Discurso Malala-Yousafzai Nobel Da Paz
Discurso Malala-Yousafzai Nobel Da Paz
Discurso Malala-Yousafzai Nobel Da Paz
Fonte: http://historico.blogdacompanhia.com.br/2014/12/discurso-de-malala-yousafzai-no-premio-nobel-da-paz/
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Bismillah hir Rahman ir rahim. Em nome de Deus, o mais misericordioso, o mais
benévolo.
Excelentíssimas majestades, ilustres membros do Comitê Nobel Norueguês, queridos
irmãos e irmãs, hoje é um dia de grande felicidade para mim. Aceito com humildade a
escolha do Comitê Nobel em me agraciar com este precioso prêmio.
Obrigado a todos pelo apoio e amor permanentes. Sou grata pelas cartas e cartões que
continuo a receber de todas as partes do mundo. Ler suas palavras amáveis e
encorajadoras me fortalece e inspira.
Queria agradecer a meus pais por seu amor incondicional. Agradecer a meu pai por não
cortar minhas asas e me deixar voar. Obrigado, mamãe, por me inspirar a ser paciente e
falar sempre a verdade — que acreditamos vigorosamente ser a verdadeira mensagem
do Islã.
Muito me orgulha ter sido a primeira pachtun, a primeira paquistanesa e a primeira
adolescente a receber este prêmio. E tenho a certeza absoluta de ser também a primeira
pessoa a receber um Nobel da Paz que ainda briga com seus irmãos mais novos. Eu
quero que a paz se espalhe por todos os cantos, mas meus irmãos e eu ainda estamos
trabalhando nisso.
Muito me honra também dividir este prêmio com Kailash Satyarthi, que vem lutando pelos
direitos das crianças já há muito tempo. Na verdade, pelo dobro do tempo que já vivi. Fico
feliz também por estarmos aqui reunidos demonstrando ao mundo que um indiano e uma
paquistanesa podem conviver em paz e trabalhar em prol dos direitos das crianças.
Queridos irmãos e irmãs, recebi meu nome em homenagem à pachtun Joana D’Arc,
Malalai de Maiwand. A palavra Malala significa “enlutada”, “triste”, mas, tentando imbuir
um pouco de alegria a ela, meu avô iria sempre me chamar de “Malala — a garota mais
feliz deste mundo”, e hoje estou muito feliz de estarmos aqui reunidos por uma causa
importante.
Este prêmio não é só meu. É das crianças esquecidas que querem educação. É das
crianças assustadas que querem a paz. É das crianças sem direito à expressão que
querem mudanças.
Estou aqui para afirmar os seus direitos, dar-lhes voz… Não é hora de lamentar por elas.
É hora de agir, para que seja a última vez que vejamos uma criança sem direito à
educação.
Tenho percebido que as pessoas me descrevem de várias maneiras.
Algumas se referem a mim como a menina que foi baleada pelo talibã.
Outras, como a menina que lutou por seus direitos.
Outras, agora, como “a Prêmio Nobel”.
No que se refere a mim, sou apenas uma pessoa dedicada e teimosa que quer ver todas
as crianças recebendo educação de qualidade, que quer a igualdade de direitos para as
mulheres e que quer que haja paz em todos os cantos do mundo.
A educação é uma das bênçãos da vida — e uma de suas necessidades. Essa tem sido a
minha experiência pelos dezessete anos em que vivi. Em minha casa, no vale Swat, no
norte do Paquistão, eu sempre adorei a escola e aprender coisas novas. Lembro-me que
quando minhas amigas e eu enfeitávamos nossas mãos com hena para as ocasiões
especiais, em vez de desenhar flores e padrões nós pintávamos as mãos com fórmulas e
equações matemáticas.
Tínhamos sede de educação porque o nosso futuro estava bem ali, naquela sala de aula.
Nós sentávamos e líamos e aprendíamos juntas. E amávamos vestir aqueles uniformes
escolares limpos e bem passados e sentar ali com grandes sonhos em nossos olhos.
Queríamos que nossos pais se orgulhassem de nós e provar que poderíamos nos
destacar nos estudos e realizar algo, o que algumas pessoas pensam que somente os
meninos podem fazer.
Mas as coisas mudam. Quando eu tinha dez anos, Swat, que era um recanto de beleza e
turismo, de repente se transformou em um lugar de terrorismo. Mais de quatrocentas
escolas foram destruídas. As meninas foram impedidas de frequentar a escola. As
mulheres foram açoitadas. Pessoas inocentes foram assassinadas. Todos sofremos. E os
nossos belos sonhos se transformaram em pesadelos.
