Um Outro Olhar - Volume5 PDF
Um Outro Olhar - Volume5 PDF
Um Outro Olhar - Volume5 PDF
Volume V
Organização:
Marta Martins de Aguiar
Maria Alice de Morais Fonseca
Regina Maria Melo Marinho Ferreira
1ª Edição
Contato:
Marta Martins
(31) 9611.2186
[email protected]
Valéria
(31) 3461.1079
(31) 3461.5446
APRESENTAÇÃO
Uma ação revestida de grande simplicidade, mas ao mesmo tempo plena
de sabedoria em sua essência e capaz de levar inspiração a tantas pessoas. Assim
foi a iniciativa de um grupo de alunas ao gravar e editar as homilias proferidas
pelo vigário da paróquia de N.S. de Lourdes, na cidade de Vespasiano e que traduz
a própria missão de João Batista Libanio, como cristão e intelectual, engajado e
comprometido com a libertação dos trabalhadores, pobres e excluídos.
Penso que o espírito da obra do padre Libanio foi representado com
muita propriedade numa conversa entre Alceu Amoroso Lima e Leonardo Boff.
Certa vez, contou-me Leonardo, Alceu afirmou que à sua própria geração coube
a tarefa de promover o encontro da Igreja com a universidade e os acadêmicos.
A missão de recristinianizar os espaços intelectuais envolveu um diálogo aberto
com outras concepções da vida e da pessoa, a partir de nomes como Marx, Freud
ou Sartre. Nesse contexto de debate entre Igreja e academia, foram construídas
no país a Pontifícia Universidade Católica, a editora Agir, a revista “A Ordem”.
Havia no entanto naquele momento uma dimensão apologética ou de proselitismo,
como reconhece o próprio Alceu.
Já a geração de Leonardo Boff, prosseguiu Amoroso Lima, foi capaz
de dar um importante passo à frente, atingindo o estágio onde a mais fina
intelectualidade mergulhou diretamente no coração da pobreza, sob a luz e
inspiração de nomes como Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Teilhard de
Chardin, Louis-Joseph Lebret, e também de brasileiros como o próprio Alceu
após sua “segunda conversão”, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns,
Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Maria Pires, Edgar da Mata-Machado e, de
maneira especial, Henrique de Lima Vaz. Essa geração, contando com o vigor de
Leonardo Boff, Clodovis Boff, Frei Betto, João Batista Libanio e tantos outros,
foi capaz de confrontar a existência da pobreza abjeta ali mesmo, onde ela se
manifesta de forma mais dramática e injusta, evangelizando pelos pobres e para
os pobres através das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação
e das pastorais.
Assim é João Batista Libanio: um dos maiores teólogos e pensadores do
Brasil, cujas palavras e reflexões repercutem pelo mundo inteiro e, ao mesmo
tempo, um intelectual orgânico, próximo do povo, místico, um verdadeiro
pregador na melhor tradição de Santo Antônio de Pádua, tão próximo e atento
às necessidades quotidianas das pessoas e das famílias. Detentor de títulos
doutorais, autor de vasta obra literária, incluindo os livros “Discernimento e
Política” e “Introdução à Vida Intelectual”, professor de teologia no Instituto
Santo Inácio, em Belo Horizonte; com essas brilhantes credenciais acadêmicas
e intensa produção intelectual, era de se esperar que dedicasse seu tempo nos
sábados e domingos a leituras, escritos, orações e reflexões pessoais. Em vez
disso, todos os finais de semana o padre Libanio desloca-se de Belo Horizonte
para a cidade de Vespasiano, onde exerce o sacerdócio, servindo a paróquia local.
Trata-se de claríssimo exemplo de intelectualidade aplicada à prática, por meio
do serviço amoroso à comunidade.
Tive o privilégio de aprender muito com o padre Libanio. Cada vez que
leio seus textos e livros ou escuto suas palavras, percebo as importantes influências
que dele recebi para minha formação, a partir de seus ensinamentos nos campos
intelectual, religioso e de serviço público. Homem da mais alta erudição, João
Batista Libanio sempre foi um exemplo da importância da dedicação intelectual e
do aprendizado com Platão, Aristóteles, Agostinho e Hegel, que foram, nas suas
próprias palavras, algumas das maiores inteligências que passaram pela terra. Ao
mesmo tempo, como mostram os textos de suas homilias, ele nunca deixa de trazer
referências dos grandes pensadores nos termos mais simples e acessíveis a todos,
consoante com a convicção de que o dever do intelectual é compartilhar reflexões
e conclusões com o próximo.
Seu exemplo de vivência religiosa nos mostra ainda que a presença do
Príncipe da Paz em nossas vidas deve ser compartilhada no convívio diário.
Assim ele o faz, ao olhar nos olhos de cada fiel no momento da apresentação
do corpo de Cristo na Eucaristia. Sua permanente exortação ao serviço aos mais
pobres e necessitados nos lembra de que a essência da humanidade é o encontro
com os demais. Nesse sentido de comunhão, nunca perdeu de vista a perspectiva
do diálogo inter-religioso, apontando como podemos ser ainda mais cristãos a
partir do convívio fraterno com os ensinamentos das religiões afro-brasileiras,
indígenas, do budismo, do islamismo, do judaísmo e de outros tantos caminhos
para o sagrado e o transcendente. De forma muito importante, incorporou também
o diálogo com os não crentes, marxistas e todos os que procuram o sentido
maior da vida e o compromisso com a construção de um Brasil e de um mundo
mais decentes e dignos, onde todos tenham assegurados os mesmos direitos e
oportunidades, para assim multiplicar seus talentos e participar do mistério da
vida e da aventura humana.
Já no campo da política e do serviço público, o padre Libanio sempre me
transmitiu com clareza a mensagem de que, para o cristão, o coração do poder é
o coração do serviço. Hoje em dia, ele nos alerta para os riscos da globalização
– a ação do Império Romano de nossos dias – que enquanto prega a abolição das
fronteiras para o capital internacional, está longe de globalizar e universalizar os
direitos fundamentais da pessoa, os direitos sociais, o respeito ao meio ambiente,
a construção da paz e, principalmente, a distribuição da riqueza. Este momento
impõe-nos o desafio de ampliar valores éticos do melhor pensamento cristão,
fundados na defesa da dignidade humana, no primado da vida, na construção do
bem comum, no cuidado com os pobres, na justiça social. Ensina o padre Libanio
que nós fazemos o caminho do nosso próprio sofrimento se não formos capazes
de vestir o nu, dar água ao sedento, alimentar o faminto, acolher uma criança de
rua e até mesmo dizer uma palavra de consolo aos que têm lágrimas nas faces,
conciliando assim a dimensão do coletivo e do particular na promoção do bem
comum, muito fortes nos ensinamentos e na vida de Jesus.
Encerro minhas breves palavras expressando meu afeto e profunda
admiração por João Batista Libanio e grande felicidade pela publicação da série
“Um Outro Olhar”, agora em seu quinto volume, que me possibilita desfrutar de
sua presença cotidiana em minha vida. Ainda que nem sempre eu possa ouvir suas
palavras fisicamente, em função de minha própria busca e trabalho pelos valores
éticos e pela defesa dos que mais precisam, sinto-me como se estivesse presente
e escutasse cada uma de suas homilias por meio desses livros, em comunhão de
valores com os fiéis presentes às suas missas e com os demais leitores de seus
textos.
A bênção, padre Libanio.
Patrus Ananias
ÍNDICE
Pág. Pág.
01-A renovação que nos oferece 24-Vencer a acomodação buscando
um ano novo............................... 09 horizontes mais amplos.............. 57
02-A estrela que nos conduz 25-Refletindo a vida........................ 59
à verdade do Menino.................. 11 26-Deus nos criou para sermos
03-Construindo solidariedade.......... 13 eternos........................................ 61
04-Transfigurar-se é renunciar 27-A dimensão cristã do perdão...... 63
ao comodismo............................ 15 28-O tempo não faz o amor............. 66
05-O Jesus do cotidiano e da glória.17 29-O valor de quem se gasta
06-A originalidade do pelo Reino de Deus.................... 68
perdão de Deus........................... 19 30-Nós somos a vinha do Senhor.... 70
07-Deus Pai entrega seu Filho 31-Homem e mulher constroem
à história..................................... 21 felicidade juntos ........................ 72
08-Deus age através de 32-Nossa resposta aos
nossas ações............................... 23 convites de Deus........................ 74
09-A presença que é certeza e união.25 33-A transformação passa por
10-A vida sem o Espírito Santo....... 26 dentro de nós.............................. 76
11-Crescemos na reciprocidade....... 29 34-Os verdadeiros modelos
12-Valemos pelo que somos............ 31 para os jovens............................. 78
13-Deus nos revela o mistério 35-Nas bem-aventuranças,
trinitário...................................... 33 um novo retrato de Deus............ 81
14-O tribunal da consciência........... 35 36-Eu me construo nas
15-Só crescemos na verdade minhas relações.......................... 84
de nós mesmos........................... 37 37-Responsabilidade cidadã............ 86
16-Um amor que estrutura 38-Pequenas utopias........................ 88
os nossos amores........................ 40 39-Maria irradia o amor
17-O longo trabalho de fazer de Deus Pai................................. 90
crescer a semente....................... 42 40-As presenças de Cristo
18-Alegrar-se com todas no nosso cotidiano...................... 92
as alegrias................................... 44 41-Pela palavra criamos
19-A felicidade nas coisas simples.. 46 solidariedade.............................. 94
20-Jesus se mostra divino na 42-Preparar para a festa já é festa.... 96
extrema humanidade.................. 48 43-Ser profeta no cotidiano............. 98
21-Ser pai é desacomodar 44-Somos testemunhas da luz......... 100
e encorajar.................................. 50 45-Deus prefere o silêncio da noite.102
22-Na assunção, a totalidade 46-A sacralidade da família............. 104
de Maria..................................... 52 47-Fé e religião no terceiro milênio.107
23-A porta estreita........................... 55 48-Qual o futuro do Cristianismo? .118
6
Na Liberdade de
cada um, existe o
“Espírito de Deus”
(Pe Libanio)
7
8
A RENOVAÇÃO QUE UM ANO NOVO NOS
OFERECE (Lc 2, 16-21)
O ano de 97 já passou. Já estamos em 98 e, toda vez que atravessamos
um novo ano, parece que alguma coisa diferente acontece em nós. É um dia
que não é exatamente como os outros. Não será como hoje, por exemplo – 1º.
para 2 de janeiro, nem 2 para 3 ou 3 para 4. Parece que, de 31 de dezembro
para 1º. de janeiro, alguma coisa acontece. E por que acontece alguma coisa em
nós? Qual a diferença? Se olharmos os astros, não veremos diferença nenhuma.
Tudo já está previsto e calculado pelos astrônomos, cientificamente controlado.
E por que, de repente, passa de 31 para 1º. e acontece alguma coisa? Somos
seres diferentes. Não somos apenas matemáticos, científicos. Esse é o grande
equívoco da modernidade.
A revolução da modernidade começa no século XVI, com Descartes no
século XVII, com Kant no século XVIII. Essa revolução cultural acreditava que,
uma vez conhecendo a realidade, nós a dominaríamos. Para eles, tudo o que
não fosse estritamente racional, lógico, matemático era superstição, ignorância,
atraso. Acontece que o atraso continua até hoje. Chegamos em 1997 e, nos países
mais avançados, onde há tecnologia de ponta, a passagem de ano ainda mexe
com as pessoas. Elas celebram, cantam, abrem bebidas, soltam fogos. E por que
isso? Tenho a impressão de que a passagem de ano mexe com um arquétipo muito
profundo do ser humano. Ontem eu falei do conhecido para o desconhecido e
hoje vou falar do antigo para o novo.
Nós temos uma experiência de que, de vez em quando, precisamos
libertar-nos, despojar-nos daquilo que vamos acumulando. O ser humano vai
incrustando em si mesmo suas experiências, sobretudo as coisas negativas. São
como uma espécie de musgo que vai colando ao nosso corpo, como se alguém
nunca tomasse banho e criasse uma crosta tremenda. De vez em quando, é
preciso pegar uma bucha e arrancar toda essa sujeira para sentir-se novo. São
experiências biológicas, psíquicas, sociológicas. As biológicas, necessitamos
lavá-las. Com as psíquicas, fazer o que fazem as psicanálises. As pessoas pagam
caro para se deitar num divã e recordar, arrancar todo o passado, contar para um
analista que pode até estar dormindo enquanto você fala, tentando libertar-se.
Muito antes do senhor Sigmund Freud (*), os gregos já tinham descoberto isso.
Eles tinham um famoso teatro. O que eram as peças de Sófocles, Eurípedes,
Ésquilo naquele grande teatro de Dionísio, em Atenas (**)? O povo ia assistir,
participar de uma peça teatral para viver uma experiência profunda de dor, de
sofrimento, de vida, de morte. Para que, vivendo essa experiência, se libertasse
dela e voltasse aliviado para casa. Isso os gregos chamavam de catarse.
O ser humano necessita de uma espécie de catarse, isto é, de limpeza,
de purificação psicológica. Isso, no sentido puramente sociológico, puramente
9
psicológico. De vez em quando uma nação necessita gritar, festejar. Por isso, de
quatro em quatro anos se realiza uma Copa. Quando ganha a Copa, o brasileiro
fica aliviado por alguns meses, até que vem um plano econômico e piora tudo de
novo. Mas tudo isso pertence um pouco à nossa experiência humana.
A Igreja é sábia e sabe disso. Ela introduz, nesse jogo, a sua palavra
mais profunda ainda. Não só de libertação psicológica, de um peso que ficou do
ano passado. A Igreja nos oferece – por isso tivemos as celebrações penitenciais
– um perdão radical. De tal maneira, que todas as nossas negatividades de 97
desapareçam. Essa talvez seja a alegria maior para nós, cristãos: sabermos que,
ao ultrapassarmos a fronteira de 97 para 98, todo o pecado, toda a culpa, vai cair.
Da culpabilidade, dos encargos psíquicos, não nos libertamos facilmente, mas de
culpa, não fica nada, se entregarmos tudo isso ao perdão de Deus. Podemos sempre
começar novos, totalmente novos e renovados no novo ano, principalmente,
porque ele é dedicado ao Espírito Santo. E mais ainda: a Igreja tem primado
pela ternura. Ela coloca neste dia – o primeiro do ano – a festa de Maria, Mãe de
Deus. Antigamente, era a festa da circuncisão, inclusive o Evangelho fala disso:
“O Menino foi circuncidado e lhe deram o nome de Jesus...” Esta era a festa de
1º. de janeiro: através do nome, Jesus recebia a missão e era circuncidado, como
todo judeu. Após o Vaticano II (***), com a reforma litúrgica, Paulo VI lembrou
que, se já celebramos Jesus, no dia 25, hoje celebraríamos a sua mãe. Substitui
a festa de Jesus pela de Maria, escolhendo o título mais bonito que ela tem, Mãe
de Deus – Theótokos, em grego.
Gostaria de recordar, como recordei na missa de ontem, como nasceu
esse título. Nasceu no ano de 431, na cidade de Éfeso, na atual Turquia. Os
poucos bispos daquela época se reuniram para responder a um homem chamado
Nestório. Ele dizia que Maria era apenas mãe do homem Jesus, mas não era
mãe de Deus. Nestório separava, colocando como que dois jesuses – o Jesus da
Terra, filho de Maria, puro homem; e o Jesus divino, apenas Filho do Pai, não de
Maria. Os bispos e teólogos daquela época, após muitas discussões, chegaram
à conclusão que, em sendo mãe do homem Jesus, Maria também era mãe do
Homem Deus, Jesus. E, nesse sentido, era Mãe de Deus. Quando o Concílio
termina de proclamar essa verdade, o povo animado sai pelas ruas, carregando
velas. Começam a cantar e rezar: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, os
pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Aí nasce a segunda parte da Ave-
Maria, uma vez que a primeira parte pertence à própria Bíblia – é a anunciação
do anjo à Maria. Essas duas partes juntas constituem a oração que aprendemos
desde criança, e com a qual termino essa homilia. Amém. (01.01.98)
(*) médico austríaco, criador da Psicanálise.
(**) referência a personalidades do teatro grego.
(***) Concílio Vaticano II, convocado por João XXIII, e realizado em
Roma entre 1962/1965.
10
A ESTRELA QUE NOS CONDUZ À VERDADE
DO MENINO (Mt 2, 1-12)
Quando terminamos de ouvir uma narração histórica, um relato, a nossa
curiosidade está saciada, termina a nossa reflexão. Se eu disser, por exemplo:
Juscelino Kubsticheck foi presidente do Brasil, inaugurou Brasília, terminou
a história. Mas eu penso, pergunto: mas por que foi Brasília, o que significou
isso? Começam as perguntas. E não atinamos com o sentido verdadeiro. Uma
narração é mais que uma narração. Ela quer passar um conjunto de cenas que se
relacionam com nossa vida, e por isso têm sentido.
O Evangelho de hoje fala em magos – reis, talvez. Pensamos em três,
porque trouxeram três presentes. Mas um poderia trazer os três presentes, ou não
trazer nenhum. Isso não quer dizer nada. Nos perdemos nesses pormenores e não
perguntamos o que quer dizer essa passagem. Que símbolo central está por trás?
Que mensagem está nos passando?
Sabem quem são os Magos? Somos nós aqui. Aqui está cheio de magos
e magas, mesmo que não vestidos a caráter. Magos somos nós. Isso é o que
interessa. E o que os magos fizeram? Procuraram encontrar um sinal. Onde
procuraram o sinal? Procuraram no céu, na astronomia, na astrologia, porque
era um mundo rural, um mundo antigo. Não iriam procurar numa cidade grande,
não iriam procurar nos jornais, não iriam procurar na TV Globo, porque nada
disso existia naquela época. Eles só podiam procurar nos astros. Encontram uma
estrela. E hoje conseguimos ver alguma estrela no meio da fumaça de nossas
cidades? Mas a nossa pergunta prossegue: onde aparecem as estrelas hoje? Não
é mais no céu. As estrelas aparecem na História. A história humana é que vai nos
mostrando quais estrelas nos guiarão.
Há dois tipos de estrelas, esse é o grande problema. Por isso é tão difícil
nos orientar. Há as que nos levam até Herodes. Nos perdemos e não achamos
o Menino. Repararam que a primeira estrela que os magos encontraram não os
levou a Jesus? Eles não acharam Jesus e foram a Herodes. Há estrelas que estão
nos levando para caminhos onde não está o Menino. É por isso que andamos
perdidos, desvairados, atrás de Herodes e Herodíades. Quem são os Herodes de
hoje? Vocês ligam a televisão e ela está cheia de Herodes estragando, destruindo
a simbologia das crianças. Herodes pode ser mulher como pode ser homem.
Liguem a televisão num domingo. Vejam os faustões da vida e tentem encontrar
o Menino, Maria, José. Não encontrarão. Encontrarão outras coisas. Este é o
nosso grande engano: pensar que vamos encontrar.
Os magos também não encontraram o que procuravam e o que fizeram?
Leram as Escrituras. Aí a primeira grande lição: a Palavra de Deus nos indica
o caminho. Não procurem em Herodes, procurem naquele Livro. Lá vocês
encontrarão muito mais. Procurem nos Salmos, nos livros Sapienciais. Procurem
11
nos Evangelhos, nas cartas de Paulo e aí encontrarão o Menino. No momento em
que encontramos esse Menino, iremos nos dirigir a Belém. Aí aparece a estrela.
Deixemos a futilidade, a vulgaridade, a vacuidade. Deixemos as estrelas que
desnorteiam a nossa existência e aí encontraremos a única verdadeira estrela que
nos conduz.
O Evangelho diz que ela parou onde estava o Menino. Ela pára. Mas
onde está esse Menino? Essa é a pergunta. Procuramos o Menino Jesus e não
encontramos. Mas, antes de partir, Ele nos disse onde estaria – essa é a grande
revelação. Para que não o procurássemos debalde, em vão, o Menino disse onde
estaria. Primeiro estaria aqui onde estamos, e nesse ponto vocês acertaram, porque
Ele está presente nesta celebração. Todas as vezes que vocês se reunirem para
celebrar, tenham certeza absoluta de que aí estará o Menino. Em outros lugares,
não sei. Mas aqui, sim. Ele já disse que está! Estará amanhã, no batizado das
crianças, estará no momento em que um doente precisar de uma unção, estará no
momento em que um jovem receber o sacramento do Crisma, estará no momento
em que vocês se reunirem para receber o perdão. Estará em todos os momentos
em que recebermos uma missão.
Por que, então, procuramos Herodes? O que podemos fazer lá no palácio,
se o Menino está em todos os lugares? Está nos sacramentos, na Bíblia, nas
celebrações, nos nossos ministérios, no nosso trabalho, está na nossa vida. Está
naquele momento em que um pai pára e conversa com sua filha. Não precisam
procurar nos palácios de Herodes, não. Ele está na família, no bate-papo. E vocês
não conversam sobre Ele. Conversam sobre Xuxa. Aí não estará o Menino, estará
Herodes, destruindo a inocência, destruindo a beleza, a pureza das crianças.
Quantos pais preferem Herodes à estrela?! Serão responsáveis mais
tarde. Que outros estraguem seus filhos, é compreensível, mas que os pais os
estraguem, é inadmissível. São como cegos, e aí os dois cairão nos buracos da
vida. A criança é cega porque não tem olhos abertos ainda, e o pai é cego, porque
não quer ver. Essa cegueira é que nos conduz a Herodes.
O Menino se encontra também em todas as estrelas que nos convidam
para um compromisso social, para melhorar esse país, para diminuir a violência e
fazer da nossa cidade um lugar onde possamos viver em paz. Amém. (04.01.03)
12
CONSTRUINDO SOLIDARIEDADE (Mc 1, 29-39)
Interessante observar o papel de Maria na vida de Jesus! Sobretudo no
Evangelho de Lucas, que coloca dois parênteses. No início da vida de Jesus, ela
tem uma função muito importante: a anunciação, a concepção, o nascimento,
a infância. Depois há um grande eclipse – Maria se esconde. Só vai aparecer
no final, na cruz, e depois em Pentecostes, já fora do Evangelho. Por que esse
silêncio de Maria? Nesse texto do Evangelho que lemos agora, não ouvimos falar
de Maria. Fala de Jesus, que curou a sogra de Simão, que expulsou demônios,
que curou muita gente. Fala também que muitos se reuniam em frente da casa
onde Jesus estava, em Cafarnaum. E não fala que Maria estava lá.
Será que Maria realmente se afastou, se recolheu, para que seu Filho
aparecesse? É o mais provável. Maria tinha intuição, e intuição das grandes mães.
A mãe sabe que, se ela fica muito perto do filho, sobretudo quando adulto, pode
perturbar sua missão. E a mãe, discretamente, se retira, para que o filho apareça
e cumpra a sua missão. Jesus termina, por assim dizer, a sua vida oculta, toda
ela passada ao lado de Maria. Portanto, em tempo, ele passou muito mais perto
de Maria – cerca de trinta anos. Mas no Evangelho há um silêncio enorme. Uma
frase apenas sobre esses trinta anos, e sobre os dois a quatro anos de vida pública,
praticamente todo o Evangelho, no qual a presença de Maria é muito discreta.
Sobre o Evangelho de hoje, há várias coisas interessantes. Em primeiro
lugar, Marcos dá muita importância à expulsão de demônios. Talvez para nós,
hoje, isso soe como uma coisa arcaica, já do passado. Corresponde, sem dúvida,
à coisa daquele tempo. Mas o importante é o sentido que percebemos. Quando
Marcos coloca Jesus dominando, vencendo e expulsando os demônios, ele quer
mostrar muito mais do que um confronto imediato de Jesus com essa entidade
bastante misteriosa, sobre a qual sabemos tão pouco. Ele quer falar muito mais
da nossa realidade. Interessante que hoje, na nossa celebração, os principais
convidados têm muito a ver com o Evangelho de Marcos. Além do Movimento
de Casais, os outros movimentos são voltados para o campo social – Lyons,
Aspav, Rotary (*). E reparem que todo o Evangelho de Marcos gira em torno da
expulsão dos demônios e das curas. Cura da sogra de Pedro e de muitos enfermos.
Essa é uma maneira de Jesus realizar uma obra social na sua época. Hoje não
podemos fazer curas. Elas se fazem através da Medicina, da Assistência Social,
de bons hospitais, da Previdência do Estado, do SUS, do INSS – enfim, todo esse
sistema que criamos para que a população tenha uma boa saúde. Essa é a maneira
de expulsarmos os demônios e de curarmos os enfermos hoje.
Não vamos atrás de milagres fora. O milagre acontece nesse trabalho,
nessa luta, nessa coragem. Primeiro, do governo, que precisa adquirir força. Nós
devemos passar aos nossos enfermos uma coragem interior, porque sabemos
que a força psíquica sobre a doença é enorme. Conhecemos casos, em nossa
comunidade, de pessoas que lutam contra a doença e vão vencendo pela força
13
interior, pela força do seu coração, pela sua alma, pela sua fé. Temos que passar
isso para as pessoas. A fé tem uma força enorme de movimentar as nossas energias
profundas, de acordar os alimentos fundamentais do nosso corpo. Elas começam
a vencer e dominar as nossas doenças e podem prolongar a nossa vida. Esse é
o grande milagre que temos que buscar. Não de uma maneira mágica, mas pela
presença, pela ajuda, pelo encontro, pela assistência, pela palavra dita na hora
exata. Para isso, temos todos esses convidados de hoje, que estão fazendo com
que nossa cidade seja solidária. Não solidária em atos isolados, mas muito mais
através de uma cultura da solidariedade. Cultura significa que nossa maneira de
pensar, de ver, de imaginar a nossa linguagem valem a solidariedade, e aí sim a
realizamos.
Uma outra palavrinha sobre uma frase do Evangelho, que li e repeti.
Quando os judeus rezavam, faziam-no em público. Jesus, ao contrário, saía, ia
para a montanha, de noite, sem que ninguém visse. Aí passava horas e horas
rezando, mergulhado na presença de Deus Pai. Que aprendamos de Jesus, não
só esse ato social de curar. Mas, depois que curarmos as pessoas durante o dia,
mergulhemos no Senhor, que nos dará forças para o nosso novo dia. Amém.
(05.02.2000)
14
TRANSFIGURAR-SE É RENUNCIAR AO
COMODISMO (Mt 17, 1-9)
Ao ler esse Evangelho, antes da celebração, eu me perguntava: quem é
que se transfigurou? Claro que vão dizer: Jesus. Eu já li isso, o evangelista já nos
contou. Mas será que também não podemos encontrar na transfiguração de Jesus
uma grande metáfora da nossa transfiguração? Será que não podemos ir, passo a
passo, percebendo a transfiguração de Jesus e em cada passo, nos perguntar: será
que também nós nos transformamos?
Lucas coloca um pormenorzinho que Mateus não coloca: “Jesus
subiu para a alta montanha para rezar”, e aí é que Ele é transfigurado. Só nos
transfiguraremos, se subirmos à montanha. Claro, a montanha pode ser o meu
quarto, pode ser até o andar de baixo da casa. A montanha é símbolo da altura,
é símbolo da Transcendência, mas posso encontrá-la em qualquer lugar. Jesus
sobe a montanha, e nós podemos subir qualquer montanha. Não é preciso nem ir
à Serra do Cipó (*). Pode ser em qualquer cantinho de sua casa.
