Vissungos
Vissungos
Vissungos
Neide Freitas
Sônia Queiroz
Vissungos
cantos afrodescendentes em Minas Gerais
3ª ed. revista e ampliada
Belo Horizonte
FALE/UFMG
2015
Diretora da Faculdade de Letras
Graciela Inés Ravetti de Gómez
Vice-Diretor
Rui Rothe-Neves
Comissão editorial
Eliana Lourenço de Lima Reis
Elisa Amorim Vieira
Fábio Bonfim Duarte
Lucia Castello Branco
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra
Maria Inês de Almeida
Sônia Queiroz
Preparação de originais
Stéphanie Paes
Diagramação
Thiago Landi
Revisão de provas
Cíntia Almeida
Olívia Almeida
ISBN
978-85-7758-249-5 (impresso)
978-85-7758-248-8 (digital)
7 Pedindo licença para cantar
13 Uma simples história...
Ivo Silvério da Rocha
37 Vissungos no Rosário
Sônia Queiroz
43 Vissungos:
cantos afrodescendentes de vida e morte
Sônia Queiroz
As organizadoras
Não sabemos a era de nossa comunidade com este lindo nome de Milho
Verde. Sabemos que quem colocou este nome foram os bandeirantes,
que estavam viajando pelo Jequitinhonha, ao passarem nas vertentes de
uma água que corre daqui de dentro da rua e cai no Rio Jequitinhonha,
numa distância de dois quilômetros. Eles conheceram a água e disseram:
“Vamos acompanhar esta água, certamente tem morador”.
E verdade, encontraram um morador por nome de Modesto. Os
bandeirantes estavam com fome e perguntaram ao Sr. Modesto se tinha
alguma coisa para comer. Ele respondeu: “Não tenho nada; tenho milho
verde, se vocês quiserem, podem apanhar e assar”. Eles aceitaram, assa-
ram e comeram. Perguntaram para o Sr. Modesto: “Aqui tem nome?” Ele
respondeu: “Não”. “Pois então vai ficar com o nome de Milho Verde”, dis-
seram os bandeirantes.
Daí por diante, não sei contar como cresceu aos poucos. Temos
duas igrejas históricas, a da matriz e a que se chama Igreja do Rosário,
padroeira dos negros. Em outro século, aqui tinha casa de ourives, várias
casas de comércio e um quartel onde prendiam e amarravam os negros
nas correntes e nos troncos.
O Milho Verde, que já era bem evoluído, há uns 150 anos atrás
começou a se acabar, depois que começaram as derrubadas no Paraná,
São Paulo, Belo Horizonte, outras pessoas saindo para a mata do rio, para
apanhar café e derrubadas em várias estradas de trem de ferro pelo Brasil.
Os que continuaram, foram vivendo às custas de roças e garimpo,
mas nada valendo nada. Há uns 25 anos atrás, começaram a sair de novo,
para São Paulo e ir cortar lenha no sertão. Eu mesmo, em 1972, fui pra
São Paulo e voltei em 1979.
De uns quinze anos para cá, já cresceu a Vila de Milho Verde; tem
um bairro bem evoluído, por nome de Rua do Campo; outro pela saída do
Serro, com uma boa área para crescer, já com umas três ruas, com várias
casas boas e em construção feitas por turistas. Pela saída de Diamantina,
já se promove mais um bairro novo. Todos eles têm lindas vistas que dão
para se enxergar de oito a dez quilômetros de distância.
Temos um campo de futebol, fundado há 27 anos; temos um ótimo
grupo escolar há doze anos; um posto de saúde há uns onze anos; um
cartório no centro, dirigido por Maria das Dores Carvalho; temos correio
no centro, de propriedade de José Mário de Faria; temos telefone, só
ainda não foi feita a ligação direta, ainda não estamos utilizando. E as
famílias que foram embora, só falam em voltar para cá.
Há uns seis anos, começaram a surgir alguns turistas. Todos os
feriados e férias que eles têm, vêm passar seus dias aqui. Vários armam
barracas, outros alugam casas, outros ficam na Pensão Morais.
Temos uma creche fundada e funcionando há uns oito meses e uma
Associação Comunitária fundada há três anos. O presidente é o Sr. Josias,
o mesmo que dirige a creche. Temos duas danças históricas: a marujada
e o famoso catopê, dirigido por Ivo e Sebastião. Nas Festas do Rosário,
um grupo de negros formado por trinta a quarenta componentes, dança
as danças africanas mais famosas.
E temos várias procissões com grandes atrações, nesta Vila de
Milho Verde, que em breve vamos ver passar à condição de cidade, mas
que para mim, digo a verdade e lamento, se passar à cidade algum tempo,
para mim, o nome que vai ficar registrado com amor e alegria, para todos
desta comunidade, é Milho Verde.
Venha conhecer as nossas lindas paisagens, um lugar de saúde.
Queremos movimento e empregos que faltam pra nós. Temos um
número de habitantes na região que pertence à comunidade de 1.600 a
1.700. Faltam indústrias, uma ponte no Rio Jequitinhonha, e o DER asfalte
Catopé de Milho
Verde em frente
à Igreja de Nossa
Senhora do
Rosário.
Foto: Lúcia Nascimento
Aí. Pra tudo tem um nome e tá no dialeto. Tem essa língua, esta tradição
existe. Essas coisa que eu tô falano. Nada que eu tô pra falá num tá no
dialeto. Não, a gente num pode inventá: cê tem que falá uma coisa que
ocê pode caçá ela na orige e incontrá. Mais uma palavra que num existe,
num pode falá.
Agora, hoje, hoje esse povo num sabe comé que faz esses rituais.
Tinha que tê um rituá. Isso só fazia, murtano, pedino quarqué coisa. Hoje
em dia o povo num qué sabê de nada mais, não.
Aprendizado
Eu tinha um tio, que ele era cantadô de vissungo, chamava João Veríssimo
dos Santos. Esse home cantava um vissungo que fazia as pedra chorá.
Era ele, meu pai, o Gazino, o Firmiano, tudo era o rei perpétuo do vis-
sungo. Esses tirava o vissungo... ah, minina, cê nem imagina. Tudo eu
aprindi com meu tio. Isso é ritual dos véio.
Eu passei a acumpanhá o interro da idade de catorze ano pra cima.
Que, quando a gente era minino, o pai da gente num dexava, não.
Esse que é o ritual que nós achamo e é dos antigão, do pessual que
é a orige da curtura. Seu Gazino morreu com cento e tantos ano. Morreu
velho, que é a orige da curtura mesmo. Que eles num são nação daqui,
não. Tudo é africano. Essa nação, tudo é africano.
Morte e caminho
É pra Milho Verde! Num é longe não, nós ia rápido. Com litro de pinga
na garupa, ninguém ia sem cachaça, não. Ia morreno a pessoa, já man-
dava buscá a pinga, pa fazê o quarto. Quarqué um portadô, quarqué um
colega ali, ia e buscava a pinga pa passá a noite. Já ficava ali a noite toda,
nas incelência que rezava de noite:
Sá vitória, vamo levá essa alma pra glória
Vamo levá, vamo levá
esse presente pra Nossa Sinhora
Duas incelência de Santa Vitória
Vamo levá essa alma pra glória
Vamo levá, vamo levá
esse presente pra Nossa Sinhora
E tem quando o dia invém, que o dia invém clariano, já tem uma
reza que fala assim:
Esse era o primeiro que cantava. E aí agora vai ino. Depois dessa
muisga, otra. Tem mais muisga. Tem o pambê. Pambê é cantado:
Achei ês cantano, mais num falô co’a gente o resultado, né? Mais,
isso é do vissungo.
Vissungo de insulto
E agora, quando vai passá na frente da casa de um inimigo, já pega uma
muisga de insurtá na língua o oto, chamano ele pro cimintério. Tudo tá no
vissungo. A pessoa tira aquela muisga pra passá perto da casa do inimigo
levano um difunto, chamano o inimigo pra levá ele pro cimintério tamém.
Ela é cumeçada assim:
Ver JULIÃO. Riscos illuminados de figurinhos brancos e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do
1
Frio.
2
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais.
da música afro-brasileira secular e comercial quanto os vissungos. Nos
anos 1960, Clementina de Jesus gravou-oscom um grupo de músicos. A
base rítmica escolhida não repetiu o padrão rítmico original, mas usou um
tipo de ritmos binários generalizados de umbanda, tais como o barravento,
que ouvimos em casas de umbanda, macumba e jurema por todo o país.
3
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais.
4
Ver BAKHTIN. Problems in Dostoievsky’s Poetics.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Problems in Dostoievsky’s Poetics. Translation by Caryl Emerson. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 1984.
