SEARLE, John. Intencionalidade
SEARLE, John. Intencionalidade
SEARLE, John. Intencionalidade
Searle
Intencionalidade
A representação de um a
sentença deriva da
Intencionalidade da mente.
Martins Fontes
O objetivo fundamental deste li
vro é desenvolver uma teoria da
Intencionalidade. Acredito que a
abordagem aqui apresentada será
d e u tilid ad e para a ex p licação
dos fenôm enos intencionais em
geral.
Um pressuposto básico subjacen
te à minha abordagem dos pro
blemas da linguagem é que a filo
sofia da linguagem é um ramo da
filosofia da mente. A capacidade
dos atos de fala para representar
objetos e estados d e coisas no
m undo é uma extensão das capa
cidades mais biologicamente fun
damentais da mente (ou do cére
bro) para relacionar o organismo
ao m undo por m eio de estados
mentais como a crença e o dese
jo, e em especial através da ação
e da percepção. Uma vez que os
atos de fala são um tipo de ação
hum ana e uma vez que a capaci
dade da fala para representar ob
jetos e estados de coisas faz par
te de uma capacidade mais geral
da mente para relacionar o orga
nismo ao mundo, qualquer expli
cação completa da fala e da lin
guagem exige uma explicação de
com o a m ente/cérebro relaciona
o organismo à realidade.
John R. Searle
John R. Searle
Intencionalidade
Tradução
JULIO FISCHER
TOMÁS ROSA BUENO
Revisão técnica
A N A CECÍLIA G. A. DE CAMARGO
VIVIANE VERAS COSTA PINTO
Martins Fontes
São Paulo 2 0 0 2
Esta ob ra f o i publicada origin a lm en te em inglês com o título
IN T E N T IO N A L1TY - A N ESSAY IN T H E P H IL O S O P H Y O F M IN D
p o r The Press Syndicate o f the University o f C am bridge, Cambridge, em 1983.
C op y righ t © C am brid ge University Press, 1983.
C op y righ t © 1995, L iv ra ria M a rtin s Fontes E d itora Ltda.,
São Pa u lo, pa ra a presente edição.
I s edição
ju lh o de 1995
2- edição
dezembro de 2002
T ra d u çã o
J U L IO F IS C H E R
T O M Á S ROSA B U E N O
R e v is ã o técnica
Ana C e c ília G . A . de C am a rgo
Viviane Veras Costa P in to
P re p a ra ç ã o d o o rig in a l
Vadim Valentinovitch N ikitin
R e vis ã o g rá fic a
M a ris e Sim ões L e a l
P ro d u ç ã o g rá fic a
G e ra ld o Alves
P ag in ação
Renato C. Carbone
Searle, John R.
Intencionalidade / John R. Searle ; tradução Julio Fischer. Tomás
Rosa Bueno : revisão técnica A n a C ecília G. A . de Camargo. V i
viane Veras Costa Pinto. - 2a ed. - São P a u lo : Martins Fontes. 2002.
- (C o le ç ã o tópicos)
02-6485________________________________________________________ CDD-121
I. A INTENCIONALID AD E CO M O DIRECIONALIDADE
><
II. A INTENCIONALIDADE COMO REPRESENTAÇÃO:
O MODELO DO ATO DE FALA
Ama (Sally)
Acredita (que está chovendo).
CENTRAL
DU
ou meu prazer ante o estado de coisas especificado no
conteúdo proposicional, cuja verdade pressuponho2. Ora,
fe'-
algo muito parecido a essas distinções pode ser aplicado
aos estados Intencionais. Se minhas crenças se revelam
equivocadas, a falha reside nelas e não no mundo, tal co
B .B U O TE C A
mo é dem onstrado pelo fato de que posso corrigir a situa
U N I V 6 PSID ^ • E
ção simplesmente m udando minhas crenças. É responsa
bilidade da crença, por assim dizer, co rresp o n d er ao
m undo e, ali onde essa correspondência não ocorre, cor
rijo a situação m udando a crença. Todavia, se deixo de
.levar a cabo minhas intenções, ou se m eus desejos não
são realizados, não posso corrigir a situação sim plesm en
te m udando a intenção ou o desejo. Nesses casos, a fa
lha, por assim dizer, é do m undo, se este deixar de cor
responder à intenção ou ao desejo, e não posso conser
tar as coisas dizendo que se tratava de uma intenção ou
ç k um desejo errado do mesmo m odo que posso conser-
tar as coisas dizendo que se tratava de uma crença equi
vocada. As crenças, tal como os enunciados, podem ser
verdadeiras ou falsas, e pode-se dizer que têm uma dire
ção de ajuste “m ente-m undo”. Por outro lado, os desejos
e as intenções não podem ser falsos ou verdadeiros, mas
sim ser cumpridos, realizados ou levados a cabo, e pode-
se dizer que têm uma direção de ajuste “m undo-m ente”.
Além disso, Jxá_..também estados Intencionais com uma di
reção de ajuste nula. Se estou pesaroso por ter insultado
12 INTENCIONALIDADE
C EN iT^AL-
A realização de um ato de fala é eo ipso uma expressão
do estado Intencional correspondente; e, em conseqüên
cia, é logicamente estranho, em bora não autocontraditó-
rio, realizar o ato de fala e negar a presença do estado
Intencional correspondente3.
Ora, dizer que o estado Intencional que constitui a
81B U O T E C A
condição de sinceridade é expresso na realização do ato
de fala não quer dizer que se deva sempre ter o estado
Intencional que se expressa. É sem pre possível mentir ou
realizar algum outro ato de fala insincero. Contudo, uma
mentira ou outro ato de fala insincero consiste em reali
zar um ato de fala e, com isso, expressar um estado In
tencional quando não se tem o estado Intencional que se
expressa. Observe-se que o paralelismo entre os atos ilo-
cucionários e suas condições de sinceridade Intencionais
expressas é notavelm ente próximo: em geral, a direção
do ajuste do ato ilocucionário e a da condição de sinceri
dade é a mesma; nos casos em que o ato ilocucionário
não tem nenhum a direção de ajuste, a verdade do con
teúdo proposicional é pressuposta e o estado Intencional
correspondente contém uma crença. Por exemplo, se pe
ço desculpas por pisar em seu gato, expresso rem orso
por ter pisado no seu gato. Nem o pedido de desculpas,
nem o remorso têm uma direção de adequação, mas o
pedido de desculpas pressupõe a verdade da proposição
de que eu pisei no seu gato e o remorso contém uma
crença de que pisei no seu gato.
4. A noção de condições de satisfação aplica-se de
maneira bastante geral tanto para os atos de fala quanto
14 INTENCIONALIDADE
P AP M
parte do que faz com que o m eu desejo de que estivesse
chovendo seja o desejo que é, é que certas coisas o satis
farão e certas outras coisas não.
