O Modelo Mental de Terrence Deacon
O Modelo Mental de Terrence Deacon
O Modelo Mental de Terrence Deacon
Resumo
Apresenta a teoria da mente do antropólogo e cientista cognitivo de Berkeley Terrence
Deacon, com a qual o autor afirma ter exaurido o modelo computacionalista do mental e
reenquadrado o livre arbítrio numa perspectiva genuinamente naturalista e pré-organizada para a
investigação científica. A teoria da mente de Deacon parte da desconstrução da trajetória
evolutiva da teleodinâmica emergente do self e, ao fazer isso, identifica a individuação e a
agência como os processos mais elementares constitutivos do self. Ambos se fundam na
emergência de um teleodirecionamento sobre processos autocatalíticos, ou seja, na inauguração,
na natureza, da primeira unidade espontaneamente direcionada para um fim, que Deacon chama
de teleogen. Se quisermos compreender a evolução dos organismos, temos que examinar essas
dinâmicas de baixa ordem em que teleogens se articulam para gerar selves que, por sua vez,
articulam-se para gerar selves de mais alta ordem e, assim, sucessiva e hierarquicamente, até
chegar ao fenômeno da mente intencional. Para Deacon, ‘o então-chamado mistério da
consciência reflexiva revela-se um falso dilema criado por nossa falha em entender a eficiência
causal das restrições emergentes’.
No paralelo que autor nos oferece entre o paradoxo do mentiroso (‘essa sentença é
falsa’) e um organismo funcional há um vislumbre deste seu entendimento: para ele, o
problema na interpretação do paradoxo do mentiroso é que, quando prestamos atenção à
parte, ficamos propensos a achar que o que diz a sentença pode ser falso. Aí nosso
processo interpretativo tenta fixar o que é falso (buscar o referente) e vemos que é o todo
(já que a expressão ‘a sentença’ se refere a toda a afirmação) e que, então, estamos diante
de uma verdade. Sendo a interpretação um contínuo processo de verificação, ela volta-se
novamente à parte que lhe informa ‘é falsa’. Como a confirmação nunca pode ser
finalizada, a interpretação entra numa espécie de looping, e é tal circularidade que
chamamos paradoxo. Isso é possível com sentenças por causa da natureza virtual da
interpretação simbólica.
Autogens
Através dos milênios, favorecidos por um ambiente quente e nutritivo,
aminoácidos ligam-se e desligam-se ao acaso, formando estruturas aleatórias, sempre.
Quando estruturas espacialmente fechadas em si mesmas tomam forma, como em uma
cápsula, algo ocorre: a proteína da membrana que divide interior e exterior – a interface
entre o fechado e o aberto – não os isola completamente e exprime um comportamento
seletor a respeito de que substâncias entram e quais saem. Essa seleção reflete uma
influência nova, uma influência que favorece toda a estrutura e não só uma parte, uma
influência aparentemente virtual, do tipo que a catálise espontaneamente exerce sobre
reações químicas diversas.
Agência
Deacon inclui uma definição de agência em sua sistematização do self. Um agente
é
o locus do trabalho capaz de mudar coisas de acordo com finalidades geradas internamente e
contrárias às tendências extrínsecas. [...] Tem capacidade de auto-iniciar (self-initiate) o trabalho.[...]
A teleodinâmica que distingue a agência de um organismo do mero trabalho físico é um produto de
sua forma de reciprocidade enclausurada.[...] Com a evolução dessa nova forma de teleodinâmica,
surgiram novas capacidades de realizar trabalho que fazem existir novas opções relacionadas às mais
diversas influências extrínsecas. (2012, 479)
Vale a pena lembrar que o trabalho a que Deacon se refere aqui é uma noção
expandida do conceito físico de trabalho. O poder causal associado a esta capacidade
estendida de realizar alterações no mundo não tem a ver diretamente com o que acontecerá
com as moléculas ou com a energia, não é físico nem organizacional, é semiótico. Não
significa que as mudanças introduzidas no ambiente não necessitam do agir humano. É
claro que é a ação que executa o que a mente manda. O poder causal da semiótica está no
gerenciamento mental da ação.
Como organismos vivos são sistemas teleodinâmicos, eles não reagem apenas
mecanicamente ou termodinamicamente às perturbações. Eles usam suas habilidades
perceptivas para exercer uma espécie de ‘sensibilização antecipatória’ e iniciam mudanças
em suas dinâmicas internas para compensar, modificar ou mesmo provocar mudanças
externas. É claro que esses sistemas são ‘dependentes de’ e ‘emergem de’ processos
morfodinâmicos e homeodinâmicos ininterruptos.
