Sacubitril e Valsartana Artigo de Revisão 2016
Sacubitril e Valsartana Artigo de Revisão 2016
Sacubitril e Valsartana Artigo de Revisão 2016
2017;36(9):655---668
Revista Portuguesa de
Cardiologia
Portuguese Journal of Cardiology
www.revportcardiol.org
ARTIGO DE REVISÃO
a
Núcleo de Investigação Arterial, Medicina 4, Hospital de Santa Marta, Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Lisboa, Portugal
b
Departamento de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, Lisboa, Portugal
http://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2016.11.013
0870-2551/© 2017 Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Publicado por Elsevier España, S.L.U. Todos os direitos reservados.
656 P. Marques da Silva, C. Aguiar
LCZ696
Estrutura química
Me
Me
CO2-
H
Antagonista do recetor Me N
Inibidor da neprilisina
da angiotensina O
3 Na+ 21/2 H2O
O OH
HN H
O O Me HH O -N N
N N HO O Me O N
H
N
O N CO2-
H N
O O
Figura 1 Antagonista do recetor de angiotensina --- inibidor da neprilisina (ARNi): sacubitril/valsartan (LCZ696).
Neprilisina
(NEP)
NPR-A NPR-B NPR-C Recetor AT1
GTP GTP
Reciclagem
do recetor Cascata de
sinalização
Internalização
cGMP
Expressão genética; ↑ síntese de
proteínas; ↑ proliferação celular
Péptidos inativos
Vasodilatação Vasoconstrição
↓ Fibrose/hipertrofia ↑ Fibrose/hipertrofia
cardíaca cardíaca
↑ Natriurese/diurese ↑ Retenção de Na+/H2O
Figura 2 Mecanismo de ação da neprilisina e dos péptidos natriuréticos, em paralelo com o sistema renina-angiotensina (e recetor
AT1) --- de acordo com Bayes-Genis et al13 .
IC (e.g. maior índice de massa corporal e de obesidade vis- arterial e do volume de fluidos, tanto na atividade nor-
ceral, elevação da glicemia em jejum, aumento da pressão mal, como em estados patológicos (e, em particular, nos
arterial sistólica, dislipidemia e alteração do rácio apolipo- doentes com IC) constitui um paradigma elementar da
proteína B/apolipoproteína A e tabagismo)6 e fundamentar colaboração interdisciplinar e tutelar10,11 que culminou,
novas vias de intervenção farmacológica capazes de minimi- mais recentemente, no desenvolvimento e introdução no
zar o prognóstico desta síndrome clínica. arsenal terapêutico do primeiro antagonista do recetor
De forma sumária, tendemos a considerar a IC como uma da angiotensina-inibidor da neprilisina (ARNi): o sacubi-
síndrome clínica na qual um conjunto de adaptações locais tril/valsartan (LCZ696) (Figura 1). A neprilisina (NEP) ---
e sistémicas intentam manter --- e, ao mesmo tempo, des- também conhecida como endopeptídase neutra, CD10,
regular --- a homeostasia cardiovascular (CV). Será, muito encefalinase, antigénio da leucemia linfoblástica aguda
naturalmente, esta complexidade e dualidade fisiopatoló- comum e endopeptídase 24.11 --- é uma enzima responsá-
gica que torna a definição e o desenvolvimento da melhor vel pela clivagem dos NP (Figura 2), os efeitos e principais
estratégia terapêutica desafiante, não inteiramente exclu- características dos quais estão sumariados na Tabela 18 .
