Ato - de - Fe - Da - Pessoa - Sto Thomas. de Aquino
Ato - de - Fe - Da - Pessoa - Sto Thomas. de Aquino
Ato - de - Fe - Da - Pessoa - Sto Thomas. de Aquino
Introdução
Neste artigo pretendemos defender que o ato de fé é um ato da pessoa. Com efeito,
segundo o Concílio Vaticano I, a fé consiste no ato pelo qual o homem presta à Revelação de
Deus um obséquio (obsequium) pleno do intelecto e da vontade.1 Agora bem, segundo
Garrigou-Lagrange, na sua magistral síntese do pensamento de Tomás, “[...] a pessoa é um
sujeito inteligente e livre [...]”2. Destarte, a fé é um ato pessoal, um ato da pessoa, já que
procede do intelecto e da vontade do sujeito que crê. Ora, o objetivo deste texto é
precisamente mostrar que é a pessoa quem crê e não simplesmente as suas faculdades
racionais, isto é, o seu intelecto e a sua vontade. Procederemos da seguinte forma: antes de
tudo, definiremos em que consiste ser pessoa; a seguir, esforçar-nos-emos por definir em que
consiste ser inteligente e livre; dando sequência, empenhar-nos-emos por distinguir os dois
modos de atos livres; dando continuidade, procuraremos precisar o que é ter fé; depois,
tentaremos mostrar a unidade intrínseca que existe entre espírito e matéria, com o objetivo de
assinalar a unidade intrínseca que envolve as faculdades e o sujeito da ação. Enfim,
passaremos às considerações finais deste ensaio.
A nossa principal fonte será a Summa Theologiae de Tomás de Aquino, na sua mais
recente tradução brasileira, empresa de fôlego das Edições Loyola, que resultou no
aparecimento de nove volumes, em edição bilíngue, entre os anos de 2001 a 2006. Valer-nos-
emos, ademais, de dois textos de comentadores: Crer, Esperar e Amar, de Josef Pieper, com
1
CONCÍLIO VATICANO I. Dei Filius. III, III, 1789. Disponível em: <http://www.veritatis.com.br/> Acesso
em: 07/06/2008. “Visto que o homem depende inteiramente de Deus como seu Criador e Senhor, e que a razão
criada está inteiramente sujeita à Verdade incriada, somos obrigados a prestar, pela fé, à revelação de Deus,
plena adesão do intelecto e da vontade.” [O itálico é nosso].
2
GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Síntesis Tomista. Trad. Eugenio S. Melo. Buenos Aires: Ediciones
Desclée, 1946. p. 247: “[...] la persona es un sujeto inteligente y libre [...]”. [A tradução é nossa].
2
tradução de Luiz Jean Lauand, e A Psicologia da Fé, obra do jesuíta Leonel Franca, editada
pela Agir.
Passemos a considerar o conceito de pessoa.
1. O conceito de pessoa
3
Persona est rationalis naturae individua substantia
4
MONDIN, Battista. Glossário dos Principais Termos Teológico-Filosóficos. v. “Substância”. 2ª ed. Trad.
José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 2005. p. 440.
5
GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2006. p. 265.
6
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. I, 29, 1,
C: “O universal e o particular se encontram em todos os gêneros. Entretanto, de maneira especial o indivíduo se
3
Contudo, a pessoa não é somente uma substância individual, mas uma substância
individual de natureza racional. Com efeito, o particular e o individual se encontram de
maneira ainda mais especial e perfeita nas chamadas substâncias racionais. Isto se dá pelo
fato de as substâncias racionais possuírem o domínio sobre os seus atos (dominium sui actus).