CENTRAI
DO
O conjunto dessas quatro ligações entre os estados
Intencionais e os atos de fala sugerem naturalmente uma
certa imagem da Intencionalidade: todo estado Intencio
nal com põe-se de um conteúdo representativo em um
certo m odo psicológico. Os estados Intencionais represen
BiBUOTEC*
tam objetos e estados de coisas, no mesmo sentido em
UNIVE»S-' D*OE
que os atos de fala representam objetos e estados de coi
sas (embora, repetindo, o façam por meios diferentes e
de um m odo diferente). Assim com o meu enunciado de
que está chovendo é uma representação de um certo es
tado de coisas, m inha crença de que está chovendo é
uma representação do mesmo estado de coisas. Assim co
mo a minha ordem para que Sam deixe a sala se refere a
Sam e representa uma determinada ação por parte dele,
meu desejo cle que Sam deixasse a sala se refere a Sam e
representa uma determinada ação por parte dele. A noção
de representação é convenientem ente vaga. Aplicada à
linguagem, podem os usá-la para dar conta não só da refe
rência, mas tam bém da predicação e das condições de
verdade ou de satisfação de maneira geral. Aproveitando
esse caráter vago, podem os dizer que os estados Intencio
nais imbuídos de um conteúdo proposicional e de uma di
reção de ajuste representam suas diversas condições de sa
tisfação, no mesmo sentido em que os atos de fala imbuí
dos de um conteúdo proposicional e de uma direção de
ajuste representam suas condições de satisfação.
16 INTENCIONALIDADE
P AH A
cognitiva contem porâneas. Para mim, uma representação
é definida por seu conteúdo e seu m odo, não por sua es
C E m TRAC
trutura formal. Com efeito, nunca pude perceber algum
ÜÜ
sentido claro na opinião segundo a qual toda representa
ção m ental deve ter um a estrutura formal, no sentido,
FcDtK^L
por exemplo, em que uma sentença tem uma estrutura
sintática formal. Deixando de lado algumas complicações
B<tíi_lO I EGA.
(relativas a Rede e Background) que surgirão mais adian
te, as relações formais entre essas várias noções podem
UNIVtKSiU-^ t
ser formuladas, neste estágio preliminar das investigações,
da maneira que se segue: todo estado Intencional com-
põe-se de um conteúdo Intencional em um modo psico
lógico. Nos casos em que esse conteúdo é uma proposi
ção completa e há uma direção de ajuste, o conteúdo In
tencional determina as condições de satisfação. Condições
de satisfação são as condições que, tal com o determ ina
das pelo conteúdo Intencional, devem ser alcançadas pa
ra que o estado seja satisfeito. Por esse motivo, a especifi
cação do conteúdo é já uma especificação das condições
de satisfação. Desse modo, se tenho uma crença de que
está chovendo, o conteúdo de minha crença é: que está
chovendo. E as condições de satisfação são: que esteja
chovendo — e não, por exem plo, que o chão esteja m o
lhado ou que esteja caindo água do céu. Uma vez que
toda representação - seja esta feita pela mente, pela lin
guagem, por imagens ou por qualquer outra coisa - está
sem pre subm etida a determ inados aspectos e não' a ou
tros, as condições de satisfação são representadas sob de
terminados aspectos.
18 INTENCIONALIDADE
B.9U 0 TEC A C E ^ T H A L
mas objeções céticas. Pode-se, com certeza, objetar que
toda representação exige um ato intencional da parte do
agente que faz a representação. Representar exige um agen
te representador e um ato intencional de representação e,
portanto, a representação exige a Intencionalidade e não
pode ser usada para explicá-la. E, o que é mais am eaça
dor, não é certo que os vários argumentos acerca da teo
ria causal da referência tenham dem onstrado que essas
entidades mentais “na cabeça” são insuficientes para de
monstrar de que m odo a linguagem e a mente se referem
às coisas do mundo?
Bem, não é possível responder a todas essas pergun
tas ao m esm o tem po e, nesta seção, limitar-me-ei a res
ponder a algumas delas de m odo a estender e aplicar o
enunciado prelim inar da teoria. Meu objetivo é duplo.
Q uero mostrar como esta abordagem da Intencionalidade
responde a certas dificuldades filosóficas tradicionais e,
ao fazer isso, pretendo ampliar e desenvolver a teoria.
1. Uma das vantagens desta abordagem, de forma al
guma menor, é permitir-nos distinguir claramente entre as
propriedades lógicas dos estados Intencionais e sua situa
ção ontológica; nessa exposição, a propósito, a questão
relativa à natureza lógica da Intencionalidade não é, abso
lutamente, um problema ontológico. Por exemplo, o que
é realmente uma crença? As respostas tradicionais presu
mem que a pergunta versa sobre a categoria ontológica
em que se encaixam as crenças, mas o importante, no
20 INTENCIONALIDADE
OO PARA
cadas. Ambas tentam resolver o problema mente-corpo,
quando a abordagem correta é perceber que tal problema
não existe. O “problema mente-corpo" não é um proble
CENTRAL
ma mais real que o do “estômago-digestão”. (Ver mais so
bre a questão no capítulo 10.)
Nesta altura, não é mais relevante para nós responder
à pergunta de como os estados Intencionais são realizados
na ontologia do m undo do que responder às perguntas
B .B U O r t C A
análogas sobre como se realiza um determinado ato lin
UNIVfctf^riü'" -t
güístico. Um ato lingüístico pode ser realizado através da
fala ou da escrita, em francês ou em alemão, em um teleti
po ou em um alto-falante, em uma tela de cinema ou em
um jornal. Para suas propriedades lógicas, porém, tais for
mas de realização são irrelevantes. Com razão consideraría
mos que não entendeu o problema alguém obcecado com
a questão cle se os atos de fala são ou não idênticos a fe
nômenos físicos tais como as ondas sonoras. As formas de
realização de um estado Intencional são tão irrelevantes
para suas propriedades lógicas quanto as formas em que é
realizado um ato de fala o são para as suas. As proprieda
des lógicas dos estados Intencionais surgem do fato de se
rem representações, e a questão é que podem, tal com o as
entidades lingüísticas, ter propriedades lógicas de um mo
do que as pedras e árvores não podem (embora os enun
ciados acerca de pedras e árvores possam), pois os esta
dos Intencionais, como as entidades lingüísticas e ao con
trário das pedras e árvores, são representações.
O célebre problema cle Wittgenstein sobre a inten
ção - Q uando ergo o braço, o que resta se subtraio o fa-
22 INTENCIONALIDADE
PARA
teúdo proposicional ou representativo, o ato de fala e o
estado Intencional não poderão ser satisfeitos. Nesses ca
sos, assim com o não há um “objeto referido” do ato de
U N IV E K S ID O O
tencional: se nada satisfizer a porção referencial do con
teúdo representativo, o estado Intencional será desprovi
do de um objeto Intencional. Assim, por exem plo, o
enunciado de que o Rei da França é calvo não pode ser
verdadeira, pois não existe um Rei da França e, do mes
mo modo, a crença de que o Rei cla França é calvo não
pode ser verdadeira, pois não existe um Rei da França. A
ordem para que o Rei da França seja calvo e o desejo de
que o Rei da França fosse calvo não podem ser satisfei
tos, ambos pela mesma razão: não existe um Rei da Fran
ça. Nesses casos, não há nenhum “objeto Intencional” cio
estado Intencional e não há nenhum “objeto referido” do
enunciado. O fato de nossos enunciados poderem não
ser verdadeiros por uma falta de referência não mais nos
inclina a supor que deveríamos erigir uma entidade mei-
nongiana à qual tais enunciados se refeririam. Percebe
mos que elas têm um conteúdo proposicional ao qual
nada satisfaz e que, nesse sentido, não “se referem ” a
coisa alguma. Precisamente do m esm o m odo, porém, su
giro que o fato de nossos estados Intencionais poderem
não ser satisfeitos, por não haver objeto a que seus con
teúdos se refiram, não deve mais deixar-nos perplexos a
ponto de erigirmos uma entidade m einongiana interm e
diária ou objeto Intencional a que tais estados se refiram.