siva e frequentemente individualizada. A multiplicidade,
interrelação e enunciação dos processos arrolados na pro-
gressão e manutenção da IC constituem-se, assim, alvos
Breve sumário da inibição farmacológica
potenciais de intervenção terapêutica --- complementares, da neprilisina
idealmente, aditivos --- no alívio sintomático, na melhoria
da qualidade de vida e na redução da morbilidade e morta- Ao longo dos anos, fruto de défices de compreensão fisiopa-
lidade associadas. tológica e funcional, de opções menos corretas nas doses e
A compreensão do papel do sistema dos peptídeos natriu- nas vias de administração, e de preferências «desajustadas»
réticos (NP) --- a par do RAAS --- na regulação da pressão na opção das combinações terapêuticas, a inibição da NEP
658 P. Marques da Silva, C. Aguiar
(NEPI) foi menos conseguida, acumulando alguns desaires, combinação de um ARB a um NEPI, administrada em duas
amontoando perplexidades, mas, ao mesmo tempo, permi- tomas diárias (BID). Estava chegada a hora do LCZ696, dos
tindo aperfeiçoamentos e progressos2,10---13,20,21 . ARNi24,27 (Figura 3). Os efeitos fisiológicos esperados com as
O primeiro NEPI sintético disponível foi o tiorfano, o diversas formas de modulação da NEP e do RAAS são com-
metabolito ativo do racecadotril. Em voluntários saudáveis pendiados na Tabela 213
--- assim como na HTA e na IC ---, os NEPI determinam aumento
das concentrações plasmáticas do peptídeo natriurético
auricular (ANP) e peptídeo natriurético tipo-B (BNP) endó- Sacubitril/valsartan* (LCZ696): características
geno, um incremento do monofosfato cíclico de guanosina farmacodinâmicas e farmacocinéticas
(cGMP), circulante e urinário, e uma resposta salutar hemo-
dinâmica, de curto prazo, com um efeito hipotensor discreto Farmacodinâmica
e efémero13,22---24 , sem efeitos significativos na IC grave.
A investigação farmacológica foi prosseguindo, do can- O sacubitril/valsartan, ao contrário do que o nome poderia
doxatril passou pelo ecadotril, sem eficácia comprovada fazer supor, não é uma combinação fixa de medicamen-
e descontinuidade do seu aperfeiçoamento. A monotera- tos. O sacubitril/valsartan é um complexo supramolecular
pia com NEPI evolveu para a combinação com ACEi: os de sal de sódio do pró-fármaco NEPI sacubitril (AHU377)
inibidores das vasopeptidases. Foi, então, o tempo do oma- e do ARB diprótico valsartan numa razão molecular de
patrilato (e dos estudos IMPRESS e OVERTURE), do fasidotril, 1:123,24,27---30 . Com uma estrutura cristalina estável, alta-
do sampatrilato e do mixanpril13 . Os benefícios potenci- mente hidrossolúvel, contém seis moléculas aniónicas de
ais anotados foram ensombrados pelo risco de angioedema sacubitril e seis de valsartan complexadas com catiões de
grave25 --- motivado pelo excesso de bradicinina, des-Arg9- sódio e água (Figura 1). Após a administração oral, o com-
bradicinina e, possivelmente, substância P22,26 ---, o que plexo dissocia-se em sacubitril e valsartan (cada comprimido
levou à interrupção do desenvolvimento dos inibidores das de 200 mg --- administrado BID, dose alvo de manutenção
vasopeptidases. A inibição das três enzimas arroladas à na IC-FER --- contém 97 mg de sacubitril e 103 mg de
degradação das bradicininas (por ordem de ponderação: valsartan).
ACE > aminopeptídase P » NEP)22 motiva a acúmulo de bra-
dicininas bastantes para a provocação de angioedema, um
efeito adverso potencialmente fatal, quando há compro- ∗ Diz-se do ácido que pode libertar dois protões por molécula
misso das vias aéreas superiores. A perceção do risco e o (Dicionário da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2003-
acerto de doses (não conseguida, e.g., no caso do omapa- 2016) [consultado em 16 de julho de 2016]. Disponível na Internet:
trilato), no contexto da IC, sustentou o passo seguinte: a http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/diprótico).
