A Avaliação Formativa - Ressignicando Concepções e Processos
A Avaliação Formativa - Ressignicando Concepções e Processos
A Avaliação Formativa - Ressignicando Concepções e Processos
Resumo
Este texto, intitulado “A avaliação formativa: ressignificando concepções e processos”, discute e confronta
diferentes concepções e processos de avaliação formativa em função dos enfoques teórico-metodológicos que
a embasam. Em um primeiro momento, analisa-se a proposta de avaliação formativa de orientação positivista
que tem embasado oficialmente o processo avaliativo no Brasil, analisando os problemas que esta apresenta
no atendimento ao objetivo proclamado de garantir a progressão e sucesso das aprendizagens dos alunos.
A seguir, apresenta-se a avaliação formativa alternativa, concebida como elemento integrante da relação
pedagógica, descrevendo e analisando suas características essenciais e a natureza do processo da avaliação
formativa no enfoque histórico-cultural. Finaliza convidando o leitor a refletir sobre as possibilidades e obs-
táculos que devem ser superados na implementação de uma avaliação formativa a serviço da aprendizagem
dos alunos, no contexto atual da educação básica.
Embora a adoção das características básicas de uma 1. A avaliação foi disciplinada pela primei-
Essa inversão força o olhar do professor para o que ele sabe que vai ser avaliado e
não para a progressão dos alunos. Também na avaliação focam-se os olhares da política
educacional, dos gestores, das famílias e dos alunos, criando falsas expectativas de que se
pode “elevar a qualidade da educação, só através de racionalizar o uso de um instrumento”
(BARRIGA, 1999, p. 56).
Por outro lado, considerando que os instrumentos de avaliação são elaborados para
verificar o atendimento de objetivos pré-estabelecidos, é preciso colocar aqui as questões que
todo avaliador consciente e ético faz: Em que instância se estabelece o que é o conhecimento
válido e valioso a ser verificado? E, como diagnosticar as reais dificuldades dos alunos, não
contempladas no que é verificado? A questão, como coloca Romão (1995, p. 20), é que, em
geral, se “faz tal verificação a partir de padrões arbitrários e unilateralmente estabelecidos”,
distante do espaço em que se realiza a intermediação pedagógica e da cultura primeira da
maioria dos alunos, o que inviabiliza tomá-la como ponto de partida para levá-lo à constru-
ção e apropriação da cultura elaborada.
Mas, como proceder nesta avaliação formativa alternativa? Que mudanças ela traz
para a prática docente? Que alterações se propõem nas relações pedagógicas no interior da
escola? Que formas de gestão a possibilita e a favorece?
Responder a estas questões implica optar, de início, por uma proposta definida de ava-
liação formativa, considerando que dependendo da teoria de aprendizagem em que se apoia
se dará ênfase a determinados elementos na articulação da avaliação formativa com as práti-
cas e estratégias de ensino do professor e com as formas de participação e atuação do aluno.
Entre os elementos presentes nessa proposta teórica, que a tornam mais adequada às
condições acima especificadas, destacamos: a existência de um quadro de referência que
apresenta estratégias chave em relação a processos de avaliação formativa, as quais envol-
vem o professor, os pares e o aluno e que permitem maior compreensão da articulação da
avaliação formativa em diferentes momentos da relação pedagógica; a ênfase em feedbacks
formativos, sem perder a referência ao currículo em ação; a preocupação em articular a ava-
liação formativa com a somativa.
Alguns termos e proposições nessa definição merecem atenção para que possamos ter
uma visão compreensiva de um processo instrucional efetivamente formativo, o qual pode
ser sintetizado em cinco características reveladoras de uma mudança de foco em relação às
práticas tradicionais em sala de aula:
Estabelecer o que necessita ser feito para que ele chegue lá.
As cinco estratégias chaves, para Black e Wiliam (2009, p. 4-5), são:
Compreendendo e compartilhan-
4. Envolvendo os estudantes como recursos de aprendizagem
Pares do intenções e critérios para su-
para outros estudantes
cesso
Compreendendo e compartilhan-
5. Envolvendo o estudante como autor de sua própria aprendi-
Aprendiz do intenções e critérios para su-
zagem
cesso
Mas esta apreensão dos processos cognitivos do aluno pode não ser tão simples, no
sentido em que aquilo que o aluno ouve e interpreta pode não ser o que o professor quis
dizer; da mesma forma, o professor pode não interpretar corretamente a fala (ou mesmo a
escrita) do aluno. E o cuidado na interpretação do pensamento do aluno é valioso na ava-
liação formativa, pois da qualidade desta interpretação depende a qualidade do feedback
providenciado pelo professor para orientar a aprendizagem.
