1 BreveHistoriadaGenesedaModa PDF
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Carolina Cassarin
moda? De acordo com o Dicionário Aulete Digital, vestuário tem dois significados:
Já a palavra moda apresenta dez definições diferentes, mas somente alguns desses
1. Maneira, estilo de viver, vestir, comportar-se, escrever etc, predominante numa determinada
4. Modo, maneira;
Perceba como o conceito de vestuário, adotado por nós como sinônimo de indumentária,
traje e roupa, e o conceito de moda se diferenciam. O vestuário implica toda prática de arte
decorativa corporal; a moda está circunscrita a uma época, ela é um tipo de vestuário.
Na imagem, podemos ver diferentes tipos de vestuário, que provocam diferentes maneiras
simplesmente, desprezando toda a cadeia social que a alimenta, e que, ao mesmo tempo, dela se
alimenta. Estamos falando da indústria e seus empregados, dos designers e criadores em geral,
também dos lojistas, modelistas etc., sem deixar de falar dos consumidores. A moda é um sistema
de querer ser visto, notado. Estética, do grego aesthésis – termo que designa “o modo como as
coisas do mundo me afetam”, e política, modo de ser do homem na polis, no mundo público, são,
nesse caso, indissociáveis. Participar da polis, existir no mundo público, na vida social, pressupõe
uma apresentação que é necessariamente estética, pois o homem público afeta e se deixa afetar
o tempo inteiro. Assim, estética e política se referem à maneira como o sujeito se expõe no mundo
era basicamente drapeada, diferente da nossa roupa, pautada no vestuário da moda, que é
essencialmente costurada e ajustada ao corpo. Veja o que nos diz François Boucher, famoso
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citação do livro História do vestuário no Ocidente e veja como os valores que fundamentam o
de diferenciação entre os sexos, e o modo drapeado de dispor o tecido no corpo – estão distantes
dos valores que caracterizam o vestuário da moda – o enraizamento na mudança, a forma ajustada
tecido no corpo.
conhecemos atualmente, surgiu no fim da Idade Média, como uma forma de a nobreza
diferenciar-se da burguesia emergente que adquiria então recursos que a permitiam vestir-se
como os nobres. Tão logo os burgueses copiavam as roupas dos nobres, esses mudavam seu
modo de se vestir, procurando distinguir-se dos primeiros, refletindo, dessa maneira, as principais
Na gênese da moda, a burguesia – uma nova classe social − manifestou seu desejo de ser
identificada visualmente com a camada mais elevada da sociedade, utilizando os modos de vestir
para esse fim. Do outro lado, a nobreza procurava a diferença, justamente porque não era
burguesia. Inaugura-se, então, o novo sistema que valoriza socialmente a inovação em detrimento
da tradição, no que diz respeito ao modo de vestir. É esse mecanismo de constante mudança que
caracteriza a moda, e que se choca de modo flagrante com aquele que norteia o vestuário
tradicional. Os modos de vestir sempre marcaram, junto a outros atributos, a posição social do
indivíduo. Antes de o sistema da moda se estabelecer como um processo social, na era moderna,
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As leis suntuárias foram regras que visavam assegurar o uso correto por parte de cada grupo
social, embora a bibliografia aponte maior valorização da identificação com o grupo do que uma
diferenciação do indivíduo.
Logo no início de seu livro O império do efêmero, Gilles Lipovetsky localiza a moda como
A moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações. Contra a ideia
de que a moda é um fenômeno consubstancial à vida humano-social, afirmamo-
la como um processo excepcional, inseparável do nascimento e do
desenvolvimento do mundo moderno ocidental. Durante dezenas de milênios, a
vida coletivsem a instabi a se desenvolveu sem culto das fantasias e das novidades,
lidade e a temporalidade efêmera da moda, o que certamente não quer dizer sem
mudança nem curiosidade ou gosto pelas realidades do exterior. Só a partir do
final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda
como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos,
suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor mundano, a
fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em
matéria de formas e ornamentações já não é exceção mas regra permanente: a
moda nasceu. (Lipovetsky, 2006, p. 23)
A essa altura, deve estar claro que quando falamos de moda, tratamos do conceito que
se aplica às variações no modo de vestir da sociedade ocidental cuja origem coincide com os
primeiros acordes da modernidade. O estudo da moda, como sistema, deve considerar suas
formas de difusão, analisar o que as pessoas vestem, como escolhem o que vestem e quem as
influencia nessa escolha. Acima do belo, do apreço estético ou da elegância, o ciclo da moda
radicalidade histórica da moda”, diz Gilles Lipovetsky, “sustenta-se no fato de que ela institui um
33).
