de Zelândia vinda da
esquadra
espanhola
178. cruzador De Cauwe 16/12 - Informa a - Zelândia
Chegada falta de viveres
do Sr.
Stachouwer
179. cruzador De 17/12 - - - -
Canarivogel Chegada
180. cruzador De 17/12 - Missiva do Sr. Paraíba -
Goutvinck Chegada Eijsens (procede)
181. galeota De Duijft 23/12 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
182. cruzador De Cauwe 23/12 - Provisões Itamaracá -
Saída (destino)
183. navio De 23/12 - Bens para os Amsterdam Amsterdã
Holandsche Chegada cidadãos (procede)
Tuijn livres,
viveres,armas
e material de
artilharia
184. navio Enckhuisen 23/12 - Pau-brasil - -
Saída
185. cruzador Het Haentje 27/12 - Noticias do Sul de Pernambuco -
Chegada possível (procede)
ataque inimigo
por terra
186. cruzador Lichhart 27/12 - Noticias do Sul de Pernambuco -
Chegada possível (procede)
ataque inimigo
por terra
187. cruzador De 31/12 - - Sul de Pernambuco -
Canarivogel Chegada (procede)
287
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(Ano 1636)
Natureza Nome Data Soldados Carga Procedência/destino Câmara
1. cruzador Goutvinck 03/01 - - Paraíba -
Saída (destino)
2. cruzador De Doffer 03/01 - - Paraíba -
Saída (destino)
3. cruzador Ceulen 03/01 - Viveres Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
4. cruzador De Cauwe 07/01 - Munições Sul de Pernambuco -
Saída (destino)
5. cruzador De Phaesant 07/01 - 62 caixas de Ilha de Santo -
Chegada açúcar Aleixo
(procede)
6. navio Goeree 07/01 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
7. cruzador De Bonte 08/01 - Munição Sul de Pernambuco -
Craij Saída (destino)
8. cruzador De 17/01 - Viveres e Barra Grande -
Canarivogel Saída munição (destino)
9. cruzador De winhond 18/01 - Cartas Barra Grande -
van Hoorn chegada pedindo (procede)
viveres
10. cruzador De Doffer 18/01 - Mercadorias Paraíba -
Saída para cidadãos (destino)
livres e viveres
para as
guarnições
11. cruzador Lichthart 18/01 - Viveres Barra Grande -
Saída (destino)
12. navio Salamander - Navegar em -
13. navio Walcheren - direção a -
14. navio Ht Wapen - Peripueira e -
van transportar o
Mademblick 19/01 exército de Peripueira/Barra
15. navio De Faem Saída - Arcizenscki Grande -
16. navio Overijssel - até Barra (destino) -
17. navio Ter Toolen - Grande -
18. navio Goeree - -
19. chalupa - 19/01 - - Serinhaém -
(chegada) (procede)
288
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289
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Saída Agostinho
(destino)
33. cruzador De Goutvinck 28/01 - - Paraíba -
Chegada (procede)
34. galeota De Doffer 01/02 - Carta pedindo Itamaracá
Chegada material de (procede)
construção -
para
construção do
Forte Orange
35. cruzador - 01/02 - Informações Cabo de Santo
Chegada sobre 13 Agostinho
navios (procede) Zelândia
holandeses que
estavam na
ilha de Santo
Aleixo
36. navio Out 04/02 - Noticia acerca Barra Grande -
Vlissingen Chegada de ataque do (procede)
inimigo a
guarnições da
região
37. navio De 06/02 - Viveres Rio Grande do -
Meerminne Saída Norte
(procede)
38. navio De 06/02 - Viveres Paraíba -
Leeuwinne Saída (destino)
39. galeota De Duijff 12/02 - - Barra Grande -
Chegada (procede)
40. navio Salamander - - -
41. navio Ter Toolen - - -
42. navio De Faem 13/02 - - -
43. navio Dordrecht Saida - - Sul de Pernambuco -
44. navio Overijssel - - (destino) -
45. navio Walcheren - - -
46. navio De Phaesant 13/02 - Missiva Cabo de Santo -
Chegada pedindo Agostinho
viveres (procede)
47. cruzador Ceulen 13/02 - Missiva Barra Grande -
Chegada pedindo (procede)
viveres
290
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732
(com asterisco) Embarcações saídas da Paraíba.
733
A noticia trazida por esta embarcação foi que os navios Salamander, Ter Tholen, De Faem, De Maecht
van Doort, Overijssel, Walcheren, Out Vlisssingen e De Holandsche Tuijn entraram em combate contra
dois galeões e um patacho espanhóis no litoral da Bahia. Na refrega, o navio Salamander saiu com o mastro
do traquete e o grande mastro avariados.
291
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734
Entre eles, tinham 1 Alferes e 3 frades capuchinhos. Trouxeram também cartas para o almirante
Lichthart informando que os cruzadores De Spreweuw, De Winthond e De Leewinne navegariam até o
Porto Francisco (altura de Camaragibe?).
735
Segundo os tripulantes, sete embarcacoes viriam, em seguida, carregadas de viveres. A documentação
chama estes navio de Amsterdam de “navios de carga”. Os navios partiram de Texel no dia 1 de dezembro
de 1635.
292
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736
Junto ao Haerlem vieram mais 15 navios, que sairam dos Paises Baixos no dia 15 de Janeiro. Todos
carregados de soldados, marinheiros, viveres e produtos para serem vendidos pelos cidadãos-livres. A
documentação, infelizmente, não especifica as embarcações. Chamou-se a atenção do navio Haerlem, pelo
fato desse ter trazido o conselheiro político Hendrick Schilt.
