O Impacto Causado Pela Doença Mental Na Família
O Impacto Causado Pela Doença Mental Na Família
O Impacto Causado Pela Doença Mental Na Família
Ana Carla Moura Campos Hidalgo de Almeida1; Lujácia Felipes2; Vanessa Caroline Dal Pozzo3
Enfermeira, Professora de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Toledo (PUCPR – Toledo) Paraná – Brasil.
1, 2
3
Enfermeira, Estudante de Mestrado em Enfermagem no Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa – Porto, [email protected]
Submetido em 20-09-2011. Aceite em 16-12-2011.
Citação: Moura, A. C.; Almeida, C. H.; Dal Pozzo, V. C. (2011). O impacto causado pela doença mental na família . Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental. 6, 40-47.
Partindo dessa necessidade, houve a implementação de A autora ressalta ainda a questão financeira, pois se sabe
instituições que propunham inserir pacientes portadores de que há insatisfação dos profissionais e dos serviços-médicos
doença mental que tinham permanecido internados por um hospitalares em relação aos pagamentos dos serviços
longo período, assim como orientar e ajudar a restabelecer o prestados pelo ao Sistema Único de Saúde.
vínculo com suas famílias, para tanto foi constituído o Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS). Contribuindo com esse pensamento acredita-se que somente
ocorrerão transformações na maneira de se conviver com o
A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica surgem estigma da doença mental, quando houver um entendimento
os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleos global da doença e no cuidado integralizado ao portador do
de Atenção Psicossocial (NAPS) que tinham a intenção sofrimento psíquico.
de programar uma nova estratégia de trabalho através de
mudanças no plano legislativo, assegurando a atenção no De acordo com Osório (1996, p. 27), “Os laços familiares, de uma
meio sociocultural do portador de transtorno mental (Rosa, forma ou de outra, continuam ocupando lugar de destaque na
et al. como citado em Ferreira, 2003, p.21). maneira com que a maioria de nós vê e vive o mundo; portanto
falar de família é enfocar um conjunto de valores que dá aos
Entende-se que a reforma procura resgatar a cidadania indivíduos uma identidade e à vida um sentido”.
e o amparo dos doentes mentais e gradualmente consiga
diminuir o uso dos manicômios, substituindo-os por serviços Para este autor a família pode ser considerada como uma
extra-hospitalares e, quando necessário, o internamento unidade grupal, que tem por objetivos a preservação da
realizado em hospitais gerais, porém em alas reservadas a espécie, nutrir e proteger a descendência e ainda fornecer-
psiquiatria. lhes condições para aquisição de suas identidades pessoais,
transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e
A proposta de desinstitucionalização do doente mental culturais.
configura uma tentativa no sentido de diminuir o isolamento
do cliente, como ocorria nos hospitais psiquiátricos. Sobre Reafirmando, Almeida (2008, p.27) escreve que a família
a ótica de uma assistência mais humanizada para com é reconhecida como a instituição que auxilia a vivência do
o indivíduo portador de doença mental deve-se levar em indivíduo em sociedade, pois nela se formarão as novas
consideração todos os aspectos envolvidos no mesmo, gerações de cidadãos e se darão as primeiras experiências
como o enfrentamento da doença, convívio familiar e social. de relacionamentos. Diante disso é preciso estimular uma
vivência saudável entre pais e filhos mediante o diálogo, a
Em meio a essas transformações e mudanças, a Reforma troca de experiência, de afeto, e a convivência entre seus
Psiquiátrica Brasileira procura oferecer aos indivíduos membros.
portadores de transtornos mentais direitos à cidadania, à
liberdade e à privacidade, que são de certo modo prejudicados O entendimento e a aceitação da doença mental por parte
pelo internamento prolongado. da família se tornam um elemento de extrema importância na
reabilitação do individuo com doença mental.