Um estado Intencional tem um conteúdo representativo,
24 INTENCIONALIDADE
que está com prom etido com a verdade cie suas asserções
normais. Na imaginação, do m esm o modo, o agente tem
uma série de representações, mas a direção do ajuste
m ente-m undo é rompida pelo fato de os conteúdos re
presentativos não serem conteúdos de crenças, mas con
teúdos sim plesmente estocados. Fantasias e imaginações
PARA
têm seus conteúdos e, portanto, é como se tivessem con
dições de satisfação, do m esm o m odo que uma asserção
cen tral
simulada (ou seja, ficcional) tem um conteúdo e logo é
ÜO
como se tivesse condições de verdade, em bora em am
bos os casos os compromissos com as condições cle satis
fação sejam deliberadam ente suspensos. Não é um a falha
da asserção ficcional o seu caráter inverídico e não é
B ib l io t e c a
um a falha de um estado d e im aginação que nada no
t
m undo a ele corresponda7.
3. Se eu estiver certo em julgar que os estados Inten
UNIVfc*MU~
cionais com põem -se de conteúdos representativos em vá
rios m odos psicológicos, será no mínimo enganador, se
não sim plesmente um equívoco, dizer que uma crença,
por exemplo, é uma relação de dois termos entre alguém
que acredita e uma proposição. Um equívoco análogo se
ria dizer que um enunciado é uma relação de dois ter
mos entre um falante e um a proposição. Deve-se dizer,
preferivelmente, que uma proposição não é o objeto de
um enunciado ou crença, mas, antes, o seu conteúdo. O
conteúdo do enunciado ou crença de que De Gaulle era
francês é a proposição de que D e Gaulle era francês. Mas
essa proposição não é aquilo a que tal enunciado ou
crença se refere ou a que se direciona. Não, o enunciado
ou crença refere-se a De G aulle e representa-o com o
sendo francês por ter o conteúdo proposicional e o m o
do de representação - ilocucionário ou psicológico - que
tem. Do m esm o m odo com o “John esmurrou Bill” des
creve uma relação entre Jo h n e Bill, em que o m urro de
26 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
um configuração neural de idêntico tipo à que corres- ^
pondeu ao desejo de Carter e viu-se pronunciando a se- J
qüência fonética “Q uero concorrer à presidência dos Es- i
tados Unidos” etc. Mesmo assim, por mais idêntico que ^
fosse o tipo das duas realizações, seria impossível que o ^
B tB U O rE C A
estado mental do hom em do Pleistoceno fosse o desejo u
de concorrer à presidência dos Estados Unidos. Por que
não? Bem, usando um pressuposto, as circunstâncias não a
eram apropriadas. E qual o significado disso? Para res- t'
poncler a essa pergunta, explorem os rapidam ente o que ^
foi preciso ocorrer para que o estado de Carter pudesse ^
ter as condições de satisfação que teve. Para se ter o de- 3
sejo de concorrer à presidência, é necessário que tal dese
jo esteja implantado em toda uma Rede de outros estados
Intencionais. É tentador, mas equivocado, julgar que es
tes possam ser descritos exaustivam ente com o co n se
qüências lógicas do primeiro desejo - proposições que
têm de ser satisfeitas para que o desejo original seja satis
feito. Alguns dos estados Intencionais da Rede estão, as
sim, logicamente relacionados, mas não todos. Para que
seu desejo seja um desejo de concorrer à presidência,
Carter precisa ter um grande núm ero de crenças tais co
mo: que os Estados Unidos são um a república, que têm
um sistema presidencial de governo, que têm eleições
periódicas, que estas envolvem sobretudo um a disputa
entre os candidatos dos dois partidos majoritários, o Re-
28 INTENCIONALIDADE
PARA
uma descrição bastante simples da relação entre Intencio-
nalidade-com-c e intensionalidade-com-s. A intensionali-
dade-com-s é um a propriedade de certa classe de senten
CENTRAL
ças, enunciados e outras entidades lingüísticas. Diz-se
que uma sentença é intensional-com-s quando deixa de
t-'LOcK*;_
satisfazer certos testes de extensionalidade, tais com o a
substituibilidade de idênticos e a generalização existencial.
Costuma-se dizer que uma sentença como “John acredita
B . B U Ü T eC A
que o rei Artur matou sir Lancelot” é intensional-com-s
CENTRAL
próprios estados Intencionais-com -c sejam intensionais-
com-s. O relato de que John acredita que o rei Artur ma
tou sir Lancelot é de fato um relato intensional-com-s,
mas a crença de John não é em si mesma intensional. E
com pletam ente extensional: ela é verdadeira sse houver
B .B U O T E C A
um único x tal que x = rei Artur, um único y tal que y = sir
Lancelot, e x matou y. Dificilmente algo poderia ser mais
extensional» Diz-se amiúde, por razões totalmente confu
sas, que todos os estados Intencionais como as proposi
ções e os estados mentais são, de algum modo, intensio-
nais-com-s. Contudo, trata-se simplesmente de um erro,
originado da confusão entre as propriedades dos relatos
e as propriedades das coisas relatadas. Alguns estados In
tencionais são, de fato, intensionais-com-s, tal com o será
dem onstrado nas duas seções seguintes, mas não há n a
da inerentem ente intensional-com-s na Intencionaliclade-
com-c. A crença de John é extensional, em bora o meu
enunciado sobre ela seja intensional.
Mas e as condições de satisfação? São intensionais
ou extensionais? Muita confusão filosófica está contida
nesta pergunta. Se pensarm os nas condições de satisfa
ção como características do m undo que satisfazem ou sa
tisfariam um estado Intencional, seria estritam ente sem
sentido perguntarm os se são intensionais ou ex ten sio
nais. Se eu tiver uma crença verdadeira cle que está cho
vendo, determ inadas características do m undo tornarão
verdadeira minha crença, mas não faz sentido indapa.r se
CLASS.
C U T T ER
34 INTENCIONALIDADE
QQ k a R A
John acredita que o rei Artur mator sir Lancelot é intensio-
nal-com-s porque o enunciado é uma representação da
crença de John, minha crença cie que John acredita que o
CENTRAL
rei Artur matou sir Lancelot é um estado mental intensio-
nal-com-s, pois é um estado Intencional que é uma re
presentação da crença de John e, assim, suas condições
de satisfação dependem das características da representa
ção que está sendo representada e não das coisas repre
B(BL 10 TECA
sentadas pela representação original. O bviam ente, p o
VNIVEfc^lD* UE
rém, não decorre do fato de m inha crença acerca da
crença de Jo h n ser intensional-com -s que a crença de
John seja intensional-com-s. Repetindo, a crença dele é
extensional; minha crença acerca da dele é intensional.
(b) Até aqui, procurei explicar a Intencionalidade
dos estados m entais apelando ao nosso entendim ento
dos atos de fala. Mas é claro que a característica dos atos
de fala aos quais venho recorrendo é precisamente suas
propriedades representativas, quer dizer, sua Intenciona-
lidade-com -c. Portanto, a no ção de Intencionalidade-
com-c serve igualmente para os estados mentais e para
as entidades lingüísticas tais com o atos cle fala e senten
ças, para não falar de mapas, diagramas, listas de lavan
deria e um sem -núm ero de outras coisas.