Elas não estão fadadas a agirem somente por causalidade natural, mas podem desencadear
uma causalidade própria. Aliás, é esta peculiaridade que distingue as substâncias racionais
das demais substâncias: elas são capazes de agirem por si mesmas (per se agunt). Agora bem,
chamamos de pessoa (persona), precisamente à substância racional que, além de existir por si
(ens per se) ou exatamente por isso, é capaz, em virtude da sua racionalidade, de agir por si
(per se agunt).7
Passemos a considerar a racionalidade e a liberdade
2. Racionalidade e liberdade
É indubitável que algumas coisas, diz Tomás, agem sem julgamento. É o caso da
pedra, que cai somente em virtude da sua forma. E assim acontece com todas as coisas que
são destituídas de conhecimento.8 Há outras, porém, que agem com julgamento, mas é um
julgar por instinto e, por isso, não livre. Assim a ovelha foge do lobo, porque por instinto
julga que ele lhe é nocivo. Assim sucede com todos os animais. O julgamento por instinto não
é livre, porque não procede de uma comparação, que é uma operação própria da razão.9
Agora bem, no caso do homem – que é um animal racional – há nele um julgamento
livre. Ele foge de uma coisa ou a procura mediante uma comparação da razão e não
simplesmente por um instinto natural. Ora, esta comparação, exercida pela razão no homem, é
encontra no gênero substância. A substância, com efeito, é individuada por si mesma. Mas os acidentes o são,
pelo sujeito, isto é, pela substância: diz-se por exemplo esta brancura, enquanto está neste sujeito. É conveniente,
portanto, dar aos indivíduos do gênero substância um nome especial: nós os chamamos de hipóstases ou
substâncias primeiras.”
7
Idem. Op.Cit: “O particular e o indivíduo realizam-se de maneira ainda mais especial e perfeita nas substâncias
racionais que têm domínio de seus atos e não são apenas movidas na ação como as outras, mas agem por si
mesmas. Ora, as ações estão nos singulares. Por isso, entre as outras substâncias os indivíduos de natureza
racional têm o nome especial de pessoa.”
8
Idem. Op.Cit. I, 83, 1, C: “[...] certas coisas agem sem julgamento. Por exemplo, a pedra que se move para
baixo, e igualmente todas as coisas que não têm conhecimento.”
9
Idem. Op.Cit: “Outras coisas agem com julgamento, mas esse não é livre: como nos animais. Por exemplo, a
ovelha, vendo o lobo, julga que é preciso fugir: é um julgamento natural, mas não livre, pois não julga por
comparação, mas por instinto natural.”
4
possível porque as ações particulares são contingentes e, desta feita, não se encontram
determinadas a uma única coisa. Sendo assim, pela própria natureza contingente das ações
particulares, nelas a razão pode optar por diversas alternativas, sem ser constrangida a
nenhuma.10 Realmente, o julgamento livre acontece por comparação e esta é uma operação
própria da razão. Daí que o homem possui livre-arbítrio exatamente por ser animal racional.
Em outras palavras, o homem é livre por natureza: “Por conseguinte, é necessário que o
homem seja dotado de livre-arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional”11.
Passemos a considerar os dois principais modos de ato livre.
O homem, embora atraído pelos instintos naturais, não é determinado por eles. Pode,
por possuir o livre-arbítrio da vontade, negar-se a atender aos apelos dos sentidos.12
Entretanto, importa aduzir um esclarecimento. Na concepção tomasiana, há dois tipos de atos
livres: aqueles que procedem formalmente do livre-arbítrio e aqueles que, embora procedam
de outras faculdades, estão, no entanto, sob o domínio da vontade livre.13 Agora bem, livres
propriamente são somente os atos da vontade; contudo, aquelas faculdades que estão sob o
império da vontade, pelo influxo que esta exerce sobre elas, também podem agir livremente.14
10
Idem. Op.Cit: “O homem, porém, age com julgamento, porque, por sua potência cognoscitiva julga que se
deve fugir de alguma coisa ou procurá-la. Mas como esse julgamento não é o efeito de um instinto natural
aplicado a uma ação particular, mas de uma certa comparação da razão, por isso, o homem age com julgamento
livre, podendo se orientar para diversos objetos. (...) Como as ações particulares são contingentes, o julgamento
da razão sobre elas se refere a diversas e não é determinado a uma única.”