JULIÃO, Carlos. Riscos illuminados de figurinhos de brancos e negros dos uzos do Rio de Janeiro
MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1964.
Glaura Lucas
Ê, no garimpo
Pinga ouro em pó
No garimpo
Pinga ouro em pó
Daniel Magalhães
Sônia Queiroz
1
QUEIROZ (Org.). Vissungos no Rosário: cantos da tradição banto em Minas.
escrito e em DVD) dos cantos editados em forma de livro em Vissungos
no Rosário.
A seleção dos cantos tomou como critério sua gravação em terri-
tório mineiro, na voz de capitães de ternos ou guardas de moçambique
(ou maçambique, forma adotada em alguns dos CDs de onde os cantos
foram elencados), catopés (ou catopês) ou candombe. O capitão‑regente
é hoje, por excelência, o guardião da tradição oral banto em Minas, por
vezes acumulando as funções de líder espiritual, político, portadorda
memória de cantos, contos, provérbios, cantador, regente, contador. São
eles: Capitão João Lopes, da Guarda de Moçambique de Nossa Senhora
do Rosário de Jatobá (Belo Horizonte); Capitão Ivo, do Catopê de Milho
Verde (Serro); Capitão Antônio, regente do Moçambique Mirim da comu-
nidade dos Arturos (Contagem); Capitão Julinho, do Moçambique de
Fagundes (Santo Antônio do Amparo); Capitã Pedrina, do Moçambique
de Nossa Senhora das Mercês (Oliveira); Capitão Dirceu, do Moçambique
da Irmandade do Rosário de Justinópolis (Ribeirão das Nesves); Capitão
Jair, do Candombe do Matição (Jaboticatubas).
A ligação rítmica e espiritual do moçambique com o candombe se
evidencia na “Saudação à Rainha” interpretada pelo Capitão João Lopes.
O etnomusicólogo Paulo Dias comenta no encarte do CD Congado mineiro:
3
Encarte do CD Os negros do Rosário, p. 14-15.
4
MARTINS. Afrografias da memória, p. 55.
5
Encarte do CD Os negros do Rosário, p. 14.
Vissungos no Rosário 39
São cantos de trabalho herdados dos escravos, que ele aprendeu
ouvindo os moradores das vizinhas comunidades negras do Baú e
Ausente [...], quando estes transportavam seus defuntos em redes
para enterrá-los na cidade. O primeiro canto expressa a dor e o
cansaço dos carregadores caminhando léguas a pé entre as serras;
os outros dois [...] marcam o momento em que, aproximando-se
do cemitério, os companheiros encomendam a alma do morto, para
que possa ganhar com suavidade a terra dos ancestrais.6
6
Encarte do CD Congado mineiro, p. 8.
Encarte do CD p. 12.
7
8
Encarte do CD Foi o que me trouxe, p. [6], [5].
Ajuntei tudo o que sabia, o que já havia aprendido com meu pai,
Capitão Leonídio, o que canto intuitivamente, com coisas que
procuro em livros, coisas dos dialetos africanos, especialmente
quimbundo e nagô. Achei também que não deveria ficar só no
tempo da escravidão, mas trazer o assunto para a atualidade.9
Vissungos no Rosário 41
Perseguido desde então por uma nuvem de fumaça que o deixava perma-
nentemente lacrimejante, o barão acabou voltando atrás e autorizando o
batuque, nascendo assim o Candombe do Matição.
Referências
CONGADO mineiro. Direção geral de pesquisa: Paulo Dias. [São Paulo: Cia. de Áudio/Classic
Master, 2001.] (Col. Itaú Cultural. Documentos Sonoros Brasileiros Acervo Cachuera!, 1). 1 CD.
FOI o que me trouxe: Moçambique do Capitão Júlio Antônio Filho. Direção geral de pesquisa:
Roberto Corrêa e Sebastião Rios. Brasília: Viola Corrêa Produções Artísticas, Clube do Violeiro
Caipira de Brasília, 2008. 1 CD.
OS NEGROS do Rosário. Direção geral de pesquisa: Titane. Belo Horizonte: Lapa Discos, 1999. 1
CD. [1. ed. em LP 1992].
QUEIROZ, Sônia (Org.). Vissungos no Rosário: cantos da tradição banto em Minas. Belo Horizonte:
FALE/UFMG, 2012. (Audio&videolivros Viva Voz). 1 CD.
Sônia Queiroz
1
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 57.
(ou: ao nascer do dia), canto do meio-dia (há apenas um regis-
tro), cantigas de multa, cantigas de caminho, cantigas de rede e
de caminho
, cantiga pedindo licença para cantar, cantigas gabando
qualidades (talvez um equivalente banto do oriki, da tradição nagô
‑iorubá2), cantos de negro enfeitiçado, cantiga de ninar, canto do compa-
nheiro manhoso, e há ainda um grupo de cantigas diversas. Há incon-
sistências na categorização das cantigas, que podemos atribuir, talvez, a
descuido na edição.
Alguns vissungos “parecem cantos religiosos adaptados à ocasião”,
talvez pelo esquecimento de seu significado original, observa o pesqui-
sador. Mas outros conservam seu sentido místico-religioso: “Há cantigas
especiais para conduzir defuntos a cemitérios distantes” (dos quais ele
recolheu três exemplos) e há cantigas, como os padre-nossos, usadas
na mineração e também nas cerimônias de levantamento do mastro, nas
festas religiosas.
No capítulo 8, dedicado ao estudo das cantigas, Aires ressalta
“a necessidade universal de trabalhar cantando”. E associa à prática
dos negros de São João da Chapada e Quartel do Indaiá os cantos das
colheitas de uvas em Portugal, das fiandeiras, dos capinadores de roça e
dos mutirões.
2
Ver RISÉRIO. Oriki, orixá, p. 41.
3
Ver RISÉRIO. Oriki, orixá,, p. 58. O carumbé é o recipiente usado no garimpo de ouro e diamante
para pôr o cascalho a ser lavado. Segundo Houaiss (2001), a palavra é de origem tupi e designa
também espécie de tartaruga cuja carapaça é usada como vasilha.
Muriquinho piquinino
solo
Muriquinho piquinino,
ô parente,
muriquinho piquinino
de quissamba na cacunda.
Purugunta adonde vai,
ô parente.
Purugunta adonde vai
Pru quilombo do Dumbá
coro
Ei, chora-chora mgongo ê devera
chora, mgongo, chora
Ei, chora-chora mgongo ê cambada
chora, mgongo, chora
5
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 85.
E o poeta conclui:
E agora posso dizer que já ouvi um vissungo – e não apenas sua
representação gráfica ou sonora. Concluí que um vissungo não pode
ser entendido só como música – principalmente se o ouvimos a
partir de um “ponto de escuta” formado pelas culturas do Ocidente,
ainda presas ao conceito de “arte de organização dos sons”.6
6
ALEIXO. Vissungos.
O grupo de catopé toca e canta com Milton Nascimento a música 18, “Zamba catumba zambi”, e há
7
A jangada, aqui, é um “aparelho de secar água nas catas e que é movido a água”. Ver MACHADO FILHO.
8
Vissungo 33
solo
Oenda auê, a a!
Ucumbi oenda, auê, a...
Oenda auê, a a!
Ucumbi oenda, auê, no calunga.
coro 1
Ucumbi oenda, ondoró onjó
Ucumbi oenda ondoró onjó (bis)
coro 2
Iô vou oendá pu curima auê
Iô vou oendá pu curima auê (bis)
Canto da tarde
Cai a tarde, auê
a luz vai se apagando, auê, a.
Cai a tarde, auê
o sol se recolhe no mar.
coro 1
Apaga-se o sol, vamos nos recolher à cafua, onjó.
Apaga-se o sol, vamos nos recolher à cafua, onjó.
coro 2
Eu vou me recolher é no lume da mina, auê.
Eu vou me recolher é no lume da mina, auê.
coro 1
vou quebrantar, lá me vou eu só
vou quebrantar, lá me vou eu só
coro 2
quebranto só, ê, o ouro do mar
quebranto só, ê, o ouro do mar
Canjerê
sol me vou
feira afora, ê
mulher ah, cadê
o trabalho do amor
sol me vou
feira afora, ê
mulher ah, cadê
o trabalho do amor
Referências
CARVALHO, José Jorge de. Música afro-brasileira – uma visão geral; Teorizando os gêneros musicais:
música, texto e história social; Gêneros rurais tradicionais – Vissungos. In: ____. Um panorama
da música afro-brasileira. Parte I: dos gêneros tradicionais aos primórdios do samba. Brasília:
Editora UnB, 2000. Cap. 1, p. 4-6; Cap. 2 p. 6-11; Cap. 3 p. 11-14. (Série Antropologia, 275).