E é por esse motivo que a explicação da Intenciona
lidade apresentada neste capítulo não é uma análise lógi
ca no sentido de oferecer condições necessárias e suficien
tes em termos de noções mais simples. Se tentássemos
tratar a explicação como uma análise, esta seria irremedia
velmente circular, dado que a característica dos atos de
36 INTENCIONALIDADE
IV. SIGNIFICADO
U N IV E K S ID A LE F t D c K H L UU PÀ& A
de intrinsecam ente Intencional nos produtos do ato de
emissão, ou seja, nos ruídos que saem de minha boca ou
nos sinais que fixo no papel. Ora, o problema do signifi
CENTRAL
cado, em sua forma mais geral, é o problem a de como
passar da física para a semântica, ou seja com o passar
(por exem plo) dos sons que saem da minha boca para o
ato ilocucionário? E a discussão apresentada até aqui nes
te capítulo proporciona-nos agora, acredito, um novo
BIBLIOTECA
m odo de ver essa questão. Do ponto de vista desta dis
cussão, o problem a do significado pode ser colocado co
mo se segue: De que modo a m ente impõe a Intenciona
lidade a entidades não intrinsecamente Intencionais, enti
dades com o sons e sinais gráficos, que constituem, se
gundo determ inada concepção, apenas fenômenos físicos
no m undo corno quaisquer outros? Uma emissão pode
ter Intencionalidade, da m esma forma como uma crença
tem Intencionalidade, mas enquanto a intencionalidade
da crença é intrínseca a da em issão é derivada. Logo, a
pergunta é: Como deriva ela sua Intencionalidade?
Existe um nível duplo de Intencionalidade na reali
zação do ato de fala. Existe, em primeiro lugar o estado
Intencional expresso, mas, em segundo lugar, está a in
tenção, no sentido comum e não técnico cia palavra, com
que é feita a emissão. Ora, é esse segundo estado Inten
cional, a intenção com que é realizado o ato, que confere
Intencionalidade aos fenôm enos físicos. Bem, e com o é
que isso funciona? O desenvolvim ento de uma resposta a
essa pergunta terá de esperar até o capítulo 6, mas, em
linhas gerais, a resposta é a seguinte: a m ente im põe
uma Intencionalidade a entidades não intrinsecam ente
38 INTENCIONALIDADE
paka
quis dizer; mas não faz sentido algum perguntar pelo sig
nificado da crença de que está chovendo nem pelo signifi
cado do enunciado de que está chovendo: no primeiro ca
CENTRAL
do
so, por não haver uma lacuna entre a crença e o conteúdo
Intencional, e, no segundo porque a lacuna já foi preen
FfcDtRAL
chida quando especificamos o conteúdo do enunciado.
Como de costume, as características sintáticas e se
mânticas dos verbos correspondentes fornecem-nos pis
tas úteis sobre o que está acontecendo. Se eu disser algu
B iBUOTEO
UNIVERSIDADE
ma coisa do tipo “John acredita que p ”, a sentença pode
ser auto-evidente. Mas se eu disser “John quer dizer que
p ”, a sentença parece exigir, ou pelo m enos pedir, um
com plem ento na forma “ao dizer tal e tal”, ou “ao enun
ciar tal e tal, John quer dizer que p " . John não poderia
querer dizer que p, a menos que estivesse dizendo ou fa
zendo alguma coisa por meio da qual quisesse dizer que
p, ao passo que pode sim plesmente acreditar que p sem
fazer coisa alguma. Q uerer dizer que p não é um estado
Intencional que pode ser auto-evidente do mesmo m odo
que acreditar que p. Para que se queira dizer que p, é
preciso que haja alguma ação manifesta. Q uando chega
mos a “John enunciou p ”, a ação torna-se explícita. Enun
ciar é um ato, ao contrário de acreditar e querer dizer,
que não são atos. Enunciar é um ato ilocucionário que,
em outro nível de descrição, é um ato de emissão. E a rea
lização do ato de emissão com um certo conjunto de in
tenções que converte o ato de emissão em um ato ilocu
cionário e, desse m odo, impõe Intencionalidade à emis
são. Ver mais sobre essa questão no capítulo 6.
40 INTENCIONALIDADE
V. CRENÇA E DESEJO
paka
zidas às duas direções do ajuste Cren e Des; poderíam os
até eliminar os casos com o am or e ódio, que não pos
suem uma proposição completa com o conteúdo Intencio
UNIVERSIDADE f e d e r a l do
nal, m ostrando que podem ser reduzidos a com plexos de
B IB l IOTECA CE.NTR
Cren e Des.
Para testar essa hipótese, precisamos antes estabele
cer que os casos cie Des, isto é, clesiring (desejar), wan-
ting (querer), wishing (ansiar) etc., possuem proposições
completas com o conteúdo Intencional. Tal característica
fica encoberta pelo fato de que na estrutura superficial
do inglês tem os sentenças com o “I w ant your h o u se”
(“Quero sua casa”), que parecem ser análogas a “I like
your h ouse” (“Gosto de sua casa”). Contudo, uma sim
ples argum entação sintática dem onstrará que a estrutura
superficial é enganosa e que wanting (querer) é, na ver
dade, uma atitude proposicional. Considere-se a sentença
PARA
Não creio, e um a ilustração clara é que, m esm o com
crenças e dSsejos fortíssimos, um a tal com binação de
central
do
crença e desejo não resulta em terror. Desse modo,
FEDERAL
Terror (p) Cren (Op) e Forte Des (~p)
biblioteca
atômica e quero muito que não ocorra, mas não estou
Ü N I V E R S I D a &E
aterrorizado pela possibilidade de sua ocorrência. Talvez
devesse, mas não estou. Mesmo assim, essa análise com-
ponencial cle estados com plexos com o o tem or aprofun
da nosso entendim ento dos estados Intencionais e de suas
condições de satisfação. Em um determ inado sentido,
querem os dizer que o fenôm eno superficial do tem or se
rá satisfeito sse a coisa que tem o vier a acontecer; em um
sentido mais profundo, porém, o tem or não tem outra di
reção do ajuste que não a crença e o desejo e, com efei
to, este é o que conta, pois a crença é uma pressuposi
ção do tem or e não sua essência. O fundamental no te
m or é querer muito que a coisa que se teme não ocorra,
ao mesmo tem po em que se acredita ser com pletam ente
possível sua ocorrência. E, nesse sentido mais profundo,
meu tem or será satisfeito sse a coisa que temo não ocor
rer, pois isso é o que desejo - que não ocorra.