Jesus subiu para rezar, e nós também temos que nos arrancar. Subir é
arrancar-se do solo, no qual somos sustentados. Se estivermos muito plantados no
solo da comodidade, da acomodação, da estabilidade, não vamos nos transformar
nunca. Vamos ficar bem amarradinhos a nós mesmos. Subir é arrancar-se de si
mesmo, é arrancar as suas presilhas, suas amarrações. É nos arrancar de tudo
aquilo que nos ata. Nos arrancamos para subir e aí começa a nossa transfiguração
para rezar, para encontrar a face de Deus. E Ele aparece. Diz o Evangelho que
aparece em forma de voz, aparece em forma de nuvem, mas duas palavrinhas são
importantes: Ele aparece na lei e na profecia.
Para nós, brasileiros, que não gostamos das leis e sempre tentamos
subvertê-las, é muito difícil entender que Moisés, simbolizando a lei, faça parte
da nossa transfiguração. Qualquer psicanalista, e há alguns por aqui, sabe que
uma criança sem lei se deforma. Ela precisa da lei, precisa do pai, precisa da
mãe, precisa da objetividade, das verdades, precisa de valores, precisa aprender
a distinguir o bem do mal. Sem isso não é possível subsistir. Como poderemos
nos transfigurar, se tudo em volta é difuso? Se o bem e o mal, roubar ou não,
eleger um presidente qualquer para qualquer lugar, escolher uma profissão, usar
a honestidade, é tudo a mesma coisa?! Não nos transfiguraremos. Temos que ter
clareza do que é a beleza, do que é a justiça, do que é a verdade. É quando houver
beleza que nos transformaremos, e aí está Moisés para nos dizer isso.
Claro, ele vai nos dizer de uma forma mais pesada, de uma forma antiga,
de milhares de anos antes de Cristo. Temos também a lei das bem-aventuranças,
a lei interior do Espírito Santo que escreve e imprime nos nossos corações.
Temos a lei de nossa consciência. Temos a Lei dos Direitos Humanos, que a
humanidade, com tanto esforço, conseguiu formular. Temos a lei do nosso país,
15
que é a Constituição, que trouxe grandes avanços. Essas leis nos dão fórmulas
para que nos transformemos.
Mas ao lado também está Elias, o profeta. Profecia é a coragem de falar
a realidade, é a coragem de professar a verdade. Não basta apenas ter a Lei, é
preciso dizê-la, proclamar a todas as pessoas que eu acredito, que tenho fé, que
não tenho vergonha, que sou honesto e quero ser honesto. Eu quero viver o bem
e vou viver o bem. Eu tenho que anunciar com o meu corpo, com as minhas
mãos, com o meu olhar, com a minha palavra a verdade de mim mesmo. Aí eu
me transfiguro!
De repente, ouviremos uma voz. Essa é a grande alegria! Quando nos
transformamos, Deus diz: “Você, irmão, é meu filho amado!” E diz para os pais,
para as crianças que também eles são filhos amados. Que coisa linda ouvir isso de
Deus! Ouvir de sua boca que somos filhos amados, porque nos transfiguramos,
pela Lei e pela Profecia. Estaremos anunciando uma vida diferente. Nós, que
convivemos com a mediocridade, com a banalidade, com o mal. Como diria
Hannah Arendt (**): essa banalidade, essa vulgaridade, essa grosseria, vocabulário
do nosso ser, podem ser vencidos. Rompendo com tudo isso ouviremos a voz de
Deus e a luz que vem dele nos forjará. Seremos iluminados por Ele.
As pessoas terão um pouco de medo de nós. Diz o evangelista que os
apóstolos ficaram assustados. A beleza, a verdade, a justiça, de vez em quando
amedrontam. As pessoas muito honestas costumam fazer mal aos outros. Não
queremos encontrar uma face límpida diante de nós, porque nela pode-se refletir
a nossa sujeira.
Mas o Senhor Jesus bate às nossas costas e nos acorda. Quando
acordamos, encontramos somente o Jesus histórico, o Jesus que a gente conhece
e novamente voltamos ao cotidiano. Ao nosso trabalho, aos hospitais, aos
escritórios. Volto a pegar o meu ônibus, volto para a minha cozinha, para o meu
lugar. É este somente Jesus que é o meu cotidiano. Aí sim, esse cotidiano se
transforma porque nós nos transformamos.
Não são as grandes coisas que fazem a grandeza, mas a nossa grandeza
é que faz as coisas grandes. Faremos as coisas de uma maneira diferente. Depois
que o Senhor estiver, somente Ele, conosco, aí sim, poderemos viver plenamente
a nossa condição. Amém. (19.02.05)
16
O JESUS DO COTIDIANO E DA GLÓRIA
(Lc 9, 28b-36)
Essa leitura precisa ser entendida em dois momentos diferentes: na vida
de Jesus e para nós hoje.
O que quer dizer esse Evangelho na vida de Jesus? Precisamos
compreender que quando os evangelistas escreveram, Jesus já tinha morrido e
ressuscitado. Quando narraram a vida de Jesus, já sabiam o que tinha acontecido.
Projetaram para dentro da história aquilo que viram e experimentaram. Esse Jesus
glorioso, que viram no Tabor, é o Jesus glorioso que experimentaram depois da
ressurreição. Portanto, não foi durante a vida de Jesus, mas depois.
E por que colocam isso durante a vida de Jesus? São homens inteligentes,
sabiam o que escreviam e deviam ter uma razão muito profunda para isso. Vocês
perceberão, se lerem com calma. O texto narra duas experiências que eles têm
de Jesus: o Jesus terreno, com o qual eles sobem a montanha, portanto, o Jesus
do cotidiano. É um Jesus que viram, mas não conseguiram perceber. Depois da
ressurreição, entenderão que aquele que eles tocavam, encontravam todos os
dias, é esse Jesus glorioso. Para eles dizerem que o Jesus da Terra era glorioso,
criam essa cena belíssima, para nos dizer que é o mesmo Jesus. O mesmo da
Terra é o mesmo da glória, o mesmo da glória é o mesmo da Terra. Não há dois,
mas um só. Essa é a grande teologia que eles querem passar.
Jesus de Nazaré, que andou, que sofreu e o Jesus glorioso, que está hoje
na Eucaristia, não são dois. É o mesmo. Ele carrega para dentro da Eucaristia,
para dentro da ressurreição, toda a sua vida histórica, tudo o que viveu e sofreu,
amou, chorou e riu. Esse Jesus, do choro e do riso, da dor e da alegria da Terra
é o mesmo que está glorioso. Eles tinham que, continuamente, olhar o Jesus da
Terra e vislumbrar o glorioso. E, olhando para o glorioso, dizer que era o mesmo
que viveu ao lado deles.
Também a nossa vida é assim. Vivemos momentos cotidianos, dia-a-
dia sozinhos, isolados nas nossas solidões, nas nossas tristezas. É a nossa vida
cotidiana. Também temos nossas alegrias, nossas festas. E podemos pensar
que essa vida não vale nada, que é inútil, que é tempo perdido, rotineiro, que é
aborrecido acordar cedo e ir para o trabalho. Para que tudo isso? É essa a vida
humana. E é tão gloriosa como a de Jesus ressuscitado.
Descobrir nesse cotidiano, nessa banalidade, nesse dia-a-dia, a presença
de Deus, do Cristo glorioso é a grande missão. E não são nossos sentidos que irão
descobrir a luz. Se taparmos os olhos, se nos trancarmos como as toupeiras, não
veremos sol nenhum, mesmo que ele continue brilhando lá fora. Quem percebe
a alegria, a festa, são os nossos corações. Há pessoas cegas que atravessam o seu
cotidiano sem ver nada de especial nele. Só arroz-com-feijão, o dia todo e a vida
toda. Não conseguem ver luz nenhuma. São caras feias, tristes, avinagradas.
17
Os olhos não vêem, não porque não exista a alegria, a festa. O cotidiano é uma
beleza! Uma mãe que dá banho no filho, que troca uma fralda, que faz coisas
tão banais, realiza uma experiência de amor, quando ela sabe que a criança é um
mistério. Um pai quando encontra a filha adolescente e a abraça, não é simples
cotidiano, é mistério.
É isso que a transfiguração quer nos ensinar. Temos que transfigurar os
nossos dias, pois do contrário a nossa vida será aborrecida e vazia. Estaremos em
contínuo tédio, stress. Nos Estados Unidos vendem-se bilhões de pilulazinhas
de Prozac (*), para ver se conseguem comprar alegria. Só Prozac faz as pessoas
felizes, porque não sabem ver a beleza da vida. Não é necessário buscá-la nas
alturas das montanhas, nem nos mosteiros indianos. Podemos encontrá-la na
planície, até nos rios sujos de nossas cidades.
Tenhamos olhos abertos para as transfigurações, e a nossa vida será
transfigurada. Amém. (07.03.98)
18
A ORIGINALIDADE DO PERDÃO DE DEUS
(Jo 8, 1-11)
Vocês sabem que os textos dos Evangelhos não foram escritos como os
nossos livros de hoje. Eram folhas soltas, manuscritos em pergaminhos, que os
copistas iam passando em várias cópias. Quando chegou a essa parte, o copista
saltou esse trecho. Ele achou que não podia ser verdade. Nós temos cópias do
Evangelho, onde esse trecho não está presente, tal escândalo provocou esse fato.
Isso para mostrar o que significou na época de Jesus. Essa ação de Jesus foi, de
certa maneira, uma agressão do amor, e é bom saber que o amor agride. As ações
de Jesus são exemplares, sacramentais e revelam Deus Pai.
Por que a ação de Jesus é exemplar? Nós somos assim: um dia reagimos
de uma maneira, mas nunca sabemos se em outra oportunidade reagiremos da
mesma forma. Jesus é exemplar. Quer dizer que o que Ele faz é para sempre. Não
é simples bom humor não. Não age de determinada maneira porque naquele dia
acordou bem, porque o tempo estava agradável, e Ele estava bem disposto. Não, é
uma ação exemplar. Ele é sempre assim. Todas as vezes que se repetir determinada
situação, vai-se comportar da mesma maneira. Não precisamos temer, porque
Ele nunca vai agir diferente. Com os homens e mulheres, nós sempre teremos
dúvida. Quando nos aproximamos de uma pessoa, nunca sabemos como ela vai
reagir. De Jesus, sabemos que Ele acolhe sempre. Saber isso é muita coisa. Saber
que, em qualquer momento em que nos voltarmos para Ele, seremos acolhidos.
Ele nunca estará de mau humor. Ele nunca vai nos rejeitar, nos afastar. Nunca vai
nos lançar, no rosto, as nossas faltas. E isso é uma coisa que fazemos demais, e
sobre isso devemos pensar muito. Principalmente esposos e esposas fazem muito
entre si – lançar as faltas passadas: “Você se lembra? Aquele dia...” Começa a
ladainha terrível. “Você se lembra, meu filho, aquele dia em que você respondeu
à sua mãe?” Assim somos nós. Jesus, não. Não guarda nada.
Essa é a outra originalidade do amor de Deus. É um amor que, quando
perdoa, perdoa mesmo. Não fica nada do passado. Não fica ressentimento, não
ficam mágoas, não ficam sentimentos feridos, não ficam neuroses. Não resta
nada. Nada dessas doenças psíquicas que nos assolam por todas as partes. Ele
perdoa. Quando as outras pessoas não perdoam, Ele defende os pecadores. Ele
volta-se para os acusadores e diz: “Vocês, que estão acusando, lancem a primeira
pedra, se não tiverem nenhum pecado!” Jesus defende quem está sendo acusado.
Ele é o advogado por excelência. Os juízes estão aí, mas ele é o nosso advogado,
em qualquer tribunal, humano ou divino. Está aí, não para nos acusar, não para
nos recordar as nossas faltas. Não precisamos disso porque a nossa consciência
é terrível. Uma vez um adolescentezinho disse: “Padre, Deus é esperto, porque
colocou dentro da gente um reloginho, chamado consciência, que toca sempre!”
O maior tormento não é o temor de Deus, mas a nossa consciência, os nossos
19
remorsos. Vocês sabem de onde vem a palavra remorso? Vem de “mordida
duas vezes”. Quer dizer: a nossa consciência nos morde duas vezes. Estamos
continuamente remordidos. E Jesus não quer dar mordida em ninguém. Portanto,
é um amor exemplar.
O seu amor é também sacramental. Ele está dizendo como Deus Pai
nos ama. Não é somente Jesus que ama assim, é Deus Pai, é Javé que ama dessa
maneira. Portanto, é a própria Trindade que nos garante que não precisamos ter
medo de Deus, de poder nenhum, porque Deus está sempre nos perdoando.
E uma terceira característica, essa também original. Quando alguém não
passa no vestibular, tem outra chance, mas um ano depois. A chance que Deus
nos dá é instantânea. Ele não espera. Quer dizer: você erra, Ele lhe dá chance de
começar de novo, na hora. Não vai dizer: “Daqui a um ano, eu o perdôo”. Não,
é no mesmo instante. Deus não espera nenhum segundo para dizer: “Você pode
recriar-se de novo, você pode reconstituir-se de novo. Você pode começar da
estaca zero a qualquer momento”. A qualquer hora, para qualquer pessoa, em
qualquer instante. Não há espera, não há temor. Isso é amar. Por isso, perdoar
significa per donare – dar amor. E per, em latim é a partícula que significa que
essa realidade é levada ao extremo, ao máximo. O máximo do amor é o perdão e
esse dom Ele nos deu. Amém. (10.03.01)
20
DEUS PAI ENTREGA SEU FILHO À HISTÓRIA
(Jo 18, 1-19.42)
A leitura da paixão nem precisa de comentários. O Evangelho é rico em
pormenores, e há uma desproporção muito grande entre toda a vida de Jesus
– que foram mais de trinta e tantos anos – e esta semana, que é a paixão. Em
termos de versículos, a paixão é muito mais longa, em proporção. Isso significa
que a memória dos primeiros cristãos ficou de tal modo chocada com a paixão
de Jesus, que quis reter os mínimos pormenores, para que não perdêssemos nada
dessa história. Foi, sem talvez, a realidade que mais tiveram dificuldades para
entender.
Quando perceberam que Jesus era Filho de Deus, ficaram totalmente
baratinados, perguntando-se como era possível que Ele tivesse um fim tão
trágico. Como sempre pensamos que Deus pode intervir, eles se perguntavam,
se Ele não poderia ter intervindo e salvado seu Filho. Hoje, o mistério mais
profundo do que o de Jesus é o mistério de Deus.
Entender a paixão de Jesus, até que eu entendo. Entender que um
homem, fiel à sua missão, seja perseguido, torturado e, finalmente, assassinado,
eu entendo. Assim acontece na nossa história. Tantos e tantos, milhares e milhares
de pessoas foram torturadas e assassinadas. Isso não é novidade nenhuma. O que
me espanta não é a paixão de Jesus, mas o mistério de Deus. É a morte, a paixão
de Deus Pai. Se Ele é tão poderoso, se é criador de todas as coisas, se é infinito,
se ama infinitamente seu Filho, como pode ficar de braços cruzados, quando
Jesus caminha para a morte? Realmente é outra a imagem que Deus nos passa.
E nós, muitas vezes, com um sofrimento bem pequenino, gritamos contra Ele:
“Como Você permite isso? Como pode acontecer isso comigo?” E Ele, que olhou
do céu, sofrendo, – Deus também sofre – viu o seu Filho caminhar para a morte
e se entregar à História. É um tremendo mistério que Deus entrega à História!
Deus não brinca com a nossa história. Ele criou este mundo e disse-nos
que podemos caminhar, pois a história está em nossas mãos. Poderíamos fazer
o que quiséssemos, que Ele não interviria. Mesmo quando o Filho vem a Terra,
não muda a regra do jogo. Não é como certos políticos que, a cada eleição,
mudam as leis. Ele seguiu a mesma lei da história também para o seu Filho. Não
quis privilegiá-lo, salvá-lo a seu modo, tornando-o indolor, por exemplo. Jesus
poderia não sentir dor, ter um corpo diferente, um corpo astral, como muitos
pensam que Ele tinha. Um corpo que atravessasse as paredes e deixasse a Terra
antes da hora. Nada, nenhuma exceção. Tudo aconteceu segundo os trâmites da
história.
Se Judas não o tivesse traído, Jesus não teria morrido. Se os soldados
não tivessem agido, Ele não teria sido preso e condenado. Se Caifás não tivesse
tanta raiva, Jesus não teria sido condenado. Se Pilatos não fosse tão covarde, se
21
fosse mais seguro de si, pois percebeu a inocência de Jesus, não o teria entregado
à morte, e Ele não teria morrido. Jesus dependeu de todas essas liberdades. Como
é que o Filho de Deus pode ser jogado entre todas as nossas liberdades? Pilatos
mesmo disse que tinha poder de salvá-lo.
Aquela frase atribuída a Jesus (*) é muito mais de João, pois,
provavelmente, Jesus teria dito: Sim Pilatos, eu fui entregue à História e você
tem, na História, poder de me matar! Essa é a verdade da História. Quando Ele
diz que Pilatos não tinha nenhum poder, já é uma frase de um Jesus ressuscitado
que João reflete.
Sobre o Jesus glorioso ninguém mais tem poder. Mas não sobre Jesus de Nazaré,
aquele que percorreu todos os caminhos, sofreu, foi batido, derramou sangue,
morreu como qualquer pessoa que tem uma hemorragia morre. Qualquer médico
sabe explicar a morte de Jesus. Ele não foi exceção para nada. Quando o soldado
foi abrir-lhe o coração, Ele já estava morto. Do seu coração saem sangue e água,
como de qualquer cadáver humano.
Esse é o grande mistério de Jesus. Para que também nós carreguemos a
nossa história, nas dores e sofrimentos. A História é essa teia à qual Jesus deu
sentido. Todas as nossas cruzes têm sentido. Amém. (27.03.98)
22
DEUS AGE ATRAVÉS DE NOSSAS AÇÕES
(Ex 3, 1-8a.13-15/Lc 13, 1-9)
As leituras de hoje nos colocam cenas muito diversas.
A primeira, aquela maravilhosa revelação de Deus a Moisés, o que
chamamos, em nomenclatura teológica, uma teofania, isto é, uma manifestação
de Deus. Para o judeu, conhecer o nome de alguém não é como para nós. Para
nós, o nome é uma atribuição externa, extrínseca. Um nome não altera a pessoa.
Chega a ter uma certa importância, mas não tanta, de maneira que podemos
ter muitos nomes, inclusive trocá-los. Mas para o judeu, nome era a revelação
do que havia de mais profundo na pessoa. O seu ser, sua vocação, sua missão.
Assim, Moisés perguntou para aquela voz: “qual é o seu nome? o que vou dizer
para o faraó? em nome de quem vou falar?” Porque sabendo o nome daquele que
falava, podia conhecer a força e a profundidade daquele ser misterioso. Ele se
revela como Javé.
O que quer dizer Javé? Tem três sentidos. O mais comum e, talvez, o
menos importante que nós conhecemos: “eu sou o que sou”. A gente pensa que
fala da existência do ser. É certo, mas é muito mais que isso. “Eu sou aquele
que faz as coisas serem”, aí já é mais profundo. “Eu sou mais do que aquele que
é, porque eu faço com que todas as coisas existam”. Mas, mais bonito ainda:
“Eu sou aquele que serei com o meu povo sempre!” E Ele está aqui. “Eu serei
sempre”. É como se Deus dissesse: “Vocês vão me conhecer porque verão como
eu atuo ao longo da história. Eu vou me desvelando a cada momento. Eu não
me revelo todo de uma vez. Eu me revelo estando ao lado das pessoas, na hora
do sofrimento, na hora de angústia”. Assim como uma mãe que tem um filho
que vai ser operado – ela está perplexa, na expectativa! – Deus vai-se revelando
no decorrer, na perícia do médico, do cirurgião, para que a operação seja bem
sucedida, e o filho possa voltar logo para casa. Deus se revela assim. Antes
achávamos que Deus atuava através da natureza, porque éramos pouco sábios
e conhecíamos pouco as coisas. Não conhecíamos bem as leis da natureza e
atribuíamos todas elas a Deus. Hoje avançamos em nosso conhecimento.
A maneira pela qual Deus mais atua na história é através das pessoas.
Ele atua através dos políticos honestos, das pessoas que querem despertar nossa
cidadania. É assim que Deus atua. Ele não nos substitui, mas atua em nós. No
caso de uma operação, como Deus atua? Na perícia do médico, nos exames,
nas radiografias, na possibilidade de avanços da medicina que consigam inibir
as doenças. Se o médico não estiver preparado, poderá levar ao desastre uma
cirurgia, porque Deus não vai substituí-lo. Não vai substituir a sabedoria do
advogado que vai defender uma causa justa, porque estudou e aprendeu. Não vai
substituir nenhum de nós. Ele atua e atua fortemente – é nisso que acreditamos
– nas nossas ações, no nosso agir. Vocês acham que um carro bate por castigo
23
de Deus? Bateu, como caiu aquela ponte em Portugal, porque os engenheiros
e arquitetos não chegaram a tempo para perceber que ela estava corroída e não
suportaria o peso de automóveis e caminhões. Ela desaba, não porque Deus
castigou, mas porque os homens falharam em examinar. Tantos acidentes que
assistimos, e não é Deus quem os faz nossa ingerência.
Por outro lado, quantas vezes nós salvamos tantas coisas?! Está aí a
mão de Deus. Penso naquele cientista oriental, que viveu nos Estados Unidos
– Albert Sabin – que desenvolveu a vacina contra a poliomielite, a paralisia
infantil. Milhares e milhares de crianças estarão livres dessa doença, porque
aquele homem passou anos em laboratórios, pesquisando, e fez a vacina. Aí, sim,
está Deus. Na constância, na inteligência dele. E a gente via a sua felicidade, por
saber que milhões de crianças não iriam mais ter a doença, porque ele passara
horas e horas, noites e noites nas suas pesquisas. Quem lhe deu forças? Aí está
Deus. Deus não transforma a medicina, mas nos dá força, dá inteligência aos
médicos. Assim nós temos que entender a ação de Deus, pois assim nós somos
co-responsáveis com Deus em tudo. Como diz a parábola, nós somos aquele que
vai ajudar, ajudando as pessoas para que elas possam crescer. Amém (07.04.01)
24
A PRESENÇA QUE É CERTEZA E UNIÃO
(Jo 14, 15-21)
Maio é o mês dos três emes: maio, Maria, mãe. Hoje temos tantas coisas
para celebrar, para serem objetos de nossa reflexão, de nossa oração!
Queria guardar do Evangelho esta frase tão simples: “Eu não vos
deixareis órfãos!” É o dia das mães, e toda a criança que tem a infelicidade de
perder a mãe ou o pai na sua infância saberá que coisa é ser órfão. Ela perde um
ponto de referência fundamental. Pai e mãe são referências basilares na nossa
vida. São fundamentais, alicerçais. Estão lá embaixo, para segurar o edifício.
Mexer na estrutura da mãe ou do pai é quebrar a coluna que sustenta o edifício.
Há tanta gente quebrada, deprimida, doente psicologicamente, porque a coluna
que é o pai ou a mãe foi partida. Partida pela morte, partida talvez pela separação,
partida pela incapacidade dos dois de se relacionarem.
Celebramos o dia das mães, e o Evangelho nos fala de órfãos. Nesse
dia, Jesus se permite ser pai e mãe de todos nós. Olhando para os apóstolos e
olhando para nós todos, que o seguimos ao longo da história, Jesus nos diz esta
frase: “Eu não os deixarei órfãos!” Nunca mais o perderemos como ponto de
referência. Ele é como a mãe, que nunca abandonará o seu filho. É como o pai,
que velará pelo filho até a morte. Só que Jesus diz mais. Ele não se contenta com
o limite da própria morte, porque essa já foi ultrapassada, mas se refere à morte
de cada um de nós. Ele estará lá, naquele instante em que ninguém pode estar.
Quando dermos aquele último passo, não haverá ninguém ao nosso lado, porque
os nossos sentidos já terão ido para além. Já estaremos desligados de todas as
pessoas que, porventura, rodearem o nosso leito – o médico, a família que reza.
Naquele instante metafísico da morte, só uma presença estará junto a nós, que
é a presença de Deus. Ela ultrapassa todos os limites, e Jesus prometeu estar ao
nosso lado. Não há mais possibilidade de um cristão, que é realmente cristão,
temer a morte, porque ele sabe que não morrerá como órfão. Morrerá nos braços
da mãe e do pai, naquele momento representado pela própria pessoa de Jesus.
Mas Ele não se refere apenas a nós como pessoa. Quer falar também
para nós, comunidade. Para esta comunidade que está aqui, esta comunidade que
crê. São vocês que sustentam esta cidade. Vocês são a coluna. Neste momento,
estão festejando a inauguração da Prefeitura. Ali está o grande mundo político da
cidade. Mas esse mundo político é frágil, se não houver o mundo religioso que
o segura, lhe dá consistência e é seu alicerce. Jesus diz que esta comunidade só
será firme se estiver unida e se Ele estiver unido a ela. Ele promete estar unido
a nós. Falta apenas que respondamos a isso, que o sintamos como o cimento
que une os pedregulhos, que somos nós, nessa argamassa firme que se torna
o alicerce do edifício. Esse cimento é Ele, e nós somos as pedrinhas, que são
frágeis se estão sós, mas serão sólidas se estiverem armadas pelo cimento, se
estiverem permeadas pelo Verbo. Aí, nada as ameaçará. Amém. (11.05.96)
25
A VIDA SEM O ESPÍRITO SANTO
(At 2, 1-11/Jo 20, 19-23)
Muitas vezes, para entendermos uma realidade, temos que fazer uma
espécie de ficção: o que seria a vida, se essa realidade não existisse? Vocês
conhecem aquela historinha tão bonita, daquele monge chinês? Era um mestre,
um grande guru. Todos os dias chegavam discípulos diante dele e diziam: “Mestre,
ensina-nos a ver Deus!” O mestre calado, silencioso, não respondia. A cena se
repetia sempre, até que um dia o velho mestre chega diante de um belo lago e
começa a entrar, e o discípulo o acompanha. De repente, volta-se rapidamente,
segura a cabeça do discípulo, afunda-a na água. O discípulo estrebucha e levanta
a cabeça aflito, enquanto o mestre pergunta o que ele havia sentido. Ele responde:
“Falta de ar”, ao que ele retruca: “Pois bem, Deus é ar!” Somente quando não
temos Deus é que sabemos quem Ele é. Ele é tão presente, é tão dentro de nós,
que nem percebemos que está lá.
Assim é o Espírito Santo. Ele também é esse ar que respiramos. E, para
nós, é natural, normal. Mas, se um dia perdermos o oxigênio, se estivermos nos
estertores da morte, aí saberemos a importância do ar. Só quando o Espírito está
ausente é que percebemos. Vamos, então, imaginar o que aconteceria, se não
houvesse Espírito Santo. Aconteceria que Jesus teria morrido, e os apóstolos
estariam até hoje trancados no Cenáculo. Teriam morrido naquela sala e seriam
encontrados pelo mau cheiro, e os cadáveres seriam recolhidos. Teriam morrido
de medo, e nós não estaríamos aqui. Imaginem o que fizeram aqueles homens
rudes, ignorantes, que talvez nem soubessem ler e escrever. Não podemos fazer
idéia. Imaginem São Pedro, um pescador de uma aldeiazinha vagabunda, junto
ao lago de Genesaré, ir à capital do Império Romano, onde estava a corte, o
imperador! Aquele Império que era muito mais do que os Estados Unidos hoje,
porque dominava o mundo inteiro. E esse homem ignorante, sem saber nada, de
repente começa a pregar o Evangelho. Que coragem! E não viajava de boeing,
mas de barco, que poderia naufragar! Paulo conta que chegou a ficar agarrado
a uma tábua, esperando que alguém o salvasse. E quem deu coragem a Paulo, a
Pedro, a Tiago, a todos aqueles apóstolos, para saírem pelo mundo inteiro? Nós
não estaríamos aqui, se não houvesse Espírito Santo!