GNERRE, Maurizio. O corpus dos vissungos de São João da Chapada (MG). Campinas: Unicamp,
[198-]. Inédito.
LOPES, Nei. Os bantos; Conclusão: A questão negra no Brasil. In: ____. Bantos, malês e identidade
negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p. 79-178; p. 179-188.
LOPES, Nei. Cultura banta no Brasil, uma introdução. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Sankofa:
resgate da cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: SEAFRO, 1994. p. 105-122.
MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. 3. ed. São Paulo: Edusp;
Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. (Reconquista do Brasil, 88).
MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo, n. 28,
p. 56-63, dez. 1995/fev. 1996.
NASCIMENTO, Lúcia Valéria do. A África no Serro Frio: vissungos de Milho Verde e São João da
Chapada. 2003. 129 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem!”: África coberta e descoberta do Brasil. Revista USP, São
Paulo, n. 12, p. 48-67, jan./fev. 1992.
TINHORÃO, José Ramos. Os cantos de trabalho dos negros do campo e das cidades. In: ____. Os
sons negros no Brasil. São Paulo: Art, 1988. p. 111-128.
Arquivos sonoros
ANDRADE, Marcus Vinicius de (Dir. art.). História do samba paulista I. São Paulo: CPC-UMES, 1999.
1 CD, digital. Faixa 1: Vissungo. Interpretação de Aldo Bueno.
CAPITÃO João Lopes. Pade Nosso africano. In: QUEIROZ, Sônia (Org.). Vissungos no Rosário: cantos
da tradição banto em Minas. Belo Horizonte: Edições Viva Voz, 2012. Audiolivro. p. 20-22. Faixa 1
CORRÊA, Ivan (Dir. e prod.). Quilombos urbanos. Trilha sonora do espetáculo. Belo Horizonte:
Será Quê? 199-?]. 1 CD, digital. Faixa 7: Muriquinho piquinino. Interpretação de Gil Amâncio e
Ricardo Aleixo..
DIAS, Paulo (Dir. geral de pesquisa). Congado mineiro. São Paulo: Cia. de Áudio/Classic Master,
2001]. 1 CD, digital. (Coleção Itaú Cultural. Documentos Sonoros Brasileiros Acervo Cachuera!,
1). Faixa 1: Vissungos de Milho Verde – cantos para carregar defuntos em redes. Interpretação
de Ivo Silvério da Rocha e grupo de catopê de Milho Verde. Gravado em 8.7.1997 em Milho Verde,
MG, na residência do Sr. Ivo, contramestre do catopê].
FALCÃO, Aluízio (Proj. e coord. art.); VINICIUS, Marcus (Dir. mus., prod. e dir. de est.). O Canto
dos escravos. Interpretação de Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme. São Paulo: Estúdio
Eldorado, 1982]. 1 long play. Já disponível em CD].
RAJÃO, Caxi. Festa do Rosário. Serro-MG 1724–2000. Nova Lima (MG): Nas Montanhas, 2002]. 1 CD,
digital. Faixas 8-11: Catopês do Serro; faixas 12-17: Catopês de Milho Verde.
SALMASO, Mônica. Trampolim. São Paulo: Pau Brasil Som Imagem e Editora, 1998. 1 CD, digital.
Faixa 1: Canto dos escravos.
ABOLIÇÃO. Direção: Zózimo Bulbul. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987/1988. 1 fita VHS (150 min.),
son., color.
GUIMARÃES, Pedro. Macuco canengue. Belo Horizonte: Tambolelê; PROEX/UFMG, 2003. 1 DVD.
Pedro e Paulo,
mestres de vis-
sungo de Quartel
do Indaiá.
Foto: Acervo Lúcia
Nascimento
Apresentação
do espetáculo
Macuco canen-
gue, no adro da
Igreja do Rosário,
em Diamantina,
durante o 34º
Festival de Inverno
da UFMG.
Foto: Foca Lisboa
Ivo, Crispim e
Taho, um dos
estudantes an-
golanos na UFMG,
leem O negro e
o garimpo em
Minas Gerais, de
Aires da Mata
Machado Filho, na
Oficina Vissungos
– Cantos Africanos
de Vida e Morte,
oferecida pela
Profª Sônia Queiroz
durante o 36o
Festival de Inverno
da UFMG.
Foto: Foca Lisboa
Maurizio Gnerre
1
CARNEIRO. Ladinos e crioulos, p. 113.
2
CASTRO. De l’intégration des apports africains dans les parlers de Bahia au Brésil; “Influência de línguas
africanas no português do Brasil e níveis sócio-culturais de linguagem”.
mesmo dos recursos metodológicos disponíveis meio século atrás, uma
realidade linguística que hoje podemos reanalisar.
O livro começa:3
Uma parte dos textos dos vissungos não mais podia ser entendida
pelos poucos que ainda os lembravam. Eram textos memorizados em
Citamos aqui da primeira edição em forma de livro, de 1943. O trabalho havia sido publicado anteriormente
3
em capítulos na Revista do Arquivo Municipal entre 1939 e 1940 (60: 97-122; 61: 259-284; 62: 309-356; 63:
271-298) e foi reeditado em forma de livro em 1964 (Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro).
4
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais.
5
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 61.
6
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 62-63.
7
Castro, no texto “Os falares africanos na interação social dos primeiros séculos”, afirma que parte do
léxico é de origem ewe.
8
Não entramos no mérito da possível classificação musicológica. O autor fornece apenas as transcrições
de todas as melodias. A respeito das características musicais de alguns vissungos, gravados em 1944,
veja-se LAMAS. Vissungos.
9
O texto XLII recebeu duas interpretações divergentes: “Uns dizem que se refere à caça de veado,
outros à pesca da baleia” (MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 85.).
Ó gente
fala língua de baranco, auê
ai omboé
fala língua de baranco auê
que parece ter sentido, também numa interpretação lúdica, num con-
texto como mínimo bilíngue.
Voltando-nos para considerar alguns aspectos da história social,
constatamos que os dados disponíveis apontam para uma grande com-
plexidade social, nas minas, durante os séculos XVIII e XIX. Como vários
autores salientam,10 no século XVIII favoreceu-se a importação, para a
região das minas, de escravos da Costa da Mina. Entre estes escravos
prevaleciam os embarcados em Ajudá, de língua ewe, fon e mahi. A
documentação disponível a respeito é considerável. Sabemos que estes
escravos eram vendidos a um preço mais elevado que os escravos de
Angola, de Banguela e de Moçambique, falantes de línguas banto.
O único documento relativo a línguas africanas escrito no Brasil
colonial, de que temos notícia, é a Obra nova de língua geral de Mina. Um
pequeno trabalho escrito em um centro de mineração, antes de 1731.11
Nele aparecem 831 palavras e pequenas frases das quais, segundo Pessoa
10
BOXER. A idade do ouro no Brasil, CARNEIRO. Ladinos e criolos, GORENDER. O escravismo colonial, LUNA;
NERO DA COSTA. A presença do elemento sudanês nas Minas Gerais.
O manuscrito existente na Biblioteca de Évora foi publicado em 1945. Foi-nos possível consultar esta
11
rara edição no exemplar do Professor Aryon D. Rodrigues, completado e corrigido. Além de conferir o
texto publicado com o manuscrito da Biblioteca de Évora, o Prof. Aryon comparou o léxico com os dados
de Westermann e Bryan, Languages of West Africa. Correia Lopes, “Os trabalhos de Costa Peixoto e a
língua eve no Brasil”, p. 53, escrevia: “Isso [...] não me tira da idéia de que o nosso homem o autor,
MG era morador de S. Bartolomeu de ao pé de Vila Rica. A obra só podia ter sido escrita num centro
aurífero”.
Adaptado de VIDAL LUNA; NERO DA COSTA. A presença do elemento sudanês nas Minas
Gerais, p. 7.
Citado por Edison Carneiro em “Lembranças do negro da Bahia”. A tarde, Bahia, número de IV
12
negros foragidos encontra-se na nota: “I was told that the cattle put to graze upon them were
frequently stolen by the negroes (probably fugitive negroes, who subsist in this remote district by
plunder and smuggling)”.
linguística mista;
nenhuma língua africana, mas que podiam falar e compreender alguma língua,
3. crioulos que das línguas africanas só conheciam os textos, ditados, frases soltas
português regional.
Podemos esquematizar essa hipótese da forma que se segue:
Escravos
de nação “Crioulos” (2) “Crioulos” (3)
coro
5 – É mera anguiá auê
19
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 128.
