O Segundo Poema-Acróstico Ofensivo A D. Pedro II (1869)
O Segundo Poema-Acróstico Ofensivo A D. Pedro II (1869)
O Segundo Poema-Acróstico Ofensivo A D. Pedro II (1869)
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Resumo
Indícios de autoria:
1. Uma situação paralela à do primeiro poema-acróstico: a publicação em jornal
governista e a revelação do acróstico, por seu autor, em outro jornal. Sem essa
revelação, a trollagem não geraria impacto político.
. Nem ao menos teve o talento da torpeza, ele, o seu mais zeloso cultor;
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Apresentação
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O segundo poema-acróstico
PUBLICAÇÕES PEDIDAS
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Bem-te-vi em roda-viva
E a coroa do noivado,
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Mais uma vez, os responsáveis por um grande jornal monarquista haviam sido
trollados por opositores políticos. Vicente José Ramos fazia escola.
Encontrei esse poema durante a pesquisa para o artigo sobre o acróstico de autoria de
Vicente José Ramos, em 15 de novembro de 2020. A princípio achei apenas curioso,
mas depois de uma breve investigação veio a surpresa: não há menção ao poema Bem-
te-vi em roda-viva ou ao acróstico Barão d'Itaúna, o guarda-serralho do rei no Google,
no Google Scholar (seção destinada a trabalhos acadêmicos) ou no Google Books.
Muito provavelmente, é inédito em trabalhos históricos.
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A novidade levaria, ao final de uma evolução que abrangeu a criação de mais de 100
formas de jogos de cruzamento de palavras, ao passatempo das palavras cruzadas, que
estreou em 21 de dezembro de 1913 com a publicação de um jogo no jornal nova-
iorquino The New York World, de autoria do inglês Arthur Wynne, responsável pelo
caderno de diversões do periódico (Fun). As palavras cruzadas são o mais famoso jogo
de cruzamento de palavras da História.
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se-despede-trollando-a-empresa-com-acrostico-00478593.html
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Acróstico famoso ― O Diário de S. Paulo de 16 do corrente, na quarta coluna da
segunda página, publicou o seguinte e interessante acróstico: [...]
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Seguia-se a reprodução do poema, agora com o destaque vertical de cada letra inicial
dos versos para que os leitores, inclinando o jornal para a esquerda, pudessem ler o
acróstico.
O Ypiranga (São Paulo, SP), 22/1/1869, número 122, página 4, segunda coluna.
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Repare na imagem da caveira ao final do texto. O Ypiranga era um jornal paulista
defensor da política liberal, ou seja, contrário à instituição da monarquia.
"Eu fugirei desses répteis nojentos como quem evita o contágio da lepra, como quem
foge dos horrores da peste."
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Como se deu aquela infâmia, como o órgão da imprensa oficial apresentou em suas
colunas aquela prova escrita da degradação a que têm chegado os pasquineiros da rua do
Ouvidor, já se acha perfeitamente explicado, já está na consciência do público.
Quem tem coragem para cometer uma ação tão vil é capaz de esconder-se atrás do
pau para assaltar a vítima e roubar-lhe a vida e a fortuna; é capaz de mercadejar com a
própria honra para realizar seus depravados planos; é capaz de precipitar-se pela rampa
escorregadia das ações mais torpes, dos crimes mais horrendos, para saciar sua fome
devoradora, para embeber-se mais e mais no satânico prazer de pôr em almoeda [leilão]
a reputação de caracteres honestos.
É o prazer que sente a fera quando suga o sangue da vítima semiviva que se estorce
nas agonias de uma dor que não se exprime. É a satisfação dos perversos, que, não
podendo medirem-se com o seu adversário em uma luta a peito descoberto, própria de
cavalheiros que se prezam, buscam as trevas, envolvem-se numa mortalha tão negra
como suas almas, empunham a arma do sicário, e cosendo-se com a parede, no lugar
onde a sombra é mais densa, onde a noite é mais completa, atiram-se sobre a vítima
desapercebida e a ferem no coração!
O autor das Orientais [Victor Hugo, 1829, Os Orientais], traçando estas linhas, quis
sem dúvida estereotipar alguns caracteres do seu tempo e do seu conhecimento,
recomendáveis pelo cinismo que distingue os acrostiqueiros da oposição atual.
Ingenuamente o confesso: a gente do pasquim é de tal arte organizada, que não há coisa
alguma que lhe faça mossa. Tenho estragado meia dúzia de bacalhaus [açoites] e nada
tenho conseguido!
Infelizmente é o mesmo que chover no molhado. Não sei realmente se deva ter dó ou
se deva ter ódio.
Que desgraça.
Diário de S. Paulo (São Paulo, SP), 24/1/1869, número 1024, páginas 1 (penúltima e
última colunas) e 2 (primeira coluna), na seção Folhetim do Diário.