Embora simplista, porque a gênese do fenômeno da moda é mais complexa, uma vez
• a dicotomia identificação-diferenciação;
Retomando aquilo que nos diz o filósofo francês, a Era do Costume está atrelada a um
tipo de cultura tradicional, em que a vida coletiva se desenvolveu sem culto das fantasias e das
novidades, de forma estável, o que certamente não quer dizer sem mudança nem curiosidade ou
temporalidade efêmera. A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe
para a instituição da lógica de sucessões próprias à realidade da moda, tal como a substituição
Permanência Mudança
Tradição Novidade
Uma vez que compreendemos que o vestuário não está ligado a uma temporalidade
surgimento da ordem própria da moda, já no final da Idade Média, por volta do século XIV, e
fixar algumas fortes alterações que ocorreram na história do vestuário da moda, mas é
importante dizer que essas metamorfoses têm sempre em comum o fascínio pelo novo e o
anseio pela ascensão social. O que movimenta a moda é, essencialmente, o desejo, não a
necessidade.
Leia o que afirma Elizabeth Wilson, no livro Enfeitada de sonhos: moda e modernidade:
As formas mais antigas de “vestuário” parecem ter sido os adornos, tais como as
pinturas corporais, os enfeites, as escarificações (cicatrizes), as tatuagens, as
máscaras e fitas que apertavam o pescoço ou a cintura. As roupas, de uma maneira
geral, parecem preencher um certo número de funções sociais, estéticas e
psicológicas; elas juntam-nas e expressam-nas todas simultaneamente. Isto
verifica-se tanto no que diz respeito ao vestuário antigo como ao moderno. O que
acrescenta ao vestuário, tal como nós o conhecemos no Ocidente, é a moda. O
crescimento da cidade na Europa, na primeira fase do chamado capitalismo de
mercado, no final da Idade Média, assistiu ao nascimento do vestuário da moda,
ou seja, de qualquer coisa de qualitativamente diferente e novo. A moda é o traje,
no qual a característica fundamental é a mudança rápida e constante de estilos.
(Wilson, 1989, p. 14)
CURIOSIDADES
Importante teórica do vestuário e da moda, Elizabeth Wilson publicou o hoje clássico Adorned in
Dreams – Fashion and Modernity (Enfeitada de sonhos: moda e modernidade) em 1985. Nesta
obra, além de abordar a moda como aspecto da cultura popular, Elizabeth Wilson mostra que a
estético das ideias. Ainda não há tradução para português brasileiro do livro Adorned in Dreams.
reaparecimento da vida urbana que se dá na Europa a partir do final da Idade Média, e também
às expedições militares de cunho religioso conhecidas como Cruzadas. O inglês James Laver,
historiador do vestuário, autor do clássico livro A roupa e a moda, ressalta a importância das
Cruzadas para a indumentária ocidental: “Ao retornarem para a Europa, os cruzados trouxeram
não só os tecidos orientais, mas as próprias roupas ou a técnica de corte” (Laver, 2010, p. 56). É
em meados do século XIV que a moda começa a aparecer, quando surge o gibão, “espécie de
jaqueta curta e estreita”, traje exclusivamente masculino, que marca “um tipo de vestuário
radicalmente novo, nitidamente diferenciado segundo os sexos: curto e ajustado para o homem,
longo e justo para a mulher” (Lipovetsky, 2006, p. 29).
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Ocidente, por instigação do papado, que lhes fixava por alvo a libertação dos lugares santos
Essa mudança no vestuário, que traz, em primeiro lugar, o uso de uma roupa mais ajustada,
além da diferença entre os gêneros agora representada na forma da roupa, participa das
alterações profundas que ocorrem na sociedade. Para que fique clara a importância do
A partir do Renascimento, as relações estéticas entre arte e moda se tornam mais estreitas,
e os trânsitos entre arte e moda passam a ser cada vez mais relevantes para os dois campos de
atuação. Como afirma François Boucher, “de universal, uniforme e impessoal, a roupa se tornará
Jean Froissart que mostra o rei e a rainha da França, Carlos VI e Isabel da Baviera, entre cavaleiros
na assinatura do Tratado de Troyes. Repare no traje curto dos cavaleiros que reverenciam o rei.
