Lenita: Jorge Amado e A Vergonha Do Primeiro Livro (1931)
Lenita: Jorge Amado e A Vergonha Do Primeiro Livro (1931)
Lenita: Jorge Amado e A Vergonha Do Primeiro Livro (1931)
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Resumo
Avaliação posterior do próprio Jorge Amado: "é uma coisa de criança"; "um
único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim, foi necessário que se juntasse três";
"uma miserável novela que eu, Édison Carneiro e Dias da Costa escrevemos"; "é um
dos piores livros que já foram publicados no Brasil"; "minha primeira experiência de
romancista foi um fracasso total"; "uma das grandes curiosidades da minha vida é saber
se alguém comprou este livro".
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Apresentação
Não é situação rara um autor confessar a sua vergonha pelo primeiro livro. Desta sina
nem Jorge Amado escapou.
O primeiro livro de ficção do famoso romancista baiano, lançado em 1931, jamais foi
reeditado desde então, por vontade própria.
Site Jorgeamado.com.br
http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=12615
A novela "Lenita" (1931) era um texto de autoria coletiva, dele e dos amigos Édison
Carneiro (1912-1972) e Oswaldo Dias da Costa (1907-1979), antes publicado como
folhetim no periódico "O Jornal", de Salvador, em 1930.
O livro, assim como o texto original de "Rui Barbosa Número 2" (disponível nesta
pasta, subpasta Investigações de Autoria e Publicação), foi excluído das Obras
Completas de Jorge Amado e se tornou uma curiosidade literária, mais valorizada por
estudiosos do que por leitores.
Também na crítica se convencionou, desde a década de 30, tratar o romance "O País
do Carnaval" como o verdadeiro início da carreira de Amado.
"Boletim de Ariel" (RJ), outubro de 1932, número 28, página, segunda coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/072702/95
"A Ordem" (RJ), junho de1932, número 42, pagina 28.
http://memoria.bn.br/DocReader/367729/2572
A história de "Lenita"
A maioria das páginas da Web que se referem a essa primeira experiência literária de
Jorge Amado, em conjunto com os amigos Edison Carneiro e Dias da Costa, transmite
uma informação errônea sobre a origem da novela "Lenita".
"Bis!: Clássicos de Jorge Amado adaptados para cinema, TV e teatro", Globo Teatro,
10/8/2012.
http://redeglobo.globo.com/globoteatro/bis/noticia/2013/09/jorge-amado-classicos-
adaptados-para-cinema-televisao-e-teatro.html
https://www.brasil247.com/cultura/tributo-a-jorge-amado
"A Literatura de Jorge Amado – Orientações para o trabalho em sala de aula", página
80, Caderno de Leituras, organização de Norma Seltzer Goldstein, Companhia das
Letras.
https://www.companhiadasletras.com.br/sala_professor/pdfs/CadernoLeiturasAliterat
uradeJorgeAmado.pdf
https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-
ESPECIAL/388326--JORGE-AMADO---A-HISTORIA-DO-ESCRITOR-
BRASILEIRO-MAIS-DIFUNDIDO-NO-MUNDO-(0801).html
https://www.portalsaofrancisco.com.br/biografias/jorge-amado
"Jorge, Internacionalmente Amado", página 14, Sudha Swarnakar, em "Nova Leitura
Crítica de Jorge Amado", Eduepub, Universidade Estadual da Paraíba, Campina
Grande, Paraíba, 2014.
http://books.scielo.org/id/2yqzj/pdf/swarnakar-9788578793289.pdf
https://academiadeletrasdabahia.files.wordpress.com/2013/04/revista_alb_51.pdf
Alguns exemplos, apenas.
O próprio Jorge Amado contou a história de como os três amigos tiveram a ideia de
criar o folhetim, em um trecho da autobiografia escrita especialmente para o jornal
"Gazeta de Notícias" em 1934.
"É também a cerveja do Bar Brunsuiwk responsável por uma miserável novela que
eu, Édison Carneiro e Dias da Costa escrevemos; 'Lenita'. É um dos piores livros que já
foram publicados no Brasil. Mas nós tínhamos 17 anos e acreditávamos em muita coisa.
