VER-O-PESO - Um Mercado de Coisas Boas e Belas
VER-O-PESO - Um Mercado de Coisas Boas e Belas
VER-O-PESO - Um Mercado de Coisas Boas e Belas
Resumo
Neste artigo destacamos a posição do Ver-o-Peso no contexto da cidade, como
lugar de trabalho cotidiano e representante das referências culturais regionais. Os
dados analisados decorrem de pesquisas realizadas em projetos da Faculdade de
Ciências Sociais/UFPA cujo objetivo foi identificar os processos de transmissão de
saberes, a organização e divisão do trabalho em relações geracionais e de gênero.
Por meio da orientação de monografias e da coordenação de projetos, desde 2007,
hoje nos permitimos uma aproximação ao mundo do mercado e à análise histórica e
sociológica do Ver-o-Peso, ícone e síntese da cidade de Belém e da região
amazônica.
Abstract
This article analyse the Ver-o-Peso market in the context of Belém, as a everyday
workplace and representing cultural regional references. All data are from researches
developed in the Social Sciences Faculty of University of Pará with the objective of
identify the process of knowledge transmission and division of work in ages and sex
relationships. In basis of supervision of research and other projects we are able to
develop some reflexions about the history and sociology of this market that is an icon
and synthesis of Belém and the Amazonian region.
Keywords:. Ver-o-Peso market. Amazonian landscape
1 - O MERCADO E A CIDADE
Ao longo dos séculos o mercado vem assistindo aos principais eventos regionais e
acompanhando as mudanças urbanísticas do desenvolvimento da cidade. No auge
da exploração da borracha (final do século XIX, início do XX), por exemplo, a
paisagem do Ver-o-Peso recebeu elementos que designavam a modernização,
seguindo o padrão arquitetônico europeu, com ênfase nos mercados metálicos. A
instalação1 dos mercados de Peixe e de Carne, ambos construídos em ferro,
repetem nos trópicos a forte tendência na construção de mercados na Europa de
meados do século XIX. O Mercado de Peixe (de 1898) e o mercado de Carne (1901)
à época marcaram a modernidade de Belém e ainda hoje atestam o passado
glorioso do lugar.
Na extensa faixa ao longo do rio estão instaladas cerca de duas mil barracas que
empregam por volta de cinco mil feirantes (LIMA 2010) encarregadas da
comercialização de mercadorias que provêm quase diretamente da natureza: sejam
frutas, pescado, açaí ou produtos agrícolas. Poucos produtos são beneficiados –
farinha, tucupi2, maniva3 moída, camarão e peixe salgados, polpas de frutas – cujos
processos de transformação se dão, todavia, por meio de técnicas tradicionais,
relativamente simples. É justamente sua posição, às margens da baía, com a
presença majestosa do rio, que confere ao Ver-o-Peso sua particularidade.
Embarcações de cargas e passageiros; a venda diária nos mercados de peixe e de
carne, as centenas de barracas das mais diversas frutas, legumes e outros produtos
como ervas e plantas medicinais utilizadas no tratamento de doenças e outros
males, serviço de refeições e lanches representam a atração turística mais
avidamente desejada pelos visitantes da cidade e explorada pela mídia. Este moto
contínuo, observado diuturnamente na área do Ver-o-Peso por meio da complexa
rede de trabalho que movimenta o mercado é o mais representativo cartão postal da
cidade.
É claro que a refeição realizada no mercado atrai uma clientela interessada nos
preços baixos, mas há igualmente a ideia de uma certa «marca Ver-o-Peso». Isto é,
os produtos vendidos ali carregam a legitimidade do típico, do autêntico, do melhor5;
o que acaba por conferir aos pratos servidos em cada casa ou restaurante da cidade
e especialmente aqueles degustados no próprio mercado a característica de ser o
melhor da região e que atrai aqueles que querem valorizar sua identidade regional
por meio do consumo dos pratos típicos, preparados com produtos legítimos
comprados no Ver-o-Peso. Este aspecto, por outro lado, carrega uma certa
ambivalência, dada a posição «marginal» do Ver-o-Peso no contexto da cidade. Tal
ambivalência se encontra nas histórias contadas sobre todo tipo de golpes que
podem ocorrem no momento das compras, com subtrações no peso da mercadoria,
alterações na qualidade. Assim, ao mesmo tempo que muitos atribuem às barracas
do Ver-o-Peso ser servido o melhor peixe frito de Belém, ou o melhor prato regional,
pode também ser considerado de má qualidade e provocador de todo tipo de mal
estar.
3 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A belíssima paisagem do Ver-o-Peso não é apenas apreciável. Ela comporta e traz
até o mercado um mundo de práticas tradicionais, relacionadas à pesca e extração
de produtos da floresta, pelas redes integradas e complementares de atividades.
Este aspecto garante a importância regional do Ver-o-Peso pois, situado às margens
do rio, cria uma rede de comercialização que liga a metrópole às ilhas e localidades
do entorno no abastecimento cotidiano de produtos frescos – pescado, frutas, açai.
Chegamos, então, ao ponto da análise, atestando que o Ver-o-Peso é mais que um
mercado, sua posição no âmbito da cidade ultrapassa o papel de centro de
abastecimento, sendo considerado importante ponto turístico e muito mais que isso,
patrimônio da própria identidade belemense e da história da Amazônia. Esta análise
foi muito bem desenvolvida por Lima (2010), em dissertação de mestrado que reuniu
arquitetura e antropologia, e realizou a discussão de como a noção de patrimônio,
que reveste o Ver-o-Peso, é apreendida pelos feirantes e usuários comuns,
reinterpretando as ações públicas de preservação de patrimônio em relação direta
com sua vida cotidiana no seu mundo do trabalho. Identificando, a partir de
abordagem etnográfica, o patrimônio cultural dos trabalhadores do Ver-o-Peso, sua
análise recai não somente sobre a importância do lugar como patrimônio da cidade,
mas principalmente assinalando como a noção de patrimônio é acionada como
Referências
BASSOLS, Manuel Guardia e José Luis Oyón Bañales. Los mercados públicos
en la ciudad contemporánea – el caso de Barcelona. Cadernos PPG-AU -
FAUBA Número Especial Atlas Histórico das cidades. v.1, n.1. p:107-122.
2003.
BRAGA, L. Crônica fotográfica do universo mágico no mercado do Ver-o-Peso.
São Paulo: Modersign, 2008.
GUEDES, J., ROLAND, P. e FREITAS, S.. Ver-o-Peso. In: Curtas Paraenses, v.1.
Belém: Foxvídeo. Documentário/ficção. 16mm; cor; 13 min. 1984.
1
As peças de ferro e zinco foram trazidas da Inglaterra e montadas no local onde se encontram.
2
Tucupi – sumo extraído da raiz da mandioca utilizado na preparação de vários pratos da culinária
regional.
3
Maniva – folha da mandioca moída, base de um dos pratos típicos da culinária paraense, a
maniçoba.
4
Círio de Nazaré – festa católica em homenagem à Virgem de Nazaré, realizada sempre no segundo
domingo de outubro. É considerado o Natal dos paraenses.
5
A mesma análise poderia ser feita em relação às ervas medicinais (Cf. KAHWAGE & SOUSA,
2011).