A hierarquia da consciência
Os dois últimos capítulos de Incomplete Nature são dedicados à análise das
formas hierárquicas de consciência. Deacon distingue sentience e consciousness que,
numa tentativa de imprimir bastante rigor ao uso que o autor faz dessas expressões,
traduziremos, respectivamente, por sensibilidade ciente e consciência reflexiva.
Coerente com seu método de abordar os fenômenos por ele mesmo denominados
entencionais – que só existem em relação ao um fim, a princípio, ausente -, Deacon
considera os tipos de sensibilidades cientes atributos emergentes de diferentes sistemas
teleodinâmicos. Uma célula poder se autorregular e duplicar. Células se locupletam em
tecidos, e tecidos cumprem funções específicas sem utilizar diretamente as funções da
célula, mas também sem poder abdicar do que elas fazem. Um órgão realiza sua tarefa
vital da mesma forma, sem utilizar diretamente as funções do tecido de que é feito mas,
com certeza, sem poder abrir mão delas. Assim Deacon vai exemplificando vários níveis
de selves, de sensibilidades consideradas cientes por que realizam autonomamente a tarefa
de se equipar, organizar-se e manter-se para realizar sua função existencial.
Por que organismos são sistemas teleodinâmicos, eles não apenas reagem mecanicamente e
termodinamicamente às perturbações, mas geralmente são organizados para iniciar uma mudança em
sua dinâmica interna que ativamente compense modificações extrínsecas ou déficits internos. (2012,
487)
Como vimos, a teoria da mente de Deacon quer demonstrar como os mais altos
níveis de consciência reflexiva emergem dos mais baixos níveis de sensibilidade proativa,
cumulativa e dinamicamente, numa perspectiva naturalista e teleodirecionada. É outra
leitura da superveniência, uma abordagem alternativa de causação descendente, uma teoria
instigante.
‘Enquanto computação apenas transfere restrições extrinsecamente impostas de
substrato a substrato, a cognição (ou seja, a semiose) gera restrições intrínsecas que têm a
capacidade de propagação e auto-organização’(2012, 498). Computacionalismos exibem
apenas poder performativo enquanto mentes humanas exibem poder formativo. Mentes
humanas têm à disposição uma fonte de propriedades formais emersas da simbolização,
tais como autoconhecimento e valores éticos, fonte esta que nos foi atribuída pela
evolução com exclusividade.
Neurônios, como qualquer self, não sobrevivem ao desequilíbrio, o que força seus
sistemas internos a constantemente reconfigurar os sinais que emitem e impregnar o fluxo
de nutrientes com novas informações. Ruídos e outras interferências informacionais estão
na gênese da teleodinâmica mental. Cérebros tendem muito mais a amplificar ruídos do
que amortecê-los. Auto-organização e processos evolucionários são muito mais parecidos
com a função mental do que computadores. Ruídos estão ligados a processos dinâmicos
emergentes tanto quanto os esforços para superá-los ou incorporá-los.
Porém, como vimos, a condição imposta a nossa natureza por esse fenômeno
entencional é refletir estruturalmente (como fazem todas as teleodinâmicas) o vir-a-ser
dessa condição. Esse reflexo estrutural é justamente o que chamamos de emoções.
Emoções não são pré-definidas nem pré-estabelecidas, embora possam ser reconhecidas
por qualquer humano.
Talvez tenha sido essa marcada analogia com o movimento que manteve a
abordagem do fenômeno mental e da experiência subjetiva numa perspectiva energética.
Só nos anos 60/70 do século passado, o psicólogo Gregory Bateson percebeu que essa
analogia energética da subjetividade era inapropriada, tendo em vista que os fenômenos
em questão – o funcionamento mental e a experiência subjetiva – são, na verdade, como
ele vem a propor, informacionais. Cognição e pensamento podem agora ser explicados em
termos de informação.
Mas, sendo o pensamento uma função linguística, ele também é co-regulado por
fatores extrínsecos, tais como a alteração no direcionamento da atenção, a diferenciação
de associações mnemônicas, a possibilidade de ativar ou inibir comportamentos e de
modificar a modalidade de processamento solicitada.
A subjetividade não é de forma alguma de outro mundo ou não-física. [...] Ela apenas não está
localizada no que há aqui, mas emerge com precisão do que ainda não existe. A consciência está
negativamente incorporada nas restrições que emergem dos processos teleodinâmicos. [...]
Intrinsecamente essas restrições emergentes não são nem materiais nem dinâmicas – são o algo que
falta – [...] A propriedade intencional que atribuímos à experiência consciente é gerada pela
emergência de restrições que emergem de restrições, de ausências que ‘brotam de’ e ‘criam novas’
ausências. Alguma coisa que aparece do quase-nada e que é incorporado a cada instante.(2012, 535)