Nota-se a importância do atendimento prestado pelos
CAPS’s, no entanto há necessidade de se manter leitos Entende-se que essa angústia é passível ate mesmo de
psiquiátricos em hospitais de atendimento a assistência à inconformidade, uma vez que muitas das famílias não se
saúde, no caso de surtos nestes pacientes. Concordando sentem preparadas para cuidar de seus entes portadores
com o descrito acima, a preconização da assistência de alguma doença mental e necessitam de auxilio para
humanizada pautada na legislação entende que não há desempenhar o papel de cuidador, visando conseguir
a necessidade de se oferecer uma ala psiquiátrica em um atender os cuidados integrais do mesmo.
hospital geral, e sim cuidados de forma qualificada para esse
segmento de clientela.
Embora alguns estudos mostrem que a convivência da Nesse sentido, a enfermagem pode contribuir com o cuidado
família altera os costumes e hábitos do ser humano, humanizado e integralizado, visando não apenas o paciente,
entende-se também que a existência de um doente mental mas também a família do mesmo.
pode desestruturar a rotina da família, exigindo da mesma
uma demanda de atenção para com o individuo doente. Com o entendimento da nova conduta do tratamento para
Nesse sentido cada integrante que constitui a família passa psicóticos oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde),
a adquirir um papel e significado próprio para conseguir compreende-se que a família exercerá papel fundamental
administrar o novo cotidiano da vida familiar. para viabilizar a reabilitação do paciente, para que se possa
estabelecer o convívio social.
Deve-se levar em consideração as sobrecargas que a
família passa em decorrência com o doente mental, podendo Entender as angústias que os parentes enfrentam diante
classificá-las como financeiras, nas rotinas familiares, como dessa nova realidade e se há qualificação dos mesmos
doença física ou emocional e as alterações das atividades para oferecer os cuidados necessários que o portador
de lazer e relações sociais. de doença mental precisa, é de extrema relevância não
somente para os profissionais de saúde, mas também
Para Miles et al (1982 como citado em Ferreira, 2003, p. para a sociedade.
27) a família ao deparar-se com a doença mental apresenta
três formas de abordagens: o encobrimento, o ocultamento O resultado deste retato poderá ajudar a enfermagem
da doença do meio social e a normalização, prosseguindo psiquiátrica com conhecimentos dos sentimentos e
com as atividades normais, encobrindo a realidade e a expectativas dos familiares para com essa transformação.
dissociação afastando-se do convívio da sociedade a fim de
evitar futuros aborrecimentos. Desta forma poder-se-á construir um plano de orientações
que ofereça suporte tanto emocional quanto de cunho
“O cuidado oferecido deve respeitar e acolher a diferença do cientifico para a qualificação ao atendimento que a família
psicótico, ele deve ser percebido como um sujeito humano prestará aos portadores de doença mental.
e não como um sintoma a ser debelado; além disso, o
exercício da ousadia, da criatividade e da alegria deve estar
sempre associado à atividade terapêutica.” (Teixeira, 1999).
METODOLOGIA
Para o autor citado, o enfermeiro esta cada vez mais atuante
e consciente de seu novo papel e tem condições de explorar O presente estudo é descritivo, exploratório de natureza
diversas modalidades terapêuticas no desempenho do qualitativa, que conforme Minayo (2002, p.21) “Trabalha com
exercício profissional. um universo de significados, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações,
Cabe aos profissionais da área da saúde, em especial a dos processos e dos fenômenos que não podem ser
enfermagem que trabalha na área psiquiátrica, informar, reduzidos à operacionalização de variáveis”.
esclarecer não somente aos parentes do indivíduo portador
de doença mental, mas também a sociedade, para que se Teve como local para a realização da pesquisa um Centro de
possa enfim contribuir para a diminuição de estigmas do Atenção Psicossocial situado em um Município do Oeste do
passado que ainda atualmente atinge os portadores de Paraná cuja organização possui Programa de Saúde Mental
doença mental, bem como seus familiares. coordenada por uma enfermeira. Foram incluídos cinco
Doença em que há fuga da realidade “Pra mim foi bem difícil na época eu tava grávida de sete
meses foi um baque (...)”. (F02)
A doença mental demonstra uma conotação diferente em
relação á outras doenças por ser pouco difundida e cercada “Olha eu fiquei chocada. Agente fica sem chão(...)”. (F04)
de muitos mitos. Conforme Townsend (2002, p.21) “são
“(...) Primeiro foi procura sabe o que seria essa doença e Conforme Spadini et al (2006, p.126), “o reconhecer e aceitar
depois veio o próximo passo da aceitação da doença (...) a doença é entendido como necessário e essencial para a
bastante difícil (...)”. (F03) melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares”.