20
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 136.
21
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 126.
1 – oenda auê, a a
2 – Ucumbi oenda, auê, a...
3 – oenda auê, a a
4 – Ucumbi oenda, auê, no calunga.
coro 1
5 – Ucumbi oenda, ondoró onjó
coro 2
6 – Iô vou oendá pu curima auê
1. ‘vai’, 2. ‘o sol vai’, 3. ‘vai’, 4. ‘o sol vai para o mar’/ ‘vai desapare-
cer’, 5. ‘o sol vai, vamos para casa’, 6. ‘eu vou para o trabalho’.
Com relação à palavra calunga, H. Chatelain22 escreveu que em
Angola podia significar ‘morte’ ou ‘mar’. No bairro do Cafundó (SP) “mor-
rer de morte natural” é “cuendá pra conjenga carunga”.23 No vissungo
XXXIII o sol “oenda no calunga”. Levando em conta esses dados, fica
incerto se se deve interpretar essa expressão como ‘vai no mar’ ou como
‘vai morrendo’. A primeira parece mais natural, mas lembramos que só
seria explicável numa perspectiva geográfica angolana, e não brasileira
(ainda menos mineira...).
Observemos agora a segunda parte da linha 5: “ondoró onjó”.
Ondoró talvez derive do kb. ndokó ‘vamos’, forma irregular de -ia ‘ir’. Em
kb. o nome que segue deveria ser precedido por uma preposição ku-: ‘na
casa’, kb. ku’nzo, mas a forma presente no vissungo não tem preposição.
Comparando a linha 5 com a 6 constatamos que a sintaxe é diferente. Na
linha 6 ela é essencialmente do português: Iô vou seguido por um infini-
tivo oendá, seguido por pu ‘para o’.
À diferença dos vissungos XLI e XXXIII, em muitos textos, palavras
de origem africana são introduzidas no contexto do português. É o caso do
texto XLIII, descrição de uma situação de encontro com uma assombração:
24
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 129.
Referências
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WESTERMANN, Diedrich Hermann; BRYAN, Margaret Arminel. Languages of West Africa. London:
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Resultados da pesquisa
Levando em consideração que a língua viva de um povo é o testemunho
mais antigo de sua história, os dados obtidos no domínio da língua, da
religião e das tradições orais no Brasil revelaram a presença banto como
a mais antiga e superior em número e em distribuição geográficano ter-
ritório brasileiro por mais de três séculos consecutivos.
Testemunho deste fato é a antroponímia de Palmares no século
XVII, Ganga Zumba, Zumbi, Dandara; sua toponímia, Dembo, Macaco,
Osengo, Cafuxi, e o vocabulário associado à escravidão, tais como: qui-
lombo, senzala, mocambo, libambo, banguê, mucama. Ao final desse
mesmo século é publicada, em Lisboa, A arte da língua de Angola, uma
gramática do quimbundo escrita na Bahia pelo missionário Pedro Dias
com a finalidade de fornecer subsídios para a catequese do grande con-
tingente negro-africano que se encontrava naquela cidade sem falar por-
tuguês. No domínio da religião, predominam os vocábulos de origem
banto para nomear práticas diferentes de matriz negro-africana e os
locais onde se realizam. No Brasil, a mais antiga de que se tem notícia
é calundu, registrada no século XVII na poesia satírica de Gregório de
Matos e descrita, no século seguinte, em 1728, por Nuno Pereira em
O peregrino das Américas. Entre as mais conhecidas estão candomblé,
umbanda, catimbó e macumba.
Por sua vez, a importância histórica do Reino do Congo se reflete
nos autos populares denominados congos e congadas, onde a figura
do Manicongo (Senhor do Congo) é sempre lembrada em versos como
”Cabinda velha chegou/ e rei do Congo falou”. A mesma lembrança se
registra para a Rainha Jinga ou Nzinga, do antigo Reino de Matamba, em
Angola atual.
A antiguidade dessa presença favorecida pelo número superior
do elemento banto na composição demográfica do Brasil colonial, tanto
quanto por sua concentração em zonas rurais, isoladas e naturalmente
conservadoras, onde o recurso de liberdade era a fuga para os quilombos,
Ver VOGT; FRY. Cafundó, a África no Brasil; QUEIROZ. Pé preto no barro branco; MACHADO FILHO. O negro
1
Conclusão
Sendo assim, embora seja verdadeiro que esse processo de africanização
se deva em grande parte à extensão e ocupação territorial, densidade
demográfica e antiguidade do povo banto em território colonial brasi-
leiro, não se deve chegar ao extremo de querer “bantuizar” o Brasil como
forma de contrapor o “iorubacentrismo” que tem prevalecido nos estudos
afro-brasileiros.
Uma correta interpretação das culturas negro-africanas, de seus
códigos, seu consequente resgate do âmbito meramente folclórico ou
lúdico, sua valorização e adequada difusão permitirão que o avanço do
entendimento da parte do legado banto para a formação e sentido do
Brasil passe a ser visível e explícito, revertendo os estereótipos vigentes
em nossa academia.
Além do mais, o estudo linguístico desses falares afro-brasileiros,
apoiado pelas informações históricas existentes sobre o período do trá-
fico transatlântico, trazem subsídios importantes para a configuração do
mapa etnolinguístico africano do Brasil. Aqui, está a prova do que nos
dizem os vissungos sobre a presença dos ovimbundos, povo originário de
territórios do antigo Reino de Benguela, em terras de Minas Gerais.
Referências
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VOGT, Carlos; FRY, Peter. Cafundó, a África no Brasil: língua e sociedade. São Paulo: Cia. das
Letras; Campinas: Editora Unicamp, 1996.
solo
Otê! Pade-Nosso cum Ave-Maria,
securo camera qui
t’Angananzambê, aiô...
coro
Aiô!... T’Angananzambê, aiô!...
Aiô!... T’Angananzambê, aiô!...
Ê calunga qui tom’ossemá,
Ê calunga qui tom’Anzambi, aiô!...
Eu memo é capicovite
eu memo é cariocanga
eu memo é candandumba serena
Vissungo 62
solo
Muriquinho piquinino,
ô parente,
muriquinho piquinino
de quissamba na cacunda.
Purugunta adonde vai,
ô parente.
Purugunta adonde vai
coro
Ei, chora-chora ngongo ê devera
chora, ngongo, chora
Ei, chora-chora ngongo ê cambada
Recolha de 2001
Eu memo é quatingonçara
Referências
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NASCIMENTO, Lúcia Valéria do. A África no Serro Frio: vissungos de Milho Verde e São João da
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ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Amálio Pinheiro. São Paulo:
Cia. das Letras, 1993.
Amanda López
Glossário
O glossário que se segue busca listar as palavras presentes nos vissun-
gos, seus significados ou hipóteses de leitura e atribuição de sentidos,
um exercício que será tanto melhor se nos deixarmos levar para além
do corpus recolhido para a pesquisa, lembrando, antes, que se trata de
cantos que marcam a trajetória da vida: cantos de trabalho, de saudade,
de necessidades impostas pelo cotidiano, da inevitável morte. Cantos
levados adiante no tempo por vozes humanas, cada qual, um novelo de
memórias compartilhadas para a tessitura de sua história, essa rede que
busca, ingênua, ultrapassar o próprio homem.
Estão aqui considerados os vissungos das duas recolhas realizadas
até então na antiga Comarca do Serro Frio:2 a de Machado Filho e a de
Lúcia Nascimento. A primeira tem em consideração a localidade de São
João da Chapada, embora mencione o povoado de Quartel do Indaiá. A
segunda recolha concentra-se em duas localidades: Quartel do Indaiá/
Dentro da antiga Comarca do Serro-Frio, existente nos séculos XVII e XVIII, foi demarcado o distrito
2
Diamantino, do qual o Arraial do Tijuco, que se estabeleceu como produtor de ouro e diamante, passou
a ser sede. Os povoados nos quais foram documentados os vissungos faziam parte dessa comarca.
1
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 58.
2
NASCIMENTO. A África no Serro Frio, f. 15.
angana-nzambi. s.m. Deus. ganazambi, anguê. s. Onça. Numa tara anguê rezá.
nganazambi, angana-nzambi- MACHADO FILHO, 1964, p. 74 e 116. São
anzambi, anzambê, anganaiaôve. anguiá. Lamba, nera anguiá. Não foi for-
autor, serviria para evitar uma nasali- ção do vissungo. MACHADO FILHO, 1964,
dade máxima seria zambi. Entretanto, aquenhe. Sentido não identificado. Tuca,
pela recolha dos dois padre-nossos. rogongó,/ ara sica ombê. MACHADO
nda cuca ai, sanduê rê. Nas minera- da Chapada. Ver atundá.