Apliquemos agora essas sugestões a outros tipos de
estados Intencionais. A expectativa é o caso mais sim
ples, uma vez que, em um sentido de “expectativa”, as ex
pectativas são apenas crenças acerca do futuro. Portanto,
í
44 INTENCIONALIDADE
Estou pesaroso (p) -*■ Cren (p) & Cren (p está ligado a
mim) & Des (~p)
Remorso (p) Cren (p) & Des (~p) & Cren (sou respon
sável por p)
Culpar X por (p) -■* Cren (p) & Des O p) & Cren (X é
responsável por p)
A NATUREZA DOS ESTADOS INTENCIONAIS 45
Orgulho (p) * Cren (p) & Des (p ) & Cren (p está rela
cionado a mim) & Des (outros sabem que p)
Vergonha (p} > Cren (p) & Des (~p) & Cren (p esiá rela
cionado a mim) & Des (p está encoberto dos outros)
dada
üü PAP.A
conscientes, não apreendidas por uma análise do estado
em Cren e Des, que não precisam absolutamente ser cons
cientes. Assim, se estou em pânico, alegre, enojado ou
CÊNTKAL
aterrorizado, devo estar em algum estado consciente além
de ter certas crenças e desejos. E, até onde alguns dos
nossos exemplos não exigem que eu esteja em um estado
consciente, estamos inclinados, nessa medida, a achar que
a análise em termos de Cren e Des chega mais perto de
BiBUOTECA
ser exaustiva. Assim, se estou pesaroso por ter feito algu
UNlVt* - i0 - t
ma coisa, m eu pesar pode consistir simplesmente em mi
nha crença de que fiz algo e meu desejo de não tê-lo fei
to. Quando digo que há um estado consciente, não quero
dizer que exista sem pre uma “sensaçâo-prima”, além da
crença e do desejo, que poderíamos simplesmente extrair
e examinar em separado. De vez em quando ela existe,
como nos casos de terror, quando se fica com uma sensa
ção de aperto na boca do estôm ago. A sensação pode
continuar por algum tempo, mesmo depois que o medo
passou. Mas o estado consciente não precisa ser uma sen
sação corporal; em muitos casos, na atração ardente e na
repulsa, por exemplo, o desejo é parte do estado conscien
te de um m odo tal que não é possível separar este último,
deixando apenas a Intencionalidade da crença e do d e
sejo, isto é, os estados conscientes que fazem parte da
atração ardente e da repulsa são desejos conscientes.
O caso mais difícil de todos talvez seja o da inten
ção. Se tenciono fazer A, devo acreditar que me seja pos
sível fazer A e devo almejar, em certo sentido, fazer A.
Porém, chegarem os apenas a uma análise parcial da in
tenção com o seguinte:
48 INTENCIONALIDADE
óO f*AftA
desprovidos de um a direção de ajuste e, portanto, apa
rentem ente desprovidos de condições de satisfação con
têm crenças e desejos imbuídos de direção do ajuste e
CENTRAL
condições de satisfação. A alegria e a tristeza, por exem
plo, são sentim entos que não po d em ser reduzidos a
Cren e Des, mas, no que diz respeito à sua Intencionali
dade, não têm Intencionalidade alguma além de Cren e
Des; em cada caso, sua Intencionalidade é uma forma de
BiBUOTECA
desejo, dadas certas crenças. No caso da alegria, o indiví
'.-t
duo acredita ter um desejo satisfeito; no caso da tristeza,
acredita que não. E até os casos não-proposicionais são
sentimentos, conscientes ou não, cuja Intencionalidade é
UNIVfc*
parcialmente explicável em termos cle Cren e Des. Certa
m ente, os sentim entos especiais de am or e óctio não
equivalem a Cren e Des, porém no mínimo uma signifi
cativa porção da Intencionalidade do am or e do óclio é
explicável em termos de Cren e Des.
Em poucas palavras, a hipótese defendida por nossa
breve discussão não é a de que todas ou mesmo várias
formas de Intencionalidade podem ser reduzidas a Cren
e Des - o que é claramente falso -, mas sim a de que to
dos os estados Intencionais, m esm o aqueles desprovidos
cle uma direção de ajuste e aqueles que não têm uma
proposição completa por conteúdo, não obstante contêm
uma Cren ou um Des, ou ambos, e que em diversos casos
a Intencionalidade do estado é explicada pela Cren ou
pelo Des. Em sendo verdadeira essa hipótese, a análise da
Intencionalidade em termos de representação de condições
de satisfação sob determinados aspectos e com um a de-
50 INTENCIONALIDADE
DO PARA
tenção cuja causação Intencional está empalidecida.
CENTRAL
ú c -DhK^L
B.BUOTEC*
_
CAPÍTULO 2
A INTENCIONALIDADE DA PERCEPÇÃO
ac
<
i.
B iB U O r t C A . Ct_N.TR.AV_
j
L
U
/
l q
«.
Tradicionalmente, o “problem a da percepção” tem ^
sido o problem a cle como nossas experiências percepti- ^
vas internas estão relacionadas com o m undo externo. 3
Acredito que devamos desconfiar m uito dessa m aneira de
formular o problema, uma vez que a metáfora espacial
em termos de interno e externo, ou interior e exterior, re
siste a qualquer interpretação clara. Se meu corpo, incluin
do todas as suas partes internas, é parte do m undo exter
no, com o seguram ente é, on d e deverá se localizar o
m undo interno? Em que espaço ele é interno com relação
ao m undo externo? Em que sentido, exatamente, minhas
experiências perceptivas estão “aqui dentro” e o m undo
está “lá fora”? Apesar disso, tais metáforas são persisten
tes e talvez até inevitáveis; por este motivo, revelam cer
tos pressupostos subjacentes que precisaremos examinar.
Meu objetivo no presente capítulo não será, exceto
incidentalmente, discutir o tradicional problem a da per-
54 INTENCIONALIDADE
PARA
sentido que o conteúdo da crença determina suas condi
ções de satisfação. Suponha-se que nos perguntemos, “O
CENTRAL
que torna a presença ou a ausência de chuva sequer rele
UÜ
vante para minha crença de que está chovendo, uma vez
que, afinal de contas, a crença é apenas um estado m en
i D ' - . ti (■ c 0 c.’< “
tal?”. Ora, podem os, analogamente, nos perguntar: “O que
torna a presença ou a ausência de uma caminhonete am a
BIBLIO TECA
rela sequer relevante para minha experiência visual, uma
vez que, afinal de contas, a experiência visual é apenas
um acontecim ento mental?” E, em ambos os casos, a res
posta é que as duas formas de fenôm enos mentais, crença
e experiência visual, são intrinsecamente Intencionais. In
ternamente a cada fenôm eno há um conteúdo Intencional
que determina suas condições de satisfação. A hipótese de yNIVfc
que as experiências visuais são intrinsecamente Intencionais
é, em resumo, a de que elas têm condições de satisfação
determinadas pelo conteúdo da experiência exatamente no
mesmo sentido que outros estados Intencionais têm condi
ções de satisfação que são determinadas pelo conteúdo dos
estados. Ao estabelecer uma analogia entre experiência vi
sual e crença, todavia, não pretendo sugerir que sejam pare
cidas em todos os aspectos. Mais adiante mencionarei diver
sas diferenças cruciais.
Se aplicarmos o aparato conceituai desenvolvido no
capítulo precedente, poderem os apresentar diversas se
melhanças im portantes entre a Intencionalidade da per
cepção visual e, p o r exemplo, a da crença.
1. O conteúdo da experiência visual, tal com o o da
crença, é sem pre equivalente a um a proposição comple-
58 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
visual. Q uando digo, por exemplo, “Vejo uma caminho- 3
nete amarela na minha fren te’, norm alm ente não quero J
significar que vejo uma cam inhonete que por acaso lam- t
bém está na minha frente, mas sim que vejo que há uma ó
cam inhonete amarela na minha frente. Uma pista adicio- ^
BtBLlQTECA
nal de que a forma “ver q u e” expressa o conteúdo Inten- xi
cional da experiência visual é que esta forma é intensio-
nal-com-s com respeito à possibilidade de substituição, 9
ao passo que as declarações em terceira pessoa da forma x.