A educação passou de um direito a um crime.
Mas com a mudança repentina de meu mundo, minhas prioridades também se
modificaram.
Eu tinha duas opções, a primeira era permanecer calada e esperar para ser assassinada.
A segunda era erguer a voz e, em seguida, ser assassinada. Eu escolhi a segunda. Eu
decidi erguer a voz.
Os terroristas tentaram nos deter e atacaram a mim e a minhas amigas em 9 de outubro
de 2012, mas suas balas não podiam vencer.
Nós sobrevivemos. E desde aquele dia nossas vozes só fizeram se erguer mais altas.
Eu conto a minha história não porque ela seja única, mas principalmente porque não é.
Hoje, eu conto as histórias delas também. Eu trouxe comigo para Oslo algumas das
minhas irmãs, que compartilham esta história, amigas do Paquistão, Nigéria e Síria.
Minhas valentes irmãs, Shazia e Kainat Riaz, que também levaram tiros comigo naquele
dia em Swat. Elas também passaram por esse trauma trágico. Também a minha irmã
Kainat Somro, do Paquistão, que sofreu violência e abuso extremos, até mesmo seu
irmão foi assassinado, mas não sucumbiu.
E há meninas comigo que eu conheci durante minha campanha do Fundo Malala, que
agora são como minhas irmãs. Minha corajosa irmã Mezon, da Síria, de dezesseis anos,
que atualmente vive na Jordânia, em um campo de refugiados, indo de tenda em tenda
para ajudar meninas e meninos a aprender. E minha irmã Amina, do norte da Nigéria,
onde o Boko Haram ameaça e rapta meninas simplesmente por elas quererem ir para a
escola.
Embora na aparência eu seja uma menina, uma pessoa com um metro e cinquenta e sete
de altura, contando com os saltos altos, eu não sou uma voz solitária, eu sou muitas.
Eu sou Shazia.
Eu sou Kainat Riaz.
Eu sou Kainat Somro.
Eu sou Mezon.
Eu sou Amina.
Eu sou aquelas 66 milhões de meninas que estão fora da escola.
As pessoas gostam de me perguntar por que a educação é importante, especialmente
para as meninas. A minha resposta é sempre a mesma.
O que eu aprendi da leitura dos dois primeiros capítulos do Alcorão Sagrado foram as
palavras Iqra, que significa “leitura”, e nun wal-qalam que significa “pela caneta”.
Assim, como eu disse no ano passado nas Nações Unidas: “Uma criança, um professor,
uma caneta e um livro podem mudar o mundo.”
Hoje, em metade do mundo testemunhamos acelerado progresso, modernização e
desenvolvimento. No entanto, há países onde milhões ainda sofrem dos antiquíssimos
problemas da fome, da pobreza, da injustiça e de conflitos.
Na verdade, lembramos em 2014 que um século se passou desde o início da Primeira
Guerra Mundial, mas ainda não aprendemos todas as lições que surgiram da perda
daquelas milhões de vidas de cem anos atrás.
Ainda há conflitos em que centenas de milhares de pessoas inocentes perdem suas
vidas. Muitas famílias passaram a ser refugiados na Síria, em Gaza e no Iraque. Ainda há
meninas que não têm liberdade para ir à escola no norte da Nigéria. No Paquistão e no
Afeganistão vemos pessoas inocentes sendo mortas em ataques suicidas e explosões de
bombas.
Muitas crianças na África não têm acesso à escola por causa da pobreza.
Muitas crianças na Índia e no Paquistão são privadas de seu direito à educação por conta
de tabus sociais, ou forçadas ao trabalho infantil e, no caso de meninas, a casamentos
infantis.
Uma das minhas melhores amigas da escola, da mesma idade que eu, sempre foi uma
menina corajosa e confiante, que sonhava um dia se tornar uma médica. Mas seu sonho
continuou a ser um sonho. Aos doze anos ela foi forçada a se casar, tendo um filho logo
em seguida, numa idade em que ela própria era ainda uma criança — apenas catorze
anos. Eu sei que a minha amiga teria sido uma médica muito boa.
Mas ela não pôde… porque era uma menina.