Sacubitril/valsartan: um importante avanço no puzzle terapêutico da insuficiência cardíaca 659
Angiotensinogénio
(secreção hepática) Vasoconstrição
Sistema renina-
Elevação da pressão arterial
angiotensina Angiotensina I
Aumento do tono simpático
Angiotensina II Recetor AT1 Aumento da aldosterona
Aumento da fibrose
Hipertrofia ventricular
Valsartan
Insuficiência LCZ696
cardíaca
Sacubitril (AHU377)
LBQ657
Vasodilatação
ANP BNP CNP
Adrenomedulina
Redução da pressão arterial
Péptidos Substância P Neprilisina Redução do tono simpático
pro-BNP Bradicinina (NEP)
natriuréticos Angiotensina II Redução da aldosterona
Outros
Fragmentos Natriurese/diurese
inativos
(≤ 35%)36 . Os doentes incluídos eram seguidos em ambu- (pelo score MAGGIC) e dos níveis de hemoglobina glicada
latório, com um diagnóstico de IC crónica estabelecido, (HBA1c)23 .
em classe II-IV da New York Heart Association (NYHA) Nos objetivos secundários, o sacubitril/valsartan reduziu
e fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) ≤ 40% a mortalidade por todas as causas em 16% (HR: 0,84; IC 95%:
(alterada para ≤ 35%, posteriormente, quando esta- 0,76-0,93; p = 0,0005), com um incremento da esperança de
vam incluídos 961 doentes), com um BNP ≥ 150 pg/ml vida estimado em 1,3 anos (IC 95%: 0,3-2,4) nos doentes
(NT-proBNP ≥ 600 pg/ml) OU BNP ≥ 100 pg/ml (NT- com 65 anos do estudo (a esperança de vida foi de dez
-proBNP ≥ 400 pg/ml) e hospitalização por IC nos últimos anos nos tratados com enalapril e 11,4 anos com sacubi-
12 meses. No global, 4,6% estavam em classe I da NYHA, tril/valsartan). Significativo, o sacubitril/valsartan reduziu
70,5% em classe II, 24% em classe III e só 0,7% em classe também a morte súbita cardíaca em comparação com o
IV. Os doentes teriam de estar medicados com um ACEi enalapril (HR 0,80; p = 0,008)39 . O ARNi melhorou tam-
(ou um ARB), na dose diária ≥ 10 mg de enalapril (ou bém significativamente os sintomas e as limitações físicas,
equivalente), estável, pelo menos, quatro semanas antes quer segundo o Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire
do início do estudo. A idade média dos doentes foi de 64 (KCCQ), quer pela classe funcional NYHA40 . Não houve
anos e 87% eram homens, maioritariamente caucasianos diferenças entre os tratamentos no risco de agravamento
(66%) e asiáticos (18%). Era ainda obrigatória a medicação da função renal ou de FA de novo. A utilização de recursos
com um -B, exceto se contraindicado ou não tolerado, de saúde arrolada ao tratamento foi menor com o sacu-
numa dose estável durante, pelo menos, quatro semanas bitril/valsartan, tendo-se verificado reduções significativas
antes do início do estudo35,36 . O PARADIGMA-HF contemplou dos números totais de hospitalizações por IC (risco relativo
um período de run-in de avaliação sequencial do enalapril [RR]: 0,77; IC 95%: 0,67-0,89; p < 0,001), hospitalizações CV
e do sacubitril/valsartan (com uma mediana de exposição (RR: 0,84; IC 95%: 0,76-0,92; p < 0,001), hospitalizações por
ao fármaco de 15 e 29 dias, respetivamente) antes do todas as causas (RR: 0,84; IC 95%: 0,78-0,91; p < 0,001), um
período aleatorizado, em dupla ocultação, que confirmou a menor número de dias de hospitalização em unidade de cui-
tolerabilidade dos doentes a cada um dos tratamentos em dados intensivos (UCI) por qualquer causa (RR: 0,79; IC 95%:
análise. 0,63-0,99; p = 0,0434), e um menor número de episódios de
O estudo veio a ser parado precocemente, ao fim de um urgência por IC (RR: 0,70; IC 95%: 0,52-0,94; p = 0,0170)40 .