A novela saiu em folhetim no "O Jornal" da Bahia e depois em volume editado aqui no
Rio, por um editor que certamente nunca leu os originais. Foi numa noite de sábado que
combinamos escrever a tal novela. Não teve plano nem esqueleto, nada. Ficou
combinado que Dias escreveria o primeiro capítulo, passaria a Édison, que faria o
segundo e eu o terceiro. Assim por diante. À proporção que a novela era escrita, saía
publicada no jornal. Porém aconteceu que Édison no segundo capítulo criou uma
mulherzinha terrível de magra e de feia para heroína. Eu que naquele tempo vivia sobre
a influência de uma pequena lírica e sentimental, matei a prostituta no terceiro capítulo
para moralizar o livro. Edison se danou e então fez da alma da mulher a heroína do
livro. Cada qual queria atrapalhar o outro e acabou saindo uma novela horrorosa. Uma
das grandes curiosidades da minha vida é saber se alguém comprou este livro. De uma
mulherzinha eu sei que o maior desejo de sua vida é parecer com Lenita. Ela me disse
uma vez, numa noite de estrelas e cálices."
"Gazeta de Noticias" (RJ), 5/12/1934, número 63, página 3, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_06/3016
Repare que o próprio Jorge Amado incentiva a confusão mostrada antes do recorte,
ao denominar "Lenita" o folhetim escrito pelos três amigos para "O Jornal".
https://books.google.com.br/books?id=pSF0DwAAQBAJ&dq=%22glauter+duval%2
2&hl=pt-PT&source=gbs_navlinks_s
O folhetim "El-Rey"
Repare:
http://acervo.jorgeamado.org.br/assets/pdf/catalogo_Final.pdf
O leitor será tentado a atribuir o ano de 1928 à história de Amado, Carneiro e Édison,
publicada em "O Jornal". E sairá da leitura com a certeza de que essa história se
chamava "Lenita". Mas o ano foi 1930, e o título era "El-Rey". "Lenita" seria o título da
mesma história lançada em livro impresso, em 1931.
https://www.researchgate.net/publication/330618444_Jorge_Amado_o_realismo_soc
ialista_e_o_romance_proletario_historiografia_e_critica_literaria_1931-1937
"Academia dos Rebeldes: modernismo à moda baiana", páginas 161 e 162, Angelo
Barroso Costa Soares, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2005.
http://tede2.uefs.br:8080/handle/tede/11
http://www.congressohistoriajatai.org/anais2014/Link%20(190).pdf
Uma descrição mais precisa dos fatos consta do seguinte trabalho acadêmico, o único
totalmente centrado na novela: "Lenita: um livro não amado".
"Lenita: um livro não amado", Maria das Graças Nunes Cantalino e Ricardo
Henrique Resende de Andrade, em "Entrelaçando, Revista Eletrônica de Culturas e
Educação", número 1, outubro de 2010, página 112.
https://www2.ufrb.edu.br/revistaentrelacando/component/phocadownload/category/3
2%3Fdownload%3D166+&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br
Curiosamente, o erro foi incentivado pelo próprio Jorge Amado, ao publicar este
trecho em "Navegação de Cabotagem (Apontamentos para um Livro de Memórias que
Jamais Escreverei" (Editora Record, 1992):
O pesquisador, jornalista e professor universitário Gilfrancisco foi um dos poucos
felizardos a manusear os originais de "O Jornal" com os episódios do folhetim "El-
Rey", na condição, segundo suas palavras, de "responsável pela localização e coleta de
todo material escrito por Jorge Amado ou sobre ele", quando trabalhava para a
Fundação Casa de Jorge Amado.
http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2011/05/lenita-estreia-do-romancista-
jorge.html
Eis os pseudônimos dos autores: Glauter Duval (Dias da Costa), Juan Pablo (Edison
Carneiro) e Y. Karl (Jorge Amado).
Como veremos adiante por meio de recortes de jornais da época, o livro impresso
saiu no segundo semestre de 1931.
Esta seria a primeira história colaborativa de Jorge Amado, das três de que participou
em sua carreira literária.