Se cada um de nós pensarmos, veremos como somos covardes. Já somos
covardes, tendo o Espírito Santo, imaginem sem Ele! Não temos nem coragem
de falar o nome de Jesus! Sem o Espírito, o esposo não teria descoberto a beleza
de sua mulher. A esposa não teria descoberto o carinho de seu marido. Não teriam
percebido a beleza de uma relação conjugal. O Espírito nos leva a descobrir tudo
isso. Os pais podem olhar para os seus filhos com a certeza de que ali mora o
Espírito Santo. E isso muda o seu olhar. Verá não apenas um filho, mas o Espírito
Santo que mora dentro dele. Mudam os nossos olhares, os nossos sentimentos,
26
a nossa sensibilidade. Passamos a aceitar qualquer pessoa. Passamos pela rua,
vemos um bêbado sujo e temos que reconhecer que também ali mora o Espírito
Santo. E descobrimos dignidade, mesmo naquela carcaça. Em tantos criminosos,
pensamos que está tudo apagado, que ali está um puro animal. Não, também ali
bruxuleia uma lampadazinha que, de vez em quando, faísca no olhar um pouco
de ternura.
Vocês devem ter lido no jornal sobre aquele jovem que entrou na escola
atirando nos colegas, depois se deitou no chão e começou a chorar. O que se
passa com essas crianças, com esses adolescentes, com esses jovens? Em meio a
toda a maldade, a toda a confusão, o Espírito ainda está presente. Se o tirássemos,
viveríamos o que disse Hobbes (*): seríamos um lobo para o outro. Estaríamos
nos devorando uns aos outros. Não conheceríamos o amor, não praticaríamos a
beleza. O Espírito Santo colore, purifica, aquece-nos. Não aquece fisicamente,
mas nos faz perceber a beleza, o calor, o amor. Nós sempre temos a impressão
de que o amor é quente, e parece que ele nos anima, nos encoraja. Por isso
o Espírito Santo é assemelhado ao fogo, à luz. Claro que é comparação, para
dizer o que o fogo faz numa noite fria, e assim termos a idéia do que é a ação
do Espírito Santo no nosso coração. Num dia de calor, procuramos uma fonte de
águas cristalinas – se ainda houver – e, numa aragem, poderemos perceber que
Ele é essa aragem, esse frescor. Quando estamos desanimados, tristes, abatidos
e, de repente, encontramos uma força inexplicável, é o Espírito de Deus. Se
estivermos desempregados, andando quilômetros e quilômetros por um emprego
e, mesmo assim, não desanimamos, é o Espírito de Deus que nos empurra.
Há “Médicos sem Fronteiras” (**), que deixam seus países ricos, e vão
enfrentar metralhadoras e mísseis levando ajuda às vítimas; também os pedagogos
que trabalham com crianças em acampamentos, sem pais nem mães. Quem deu
forças a esses foi o Espírito Santo. Víamos aquela mulher maravilhosa, que nos
deixou saudade – Teresa de Calcutá -, que, quando havia qualquer catástrofe,
corria para ajudar. Quem deu forças àquela velhinha de oitenta e tantos anos,
para enfrentar tantos países diferentes, foi o Espírito Santo. Vemos jovens que
ainda são capazes de crer, jovens que ainda vêm a esta igreja. Com tantos colegas
metidos nas drogas, no sexo desvairado, eles ainda têm o olhar bonito, ainda
sabem olhar a beleza, respeitar sua namorada. É o Espírito Santo que está agindo.
Vemos tantas crianças irradiarem uma alegria transparente e direta. Elas são
próximas do Espírito Santo. Por isso são tão bonitas, porque nelas ainda não
entrou cultura para atrapalhar, ainda não entrou muita coisa para confundir, o
seu superego ainda não foi marcado. Mantêm os olhinhos abertos para receber o
mundo. Por isso, eu adoro essas crianças! Deixem-nas brincar, gritar à vontade
aqui na igreja, porque é nisso que elas mostram a sua beleza.
Quando começarmos a olhar o mundo de maneira diferente, entenderemos
que Pentecostes é uma grande festa. Amém. (22/05/99)
27
(*) Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII.
(**) organização humanitária internacional.
28
CRESCEMOS NA RECIPROCIDADE (Jo 3, 16-18)
É conhecida aquela historinha de Santo Agostinho. Ele era um jovem
muito inteligente, talvez um dos maiores gênios da história da humanidade.
Platão, Aristóteles, Agostinho, Hegel, talvez tenham sido das maiores
inteligências que passaram pela Terra. Um dia, ele andava pela praia – é história
– pensando, refletindo sobre o mistério da Santíssima Trindade. Queria entender
como é possível três pessoas num único Deus. De repente, viu um meninozinho
pequenino, que ia até perto das ondas, enchia um balde de água e a jogava
num buraquinho na areia. Repetia continuamente o mesmo gesto. Agostinho se
distraiu e perguntou o que ele estava fazendo. Ele responde: “Eu quero colocar
todo o oceano nesse buraquinho, porque é mais fácil eu conseguir isso, do que
você entender o que está pensando”. Isso para dizer que é um mistério muito
profundo.
Eu não quero meditar na profundeza desse mistério, mas sim trazê-lo
para o nosso cotidiano. Eu quero mostrar-lhes que há uma diferença enorme entre
termos sido criados por um Deus Uno e criados por uma Trindade. A diferença
é gigantesca! Se tivéssemos sido criados por um Deus que fosse uma só pessoa,
esse Deus seria uma imensa solidão. Um, eternamente um, por toda a eternidade,
e Ele sozinho. Teríamos a marca da solidão, porque toda obra reflete o artista. Se
vocês virem a obra de um artista deprimido, como Van Gogh (*), verão aquelas
cores todas misturadas. Ele refletia toda a sua depressão em pinturas pesadas.
Um artista alegre reflete toda a alegria, porque a obra reflete o artista. Se o nosso
artista fosse uma pessoa só, solidão e solitário, seríamos ilhas. Cada um de nós
seria uma ilha nesse imenso oceano, e ilhas sem pontes. Seria terrível! E mesmo
se casassem, iria cada um para o seu lado, em silêncio. Na total incapacidade de
sair de si, de lançar uma ponte para o outro. Na total incapacidade de amar, na
total incapacidade de reciprocidade.
Agora vejam a diferença. Fomos criados por um Deus comunidade, e,
eternamente, serão sempre três pessoas. O Pai que se olhou e viu, em si mesmo,
a beleza infinita do Filho. E quando o seu amor voltou-se para o Filho, brotou o
Espírito Santo. Por isso somos tão apaixonados uns pelos outros. Por isso não
agüentamos a solidão. Por isso, quando nos vemos sozinhos, parece que alguma
coisa bate lá dentro, porque somos comunidade. É na liberdade e na consciência
que essa marca comunitária se imprimiu em nós. No momento em que a
consciência aflora, no momento em que a nossa liberdade desperta, desperta em
face do outro. Se não houvesse um outro diante de mim, eu não me conheceria.
Se a criança não tivesse um pai e uma mãe, não saberia quem ela era. É olhando
para o pai que a criança começa a conhecer a si mesma. É o outro que faz com
que eu me descubra.
Por isso, as pessoas fechadas não conhecem nem a si mesmas. Elas
pensam que mergulham em si, mas ficam na superfície. Eu vou me conhecendo,
29
na medida em que vou encontrando outras pessoas. Eu vivi muitos anos fora
do Brasil, e foi aí que eu conheci muito mais o que é ser brasileiro. Eu descobri
a beleza de ser brasileiro e fiquei muito mais brasileiro. Vendo o alemão, o
italiano, o inglês, o francês, com quem convivi anos, de repente, percebi que eu
era diferente. Foi olhando para o olhar, escutando a pronúncia, vendo o rosto, a
maneira de comportar. Por exemplo, um europeu não olha para o outro quando
conversam. Não gostam de se olhar, olham para o chão. Eu gosto de falar olhando
para vocês, eu distribuo a Eucaristia olhando nos olhos das pessoas, mesmo que
muitos abaixem os olhos. Assim vamos nos descobrindo. É nesse jogo, nessa
diferença, que vamos nos descobrindo.
Jovens, o grande passo da infância para a adolescência e juventude é
a descoberta, cada vez maior, da reciprocidade. É isso que é formar-se. Eu me
pergunto: como um jovem se forma, como um adolescente cresce? Fisicamente,
é comendo, e assim ele espicha. Os hormônios se encarregam disso. Mas o
crescimento psicológico, o crescimento espiritual não se faz com antibiótico, nem
com hormônio, nem com vacina. Faz-se com um trabalho profundo e pessoal.
A criança vive de fora para dentro. O adolescente começa a viver de dentro para
fora. Essa é a mudança profunda! A criança pergunta tudo, e é sempre de fora
que vêm as respostas. O adolescente começa a buscar as respostas dentro de
si. Aquilo que vem de fora deve encontrar uma ressonância por dentro. Deve
haver uma reciprocidade. Eu devo receber e devo comunicar. Eu não apenas
recebo. O adolescente começa a sair de si. Começa a fazer grupos, começa a ter
amigos, começam os primeiros namorinhos. Ele precisa agora tomar distância,
e os pais sofrem muito com esse distanciamento. Precisa interiorizar as leis e as
normas. Precisa aprender que tudo aquilo que quer para si, ele quer também para
os outros.
Se vocês guardarem apenas isso, ficarei muito feliz. O que vocês querem
para si, devem querer para os outros. Se quiserem uma escola boa para si,
trabalhem para que a escola seja boa para todos. Se quiserem uma cidade boa
para si, trabalhem para que ela seja boa para todos. Se quiserem uma juventude
sadia, procurem ser sadios para si e para os outros. Não adoeçam os outros. Se
quiserem ser normais, não transformem os outros em anormais. Se quiserem ser
bons para si, sejam bons para todos. Amém. (29.05.99)
30
VALEMOS PELO QUE SOMOS (Mc 3, 20-35)
Essa passagem do Evangelho é bem enigmática. Não é fácil de entender
o que Marcos e a comunidade primitiva nos relatam. A impressão que temos é
que Jesus viveu numa família tranqüila, sem problemas. Já expliquei várias vezes
que Ele viveu numa família onde havia muitos outros além dele – primos que
foram morar junto deles. Os Evangelhos falam insistentemente nesses irmãos
de Jesus, que aparecem novamente aqui. Sabemos que Maria não teve filhos
e, provavelmente, José também não, porque terá morrido jovem. Então, não
são irmãos de Jesus. Portanto, quem serão? Talvez primos que viveram muito
próximos, quem sabe, na mesma casa. De repente, aparecem essas figuras: Maria
e os irmãos de Jesus.
Primeiro pensam que Jesus está doido. Isso é coisa séria! Pensamos que a
família é o lugar mais fácil de nos relacionarmos, de sermos compreendidos, mas,
muitas vezes, as pessoas que menos nos compreendem são os nossos parentes.
Diz o Evangelho que os parentes de Jesus saíram decididos a arrancarem-no
de onde estava e, talvez, interná-lo. Se naquela época houvesse uma Pinel (*),
teriam-no colocado lá. E por quê?
Jesus estava pregando, não tinha tempo para comer. Era tanta gente que
cercava a sua casa que não dava nem para preparar a comida. Os seus parentes
ficam preocupados, porque aquele Homem levava uma vida diferente. O normal,
na sua idade, era que tivesse casado, criado uma família, com filhos, trabalhando
e vivendo normalmente. Era o que esperavam dele, como de qualquer cidadão.
Jesus rompe com os costumes de sua época, por isso acham que Ele é doido.
Em vez de criar uma família, resolve sair passeando por Israel, pregando o
Evangelho, convidando alguns discípulos, pessoas diferentes, estranhas, que
nem eram parentes. Talvez apenas um fosse primo. Um outro era zelota, que
deveria ser uma espécie de terrorista daquela época. Zelotas faziam parte de um
grupo que queria derrubar o regime com as forças, com as armas. Eram uma
espécie de guerrilheiros. Jesus teve um discípulo guerrilheiro! O Evangelho diz
que era Simão, o zelota. Outros eram pescadores. Um era um banqueirozinho
que tinha certa má fama, por causa de uns precatoriozinhos que ele resolvia
embolsar. Jesus era cercado dessas pessoas. Também algumas mulheres que o
seguiam tinham uma fama suspeita, pelo menos a tal Madalena.
Quero parar um pouco nesse momento. Quantas vezes os jovens, os
adolescentes dizem que os pais não os compreendem! É bom saber que Jesus
também não foi compreendido. Se os pais não compreendem os jovens, os
jovens também não compreendem os pais. Jesus também não compreendeu o
gesto desses parentes que achavam que Ele estava doido. Mais ainda, os mestres,
os professores que estavam chegando a Jerusalém, diziam que o poder de Jesus
era um poder satânico, que Ele estava cheio do demônio. É forte a acusação! Não
é uma acusação qualquer. É como se os professores de vocês os chamassem de
31
vagabundos e os ameaçassem com a reprovação. Jesus é acusado pelos parentes,
pelos professores, como alguém que está fora da lei. Talvez nunca tenhamos
parado para pensar na dificuldade que Jesus teve para conviver numa sociedade
que o rejeitou desde o princípio. Ele continua trabalhando, só que a rejeição vai
crescendo, crescendo, até que o matam. Mas Ele não volta atrás, continua sua
pregação, sua missão. Realmente é algo profundamente misterioso!
A última passagem ainda é mais complicada. Quando pensamos num
encontro de Jesus com sua mãe e seus irmãos, imaginamos alguma coisa alegre e
festiva. Mas parece que Ele não se incomoda muito. Nem se levanta para recebê-
los. Dizem para Ele que sua mãe estava lá e não há reação. Ele diz que sua
mãe e seus irmãos eram os que o seguiam, os que estavam com Ele bem perto,
fazendo a sua vontade. Aquele que cumpre sua vontade, aquele que o segue, esse
é considerado parente. Não é o sangue que é importante. Ele quis tirar um pouco
essa história de parentesco da jogada.
Para Deus, não interessam os parentescos sanguíneos. Não é porque é
irmão de padre, de bispo. Isso não funciona! O que importa para Jesus são as
pessoas que o seguem. Nada mais vale. Quantas pessoas insistem em querer
prevalecer de sua estirpe, de sua prosápia, de sua origem?! Isso não vale nada no
Reino de Deus! Não é porque é filho de nobre ou não, filho de alguém importante
ou não. Ser irmão do arcebispo, do juiz, irmão do papa não vale nada. Isso é
tremendo! Nós temos essa mania – sobretudo o brasileiro – de pendurar os
parentes em todos os cabides possíveis. Jesus subverte totalmente. Nada disso
vale! O que vale é a honestidade, a lealdade, a fidelidade. Não é ser parente de
uma pessoa que vai valer alguma coisa. Vale estudarmos, trabalharmos honesta
e seriamente. Nenhum pistolão nos acrescenta. Temos que arrancar da nossa
cabeça brasileira essa doença endêmica que temos, essa mania do pistolão, como
se ele nos acrescentasse alguma coisa; como se um título, um papel nos desse
algum valor. O valor nasce do nosso trabalho, da nossa vida, do nosso ser. É o
que Jesus quis nos mostrar.
É uma imagem complicada para nós, quando Jesus diz que o seu poder
não pode vir de Satanás. Jesus quer mostrar que o que interessa é a sua prática, é
a sua maneira de falar, é a sua maneira de viver. Aí é que Ele é reconhecido.
Que nós, brasileiros, aprendamos a lição do Evangelho de hoje. A nossa
dignidade vem daquilo que somos e não das coisas externas a nós. Os títulos
passam, o nosso ser fica. Os títulos são vazios, o nosso ser é consistente. Somos
o que somos! Amém. (07.06.97)
32
DEUS NOS REVELA O MISTÉRIO TRINITÁRIO
(Jo 16, 12-15)
34
O TRIBUNAL DA CONSCIÊNCIA (Mt 10,26-33)
Já falei muitas vezes que o Evangelho não foi escrito como relatório oral
do que Jesus falou. É um trabalho posterior, portanto, uma montagem de textos
que Jesus terá dito, em momentos muito diferentes. O Evangelho de hoje traz
vários textos em contextos bem diferentes, e ficamos um pouco desnorteados.
Mas o autor sempre escolhe um fio condutor. É como essas senhoras que fazem
colchas de retalhos. Os retalhos vêm das peças mais diversas, mas depois de
costurados, saem as colchas mais bonitas. O Evangelho, sobretudo o de Mateus,
é uma colcha de retalhos dos ditos de Jesus, que ele vai cosendo com o seu estilo
próprio e dedicando à comunidade cristã de sua época.
Era uma comunidade que estava sendo perseguida, portanto, estava com
muito medo. Era uma comunidade que passava por uma crise de confiança em
Deus. Às vezes tinham medo de proclamar a Palavra de Deus e, muitas vezes,
ficavam fechados. E Jesus começa a provocar. Mateus relata passagens de Jesus,
provocando a comunidade.
Primeira coisa: “não tenhais medo!” Interessante, quando eu li esse texto
do Evangelho, lembrei-me do que aconteceu no Brasil dias atrás. Suponho que
vocês tenham seguido. Esse chefe da Polícia Federal que, durante a época da
repressão, secretamente participou de uma cena de tortura, nunca imaginaria
que, quase trinta anos depois, seria obrigado a admitir. É exatamente do que fala
Jesus, ao pé da letra. Esse homem ocultou durante tantos anos, um ato violento.
Hoje, já velho, doente, alquebrado por ter participado da terrível experiência
da tortura, de repente se vê diante de toda a nação. Saiu em todas as televisões,
e ele se viu forçado a renunciar, em razão de um fato que estava escondido.
E lá muitos outros, que fizeram tantas coisas naquele momento de escuridão,
pensaram que as trevas iriam cobrir para sempre. Mas a história vai destacando.
Alguns acontecimentos serão lembrados até séculos depois. A história humana
vai arrancando as verdades dos acontecimentos, dos baús escondidos, dos porões
da própria história.
Jesus já havia dito isso, mas não falava nesse sentido. Isto só para fazer
uma menção a alguma coisa que aconteceu bem perto de nós. Jesus falava de
algo bem mais profundo. Eu acho que o mais doloroso é quando a verdade aflora
na consciência da pessoa. Esse é o tribunal mais terrível, porque ninguém vê e
ninguém consegue esconder. Ninguém consegue se esconder da consciência. Nós
sabemos que muitos desses torturadores enlouqueceram. Vários se suicidaram,
porque não agüentaram a verdade de si. Quando perceberam a monstruosidade
que cometeram, não suportaram. Hitler suicidou, os grandes nazistas suicidaram-
se. Porque não resistiram, não à verdade dos fatos, mas à verdade de si mesmos,
à verdade de suas consciências. Não é Deus que vai julgar. Jesus diz que Deus
só quer salvação. Quem nos julga somos nós mesmos. Isso é tremendo! Quando
pecamos, pecamos primeiro e fundamentalmente contra a nossa verdade. Nós
35
nos autodestruímos, porque Deus é a raiz última do nosso ser. Pensamos que
Deus é um ser externo, estranho, que ofendemos como se fosse alguma coisa
de fora. Não, ofendemos o que há de mais profundo em nós. Nos destruímos.
Deus não precisa condenar ninguém, porque a condenação é nossa. É a
nossa autodestruição. Há uma ruptura. Usando um termo psicológico, é uma
esquizofrenia gigantesca, que arrebenta por dentro o nosso próprio ser. É quase
como se fôssemos tão poderosos como Deus: Ele nos cria, e destruímos o que
Ele criou. Mas destruímos em nós.
Este Evangelho é muito sério. Não precisamos ficar desafiando Deus.
Podemos xingar à vontade. Podemos invocar, porque não cairá nenhum raio
sobre nós. O raio vem de dentro, não de fora. O raio vai partindo-nos por dentro,
porque temos uma verdade, que não conseguimos esconder. A nossa verdade é
mais dolorosa. E Deus, vendo que a nossa verdade é pesada para nós mesmos,
diz: “não tenhais medo!” Ele é tão bom que, mesmo quando não agüentamos a
nós mesmos, Ele se faz presente na alegria e na tristeza, na vitória e na derrota,
no fracasso ou no sucesso. Não interessa. Em qualquer situação, Ele está ao
nosso lado.
Essa segurança absoluta da presença de Deus ao nosso lado, é que
nos dá coragem de não temer. Todos nós temos a experiência do medo. E o
medo é proporcional àquela realidade que nos toca viver. A última realidade
da qual temos mais medo é perder a vida. Nós queremos segurar ao máximo.
Todas as vezes que a morte se aproxima, seja pela doença, seja pela violência,
aí tememos, porque está em jogo a vida. É o grande dom, a maior realidade que
temos. E é nesse momento que Jesus diz: “Eu venci a morte!” Mesmo morrendo,
venceremos. Amém. (19.06.99)
36
SÓ CRESCEMOS NA VERDADE DE NÓS
MESMOS (Mc 4, 35-41)
37
Mas há um medo que podemos trabalhar: o medo da nossa entrega à
outra pessoa. É também muito difícil e muito perigoso. É a capacidade de alguém
se encontrar com outro, de se pôr diante dele, na transparência e na abertura. Por
isso é que vocês não conversam quando namoram. Vocês têm medo de que a
menina, de que o rapaz os conheçam, e se escondem nas aparências. Temos medo
da luz e da transparência. Temos medo da verdade de nós mesmos, temos medo
de que outros saibam da nossa verdade. Preferimos o fingimento, a escuridão,
o encolhimento, as nuvens que nos cobrem, a roupa que nos faz, deixando
aparecer o mínimo possível. Se pudéssemos andar na noite de total escuridão,
onde ninguém nos visse, seríamos mais felizes. Reparem nas brincadeiras de
crianças, nos videogames. Freqüentemente os personagens estão todos vestidos
de preto, com óculos imensos. Um adolescente me dizia que usa grandes óculos
espelhados para que ninguém o reconheça. Usam capacetes, luvas e mal sabemos
se é um ET, porque não reconhecemos. Não há meios para se reconhecer.
Esse é o medo do qual Jesus fala. Por que temos medo de nos expor aos
outros, por que temos medo de ser transparentes? Precisamos da maquiagem
mentirosa das aparências e nos cercamos de tanto teres, porque temos medo de
ser. É isso que temos que trabalhar. Só seremos felizes quando o nosso coração
puder realmente encontrar as pessoas e ser natural, ser igual, ser parecido, ser
gente que todo mundo sabe quem é, sem precisar se esconder atrás de nada. Nem
de honras, nem de títulos. Isso atinge a todos nós. É o professor, o padre, o bispo,
o papa, o médico, o juiz. Precisamos de títulos para esconder a pobreza do nosso
ser. Por isso eu gosto tanto da missa das crianças. Para elas nada vale, a não
ser o ser. São as únicas pessoas no mundo – as pequenas, que não foram ainda
xuxamente estragadas – que, quando abraçam, é porque gostam de você. Não
adianta dizer títulos, não adianta dizer que é o imperador não sei de onde. Não
lhes interessa. Não é diploma que convence uma criança. É a ação, o carinho, a
ternura, o encontrar-se, a transparência.
Se quiserem saber a verdade de vocês, aproximem-se de uma criança de
dois, três anos, para que sintam que vocês valem pelo que são, porque a criança
percebe. O resto nós criamos. São os entulhos da nossa história, da nossa biografia,
que enchem os nossos currículos. Mas nada disso vale. Não se enganem com os
títulos, nem com o dinheiro, nem com a classe social, nem com a cor da pele,
nem com o brilho dos olhos. Descubram a verdade das pessoas.
Jovens, namorem certo! Não errem no amor! Vocês estão errando demais
no amor, porque não conhecem a verdade de quem vocês amam. Vocês ficam
no escuro da história, no escuro do coração, no escuro da impureza, no escuro
do gozo. Não falam a verdade de si mesmos. Como podem ser felizes? Vêm
à igreja, casam sem saber com quem se casaram. Quantos me dizem que não
souberam com quem se casaram?! Casam com uma máscara, com uma mentira.
Mentirosamente casam-se. Como podem ser felizes, como podem viver juntos?
Como podem viver junto a uma mentira a vida toda, dormir na mesma cama
38
mentirosa? Não é possível! Por isso há tanto sofrimento, tanta tristeza, tanta dor
no coração humano. Nós temos muita dificuldade de não ter medo do amor, da
transparência. Amém. (22.06.03)
39
UM AMOR QUE ESTRUTURA OS NOSSOS
AMORES (Mt 10, 37-42)
Esse Evangelho vem produzindo, freqüentemente, compreensões
equivocadas. Primeiro, pelo gênero literário de Jesus. Infelizmente ele não falava
português, mas aramaico e, às vezes, hebraico, algumas palavras gregas e talvez
um pouco de latim – as línguas de seu tempo. No hebraico não há comparativo,
como na nossa língua: mais, melhor, pior, maior. Eles usam os conceitos um ao
lado do outro, afirmando. A idéia de comparação escapava-lhes do horizonte.
Nós estamos muito acostumados com a comparação quantitativa. Quando eu
digo mais e menos, sempre imagino uma balança.
Se quiséssemos entender o Evangelho de hoje ao pé da letra, colocaríamos
o amor a Deus num prato da balança e o amor ao pai e à mãe no outro. O amor
a Deus deveria ser mais e abaixaria o prato da balança. Mas não é nada disso.
Seria absolutamente equivocado, porque não podemos colocar em pratos de uma
balança a relação com o Transcendente – Deus, Jesus – e a relação com os seres
humanos, pois são de naturezas diferentes. É como se alguém dissesse: eu gosto
mais do azul do que de doce de coco. Um é para ver, outro para saborear. A frase
não faz sentido, pois trata-se de dois valores diferentes.
O amor de Deus é outra grandeza. O que Jesus quis dizer é algo muito
mais simples, e que todos nós vivemos. Eu não posso dizer agora para um pai
que ele deve gostar mais de Jesus do que de uma filha. O que Jesus diz é que
precisamos de um amor que estruture o nosso amor. Isso sim! É um amor muito
mais profundo, que alimenta os nossos amores humanos. Pode acabar o amor
por sua filha, o amor da esposa por seu esposo – a toda hora vemos isso. Nós
precisamos de um amor maior. Não para que amemos mais esse amor maior,
mas para que ele faça os nossos amores humanos serem maiores ainda. É isso
que Deus quer: que o esposo ame mais ainda a sua esposa, e vice-versa. Que
o pai ame mais ainda a sua filha. Mas o pai, a filha, o esposo podem, muitas
vezes, ficar dilacerados, porque não conseguem relacionar-se bem. Jesus diz que
todas essas dificuldades que encontramos em nossos amores humanos podem
ser melhoradas, se encontrarmos um amor maior. E aí está o amor de Deus.