ções, o patrão, pela urgência do ser- auá, aua. Canjonjo auá// Nota ‘ua – aua//
viço ou para dar folga ao pessoal, cos- João gororó caiu n’aua. Parece referir-
hora habitual. MACHADO FILHO, 1964, bem explícito; mais ainda a estrutura
caturingaô aringa ti! Pela estrutura MACHADO FILHO, 1964, p. 66, 68, 82 e 84.
Caturinga ô aringa ti! Por eliminação João Dornas Filho, Sônia Queiroz, e
assomá. Sentido não identificado. Uanga terra de Banguê, doriá. Este vis-
tiçado e por isso não poder trabalhar. Filho. Entretanto, no primeiro regis-
gem banto descrita por Arthur Ramos. NASCIMENTO, 2003, f. 110 e 121.
MACHADO FILHO, 1964, p. 81. bari. Oi quinzi bari que foi o fundo. No
u atundá... ‘Mulher, o sol está alto’. quisa de Machado Filho, o LVII, está a
atundo, atunda. Sentido não identifi- que eram usados pelos trabalhadores
cado. Tuara uassage ô atundo mera. para secar a água das catas. Segundo
quê. Por se tratar de uma sequência me chama gere ê... ê. Neste registro
Cacariacô. Pode referir-se a uma ono- cangúia, cangúia! MACHADO FILHO, 1964,
Jambá cacumbi queremá, turira auê. se que o negro pede para abençoar seu
cadamburo. s. Galo. Ai! ovê, iô, soma NASCIMENTO, 2003, f. 108 e 17.
come couve candimbá. MACHADO FILHO, auê! O nome, que é de pássaro afri-
candira. Sentido não identificado. Tomara MACHADO FILHO, 1964, p. 119 e 66.
numa caçada. MACHADO FILHO, 1964, Capicondei, com marauêi. Este canto
candoca. Sentido não identificado. Lambu canto X recolhido por Machado Filho.
que dá para fazer roupa nova, de que capicovite. Sentido não identificado.
de um canto de insulto, assim, a forma identificado. Não vira capoa, nem vira
MACHADO FILHO, 1964, p. 71. São João XI de Machado Filho, é, nesta reco-
canero. Sentido não identificado. Capongo, vira tuá. Este vissungo é relacionado
Capombo, canero vite. MACHADO FILHO, quando esta era atendida. MACHADO
capuco nguenda atiuana. Pode referir- catá. Sentido não identificado. Nda
capungo. s. Gente ruim. MACHADO FILHO, guera catiaua auê! MACHADO FILHO,
capuro munha. MACHADO FILHO, 1964, Caturinga ô aringa ti! Por eliminação do
que é uma ave da mesma família, e, caveia. Que é lá? Purru! Acuêto? – Caveia?
sungo faz referência a alguém que rea- responde ao chamado do mestre can-
liza algo que não lhe cabe em razão tador: Purru, acuêto? MACHADO FILHO,
carrumbi. Sertanejo. Carrumbi uai sorerê. coi. Sentido não identificado. Ongombe
coipite oenda soriê. O canto trata do uassage ô atundo mera/ covicara tuca
o cantador pede à Lua para “furar o forma usada para designar ‘mulher’.
Maria Gombê/ ererê congoá. MACHADO cucá. Sentido não identificado. Arengá
FILHO, 1964, p. 120, 70 e 71. sendê, sendê, nda cucá ai, sanduê
congo verá, á. MACHADO FILHO, 1964, rem rápido, que a fome está aper-
p. 67. tando. MACHADO FILHO, 1964, p. 80.
congoá. Ver congá. cuca. Sentido não identificado. Securo a
fundo da cata. Omenhá, omenhá/ ros- caçada. MACHADO FILHO, 1964, p. 75.
corofeca. adj. Ruim, imprestável (com refe- cumbara, cumbaro. Ô pu cumbaro num
feca. MACHADO FILHO, 1964, p. 120 e 78. no glossário de sua dissertação esta
pru alto du cumbaruá e tem tempo ê! curima auê. MACHADO FILHO, 1964, p.
cado. Ô cundero di ê num tem tempo. dandaia. Sentido não identificado. Ê Pade
Este vissungo é apontado como equi- Nosso com Ave Maria segura o kane,
de curiar, ‘comer’ (do amb. kuria, dandaiê, dandaiola. Sentido não iden-
‘comer’), e de cuca, ‘mulher velha e feia’ tificado. Dandaiê... ê./ Ê Pade Nosso
(do amb. kuku, ‘avô’ ou ‘avó’, femini- com Ave Maria segura o kane, Oi
curiête. Sentido não identificado. Ei! popiá, qui dendengá. O canto trata de
que o negro pede para abençoar seu tiçado e por isso não poder trabalhar.
teses que o fundamento do canto per- doriá. Sentido não identificado. Esta terra
mitiu aplicar aos outros casos, esta de Banguê, doriá. Este vissungo é
suas proezas. MACHADO FILHO, 1964, caran me chama gemá a... a... ê. O
lombo do Dumbá. MACHADO FILHO, 1964, f. 108 e 109; MACHADO FILHO, 1964, p.
p. 84 e 85. 64.
explica que o negro pede para aben- apontado como equivalente ao VIII
duro. Uma das minas mais antigas de São verso parece dialogar com: Ai! ovê,
João da Chapada. Duro já foi senguê. iô,/ soma ti querê, como também com
fero. Sentido não identificado. Iô fero a Para o vissungo LVI, de secar água,
um canto que fala da saudade dos pais. se que o cantador pede licença para
MACHADO FILHO, 1964, p. 79 e 80. cantar. MACHADO FILHO, 1964, p. 85. Ver
Orossangi cum galinahá cum quin- gongo. Sino. Chora, chora gongo ê
sinhori, pruê tê guá, nem guê, aiêêêê. se refere a uma caçada. Injara capuro
O registro faz parte das cantigas de munha. MACHADO FILHO, 1964, p. 121,
dos homens ao “Bendito” entoado iorô. Sentido não identificado. Mia cavalo
imbanda. s. Feitor. Também se refere dade nagô, orixá das águas. Otchaviê
ao chefe de uma prática litúrgica, a otchaviê tuca rira com Jomarê. A can-
ti, Senhê. No canto LII acrescenta-se MACHADO FILHO, 1964, p. 67. São João
seria o chefe de cada mesa na Cabula, raiê jombá. Esta cantiga era entoada
chamada de engira por Arthur Ramos. kalussu. Sentido não identificado. Que
Injara capuco nguenda atiuana. No nego kalussu. Esta cantiga era entoada
ele também acompanhasse o cortejo. uma vez que o vissungo seria entoado
em que está a palavra, ela é, possivel- era atendida. MACHADO FILHO, 1964, p.
que nego karussunbe. Esta cantiga era mento do vissungo pode-se considerar
que ele também acompanhasse o cor- dos pais. MACHADO FILHO, 1964, p. 79
tura em que está a palavra, ela é, pos- maiauê. Sentido não identificado. O
(em outras palavras, era feito o veló- cum Jom maiuê, ê. MACHADO FILHO,
eta, auê:/ lambu rietô candoca. Pelo 2003, f. 108 e 109; MACHADO FILHO, 1964,
roupa nova, de que a sua já não presta. Turira auê, mongorombô. MACHADO
lobo-lobô. A fruta de uma árvore. Lobo- mantê. Sentido não identificado. Tietê ti
urira/ injara capuro munha,/ tindinha, mbô. Sentido não identificado. Iô mbô/
auê/ peta mara, ô curira. Alguns can- combaro, auê. MACHADO FILHO, 1964,
costa da África teria havido um canto mdimba auê, ia ia auê. MACHADO FILHO,
mado pelos negros que vieram tra- mdori. Sentido não identificado. Ô Tinguê
balhar nas minas, aplicando-o à caça. Canhama, auê mdori pando. MACHADO
maracoti. Sentido não identificado. Toma mendê. Sentido não identificado. Dia de
gem banto, descrita por Arthur Ramos. mera anguiá, nera anguiá. Expressão
maranê. Sentido não identificado. Ô do kb. eme rianga, eme ngarianga ‘eu
quê. Por se tratar de uma sequên- mera anguiá auê/ lamba, nera anguiá.
cia em que se xinga o velho de coisa GNERRE citado por NASCIMENTO, 2003,
ruim, pode-se deduzir que também se f. 37; MACHADO FILHO, 1964, p. 78.
marauêi. Sentido não identificado. dor, pode referir-se aos que ficam cho-
Capicondei, com marauêi. Este vis- rando por não poderem acompanhar
mina. Sentido não identificado. Ô manga devido à fome. MACHADO FILHO, 1964,
Machado Filho. Este verso correspon- pepa ti amuna que para ti nguenda,/
MACHADO FILHO, 1964, p. 123. nota. Sentido não identificado. Nota ‘ua –
monê. Sentido não identificado. Monê iê, aua. MACHADO FILHO, 1964, p. 68.
mumdei, mundeiê. Sentido não iden- tecá Maria Ongome. Este vissungo é
citado por NASCIMENTO, 2003, f. 39. Machado Filho, no entanto, esta pas-
nda. Sentido não identificado. Nda popere oenda. v. Entrar. Oenda cocondoca.
catá, ô Tinguê// Injara, injara, san- MACHADO FILHO, 1964, p. 123 e 69.
rogongó,/ ara sica ombê. MACHADO ongombe, tiuê! Curioso que no vis-
FILHO, 1964, p. 79. sungo XXXI o fundamento explique que
ficado. Otatê ombirê ombira auê. onjó. s. Casa, rancho, cafua. Ucumbi
omboá, omboê. Sentido não identificado. onuma, numa. Sentido não identificado.