Sua história é a razão pela qual eu dedico o dinheiro do Prêmio Nobel para o
Fundo Malala, para ajudar a dar às meninas de toda parte uma educação de qualidade e
convocar os líderes a ajudar meninas como eu, Mezun e Amina. O primeiro lugar para
onde esse financiamento será aplicado é lá onde reside meu coração, para construir
escolas no Paquistão — especialmente na minha terra natal de Swat e Shangla.
Na minha própria aldeia ainda não existe uma escola secundária para meninas. Eu quero
construir uma, para que minhas amigas possam ter uma educação e a oportunidade que
isso traz na realização de seus sonhos.
É por lá que irei começar, mas não é por lá que irei parar. Vou continuar esta luta até ver
todas as crianças na escola. Eu me sinto muito mais forte depois do ataque que sofri,
porque eu sei que ninguém pode me parar, ou nos parar, porque agora somos milhões,
lutando juntos.
Queridos irmãos e irmãs, grandes pessoas que trouxeram mudanças, como Martin Luther
King e Nelson Mandela, Madre Teresa e Aung San Suu Kyi, que passaram todos por este
palco, espero que os passos que Kailash Satyarthi e eu percorremos até aqui, e que
ainda daremos nessa jornada, também tragam mudança — mudança duradoura.
Minha grande esperança é que esta seja a última vez que tenhamos que lutar pela
educação de nossos filhos. Queremos que todos se unam em apoio a nossa campanha
para que possamos resolver isso de uma vez por todas.
Como eu disse, já demos muitos passos na direção certa. Chegou a hora de dar um salto.
Não é mais o caso de convencer os governantes do quão importante é a educação —
isso eles já sabem, seus próprios filhos estão em boas escolas. A hora agora é de
convocá-los a agir.
Pedimos aos líderes mundiais que se unam para fazer da educação a sua principal
prioridade.
Há quinze anos, os líderes mundiais chegaram a um consenso sobre um conjunto de
metas globais, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nos anos que se seguiram,
testemunhamos alguns progressos. O número de crianças fora da escola foi reduzido à
metade. No entanto, o mundo se concentrou apenas na expansão do ensino fundamental
e o progresso não chegou a todos.
No próximo ano, em 2015, representantes de todo o mundo se reunirão na Organização
das Nações Unidas para decidir sobre o próximo conjunto de metas, os Objetivos para o
Desenvolvimento Sustentável. Isto irá definir a ambição do mundo para as gerações
vindouras. Os líderes devem aproveitar essa oportunidade para garantir uma educação
fundamental e secundária gratuita e de qualidade para cada criança.
Alguns dirão que isso é impraticável, ou muito caro, ou muito difícil. Ou mesmo
impossível. Mas é hora de pensar grande.
Queridos irmãos e irmãs, o chamado mundo dos adultos pode compreender isso, mas
nós, as crianças, não. Por que os países que chamamos de “fortes” são tão poderosos
em criar guerras, mas tão fracos em trazer a paz? Por que fornecer armas é tão fácil, mas
doar livros é tão difícil? Por que fabricar tanques é tão fácil, mas construir escolas é tão
difícil?
Vivemos na era moderna, o século XXI, e passamos a acreditar que nada é impossível.
Chegamos à Lua e talvez em breve pousaremos em Marte. Então, neste século, temos de
insistir em que o nosso sonho de uma educação de qualidade para todos também se
torne realidade.
Por isso deixem-nos levar igualdade, justiça e paz para todos. E não apenas os políticos e
os líderes mundiais, todos precisamos contribuir. Eu. Vocês. É nosso dever.
Ao trabalho, então… sem esperar.
Apelo às crianças como eu a levantar-se em todo o mundo.
Queridos irmãos e irmãs, que nos tornemos a primeira geração a decidir ser a última [a
ficar fora da escola].
As salas de aula vazias, as infâncias perdidas, o potencial desperdiçado — que tudo isso
se encerre conosco.
Que esta seja a última vez que um menino ou uma menina desperdice sua infância em
uma fábrica.
Que esta seja a última vez que uma garota seja obrigada a se casar na infância.
Que esta seja a última vez que uma criança inocente perca a vida na guerra.
Que esta seja a última vez que uma sala de aula permaneça vazia.
Que esta seja a última vez que se diga a uma menina que a educação é um crime e não
um direito.
Que esta seja a última vez que uma criança permaneça fora da escola.
Que comecemos nós a encerrar essa situação.
Que sejamos nós a dar um fim a isto.
Que comecemos a construir um futuro melhor, aqui, agora.
Obrigada.