Vocês serão capazes de continuar amando aquelas pessoas mais próximas de
vocês. É uma ilusão muito grande, e a Psicologia está aí para nos alertar, pensar
que o amor na família é mais fácil. Pelo contrário, é o mais difícil. Sabemos
hoje – as estatísticas dizem – que a maioria dos crimes são cometidos dentro
da família. Não são estrangeiros, assassinos profissionais. Estatisticamente, a
maioria dos crimes se comete dentro da família. O “Jornal de Opinião” (*) tem
todo um trabalho sobre isso. A reportagem principal diz que 80% das prostitutas
foram introduzidas na vida sexual por alguém da família. É por isso que Jesus
diz que é importante que amemos a Deus, para que o nosso amor dentro da
40
família seja forte, seja puro, seja grandioso. É difícil o esposo, depois de vinte e
cinco anos, continuar amando a sua esposa. Hoje temos este casal maravilhoso,
comemorando cinqüenta e oito anos de casados – os pais da Maria José. Um
casal que está junto no amor há cinqüenta e oito anos é algo espantoso!
E agora vem a segunda passagem do Evangelho, que também parece
algo meio doido, mas não é. Jesus diz que a gente só ganha, perdendo. O que
Ele quis dizer com isso? Quando um esposo quer ganhar muitas mulheres acaba
perdendo até a própria. Está aí a prova. Para ganhar, para vivermos felizes, para
decidirmos, temos que renunciar. Cada decisão que tomo significa uma renúncia
enorme. Por isso, os jovens, quando se aproxima o vestibular, ficam angustiados.
Se escolherem engenharia, não poderão ser advogados. Se escolherem advocacia,
terão que deixar outras coisas. Se escolherem medicina, magistério, terão sempre
que deixar outra coisa. Eu escolhi ser padre, não posso ser pai. É tremendo isso!
Não pensem que é fácil renunciar à paternidade. Toda escolha, se for realmente
assumida, traz junto uma renúncia. Se eu fosse casado, teria que renunciar a
outras coisas. Eu só posso ganhar, sabendo que qualquer decisão humana que
tomar implicará numa renúncia enorme. As pessoas que não são capazes de
reconhecer o limite são infelizes, são dilaceradas. Querem abarcar tudo.
Quando eu li que Bill Gates, o acionista majoritário da Microsoft, tem
uma fortuna de noventa milhões de dólares, pensei que, com isso, ele perde
muitas coisas. Perde as pequenas ternuras da vida, a liberdade, o carinho, para
poder abraçar tantos dólares. E desses dólares, nenhum centavo sequer vai para
o caixão. Podem comprar um caixão de ouro, mas o defunto não aproveita nada.
Alguém que pensa que, com noventa milhões de dólares, tem o mundo, não tem
nada. Talvez não tenha nem amor, nem paz, nem alegria. Não pode brincar com
uma criança na rua, porque tem medo de ser seqüestrado.
Esse é o jogo profundo de Deus. É isso que Jesus quer nos dizer. É preciso
tirar essas ilusões tolas, esses desejos imensos. Se pensarmos que, abarcando o
mundo, teremos felicidade, estamos totalmente enganados.
A felicidade é feita de pequenas alegrias. A alegria do olhar de uma
criança vale muito mais que infinitas outras alegrias. Pensar que a felicidade
é feita de grandes alegrias, de freqüentar hotéis de cinco estrelas pelo mundo
inteiro, é uma ilusão idiótica, de uma idiotice gigantesca.
Alegria verdadeira é um casal que chega a bodas de ouro. Essa é uma
alegria incomparável! Pais que entendem seus filhos, mães carregando-os no
colo. Não há alegria maior. Nada pode se comparar com isso. E Jesus diz, com
razão, que perdemos muitas coisas. O homem e a mulher, quando têm um filho,
perdem muita coisa. Perdem noites de sono, perdem a tranqüilidade, ficam
preocupados. Mas nada lhes tira a gigantesca alegria de construir uma vida para
o futuro. Isso é mais do que todas as perdas e renúncias. Amém. (26.06.99)
43
ALEGRAR-SE COM TODAS AS ALEGRIAS
(Lc 9, 18-24)
Nem sempre as nossas cabeças estão aptas para celebrar. Para a maioria
dos brasileiros, foi uma tarde emocionante, já que o futebol é uma paixão
nacional. Sobretudo, uma paixão açulada, aquecida pela mídia e pela televisão.
Mas, de vez em quando, é bom darmos uma parada, sobretudo, quando nossos
desejos não se realizam no nível que queríamos. Aí nos deparamos com a famosa
falta. Temos muita dificuldade de lidar com a falta, isto é, com aquilo que é o
objeto do nosso desejo.
O ser humano é um ser tão faltoso, tão carente, como mostram as
mais diversas mitologias: uma quantidade enorme de lendas, sagas, histórias
que trabalham essa realidade da falta humana. Começando pelo famoso mito
platônico de que o homem nasce da divisão. Uma vez que foi cortado, está
sempre buscando a sua metade. Ele sente a outra metade como amputada. Pelo
mito platônico, construído séculos antes de Jesus, já se imaginava que somos
seres amputados, cortados e, por isso, vivemos buscando. E nós, da fé cristã,
compreendemos muito melhor a razão de sermos seres tão faltosos. É difícil lidar
com aquilo que não realizamos. E quando realizamos, já queremos outra coisa.
Somos insaciáveis!
Agostinho, um dos homens mais apaixonados dessa humanidade, viveu
a vida em suas diversas dimensões, desde a vida mais devassa na sua juventude,
até a mais alta mística. Ele tem um pedido em suas Confissões: “Inquieto está o
meu coração, Senhor, até que descanse em ti!” Quer dizer que o nosso coração
será sempre inquieto, de forma que buscaremos sempre repouso. Quando
encontramos, já queremos outro, e mais outro. De vez em quando é bom parar e
perguntar: como é que lidamos com essa falta? Como é que ficará agora o povo
brasileiro, que sonhava em verde-amarelo, alardeando a vitória antes do tempo e,
de repente, esbarrou exatamente com a derrota? Temos que começar a trabalhar
essa realidade.
E se a gente começasse a pensar no outro lado? E a alegria do outro? Será
que teremos coragem de pensar na alegria do povo francês? Que alegria para um
país que nunca chegou à final de uma Copa e agora ganhou! Se conseguíssemos
nos alegrar com a alegria do outro, acabariam as tristezas, as caras feias, as
ressacas. Conseguiríamos dizer que hoje a vitória foi para eles. Como vários
países que, quando perderam, foram comemorar com os brasileiros: escoceses,
dinamarqueses, holandeses, que dançaram com os brasileiros. Souberam alegrar-
se com a alegria do outro. E será que sabemos nos alegrar com a alegria dos
outros? Se pensássemos assim, como a nossa vida se modificaria! Veríamos que
não há razão para estarmos na fossa, na depressão. Pensem um pouco nisso, não
44
só em termos de Copa, mas em todos os níveis.
Se começarmos a olhar a vida como uma falta, seremos carentes, tristes,
deprimidos, continuamente fracassados. E se olharmos a realidade pelo lado do
regozijo, da alegria por aquilo que está caminhando bem? Não precisa ser eu, pode
ser o outro. No dia em que um colega triunfa numa profissão, nos alegraremos
com ele. Assim como as mães sabem fazê-lo, só que, muitas vezes, apenas a
respeito de seus filhos. Talvez não o façam em relação ao filho do vizinho. Se
conseguíssemos alargar o coração a cada vitória de qualquer pessoa que seja,
teríamos alegrias infinitas. Em algum lugar do mundo há alguma coisa de belo,
de grandioso que está sendo feito. Quando olharmos essa coisa bonita, o nosso
coração se alegrará, se animará e teremos milhares de ocasiões para estarmos
sempre felizes e nunca deprimidos.
Certa vez um psicólogo tomou uma folha branca e colocou um pontinho
preto no meio e perguntou para o auditório o que eles estavam vendo. Todos
responderam: “um pontinho preto”. Ele retrucou: “E não estão vendo a folha
branca?” A folha branca está aí e nos fixamos no pontinho preto. Vamos olhar
para as alegrias de tantas pessoas que hoje comemoram a sua vitória. E também a
alegria dos nossos jogadores, que lutaram, se esforçaram, que sofreram, até sem
condições de jogar, como Ronaldinho, que jogou machucado. Isso é motivo para
nos alegrar e não para ficarmos deprimidos (*).
Volto a insistir que devemos ampliar os nossos horizontes. Isso é o amor,
em última análise. O amor mais baixo, no seu primeiro nível, é o amor falta. Mas
o amor, em seu nível mais elevado, é o amor que se alegra com qualquer bem,
onde existir esse bem. Amém. (12.07.98)
45
A FELICIDADE NAS COISAS SIMPLES
(Ecl 1, 2.2,21-23/Lc 12, 13-21)
A primeira leitura, do livro do Eclesiastes, começa com esta frase
famosa: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, que deu azo a que um dos
maiores oradores do mundo – Crisóstomo – fizesse também uma das peças
oratórias mais lindas da cultura mundial. Ele era bispo numa cidade antiga, do
quinto século, e lá havia um homem poderoso, que mandava em todos, – um
FHC (*) daquela época. Tinha todo o poder, tinha tudo garantido. De repente,
esse homem cai na maior desgraça, quase collorida (**). Foi banido, mandado
embora, seqüestraram seus bens. Humilhado, entrou na igreja, ficou escondido
entre os bancos. Aí então, Crisóstomo, o grande orador, diz, olhando para ele:
“Vaidade das vaidades, onde está tua glória, onde está teu poder?”, e continua
todo o seu sermão. Essa é a leitura do Antigo Testamento.
Para entendermos isso, temos que situar quando o livro do Eclesiastes
foi escrito. Comece imaginando uma cidade pequena, onde moravam pessoas
velhas, já vividas, sem muitas ilusões. Elas sentavam-se nas portas e diziam
alguns aforismos, algumas frases sérias. A turma tomava nota e, como eram
homens cheios de Deus, suas palavras tão inspiradas só poderiam ser palavras de
Deus. Nesse dia, estavam um pouco mais pessimistas, um pouco mais desiludidos
da vida, e, olhando para os jovens, diziam: “vaidade das vaidades! Você, bonito,
correndo por aí, daqui a pouco estará fazendo plástica para tentar melhorar a
aparência. Você, que era uma beleza, uma beldade xuxosa, agora está aí desse
jeito!” Eles perceberam a força dessa frase, que é muito difícil para a geração
jovem entender, porque não foi dita por um jovem, mas por um velho.
A única vantagem de ser velho é ter a história atrás de si. E tem a grande
desvantagem de, ao falar, ouvir os jovens logo dizerem: “Coitadinho, já está
velho e só pode mesmo falar assim!” É difícil entender que realmente esta vida
é vaidade. Que todas as coisas pelas quais lutamos com tanto esforço, as cidades
que construímos, as casas bonitas, as nossas cadernetas de poupança, os nossos
carros, cada vez mais sofisticados, podem desaparecer numa fração de segundos.
Que o diga a princesa Diane! (***)
Que um velho diga isso, eu entendo. Mas, o mais surpreendente vem
no Evangelho, porque Jesus era moço, deveria ter uns trinta e poucos anos, e
contou essa história. Ele, jovem, percebeu que a vida perde o sentido quando
simplesmente queremos agarrar as coisas: ter, ter, ter... O nosso ser, a nossa
existência, as nossas relações diminuem.
Outro dia eu li um livro da autoria de um velho, Norberto Bobbio,
considerado um dos maiores politólogos, isso é, especialista em ciências políticas.
É italiano, de esquerda, foi assunto de vários congressos em muitos países. E ele
diz: “quando olho para a minha vida e vejo tanto sucesso, do que tenho mais
46
saudade, do que mais gostei foram os momentos que passei com as pessoas, na
amizade, no prazer, na alegria. Todo o resto não tem nenhuma importância diante
dos momentos de encontro com as pessoas!” Nós vamos levar da vida o fruto do
afeto comunicado e recebido.
Na última quinta-feira, estive num congresso, em que estavam mais
de mil e oitocentos educadores. Lá expuseram uma pesquisa sobre jovens.
Perguntados sobre o que mais temiam, não responderam que era o desemprego,
mas solidão, isolamento, ficar sozinho, não dar e nem receber afeto.
Quando Jesus diz isso, não quer dizer que é contra a riqueza, contra
termos as coisas. Ele quer nos alertar para que não cheguemos à velhice vazios.
A única solução para um velho vazio é passar o dia todo vendo televisão. Se
não sai nada de dentro, tem que procurar o que vem de fora. A coisa mais
triste é ver pessoas que, quando envelhecem, não têm nada para dizer. Pessoas
caladas, mudas, broncas, porque não construíram nada. Não criaram nenhum
afeto, nenhum amor. É isso que importa. O resto passa. As glórias passam, as
belezas passam, o dinheiro passa. De que adianta um Bill Gates (****), com
milhões de dólares? Se comer esses dólares, adoece. Se quiser gastar o dinheiro,
não pode, não tem onde gastar. Tem de viver cercado de seguranças para evitar
um seqüestro. Não pode sair, porque tem medo. É prisioneiro, escravo de seu
dinheiro. Coisa terrível!
E tantas pessoas sonham em serem ricas. Até a gloriazinha ronaldística
é prejudicial. Pobrezinho, amarelou de stress, por ser famoso (*****). Não pode
nem espirrar, porque já vira notícia. Não pode gozar da vontade de viver, da
alegria de existir, de conversar com um colega, passear tranqüila e livremente
numa praça, sem ser incomodado. Coisa triste é pensar que a glória e o dinheiro
trazem felicidade.
Um grande capitalista estava num parque bonito, em Curitiba, vendo
crianças brincando de pedalinho. Havia uma fila imensa esperando sua vez, e ele
se deleitava com a alegria das pessoas simples. A alegria que ele não conseguia
encontrar nos grandes hotéis, nas grandes viagens que fazia por todo o mundo.
Nada nos dá prazer nesse mundo, a não ser que venha de dentro de nós.
Amém. (01.08.98)
47
JESUS SE MOSTRA DIVINO NA EXTREMA
HUMANIDADE (Mc 9, 2-10)
48
pipocando por aí afora, coisas em quantidade. Quanto mais consumismo, mais
niilismo. Somos cada vez mais nada, porque temos cada vez mais coisas. Quanto
mais uma pessoa possui, mais ela é nada, porque ela supre o seu Ser com os
seres. Quanto mais precisamos de coisas, menos nós somos. De quanto mais
títulos, de mais coisas externas, de mais jóias precisarmos para aparecer, menos
apareceremos. Quanto mais eu preciso de um carro grande, menos eu sou. Uma
grande fortuna não faz o Ser de ninguém. Ninguém é sua fortuna. Cada pessoa é!
É relação, e isso é o que vale. Quanto mais essa sociedade produzir coisas, maior
o risco de substituirmos o nosso Ser, sobretudo o Ser de Deus, pelos seres.
Jesus vem dizer que devemos ser humanos para sermos felizes. Amem
e serão felizes! Conheçam e serão felizes! Conversem entre si, como gente, e
serão felizes! Pensem no que devem construir e serão felizes! Criem utopias e
serão felizes! Criem alternativas e serão felizes! É dessa felicidade humana que
Jesus vem falar. Uma felicidade construída em gestos pequenos no nosso dia-a-
dia, com nossas limitações que fazem a nossa proximidade com Deus. Amém.
(05.08.00)
49
SER PAI É DESACOMODAR E ENCORAJAR
(Is 56, 1. 6-7/Mt 14, 22-33)
As duas leituras de hoje podem nos dar uma outra compreensão da
função de pai. Vou tentar mostrar que relação existe entre a primeira leitura, que
parece tão distante de nós, e a festa dos pais, que inventamos recentemente. No
meu tempo de criança não existia isso. E também essa passagem do evangelho
de Jesus com a mulher, tem uma relação com o dia dos pais.
A idéia central da primeira leitura está no finzinho. O profeta diz que
o Templo de Israel, portanto, de um povo, será a casa de oração para todos os
povos. É a idéia de um povo que se abre a todos os povos. Um grande salto
para Israel, que sempre foi um povo fechado nele mesmo. Acreditavam que
eram os escolhidos de Deus, que eles adoravam o verdadeiro Deus, e todos os
outros povos estavam errados. Israel era convencido de si mesmo e não dava
importância para os outros povos. Bastava-se a si mesmo. O profeta diz não. O
Templo deveria estar aberto para todos os povos. Portanto, para os gregos, para
os romanos e para todos os povos que não cultuavam Javé. Essa é uma primeira
idéia, e depois veremos o que tem a ver com os pais.
O diálogo de Jesus com essa mulher, no Evangelho, é mais sutil do
que se pode imaginar. Em primeiro lugar, Jesus era judeu, no caso, galileu. Ela,
cananéia, portanto, estrangeira. Os cananeus foram um povo dominado pelos
judeus. É como se a mulher fosse filha de escravos. Era inferior a Jesus, pois fazia
parte de um povo que os judeus praticamente massacraram. Ela sobrou daquele
povo cananeu. A Palestina era dominada pelas tribos que vieram do Egito e que
expulsaram os cananeus. E essa mulher ainda tem coragem de chamar Jesus de
Filho de Davi, o que lhe faz recordar toda a tragédia que os judeus significavam.
Ela transgrediu, por assim dizer, os seus próprios sentimentos. É como se nós
ajoelhássemos diante dos americanos, pedindo-lhes salvação. Não é fácil para
um brasileiro, sentindo-se dominado economicamente por um país, de repente,
pedir a salvação a esse mesmo país. E ela pede a Jesus. Transgride o seu coração
fechado, e Jesus também vai transgredir o seu coração. Ele também estava
fechado para ela. Chega a dizer-lhe que não viera para ela, mas para os judeus.
Era estrangeira, que ficasse por lá. Os apóstolos queriam também mandá-la
embora e terminar com tanta lamúria. E a mulher vence, quebra as duas barreiras.
Olha para Jesus e diz que também ela, mesmo sendo cachorrinho, de um povo
dominado, merecia as migalhas da mesa do Senhor. Mexe com o coração de
Jesus, faz-lhe abrir e ver além do que tinha pensado. Essa fé só poderia ser de
Deus Pai, que estava dizendo para Jesus abrir o seu coração também para os
estrangeiros. Ele diz: “Vá. Sua vontade está feita, sua filha está curada!”
E o que isso tem a ver com os pais? Eu insisto muito que o pai é ponto
de referência importante e fundamental para uma criança. De tal maneira que
50
todas elas precisam de um pai. Se ele morreu ou abandonou o filho, será preciso
aparecer outro pai. Às vezes, a mãe cumpre essa dupla função, e bem. Por isso
pai é o ponto de referência. Mas hoje eu gostaria de tomar outro ângulo.
Pai também é aquele que faz o filho saltar para fora, ir além de seu limite.
Quando um filho está preso, fechado, acomodado, é hora de o pai dizer: “Filho,
vá por um caminho mais longo, saia de você mesmo, busque alguma coisa maior.
Não fique preso a você mesmo!” Pai também é aquele que aponta para o filho
horizontes maiores. Não é só uma referência de norma, de obrigação, de limite.
Pelo contrário, também é aquele que ajuda os filhos a superarem seus próprios
limites. A criança pequena sente-se onipotente. Então ela não precisa desse lado
do pai, precisa mais da referência.
O adolescente, por mais que se finja de mandão, de poderoso, por natureza
é medroso. Ele deixa de ser criança e perde a onipotência, porque começa, pela
primeira vez, a perceber os seus limites. A criança não percebe limite. Ela quer
alguma coisa, chora, e é logo atendida. Bate o pé até conseguir o que quer. Ela
só vai perder essa idéia de onipotência quando deixar a infância. Começará a
perceber que não pode tudo. Pode ir mal na escola, não conseguir entrar no time
de futebol, não conseguir cantar porque desafina. Começa a perceber o limite
do pai, da mãe e o seu próprio limite. O pai desaba daquele trono divino que
ocupava e não pode mais ser ponto de referência.
É hora de o pai mostrar que também é humano como o filho, mas que já
atravessou fronteiras que ele ainda não atravessou. Já andou por caminhos que
ele ainda não conhece, já navegou por outros mares, e assim pode lhe dizer por
quais mares deve navegar, a que praias deve ir, a que lugares é capaz de chegar.
Assim ele pode arrancar o filho do ninho.
Hoje os jovens querem ficar cada vez mais tempo no ninho. Eles têm
a síndrome do ninho. Preferem ficar protegidinhos – comida na mesa, roupa
lavada. Às vezes, com trinta anos, ainda são os filhotinhos queridos. Um homão
barbado ainda precisando do colo materno. Falta-lhes um pai que diga: “Filho,
salte para fora! Vá longe, cresça, desenvolva!” Essa é a função do pai e, muitas
vezes, ele tem medo de fazer isso. Quer também segurar o filho.
Ele deve ser estímulo e dizer como Jesus disse a essa mulher: “Vá. Você
é imensa, é maravilhosa! Você tem uma fé que me venceu. Pode ir. Tudo agora
está pronto!” Que os pais saibam dizer aos filhos: “Vão, eu estarei sempre ao seu
lado. Não tenham medo, porque a vida deve ser enfrentada!” Amém. (13.08.05)
51
NA ASSUNÇÃO, A TOTALIDADE DE MARIA
(Lc 1, 39-56)
A festa da assunção revela Deus, revela Maria e revela quem somos nós.
Não é só Maria que está em jogo na assunção, mas, primeiramente, é o próprio
Deus. Nós podemos fazer muitas idéias de Deus, infinitas idéias, porque nossa
cabeça pode pensar, imaginar, sonhar. Mas só sabemos quem é Deus, quando Ele
mesmo nos diz quem é. Deus fala de muitas maneiras, sobretudo através daquilo
que não sabemos. Quando a Teologia, a fé cristã, meditando, olhando para toda
a história da salvação, chega a expressar este fato – Maria subiu aos céus – o que
podemos pensar de Deus? Que Deus é este, que acolhe uma mulher no céu, de
corpo e alma, na sua totalidade? Muito diferente do que podíamos imaginar.
Não foi a Lady Dy que Ele recebeu no céu, ressuscitada. Talvez ela
esteja lá, nós não sabemos. Foi uma menina simples e pobre. Foi uma menina
lá, do interior da Palestina, lá de Nazaré. A cidade é tão pequena, que, quando
disseram que Jesus vinha de lá, logo perguntaram se podia vir de lá alguém que
valesse a pena. Um suburbiozinho. Quando Deus acolhe essa menina, Ele mostra
quem Ele é.
Deus não tem acepção de pessoas. Não vai olhar para um palácio de
Londres, não vai olhar para Paris, não vai olhar para os grandes reis e rainhas
do mundo para acolhê-los lá no céu, abrindo as portas. Olhou para a pequenez
de uma menina. Este é o Deus! O Deus que acolhe os pequenos, que colhe cada
beleza. O Deus que não deixa perder nenhum valor. O Deus que recolhe da
História, como um grande semeador, toda a ponta verde que nasce. E quando
nasce, lá em Nazaré, aquela beleza virginal de Maria, o seu coração exulta. Se
a criança exultou no seio de Isabel, muito mais o coração de Deus exulta hoje,
vendo a mãe de Seu Filho sendo glorificada. Esse é o nosso Deus.
O nosso Deus não é dos poderosos, não é dos Bill Gates (*) da vida,
não é das internets, da Microsoft, da General Eletric, dos grandes bancos, do
FMI (**), nada disso. Esse não é o nosso Deus. Quando sabemos que Deus é
o nosso, temos que mudar a nossa vida. Não podemos viver pensando nesses
deuses que não são deuses, nesses ídolos, nesses falsos deuses. Deus é este, que
recebe Maria como santa. E o que revela a santidade de Maria? Revela que a
trajetória de uma mulher fiel não termina no nada, não acaba no vazio, não acaba
num acidente, não acaba num afogamento, nas praias, nos mares, numa queda de
um helicóptero (***). Acaba sim, na glorificação do corpo e da totalidade de seu
ser.
Maria não foi aos pedaços para o céu. Ela foi inteira. Ela não foi
espatifada para o céu, mas na sua totalidade, porque ela era total aqui na terra.
Era total no seu amor, na sua dedicação, no seu serviço. Foi total para o céu. A
expressão corpo e alma quer dizer que é Maria inteira, na totalidade da história,
52
nos seus atos, em tudo que ela fez. Nada do que ela fez escapou da bondade de
Deus, porque nada nela foi dividido. Nós, não. Muita coisa que fizemos não vai
para a eternidade. Deus tem que pegar um facão e cortar muita coisa. Maria, não.
Não precisou cortar nada, porque ela é toda. Isso significa Maria! Ela é total em
cada gesto, pequeno que seja. Até neste gesto narrado hoje no Evangelho, de sair
e visitar uma prima. Nós também visitamos primos e primas, parentes e amigos.
E qual a diferença? É que a visita dela significa totalidade. É a totalidade de sua
dedicação. Não tem essa divisão nossa. Nós somos divididos, queremos e não
queremos, vamos e não vamos, rimos de um lado e choramos do outro. Maria ri
toda, chora toda.
E o que é a sua assunção para nós? Alguém me falava que foi a um velório
de um budista e encontrou a família em festa. Nós devíamos ficar em festa com
a morte, como os budistas. Os budistas ficam felizes porque acreditam que vão
voltar aqui na terra. Não é essa a volta que queremos. Nós nunca voltaremos a esta
história, nunca! A nossa vida encerra-se aqui. É única! Exige responsabilidade,
porque o que construímos, construímos; não construímos, não construímos.
Isto é importante: o que fizermos ficará, o que não fizermos, não ficará. O que
fizermos de mal, de negativo não ficará. Só ficará o que construirmos na justiça,
no amor, na beleza, na verdade. Isto é assunção.
Ela quer dizer que vamos carregar conosco somente o nosso ser, nas
relações que nós criarmos. Não são as obras que vamos levar para o céu, não
são coisas que vamos levar. Somos nós que vamos. É o ser. Isto pouca gente
entende. Nós não carregamos obra nenhuma. Nós somos o que amamos, o que
fazemos, o que construímos. É esse ser que atravessa a morte. A assunção é a
nossa radicalidade, as nossas relações mais profundas, o que construímos. É isso
que atravessa os umbrais da morte. Nada que carregamos atravessa. Só o que
nós formos. O ter não atravessa a morte. Fica aqui na terra. Só pode atravessar
a morte o ser – sempre insisto nessa tese filosófica. Não é filosófica apenas,
é existencial. Dá para qualquer pessoa entender. Todo o ter se desfaz, e o ser
sozinho atravessa glorioso.
Nós seremos eternamente o que formos aqui na terra. E nós seremos na
medida em que formos lentamente trabalhando em nós mesmos, melhorando
a nossa maneira de conviver, de pensar, de agir, de alegrar, de ver o mundo. É
assim que viveremos eternamente. Os nossos olhos verão a eternidade do que os
nossos olhos quiseram ver aqui na terra. Os olhos de Jesus são como lâmpadas
que iluminam. E iluminam o que existe. Vocês já repararam que a luz não cria
nada? Ela só ilumina o que está aqui. Ela não faz nós sermos. Ela ilumina o que
somos. Se não somos nada, não pode iluminar nada, porque o nada não pode ser
iluminado. Só o ser pode ser iluminado.
Assunção quer dizer que todos nós, não só Maria, subiremos ao céu em
corpo e alma, iluminados pela nossa história e pela nossa existência. Amém.