1930. Muda-se para o Rio de Janeiro e escreve seu primeiro romance, “O país do
carnaval”. Escreve a novela “Lenita”, em colaboração com Dias da Costa e Édison
Carneiro.
http://academia.org.br/noticias/cronologia-de-vida
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Amado
http://memoria.bn.br/docreader/165573/958
As primeiras impressões do escritor sobre o Rio foram fortes, embora bem pouco
literárias.
"Etc." (BA), 16/6/1930, número 130, página 2, última coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/165573/972
http://memoria.bn.br/docreader/165573/1273
http://memoria.bn.br/docreader/165573/1274
A capa de "Lenita"
http://repositorio.unifesp.br/bitstream/handle/11600/41555/Geferson%20Santana%2
0-
%20O%20combate%20das%20ideias%20%28Vers%C3%A3o%20Final%29.pdf?seque
nce=3&isAllowed=y
"O Jornal" (RJ), 10/12/1931, número 4018, página 11, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_03/11356
Segundo o jornal baiano "Etc.", para o qual escrevia Jorge Amado, o lançamento do
livro estaria previsto para fevereiro de 1931.
"Etc." (BA), 15/12/1930, número 154, página 6.
http://memoria.bn.br/DocReader/165573/1296
http://memoria.bn.br/DocReader/259063/78067
Anúncios de "Lenita"
http://memoria.bn.br/DocReader/165573/1526
"Revista da Semana" (RJ), 19/9/1931, número 40, página 27, segunda coluna (em
"Livros Novos", "Livros no Prelo").
http://memoria.bn.br/DocReader/025909_03/3938
http://memoria.bn.br/DocReader/072702/27
http://memoria.bn.br/DocReader/093718_01/7866
http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2011/05/lenita-estreia-do-romancista-
jorge.html
Essa informação sobre o mês provável do lançamento não combina com as imagens
mostradas acima.
A recepção de "Lenita" à época do lançamento
"Logo, ao ver 'Lenita', observei uma coisa interessante – fazia aparecer mais uma
trindade. Teriam sido os seus autores influenciados pelo instinto, tão baiano, do
tradicionalismo? – Não creio. E lembrei-me, então, de que os grandes acontecimentos
ou as grandes criações sempre vêm ao mundo tangidas pelas mãos das trindades. E
nelas há, sempre, o eterno mistério. A identificação do trio numa única pessoa ou num
mesmo espírito é o fim por que se desencadeia toda a luta da humanidade."
http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2011/05/lenita-estreia-do-romancista-
jorge.html
"Ostentando uma capa que é verdadeiro desastre, 'Lenita', novela escrita por três
jovens elementos da imprensa de Salvador, da Bahia, e publicada anteriormente em
folhetim pelo 'O Jornal', daquela capital, é, entretanto, um livrozinho de ficção, cuja
leitura agrada pela singeleza de sua narrativa e pela despretensão dos autores.
Interessante, quer pela feitura episódica, que não gira, consoante os velhos cânones, em
torno de um tema central, preconcebido, à guisa de estaca ou de espinha dorsal do
enredo; interessante pela naturalidade com que os três autores trabalham o estilo e
fotografam o ambiente de Salvador de hoje, 'Lenita' é livro que, se não faz jus a
conceitos encomiásticos, merece, todavia, ser procurado pelos apreciadores da literatura
pura, espécie a que pertence deliberadamente.
http://memoria.bn.br/DocReader/213829/13870
3. "Fon Fon" (RJ), 7 outubro de 1931, número 45, página 9, segunda coluna: texto
anônimo.
"Jorge Amado, Dias da Costa e Édison Carneiro, três espíritos rebeldes, reuniram-se
para escrever uma novela. Pareceu-lhes, naturalmente, que a colaboração de três
indivíduos na fatura [feitura] de um livro, era coisa original. Porém, o resultado só podia
ser um, e este constatamo-lo: a falta de unidade da obra, o descosido das ideias, a
dispersão de energias aproveitáveis. Os três rapazes apresentam-se em público, com
estas palavras: "Escrever e publicar um livro, numa terra e numa época em que todos os
desocupados são escritores e todos os escritores se transformam milagrosamente em
autores, é tarefa tão comum e tão banal, que nem mesmo chega a amedrontar um
colegial pouco imaginoso que atingiu, precocemente, a idade crítica de versejar.