período médio de acompanhamento de 27 meses, porque se Além disso, o novo tratamento reduziu a necessidade de
atingiram os critérios pré-especificados para uma diferença intensificação do tratamento (520 versus 604; HR 0,84;
entre grupos considerada irrefutável: nas três análises inte- p = 0,003), de recorrerem a fármacos inotrópicos positivos
rinas (a última com dois terços dos eventos necessários) intravenosos (redução de risco [RRR] de 31%, p < 0,001)
confirmou-se uma redução muito significativa da morte por e de serem submetidos à implantação de dispositivos ou
causas CV (e também do objetivo primário composto)36,37 . A transplantação cardíaca (RRR de 22%, p = 0,07)40 .
medicação dos doentes cumpria as recomendações interna- A redução incremental da mortalidade obtida neste
cionais, sendo que 82% dos doentes tomavam um diurético, estudo foi similar à verificada no Studies of Left Ventricular
mais de 90% um -B, mais de 50% faziam um MRA, 30% com Dysfunction --- Treatment Arm (SOLVD-T), contra placebo,
digoxina 15% tinham um cardioversor desfibrilhador implan- que estabeleceu os ACEi como tratamento imperativa, de
tável (CDI) e 7% terapêutica de ressincronização cardíaca primeira linha, na IC41 . De assinalar que a dose de enala-
(TRC), na data da aleatorização38 . Na última avaliação, a pril (10 mg, BID), no PARADIGM-HF, é maior que a alcançada
dose média de sacubitril/valsartan foi de 375 mg e a de no SOLVD-T. O PARADIGM-HF avulta pelo seu caráter pros-
enalapril de 18,9 mg23 . petivo, aleatorizado e controlado, justeza de comparador,
O sacubitril/valsartan foi significativamente superior ao relevância e consistência de RRR («ensaio dos 20%»)42
enalapril, reduzindo em 20% o risco do objetivo primário (Tabela 4) e poder e adequação estatística para adjudicação
composto (hazard ratio [HR]: 0,80; intervalo de confiança de diferenças clinicamente relevantes em objetivos bem
a 95% [IC 95%]: 0,73-0,87; p < 0,0001), assim como o dos definidos.
seus componentes individuais, nomeadamente uma redução O sacubitril/valsartan contribuiu para um menor número
de 20% do risco de morte CV (HR: 0,80; IC 95%: 0,71-0,89; de eventos adversos (EA) graves e uma menor de
p < 0,0001) e de 21% do risco de hospitalização por IC (HR: descontinuação do tratamento por EA (10,7 versus 12,2%)35 .
0,79; IC 95%: 0,71-0,89; p < 0,0001). A redução do risco de A hipercaliemia (11,6 versus 14%), a tosse (8,8 versus
morte CV foi atribuída essencialmente à redução do risco 12,6%) e a disfunção renal (10,1 versus 11,5%) foram
de morte súbita (HR: 0,80; IC 95%: 0,68-0,94; p = 0,008) e de significativamente menos reiteradas nos doentes tratados
morte por agravamento da IC (HR: 0,79; IC 95%: 0,64-0,98; com sacubitril/valsartan. No entanto, a hipotensão sin-
p = 0,034)39 . Em termos absolutos, o número de indivíduos tomática foi significativamente maior nos doentes com
necessário tratar (NNT) para evitar um evento de morte sacubitril/valsartan (14,0 versus 9,2%), mas raramente con-
CV ou hospitalização por IC foi de 21. Os NNT para evi- duziu à descontinuação do fármaco35 . O angioedema ocorreu