Contribuindo com a idéia do autor, e em base das respostas dos Corroborando com as idéias das autoras vale mencionar, com
participantes deste estudo pode-se citar que as famílias estão a aceitação inicial da doença pelas famílias fica mais fácil
acostumadas em seio familiar com pessoas sem alteração para que o portador da doença mental aceite, construindo
mentais assim oferecendo continuidade as expectativas para assim um caminho mais fácil a fim de buscar ajuda junto aos
o futuro, muitas vezes planejadas quando a criança ainda na centros de atenção psicossocial, visando com isso trabalhar
fase de desenvolvimento no útero da mãe. as necessidades do paciente, bem como de seus familiares,
com orientações corretas sobre a doença e o proceder do
A partir deste diagnóstico se modificam os planos para tratamento e suas limitações concomitante a reinserção a
o futuro, a vida de todos os entes da família requer uma vida social.
readequação, visto que alguns dos familiares relutam em
aceitar o sofrimento psíquico, aliado a este sentimento de Para Cavalheri et al (2002 como citado em Nasi, C., Stumm,
recusa têm – se os estigmas e preconceitos atribuídos ao L. K., Hildebrandt, L. M., 2004, p.04): “Quando a família
doente mental pela sociedade. possui um membro com uma doença mental, toda ela
acaba mobilizando-se inteiramente. Independente de ser
Contribuindo com este pensamento as autoras Zanetti e orgânica ou mental, o desgaste é agravado quando se trata
Galera (2007, p.389) citam: “...o sofrimento da esquizofrenia é de uma doença de duração prolongada, com freqüentes
visto como algo inesperado, que aconteceu de repente sendo casos de agudização de sintomas e quando é considerada
comparado a um choque pela família. O desenvolvimento incapacitante e estigmatizante.”
dos filhos, aparentemente saudáveis, não permitia, aos pais,
imaginarem que os mesmos viessem sofrer uma doença que Concordando com o pensamento do autor, é possível retratar
causasse tantas restrições como causou.” que o acompanhamento dos familiares e o entendimento dos
mesmos, sobre tratamento desta doença em diversas fases
Através da coleta de dados para este estudo foi possível são de extrema importância, pois se trata de uma doença de
vivenciar um pouco da experiência do cotidiano dos familiares sinais e sintomas diferentes das quais estão acostumados.
de portadores de doença mental, observando assim os
seus sentimentos e suas expectativas no tratamento dos Essa doença acarreta em desgaste tanto para o portador
mesmos. quanto para sua família, pois acontecem episódios em que
os doentes entram em crise onde se destaca agressividade.
Pode-se falar que não é fácil esta nova forma de vida que
os mesmo foram submetidos a se readequar, devido às Diante disso muitos portadores da doença querem abandonar
necessidades de seus familiares. o tratamento, é neste momento que a aceitação da família
deve falar mais alto, intervindo na situação, deixando clara
Entende-se que a sociedade necessita ter maior a importância do mesmo para todos os entes da família, e
conhecimento sobre a patologia mental a fim de diminuir a aconselhar a não desistência do tratamento, mostrando
descriminação imposta pela mesma, visto que apesar da assim que ele é amado por sua família e todos contribuem
reforma psiquiátrica, os doentes mentais ainda carregam para recuperação do doente psíquico.
estigmas de loucos, sendo necessário a privação do mesmo
para não comprometer o convívio na sociedade. Segundo a autora Nasi et al. (2004, p.03), “A família é
um suporte básico para a vida de qualquer pessoa, mas
Vale mencionar que os portadores de doença mental são para os doentes mentais psicóticos ela possui especial
capazes, e devem desenvolver as atividades de sua vida importância, pelo fato desses sujeitos, na maior parte das
normal, é claro com orientações e acompanhamento de seus vezes, necessitarem de cuidados e acompanhamentos dos
familiares e equipe de saúde, fazendo com que os mesmos membros do grupo familiar”.
se percebam capazes e valorizados.