(18.08.01)
53
(*) milionário americano, dono da empresa Microsoft.
(**) Fundo Monetário Internacional.
(***) referência à morte de uma modelo ocorrida por aquela época.
54
A PORTA ESTREITA (Lc 13, 22-30)
Esse Evangelho serviu, outrora, para sermões tonitruantes, ameaçadores.
Aqueles padres mais antigos usavam esse texto para dizer que a maioria iria para
o inferno e, poucos, para o céu. As pessoas saíam tremendo da igreja, chorando,
batendo no peito e procurando o confessionário. Hoje os padres não fazem mais
isso, e, mesmo se fizessem, todos sairiam rindo, e não surtiria efeito nenhum.
Vamos tentar entender. Será mesmo que Jesus disse que a porta é estreita, que
poucos entrarão e tantos tentarão entrar e não conseguirão? Será que Jesus teria
dito isso? Será que teria dito que poucos se salvarão e que a maioria iria atapetar
o inferno, com os satanases, diabos e diabinhos todos felizes? Será que Ele
resolveu encarnar-se e vir à Terra para perder tempo, para só salvar uns poucos
gatos pingados? Certamente não foi isso que Jesus quis dizer. Contradiz toda
a sua pregação, contradiz o próprio sentido da vida, todo o projeto salvífico de
Deus. Ele quer a salvação de todos, sem exceção. Absolutamente de todos. Ele
quer inundar de luz todos os corações, para a felicidade, para a alegria.
A estrada da salvação é amplíssima, é larguíssima, é infinita. O que é
estreito, então? Não é difícil se salvar, mas ser gente. Esse é o caminho estreito.
Muitas vezes não queremos ser gente, não queremos ser seres humanos, não
queremos ser racionais, não queremos ser humanos em relação aos outros.
Esquecemos a nossa realidade humana. Esse é o nosso problema mais grave.
Não é com Deus ou com a nossa salvação, mas com nós mesmos, com a nossa
humanidade. Senão, vejam. Olhem um pouco em volta. Será que as pessoas
querem ser humanas? Será que, neste mês que antecede as eleições, existe
alguém preocupado em conhecer os candidatos para colocar pessoas ótimas,
honestas, éticas na política, ou não estão nem aí? Qualquer um serve? Será que
levamos a sério a nossa dignidade humana, nossa liberdade, nossa consciência?
Será que nos vendemos baratamente? Será que temos consciência de que, ao
fazer-nos livres e racionais, Deus nos deu a tarefa de construir uma humanidade,
construir uma história e não sermos construídos, como nas grandes tragédias
gregas, onde as pessoas viviam dominadas pelo destino? Será que somos pessoas
que constroem a própria vida?
Em geral, preferimos o caminho largo da preguiça, da acomodação, de
não levar nada para frente, de não levar nada a sério: a relação com o marido,
com os filhos, a comunicação, a escola, o trabalho. Assumir tudo isso como
tarefa humana é o que nos realiza. A coisa que mais fracassa o homem é quando
ele se avilta diante de si mesmo. Quando somos um bagaço para nós mesmos
é terrível! Ainda outro dia, li uma coisa sobre a qual nunca tinha pensado. Um
artigo num jornal dizia que o capitalismo é tão inteligente, que faz comércio
com a infelicidade. Quanto mais infelizes vocês estiverem, melhor. Aí terão que
tomar remédios. Tomarão analgésicos para dor de cabeça, enxaqueca. Tomarão
Prozac (*), que vende milhões. Remédios e remédios para ver se melhoram. E se
55
a coisa estiver mais séria, uma drogazinha discreta ou uns copinhos a mais, para
ver se ficam alegres. É a indústria da infelicidade!
Se fôssemos felizes, alegres, contentes, humanos, as farmácias abririam
falência. A maioria das farmácias sobrevive das nossas doenças psíquicas, não
biológicas. Se fôssemos sadios psiquicamente, o nosso corpo seria muito mais
sadio. Todo mundo sabe disso, é o ABC da Psicologia. A maioria das doenças é
psicossomática. Isto é, psico, da inteligência, da vontade, da alma, do coração.
E somática, porque atinge o corpo. Por isso, tomamos remédios. Há farmácias
por todo canto, porque falta felicidade. E falta felicidade porque não somos
humanos.
A felicidade não é um estado, é uma construção. A felicidade não é um
parar-se tranqüilamente, mas continuamente estar trabalhando o nosso ser, para
sermos mais humanos em relação às outras pessoas. No fundo, é esse o caminho
estreito. É o caminho da racionalidade, da liberdade, da felicidade. O caminho
da infelicidade é muito mais largo. Quando vejo as propagandas que surgem
nos Estados Unidos, quando vejo os comentários nos jornais de um país que
é o nosso modelo – uma espécie de demonstração para o Brasil –, vejo que só
conhecem a felicidade química, porque não conseguem a felicidade de olhar
para uma criança e se sentirem felizes. Esses prazeres verdadeiros, autênticos,
que nada no mundo dá. Um pai que chega em casa, olha para o seu filho, carne
de sua carne, e se alegra. Essa felicidade, droga nenhuma dá. Prozac nenhum
no mundo dá. É a felicidade de se colocar ao lado, de ajudar a crescer, de
estar preocupado. Sabem que até certas preocupações não são tristezas, mas
felicidade?! A preocupação que um pai tem com um filho é fonte de felicidade.
É que nós pensamos que felicidade é estar vacamente parado, ruminando capim.
Isso é felicidade animal!
A nossa felicidade é humana. É a preocupação com as pessoas. Olhar,
pensar, sonhar, desejar, buscar, planejar o bem dos outros. Talvez não saibamos
ainda que essa porta estreita, de que Jesus fala, é que nos traz felicidade, e não
a porta larga da acomodação, de uma vida sem motivação, sem dinâmica, sem
esperança, sem utopia. Amém. (22.08.98)
56
VENCER A ACOMODAÇÃO BUSCANDO
HORIZONTES MAIS AMPLOS (Mt 16, 21-27)
Esse Evangelho soa-nos talvez demasiado pesado. As palavras modificam
o seu sentido. Quando se usava a palavra cruz, na época de Jesus, significava
simplesmente as agruras, os problemas da vida diária. E nós, imediatamente,
pensamos em Jesus crucificado. Vamos tentar compreender melhor esse
Evangelho. Eu vejo três elementos fundamentais. O primeiro é a condição de
vida. Depois, aquela voz de Pedro, que Jesus chama de Satanás. E, finalmente, o
grande princípio cristão.
Comecemos pelo pano de fundo. Jesus fala da sua condição de vida,
como falamos da nossa. Ele diz que veio anunciar, que deveria enfrentar certas
situações. Se alguém lesse esse Evangelho para o Lula (*), poderia dizer que era
ele que estava nessa condição. Com culpa ou sem culpa – não quero entrar nessa
questão – ele está sendo crucificado também. Os jornais descrevem em letras
grandes: escândalos, mensalão, corrupção (**). Que novidade há então? Isso
se passa com todos nós. Vamos trabalhar, chegamos cansados, somos exigidos
a todo instante. Vamos de um lado para outro incessantemente e chegamos
exaustos em casa. É ou não é a condição humana? No fim do mês, tantas contas
para pagar, e o dinheiro é sempre curto. Muitas vezes não sabemos o que fazer.
Será diferente a vida de vocês? Quando eu atendo as pessoas, é isso que eu
ouço: esposas que sentem o desprezo dos maridos; um filho bêbado, drogado.
Não é isso que é carregar a cruz de cada dia? É disso que Jesus está falando:
da nossa condição humana. Ora mais felizes, outras vezes aborrecidos. Que
o digam os estudantes, que passam o ano preparando-se para o vestibular e,
quando vem a lista dos aprovados, não encontram os seus nomes. E lá vão eles,
debulhando-se em lágrimas, por um ano perdido. Tantos procuram emprego e
não encontram. Passam por três, cinco, dez empresas, entregando currículos, e
nunca o currículo é aceito. É isso que todos vivemos. Não há motivo, então, para
ficarmos chocados com o evangelho. Ele fala do que estamos vivendo em todas
as partes do mundo.
Agora, vem o Pedrozinho, o Satanás: “Deixa disso. Para que viver
nessa luta? Fuja! Embriague-se, aliene-se, não pense!” Esse é o Pedro mau
que Jesus chama Satanás. Satanás é quem nos quer tirar a liberdade, nos tirar a
responsabilidade de existir. Satanás, esse Pedro de hoje, é aquele que não quer
que realizemos a nossa vida, com ou sem luta, na alegria e na tristeza, mas na
condição humana. E há muitas maneiras de fugir da existência, muito mais do
que podemos imaginar.
Hoje há uma, mais moderna de todas, da qual já falei inúmeras vezes e que
muito me impressiona. Eu chamaria de felicidade química. Toda essa indústria
farmacêutica que está sendo construída para nos alienar, para que não pensemos,
57
para que andemos tontamente pela cidade, quase que dopados. Até usamos a
palavra dopado. Que dopem as pessoas nos hospitais, para que não sintam dores
e morram sem sofrimentos, vá lá, mesmo que eu tenha minhas dúvidas. Mas
dopar pessoas sadias, dopar um jovem de dezesseis, dezoito, vinte anos, é um
tremendo absurdo. Dopamos, quando não pensamos. Vamos vivendo, dia após
dia, sem saber o significado de nada. Não se distingue um dia do outro. Fica tudo
cinzento, anódino, sem graça, sem novidade, sem causa, sem amor, sem paixão,
sem vida. Sem vontade de agarrar a história na mão, de construir essa história, de
mudar este país, acabamos pensando que não adianta nada. PT, PSDB, qualquer
outra sigla, é tudo a mesma coisa: sem-vergonhice, todos ladrões.
Se eu vejo assim, é Pedro que está me dizendo, como disse a Jesus: deixa
disso, Jesus. Para que ir a Jerusalém? Vamos continuar passeando de barco, nesse
mar tão lindo, conversando com as pessoas, tomando um bom vinho em Caná,
que até se pode multiplicar quando faltar. Jesus poderia ter escolhido essa vida.
Visitando Marta e Maria, passando o dia todo conversando, chegaria a oitenta
anos, até um infartezinho. Mas responde para Pedro que ele não entendia nada
de Deus. E o mesmo eu digo para muitos jovens: vocês não entendem nada de
Deus, quando pensam em largar-se pela vida. Não é só o dopar físico. A paixão
também é droga. O amor, não. O amor é força, é beleza! Apaixonar-se é como
se drogar, é esquecer a realidade, é fugir. Viver de paixão em paixão é não viver
nada. É viver como esse mesmo Pedro, sem brasa nenhuma. Só vivem fogueiras,
paixões. O amor é brasa. O amor é forte, firme, constante, sustenta e carrega as
pessoas. É isso que Jesus chama de perder e guardar a vida.
Se quisermos guardar a vida, precisamos amar as pessoas, saindo de nós
mesmos. A paixão é só aquele fogaréu enorme, fantasmagórico, que só encanta
os nossos olhos. O amor não encanta só os olhos. O amor acontece na liberdade,
na bondade. A paixão encanta, mas o amor é muito mais que encanto, porque
amadurece, aprofunda.
Jesus nos diz hoje que a vida é toda essa condição. Pedro nos sopra
acomodação, e eu lhes digo: abracem causas maiores, caminhem por caminhos
mais largos, busquem horizontes mais amplos, naveguem para águas mais
profundas! Amém. (27.08.05)
58
REFLETINDO A VIDA
Hoje é o dia do catequista e isso, para a nossa comunidade, é muito
importante. Talvez neste mundo moderno, tão sofisticado, tão banal, tantas vezes
superficial, não percebemos e não descobrimos as coisas mais bonitas. Talvez
a coisa mais característica deste mundo, que chamamos virtual ou mundo da
aparência ou do simulacro da própria vida, é que valorizamos muito mais as
coisas superficiais, que aparecem aos olhos. Escapa-nos o que é mais importante.
Já dizia aquele escritor francês, Exupéry, que “o essencial é invisível aos
olhos”. Se olharmos o catequista, comparando-o com um grande trabalhador
de uma firma, com esses gerentes engravatados, vamos vê-lo apenas rodeado de
criancinhas para ensinar. Mas se tivéssemos o olhar de Deus... Quando Deus olha
para a Bolsa de Valores, com aqueles homens neuróticos, gritando, tem pena de
tanta loucura, tanta gente arruinando-se e arruinando outros. Ali são bilhões que
estão em jogo. E quando Deus olha para esses catequistas, seu olhar se enche de
alegria infinita, ao ver que há pessoas que vão falar dele para as crianças. Eles
falam de Deus e esses, da Bolsa, falam do deus dinheiro. O money, o dólar é o
deus deles. Os catequistas falam do único e verdadeiro Deus. Fica essa palavra
de alegria e de estímulo.
Sem bajulação, sem falsa modéstia, eu diria que o catequista é muito
mais importante do que nós, sacerdotes. Eles carregam a Igreja. Nós estamos
aqui, para colorir um pouquinho. Todas as vezes em que vejo um catequista, me
sinto pequeno. Ele passa a fé, o dom maior para as crianças, para os adolescentes,
para os jovens. A vocês, a minha alegria e o meu reconhecimento.
Celebramos a Semana Social, e o tema é seriíssimo: o resgate das
dívidas sociais. Falamos muito da dívida externa, do que devemos lá fora para
os grandes banqueiros. Falamos muito da dívida interna, do que o governo e o
povo devem para os banqueiros internos. Sempre os banqueiros que recebem do
nosso povo simples. Somos sempre os devedores. A dívida social não conta. Há
uma inversão radical. Os grandes credores são os pobres, os grandes devedores
são os ricos. A camada que tem é que deve, e deve muito. Deve escola, saúde,
habitação, estradas, esgoto, água encanada. Deve tudo isso a esses meninos de
rua, às prostitutas, a essas pessoas jogadas. Nós devemos muito a eles. A dívida
social deve mudar a nossa cabeça para uma inversão: colocar os devedores a
serviço dos credores. Só que agora os credores são aqueles que nunca foram
credores de nada. Que não podem nem entrar num banco, porque o vigia expulsa.
Não entram num aeroporto, porque não deixam. Talvez, numa rodoviária. São
sempre relegados, desprezados. São os grandes credores e, sobretudo, os maiores
credores de Deus.
Agora uma palavra sobre essas duas jovens, que fazem quinze anos (*).
Adolescência é ponte. Não é nem a margem da infância, nem a margem adulta.
E, como toda a idade, tem beleza e tem riscos. Toda idade humana é assim.
59
É bela, mas também é ameaça. Só dizer beleza e poesia barata não merece a
nossa reflexão. Quando se comemoram quinze anos, é importante que tomem
consciência de que, se a adolescência é ponte, vocês deixaram a margem
tranqüila da infância. Os sonhos infantis já passaram, mas ainda não chegaram
à margem estável da idade adulta, e isso muitos adolescentes não perceberam
ainda. Querem ser adultos antes do tempo, e isso é um risco enorme. Querem
ser adultos, andando por aí e fazendo o que querem. Querem ser adultos fora de
qualquer perspectiva, e isso é um risco, é queimar etapas. Todas as vezes que
queimamos uma etapa, nos estragamos profundamente. Vocês têm que viver é a
adolescência. Esse momento de incerteza, de insegurança, de busca, de alegria,
de ternura, de fossa, de depressão, de namoricos. É isso que é adolescência. Mas,
se vocês pensam que já são adultas, donas de seu nariz, que podem chegar a
qualquer hora em casa, aí se estragam. Toda fruta amadurecida antes do tempo
não salva. Essas goiabas japonesas, que compramos em supermercados, são
belíssimas, mas não têm sabor, pura matéria plástica. Comemos quantidades de
matéria plástica. Tudo bonito, mas vazio. Não foi curtida pelo sol, como uma
goiaba do quintal, que amadureceu lentamente; como a manga que colhemos
na mangueira. Essas foram colhidas em laboratórios, encaixotadas, talvez
cobertas de química. Jogar química em vocês é estragar essa beleza toda. Vocês
precisam caminhar lentamente, ano após ano. Não precisam correr. Não queiram
ser adultas, não queiram experimentar. Vocês vão ficar cheias de ser adultas.
Vão passar oitenta anos como adultas. Esperem, aproveitem essa idade, que é
muito mais da ternura que do sexo, muito mais do carinho que das aventuras dos
cracks e das drogas. É uma curiosidade gigantesca, que estraga esses meninos,
os arrebentam. Engravidam meninas adolescentes, que se tornam mães precoces.
Saem carregando bebês com quatorze, quinze anos. Que tristeza para os pais,
para elas, para todo o mundo! Porque quiseram, estando na ponte, chegar à outra
margem. Saibam que ponte é ponte. Olhem para a infância e agradeçam. Olhem
para a idade adulta com a certeza de que chegarão lá. Por enquanto são pontes,
estão caminhando, e debaixo de vocês correm tantas águas. Mas, se caírem da
ponte, poderão se machucar. Não só a si mesmas, mas a tantos que caminham ao
seu lado. Amém. (31.08.98)
60
DEUS NOS CRIOU PARA SERMOS ETERNOS
(Mt 18, 21-35)
62
A DIMENSÃO CRISTÃ DO PERDÃO
(Mt 18, 21-35)
Essa é uma parábola, portanto, uma história que Jesus conta. Não é um
fato histórico. Uma segunda coisa é que a conclusão da parábola precisa ser
muito bem entendida, para que não façamos uma idéia equivocada de Deus.
Jesus usava a linguagem da época e falava com a mentalidade também daquela
época, que projetava sobre Deus e para Deus muitas coisas que nós, criaturas,
pensamos dele. Em geral, tratamos as coisas de uma forma recíproca: se eu fizer
assim, você fará assim. Somos acostumados com esse jogo de dar e receber. Essa
é a nossa mentalidade. Parece-nos que Jesus teria dito a mesma coisa: “se vocês
não perdoarem, Deus não perdoará”. Não é isso, porque, se fosse assim, Deus
seria igualzinho a nós e Ele não é. Portanto, se levarmos para casa essa lição, não
teremos compreendido o Evangelho.
Deus perdoa sempre e, para isso, não precisa de nenhuma condição. Em
qualquer situação que estivermos, a primeira coisa que Ele oferece é o perdão.
Sem perguntar nada, sem supor nada, sem pedir nada em troca. Ele oferece
diretamente o perdão, mesmo que sejamos maus e perversos. Mas, então, o que
disse Jesus? Se eu vou lhe dar um presente, estico o braço para entregá-lo. Se
você retira o braço, o presente cai no chão. Jesus oferece, mas, se não abrirmos
os braços para receber, não é a oferta de Deus que cessa, mas a nossa recepção.
Somos nós que não recebemos. Deus continua oferecendo. Se não recebemos, é
porque não queremos.
Jesus quer nos dizer quando é que não queremos o perdão. Não queremos
o perdão, quando não perdoamos. Sabemos que não queremos o perdão, quando
somos incapazes de perdoar o outro, quando fechamos o coração. Se eu tranco a
janela e a porta, como é que o sol pode entrar? O sol continua brilhando lá fora
durante todo o dia. Deus é esse sol que está mandando os seus raios continuamente
sobre nós. Mas nenhuma luz entra na casa, se não abrirmos janelas e portas.
Abrir as janelas e as portas é oferecer-se aos outros.
Uma terceira coisa: o que é perdoar? Ontem eu falava que é muito
importante buscar na etimologia, isto é, na origem da palavra. Quando a gente
consegue descobrir a origem de cada palavra, ela fica muito mais clara. Uma coisa
muito interessante, em português, é quando tomamos as palavras e começamos a
ver de onde elas vieram. Perdoar vem da soma de duas palavrinhas: per+donare.
Donare é doar, dar de presente. Logo, perdão tem uma idéia de dar de presente.
E o que significa per? Vocês podem buscar palavras em português e encontrarão
muitas com esse prefixo, que quer dizer uma ação feita até a sua plenitude. Vejam
os exemplos: fazer/perfazer. Daí vem perfeito, fazer uma coisa plena. Percorrer
um caminho é atravessar todo o caminho. Percurso é seguir uma corrida até o
fim. Per significa levar uma ação até o extremo, até a sua perfeição. Quer dizer
63
que, quando eu dôo até o extremo, eu perdôo. Perdoar é dar o máximo que eu
posso dar. Logo, é muito difícil. O maior ato de amor que existe é perdoar.
O que significa perdoar? Significa que vou dizer que aquilo que a pessoa
fez de errado não é errado? Não. Continua sendo errado. Isso não é perdoar. Se
um perverso comete um crime, eu tenho que reconhecer que é crime. Não posso
banalizar. Um corrupto comete corrupção e deve ser punido. Isso não é contra
o perdão. Devemos ter consciência histórica dos crimes. Devemos saber que o
Nazismo foi das coisas mais perversas da história, que matar seis milhões de
judeus é um crime inominável. Eu não posso perdoar, no sentido de achar que
não é nada. Continua sendo crime. E a história deve nos ensinar, para que não
repitamos os crimes. Perdoar não é desculpar. Não é deixar de ter sentimento,
mágoa, porque isso não escolhemos ter. Não depende de nós, mas da psicologia,
da sensibilidade. Eu posso estar magoado com uma pessoa e perdoar. A mágoa
não desaparece com o perdão. Perdoar é olhar no olho da pessoa que me fez mal
e dizer: eu não quero que você morra, mas que você viva! Isso é difícil, porque,
muitas vezes, queremos a morte das pessoas, e isso é ódio. Querer a morte de
alguém é ódio. O perdão é o contrário do ódio.
Eu vou contar um fato envolvendo um homem, que nem é cristão. Ortega,
um revolucionário sandinista da Nicarágua, tinha sido preso durante o governo
de Somoza, o grande ditador corrupto que arruinara o país. Ortega fora torturado
violentamente quando jovem. Exilado, organiza a guerrilha e entra vitorioso
na capital, vencendo a revolução. Ao entrar no palácio, encontra o torturador.
Qualquer um o mataria imediatamente. Ele lhe diz: “se você quiser abraçar a
causa sandinista, eu o perdôo”. Isso é perdoar. Não lhe negou a vida, não lhe
tirou a vida, apesar de ter sido torturado por ele.
A mesma coisa fez Jesus. Na cruz, não fuzilou nenhum de seus algozes,
não matou nenhum daqueles que estavam lá. Ele nunca feriu de morte nenhuma
pessoa que o ofendeu. Morreu, “para que todos tenham vida e vida em plenitude”
(*). Não vamos defender a pessoa que nos fez mal, que nos detestou, e pode ser
que continue nos detestando. Não vamos defendê-la, aprovando o que ela fez.
Isso seria falta de consciência crítica. Mas devemos dizer que não queremos a
sua morte. Podemos sentir o que sentirmos, porque o sentimento não pertence
ao perdão.
Uma última coisinha, também importante. Temos que aprender a
distinguir a ação de uma pessoa e o seu interior, que significa a consciência e a
liberdade. A ação que uma pessoa pratica pode ser julgada por qualquer um de
nós. É público, é social, é um dado objetivo. Eu posso dizer que a ação é má. O
que eu não posso é entrar no interior da pessoa e julgar por dentro o que eu não
conheço. Não devo dizer que ela é inocente ou culpada. Devo calar-me, porque
eu não sei. Os juízos humanos, os juízes de um tribunal têm direito de julgar
pelos indícios. Mas nós, que não somos juízes de nenhum tribunal, não devemos
julgar ninguém, porque só temos indícios. Não temos a clareza da consciência
64
de ninguém. Eu não posso dizer que Hitler foi consciente de seus crimes, porque
não sei dizer nem sim, nem não. Mas posso e devo dizer que seus crimes são
crimes. Se aprendermos a fazer essa distinção, vamos ter clareza na nossa vida.
Os crimes são crimes, a corrupção é corrupção, o mal é mal. Devemos dizer e
ensinar aos jovens, para que não o façam. Mas sobre a pessoa que o praticou,
não devemos dizer nada. Nem defender, nem acusar. Simplesmente me calo e
entrego o juízo a Deus, porque só Deus é juiz. Amém. (12/09/99)
(*) Jo 10, 10
65
O TEMPO NÃO FAZ O AMOR (Mt 20, 1-16)
Para o mundo econômico de hoje, esse Evangelho é um descalabro.
Qualquer empresário ou qualquer Estado que fosse cumpri-lo estaria perdido.
Portanto, temos que buscar outro significado mais profundo do que simplesmente
pensar se Deus vai ou não recompensar igualmente as pessoas. Não é por aí que
vai a inspiração de Jesus. Ele quer chamar a atenção para duas coisas – uma mais
óbvia e a outra um pouco mais profunda.
A mais óbvia é a gratuidade. A gratuidade não mede as pessoas por
horas. Às vezes um abraço vale mais que uma hora de tagarelice. Muitas vezes,
um olhar vale mais que um dia inteiro de caras azedas, uma ao lado da outra.
Portanto, não é o tempo que faz o amor, não é o tempo que faz a generosidade,
mas a interioridade, a profundidade.
Quando Deus “retribui” àqueles que trabalharam uma hora, não é a hora
de sessenta minutos que está sendo avaliada. É que Deus descobre em qualquer
um de nós, a qualquer momento em que nos voltarmos para Ele, essa imensa
gratuidade. Se um dia abandonássemos a Igreja e voltássemos tarde, seríamos
acolhidos com o mesmo carinho como fomos acolhidos no batismo. Deus não
vai tripudiar, não vai nos recordar o afastamento. Ele nunca fará isso! Abrirá
os braços e dirá: “Filho, que bom que você chegou!” A qualquer hora que
chegarmos e entrarmos nesta igreja, é nessa última hora que o Senhor vai nos
dar todo o seu infinito amor. É bonito isso! Só Deus é assim. Só Deus é capaz
dessa generosidade, dessa transparência, dessa bondade, dessa inocência, diante
de cada um de nós.
Mas há outra idéia, que eu acho mais difícil de entender. Todas as vezes
que o patrão saiu, encontrou pessoas ociosas. Ócio é uma palavra de origem latina
– otium. Traduziram por desocupados e eu não gostei. E ócio, em latim, é uma
coisa positiva. Nós é que estragamos o ócio, dizendo que o ocioso é vagabundo,
que não quer trabalhar. O ócio, para o latino, é aquele momento livre, gratuito,
em que é possível nos colocarmos à disposição dos outros.
O domingo para os cristãos, o sábado para os judeus, a sexta-feira para
os muçulmanos, é o dia mais bonito, é o dia da ociosidade. É o dia do descanso,
não um descanso vazio, mas povoado de amizades, de carinho, de conversa, de
presença. Estamos estragando o conceito de ócio de duas maneiras: seja querendo
ocupar todo o tempo, seja preenchendo-o com inutilidades.
Um filósofo francês, ainda vivo, disse uma frase que me preocupou
e me chamou também a atenção. Ele disse: “a ocupação é uma das fontes de
infelicidade”. Eu fiquei pensando que a ocupação é fonte de infelicidade, porque
cobre e destrói todo o ócio. É como se passássemos todo o dia correndo daqui
para lá, fazendo isso e aquilo, mas sem fazer a coisa mais importante, que é parar,
olhar para uma criança, olhar para uma pessoa, sentir o seu problema, a sua dor.
Uma pessoa agitada não tem paz, porque não tem tempo para isso. É incapaz de
66
captar as pessoas, de entendê-las. Essa ociosidade é maravilhosa e a ocupação
atrapalha.