Sabemos que a tarefa é inglória e a empresa ridícula, mas, felizmente, temos duas
atenuantes ao publicarmos esta novela. Não pretendemos agradar e não fazemos versos.
Escrevêmo-la porque temos a doença terrível de escrever e pouco nos importa o que
digam de nós esses outros enfermos — os criticopatas —, em tudo mais doentes que
nós. O micróbio terrível da crítica os torna duplamente cegos, quer para os defeitos dos
amigos, quer para as virtudes dos adversários."
"Palavras...
"Nem todos os que publicam livros são escritores, embora o caso não se aplique aos
autores de 'Lenita'.
"E quem não pretende agradar, o melhor que faz é não escrever, pois nem todos os
críticos estão atacados da cegueira acima aludida.
"Nós, por exemplo, temos satisfação em reconhecer o talento dos autores de 'Lenita',
capazes de realizações de maior vulto no terreno da literatura.
http://memoria.bn.br/DocReader/259063/78067
"Nada mais banal, como se vê. O que torna a leitura interessante (para o público
acostumado às diabruras fesceninas de Pitigrilli [Dino Segre, escritor italiano] e
[Maurice] Dekobra [Maurice Tessier, escritor francês; dois autores tidos como
"subversivos"]) é a vida escandalosa e irresponsável das personagens da novela. Todos,
sem exceção, formam uma bem cuidadosa galeria de psicopatas."
http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2011/05/lenita-estreia-do-romancista-
jorge.html
http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2011/05/lenita-estreia-do-romancista-
jorge.html
6. "Vida Literária", janeiro de 1932, número 7, página 14, primeira coluna: texto de
Medeiros e Albuquerque.
"O autor e o editor deste livro parecem apostados em obter que ele não tenha leitores.
Não é que o volume não seja apresentado sob um aspecto muito simpático, Mas o autor
confessa que, em colaboração com dois outros cúmplices, perpetrou o romance 'Lenita'.
E o romance 'Lenita' é uma pura abominação. Por outro lado, o editor, que é aliás um
alto espírito de poeta, nos confia que o romance tem graves defeitos e que nele os
personagens estão animados de altas preocupações filosóficas.
"Faz, porém, mal, porque o livro é excelente. Bom, bem feito, vivo, tem, é certo, um
evidente excesso de diálogos sobre narrações e descrições, excesso que podia ser
evitado, mas que não lhe prejudica o encanto."
"Vida Literaria", janeiro de 1932, número 7, página 14, primeira coluna (em
"Impressão Crítica dos Novos Livros", "Impressões de Leitura", iniciada na página 13).
http://memoria.bn.br/DocReader/367923/110
"Diario da Manhã" (ES), 21/1/1932, número 2816, página 1, penúltima coluna (em
"Novidades Literárias no Rio de Janeiro").
http://memoria.bn.br/DocReader/572748/36987
Essa breve resenha foi reproduzida em "Vida Capixaba" (ES), 30/3/1932, número
313, página 3, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/156590/11108
8. "O Jornal" (RJ), 21/2/1932, número 4080, página 15, antepenúltima coluna: texto
de Agripino Grieco.
"Outra revelação para mim foi o romance ["O País do Carnaval"] do baiano Jorge
Amado. Vira-o eu chegar aqui ainda com uns ares de provinciano, meio atoleimado pelo
Rio, e não esperava grande coisa dele. Uma novela, 'Lenita', rabiscada de parceria com
outros, também não lhe trouxe, de pronto, maior prestígio."
"O Jornal" (RJ), 21/2/1932, número 4080, página 15, antepenúltima coluna (em
"Três Autores – Três Livros").
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_03/12488
Exemplares disponíveis
http://acervo.bn.br/sophia_web/info.asp?c=849458
http://acervo.ufrb.edu.br/pergamum/biblioteca/
Repare que nos dois casos o ano preciso do lançamento da obra (1931) não é
informado.