tar um evento de morte CV e um evento de hospitalização em 29 doentes com sacubitril/valsartan e em 25 doen-
por IC foram 32 e 36, respetivamente, num período de tra- tes com enalapril. De notar que nenhum foi ponderado
tamento com duração média de 27 meses34 . As reduções como risco de vida, não tendo havido compromisso das vias
do risco de morte CV e do risco do objetivo primário aéreas35 . Um subestudo de biomarcadores afirmou o já espe-
composto foram consistentes em todos os subgrupos de rado acréscimo dos níveis plasmáticos do BNP e urinários
doentes analisados35 e independente da idade, dos níveis do cGMP (fruto da NEPI). Os doentes tratados com sacu-
de FEVE, da pressão arterial sistólica, do grau de risco basal bitril/valsartan sustentaram níveis consistentemente mais
662 P. Marques da Silva, C. Aguiar
Tabela 4 PARADIGM-HF: sumário dos resultados obtidos no objetivo primário composto (e componentes) e na mortalidade total
baixos de NT-proBNP (como reflexo da menor stress miocár- 42% com antecedentes de hospitalização por IC; 42% tinham
dico) e de troponina (por menor lesão cardíaca). Enquanto história de FA e 21% de enfarte do miocárdio. A pressão
substrato da NEP, os níveis plasmáticos de BNP refletem a arterial estava bem controlada nos dois braços (mediana
ação do fármaco e os níveis de NT-proBNP resultarão do 136/79 mm Hg) e sem dissemelhanças na medicação basal
seu efeito cardioprotetor, pelo que a aparente discrepân- (93% dos doentes estavam com ACEi [54%]/ARB [39%], 79%
cia evolutiva destes biomarcadores (ao contrário do habitual com -B e 21% com MRA). A avaliação ecocardiográfica ini-
curso em paralelo durante a história natural da IC), registada cial exibiu, em média, uma elevação da relação E/e’ e um
com o sacubitril/valsartan, é interessante e merecedora de aumento do volume indexado da aurícula esquerda, consis-
atenção acrescida13,40 . tentes com a elevação ligeira das pressões de enchimento
ventricular esquerdo.
Insuficiência cardíaca com fração de ejeção O objetivo primário do PARAMOUNT: variação do NT-
preservada -ProBNP às 12 semanas foi significativamente superior nos
doentes tratados com sacubitril/valsartan (p = 0,005); o
valor médio do NT-proBNP desceu de 783 para 605 pg/ml
A IC com fração de ejeção preservada (IC-FEP) é ainda um com o ARNi e de 862 para 835 pg/ml com o valsartan; a
repto diagnóstico e terapêutico3 . A FEVE é normal (≥ 50%) e diferença entre grupos reduziu-se às 36 semanas (p = 0,20).
os sinais e sintomas IC são, frequentemente, pouco especí- Às 36 semanas, notou-se reversão da remodelagem auri-
ficos e difíceis de descriminar de outras condições clínicas, cular esquerda com sacubitril/valsartan, patenteada pela
por vezes coexistentes. A perceção diagnóstica é mais usual redução significativa da dimensão (p = 0,03) e do volume
nos idosos, com comorbilidades e sem sinais óbvios de sobre- indexado da aurícula esquerda (p = 0,007), regressão não
carga de volume fluido central, mas deve ser sustentada na observada com o valsartan e que foram mais acentuadas nos
objetivação de disfunção cardíaca, em repouso ou durante doentes sem FA.