Figura 3 – Traje curto dos cavalheiros
Fonte: wikipedia
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O Renascimento foi um movimento cultural, artístico e econômico que ocorreu na Europa por
volta dos séculos XV e XVI. Renascimento: Período que se inicia no século XIV e termina no
O traje passa a ter como função a expressão de todos os valores desta sociedade, uma
sociedade preocupada, acima de tudo, com a aparência. Nos salões da nobreza, surgiam as novas
modas, que eram, imediatamente, copiadas pela burguesia, ávida por manifestar também os sinais
de poder e prestígio. Às sociedades de corte do século XVI ao XVIII atribui-se a autoria das criações
de todas as novidades surgidas nesse período no campo da moda. Todos queriam manifestar sua
importância, poder e influência por meio de uma moda que reproduzia o culto ao ócio e às
aparências.
que atestava o privilégio aristocrático: o rufo. Como afirma James Laver, desde o início do século
XVI ...
nas obras de Caravaggio, Rembrandt e Velázquez. O modelo absolutista, bem como as formas de
Na moda, França e Holanda exercem na Europa uma hegemonia quase absoluta no que se
particularmente sofisticada. “Havia uma mania de usar amontoados de fitas”, narra James Laver,
“não só nos calções como também nos ombros e em outras partes. O efeito geral das roupas
masculinas dessa época era o de uma fantástica negligência” (Laver, 2010, p. 112). O rufo foi,
gradativamente, sendo substituído por uma gola ampla e caída. As roupas femininas, igualmente
largas e aparentemente desleixadas, ganham mais volume; os vestidos possuem mangas bufantes.
Entre os principais personagens deste período está Luís XIV, o Rei Sol, que fez de Versalhes,
na França, na segunda metade do século XVII, a corte mais prestigiada e copiada no mundo inteiro.
Observe a imagem a seguir, é o retrato de Luís XIV, rei da França, década de 1670.
Miniatura, pintura sobre esmalte, feita por Jean Petito. Victoria and Albert Museum.
Sobre ele, James Laver afirma: Luís XIV “estava empenhado, obtendo sucesso considerável,
em tornar a França o árbitro da Europa, não só politicamente como também em questões de
gosto” (Laver, 2010, p. 116). Da França saíam as novidades em regras de etiqueta, comportamento
e, principalmente, moda.
século XVIII. A era da razão, do conhecimento, da liberdade e também do exagero nos modos de
O século XVIII é a última parada nesta corrida pela ostentação dos valores da nobreza. A
etiqueta social e a lógica do prestígio se destacam, promovendo ainda mais os sentidos e os novos
Industrial, a independência americana e a Revolução Francesa. Mas, até o final do século, a nobreza
permanece lançando moda – uma moda cada vez mais luxuosa e exagerada.
Amparada pelo Rococó e suas formas rebuscadas, mas ao mesmo tempo leves e delicadas,
a moda apresenta-se por meio da riqueza dos adornos e dos bordados nas roupas, além de fitas,
A moda apresenta-se por meio da riqueza dos adornos e dos bordados nas roupas, além
de fitas, babados, laços e até artigos de decoração. Observe a seguir desenhos franceses do final
podiam chegar a 80 centímetros de altura. Sobre eles eram colocados enfeites de toda ordem,
como flores, pássaros e até barcos em miniatura. As armações das saias tornaram-se ainda maiores
e os decotes, mais ousados. A moda ainda era dada como referência da corte, sobretudo a de
Versalhes.
Para os homens, a moda era usar um casaco comprido aberto e ornamentado na frente e
com rendas e botões nos punhos; colete bordado, feito em tecido diferente do casaco; calção até
abaixo dos joelhos; sapatos com salto e fivelas de ouro e chapéu tricórnio. Por baixo do casaco,
Com a Revolução Francesa, em 1789, o clima de luxo e ostentação é substituído pelo culto
à simplicidade e à vida no campo, bem ao estilo inglês. Passam a ser valorizados, então, os trajes
mais simples.
Para os homens, a moda era usar um redingote, casaco comprido aberto e ornamentado
na frente e com rendas e botões nos punhos. Repare na diferença entre os dois trajes
Technology.
O primeiro, mais escuro, é francês e data de 1785. É feito de veludo listrado verde e bege,
com bordado de seda. A roupa masculina decorada era símbolo de masculinidade e poder.
Entretanto, mesmo que o segundo traje, o verde-oliva, ainda esteja atrelado ao padrão
substituído por uma certa simplicidade. O traje não tem mais de uma cor, o volume do jabô
A ordem agora era tirar a corte de cena e implementar um Estado burguês cujo regime
político não seria mais o Antigo, aristocrático, mas a República, pautada nos ideais democráticos
experimentamos hoje, deixando de ser uma prerrogativa de classe para se tornar, aos poucos,
um fenômeno da democracia.
Referências bibliográficas
BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente: das origens aos nossos dias. Tradução
André Telles. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. Tradução Glória Maria de Mello Carvalho.
12a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
Tradução Maria Lucia Machado. 9a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Tradução Maria João Freire.
Lisboa: Edições 70, 1989.
Sites
WIKIMEDIA
Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Isabeau_of_Bavaria_and_Charles_VI_at_the_Treaty_of_Troy
es.jpg> Acesso em: 24 abr 2017
SENAI CENTRO DE TECNOLOGIA DA INDÚSTRIA QUÍMICA E TÊXTIL DO SENAI – SENAI CETIQT
Carolina Casarin
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