A autoavaliação: desenvolvendo a
capacidade de autorregulação
Autoavaliação é o processo de autojulgamento do aluno da qualidade de seu próprio
trabalho e de reflexão das estratégias cognitivas que utilizou ao realizá-lo, com base em
critérios discutidos e negociados com toda a classe. Nesse processo, cabe ao aluno, através
de autoquestionamento, perceber e atribuir significado a tudo o que produziu, possibilitan-
do uma “apropriação-criação de sentido” (SANTOS, 2008, p. 6). Ela envolve a apreciação
que os alunos fazem de seu próprio progresso, na medida em que devem pensar sobre os
processos cognitivos que realizaram, compreender e articular seu raciocínio sobre o que
já aprenderam, estão aprendendo e virão a aprender. E, quando essa apreciação é feita em
relação a padrões compartilhados e desafiadores, observam-se ganhos significativos em sua
aprendizagem e aumento da motivação intrínseca.
Os estudantes, como pessoas, têm valor e dignidade supremos e têm o direito inaliená-
vel de serem agentes de sua própria aprendizagem;
Um convite à reflexão
O convite é para refletirmos sobre as possibilidades existentes e os obstáculos a su-
perar na implementação de uma avaliação formativa a serviço da aprendizagem dos alunos,
considerando que está em jogo a capacidade da escola básica em propiciar qualificação esco-
lar e, em consequência, pessoal e profissional futura, a toda uma geração.
Para iniciar esta reflexão, vamos salientar apenas três aspectos problemáticos da atual
política de avaliação, os quais têm contribuído para que a prática avaliativa dos professores
se apresente em condições de extrema confusão.
O primeiro problema diz respeito à contradição entre norma legal que define o uso da
avaliação formativa no interior das escolas, a qual requer o acompanhamento dos processos
cognitivos dos alunos e a preponderância de apreciações qualitativas e a exigência formal
de se expressar o aproveitamento do aluno quantitativamente, em um conceito único, que
expressa apenas um registro burocrático do desempenho escolar.
Assim, uma avaliação que se pretende rica e multidimensional sofre, pela própria di-
nâmica administrativa, um processo de redução de toda informação coletada em um “juízo
de avaliação sobre o aluno em termos de categorias simplificadas, numéricas ou verbais”
Nesse processo, a avaliação formativa, em sua expressão final, reduz-se a uma catego-
ria simples, própria da avaliação somativa. Esta ênfase no quantitativo ignora resultados de
estudos sobre o cotidiano escolar, os quais têm evidenciado que a prática avaliativa dos pro-
fessores é permeada por mecanismos formais e informais, que os docentes desenvolvem no
ato de avaliar. E esses mecanismos guardam íntima relação não só com as práticas de ensino
presentes na rotina das salas de aula, como também com as pressões institucionais e sociais
para o atendimento dos objetivos estabelecidos via parâmetros curriculares.
Diante desses problemas os desafios que se impõem são: como superar uma cultura
avaliativa centrada no produto das aprendizagens e focar a avaliação no processo de apren-
dizagem dos alunos, na dinâmica do ensinar e do aprender? Como tornar a ficha individual
de avaliação periódica dos alunos com baixo rendimento escolar um instrumento a favor da
superação de suas dificuldades?
Como superar, portanto, uma prática que normalmente é realizada de maneira informal
e assistemática no interior da escola e torná-la parte integrante de uma avaliação formativa
alternativa e aplicável a todos os alunos? Como superar no interior da escola os mecanismos
que privilegiam o registro de dados com base na memória avaliativa do professor, deslocados
da dinâmica do ato pedagógico e efetivados em cumprimento a normas burocráticas? Como
transformar esses registros em parte de uma avaliação formativa ressignificada?
Garantir a escola como mecanismo de inclusão social implica, mais do que garantir o
fluxo contínuo, assegurar que a ação da avaliação se inicie na “cultura primeira do aluno”,
condição para que esta seja respeitada, que se prolongue no acompanhamento do aluno e no
processo de superação da mesma, confrontando-a a cada momento com o ideal projetado de
uma cultura mais elaborada, necessária ao pleno exercício da cidadania.
Saiba Mais
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