737
Foi em missão de saber se a armada espanhola ainda se encontrava nalgum porto daquela região.
738
Tais embarcações traziam uma embarcação ganhada aos luso-brasileiros (ao que tudo indica). A presa
estava cheia de vinho e viveres.
293
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739
Os nomes das embarcações não foram informados. O barco espanhol aprisionado transportava 36
prisioneiros (marinheiros, brasilianos e escravos). Também trazia muitas cartas que revelavam planos dos
luso-brasileiros em atacar as tropas da WIC a partir de Porto Calvo com um efetivo de 600 homens.
294
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740
Para fins de patrulhamento da costa sul da conquista, as instruções foram dadas no sentido de que essas
embarcações deveriam navegar ao máximo para o sul e o maximo possivel longed a costa.
741
O destino era se encontrar com as embarcações De Duijffer, De Vledermuis, De Haen e De Kemphaen
nos limites das latitudes 10 e 11,5 graus sul.
742
Foi ser carregado na Paraiba.
743
Na verdade, o destino final será cruzar o litoral da Bahia.
295
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Anexo II
745
Lista de escabinos no Brasil Holandês (1637-1643)
Câmara da Paraíba
1637-38
1638-39
Jan van Ool e Manuel D’Almeida (reconduzidos), Alonso Francez, Geraldo Mendes
e Eduart Munickhoven
1639-40
1641-42
Francisco Gomes de Muniz, Gaspar van Solpten, Pieter Coets, Jacob Phibel,
Jacques van der Neese, Manuel Queiroz Siqueira e Sebastião da Cunha
744
A notulen fala que a embarcação irá se encontrar com outras que estão no sul da capitania de
Pernambuco. Fala-se numa quantidade de 2100 homens. Possivelmente, esse efetivo não era todo para o
navio em questão e sim seria dividido entre as embarcações que lá estavam.
745
Atas do Governo Holandês no Brasil.
296
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1642-43
1643-44
Jan van Ool, Michiel van de Veene, Gaspar do Valle, Tomé (?) Leitão, Antônio de
Mattos Cardoso e André Dias Figueredo
Câmara de Itamaracá
1637-38
1638-39
1639-40
1641-42
Johannes Carpentier, Couret Pauli, Estevão de Couceiro Siqueira, David van kessel,
Jan Haeck, Francisco de Souza Brito e Rui vaz Pinto
1642-43
David van kessel, Francisco de Souza Brito, Rui vaz Pinto, Michiel Hendricks, Jan
(Johan) Wijnants, Francisco Soares e Noel de la Garame
1643-44
Michiel Hendricks, Jan Wijnants, Francisco Soares, Laubrecht Lieuvenso (?), Pieter
Seullen, Pedro de Freitas e Jorge de Castro Vieira
297
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Câmara de Igarassu
1637-38
1638-39
1639-40
1641-42
Gonsalvo Novo de Lira, João Malheiros da Rocha, Jacob de Poex, Willen Elpingsten
1642-43
Gonsalvo Novo de Lira, Willen Elpingsten, Jaques Ballon, João Pimentel e Vicente
Cerqueira
1643-44
Câmara de Serinhaém
1637-38
1638-39
298
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1639-40
1641-42
1642-43
1643-44
Guillame Plancker, Diogo Nunes Fontes, Francisco Fernando Anjo, johan Hick e
Roelant Carpentier
1639-40
1641-42
1642-43
1643-44
299
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1639-40
João Fernandes de Paiva, João Velho Tinoco (?), Gaspar Gonsalves Novo, Moraes
de Barros e Valentin da Rocha Pitta
1641-42
1642-43
Manuel Gomes Rebelo, Roque Leitão, Antônio de Souza, Diego da Costa, Coubert
van Couverden
1637-38
Wilhelm Doncker, Jacques hack, Francisco de Brito Pereira, Gaspar Dias Ferreira e
João Carneiro de Mariz
1638-39
Wilhelm Doncker e Gaspar Dias Ferreira (reconduzidos), Casper van Niehof van
der Ley, Samuel Halters e Luís Braz Bezerra
1639-40
1640-41
Gaspar Dias Ferreira (reconduzido), Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de
Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos e Antônio Vieira
746
Lista extraída do levantamento realizado por José Antônio Gonsalves de Mello. Ref. Fontes para a
História do Brasil Holandês, tomo II, A Administração da Conquista.
300
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1641-42
Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos
e Antônio Vieira (reconduzidos), Samuel Halters, Jacob Coets, Hans van der Góes e
João Fernandes Vieira
1642-43
Samuel Halters, Jacob Coets, Hans van der Goes e João Fernandes Vieira
(reconduzidos), Albert Warsonck, gillis Krol, Antônio Cavalcanti, Antônio de
Bulhões e Francisco Berenguer de Andrade
1643-44
Fontes primárias
Projeto Resgate
LAPEH (UFPE)
Capitania de Pernambuco
301
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Capitania da Paraíba
Capitania do Maranhão
Capitania do Pará
302
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Outros
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1945.
303
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304
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de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande segundo o que eu, Adrien Verdonk, posso me
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305
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Relatório de Joannes van Walbeeck. In: DE LAET, Johannes. Descrição das Costas do
Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações
oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido. Manuscrito do John
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320