Ai omboê, ai! Ai omboá, ê!// Ai omboê. Onuma auê, numa auê. MACHADO
a queima de umas frutas, no outro nguenda auê, ai. MACHADO FILHO, 1964,
sequê. MACHADO FILHO, 1964, p. 123 e orossangi. Orossangi cum galinahá cum
onbaro. Dia de oi onbaro aiô mendê. O patrão. MACHADO FILHO, 1964, p. 72.
otatê. Sentido não identificado. Otatê peta. Sentido não identificado. Injara
ombirê ombira auê. MACHADO FILHO, capuro munha,/ tindinha, auê/ peta
1964, p. 84. mara, ô curira. MACHADO FILHO, 1964,
otchaviê. Corruptela de oxumaré, divin- p. 78 e 79.
dade nagô, orixá das águas. Otchaviê peti. Sentido não identificado. Orrumbe iô
otchaviê tuca rira com Jomarê. A can- peti pamba. MACHADO FILHO, 1964, p. 77
além de sentido religioso. Estas infor- pipoquê. Sentido não identificado. Numa
mações estão referenciadas em Arthur tara pipoquê. MACHADO FILHO, 1964, p. 74.
dente a você ou senhor. Ai! ovê, iô, é semelhante ao XXXV. MACHADO FILHO,
pamba. Sentido não identificado. Orrumbe popere catá, ô Tinguê. MACHADO FILHO,
iô peti pamba. MACHADO FILHO, 1964, p. 1964, p. 77 e 80. São João da Chapada.
Segundo informações dos cantado- pruê. Sentido não identificado. Com sinhori,
res, seria uma roda usada no traba- pruê tê guá, nem guê, aiêêêê. O regis-
lho da mineração para secar água. tro faz parte das cantigas de rede. Este
mando. MACHADO FILHO, 1964, p. 65. sungo LIII, pode-se supor que se refira
tem uma função de adjetivo, de quali- querideró, queriverô. Sentido não identi-
tativo. NASCIMENTO, 2003, f. 110 e 111; ficado. Com licença do querideró. Este
mas, principalmente de quema, pode que está inserido este termo, pode-se
rural” para a expressão é fio de quei- que será feita, segundo a informação
numa caçada. MACHADO FILHO, 1964, catas forma um morro, nos despejos.
quendê. Tuca rima quendê ai// Ucumbi quingombô. Orossangi cum galinahá
como especificar o sentido do termo, quinzi. Oi quinzi bari que foi o fundo. Este
barris que foi o/no fundo. Segundo gua africana, o que também pode ser
112; MACHADO FILHO, 1964, p. 83. rietô. Sentido não identificado. Remba
quirnô. Sentido não identificado. Ô pam- eta, auê:/ lambu rietô candoca. Pelo
quissama. s. trouxa, mochila. MACHADO fazer roupa nova, de que a sua já não
FILHO, 1964, p. 124. presta. MACHADO FILHO, 1964, p. 79.
trouxa que o moleque leva nas costas rio-rio. intj. Interjeição de silêncio
sonde. MACHADO FILHO, 1964, p. 124 e 75. rirá. Sentido não identificado. Jambá tuca
releium, rereium. Sentido não identifi- rirá ô quê. Segundo o autor, a pronún-
cado. Ei ombá rereium, orá. Esta can- cia seria branda no r inicial. O canto
tiga era entoada quando se passava se refere a uma situação ocorrida na
em frente à casa de um inimigo do água durante o trabalho de mineração.
defunto, para que ele também acom- MACHADO FILHO, 1964, p. 70 e 79.
eta, auê:/ lambu rietô candoca. Pelo ronguera catiaua auê! MACHADO FILHO,
trabalho de secar a água que fica no MACHADO FILHO, 1964, p. 125 e 71.
cascalho, chegando ao fundo da cata. senhê. A Lua. Ai! Senhê!. MACHADO FILHO,
sanduê, sendê. Sentido não identificado. rogongó,/ ara sica ombê. MACHADO
Arengá sendê, sendê nda cucá ai, san- FILHO, 1964, p. 79.
duê rê. O canto incita os trabalhado- siquê. Sentido não identificado. Iô fero a
res a andarem rápido, que a fome está siquê. Pelo fundamento do vissungo
sanguetê tê tê, ô. MACHADO FILHO, canto que fala da saudade dos pais.
I explica que o negro pede para aben- soriê. Sentido não identificado. Oenda
çoar seu serviço e sua comida, já o coipite oenda soriê. O vissungo trata
1964, p. 76.
Parece tratar-se de uma forma do por- fala da saudade dos pais. MACHADO
lugar. MACHADO FILHO, 1964, p. 84. tera. Sentido não identificado. Capongo,
tara. Sentido não identificado. Numa tara como já foi observado pelo autor em
pipoquê. MACHADO FILHO, 1964, p. 74. outros casos. MACHADO FILHO, 1964, p. 75.
calunga, ô tomara, ô tavira. Por estar com pai mais vei, quanto é. O registro
em um verso que se inicia por calunga, faz parte das cantigas de rede. Este
que significa ‘mar’, pode se tratar de refere-se a uma resposta dos homens
tê. Sentido não identificado. Com sinhori, cemitério. NASCIMENTO, 2003, f. 81.
pruê tê guá, nem guê, aiêêêê. O regis- tietê. Sentido não identificado. Tietê ti
tro faz parte das cantigas de rede. mantê. O vissungo, que corresponde
tecá. Sentido não identificado. Ô noviô Tinguê Canhama. Conta a lenda que se
Nda popere catá, ô Tinguê// Ô soma NASCIMENTO, 2003, f. 108, 109 e 110.
canto XXVI, já pelo do canto XXIX, tal- uassage ô atundo mera. MACHADO
vez possa tratar-se de um qualificativo, FILHO, 1964, p. 71. São João da
suas proezas. MACHADO FILHO, 1964, p. tuca. Sentido não identificado. Jambá
tiô, tiôri, ri-tiô, tiô-tiô. Sentido não iden- cantos os cantadores se referem a
tificado. Ai! tiô!, tiôri, tiô! Parece algo uma situação ocorrida na água, no
animal numa caçada. MACHADO FILHO, tuê. Sentido não identificado. Numa tara
tuá. Sentido não identificado. Num vira turi. Sentido não identificado. Jambá
camporra, num vira tua// Não vira cacumbi queremá, mapiá turi.
capoa, nem vira tua. Os vissungos cor- MACHADO FILHO, 1964, p. 69.
uandá. s. Rede. Ô minino Mané no uandá. permitiuaplicar aos outros casos, esta
MACHADO FILHO, 1964, p. 125 e 85. forma seria um verbo com o sentido
assomá. MACHADO FILHO, 1964, p. 125. mento. MACHADO FILHO, 1964, p. 74.
ongombe ‘uari. MACHADO FILHO, 1964, vita, vitá. Sentido não identificado.
uariá. Sentido não identificado. Ucumbi a Pela estrutura dos cantos e pela infor-
sol. MACHADO FILHO, 1964, p. 66-67. parece ter função de verbo. MACHADO
uassage. Sentido não identificado. Tuara FILHO, 1964, p. 66 e 77.
uauê! MACHADO FILHO, 1964, p. 77. Pade Nosso cum Ave Maria segura o
cado fica depreendido dos fundamen- zombá. Sentido não identificado. Numa tara
tos dos vissungos e do verbete de qui zombá,/ tuê, ia, tuê, iá. MACHADO
76 e 116.