“x vê y" são (em geral) extensionais. Quando, nos relatos >
em ver em terceira pessoa, usam os a forma “vê q u e”, es- Z
tamos com prom etidos a relatar o conteúdo da percepção, 3
tal com o apareceu ao percipiente, de um m odo que não
estaríamos se usássemos uma simples frase nom inal co
mo objeto direto de “ver”. Desse m odo, por exemplo,
Mas
II
CEN TR A L
conteúdos diferentes e, portanto, diferentes condições cle ^
satisfação. j
Embora eu considere correta a caracterização da au- 1
to-referencialidade causal, ela nos coloca algumas ques- >
tões difíceis, às quais não estam os ainda em condições
rfcCA
de responder. Qual é o sentido de “causa” nas formula-
ções acima? Não teria essa explicação a conseqüência cé
.Quto
tica de nunca poderm os ter a certeza de que nossas ex- ^
periências visuais são satisfeitas, um a vez que não existe
uma posição neutra a partir da qual possamos observar a f, 10
relação causal para verificar se a experiência foi de fato -2
satisfeita? Tudo o que poderem os chegar a obter é mais ^
experiências do mesmo tipo. Discutirei essas duas ques
tões mais adiante, a primeira no capítulo 4 e a segunda
no final deste capítulo.
Outra distinção entre a forma de Intencionalidade
exemplificada pela percepção visual e formas diversas
como as crenças e os desejos está relacionada ao caráter
do aspecto ou ponto de vista sob o qual o objeto é visto
ou percebido cle outro modo. Q uando tenho a represen
tação de um objeto Intencional em uma crença ou em
um desejo, este será sem pre representado sob um ou ou
tro aspecto, mas, na crença e no desejo, o aspecto não é
limitado do m esm o m odo que o aspecto da percepção
visual é determ inado pelas características puram ente físi
cas da situação. Por exemplo, posso representar um de-
72 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
genstein lida, ou melhor, não consegue lidar, com essa o
dificuldade, dizendo tratar-se simplesmente de usos clife- j
rentes do verbo “ver”. Mas tal não parece contribuir mui- *
to para esclarecer a relação d.os aspectos com os objetos ^
Intencionais. Creio que a solução de nosso enigma é as- u
B tBUO TECA
sinalar que, assim como podem os ver objetos literalmen
te, mesmo que sempre que vemos um objeto o vejamos .
sob um determ inado aspecto, podem os literalmente ver ^
aspectos dos objetos. Vejo literalmente o aspecto pato e 7
vejo literalmente o aspecto coelho do desenho que está ^
diante de mim. Ora, em minha abordagem, isso nos com- i
prom ete com a noção de que vemos tais aspectos sob 3
certos aspectos. Mas por que razão isso nos deveria inco
modar? Na verdade, se estivermos dispostos a aceitar essa
noção, o paralelo com outros estados Intencionais estará
preservado. Tal como vimos no caso em que John ama
Sally ou crê em algo acerca de Bill, é sem pre sob deter
minado aspecto que John ama Sally e sob determ inado
aspecto que crê em algo acerca de Bill, mesmo que aqui
lo a que o am or de John está dirigido e aquilo a que se
refere sua crença não seja um aspecto. Mas, além disso,
não há nada que o impeça de amar um determ inado as
pecto de Sally ou acreditar em alguma coisa sobre um
determ inado aspecto de Bill. Ou seja, não há nada que
impeça um aspecto de ser o objeto Intencional de uma
74 INTENCIONALIDADE
S iB L IQ TÊLC A
j <
d e ajuste m undo m undo m ente m undo 1. O
UJ
J i-
D ireção de m undo- nenhum a nen h u m a m undo- - O
1 —
causação tal com o m ente m ente o J
determ inada pelo <5
x (í
co n teúdo Intencional
>
z
III
PARA
visual teremos, não obstante, o conteúdo Intencional ori
ginal da experiência visual. As experiências visuais têm
realmente, com o parte de seus respectivos conteúdos In
CENTRAL
tencionais, que a lua seja m enor no alto do que no hori
zonte, e o argum ento em favor de tal premissa é que se
UNIVE ® S I D A 1 ê F t D t K A L
imaginarmos que as experiências visuais perm anecessem
em seu estado atual, mas as crenças estivessem ausentes,
que simplesmente não tivéssemos nenhum a crença rele
vante, estaríamos realmente inclinados a acreditar que a
BiBUOTtO
lua m udou de tam anho. Som ente em razão de nossa
crença independente de que o tam anho da lua perm ane
ce constante é que permitimos que a Intencionalidade da
crença se sobreponha à Intencionalidade da nossa expe
riência visual. N esses casos, acreditam os que nossos
olhos nos enganam . Encontram os um exem plo sem e
lhante nas linhas de Müller-Lyer:
>----------- <
<-------- >
IV
<
Experiência visual _____ i V
Fig. 1 'I
: o
3
I Experiência visual
Percipiente
Fig. 2
82 INTENCIONALIDADE
£ sensorial
Percipiente
Objeto 1
Fig- 3
A teoria representativa
Dado sensorial
Percipiente
VI
enquanto diverso de
A INTENCIONALIDADE DA PERCEPÇÃO 95
Q . B L I O T ê CA <
.u* • t. I- t-kJ-
pacidade mental nào-representacional; ele tem a capaci
dade de reconhecer Bernard Baxter, mas essa própria ca
pacidade não contém, nem consiste de, representações.
Dado que Bill Jones reconhece Bernard Baxter e o
Bill Jones gêm eo reconhece o Bernarcl Baxter gêmeo, e
ambos têm experiências qualitativamente idênticas, o que
UNI V t
há em uma experiência que requer Bernard Baxter e, na
outra, que requer o Bernard Baxter gêm eo como condi
ções de satisfação? Intuitivamente, sentimos nesse caso,
tal como no das Sallys gêmeas, que Bill Jones reconhece
um homem com o o seu Bernard Baxter e que o Bill Jo
nes gêm eo reconhece outro hom em com o o seu Bernard
Baxter. Mas com o podem os explicar detalhadam ente essa
intuição em um caso em que não haja representações
prévias às quais o conteúdo Intencional possa fazer refe
rência? Cada qual tem uma experiência cujo conteúdo é
enquanto diverso de
98 INTENCIONALIDADE
VII
BiBLiO t elc a c e m t r a v .
carro está causando a minha experiência visual. Sim ples-o
mente vejo o carro. Do fato de que a experiência visual j
deve ser causada pelo carro para que eu possa vê-lo (eta- ^
pa 1) não decorre que a experiência visual seja a “b a se” ^
ou a com provação de meu conhecim ento de que vejo o ^
carro (etapa 2) nem que haja alguma inferência causal en
volvida (etapa 3 ), da experiência visual com o efeito para
o objeto material com o causa. Não infiro que o carro é a q
causa de minha experiência visual mais do que infiro que 7
é amarelo. Ao ver o carro, posso ver que é amarelo e te- oi
nho uma experiência, parte de cujo conteúdo é ser causa- —
da pelo carro. O conhecim ento de que o carro causou mi- 3
nha experiência visual deriva do conhecim ento de que o
vejo, e não o contrário. Dado que não infiro que há um
carro presente, mas simplesmente o vejo, e dado que não
infiro que o carro causou minha experiência visual, mas
esta é, antes, parte do conteúdo da experiência causada
pelo carro, não é correto dizer que a experiência visual é
a “base”, no sentido de comprovação ou fundamento para
se saber que há um carro presente. A “base” é, antes, o
fato de que eu vejo o carro e o meu ato de ver o carro
não tem nenhum a base prévia nesse sentido. Eu apenas
vejo. Um dos com ponentes do evento de ver o carro é a
experiência visual, mas não se faz uma inferência causal
da experiência visual para a existência do carro.