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Mas o Opinião Liberal (Rio), o mesmo jornal que ajudara a divulgar o acróstico O
bobo do rei faz annos, não perdeu a oportunidade: quatro dias após o editorial raivoso
do Diário de S. Paulo, reproduziu o texto de O Ypiranga. A notícia chegava à Corte.
Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 28/1/1869, número 8, página 4, segunda
coluna.
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Sua filha Teresa Cristina recebeu esse nome em homenagem à imperatriz, esposa de
Pedro II.
O Ypiranga (São Paulo, SP), 10/9/1868, número 19, página 1, terceira coluna.
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Não é preciso mais do que o texto a seguir para entender o motivo da criação e
divulgação do poema-acróstico pelos jornalistas do periódico paulista O Ypiranga. O
redator (talvez o poeta e político Salvador de Mendonça) se referia ao final próximo da
administração da província de São Paulo pelo Barão de Itaúna nos seguintes termos.
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Não houve vício que não adorasse; não houve crime que não achasse nele guarida;
não houve, finalmente, virtude [em] que não cuspisse.
O mais servil de todos os homens públicos do Império, porque despiu às portas dos
grandes o pudor e a dignidade da criatura humana, procurou imitadores e, horrorizado
de si mesmo por não encontrá-los, como queria, repreendeu sem motivo, maltratou sem
causa os que por sua posição tinham no emprego a obrigação de servi-lo.
Mas nem ao menos teve o talento da torpeza, ele, o seu mais zeloso cultor.
Do patriotismo fez um azorrague do povo, como o padre sem alma que fizesse de um
missal um travesseiro de orgia!
Abriu sorrindo os cofres públicos e despendeu muita vez sem verba, ou mandou
fornecer dinheiro a granel para obras não orçadas.
A este um emprego, àquele uma gorjeta, àquele outro um contrato, a todos o preço da
violência, da fraude ou da abjeção!
Aos anátemas dos adversários seguiu-se o horror dos próprios amigos. Só aplaudem-
no os consórcios de suas torpezas; todos os mais [demais] profligam-no [destroem-no]
com uma palavra, ou com um sorriso, ou com o próprio silêncio.
Quando já não tinha adversários em luta a jogar na mesa eleitoral, o fidalgo atirou-se
aos amigos para estrangulá-los.
Como Judas vendeu a seu mestre, o desgraçado comerciou com o próprio partido.
Oh miséria?! Que presidente de província, desde a época de sua criação, desceu até o
ponto de escrever cartas a um cunhado, intrigando-o com quem era quase seu irmão!
Só ele!...
Entre as criaturas humanas não tem igual! Tê-lo-ia ao menos fora do reino em que
nasceu, entre os animais de mais tristes instintos ou de mais humildes costumes?
Não pode comparar-se ao porco, porque este sai da lama às vezes para aquecer-se ao
sol; ao cão, porque este ao menos conhece a fidelidade; ao gato, porque este tem
momentos de altivez; à raposa, porque esta sabe esperar o momento oportuno para as
suas espertezas.
Por exemplo, foi corvo no Patrocínio, mas nunca subiu às alturas. Sentiu a carniça
deitando e dormindo!
― Uma obra! Uma obra que lembre meu nome ― exclamava desesperado.
E... achou... achou justamente o céu... um velho encanamento e uma caixa de filtrar
água!
Para quê?
A obra indicará, depois de sua despedida, o que ele fez e o que ela vale.
― São águas servidas ― dirá o povo. ― Ele precisava lavar-se todos os dias; aquela
água era a sua banheira; mas a água saía tão suja que era necessário filtrá-la.
Que miserável!
O Ypiranga (São Paulo, SP), 14/3/1869, número 168, página 1, terceira e quarta
colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/375420/1857
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No artigo sobre a criação poética de Vicente José Ramos, mostrei como o escritor e
político Salvador de Mendonça (1841-1897) chegou a ser apontado como autor do
poema-acróstico publicado no Jornal do Commercio.
https://www.academia.org.br/academicos/salvador-de-mendonca/biografia
"Como poeta, Salvador de Mendonça, que parece ter feito a formação intelectual na
poesia de Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu, é um legítimo continuador dos
românticos. Seus versos de mocidade, perdidos em velhas coleções de jornais do Rio e
de São Paulo, têm características dos poetas do fim do Romantismo. Há, porém, em sua
poesia, aspectos que o distinguem, como o intenso sentimento da terra, da gente e da
paisagem do Brasil".
Nesse caso não temos a garantia de duas fontes da época que afirmaram
categoricamente conhecer o autor, como no caso do primeiro poema-acróstico. Mas não
há, até o nosso presente grau de conhecimento, "suspeito" mais provável para a autoria
do poema-acróstico Bem-te-vi em roda-vida que o próprio Salvador de Mendonça.