DORNAS FILHO, João. Vocabulário quimbundo. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, n. 5,
v. 49, p. 143-150, jul.-ago. 1938.
MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. 2. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964. (Retratos do Brasil, 26).
NASCIMENTO, Lúcia Valéria do. A África no Serro Frio: vissungos de Milho Verde e São João da
Chapada. 2003. 129 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
QUEIROZ, Sônia. Pé preto no barro branco: a língua dos negros da Tabatinga. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1998.
VOGT, Carlos; FRY, Peter. Cafundó: a África no Brasil: linguagem e sociedade. São Paulo: Companhia
das Letras; Campinas: Editora UNICAMP, 1996.
Marc-Antoine Camp
1
Gostaria de agradecer aos conhecedores dos vissungos em Milho Verde pelos muitos momentos
oferecidos para gravar, conversar e brincar. Com grande respeito lembro o falecido Mestre Crispim,
que me ensinou saberes de língua, de raízes e de vida. Meus agradecimentos vão também para Bruno
Campolina, do Instituto Milho Verde, e para Cecilia Soares-Esparta pela leitura crítica das primeiras
versões deste artigo.
2
KUBIK. [Gravações na região de Diamantina...], KUBIK. Extensionen Afrikanischer Kulturen in Brasilien.
Neste artigo, baseado em pesquisas etnomusicológicas realizadas
desde 1997 na região de Diamantina,3 examino a “africanidade” dos ele-
mentos linguísticos, levando para o primeiro plano a transmissão recente
e as percepções verbalizadas da cultura afro-brasileira de moradores no
mencionado vilarejo de Milho Verde e seus arredores.
Descendência e etimologias
O conhecimento sobre os vissungos foi introduzido ao público brasileiro
por Aires da Mata Machado Filho a partir de 1939, no seu estudo etnográ-
fico e histórico O negro e o garimpo em Minas Gerais. O autor, nativo da
região de Diamantina, documentou um repertório de cantos com vocá-
bulos oriundos de línguas africanas e identificados como elementos de
um “dialeto crioulo de negros bantos”.4 Segundo Machado Filho, foram
escravos trazidos à região para a extração de diamantes a partir dos
primeiros decênios do século XVIII5 que desenvolveram e transmitiram
esse “dialeto”. As “nações” de proveniência atribuídas aos escravos em
registros diamantinenses de morte,6 de batismo7 e de trabalho8 nos
séculos XVIII e XIX constituem um indício da origem centro-africana dos
escravos. Embora tais atributos não permitam a identificação inquestio-
nável ou geograficamente precisa da origem, apesar de serem usados
no Brasil como “marcas registradas”9 para designar características físi-
cas de escravos, é significativa a clara predominância das nações Angola,
Banguela e Congo nesses registros. Indícios adicionais que apontam para
a descendência centro-africana da cultura regional de Diamantina são
técnicas parecidas, encontradas nos dois lados do Atlântico, como a da
3
CAMP, Marc-Antoine. Gravações e notas das pesquisas de campo na região de Diamantina, CAMP.
Gesungene Busse.
4
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 14; 117-118.
5
SANTOS. Memórias do distrito diamantino, LUNA. Minas Gerais, FURTADO. O livro da capa verde, FURTADO.
Chica da Silva e o contratador dos diamantes.
6
BERGAD. Slavery and the Demographic and Economic History of Minas Gerais, Brazil, 1720-1888.
7
MACHADO FILHO. A procedência dos negros brasileiros e os arquivos eclesiásticos.
8
RAMOS, D. Slavery in Brazil.
9
KUBIK. Extensionen Afrikanischer Kulturen in Brasilien, p. 20-23.
10
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 57-59, KUBIK. Extensionen Afrikanischer
Kulturen in Brasilien, p. 67.
11
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 140, CAMP. Gravações e notas das pesquisas
de campo na região de Diamantina.
12
Ver BONVINI. Línguas africanas e português falado no Brasil.
13
CAMP. Gesungene Busse, p. 152-157. Ver VOGT; FRY. Cafundó, p. 127.
14
Ver HERSKOVITS. Acculturation, p. 15-18.
15
CASTRO. Influência de línguas africanas no português do Brasil e níveis sócio-culturais de linguagem,
p. 59, MUKUNA. Contribuição bantu na música popular brasileira, p. 41-53; 65-69, VOGT; FRY. Cafundó, p.
185-188, BONVINI. Línguas africanas e português falado no Brasil, p. 33.
16
BRANT; CÁSSIA. Uma descoberta em Minas, CAMP. Gravações e notas das pesquisas de campo na região
de Diamantina.
17
BEZERRA. A última fronteira da África.
18
KUBIK. Extensionen Afrikanischer Kulturen in Brasilien, p. 70.
19
DORNAS FILHO. Vocabulário quimbundo, p. 150, MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais,
p. 136.
20
CAMP. Gesungene Busse, p. 92-106.
21
RAMOS, A. Prefácio, p. 12.
22
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 14.
23
DAELEMAN. African Origins of Brazilian Black Slaves, KUBIK. Extensionen Afrikanischer Kulturen in
Brasilien, p. 70, NASCIMENTO. A África no Serro-Frio, ZAGARI citado por BRANT; CÁSSIA. Uma descoberta
em Minas, VOGT; FRY. Cafundó, p. 285-341.
24
Ver, por exemplo, a argumentação de Pedro Guimarães em “Contribuições bantus para o sincretismo
fetichista“, baseada em Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, p. 214-215. Ver MATORY. The English
Professors in Brazil, p. 76-77.
Presente e usos
As etimologias abrangem somente um aspecto da herança africana na
região de Diamantina. Os usos atuais dos elementos linguísticos nos seus
contextos são de igual importância para uma compreensão da “africani-
dade” da cultura local. Descrevo a seguir, a partir de um ponto de vista
antropológico, quatro aspectos da linguagem oral em Milho Verde, atra-
vés de termos ouvidos ali (e muito além deste vilarejo). Conforme as
situações específicas e as posições sociais dos participantes na interação
verbal, o falar ligado à herança afro-brasileira é chamado de “língua de
nego”, “dialeto africano”, “língua” ou simplesmente não é denominado.
Cabe mencionar que não são exclusivamente pessoas de fenótipos afro-
brasileiros que usam esse falar, senão um grupo cultural afrodescendente
cujos membros o adquiriram na sua socialização.
a. “Dialeto africano”
b. “Língua”
c. Sem denominação
d. “Língua de nego”
25
Citado por BRANT; CÁSSIA. Uma descoberta em Minas.
26
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 66-67, VOGT; FRY. Cafundó, BONVINI; PETTER.
Portugais du Brésil et langues africaines, p. 75-78, QUEIROZ. Pé preto no barro branco, p. 93-99.
27
Ver RAIMUNDO. O elemento afro-negro na língua portuguesa, MENDONÇA. A influência africana no
português do Brasil.
28
BONVINI; PETTER. Portugais du Brésil et langues africaines, p. 77.
29
Ver MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 117-120, QUEIROZ. Pé preto no barro
branco, p. 100-102.
30
Ver MENDONÇA. A influência africana no português do Brasil, p. 63, RAIMUNDO. O elemento afro-negro
na língua portuguesa, p. 70, TEIXEIRA. O falar mineiro, p. 27.
31
KUBIK. [Gravações na região de Diamantina...], NASCIMENTO. A África no Serro-Frio, CAMP. Gesungene
Busse. Ver BRANT; CÁSSIA. Uma descoberta em Minas, SUPLEMENTO Literário de Minas Gerais, out. 2008,
edição especial.
32
O CANTO dos escravos, MELLO; LUZ. Chico Rei, DIAS; MANZATTI. Congado mineiro.
33
MACUCO canengue, VISSUNGO: fragmentos da tradição oral, TERRA deu, terra come.
34
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais.
35
AZEVEDO; SILVA NOVO. Gravações feitas em Belo Horizonte e Diamantina. Ver L. H. Corrêa de Azevedo:
music of Ceará and Minas Gerais.
36
CAMP. Gravações e notas das pesquisas de campo na região de Diamantina. Ver NASCIMENTO. A África
no Serro-Frio.
37
Ver FRISBIE. Vocables in Navajo Ceremonial Music.
38
CAMP. Gravações e notas das pesquisas de campo na região de Diamantina.
123
O exemplo apresentado sugere certa estabilidade das estrutu-
ras musicais na transmissão oral-aural dos vissungos, por um lado, mas
incertezas etimológicas e variações de usos, por outro. Muitos outros
fragmentos do repertório dos vissungos registrados, porém, aparecem
como cantos singulares, pois não conseguimos agrupar musicalmente
como versões de um mesmo vissungo. A análise dos registros indica
então que o vissungo é mais que os objetos acústicos conservados, mas
uma prática transformadora de si mesma.