o esforço3 . O diagnóstico de IC-FEP demanda: a presença O declínio da TFG estimada (ao contrário do rácio
de sintomas e/ou sinais de IC; a presença de uma FEVE de albumina/creatinina) foi significativamente menor
«preservada»; níveis elevados de NP (BNP > 0,35 pg/ml e/ou com sacubitril/valsartan (-1,5 versus -5,2 ml/min/1,73 m2 ;
NT-proBNP > 0,125 pg/ml); e a comprovação de alterações --- P = 0,002). O agravamento da função renal, definido como
funcionais e estruturais --- cardíacas. um aumento da creatininemia > 0,3 mg/dl e/ou > 25% entre
O plano de investigação do sacubitril/valsartan abrange visitas, foi menos frequente com o ARNi, embora a diferença
também a IC-FEP. Como é reconhecido, não há, até à não seja estatisticamente significativa44 . Embora a redução
data, nenhum fármaco disponível com evidência susten- tensional tenha sido mais pronunciada com o sacubi-
tada na modificação do seu curso e história natural3,7 . tril/valsartan (em média, 9 mm Hg na sistólica e 5 mm Hg
O estudo de fase II Prospective Comparison of ARNI With na diastólica versus 3 e 2 mm Hg, respetivamente, com val-
ARB on Management of Heart Failure With Preserved Ejec- sartan), não se encontrou correlação entre a variação da
tion Fraction (PARAMOUNT) avaliou a segurança e eficácia pressão sistólica e as alternações, observadas às 12 semanas,
do sacubitril/valsartan 200 mg BID versus valsartan 160 mg do NT-proBNP e, às 36 semanas, na TFG, classe funcio-
BID em doentes com IC-FEP43 . A aleatorização foi prece- nal NYHA e volume auricular esquerdo45 . No PARAMOUNT,
dida de um período run-in de duas semanas com placebo. a dose desejada de sacubitril/valsartan e de valsartan foi
O estudo incluiu 301 doentes com idade ≥ 40 anos, história alcançada em 81 e 78% dos doentes, respetivamente (o
de IC sintomática medicados com diurético, FEVE ≥ 45%, NT- recurso a diuréticos de ansa foi maior com o valsartan). O
-proBNP > 400 pg/ml, TFG ≥ 30 ml/min/1,73 m2 e um potás- sacubitril/valsartan foi bem tolerado. A incidência de EA
sio sérico ≤ 5,2 mmol/l, que foram tratados e seguidos graves, hipotensão, disfunção renal ou hipercaliemia não
durante 36 semanas43 . A idade média foi de 71 anos e 57% diferiu entre os dois grupos (com só um caso de angioedema
eram mulheres; 94% tinham HTA e 38% diabetes mellitus; com o sacubitril/valsartan)43 .
Sacubitril/valsartan: um importante avanço no puzzle terapêutico da insuficiência cardíaca 663
Tabela 5 Riscos relevantes potenciais e informação não disponível com sacubitril/valsartan (adaptado do sumário da EMA e de
Bayes-Genis et al13 .)
Tabela 5 (Continuação)
Apesar do PARAMOUNT não estar dimensionado para esti- Perfil de segurança (tolerabilidade e efeitos
mar objetivos clínicos, perspetivou potenciais mercês do adversos) e posologia do sacubitril/valsartan
sacubitril/valsartan na IC-FEP, que estudos futuros pode-
rão ou não afirmar. Nesse sentido, foi desenhado o estudo As reações adversas mais frequentes (hipotensão, hiper-
Prospective Comparison of ARNI With ARB Global Outco- caliemia e compromisso renal) foram já referidas e estão
mes in Heart Failure With Preserved Ejection Fraction largamente documentadas23,24,26---28,35 . No entanto, alguns
(PARAGON-HF), com o objetivo de avaliar o efeito de sacu- aspetos merecem ser referidos e pensados42,47 e são a
bitril/valsartan comparativamente ao valsartan na redução base do plano de gestão de risco aprovado pela EMA34,48
de morte CV e hospitalização por IC em doentes com IC-FEP (Tabela 5).