104 INTENCIONALIDADE
VIII
K
<
9.
C fcN TR M .
K ‘-t. O
B .BU O TfcC*
UNIVF.KSID* L. £
I
PAWA
representadas pela sentença “eu voto em Jo n e s”, que é
exatam ente aquela encaixada nas sentenças que repre
sentam os estados Intencionais. As duas últimas sen ten
DO
ças, mas não a primeira, perm item um apagam ento de
SN igual do “eu ” repetido e uma inserção do infinitivo na
estrutura superficial, assim:
B<BL.iOT&CA-
I want to vote for Jones
(Eu quero votar em Jones)
UNlve^^iDAufc
I intend to vote for Jones.
(Eu tenho a intenção de votar em Jones.)
II
por Dan B en nett4. Um hom em pod e tentar matar uma 'JL ffi
111
III
C tH T
var que, m esm o nos casos em que tenho uma intenção
prévia de realizar determinada ação, haverá normalm ente
uma grande quantidade de ações subsidiárias, não repre
B-QuiOr&CA.
sentadas na intenção prévia, mas que, m esmo assim, são
realizadas intencionalm ente. Por exem plo, suponham os
que eu tenha a intenção prévia de ir dirigindo até o escri
tório e suponham os que, enquanto estou levando a cabo
essa minha intenção prévia, m udo da segunda para a ter
ceira marcha. Não tive nenhum a intenção prévia cle m u
dar de segunda para terceira. Q uando formei minha in
tenção de ir dirigindo até o escritório eu nem havia p en
sado nisso. No entanto, minha ação de mudar a marcha
foi intencional. Em tal caso, tive uma intenção na ação ao
mudar de marcha, mas nenhuma intenção prévia de o fazer.
Todas as ações intencionais têm intenções na ação,
mas nem todas têm intenções prévias. Posso fazer algo
intencionalm ente sem ter form ado uma intenção prévia
de o fazer e posso ter uma intenção prévia de fazer algo
e todavia não fazer nada no sentido dessa intenção. M es
mo assim, nos casos em que o agente está agindo com
base em uma intenção prévia, deve haver uma estreita
ligação entre a intenção prévia e a intenção na ação, e
tam bém terem os de explicar essa ligação.
120 INTENCIONALIDADE
)
CENTRAL
ia
William Jam es8, em que se ordena a um paciente com o
t l i i i -
braço anestesiado que o erga. Os olhos do paciente estão
vendados e, sem que ele o saiba, seu braço está preso
para impedir que se mova. Ao abrir os olhos, ele fica sur
preso ao descobrir que não ergueu o braço; ou seja, fica
BiBLlO TtC A .
k j NI Vf e f ' , ír<D/-1. fc. F
surpreso ao descobrir que não houve movimento do bra
ço. Em um caso assim, ele tem a experiência de agir e tal
experiência teve claram ente uma Intencionalidade; pocle-
se dizer do paciente que sua experiência foi tentar, mas
sem conseguir, erguer o braço. E as condições de satisfa
ção são determinadas pela experiência; ele sabe o que
está tentando fazer e fica surpreso ao descobrir que não
o conseguiu. Tal caso é análogo ao cia alucinação na per
cepção, pois o com ponente Intencional ocorre na ausên
cia das cond ições de satisfação. Considerem os agora os
casos relatados por Penfield, em que temos os m ovim en
tos corporais, mas não os com ponentes Intencionais.
Condições de satisfação do que haja objetos, estados que haja certos m ovim entos
com ponente Intencional de coisas etc.. com certas corporais, estados etc. do
características e certas agente e que estes tenham
relações causais com a certas relações causais com
experiência visual a experiência de agir.
IV
i t f tD t- K * !- Uw
B tB U U lE C A » C E N T R A L
mos da ação para verificar, a uma grande distância, que
descrição podem os fazer dela, mas temos de nos aproxi
mar bastante dela e verificar o que essas descrições estão
de fato descrevendo. O outro m étodo produz, incidental-
mente, resultados verdadeiros mas superficiais, co m o o
que afirma que uma ação “pode ser intencional em uma
descrição, mas não-intencional em outra” - seria igual
m ente possível dizer que um carro de bom beiros pode
ser verm elho em uma descrição, mas não-verm elho em
outra. O que se quer saber é: Quais fatos, exatam ente, es yNIVE
sas descrições descrevem? Que fato relativo à ação torna-a
“intencional em uma d escrição ” e que fato acerca dela
torna-a “não-intencional em outra”?
Suponham os que eu, recentem ente, tenha tido a in
ten ção prévia de ergu er o b raço e su p o nh am os qu e,
agindo com base nessa intenção, eu agora erga o braço.
Como é que isso funciona? O conteúdo representativo da
intenção prévia pode ser expresso da seguinte maneira:
F t ü c * * 1- ÜW
CENTRAL
físico, podem os representar cada com ponente separada
mente a fim de explicitar na íntegra o conteúdo da inten
ção prévia. Além disso, com o tanto a auto-referência da
intenção prévia com o a da intenção em ação são cau
sais11, a intenção prévia ocasiona a intenção em ação cau
B iB U O T E C *
sadora do movimento corporal. Em virtude da transitivida
de cia causaçào Intencional, podem os dizer que a inten
ção prévia causa tanto a intenção em ação com o o movi
m ento e, uma vez que tal com binação equivale sim ples
mente à ação, podem os dizer que a intenção prévia causa
a ação. A imagem que se apresenta é a seguinte:
ação
„ . causa causa
intenção previa --------- ►intenção em a ç ã o -----------► movimento
corporal
PARA
ponentes, a experiência de agir e o movimento, onde a
experiência de agir causa o m ovim ento e tem o m ovi
mento (juntamente com suas características) com o o resto
CENTRAL
DQ
de suas condições de satisfação. O conteúdo da experiên
cia de agir é que haja um movimento de meu braço, e é
PtÜtKfu
auto-referente no sentido em que, a m enos que o movi
mento seja causado por essa experiência, as condições de
satisfação não se realizam, ou seja, não ergo realmente o
SiB U O TECA
braço. A intenção prévia de erguer o braço representa tan
UNIV£*í?iD<ai.'t
to a experiência de agir com o o movimento, e é auto-refe-
rente no sentido em que, a m enos que essa intenção cau
se a experiência de agir, que, por sua vez, causa o movi
mento, eu não levo efetivamente a cabo minha intenção
prévia. Tais relações podem ser explicitadas pela expansão
de nosso quadro anterior (p. 135). (O s quadros costumam
ser aborrecidos, mas, com o este contém um resumo de
grande parte da teoria da Intencionalidade, peço ao leitor
que o exam ine com muita atenção.)