Tradições vivas
A tradição dos vissungos aparece como um conjunto de expressões orais
que adquirem seus significados nas interligações lembradas e atualizadas
entre sílabas, itens lexicais, movimentos rítmico-melódicos e usos. Os
vissungos são relembrados individualmente nos seus usos vivenciados,
mas atualizados no presente da performance através de interações num
grupo de pessoas cantando. Por isso os vissungos não podem ser conce-
bidos tão somente nas suas etimologias de um “dialeto africano”. Ao con-
trário, os vissungos não conseguem sobreviver ligados às origens, aos
significados e usos determinados e invariáveis. A possibilidade de trans-
formação é uma condição para a transmissão oral-aural de uma tradição
musical e expressiva como a dos vissungos. É nas descontinuidades da
transmissão que se mostra a “africanidade” do vissungo.
Referências
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AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de; NOVO, Euclides Silva. Collection of Folksongs of Minas Gerais, Brazil
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MATORY, J. Lorand. The English Professors in Brazil: On the Diasporic Roots of the Yoruba Nation.
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MELLO, Guto Graça; LUZ, Rita (Prod.). Chico Rei. Trilha sonora do filme. Rio de Janeiro: Som
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MUKUNA, Kazadi wa. Contribuição bantu na música popular brasileira. São Paulo: Global, 1979.
NASCIMENTO, Lúcia Valéria do. A África no Serro-Frio – vissungos: uma prática social em extinção.
2003. 129 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, Universidade
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Percussão por Djalma Correa, Papete e Don Biral. São Paulo: Estúdio Eldorado/ Sony, 2003. 1 CD.
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TEIXEIRA, José A. O falar mineiro. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, v. 4, n. 45, p. 5-100.
TERRA deu, terra come. Direção: Rodrigo Siqueira. São Paulo: Tango Zulu Filmes, [s.d.]. [Filme
documentário]
VISSUNGO: fragmentos da tradição oral. Direção: Cássio Gusson. [S.l.]: Confra Filmes, 2009. 13
min., son., color. [Filme documentário]
VOGT, Carlos; FRY, Peter. Cafundó: a África no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Quadro 1
Comparação entre Canto e Canção
2
DAVENSON apud CALVET. Estilo oral, p. 43.
3
TRAVASSOS. Um objeto fugidio: voz e “musicologias”, p. 38.
4
NASCIMENTO. A África no Serro Frio – Vissungos: uma prática social em extinção, p. 100.
5
CONTOS e cantos vissungos por Mestre Ivo Silvério da Rocha. Disponível em: <http://goo.gl/MDoWMG>.
Acesso em: 01 jan. 2015.
6
Muitos desses recursos são decorrentes, inclusive, das pesquisas etnomusicológicas com povos
apontados como exóticos pelos primeiros pesquisadores europeus, que identificaram diferentes
concepções de estruturação do tempo musical.
7
RELAÇÃO dos discos gravados no estado de Minas Gerais, p. 76.
8
Meu agradecimento ao Fabio Adour pela revisão da transcrição, garantindo-lhe precisão.
Padre Nosso
O Padre Nosso de Luiz Heitor (CD anexo) se aproxima dos Cantos 1
e 2 de Aires, entretanto, o paralelo com o Canto 1 é maior (há um outro
fonograma na coleção de Luiz Heitor, também de um Padre Nosso que,
entretanto, é bem mais distante desses dois cantos de Aires e não será
aqui analisado).
O pesquisador suiço Marc-Antoine Camp, em sua pesquisa de
doutoramento,10 também se dedicou a este vissungo, mas com uma
metodologia diferente, pois avaliou apenas registros sonoros, utilizando,
além da coleção de Luiz Heitor, alguns fonogramas bem mais recentes,
incluindo gravações que ele mesmo coletou. Minha empreitada é dife-
rente, pois tento compreender o grau de proximidade apenas dos dois
registros mais antigos deste campo, independente do suporte (escrito ou
gravado).
Aires observa que o “Padre Nosso” era utilizado também nas ceri-
mônias de levantamento de Mastro11 e apresenta o significado do termo
Angananzambê, presente no canto 1, como ‘Deus’, o que é confirmado
pelo vocabulário de Yeda Pessoa de Castro, que ainda nos informa sobre
suas variantes (Zambi, Zambi Ngana, Inzambi, Nzambi, Angananzambi-
Opungo, Zambiapungo, Gangazambi, Zambiapunga, Calungamgombe).12
A palavra calunga aparece com vários significados em Aires, mas, no con-
texto deste canto, parece ter mais afinidade com o sentido de ‘divindade’,
ou de ‘mar’.13 A palavra securo não apresenta tradução em Aires, entre-
9
O texto do Padre Nosso de Luiz Heitor foi transcrito inicialmente por Everton Machado Simões, Mestre
em Linguísitica pela USP, e a ele faço meu agradecimento. O texto final, entretanto, é uma conjunção
da transcrição realizada por Everton, do texto do Padre Nosso de Aires e da minha própria transcrição.
10
CAMP. Praxis Valoriserung der afro-brasilianischen vissungo in der region von Diamantina, Minas
Gerais, p. 119.
11
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 70-73. As festas de Reinado, onde há o
levantamento de Mastro, são muito presentes na região.
12
CASTRO. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro, p. 153 e 355.
13
MACHADO FILHO. O negro e o garimpo em Minas Gerais, p. 129-130.
14
CAMP. Praxis Valoriserung der afro-brasilianischen vissungo in der region von Diamantina, Minas
Gerais, p. 156-157.
15
CONTOS e cantos vissungos por Mestre Ivo Silvério da Rocha. Disponível em: <http://goo.gl/
MDoWMG>. Acesso em: 01 jan. 2015.
16
A afinação do canto neste fonograma acontece ligeiramente acima do Ré Maior representado na
partitura.
17
As Alturas (pitch), representadas à esquerda neste gráfico, estão separadas por semitons temperados:
o âmbito aqui vai do lá natural, 220 Hz, ao lá natural oitava acima, 440 Hz.
137
A partir desta análise foi possível verificar diferentes aspectos
quanto à comparação dos dois registros, quanto ao texto, à melodia, ao
ritmo e à voz:
Texto: um aspecto que muito chama a atenção, num primeiro olhar,
é a complexidade musical da versão gravada. Parece-me evidente, entre-
tanto, que essa complexidade não decorre de um processo composicional
segundo os moldes europeus, mas sim do próprio cantar. Muito desse
aspecto deve-se ao papel do cantor, cujo improviso parece ser consti-
tutivo do fazer criativo, e pelo qual são realizados acréscimos, omissões
e repetições de palavras ou até de sílabas, além de variados recursos
vocais. As ênfases interpretativas (ataques glotais, tenutas, acentos, ace-
lerandos e retardandos), sugeridas pelo texto, interferem diretamente
na melodia e no ritmo. O Quadro 2, além de auxiliar na identificação
das modificações, evidencia a repetição do primeiro verso (com variação)
apenas no fonograma de Luiz Heitor.
Quadro 2
Comparação dos textos do “Padre Nosso” de Aires e Luiz Heitor
e…
a linha melódica de certos vissungos possui caráter melismático,
ritmo de feição oratória e, sobretudo, apresenta intervalos, por-
tamentos, cadências, que lembram evidentemente a música dos
povos orientais.21
Referências
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CALVET, Louis-Jean. Estilo oral. Seleção de extratos e tradução de Sônia Queiroz. In: QUEIROZ,
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CAMP, Marc-Antoine. Praxis und Valorisierung der afro-brasilianischen Vissungo in der Region
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MA: Library of Congress – Endangered Music Program (Series), 1988. 1 CD stereo, gravadora
Rykodisc.
24
TUGNY; QUEIROZ. Músicas africanas e indígenas no Brasil, p. 105.
25
ZUMTHOR. Introdução à poesia oral, p. 259.
26
Compreendendo aqui o sentido da palavra educação (ex-ducere) ao lado de existir (ex-stare).
27
CONTOS e cantos vissungos por Mestre Ivo Silvério da Rocha. Disponível em: <http://goo.gl/
MDoWMG>. Acesso em: 01 jan. 2015.
MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1943.
NASCIMENTO, Lúcia Valéria do. A África no Serro-Frio – Vissungos: uma prática social em extinção.
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Música/Centro de Pesquisas Folclóricas, 1944.
TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta (Org.). Músicas africanas e indígenas no
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Histórias de sabidos
transcrições e transcriações de contos orais
Sônia Queiroz (Org.)