Colaborando com a aceitação da doença pelos familiares
podem-se citar alguns dos relatos das entrevistas.
Aceitação da doença pelos familiares
“Minha mãe já é assim desde que eu nasci então praticamente
Percebeu-se em alguns dos relatos dos sujeitos entrevistados à gente convive com isso a vida toda entende”. (F01)
a aceitação da doença visando buscar informações sobre
“As dificuldades é o seguinte... Que tu num se acha, não se Para finalizarmos é necessário ressaltar a importância
sente bem sai com ele, ele tem aquelas atitudes diferentes da família na assistência ao portados de doença mental,
ele tem... Num tem mais aquele comportamento pra sai num e também a necessidade de cuidado e apoio por parte da
almoço, num jantar na sociedade, é difícil.” (F02). equipe de saúde e principalmente da enfermagem com o
familiar que na maioria das vezes encontra-se desgastado
“As dificuldades é o que eu tenho que viver em casa, eu não e desamparado.
posso sair (...) Não posso trabalhar fora eu tenho que estar às
vinte e quatro horas pra cuidar dele, tem que dar medicação
três vezes ao dia, a gente não pode viajar... Tem que levar
ele e se levar em vez de descansar volta mais estressado REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ainda(...). Então se for pra ir tem que deixar com alguém ou
viajar na época que ele ta internado, quando ele interna daí a Almeida, H. (2008). A enfermeira no contexto da educação
gente da uma descansada uma arejada na cabeça, quando sexual dos adolescentes e o olhar da família. Disponível em:
volta pra casa segue de novo continua então é o único jeito <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/14404/2/
mesmo da gente poder descansar “(F04) capa.pdf>. Acesso em: 15 out. 2009.
A distância entre a família e o corpo social pode ser Cavalheri, S. C. (2002). Acolhimento e orientação à família.
exemplificada pela ausência em festas e eventos, a diminuição Mesa Redonda. Importância da família na saúde mental,
do número de visitas a amigos e parentes. Os familiares com Disponível em: <http://www.webartigos.com> Acesso em:
contato mais próximo ao individuo em situação de sofrimento 20 set. 2009.
mental usualmente não dispõem de tempo nem espaço
para manter outros relacionamentos, envolvem-se apenas Duarte, C.L.M.; Souza, J.; Kantorski, P.L. & Pinho, B.L.
com o que diz respeito à doença mental, tornando o vínculo (2007). Diferentes abordagens à família em saúde mental
sobrecarregado de cobranças e exigências em relação a presentes na produção científica da área. Rev. Min. Enferm;
eles mesmos e a pessoa de quem cuidam Miles et al. (1982 v. 11, n. 1, p. 66-72, jan/mar. Disponível em: <http://bases.
como citado em Pedoraro et al. 2006, p. 570). bireme.br> Acesso em: 03 out. 2009.
Além do mais, os estudos de Koga e Furegato (1998 como
citado em Nasi et al. 2004, p.04) tratam das sobre cargas Espinosa, A. (2000). Psiquiatria ED. Mc Graw-Hill: Rio de
que a família passa em decorrência da convivência com o janeiro.
Nasi, C. S., Lílian, K., & Hildebrandt, L. M. (2004). Convivendo Zanetti, A. & Galera, S. (2007). O impacto da esquizofrenia
com o doente mental psicótico na ótica do familiar. Revista para a família. Revista Gaúcha Enfermagem, v. 28, n. 3, p.
Eletrônica de Enfermagem, v. 6, n. 1, p.59-67, Disponível em: 385-392. Disponível em: <http://www6.ufrgs.r/seermigrando/
<www.fen.ufg.br> Acesso em: 19 nov. 2009. ojs / index.php / RevistaGauchadeEnfermagem /ar ticle /
view/4689/2596>. Acesso em: 19 out. 2009.
Rosa, L. (2003). Transtorno mental e o cuidado na família.
São Paulo: Cortez.
47