Reparem quando vocês têm, na empresa, um gerente todo azafamado,
que corre para todos os lados, dá ordens desencontradas, passa por cima de
todos. É como se vocês não existissem, não fossem pessoas, como se pudessem
ser atropelados a qualquer momento. Vocês não são máquinas, não são coisas.
São pessoas livres, conscientes. E o patrão passa por cima, porque o importante é
produzir, ganhar muito dinheiro, lucrar, fazer com que a empresa cresça. Para quê?
Para quê?, pergunto eu. Aos quarenta anos, um infarto do miocárdio. Fica essa
pergunta. Mesmo que aos quarenta anos se morra de câncer, como aquela jovem
psicóloga (*) que trabalhou com o coral da terceira idade, com os velhinhos do
asilo. Quanta diferença! Aos quarenta anos carregou uma vida muito mais plena
do que pessoas octogenárias, que estão vazias de vida. Portanto, não importa o
tempo que se mede por anos, mas o que se mede pela interioridade do coração.
Há uma outra ociosidade horrorosa: daqueles que querem encher o
tempo com vacuidades. Olhem que pleonasmo, que paradoxo! Como é que
posso encher o vazio com o vazio? É o que faz o ser humano e é o único ser que
faz isso. A gente aprendia, quando criança, aquela brincadeirinha: “o que é, o
que é que, quanto mais tira, maior fica?” Todos respondiam: “buraco!” Agora eu
digo: o que é, o que é que, quanto eu mais encho, mais vazio fica? E respondo: o
coração humano. Como nessa longa tarde de domingo. Você corre para a cozinha,
busca um torresmo e lembra que tem colesterol. Pega uma cerveja e lembra que
engorda. Liga a televisão e nenhum programa serve. Aperta freneticamente o
controle remoto, passando de canal em canal. Para quê? Para encher o tempo
com nada. A esposa de lado, com a cara azedada, os filhos na rua e a família não
se encontra, não se ama, não conversa, não contam histórias para as crianças.
As crianças que ouvem muitas histórias, quando pequenas, são mais
normais do que as que nunca ouviram. Qualquer psicólogo sabe disso. O que
mais alimenta a criança são sonhos e imagens. As nossas crianças não vêem mais
imagens. Só vêem bobajadas de televisão. Onde andam aquelas famosas histórias
de “era uma vez...”? Agora só vêem tiros, tragédias, erotismo. Imaginem o que
vai ser essa criança amanhã. Quando saem à rua, é natural que tenham medo
de serem assaltadas. Onde estão sendo fabricadas essas crianças? No carinho,
nas histórias dos irmãos Grimm, nas fábulas gregas de dois mil e tantos anos de
sabedoria? Não. Estão sendo fabricadas com produtos made in Japan, made in
USA, deixando de lado produtos lindos, de mais de dois mil anos de sabedoria.
Vivemos nessa ociosidade cheia de vazio. Que o Senhor nos acorde
para a verdadeira ociosidade, aquela que é do Reino. “Ide trabalhar na minha
vinha” significa que os momentos que temos de ociosidade devem ser plenos de
carinho, plenos de afeto, plenos de presença. Quanto mais humanos formos, mais
divinos seremos. Quanto mais divinos formos, mais humanos seremos. Amém.
(18.09.05)
(*) referência à Lya Viana, falecida por aquela ocasião.
67
O VALOR DE QUEM SE GASTA PELO REINO
DE DEUS (Mt 21, 28-32)
Esse Evangelho parece aquelas histórias que contamos para as crianças.
Eu perguntei a uma delas hoje, e ela me respondeu direitinho. Mas esse texto
contraria pelo menos duas grandes tradições culturais: uma antiga e outra bem
nova.
De Platão até Marx passaram-se cerca de dois mil e quinhentos anos.
Durante todo esse tempo, o Ocidente privilegiou a palavra, a compreensão, o
conhecimento, e não a ação. De tal maneira que na Grécia, por exemplo, os
cidadãos não trabalhavam. Ficavam discutindo Filosofia, Política, na ágora, no
lugar público, enquanto os escravos trabalhavam. Portanto, aquele que produzia,
aquele que ia à vinha não tinha importância nenhuma. O que tinha importância
era o saber, o conhecer. Essa foi uma tradição fortíssima.
Certa vez, eu conversava com jovens operários e pude testar essa
maneira de pensar. Perguntei se eles achavam que os operários, que estavam
fazendo escola técnica e não tinham chegado a nenhum curso superior, mereciam
melhores salários que os engenheiros, que se formaram numa universidade.
Todos responderam que não. Achavam que o trabalho do engenheiro merecia
melhor remuneração. Continuei perguntando: por quê? Ao que eles responderam:
“porque ele estudou”.
Jesus diz que as prostitutas e os cobradores de impostos, que eram
marginalizados na época, iriam preceder os anciãos, que eram os sábios. Isso
é ainda mais forte hoje, quando entramos numa sociedade do saber. Eu li um
artigo de um jornalista americano, dizendo que um minuto de Michael Jackson
na televisão, calçando um tênis Nike, vale mais do que dezoito mil operários
indonésios, que fabricam o tênis. Ele ganha mais em um minuto do que dezoito
mil operários juntos, produzindo aquele tênis que ele usará por um instantezinho
aparecendo na televisão, sem fazer praticamente nada. Os que fazem não valem
nada. Quem vale é quem não faz. Jesus diz o contrário.
Que eu saiba, o único filósofo que contrariou isso foi Marx, e por isso
foi rejeitado. Se tiverem oportunidade de irem a Londres, poderão ler no seu
túmulo esta frase: “Antes de mim, os filósofos pensaram o mundo. O importante
é transformá-lo”. O Cristianismo diz exatamente isso. Jesus não fica no joguinho
do vou, não vou, quero ir, não quero. Isto é, eu penso, eu sonho, mas não realizo
nada. Isso não entra no Reino dos Céus. Esse não constrói o Reino de Deus. Olhem
que lição séria de Jesus! Contraria praticamente toda a ideologia neoliberal,
que não valoriza o trabalho. O trabalho não tem a mínima importância. Cada
vez mais os trabalhadores vão sendo segregados, enquanto a elite cultural fica
fazendo simulações nos computadores.
Esse Soros (*) simplesmente faz rodar dinheiro. Não levanta uma
68
palha sequer e ganha milhões, talvez bilhões de dólares por dia, o que nenhum
trabalhador poderá ganhar em toda a sua vida. Jesus diz que aquele que vai à
vinha é o que faz.
Teríamos que repensar muito, e o pior é que caminhamos, cada vez mais,
para essa sociedade em que o trabalho não é valorizado. Por isso os jovens ficam
desanimados. Para que estudar, trabalhar, se podem ganhar em mensalões? Daí
podemos entender a razão de tanta corrupção. Os deputados se deixam corromper,
porque não precisam trabalhar para ganhar. Basta o jogo de influência. O trabalho
não vale nada. Para que trabalhar e no fim do mês ganhar um salário-mínimo,
se um outro, que apenas digita algumas coisas no computador, recebe milhões?
Mas é que aquele detém o saber, detém uma tecnologia, mas não se sacrifica um
instante sequer.
Para o Reino de Deus não é isso que vale. É difícil aceitar isso. Não tenho
nada contra os Bill Gates (**) da vida, mas Jesus valoriza aquela mulher que, com
suas mãos, dedica e gasta a sua vida pelos outros. Vai à vinha do Senhor. A vinha
é a Igreja, é a História, é o trabalho, é sustentar os filhos, é ter as mãos calejadas
pelo trabalho que não vale nada. Mas não vale nada nesse mundo neoliberal, não
vale nada para uma tradição egoísta, mas vale muito na tradição cristã.
São Bento, que era de uma família nobre, larga toda a riqueza e funda a
Ordem dos Beneditinos, com um grande lema que assustou a sociedade daquela
época, pois os ricos não trabalhavam. Só faziam guerras e cavalgavam. E o
grande lema era: ora et labora – reza e trabalha. E aqueles monges trabalhavam
e trabalham até hoje. Sustentam seus mosteiros, fazendo queijos, vinhos,
trabalhando na lavoura. Eu estive visitando uma trapa em Curitiba e vi como os
monges sustentam a casa com o seu trabalho. Passam horas trabalhando na terra,
capinando, plantando, para mostrar a dignidade do trabalho.
E o Filho de Deus não foi para Atenas, não ficou passeando na ágora,
com os filósofos, mas passou trinta anos trabalhando na construção de Séforis,
trabalhando na agricultura, cuidando de pequenos animais. Esse é o Filho de
Deus. É Ele que nos fala dessa dignidade: “vá trabalhar na vinha do Senhor!”
Amém. (25.09.05)
69
NÓS SOMOS A VINHA DO SENHOR
(Is 6, 1-7/Mt 21, 33-43)
71
HOMEM E MULHER CONSTROEM
FELICIDADE JUNTOS (Gn 2, 18-24/Mc 10, 2-16)
72
individualismo. A proposta da Igreja, da nossa revelação, é muito mais bonita:
que homem e mulher nunca fiquem separados, tristes, isolados, na solidão.
Cada um seguindo o seu caminho, cada um com seu projeto, cada um com sua
televisão, cada um com o seu quarto, com o seu lugar. Não, é preciso que se
encontrem, se descubram, sofram juntos, riam juntos, chorem juntos, gargalhem
juntos, nunca separados.
Às vezes, tantas vezes, isso não acontece nas famílias à nossa volta.
O que fazer? Deixá-las, estigmatizá-las? Não. Também elas têm direito de
reconstruir, quando puderem. O importante é, de onde estivermos, tentar
reconstruir. Quebrou-se uma família, é pena, as crianças sofrem. É preferível
esse ideal de Jesus, que desde o início, tudo caminhe, que as famílias vivam
em harmonia. Esse é o projeto, o plano, o sonho de Deus para nós, para a nossa
felicidade. Mas, muitas vezes, tantos acontecimentos marcam a nossa vida, nos
cortam, nos machucam, nos impedem de seguir um caminho melhor. Temos que
reconstruir, reencaminhar, buscar caminhos que nos reconduzam à felicidade.
Sempre, homem e mulher, procurando juntos, discutindo seus projetos, para
assim criarem as suas famílias. Amém. (04.10.97)
73
NOSSA RESPOSTA AOS CONVITES DE DEUS
(Mt 22, 1-14)
74
em que um sim ou um não decidem toda uma vida.
Precisamos ter olhos abertos, muito abertos, para captar os sims que nos
desviam do bem e os nãos que nos salvam. Precisamos de muitos nãos na vida.
O fato de não sabermos dizer não é um grande problema de personalidade. O
adolescente e a criança têm que começar, desde cedo, a aprender a dizer não para
as coisas que merecem não e sim para as coisas que merecem sim. E não vice-
versa. Esse vice-versa é que atrapalha muitos destinos.
Ao convite para o bem, dizem não; ao convite para o mal, dizem sim.
Temos que começar a nos educar, cada dia mais nessa percepção, principalmente
com as pessoas que precisam de nós. Precisamos cultivar a capacidade de
discernir, de captar, de perceber que fios estão conduzindo toda a história, para
entrarmos neles e não nos desviarmos por outros caminhos. Amém. (10.10.99)
75
A TRANSFORMAÇÃO PASSA
POR DENTRO DE NÓS
(Est 5, 1-2; 7,2-3/Ap 12, 1-5.13.15-16/Jo 2, 1-11)
77
OS VERDADEIROS MODELOS PARA OS
JOVENS (Mt 5, 1-12)
80
NAS BEM-AVENTURANÇAS, UM NOVO
RETRATO DE DEUS (Mt 5,1-12)
Essa página é considerada das mais lindas da história das religiões de
todos os tempos. Se perguntássemos, num desses canais de televisão, quais
seriam as bem-aventuranças, diriam: “Bem-aventurados os que vencem, bem-
aventurados os poderosos, bem-aventurados os ricos, os Bill Gates, com seus
sessenta bilhões de dólares. Bem-aventurados os que têm uma Ferrari vermelha
último tipo, bem-aventurados os violentos que podem dominar os outros”. Essas
bem-aventuranças, conhecemos bem. Bem-aventuradas as beldades maquiadas,
que encantam as novelas das noites de pessoas que não têm nada que fazer.
Essas são as bem-aventuranças que ouviríamos, se ligássemos, neste momento,
qualquer televisão do mundo. São as mesmas bem-aventuranças do sistema
capitalista, do neoliberalismo e da pós-modernidade.
Vem Jesus, olha para uma pessoa, vê a sua vida triste, acabrunhada,
dolorida, machucada e diz para ela: “Eu estou aqui para consolar-te, por isso tu
és também bem-aventurada. Não pelo sofrimento, mas porque tens um ombro
divino, onde podes apoiar-te. Por isso tu és bem-aventurada”. Quando olha para
a violência desse mundo e vê alguém sereno, tranqüilo, diz: “Tu, sim, és bem-
aventurado, porque és manso, não queres a guerra, não queres a violência. Tu
constróis a paz. Enquanto fabricam essas armas para jogarem sobre o Iraque e
outros países, tu não vives da indústria armamentista, do tráfico de drogas. Vives
construindo harmonia na família, na sociedade. Tu és feliz!” Olhando para as
pessoas agressivas, duras, que não apóiam ninguém, que fecham portas e janelas
das suas casas e, mais ainda, portas e janelas de seus corações, Jesus diz: “Tu
não és feliz!” Feliz daquele que abre seu coração para a misericórdia, para a
acolhida.
Jesus concordaria com aquele homem chamado Buda, que também
ensinou que a misericórdia é uma grande virtude. O mesmo que o Dalai Lama
agora repete através de todo o mundo.
Jesus também o disse: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia!”. E sobretudo o mais difícil para entendermos.
Confesso que é difícil mesmo. Todos nós, quando olhamos a pobreza, ficamos
espantados, porque a pobreza é terrível. Ela degrada as pessoas, destrói os
valores primordiais. E como é que Jesus diz: “Bem-aventurados os pobres!”?
Olhem bem, Jesus não diz “Bem-aventurada a pobreza!” Não é a pobreza que
Ele chama de bem-aventurada. Ele chama de bem-aventurados os pobres – é
muito diferente! Pobres são as pessoas, são esses que encontramos. E por que
são bem-aventurados, se estão numa situação tão ruim, tão diversa, com tantos
problemas? Donde vem a bem-aventurança para eles? Vem porque o olhar de
Deus é mais propício, é mais carinhoso, mais cheio de força para eles do que
81
para os outros, que nadam em riquezas. Eles conquistaram o coração de Deus.
Mesmo naquela hora de sofrimento, de angústia, de busca, ele pode ter certeza
de que nunca perderá totalmente a dignidade, porque dentro dele, ao lado dele,
animando, limpando, instigando, cultivando, estimulando está o próprio Cristo.
Se tivermos o Infinito dentro de nós, ninguém conseguirá destruir-nos. De fora,
vêm as forças, mas dentro há uma coragem única, que faz com que os pobres até
hoje resistam. Milhões estão aí em continentes, em regiões enormes, lutando,
porque Deus está com eles, para que lutem, para que transformem a realidade,
para que haja justiça. Por isso, Jesus diz: “Bem aventurados os que têm fome e
sede de justiça!”
Até aí seria aquilo que diz o Evangelho. Mas eu acho que há algo diferente,
e aí está a novidade. Jesus é o único que conhece Deus. Nós imaginamos Deus
como queremos. Temos o direito de imaginar, mas quem o conhece mesmo é
Jesus. E o trouxemos na cabeça, não sei porque, imaginando um Deus poderoso,
forte, destruidor, que parece que se deleita em massacrar os inimigos e sepultá-
los no mais profundo do inferno. Pois bem, o retrato que Jesus nos dá de Deus é
esse das bem-aventuranças.
Ele é manso, não é violento. Tirem da cabeça qualquer violência de Deus,
porque Ele é manso, de mansidão infinita. Manso dessa delicadeza infinita. Ele é
misericordioso. Seu coração volta-se para a misericórdia – misere-cordis – é para
o coração. Portanto, Ele não está para condenar ninguém. Dói-lhe quando nos
separamos Dele. Dói-lhe quando o ofendemos. Não por Ele, mas por nós. Somos
nós que nos detestamos, nos corroemos, nos autodestruimos, nos frustramos no
mais profundo de nós mesmos.
Deus não se alegra com nossa frustração, não se alegra com nossa
doença, com nossa morte, mas recolhe no vale infinito de Seu coração todas as
nossas lágrimas e todas elas serão gotas de luz na eternidade. Não deixará perder
uma dor sequer, não deixará perder um momento sequer de nossa existência, sem
que dele se extraia algo de bem. E aquilo que foi negativo em nós, cobrirá com
Seu manto infinito de perdão. Essa a novidade de Deus.
O que também me encanta muito é aquela bem-aventurança que diz:
“bem-aventurados os puros, porque verão a Deus!” Já repararam como os
impuros não vêem? Eles buscam, são sôfregos, correm atrás, mas não vêem. Já
repararam, meninas, como o olhar impuro de seus namorados não vê vocês? Vêem
corpo, sexo, prazer, mas não vêem vocês. Já repararam isso? Se não repararam
são cegas. Só o puro vê, o impuro deseja, mas não vê. Bem–aventurados os
puros porque verão a Deus, verão as pessoas, verão as belezas. São eles que são
capazes de contemplar um pôr-do-sol, uma lua bonita. São os únicos capazes de
contemplar o borbulhar das ondas, o ruído dos mares, a beleza da terra, o verde
da floresta. O impuro não vê nada, rasteja pelo chão e, rastejando, não pode ver
nada. Como pode alguém ver, metido na lama? Só vê sujeira, só cheira mal. O
puro é capaz de ver longe, intuir o coração mais profundo das pessoas.
82
Jovens, rapazes e moças, namorem jovens puros, porque eles verão seus
corações, verão a beleza que vocês têm, muitas vezes escondida, porque não
está na transparência física do corpo, nas realidades xuxais da existência, mas
mergulhada no mistério recôndito do ser de vocês. Muitas vezes vocês escondem
belezas diante das quais tantos rapazes passam e não vêem. Quanta menina
maravilhosa não é vista! Quanto rapaz maravilhoso não é visto, porque os olhos
impuros não vêem! Jesus diz que só os puros vêem. Amém. (03.11.02)
83
EU ME CONSTRUO NAS MINHAS RELAÇÕES
(Mt 25, 31-46)
87
PEQUENAS UTOPIAS (Is 11, 1-10)
89
MARIA IRRADIA O AMOR DE DEUS PAI
(Lc 1, 28-38)
A festa de hoje confunde muitos cristãos, sobretudo por causa do
Evangelho, que fala da concepção virginal de Jesus no seio de Maria. Muitos
pensam que a festa de hoje é essa, mas não é. Hoje celebramos a concepção de
Maria no seio de sua mãe – a Imaculada Conceição. Como não há nenhum relato
bíblico sobre a concepção de Maria, lemos esse texto.
Quando Maria foi concebida, Jesus não existia. Ninguém sabia que
aquela menina um dia seria Mãe de Deus. Nada foi escrito sobre a sua concepção.
A liturgia toma outro Evangelho para dizer que, se Maria foi imaculada na sua
concepção, foi pela concepção que ela teria de Jesus.
Para nós isso não é possível. Como podemos, antes de acontecer
determinada realidade, fazer com que essa realidade atue em nós? Ninguém
pode fazer com que um fato que irá acontecer daqui a dez anos tenha influência
em nossa vida hoje. Mas para Deus é diferente. Temos que pensar Deus como
alguém que tem diante de si toda a história. Mais ainda: desde toda a eternidade,
a Trindade já tinha Jesus Cristo diante de seus olhos. E é diante desses olhos
que o mundo foi criado. Há quinze, vinte bilhões de anos, o mundo já foi criado
marcado por Cristo, pela sua humanidade. Deus já tinha o seu grande projeto.
Os primeiros homens e as primeiras mulheres, também eles foram marcados por
Cristo. Todos nós fomos marcados por Cristo. Só que a maneira como cada um
foi marcado é diferente. Em nós, essa marca não nos purificou radicalmente.
Trouxemos para a nossa história, para as nossas tradições, a marca do mal, que
chamamos de pecado original. Já nascemos com uma história imensa, dentro de
uma história imensa. Todo o mal cometido antes de nós passa para todos nós.
Mas Deus reservou a Maria uma exceção, uma exceção totalmente
humana. Alguém que, de certa maneira, interrompeu o fluxo de pecado que
continua até hoje. É como uma mancha que suja a todos nós. Mas Ele separou
Maria para que fosse a mãe de seu Filho. Nela não se tocou nada que pudesse
manchá-la. Essa é a maneira de Deus demonstrar o seu amor.
Quando queremos demonstrar amor às pessoas, procuramos dar a elas
poder, glória. Deus não faz assim. Essa é a sua maneira diferente. Ele não glorifica
a quem ama. Jesus viveu simples, humilde, morreu crucificado, foi perseguido. A
maneira de Deus mostrar a sua força é amar. Ele ama tanto uma pessoa que ela
se transforma num foco de amor. Isso é muito mais do que podemos pedir. Em
geral, pedimos emprego, casa, um carro novo. Nada disso é importante. O que
é importante é pedir a Deus que Ele nos ame, que o seu amor nos envolva, nos
pegue por dentro e, envolvidos nesse amor, possamos irradiá-lo.
Desde o instante em que Maria foi concebida, o amor de Deus a envolveu.
Devia ser fascinante encontrar aquela menininha nos seus cinco, seis, dez, vinte
90
anos. Em qualquer idade em que a encontrássemos, estaria irradiando amor,
beleza, paz, porque o amor de Deus a fazia, a constituía. Ela não tinha nada, era
uma mulher simples, provavelmente analfabeta, mas irradiava tanto amor, que é
a mulher mais maravilhosa que jamais existiu. Amém. (08.12.2000)
91
AS PRESENÇAS DE CRISTO NO NOSSO
COTIDIANO (Lc 3, 1-6)
92
deles”(**). Quando nos reunimos para rezar, Ele está no meio. Está aqui, mais do
que nunca, com tanta gente reunida em nome dele. Antes de começar a Eucaristia,
já estava presente. Fez-se presente nas leituras. Presença real, verdadeira, não
fictícia, não imaginária, não sonhada. Ele está realmente presente, porque nós
estamos aqui. Está realmente presente na Palavra proclamada. E estará presente
sob o sinal do pão, do vinho, em todo o conjunto dessa celebração. Três grandes
presenças!
Mas Ele mostrou outra forma de presença, talvez a mais difícil para
nós. Uma presença que acontece em cada pessoa e, sobretudo, naquela mais
desprezível. Quando encontrarmos um bêbado, trocando as pernas, caído no
chão, sujo, se olharmos com o olhar da fé, Ele estará ali. Quando passarmos
pelas ruas obscuras de nossas cidades, também estará lá: naquelas pessoas
deprimidas, estragadas, gastas por tanto sexo sem vida, sem carinho, sem
ternura. Estará escondido nos velhos que já nem distinguem o dia da noite. Isso
é impressionante!
Essa é a única fé que mostra isso. Ele está de muitas maneiras, pedindo
a nossa compaixão, pedindo uma palavra firme de nossa parte, de clareza, de
clarividência. Não de submissão ou de complacência pelo erro. Temos que
aprender a distinguir um juízo forte contra o erro e um carinho imenso para com
o que erra. Quem erra merece perdão, o erro não. O crime é crime, a maldade
é maldade. Mas a pessoa que a pratica, muitas vezes, age enganada, nas suas
buscas desregradas. Ela merece mais compaixão do que julgamento. Também no
criminoso está Cristo, escondido em tanta miséria. Ele merece, de nossa parte,
compaixão e misericórdia. É isso que João Batista vem dizer.
Diria ainda uma palavra para vocês, jovens e adolescentes. Vocês, filhos
dessa geração 90/2000. Uma geração diferente. Nós conhecemos a geração 60,
uma geração que pensou transformar o mundo nos mais diversos países. Nos
Estados Unidos, que tanto criticamos, toda uma juventude se revoltou contra a
guerra do Vietnã e conseguiu acabar com ela. Não foi um míssil que acabou com
a guerra, mas a força dos jovens americanos, que mexeu com os Estados Unidos,
e o presidente não teve mais moral de conduzir uma guerra vergonhosa. Vocês
têm nas mãos a força de transformar esta sociedade alienante e alienada em que
vivem. Vocês podem ser o toque que fará a diferença, o toque que incomodará
os acomodados. Esta é a missão que João Batista lhes traz: anunciar no meio do
povo a presença real e verdadeira do jovem Jesus. Amém. (09.12.2000)
93
PELA PALAVRA CRIAMOS SOLIDARIEDADE
(Is 35, 1-6a.10/Tg 5, 7-9/Mt 11, 2-11)
As três leituras de hoje jogam com o que chamamos de sinais. O nosso
povo e a nossa cultura atualmente estão cada vez menos ligados aos sinais.
Antigamente, os médicos não tinham os aparelhos de hoje e trabalhavam muito
com sinais, o que chamamos de sintomas. Atendiam um doente, auscultavam,
ouviam os sintomas para chegarem a um diagnóstico. Assim também a Escritura
trabalhou muito. Viam alguns sinais externos que apontavam uma outra realidade
que os olhos não podiam ver. Vejamos Isaías, depois Tiago e depois Jesus.
Em Isaías, um povo está na escravidão. Foram arrancados de Israel
e levados para o cativeiro na Babilônia. Naquela época, os cativeiros eram
violentos, massacravam as pessoas. Ainda não havia os Direitos Humanos, a
Anistia Internacional, e o povo estava no desespero. O profeta quer anunciar
que o mundo vai melhorar e escolhe o sinal de um cego que vê, de um surdo que
ouve, para dizer que alguma coisa será diferente. Os leprosos daquela época eram
afastados, portavam uma campainhazinha, para que ninguém se aproximasse.
Eles imaginavam que a hanseníase era uma doença extremamente contagiosa, e
o profeta anuncia que os leprosos serão limpos. Todos esses sinais são para dizer
algo maior. As coisas melhorariam. De fato, o povo de Israel deixa o cativeiro
da Babilônia e volta para a sua terra. Depois ainda seriam escravizados pelos
gregos, pelos romanos. Só em 1947, já bem próximo de nós, foi criado o Estado
de Israel. Desde o ano 70 até 1947, esse povo viveu errante pelo mundo inteiro e
sofreu todo tipo de perseguição. Tanto na Idade Média até o terrível holocausto
de Hitler, na Segunda Guerra Mundial.
Tiago também diz da chuva, símbolo da planta que cresce. Principalmente
para o povo de Israel, que vivia num deserto, a chuva era uma festa, porque
então haveria alimentos em abundância. Não temos idéia, porque aqui chove
muito. Mas para Israel a chuva era sinal de uma mudança da natureza. Tiago
imaginava, como todo o povo de Israel, que o fim do mundo chegaria logo. Ele
está anunciando que o mundo irá acabar. De fato, o mundo não acabou, porque a
vinda de Jesus não é fim de mundo, mas acontece a cada momento da história.
Jesus retoma os mesmos sinais de Isaías e aplica a Ele mesmo, dizendo
que, com aqueles sinais, começaria um mundo novo. E para nós? Estamos vivendo
1998 e é hora de perguntar para esta comunidade, para esta Igreja Católica, que
sinais ela dá de que alguma coisa nova está acontecendo. Será que é tudo velho?