11
Idem. Op.Cit: “Et pro tanto necesse quod homo sit liberi arbitrii, ex hoc, ipso quod rationalis est.” Então,
homem, pelo próprio fato de ser homem e não um rato, possui livre-arbítrio! O livre-arbítrio é corolário da
própria natureza humana: LAUAND, Luiz Jean. A Educação no Novo Catecismo Católico. In: LAUAND,
Luiz Jean. Sete Conferências Sobre Tomás de Aquino. São Paulo: Esdc, 2006. p. 102: “Se agimos como
homens é porque nascemos homens e não ratos. Natureza humana é, assim, o ser que o homem recebe de
nascença.”
12
SILVEIRA, Sidney. Santo Agostinho e o Mal como Privação dos Bens Naturais. In: AGOSTINHO, Santo.
A Natureza do Bem. 2ª ed. Trad. Carlos Ancêde Nougué. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2006. p. 10: O homem,
pela alma racional, é capaz de moderar ou dizer ‘não’ ao apetite dos sentidos, e por isso é o único animal que,
com fome, pode deliberadamente não comer; sem fome, empanturrar-se de comida: com sono, não dormir; com
desejo, sublimá-lo ou reprimi-lo; etc.
13
FRANCA, Leonel. A Psicologia da Fé. 7ª ed. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1958. p. 33: “De dois modos
chamam-se livres os nossos atos: ou porque emanam de uma faculdade formalmente livre ou porque procedem
imediatamente de outra faculdade, mas sob o império de uma determinação da vontade.”
5
Desta feita, com exceção das funções vegetativas, todos os demais atos humanos podem estar
submetidos à influência da vontade.15 Por conseguinte, o movimento, a visão e a
estudiosidade, conquanto estejam reduzidos quanto aos seus princípios mais imediatos a
outras faculdades (músculos, olhos e aplicação mental), podem ser determinados pelo livre-
-arbítrio. Donde podermos escolher: andar ou parar de andar, abrir ou fechar os olhos, estudar
história ou matemática, acreditar ou não acreditar em alguém, assentir ou não assentir à
verdade revelada por Deus. Daí também que somos responsáveis, isto é, podemos responder
por todos estes atos; eles são meritórios, isto é, passíveis de louvor ou de reprovação para
quem os pratica.16
Levando em conta estes pressupostos, passemos a considerar o que é ter fé.
Em que consiste a fé? Eis a questão que nos deve prender a atenção num primeiro
momento. Neste sentido, será interessante estudarmos algumas observações feitas por Josef
Pieper, no que toca ao ato de crer. Pieper começa por ponderar:
Minha resposta à questão: “Como pode aquele que crê dizer: sim, isto é
assim e não de outro modo?”, minha resposta é: ele pode dizer isso
porque se fia em outro que afirma o fato. Ao contrário de quem sabe, o
que crê não tem que ver só com o fato, com o algo anunciado; ele, além
disso – e até principalmente – tem que ver com um alguém, com a
pessoa que dá testemunho, que anuncia, e na qual ele, que crê, confia.17
14
Idem. Op. Cit: “Livres da primeira maneira são somente os atos voluntários; só a vontade é livre entre as
nossas potências. Livres, porém, porque emanados sob a dependência da vontade, podem sê-lo quase todas as
outras faculdades.”
15
Idem. Op. Cit. pp. 33 e 34: “Com exceção das funções da vida orgânica – nutrição, assimilação, circulação,
etc. – diretamente subtraídas à ação da vontade, as outras atividades humanas, de um ou de outro modo, estão
sujeitas à sua influência.”
16
Idem. Op. Cit. p. 34: “Posso livremente andar ou parar, abrir ou fechar os olhos, estudar matemática ou
história. O movimento, a visão, a aplicação mental procedem, de princípios imediatos, dos músculos, dos olhos,
da inteligência, mas ao mesmo tempo são atos livres, porque livremente imperados pela vontade. Por eles
podemos e somos responsáveis.”
17
PIEPER, Josef. Crer, Esperar e Amar. Trad. Luiz Jean Lauand. Disponível em:
<http://www.hottopos.com.br/notand4/crer.htm>. Acesso em: 18/02/2007.
6
18
Idem. Op. Cit. p. 48.
19
Idem. Op. Cit. p. 49: “Há, porém, outra maneira de crer que envolve uma verdadeira homenagem prestada à
dignidade moral de quem afirma. Honra-nos sobremaneira o amigo que admite o que lhe dizemos, não porque
verificou por outras vias que não o enganamos, mas por um ato de confiança absoluta na integridade do nosso
caráter.”
