Viagem No Tempo - National Geographic
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Viagem no tempo
Nos anos 1950, uma cidade-modelo surgia na Floresta
Amazônica. Restaram hidrantes, plantas exóticas, casas A ferrovia aberta em meio
à mata ainda é uma ligação
decadentes e uma jornada de trem no meio da selva. importante entre Serra do
Navio e o porto de Santana,
vizinho à capital Macapá.
POR JOSÉ EDUARDO CAMARGO FOTOS DE MAURÍCIO DE PAIVA
O trajeto dura sete horas.
E
mpoleirado na bicicleta, um menino a mando do empresário americano Henry Ford, Mesmo após o fim da exploração do manga� tes em muitos municípios brasileiros na época.
pedala pela calçada, embora a rua esteja nos anos 1930, durante o ciclo da borracha. As nês nos anos 1990, a cidade continuou ocupada. O trem trazia passageiros, alimentos, material de
vazia. Desvia de um hidrante, contorna o duas foram cidades-modelo no meio da selva. Empobreceu, é verdade. Os atuais 4 mil habi� construção e equipamentos. As linhas do trilho
jardim sem cerca de uma casa e desce por E ambas se enfraqueceram quando a atividade tantes vivem da agricultura de subsistência e do ainda constituem a principal ligação com a capi�
uma rampa de concreto. Lá embaixo, outros me� econômica deixou de ser viável. Mas as coinci� dinheiro que a prefeitura injeta na economia, re� tal, Macapá, a cerca de 200 quilômetros.
ninos e meninas o esperam para uma partida de dências não vão longe. Serra do Navio é mais cebido do governo federal por meio do Fundo “O regulamento era rigoroso. Até mesmo
futebol. Ele encosta a bicicleta em um pinheiro, nova (foi fundada na década de 1950) e, embo� de Participação dos Municípios. Há um pequeno na vida pessoal era preciso cuidado. Se o em�
descalça o chinelo e entra animado na quadra. ra tenha abrigado engenheiros e trabalhadores comércio, um hospital sucateado (que, acredi� pregado batia no filho, por exemplo, era logo
O piso de cimento ainda está molhado. Acaba de americanos, é um projeto brasileiro, da empresa te, já foi modelo) e um cibercafé, com internet advertido”, conta Antônio Barbosa, ex-funcio�
cair uma chuva torrencial. Icomi, de Minas Gerais. Enquanto a exploração via satélite. Em 2010, o Instituto do Patrimônio nário da Icomi. Operador da escavadeira Ma�
Seria uma cena comum em qualquer localida� de manganês era lucrativa, a Icomi e sua parceira Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou rion – que agora descansa como sucata em uma
de da Amazônia não fosse por alguns detalhes: o americana, a Bethlehem Steel, administravam o Serra do Navio, declarando-a Patrimônio Cultu� das minas de manganês –, ele trabalhou por 31
que um hidrante, uma casa com jardim aberto e município, que era dividido em dois setores. Na ral. A iniciativa, no entanto, pode ter sido tardia. anos na companhia e hoje mora em uma das
um pinheiro fazem nessa região? Esses elemen� parte alta, o chamado Staff era uma vila onde Projeto do arquiteto modernista Oswaldo casas do Staff. Se algumas delas ainda mantêm
tos “estrangeiros” são de outra época, e datam de ficavam as casas dos engenheiros e administra� Bratke, a vila foi planejada com conceitos que, as características originais, outras estão sendo
um período no qual uma cidade inteira foi cons� dores, além de um hotel que funcionava como atualmente, são considerados sustentáveis. Para modificadas – as moradias foram ocupadas por
truída para abrigar os trabalhadores das minas ponto de encontro e clube social. Em outra área, amenizar o forte calor, as casas aproveitam a servidores públicos. Algumas construções já se
de manganês no interior do Amapá. mais baixa, estavam a administração da empre� ventilação natural com uso de venezianas fixas encontram em ruínas. A piscina do hotel, com
Serra do Navio pode ser comparada à �����Ford� sa, o hospital, uma igreja ecumênica e as resi� de madeira. Havia tratamento de esgoto, coleta trampolim e raias para competições, acumula
lândia, a famosa vila erguida em solo paraense dências geminadas dos demais trabalhadores. de lixo e iluminação pública, serviços inexisten� água de chuva em seus azulejos quebrados.