Será que não temos nenhuma novidade para comunicar às pessoas, nenhuma
alegria, nenhuma festa, nenhum horizonte melhor ou será que já brota, entre nós,
pequenos sinaizinhos, brotos verdes de esperança?
O grande sinal é a fraternidade, porque a característica mais forte da
modernidade é o individualismo. A nossa cultura tende a ser cada vez mais
94
individualista, com os meios eletrônicos, mais ainda. Já citei um fato ocorrido
com um jovenzinho que terminara a quarta série e pretendia entrar num desses
cursos organizados por empresários. Ele, muito inteligente, passa em todas as
provas intelectuais e é reprovado no teste de relações humanas, porque não tinha
capacidade de se comunicar com as pessoas. Já cedinho, ligava o computador e aí
ficava o dia todo, mas “conversava” com pessoas que não existem. Essa é a marca
terrível da nossa sociedade. E que sinal temos que mostrar? A solidariedade, o
espírito comunitário. Se não batalharmos neste nível, o risco de a humanidade se
destruir é grande, muito mais do que imaginamos. Hoje é muito difícil as pessoas
se relacionarem.
Um filósofo dinamarquês – portanto, de um país frio – comparava-nos
com um porco espinho. Quando nos aproximamos, nos espetamos. E quando
nos afastamos – isso na Dinamarca – morremos de frio. Isso é o símbolo do
individualismo. Não se aproximam e morrem na solidão dos invernos terríveis.
Nós não temos os invernos frios da atmosfera, mas temos invernos mais rigorosos
ainda: da afetividade. Muitas vezes na família, no nosso trabalho, na total
incapacidade de nos comunicar. Vemos tantas famílias que almoçam em silêncio,
porque não sabem o que falar. Pessoas que viajam juntas e não têm uma palavra
para dizer. Não porque não saibam conversar, mas porque o coração não é capaz
de exprimir uma palavra. É pelo calor da palavra que criamos solidariedade. Esse
é o grande apelo de abertura para nós, no século XXI. Amém. (12.12.98)
95
PREPARAR PARA A FESTA JÁ É FESTA
(Lc 3, 1-19)
Podemos nos perguntar: por que esse Evangelho bem próximo do Natal?
Esse fato aconteceu quando Jesus já era adulto, e nós estamos nos preparando
para o seu nascimento. Já lhes disse em outras vezes que a liturgia embaralha três
adventos de Jesus.
Em primeiro lugar, vejamos a palavra advento. Vem do verbo venire – vir.
Ad é para junto. Ele vem para junto de nós. No primeiro advento, Ele vem para
junto de Maria, de José, dos pastores, depois para os reis magos, para as pessoas
que estavam lá. No segundo advento, vem para os adultos, para os quais vai
pregar, em sua vida pública. Adventum – Ele virá um dia, como Senhor absoluto
de toda a história e estará ao lado de cada um de nós, em sua transparência
fulgurante. Será o olhar mais límpido que iremos receber na vida. Não de medo,
mas um olhar belíssimo. O olhar do Cristo glorioso!
Eu imagino como se fôssemos um cristal que está numa sala escura, onde
ninguém se dá conta de nossa existência. De repente, uma lâmpada se acende, a
luz entra por dentro do cristal e ele se ilumina por si mesmo. Fica todo banhado,
envolto em luz. Nós somos esse cristal: com muita jaça, muita mancha, alguns
quebrados. Somos cristais do Paraguai. É a nossa história, mas não faz mal,
estamos sendo lapidados, e, no dia da terceira vinda, esse cristal será iluminado.
Então aparecerá bonito, sem nenhuma jaça, sem nenhuma mancha. Até lá, temos
as vindas de Jesus a cada dia e a cada momento. E é dessas que o Evangelho está
falando.
Fala da vinda de Jesus no cotidiano. Só que, antes de Ele chegar, Deus
mandou João Batista para que anunciasse e preparasse a vinda de Jesus. E João
é muito realista. Não fazia discursos abstratos, técnicos. Cada pessoa que ouvia o
seu sermão percebia que alguma coisa de importante iria acontecer. João Batista
anunciou, no horizonte da história daquele povo, um fato fundamental que estava
para acontecer. Era a chegada de Jesus adulto. Eles ainda não o conheciam, mas
João já havia intuído, já havia percebido. Começa a anunciar e faz comparações
entre ele e aquele que viria. Ele já era grande, já impressionava todo mundo.
Pregava com coragem e energia, já tinha passado anos no deserto, já tinha-
se preparado na oração, no recolhimento, na contemplação. Tinha um olhar
fulgurante, que enfrentou o Herodes maior, o velho, e por isso seria assassinado.
Ele não tinha medo de ninguém, de tal maneira que as pessoas achavam que já
era o Messias.
Mas Ele diz que aquele que viria depois era tão grande, que ele não
era digno de abaixar-se e fazer o trabalho do escravo, que é desatar e tirar as
sandálias de seus pés. Ele jogava água sobre as cabeças, mas o seu rito não tinha
96
força. A única força era de quem o recebia, quando queria mudar de vida. O rito
que Jesus criaria seria outro batismo. É água, mas uma água tão forte, teria tanta
graça, que poderia ser comparada com fogo. Por essa água nós passamos, e, por
ela, o Espírito Santo nos embebeu. Que imagem bonita! Ele é alguém que todos
nós esperamos.
Aí começam as perguntas: o que devemos fazer? Cada um que chegava
perguntava. E João ia dando respostas bem concretas. É como se cada um de
nós chegasse diante do Senhor e perguntasse: nesta preparação do Natal, o que
devemos fazer? Só nós sabemos responder. Cada um encontrará, no seu mundo,
na sua casa, no seu lugar de trabalho, a resposta para essa pergunta. A resposta não
é geral, não é genérica, mas é pessoal e concreta. O que será dividir a túnica em
duas? Não será tratar bem as pessoas? Será não extorquir dinheiro, como faziam
os soldados daquela época? A cada um ele dizia uma palavra bem concreta.
Se João Batista estivesse aqui, diria para cada um de vocês que a resposta
está em cada coração. Grande gesto já é essa preparação. Preparar para a festa
já é festa. Nestes dois domingos que nos separam do Natal, sobretudo nesse ato
penitencial da confissão comunitária, procuremos nos limpar, nos lavar, trazer
o coração puro, para recebermos nos braços o Jesus que nasce. Talvez por aí,
estaremos começando a nossa grande festa. Amém. (13/12/97)
97
SER PROFETA NO COTIDIANO (Jo 1, 6-8. 19-28)
Quando lemos esse Evangelho, essa narração de João, estamos muito
distantes dos acontecimentos históricos, porque João escreveu quando já tinha
noventa anos. Já havia os outros evangelhos escritos, e ele tinha uma tese
em sua cabeça, como diríamos em linguagem moderna. Para prová-la, vai
organizando os acontecimentos. Por isso, modifica bastante o que aconteceu, na
sua materialidade, para dar-nos um significado diferente. A figura de João Batista
fica um pouco evidente. Jesus, o Messias, e João, o que vai anunciar. Portanto,
é uma coisa óbvia que ele fale o que falou. Mas, se nos aproximarmos dos fatos
históricos, veremos que a realidade era bem diferente.
Em primeiro lugar, João Batista não sabia bem quem era Jesus. Ele se
encontrou diante de várias propostas de messianismo e teve de fazer uma coisa
importante. Teve lucidez para ir percebendo por onde caminhava a realidade.
Isso é que é ser profeta. Profeta não é aquele vidente, aquele que joga búzios e
prevê grandes catástrofes, grandes acidentes. João não adivinhou nada, pois não
era nenhum vidente, mas lúcido. A palavra lúcido, em português, tem, em sua
etimologia, a palavra luz. Lúcido é quem é iluminado. E, sendo luz, começou
a perceber inúmeros caminhos. Os fariseus – legalistas demais – não poderiam
ser caminhos de Deus. Também não poderia ser caminho aquele mosteiro lá
em Qumran (*), que era muito fechado. Também os nobres, em seus palácios,
vestidos de seda, não levariam ao Messias. Ele foi vendo, olhando, discernindo,
até que encontrou um homem simples, direto, imediato, livre, transparente, que é
Jesus. E conclui que só poderia ser Ele, não outro. Era tão diferente dos fariseus,
dos saduceus, dos herodianos, dos legalistas, dos mestres da lei. Tão diferente de
todos esses grupos. Só pode ser Ele. E por quê? Porque é Ele que se aproxima do
cotidiano das pessoas e começa, a partir do cotidiano de cada pessoa, a indicar o
caminho que se deve seguir. Esse é o verdadeiro profeta.
Profeta é o professor que fica bem perto do aluno, capta seus desejos,
suas dificuldades, seus problemas e começa a dizer: “Jovem, não vá por aí, mas
por aqui!” É o pai ou a mãe que, quando vêem seus filhos crescendo e percebem
que eles estão desnorteados, dizem: “Meu filho, esse caminho não te leva à
felicidade”. Profeta não é só João Batista, não é só Elias. Profeta somos todos
nós, desde que tenhamos coragem de dizer a verdade, coragem de saber qual
o momento em que devemos sair para que o outro cresça. É necessário que eu
desapareça, para que o outro cresça. No momento em que o filho começa a criar
asas, já adulto, os pais profetas se retiram para que ele continue o seu caminho.
O profeta não pode ficar muito tempo. Deve aparecer e retirar-se, chegar e sair.
É esse jogo que João Batista está fazendo. Ele se retirará, e Jesus continuará sua
missão. Aí se mostra o verdadeiro profeta: anuncia, mostra, respeita a sua vez. O
profeta é do cotidiano, não é de coisas gigantescas.
Mostre que você é cristão, quando dirige um carro, no trato com o
98
outro, respeitando a convivência, e perceberão que você é diferente. O cristão é
aquele que, em seu cotidiano, vai tecendo a coisa mais comum, mas de forma tão
diferente, tão original que os outros levarão um susto. Como quando encontramos
um médico que acolhe bem o paciente, um funcionário público que atende com
solicitude e paciência, que acolhe com um sorriso.
Seremos profetas nesta sociedade, sendo diferentes, e todos perceberão
através do nosso abraço, do nosso sorriso, da nossa acolhida, do nosso olhar
diferente. Cito uma carta antiga, e seria bom se vocês a conhecessem. Chama-se
“Carta a Diogneto”, cujo autor não sabemos quem é. Essa carta diz que naquele
momento – provavelmente, no segundo século – os cristãos viviam exatamente
como os outros, mas todos tinham um olhar diferente, porque se faziam na
diferença. Seremos profetas, se olharmos as pessoas para percebê-las no nosso
cotidiano. Que tenhamos, na maneira de tratar, falar, acolher, abraçar, olhar nos
olhos das pessoas, um olhar de quem recebe, perdoa, acolhe, que não tem medo,
que não rejeita. Sejamos profetas, assim como João Batista. Amém. (14.12.02)
99
SOMOS TESTEMUNHAS DA LUZ
(Jo 1, 6-8.19-28)
No domingo passado lemos praticamente essa mesma cena, só que
descrita por um dos sinóticos. Sinóticos são aqueles três Evangelhos: Marcos,
o primeiro, Mateus e Lucas. São chamados sinóticos porque têm uma estrutura
semelhante. Sinótico vem de sinopse, de tal maneira que podemos colocar os
três Evangelhos, um ao lado do outro e perceber as pequenas diferenças. João
tem uma estrutura muito diferente. Não cabe na sinopse, tem outro estilo, outra
maneira de pensar, de falar. Primeiro, porque escreveu o seu Evangelho depois
que os três estavam escritos. Segundo, porque escreveu bem mais tarde, já com
noventa anos de idade. Terceiro, porque escreveu noutro contexto cultural, já
com influência grega, da Ásia, por onde andava.
Nesse Evangelho, a idéia principal não é descrever os acontecimentos,
como fez Mateus: como João Batista se vestia, onde esteve, o que comia. Ele
deixa tudo isso de lado. O que interessa para João é a Teologia. Ele é teólogo
por excelência e, por isso, quer saber qual a idéia mais importante que temos
que colher desse acontecimento. A idéia que fale de Deus: quem é Deus, quem
é Jesus e quem somos nós. Isso é Teologia! São as três perguntas que a Teologia
responde e João quer também respondê-las.
Ele coloca grandes imagens: gosta da luz e da água, as duas grandes idéias
que atravessam todo o seu Evangelho. Ele é fascinado pela luz! Para os antigos,
a luz era das imagens mais fortes. Hoje temos luz elétrica e, praticamente, não
sabemos que coisa é escuridão. Só quem viveu na roça pode compreender o que
é escuridão. Quando o sol se punha e vinha a noite, sem luz elétrica, a escuridão
fechava tudo. A luz tinha, então, uma importância enorme. Quando estamos num
lugar escuro, a luz diz de orientação, por onde podemos caminhar. É força, é
alegria, é esperança.
Pois bem, é nesse contexto bem antigo, sem luz elétrica, que João vai
falar de luz. E joga com duas idéias: quem é a luz verdadeira e quem vai dar
testemunho da luz. A luz é Jesus, e sobre isso João não tem dúvidas. Não quer que
ninguém saia com outra idéia da cabeça. Ele coloca do início ao fim que Jesus é
a luz. Enquanto houver luz, poderemos caminhar. Se ela acabar, cairemos num
buraco. João é fascinado por essa idéia: se não tivermos fé, se não tivermos Jesus
em nossa vida, caminharemos na escuridão. Seremos cegos, cegos de nascença
– como naquele Evangelho (*), um dos símbolos mais bonitos de João. Ele não
está descrevendo nenhum milagre, mas colocando quem somos nós: cegos de
nascença.
Quando a escuridão oprimia a humanidade, aparece João Batista. Agora
já não é mais um profeta, como falava Mateus. João Batista vai significar quase
nada, porque o que interessa é Jesus. Ele existe, como um pequenino que tinha
100
um dedo em riste, apontando para Jesus. Toda a idéia do Evangelho é de que
tudo converge para que João Batista aponte e mostre quem é Jesus. João Batista
somos todos nós aqui. Isto é o que João, o evangelista, escreve para nós: que nós,
cristãos, temos a vocação de ser João Batista! A nossa única vocação na Terra, a
maior vocação que temos é apontarmos Jesus para os nossos filhos, apontarmos
Jesus para alguém. Nesse momento, descobriremos a nossa vocação. Talvez
muitos cristãos atravessem toda a vida sem nunca terem digitado Deus, a não ser
nos computadores. Sem nunca terem mostrado, com o seu dedo, quem é Deus,
quem é Jesus aos seus irmãos. Esqueceram-se da sua vocação fundamental.
Esse João Batista, do Evangelho segundo João, o evangelista, é aquele que nós
devemos ser para a comunidade.
Que cada cristão, cada pessoa, cada cidadão, nos vendo, percebam que
somos João Batista, apontando para quem é Jesus. Nós somos testemunhas da
luz, não somos luz. Somos muito escuros, mas somos da luz. Nossa vocação
é, como diz o próprio João Batista, que Ele cresça e nós diminuamos. E João
Batista, no Evangelho de João Evangelista, é essa figura de despojamento,
que não quer poder nenhum. É o grande modelo dos padres, que querem ser
poderosos e mandões. Não, sumam e deixem que Cristo apareça! É um chamado
de Deus para todos nós. João Batista não quis ser nada. Quis ser apenas a voz
que clama, uma voz que passa. O clamor tem importância não pelo clamor, mas
pela realidade pela qual ele clama. Nós clamamos pelo Senhor. É para isso que
falamos. Nesse Evangelho, João Batista é um modelo para nós, cristãos. Amém.
(18.12.99)
(*) Jo 9, 1-41.
101
DEUS PREFERE O SILÊNCIO DA NOITE
(Is 9, 1-6/Lc 2, 1-14)
Será que Deus poderia ter encontrado outra maneira mais maravilhosa
e, por outro lado, tão simples, para nos revelar quem Ele é? Se fôssemos Deus,
talvez tivéssemos encontrado outros meios, porque os seres humanos gostam de
pompa, glória, barulho, movimento. Deus escolheu a forma mais simples, mais
inocente, menor: uma criança! Ele escolheu a noite!
Vocês já repararam que as duas grandes festas do Cristianismo – a festa
que começa e a festa que encerra a vida de Jesus – aconteceram à noite? Nasceu
numa noite e ressuscitou numa noite. Deus escolheu a noite para se revelar
porque prefere o silêncio, a contemplação, a profundidade, a tranqüilidade. Ele
gosta muito dos sonhos, gosta muito das pessoas que são capazes de pensar,
de imaginar uma coisa maior. A noite é o momento da meditação. Os monges,
sobretudo os mais severos em sua disciplina, se levantam todas as noites, vão
para os seus templos e lá passam horas rezando. Há congregações, como das
Clarissas, que em todas as noites, ininterruptamente, existe uma irmã rezando,
passando toda uma noite em contemplação. Enquanto a maioria da humanidade
dorme, existem lâmpadas acesas de fé, de oração, rezando por todos nós. Deus
tem uma paixão imensa pela noite.
E que meditação mais linda fizeram aquelas duas pessoas, depois
de Jesus, as pessoas mais maravilhosas que conhecemos: Maria e José! Não
podemos imaginar Maria, a não ser naquele êxtase maravilhoso, olhando para
aquela criança, que era mais que uma criança. Como dizia o profeta Isaías:
“Emanuel, Deus Conosco!” Quando Maria olhou para aquela criança pequena,
ela viu o infinito lá dentro. Foi a primeira que adorou Deus na fragilidade da
carne. E eu acho que aí está o maior mistério: Deus escolheu entrar na nossa
história, na coordenada tempo/espaço e não quis ser exceção em nada. Jesus não
quis nenhum privilégio para si. Submeteu-se à lei do imperador romano. Aquele
homem, lá de Roma, dá uma ordem, para que todos os homens se recenseassem
em sua terra. Maria obedece. Jesus, dentro de Maria, obedece.
Maria e José não protestaram. Não disseram que traziam o rei, o Filho
de Deus, e que não precisariam obedecer ao imperador. Fazem uma viagem dura,
durante o inverno, atravessando regiões inóspitas, até chegar a uma cidade, em
que não sabiam onde passar a noite. Também não tiveram privilégio, nenhum
automóvel para conduzi-los, nenhum hotel de cinco estrelas, nenhuma banda de
música tocando, nenhuma faixa para saudá-lo. Tiveram que bater de porta em
porta e receberem um não depois do outro. Maria e José se olhavam, naquela
agonia terrível, se perguntando onde iria nascer o Filho de Deus, se nenhuma
casa se abria? E lembrem-se que José era daquela região. Deveria ter parentes
por lá, e nem eles os receberam.
102
João diz, logo no início de seu Evangelho: “Ele veio aos seus e os seus
não o receberam” (*). Os seus podem ser os judeus, pode ser a humanidade, pode
ser também a sua família, que deveria estar presente em Belém, porque de lá era
José. As portas foram-se fechando. Eles não tinham dinheiro, não poderiam pagar
muito, e o momento era ótimo para o comércio. Tinha muita gente, e poderiam
cobrar mais pela hospedagem. Eles receberam o que recebem todos os pobres,
que não podem pagar: um grande não e a porta fechada. Jesus não foi exceção.
Dentro de Maria, já foi rejeitado.
Quando nasce, também não recebe nada. O que teria Maria para
oferecer? Pedaços de pano. Dizem que ele foi envolvido em trapos. Cama, casa,
quarto? Não. Submeteu-se à lei da História. Esse é o mistério do Verbo. Não
vai ser exceção em nenhum momento da vida. Assim irá crescer até a idade
adulta e assim irá morrer. Quando é condenado à morte, nenhum anjo desce do
céu. Esses anjos, que o evangelista colocou, não são anjos que vieram amparar
Jesus. Os anjos somos nós, hoje. Quando o anjo diz que o céu se alegrou, é uma
belíssima maneira de o evangelista dizer que todos nós somos os grandes anjos,
que estamos cantando. Pois, certamente, o nascimento de Jesus foi no silêncio,
no choro, no frio, no abandono. Esse é o seu nascimento real. Mas o nascimento
que hoje queremos para Ele é esse que o evangelista nos descreve: com os coros
angélicos, os pastores vindo. Os pastores, que somos nós.
A grande lição desse Evangelho é um Deus tão perto de nós e nós, tão
longe de Deus. Amém. (24.12.99)
103
A SACRALIDADE DA FAMÍLIA
(Eclo 3, 2-6.12-14/Cl 3, 12-21)
Hoje é o domingo da família. É um tema que preocupa muito a sociedade
e a Igreja. Dele se ouve falar muito, e foi abordado nesse encontro que houve no
Rio de Janeiro (*), em que um grupo de teólogos e cientistas sociais estudaram
a família. O papa veio, de certa maneira, dar apoio a esse grande encontro
mundial.
Um filósofo latino – Marco Túlio Cícero – escreveu uma frase que ficou
célebre. Dizia que “a história é mestra da vida”. Isto é, lendo a história, nós
aprendemos. Por isso, o povo que não faz história não guarda a história, e as
pessoas que não estudam história cometem muitos erros, porque repetem os
erros dos outros.
Um historiador resolveu fazer uma pesquisa para entender porque
o Império Romano, que era tão grande e poderoso, de repente, desabou sob a
invasão dos bárbaros. Os romanos eram muito mais cultos, tinham muito mais
poder que os bárbaros, que vinham das regiões nórdicas, pouco civilizadas,
ainda nem usavam roupa direito. Pois eles entraram em Roma e a destruíram,
derrubando o Império.
Uma das razões da queda do Império Romano e também das quedas dos
nossos impérios, que também desabarão se não aprendermos com a história, é que
a família romana foi perdendo os seus lares. Daí vem a palavra portuguesa “lar”.
Os lares eram as divindades que presidiam a família. Cada família tinha uma
espécie de altarzinho, onde cultuavam seus deuses e esses eram muito próximos.
Estavam ali, acompanhando esposos, filhos e havia uma certa intimidade com
eles. Isso dava às famílias uma solidez, uma sacralidade, uma força muito grande.
Pouco a pouco, o Império Romano foi tornando-se poderoso e arrancando os
deuses dos lares. Começaram a levá-los para as cidades, portanto, um pouco
mais distante, até estabelecer os deuses do Império. Quem for a Roma poderá ver
o Pantheon, onde colocaram todos os deuses, já distantes das famílias. A família
começa a perder a sua sacralidade, a presença divina em seu interior. Começa a
desarticular-se, desatar-se, desunir-se e, lentamente, o Império Romano desaba.
Ontem eu citava um país europeu que estava para desaparecer: a
Dinamarca. Os demógrafos previam que, em décadas, o país iria desaparecer,
porque não nascia ninguém. As famílias não se constituíam e, praticamente,
só havia estrangeiros chegando e ocupando o país. Mas, recentemente, houve
uma guinada. O governo acordou para esse fato, para a gravidade de não se ter
filhos. Começaram uma campanha gigantesca. Como é um país rico, tentou e
conseguiu incentivar os casais a gerarem filhos, através de concessão de grandes
privilégios.
Mas, o mais importante não é a constituição orgânica, porque os animais
104
também procriam e não constituem família. A família se constitui pelos laços e
relações. O que a estabiliza é a sacralidade. Quero voltar novamente ao Império
Romano. Eles tinham seus deuses. O Cristianismo chegou e acabou de liquidar
o Império Romano, ao trazer o seu único Deus Trindade que, de certa maneira,
era distante da concepção de muita gente. A família ficou sem sacralidade. Mas
a Igreja é inteligente e percebeu que precisava de uma sacralidade próxima. Aí
trouxe os santos, os anjos-da-guarda, as orações, e essa sacralidade conservou a
família, de certa maneira, grudada, e ela foi atravessando séculos.
Nas últimas décadas houve uma violenta secularização, isto é, a perda
do sentido do sagrado de todas as realidades e, principalmente, da sacralidade
da família. Quando isso acontece, a família perde o seu ponto de referência
fundamental. Aí não há mais respeito entre ninguém, porque falta o valor que
ultrapassa o capricho de cada um de seus membros. Toda vez que não temos
uma referência maior que nós, pela qual orientamos as nossas ações, que são
critérios de juízo de nossas ações, somos levados a uma rápida decadência. No
momento em que a família perde essa sacralidade, perde o valor. O pai não é
mais autoridade.
Peço licença à etimologia para dizer que a palavra autoridade vem de
auctoritas, em latim. Vem do verbo augére, que significa crescer. Autoridade
é aquilo que faz alguém crescer, porque tem uma força que é maior. Portanto,
uma força sagrada. O pai e a mãe, na família, são autoridades indeclináveis e
dela não podem renunciar. Se renunciarem, pensando que é democracia, ficando
iguaizinhos aos filhos, destruirão a família. Tiram deles o necessário ponto de
referência. Os filhos viram moluscos, amebas. Ficam moles, porque não houve
uma estrutura que os organizou por dentro. Eles precisam conhecer, ao mesmo
tempo, a imensa ternura dos pais, mas também a sua imensa força. Se a criança
não encontra pais firmes, que cedem a qualquer bombom, que são comprados
pelos desejos da criança, essa criança será destruída e os pais se esquecem
disso.
Conversava com um lojista – olhem a sabedoria desse lojista! – e ele me
dizia que as pessoas que dão os presentes mais caros não são os mais ricos. São os
pais e mães separados. Dão presentes maiores, na tentativa de suprir a presença
com presentes. A coisa comprada é o braço esticado da falta da presença, da
falta do amor. Se numa sociedade o presente de Natal, de aniversário, substitui
o carinho, a presença, estamos caminhando para a pura decadência, porque a
coisa nunca substitui a pessoa. É muito mais importante que os pais encontrem
e conversem com os seus filhos e digam: “Meu filho, o presente será pequeno,
mas será dado com todo o carinho”. Isso vale muito mais que um pacote enorme
que chega pelo correio, sem que, ao menos, o pai apareça em casa para levar o
presente. A criança fica feliz por alguns instantes, com aquele presente enorme,
talvez vindo do exterior, pelo correio, mas o vazio, o tédio enorme daquele pai
ausente, corta-lhe o coração.
105
Temos que voltar a descobrir a imensa sacralidade, a autoridade do pai
e da mãe, que não é nem autoritarismo, nem arbitrariedade, nem capricho. Não
é o pai impor o que ele quer. É conversar, é explicar. Como diz Freud, é colocar
diante da criança o princípio da realidade. Nada educa mais que o princípio da
realidade.
Outro dia, assisti a uma cena belíssima. Era uma mocinha universitária
carioca, portanto, da cidade mais liberada do Brasil. Estava hospedada na casa
onde eu estava, participando de um congresso de arquitetura. Apareceu uma
carona para ir de São Paulo ao Rio. Telefona para os pais e diz que voltaria com
um amigo, de carona. O pai lhe diz: “Não, você não vai voltar com esse rapaz.
Não sabemos quem ele é. A sua vida é muito preciosa. Nós a amamos demais
para entregá-la a qualquer desconhecido”. Não foi autoritarismo nem capricho,
mas amor. A vida da filha é que importava. Não é o pai, a mãe que, simplesmente,
proíbem. Ela toma o ônibus na rodoviária e os pais a encontram no dia seguinte.