(NCT0192071146 ). A recolha de dados teve início em julho A dose inicial habitual recomendada de sacubi-
de 2014 e está prevista terminar em maio de 2019. tril/valsartan é de 49/51 mg BID. A dose deve ser duplicada
Sacubitril/valsartan: um importante avanço no puzzle terapêutico da insuficiência cardíaca 665
Tabela 6 Indicações aprovadas e advogadas nas recomendações científicas para o uso do sacubitril/valsartan no tratamento
da IC-FER
Organismo Indicação Referência
European Medicines Agency (EMA) (. . .) indicado em doentes adultos para o tratamento da (28 )
insuficiência cardíaca crónica sintomática com fração
de ejeção reduzida
U S Food and Drug Administration (FDA) (. . .) indicado na redução do risco de morte cardiovascular (53 )
e hospitalização por insuficiência cardíaca em doentes
com insuficiência cardíaca crónica (NYHA classe II-IV) e fração
de ejeção reduzida
(. . .) normalmente administrado em conjunção com outros
tratamento da insuficiência cardíaca, substituindo um ACEi
ou outro ARB
The National Institute for Healt (. . .) recomendado como opção no tratamento da IC-FER (54 )
h and Care Excellence (NICE) sintomática, só em doentes:
• com classe II - IV NYHA e
• com FEVE ≤ 35% e
• que já estão com dose estável de ACEi ou ARB
(. . .) encetado por um especialista em IC, integrado numa
equipa multidisciplinar, que deve realizar a titulação da dose
e a sua monitorização
2016 European Society of Cardiology (. . .) recomendado em substituição de um ACEi para maior (3 )
(ESC, com Heart Failure Association redução do risco de hospitalização por IC e de morte em
(HFA) da ESC doentes com IC-FER em ambulatório, que permanecem
sintomáticos apesar do tratamento otimizado
com ACEi, bloqueador beta-adrenérgico e MRA (nível de
evidência: I-B)
2016 American College of Cardiology A estratégia clínica de inibição do RAAS com ACEi (nível de (8 )
(ACC)/American Heart Association evidência: A) ou ARB (nível de evidência: A) ou ARNi (nível
(AHA) Task Force on Clinical Practice de evidência: B-R), em conjunto com -B e antagonistas da
Guidelines and the Heart Failure aldosterona, em doentes selecionados, é recomendado
Society of America (HFSA) nos doentes IC-FER crónica na redução da morbilidade
e da mortalidade --- classe de recomendação 1
Nos doentes com IC-FER crónica sintomática classe II ou III
NYHA, que toleram um ACEi/ARB, a substituição pelo ARNi é
recomendado para maior redução da morbilidade
e da mortalidade --- classe de recomendação 1
2014-16 Canadian Cardiovascular Society (. . .) nos doentes com IC ligeira a moderada, FEVE < 40%, NP (9,55 )
elevados ou hospitalização por IC nos últimos 12 meses,
K+ < 5,2 mmol/l e TFG 30 ml/min, tratados com doses
adequadas otimizada, devem ser tratados com
sacubitril/valsartan em vez de ACEi/ARB (. . .) (recomendação
condicional; evidência alta)
Depois da titulação da terapêutica tripla na IC com FEVE < 40%,
a presença de níveis aumentados de NP pode levar à mudança
do ACEi (ou ARB) terapia para sacubitril/valsartan
ACEi: inibidor da enzima de conversão da angiotensina; ARB: antagonista do recetor da angiotensina II; ARNi: antagonista do recetor da
angiotensina-inibidor da neprilisina; -B: bloqueadores beta-adrenérgicos; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; K+:potássio
sérico; IC-FER: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; NP: péptidos natriuréticos; NYHA: New York Heart Association;
TFG: taxa de filtração glomerular.
cada 2-4 semanas até se atingir à dose alvo de 97/103 mg O tratamento com sacubitril/valsartan não deve ser ence-
BID, de acordo com o tolerado34,50 . Nos doentes com tado nos doentes com um potássio sérico > 5,4 mmol/l ou
PAS ≤ 95 mm Hg, hipotensão sintomática, hipercaliemia com uma pressão arterial sistólica (PAS) < 100 mm Hg (Tabela
ou disfunção renal, é desejável o ajuste posológico da 5). Da mesma forma, o tratamento não deve ser coadminis-
medicação concomitante, a redução temporária da dose trado com um ACEi ou ARB e também só deve ser começado,
ou mesmo a eventual descontinuação do tratamento (nos pelo menos, 36 h após a paragem do ACEi (devido ao risco
doentes com PAS ≥ 100-110 mm Hg e, em alguns casos, potencial de angioedema, que não deve ser desvalorizado,
nos idosos é útil ponderar a dose inicial de 24/26 mg, BID). disfunção renal e hipercaliemia)52 .
666 P. Marques da Silva, C. Aguiar
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