20
Lc 5, 5.
21
FRANCA. Op. Cit. p. 49: “Nesse gênero de fé, que, em oposição à anterior, poderemos chamar de autoridade,
o motivo que determina o assentimento não é a evidência de que o testemunho é verdadeiro e de que aquele que
7
o prestou, atualmente, no caso concreto, não faltou à verdade, mas a autoridade habitual da testemunha que, pela
sua ciência e veracidade, tem direito a uma adesão dócil das nossas inteligências.”
22
Idem. Op. Cit: “A esta segunda categoria pertence, por sua própria natureza, a fé religiosa, que é
necessariamente, um obsequium, uma homenagem livre da inteligência humana à veracidade divina.”
23
PIEPER. Op. Cit: “Na verdade, porém, o que sempre se tem dito na grande tradição do pensamento cristão é:
‘Aquele que crê aceita o depoimento de alguém’e “A fé dirige-se sempre a uma pessoa”. Duas citações: a
primeira procede de Tomás de Aquino; a segunda, de Lutero. Com isso se mostra que, seja como for, neste ponto
não há divergências entre o modo de ver do reformador e o do último grande mestre da cristandade ocidental
ainda não dividida.”
24
Idem. Op. Cit: “Ora, naturalmente, este enlace entre “crer algo” e “crer em alguém” não deve ser entendido
como uma amorfa contigüidade. Quem em sentido próprio crê, aceita um conteúdo como verdadeiro, como real,
pelo testemunho de alguém; assim, a razão de que eu creia em algo é que creia em alguém. Quando isso não
ocorre é que se trata de outra coisa, mas não de fé em sentido próprio.”
25
Idem. Op. Cit: “E não é raro ocorrer que também no âmbito religioso se tenha por ‘crer’ algo que na realidade
é totalmente diferente da fé. E talvez, se engane aí até mesmo aquele que se pretende ser alguém que crê: ele
aceita o ensinamento do cristianismo, ou uma parte dele, mas não porque essa doutrina seja testemunhada e
afiançada pelo Logos de Deus que se revela, e sim por achar, digamos, imponente a unidade da doutrina, ou
8
Ora, este falso modo de assentir à verdade revelada, segundo Pieper, mostra-se tão
frágil como o é o assentimento prestado a uma ideologia ou filosofia de vida: ele tem pouca
constância. Muitas são as vezes em que tal assentimento perdura somente enquanto for
conveniente ao indivíduo. Com a mesma rapidez com que se desmoronam as ideologias e os
sistemas filosóficos, dissipar-se-á também esta espécie de “fé”, que nada mais é do que um
respeito à tradição ou um conservadorismo sem fundamento.26
Mas passemos agora a estudar a fé como um ato da pessoa que a recebe, ou seja, da
pessoa que crê.
porque o fascina a grandiosidade da concepção, ou porque se ajusta às suas próprias especulações sobre o
mistério do mundo.”
26
Idem. Op. Cit: “E pode ser que enquanto estejam ausentes grandes tribulações de ânimo ele se tenha por um
fiel cristão e também seja assim considerado pelos outros. Até o dia em que se dá um conflito, e o que até então
era tido por verdadeiro subitamente vem abaixo e termina. Mas isso que dessa maneira, como se diz,
"desmorona", pode ser várias coisas: um modo próprio de filosofia de vida, uma ideologia qualquer do bel-
prazer pessoal, respeito pela tradição, gosto pelo conservadorismo; mas nunca fé em sentido estrito.
27
BOEHNER, Philotheus, GILSON, Etienne. História Da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de
Cusa. 7a ed. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: VOZES, 2000. p. 468.