Qualquer pai banana acharia ótimo que a filha encontrasse uma carona com um
colega, que poderia se espatifar, depois de se embebedar pelo caminho. Depois
chorariam a tristeza e o vazio pelo resto da vida. Os pais dessa família carioca,
de classe média, professores universitários, passaram-me uma consciência clara
da autoridade deles. Disseram não para uma filha, que não era nenhuma criança,
mas deram razões para a negativa e, nessas razões, mostraram autoridade. Não
foi um simples “não quero”. Não quero não é argumento. O argumento deve ser
racional e ter a verdade como lógica. A única coisa que nos liberta é a verdade. A
mentira nos destrói. Quando os pais mentem para os filhos, ao invés de fazerem
bem, destroem. A verdade, o princípio da realidade é que educa. Pais que abdicam
de sua autoridade fazem mais mal a seus filhos, não resolvendo aquele carinho
frouxo que pensam que têm. Amém. (28.12.97)
106
FÉ E RELIGIÃO NO TERCEIRO MILÊNIO (*)
FÉ E PRÁTICA RELIGIOSA
A leitura que fazemos do sentimento religioso vai além. Quem nos
constitui com esse sentido religioso é a própria Trindade. Este Deus, que é trino,
nos chama para uma relação pessoal com Ele que só se realiza plenamente no
114
momento em que assumirmos em clareza e explicitação essa relação. Se eu falo
para um auditório onde eu conheço o nível de fé, posso falar aquilo que K. Rahner
chama “o cristão anônimo”. Quem vive uma dimensão religiosa, mesmo não
tendo fé, vive uma fé anônima. A dimensão religiosa só é real se é relação com
o mistério, com a transcendência. E só há transcendência em Deus. Mesmo para
quem não sabe que Ele é trino, mesmo para quem não sabe o que é Igreja. É um
só e com Ele eu me relaciono, mesmo que eu não saiba. Portanto, a dimensão de
fé atravessa tudo. Só que não atravessa com a palavra fé. Quando uso a palavra
fé, preciso de uma instância de revelação que me diga, me nomeie essa realidade.
A revelação nomeia essa realidade. E para isso diz Santo Agostinho: “Inquieto
está o nosso coração, Senhor, até que descanse em ti!” Essa inquietude está em
todos. Quando ele era jovem, buscava, desvairado, todas as belezas. No fundo,
buscava fora o que estava dentro. E ele continua: “Oh, Beleza Infinita, tarde te
amei! Eu te procurei em todas as coisas fora de mim. Tu és o mais interior e
sublime de mim mesmo”.
FÉ E RAZÃO
Interessante é que João Paulo II começa a sua encíclica Fides et ratio
com uma comparação semelhante. As duas asas: da ciência e da religião. Eu creio
que estamos neste momento em que a ruptura violenta entre fé e religião, por
desinteligência de ambas as partes, já não é problema para o diálogo de grandes
cientistas e teólogos inteligentes. Não há mais lugar para uma fé que não entenda
a ciência e também para uma ciência que não chega tão junto, para conhecer o
ser humano. Como posso falar de pecado se eu não conheço Psicologia? Também
dizer que com a Psicanálise eu resolvo o perdão é não entender a fé.
117
QUAL O FUTURO DO CRISTIANISMO?(*)
129
Índice Remissivo
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Espiritualidade Inaciana IV 143
Juventude – Memória e Sonho I 14
Deus Pai IV 156
A Arte de Formar-se IV 123
Qual o Futuro do Cristianismo? V 118
Refletindo a Vida V 59
Fé e Religião no Terceiro Milênio V 107
Sinais do Reino de Deus em Nossa Realidade 1Cor 7,29-31 II 25
A Beleza na Diversidade 1Cor 12, 4-11 IV 14
Nosso Valor Está na Singularidade 1Cor 12,12-30 III 25
Amar a Face Escura 1Cor 12,31-13,3 I 20
A Verdadeira Experiência do Amor 1Cor 13,1-8 I 22
Nossa Vocação é Criar as Relações 1Cor 15,1-11 I 24
Maria Traz para a História Sementes de 1Cor 15,20-27 IV 72
Eternidade
Só Descobrimos o que Já Temos 1Rs 3, 5.7-12 IV 65
Eucaristia é Participar da Intimidade de Deus 1Rs 19, 4-8 IV 70
Barcas ao Mar 1Rs 19,9.11-13 III 97
A Grande e Total Presença 1Rs 19,9a.11-13a II 148
O Chamado que Desacomoda 1Sm 3, 3-10,19 II 20
A Teologia nos Descortina Horizontes Infinitos 2Mc 7, 1-2.9-14 IV 104
O Amor Reconstrói por Dentro 2Sm 12, 7-10,13 I 104
A Igreja Precisa de Pedros e Paulos 2Tm 4, 6-8.17-18 II 77
Quem Eu Sou Perante Deus 2Tm 4, 6-8.17-18 III 80
Autoridade x Poder Am 7,12-15 II 86
Deus nos Dará Aquilo que Somos Ap 7,2-4.9-14 III 132
Cordeiros e Pastores Ap 9,14b-17 I 94
A Transformação Passa Por Dentro de Nós Ap 12, 1-5.13.15-16 V 76
Ascensão é o Mistério da Ausência At 1, 1-11 IV 43
Nós Precisamos de Tempo At 1, 1-11 I 78
Babel x Pentecostes At 2, 1-11 I 85
Um Outro Pentecostes At 2, 1-11 I 83
A Vida Sem o Espírito Santo At 2, 1-11 V 26
Locomotiva, Trilho e Destino At 2, 1-11 II 57
Pentecostes: História e Limite At 2, 1-11 I 81
Pentecostes Cria Comunidade At 2, 1-11 IV 46
130
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Jesus Não Deu Conta At 2, 1-11 IV 37
Pedro e Paulo At 12, 1-11 I 106
Percebendo o Anjo em Nossas Vidas At 12, 1-11 I 98
Quem Eu Sou Perante Deus At 12, 1-11 III 80
A Igreja Precisa de Pedros e Paulos At 12, 1-11 II 77
Igreja Plural At 15,1-2.22-29 III 72
A Sacralidade da Família Cl 3,12-21 V 104
A Importância da Família Cl 3,12-21 I 130
O Alicerce da Autoridade é a Verdade Cl 3,12-21 III 154
Alegria se Celebra com Alegria Dt 5,12-15 III 43
A Felicidade Nas Coisas Simples Ecl 1, 2.2,21-23 V 46
O Alicerce da Autoridade é a Verdade Eclo 3,2-6.12-14 III 154
A Igreja Começa na Família Eclo 3,2-6.12-14 III 152
A Sacralidade da Família Eclo 3,2-6.12-14 V 104
A Família Precisa de Ritos Eclo 3,3-7,14-17a II 144
Fé e Razão Ef 3, 2-6 III 15
A Quem Iremos? Ef 5,21-32 II 81
A Transformação Passa Por Dentro de Nós Est 5, 1-2; 7,2-3 V 76
Deus Age Através de Nossas Ações Ex 3, 1-8a,13-15 V 23
Um Nome Não É Simplesmente Um Nome Ex 3, 1-8a,13-15 I 39
A Pergunta que Nos Move Ex 17, 8-13 II 114
Jesus Revela o Coração de Deus Ex 19,2-6a III 74
Amar a Deus na Obra de Sua Criação Ex 22,20-26 III 125
Deus Ouve o Grito dos Excluídos Ex 22,20-26 IV 96
Jesus Está Sempre em Má Companhia Ex 34, 4-6.8-9 IV 40
Responsabilidade Ética Ez 33, 7-9 IV 80
Lidando Com as Perdas Gl 3,26-29 IV 52
O Bem e o Mal: Tentações Gn 2,15-24 I 52
Homem e Mulher Constroem Felicidade Juntos Gn 2,18-24 V 72
Uma Caminhada de Conversão Gn 9,8-15 III 53
A Grande Tentação de Construir um Mundo Gn 9,8-15 III 51
Melhor
A Acolhida pelo Saber Ouvir Gn 18, 1-10a IV 60
Marta e Maria Gn 18, 1-10a I 112
Pedir é Abrir-se Gn 18,20-32 III 86
Nós Somos a Vinha do Senhor Is 6, 1-7 V 70
Reino de Deus: Já e Ainda Não Is 8,23-9,3 II 23
Deus Prefere o Silêncio da Noite Is 9, 1-6 V 102
131
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Antes da Ternura de Belém, a Aspereza de João Is 11, 1-10 II 134
Batista
Pequenas Utopias Is 11, 1-10 V 88
Pela Palavra Criamos Solidariedade Is 35, 1-6a.10 V 94
Buscando Sinais que Nos Unam Is 55,1-3 III 88
Ser Pai é Desacomodar e Encorajar Is 56, 1.6-7 V 50
Fé e Razão Is 60, 1-6 III 15
Sinais do Reino de Deus em Nossa Realidade Jn 3, 1-5.10 II 25
A Força do Olhar de Jesus Jo 1, 1-18 III 150
Natal – Valeu a Pena Criar Jo 1, 1-18 I 127
(Um Diálogo Trinitário)
Ser Profeta no Cotidiano Jo 1, 6-8.19-28 V 98
Somos Testemunhas da Luz Jo 1, 6-8.19-28 V 100
A Novidade da Fé Jo 1,19-28 III 27
O Chamado que Desacomoda Jo 1,35-42 II 20
A Transformação Passa Por Dentro de Nós Jo 2, 1-11 V 76
O Sagrado é Inegociável Jo 2,13-22 II 45
Jesus Está Sempre em Má Companhia Jo 3,16-18 IV 40
Amar É o Verbo de Deus Jo 3,16-18 II 63
Crescemos na Reciprocidade Jo 3,16-18 V 29
Água: Sinal e Símbolo Jo 4, 1-26 I 55
Multiplicando por Palavras Jo 6, 1-15 II 90
O Pão da Convivência Jo 6,30-50 III 90
Eucaristia é Participar da Intimidade de Deus Jo 6,41-51 IV 70
Nossa Alegria É a Alegria de Deus Jo 6,51-58 II 66
Buscando Força Interior Jo 6,60-69 IV 74
A Quem Iremos? Jo 6,60-69 II 81
A Originalidade do Perdão de Deus Jo 8, 1-11 V 19
A Grande Lição de Paciência e Esperança Jo 8, 1-11 IV 27
As Cegueiras em Nosso Dia-a-Dia Jo 9, 1-41 III 48
Luz: A Caminhada da Fé Jo 9, 1-41 I 57
Razão se Faz com Lama e Luz na Medida Certa Jo 9, 1-41 II 37
Somos Pastores na Igualdade Jo 10, 1-10 II 49
Nós Temos Sede de Infinito Jo 10, 1-10 IV 31
Mães Para Todas as Estações Jo 10,11-21 II 54
Cordeiros e Pastores Jo 10,27-30 I 94
Vida é Movimento de Dentro Jo 11, 1-44 I 59
Lázaro: Milagre por Amor Jo 11, 1-44 I 61
Sinais de Morte e Ressurreição no Amor Jo 11, 1-45 II 39
132
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Deus É, Deus Ama Jo 11, 1-45 II 150
Jesus Assumiu na Liberdade Jo 12,12-19 I 63
O Grão que Cai na Terra Jo 12,20-33 III 58
É Noite! Jo 13,21-33 I 65
Mães Jo 13,31-33a,34,35 I 96
Amar é Desejar a Vida Para Todos Jo 13,31-35 IV 34
Construindo Eternidade Jo 14, 1-12 III 65
Caminho, Verdade e Vida Jo 14, 1-14 I 29
O Amor se Faz na Acolhida do Diferente Jo 14,15-21 III 69
A Presença Que é Certeza e União Jo 14,15-21 V 25
A Paz que Vem de Cristo Jo 14,23-29 I 76
Nó de Relações Jo 15, 1-8 II 60
Deus Nos Revela o Mistério Trinitário Jo 16,12-15 V 33
O Sentido da Morte na Morte de Jesus Jo 18,1-19,42 I 69
Deus Pai Entrega Seu Filho à História Jo 18,1-19.42 V 21
A Realeza que Recebemos no Batismo Jo 18,33-37 IV 113
Entendendo a Ressurreição Jo 20, 1-9 I 70
Jesus Não Deu Conta Jo 20,19-23 IV 37
A Vida Sem o Espírito Santo Jo 20,19-23 V 26
Tomé – O Crucificado é o Ressuscitado Jo 20,19-31 I 72
Tomé – O Amor é Incondicional Jo 20,19-31 I 74
A Identidade do Ressuscitado Jo 20,19-31 II 52
Amar a Face Escura Jr 1,4-5/17-19 I 20
A Quem Iremos? Js 24, 1-2.15-18 II 81
Buscando Força Interior Js 24, 1-2.15-18 IV 74
O Ser Humano Como Lugar de Deus Lc 1,26-38 III 148
Maria Irradia o Amor de Deus Pai Lc 1,28-38 V 90
As Três Dimensões da Assunção Lc 1,39-45 III 95
Noite Silenciosa Lc 1,39-45 I 126
Assunção: A Festa da Esperança Lc 1,39-56 II 98
Na Assunção, A Totalidade de Maria Lc 1,39-56 V 52
Maria Traz para a História Sementes de Lc 1,39-56 IV 72
Eternidade
Assunção – Fé Pretensiosa Lc 1,39-56 I 122
João Batista: Tradição e Profecia Lc 1,57-66.80 II 75
A Transformação da História Começa no Mistério Lc 2, 1-14 IV 120
do Coração de Deus
Deus Prefere o Silêncio da Noite Lc 2, 1-14 V 102
Natal é Mergulhar no Mistério de Deus Lc 2, 1-14 II 140
133
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
As Três Fogueiras Lc 2,16-21 II 13
A Renovação Que Um Ano Novo Nos Oferece Lc 2,16-21 V 9
Ano Novo – Portas Abertas para o Ser Lc 2,16-21 I 11
Deus Pai nos Propõe o Ano da Misericórdia Lc 2,16-21 IV 9
Um Dia Diferente Lc 2,16-21 II 146
Entrando Num Novo Milênio com Cristo Lc 2,41-52 III 11
Preparar Para a Festa Já é Festa Lc 3, 1-19 V 96
Advento é Tempo de Confiança Lc 3, 1-6 IV 116
As Presenças de Cristo no Nosso Cotidiano Lc 3, 1-6 V 92
Batismo é Compromisso Com o Futuro Lc 3,15-16.21-22 IV 11
Nós Somos o Limite de Deus Lc 4, 1-13 IV 22
Tentações em Lucas Lc 4, 1-13 I 50
Nossa Vocação é Criar as Relações Lc 5, 1-11 I 24
Avançar para Águas mais Profundas Lc 5, 1-11 I 26
Bem-Aventuranças em Lucas Lc 6,17-26 I 43
Jesus Responde à Grande Pergunta Lc 6,17.20-26 III 127
A Proposta Cristã para a Vida Além da Morte Lc 6,17.20-26 III 129
Ser Cristão é Mais que Ser Ético Lc 6,27-36 I 35
Gratuidade x Reciprocidade Lc 6,27-36 IV 16
O Amor Reconstrói por Dentro Lc 7,36-8,3 I 104
Jesus Quer Mais que Rito e Rotina. Ele Quer Lc 7,36-8,3 I 102
Amor
Alegrar-se Com Todas as Alegrias Lc 9,18-24 V 44
Lidando Com as Perdas Lc 9,18-24 IV 52
Transfiguração – A Festa Contínua Lc 9,28-36 I 47
O Jesus do Cotidiano e da Glória Lc 9,28b-36 V 17
Transfigurações no Nosso Dia-a-Dia Lc 9,29-36 II 42
Transfiguração: Força para o Sofrimento Lc 9,29-36 I 49
Ser Livre Para Amar, Amar Para Ser Livre Lc 9,51-62 I 108
Todas as Leis se Calam Diante do Amor Lc 10,25-37 IV 57
Abrindo a Janela Interior Lc 10,25-37 I 114
A Acolhida pelo Saber Ouvir Lc 10,38-42 IV 60
Servir e Contemplar Lc 10,38-42 I 110
Marta e Maria Lc 10,38-42 I 112
Pedir é Abrir-se Lc 11,1-13 III 86
O Nada se Veste Lc 12,13-21 II 94
A Felicidade Nas Coisas Simples Lc 12,13-21 V 46
Somos o Que Amamos Lc 12,16-21 I 116
Pai, Referência Fundamental Lc 12,32-48 I 119
134
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
O Serviço de Ser Pai Lc 12,32-48 III 93
Pais da Transcendência Lc 12,32-48 II 96
Deus Age Através de Nossas Ações Lc 13, 1-9 V 23
A Porta Estreita Lc 13,22-30 V 55
Nós Construímos a Salvação Lc 13,22-30 III 102
Abrir-se para Acolher Lc 13,22-30 III 100
Nós Existimos para Deus Lc 14,1.7-14 III 104
A Felicidade que Deus Espera para Nós Lc 14,25-33 III 108
A Busca da Interioridade Lc 14,26-33 II 104
A Parábola do Pai Misericordioso Lc 15,1-3,11-32 I 28
Jesus nos Apresenta o Deus da Acolhida Lc 15,1-32 III 111
A Parábola dos Inversos Lc 16,19-31 II 108
No Cotidiano se Faz Eternidade Lc 16,19-31 III 117
O Horizonte do Amor É o Infinito Lc 17, 5-10 II 110
A Pergunta que Nos Move Lc 18, 1-8 II 114
Deus é Contínua Doação Lc 18, 1-8 IV 94
Justiça e Misericórdia Lc 18, 9-14 I 100
A Dimensão da Verdadeira Glória Lc 18, 9-14 II 120
Somos Iguais na Radicalidade Lc 18, 9-14 IV 98
A Caminhada de Zaqueu Lc 19, 1-10 II 123
A Teologia nos Descortina Horizontes Infinitos Lc 20,27-38 IV 104
Só Restará o que For Construído por Dentro Lc 21, 5-19 II 129
O Fim do Mundo a Cada Dia Lc 21, 5-19 III 135
Responsabilidade Cidadã Lc 21,25-28.34-36 V 86
A Paixão em Lucas Lc 22,14-23,56 I 67
Nós Não Damos Conta do Amor Lc 22,14-23.56 IV 29
A Realeza pelo Olhar Lc 23,35-43 III 138
A Originalidade da Realeza de Jesus Lc 23,35-43 II 131
Ser de Luz Lc 24,13-35 I 91
Emaús x Jerusalém Lc 24,13-35 I 92
A Grande Caminhada para Jerusalém Lc 24,13-35 III 60
Na Ascensão, A Nossa Ressurreição Lc 24,46-53 I 80
O Sentido do Silêncio Messiânico Lv 13, 1-2.44-46 IV 20
Quando o Céu se Abre Mc 1, 1-8 III 146
Os Vários Sentidos de Batismo Mc 1, 6-11 III 23
Vozes de Nossa Vocação Mc 1, 7-11 III 21
Uma Caminhada de Conversão Mc 1,12-15 III 53
O Reino de Deus Aqui e Agora Mc 1,12-15 IV 25
135
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
A Grande Tentação de Construir um Mundo Mc 1,12-15 III 51
Melhor
Cronos e Kairos – Tempo Qualitativo Mc 1,14-20 I 124
Sinais do Reino de Deus em Nossa Realidade Mc 1,14-20 II 25
O Cotidiano de Jesus Mc 1,29-39 III 31
Construindo Solidariedade Mc 1,29-39 V 13
A Acolhida pela Pele Mc 1,40-45 III 39
O Sentido do Silêncio Messiânico Mc 1,40-45 IV 20
O Invisível no Visível Mc 2, 1-12 IV 18
Alegria se Celebra com Alegria Mc 2,23-3,6 III 43
Os Batismos na Vida de Jesus Mc 3,13-17 II 17
Valemos Pelo Que Somos Mc 3,20-35 V 31
Só Crescemos na Verdade de Nós Mesmos Mc 4,35-41 V 37
A Outra Margem Mc 4,35-41 IV 55
Oração, Esmola e Jejum Mc 6, 1-6,16-18 III 45
Autoridade x Poder Mc 6, 7-13 II 86
Jesus Se Mostra Divino Na Extrema Humanidade Mc 9,2-10 V 48
Antecipando a Ressurreição Mc 9,2-10 III 55
O Batismo Nos Faz Profetas Mc 9,38-43.45.47- IV 89
48
O Privilégio do Bem Não é Exclusivo Mc 9,38-48 IV 87
Homem e Mulher Constroem Felicidade Juntos Mc 10, 2-16 V 72
Consciência e Liberdade Mc 13,33-37 II 133
Humanidade e Divindade Fazem a Realeza de Mc 14,1-15,47 III 62
Jesus
Ascensão é o Mistério da Ausência Mc 16,15-20 IV 43
A Força da Mulher na Transformação do Mundo Mt 1,18-24 II 136
Uma Fé Aberta para a História Mt 1,18-25 II 138
A Estrela Que Nos Conduz à Verdade do Menino Mt 2, 1-12 V 11
A Noite que Antecede a Aurora Mt 2, 1-12 III 13
Magos – Dois Olhares Mt 2, 1-12 I 17
Magos: Diálogo Inter-Religioso Mt 2, 1-12 II 15
Fé e Razão Mt 2, 1-12 III 15
A Universalidade de Jesus Mt 2, 1-12 III 18
Coragem para Buscar Libertação Mt 2,13-15,19-23 II 142
Como João Batista Esperava Jesus Mt 3, 1-12 I 41
Antes da Ternura de Belém, a Aspereza de João Mt 3, 1-12 II 134
Batista
Cronos e Kairos – Tempo Qualitativo Mt 3, 1-12 I 124
136
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Atravessando o Rio Jordão Mt 3,13-17 IV 118
O Bem e o Mal: Tentações Mt 4, 1-11 I 52
Nossa Tentação em Ver um Jesus Diferente Mt 4, 1-11 II 35
Jesus Vai à Frente Mt 4,12-13a,17-22 III 29
Reino de Deus: Já e Ainda Não Mt 4,12-17 II 23
Pérolas de Eternidade Mt 5, 1-12 II 28
Nas Bem-Aventuranças, Um Novo Retrato de Mt 5, 1-12 V 81
Deus
Bem-Aventuranças em Mateus Mt 5, 1-12 I 45
Deus nos Dará Aquilo que Somos Mt 5, 1-12 III 132
Os Verdadeiros Modelos Para os Jovens Mt 5, 1-12 V 78
Bem-Aventuranças: A Felicidade que Ninguém Mt 5, 1-12a IV 107
nos Tira
Sabedoria é Saber com Sabor Mt 5,13-16 II 30
Sabedoria e Luz Mt 5,13-16 III 34
Nova Visão da Lei e Valor do Lazer Mt 5,21-47 I 37
Deus Esqueceu-se de Ir Embora Mt 5,43-48 I 31
O Mistério se Encontra no Silêncio Mt 6, 1-6.16-18 III 36
Três Dimensões de Abertura Mt 6, 1-6.16-18 II 32
Transparências e Limites Mt 7,21-27 II 68
Deus Age nas Coincidências Mt 9, 9-13 II 71
O Símbolo Traduz o Amor Mt 9,36-10,8 IV 49
Medos Mt 10,26-31 II 73
O Tribunal da Consciência Mt 10,26-33 V 35
Deus Potencializa os Nossos Amores Mt 10,37-42 III 77
Um Amor que Estrutura os Nossos Amores Mt 10,37-42 V 40
Pela Palavra Criamos Solidariedade Mt 11, 2-11 V 94
Abba: Um Deus Próximo Mt 11,25-30 II 79
O Poder da Palavra Mt 12,33-37 I 33
Ser Terra para Acolher e Produzir Frutos Mt 13, 1-23 II 84
O Longo Trabalho de Fazer Crescer a Semente Mt 13, 1-23 V 42
As Palavras Carregam Experiências Mt 13, 1-23 III 83
Um Outro Pentecostes Mt 13, 1-23 I 83
Trindade: Realidade Cotidiana Mt 13,24-30 I 87
A Semente de Trigo que Guarda a Nossa Mt 13,24-43 IV 62
Esperança
Joio e Trigo Coexistem Dentro de Nós Mt 13,24-43 II 88
Só Descobrimos o que Já Temos Mt 13,44-46 IV 65
A Grande Rede que Procura Bondade Mt 13,44-52 IV 68
Buscando Sinais que Nos Unam Mt 14,13-21 III 88
137
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Ser Pai é Desacomodar e Encorajar Mt 14,22-33 V 50
Barcas ao Mar Mt 14,22-33 III 97
A Grande e Total Presença Mt 14,22-33 II 148
A Igreja Precisa de Pedros e Paulos Mt 16,13-19 II 77
Quem Eu Sou Perante Deus Mt 16,13-19 III 80
Pedro e Paulo Mt 16,13-19 I 106
Tu És Pedra Mt 16,13-20 II 100
Respeito à Individualidade Mt 16,21-23 II 102
Vencer a Acomodação Buscando Horizontes Mais Mt 16,21-27 V 57
Amplos
Dom Helder: O Mensageiro da Esperança Mt 16,21-27 IV 77
Transfiguração é a Nossa Reserva de Luz Mt 17,1-9 III 41
Transfigurar-se é Renunciar ao Comodismo Mt 17,1-9 V 15
As Ovelhas Amadas de Deus Pai Mt 18,12-14 III 143
A Gratuidade do Perdão Mt 18,15-18 III 106
Responsabilidade Ética Mt 18,15-20 IV 80
Deus Nos Criou Para Sermos Eternos Mt 18,21-35 V 61
O Perdão Que Nos Reconstrói Mt 18,21-35 IV 84
A Dimensão Cristã do Perdão Mt 18,21-35 V 63
A Lógica de Deus Mt 20, 1-16 II 106
O Tempo Não Faz o Amor Mt 20, 1-16 V 66
O Julgamento Misericordioso de Deus Mt 20, 1-16 III 113
O Tempo de Deus é Outro Mt 20, 1-16 III 115
O Valor de Quem se Gasta Pelo Reino de Deus Mt 21,28-32 V 68
Nós Somos a Vinha do Senhor Mt 21,33-43 V 70
A Nova Vinha Mt 21,33-43 III 120
Uma Matemática Diferente Mt 21,33-45 II 112
Deus nos Convida ao Banquete da Vida Plena Mt 22, 1-10 IV 91
Nossa Resposta Aos Convites de Deus Mt 22, 1-14 V 74
Deus Está Presente em Todos os Amores Mt 22,15-22 II 116
A Ação de Deus Depende de Nossa Liberdade Mt 22,15-22 II 118
Amar a Deus na Obra de Sua Criação Mt 22,34-40 III 125
Religião: Símbolo, Doutrina e Práxis Mt 23,1-12 III 122
Estamos Preparados? Mt 24,37-44 III 140
O Noivo do Dia Seguinte Mt 25, 1-13 IV 101
O Noivo É a Realidade Mt 25, 1-13 II 125
Pontos de Transcendência Mt 25,14-30 IV 110
A Felicidade de Repartir Mt 25,14-30 II 127
Eu Me Construo Nas Minhas Relações Mt 25,31-46 V 84
138
Título Texto Bíblico Vol. Pág.
Trindade: Unidade na Diversidade Mt 28,16-20 I 89
Jesus Revela o Coração de Deus Mt 9,36-10,8 III 74
O Privilégio do Bem Não é Exclusivo Nm 11,25-29 IV 87
O Batismo Nos Faz Profetas Nm 11,25-29 IV 89
Buscando Sinais que Nos Unam Rm 8,35.37-39 III 88
Somente o Ser Humano é Instrumento de Paz Sl 137/136 II 47
Pela Palavra Criamos Solidariedade Tg 5, 7-9 V 94
139
140