Nostalgia em preto e branco: a sala da diretoria do hospital da cidade guarda fotos dos tempos
em que era um modelo de eficiência e higiene em todo o estado do Amapá (à esquerda).
Uma antiga cava da mina de manganês foi tomada pela água do lençol freático (acima),
convertendo-se em uma inusitada atração da cidade que, agora, pretende investir no turismo.
O clube dos funcionários, o Manganês Espor� As barracas vendem legumes, hortaliças, porcos do, ela faria a sombra necessária para proteger o son Scarpelli, que trabalhou em Serra do Navio.
te Clube, não está em melhores condições, mas e galinhas, tudo vindo de produtores nos arredo� solo das chuvas, criando condições para a rein� “Desde a década de 1960, visito a região com
ainda é frequentado pelos moradores. “Na época res. “Nem o imposto territorial consigo cobrar, trodução das espécies nativas“, conta o médico frequência. Nunca houve risco de contamina�
da mineração, havia enorme rivalidade entre os porque as casas não pertencem aos ocupantes. e ambientalista Paulo Amorim, dono de uma ção por arsênio”, afirma. “O problema ambiental
times de futebol da companhia”, explica Lucival A arrecadação do município é muito baixa.” empresa contratada na época pela Icomi para mais sério é mesmo o esgoto, que passou a ser
Aranha Duarte, conhecido como “Pato Rouco”. As apostas de Francimar concentram-se na volta recuperação das áreas degradadas. jogado direto no rio Amapari.”
Por 18 anos, ele atuou na Icomi como lubrifica� à mineração e no implemento do turismo. O projeto da prefeita de ver turistas em pas� Os estoques de manganês no subsolo parecem
dor de máquinas pesadas, mas ganhou destaque A saída da Icomi, nos anos 1990, foi prece� sagem pela cidade inclui as minas desativadas. ter sido exauridos. Mas o município pode ter ou�
mesmo foi defendendo o gol do Mecânica Es� dida de uma queda na produção do minério. Ao menos uma delas já se tornou local de lazer: tras jazidas ainda não exploradas, de ouro e fer�
porte Clube. “Cada setor da empresa tinha um As várias cavas foram abandonadas, assim a Lagoa Azul, a poucos quilômetros da vila. An� ro, por exemplo. Esses minérios já são extraídos
time próprio”. Atualmente, Lucival trabalha na como a unidade de beneficiamento. Nas cerca� tiga cava, foi tomada pela água do lençol freáti� em Pedra Branca do Amapari, cidade vizinha.
prefeitura. Assim como ocorreu com vários ou� nias de Serra do Navio, as marcas da mineração co. A incrível cor azul da lagoa, com um tom ar� “Já ouvi dizer que os veios de ouro se encami�
tros funcionários da Icomi, migrar para o poder são visíveis nas minas abandonadas, nas máqui� tificial, deu margem a certas especulações de que nham para Serra do Navio. Torço para que seja
público foi a única opção de emprego. nas deixadas para trás, nos rejeitos de minério ela estaria contaminada, talvez por arsênio, uma verdade”, diz a prefeita Francimar, atenta aos
“Temos pouco pessoal e recursos escassos estocados junto à estação de trem. A selva ainda substância tóxica. “Nunca foram feitos estudos royalties que pode arrecadar se a mineração se
para cuidar do patrimônio. A luta aqui é para não reclamou para si essas áreas. Além do pi� específicos, mas acredito que o tom da água se der em terras de seu município. Ainda que isso
manter todos os serviços em funcionamen� nheiro e de outras árvores exóticas introduzidas deva à interação com a rocha, rica em sulfeto de ocorra, no entanto, a sensação é a de que Serra
to”, diz Francimar Santos, ex-professora que na região, como a mangueira, é comum ver uma ferro. Talvez ela não seja adequada para beber, do Navio perdeu essa oportunidade de progres�
foi eleita prefeita de Serra do Navio, enquanto espécie australiana, a acácia, nas regiões de mi� por causa da acidez, mas é quase certo que não so. “O natural seria as novas mineradoras se ins�
circula por uma feira improvisada no centro. neração. “Pouco exigente e de crescimento rápi� apresente maiores riscos”, analisa o geólogo Wil� talarem aqui, não em Pedra Branca, pois já havia