9
quem, por meio do meu intelecto, conhece.28 Nos exemplos citados, embora a ação seja
realizada por um “que”, elas devem ser atribuídas e reduzidas a um “quem”, ou seja, por meio
das faculdades é o sujeito quem age.29 Por quê? Porque o homem é uma substância que existe
por si (per se). Ora, como o agir segue o ser e o modo de agir o modo de ser, aquilo que
existe por si (per se) age por si (per se).30 Manuel Corrêa de Barros resume de forma clara:
Ora, quando creio não é diferente. Sou eu quem crê por meio do meu intelecto e da
minha vontade. Por isso, conquanto a fé seja um ato próprio das faculdades intelectivas, ela é,
ipso facto, um ato da pessoa que crê!
Passemos às considerações finais deste trabalho.
Conclusão
28
VAZ, Henrique C. de Lima Vaz. Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental. Rev: Cristina
Peres. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 12: “A ordem que deve reinar no mundo das experiências humanas
supõe, evidentemente, a unidade na diferença do nosso ser, segundo a qual em cada uma das nossas operações
está empenhada a unidade total do sujeito, segundo o princípio enunciado por Tomás de Aquino: ‘Não é o
intelecto que entende, mas o homem por meio do intelecto’.” [O itálico é nosso].
29
LAUAND, Luiz Jean. Introdução ao De Magistro. In: Tomás de Aquino. De Magistro; os Sete Pecados
Capitais. Trad: Luiz Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 8: “E é esta unidade o que, afinal,
permite a cada homem proferir o pronome ‘eu’, englobando tanto o espírito quanto o corpo.”
30
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica Trad. Aimom - Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. I, 75,
2, ad 2: “Pode-se dizer que agir por si é próprio daquilo que existe por si.”
31
BARROS, Manuel Corrêa de. Lições de Filosofia Tomista. Disponível
em:<http://www.microbookstudio.com/mcbarros.htm>. Acesso em: 13/07/2006.
10
comparações, ou seja, compondo e dividindo os juízos, e não somente por instituto natural; é
indivíduo porque, não existindo em outra coisa, mas em si mesma, não é divisível.
Agora bem, a pessoa tem livre-arbítrio. Este procede da sua racionalidade. De fato, em
virtude de ela ser capaz de julgar através de comparações, isto é, compondo e dividindo os
juízos, ela é capaz de agir de por si mesma e não em virtude de outro móvel, o que é ser livre.
Há dois modos de atos livres, aquele que procede formalmente de um bem conhecido e
apresentado pelo intelecto à vontade, e aquele que, embora não procedendo destas faculdades
diretamente, procedem de outras faculdades que estão sob o influxo delas.
O ato de fé é um ato livre, porque por ele o intelecto e a vontade aderem à verdade
revelada por Deus. Esta adesão se dá em virtude da autoridade do Deus revelante. Ora,
procedendo do intelecto e da vontade, o ato de fé procede da pessoa, e o ser da pessoa humana
perfaz-se pela união substancial entre matéria e forma, entre corpo e alma. Uma união
substancial é aquela na qual duas entidades que, separadas, permaneceriam incompletas,
quando unidas, completam-se formando um só ser. Em virtude disso, o ato de uma destas
faculdades torna-se o ato do sujeito, isto é, da pessoa, enquanto esta é um centro de
atribuições. Assim, o ato de fé não é o ato do intelecto e da vontade, mas sim, mais
propriamente, o ato da pessoa que crê mediante o obsequium prestado pelo seu intelecto e
vontade à verdade primeira.
11
BIBLIOGRAFIA
FRANCA, Leonel. A Psicologia da Fé. 7ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1958.
GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
LAUAND, Luiz Jean. A Educação no Novo Catecismo Católico. In: LAUAND, Luiz Jean.
Sete Conferências Sobre Tomás de Aquino. São Paulo: Esdc, 2006.
PIEPPER, Joseph. Crer, Esperar e Amar. Trad. Luiz Jean Lauand. Disponível em:
<http://www.hottopos.com.br/notand4/crer.htm>. Acesso em: 18/02/2007.
SILVEIRA, Sidney. Santo Agostinho e o Mal como Privação dos Bens Naturais. In:
AGOSTINHO, Santo. A Natureza do Bem. 2ª ed. Trad. Carlos Ancêde Nougué. Rio de
Janeiro: Sétimo Selo, 2006.
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica Trad. Aimom - Marie Roguet et al. São Paulo:
Loyola, 2001.
12