Alguns aspectos desse novo quadro m erecem desta
que. Em primeiro lugar, nem a lem brança nem a inten
ção prévia são essenciais para a p ercepção visual ou para
a ação intencional, respectivam ente. Posso ver uma por
ção de coisas que não me lembro de ter visto e posso rea
lizar muitas açõ e s intencionais sem a m enor in ten ção
prévia de as realizar. Em segundo lugar, a assimetria da
direção do ajuste e da direção da causação é perfeita de
mais para ser acidental. Grosso modo, a explicação intuiti
va é a seguinte: quando tento fazer com que o mundo
g ,g
o S U“ -c-
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-C o
O 53
* E S S 'S
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INTENÇÃO E AÇÃO 135
D e .*
do quadro não pretende sugerir que a p e rcep çã o e a
fc.UA.
ação funcionam ind epend entem ente uma da outra. Na
Fl
■maior parte das açõ es com p lexas, tais com o guiar um
i- fc
carro ou com er uma refeição, tenho de ser capaz de per
S iü L f U T
ceber o que estou fazendo para o poder fazer; e, do m es
mo modo, há um elem ento intencional na m aior parte
das p e rcep çõ es com p lexas, co m o quando observ o um
yw ivfe
quadro ou sinto a textura de um tapete. Em quinto lugar,
por causa da transitividade da causação, permiti-me o sci
lar entre dizer que a lem brança de ver a flor é causada
pelo evento de ver a flor e que a lembrança de ver a flor
é cau sada p ela ex p e riê n cia visual, qu e, por su a vez,
quando satisfeita, é causada pela presença cia flor. Do
mesm o m odo, oscilo entre dizer que a intenção prévia
causa a ação e que a intenção prévia causa a intenção
em ação causadora do movimento. Uma vez que em ca
da caso o evento com p lexo tem um com ponente qu e é,
ao m esmo tem po, Intencional e causal, e uma vez que
em cada caso o com ponente Intencional está em certas
relações causais com outro estado Intencional que repre
senta o evento com plexo inteiro, não me parece ser im
portante qual dos dois modos de falar adotaremos.
I
136 INTENCIONALIDADE.
puxou o gatilho
disparou o revólver
atirou no arquiduque
matou o arquiduque
assestou um golpe contra a Áustria
vingou a Sérvia
Além disso, cada elem ento dessa listagem está sistem ati
cam ente relacionado aos que o precedem e aos que o
sucedem: Princip, por exem plo, disparou o revólver por
meio de apertar o gatilho e atirou no arquiduque por m eio
de disparar o revólver. Algumas dessas relações, mas não
todas, são causais. Puxar o gatilho causa o disparo do re
vólver; mas matar o arquiduque não é a causa do golpe
assestado contra a Áustria: nas circunstâncias dadas, ma-
tá-lo é assestar sim plesm ente um golpe contra a Áustria.
Os elem entos da listagem, juntam ente com as relações
causais (ou de outro tipo) entre eles constituem as condi
ções de satisfação de uma única intenção em ação com
plexa por parte de Princip. Prova disso é que a especifi
cação de qualquer um deles, ou de todos, pode ser tida
com o uma autêntica resposta à pergunta “O que você es
tá fazend o agora?”, em que essa pergunta quer saber
INTENÇÃO EAÇÃO 137
puxou o gatilho
disparou o revólver
atirou no arquiduque moveu uma porção de
matou o arquiduque moléculas de ar
assestou um golpe contra a Áustria
vingou a Sérvia
arruinou as férias de verão de Lord Grey
convenceu o imperador Francisco Jo sé de que Deus
estava punindo sua família
deixou Guilherme II irado
deflagrou a Primeira Guerra Mundial
C tN -TR A -L
uma ação básica. Ele apenas tenciona fazê-lo e o faz. Pa
ra virar à esquerda, um principiante deverá apoiar seu
peso sobre o esqui que estiver mais abaixo, ao m esm o
tempo que o im pele na direção da encosta, frear o esqui
8<ei~IÜTÊ.CA.
que estiver mais acima, em seguida transferir o p eso da
esquerda para a direita etc., etapas que descrevem, todas,
t.
o conteúdo das intenções em ação do esquiador. Para
UUlVfef'> *0>
dois agentes, os movimentos físicos podem ser incliferen-
ciáveis, m esm o que um esteja realizando o que seria -
para ele - uma ação básica, enquanto o outro está reali
zando as m esm as ações co m o m eio para realizar uma
ação básica. Além disso, essa definição teria com o co n se
qüência que, para qualquer agen te dado, não haveria
uma linha divisória nítida entre suas ações básicas e as
não-básicas. Novamente, contudo, talvez seja esta a m a
neira correta cie descrever os fatos.
VI
c ê n t r a -l
modo com o o conteúdo Intencional apresenta suas co n
dições de satisfação.
C om o é p o ssível distinguir en tre os asp e cto s do
evento com p lexo sob os quais este constitui uma ação
etB w iO itC A -
não-intencional e aqueles tão afastados da intenção que,
sob eles, o evento nem sequer é uma ação? Q uando Édi-
po se casou com a própria m ãe, mobilizou uma porção
de m oléculas, causou algumas alterações neurofisiológi-
cas em seu próprio cérebro e alterou sua relação espacial
com o Pólo Norte. Tudo isso ele fez sem intenção, e n e
nhuma delas é uma ação de sua autoria. Contudo, sinto-
me inclinado a dizer que, ao desposar a mãe, em bora o
tenha feito sem intenção, foi, ainda assim, uma ação -
uma ação não-intencional. Qual é a diferença? Não co
nheço nenhum critério claro para distinguir, entre os as
pectos das açõ es intencionais, aqueles sob os quais elas
são intencionais e aqueles sob os quais o evento nem se
quer é uma ação. Um possível critério aproxim ado, suge
rido por D ascal e G ruengard14, é que con sid erem os a
ação não-intencional sob aqueles aspectos que, em bora
não pretendidos, situam-se, por assim dizer, no cam po
das possibilidades de ações intencionais do agente sob
nosso ponto de vista. Assim, casar-se com a m ãe situa-se
no cam po da possibilidade de constituir uma ação inten
cional por parte de Édipo, mas m obilizar m oléculas, não.
142 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
meu jargão, isso equivale a dizer que as condições de sa
tisfação de sua crença não foram satisfeitas e não as de
sua intenção. Um engano correlato é supor a existência
de uma relação íntima, talvez até uma identidade, entre
intenção e responsabilidade. Mas consideram os as p es
B iB U Ú lfc C A
soas responsáveis por muitas coisas que elas não preten
dem e não as julgam os responsáveis por muitas coisas
que efetivam ente pretendem. Um exem plo do primeiro
caso é o do m otorista que, por im prudência, atropela
uma criança. Ele não pretendia fazer isso, mas é con sid e
rado responsável. E um exem plo do segundo caso é o do
hom em que é forçado a assinar um contrato sob a mira
de uma arma. Ele pretendeu assinar o contrato, mas não
é considerado responsável.
A redução das intenções a crenças e desejos. P od e
mos reduzir as intenções prévias a crenças e desejos? Du
vido, e a razão tem a ver com a auto-referencialiclade
causal especial das intenções. Mas é elucidativo averiguar
até onde conseguim os chegar. Se eu tiver a intenção pré
via de realizar a ação A, devo acreditar ser possível reali
zar A e devo ter um desejo de realizar A. O desejo de rea
lizar A p od e ser “secu n d ário” e não “prim ário”, com o
quando, por exem plo, quero realizar A enquanto m eio
para um determ inado fim e não “por si m esm o”. O bser
ve-se ainda que não é preciso que eu acredite que vou
144 INTENCIONALIDADE
9 ,S u '0 T Ê .C A . C 6 N T R M .
m os dizer, por exem plo, “Porque está se preparando pa
^
ra cortar uma árvore”.
Uma d iscu ssão m ais d etalhad a da e x p lic a çã o do
U N I V t f c H D - ; t F s .ü t«A u
com portam ento talvez seja tema para outro livro, mas já
está implícita em minha interpretação a seguinte restrição
à explicação do com portam ento: na explicação Intencio
nal das ações, o conteúdo proposicional da explicação
deve ser idêntico ao conteúdo proposicional de um esta
do Intencional que funcione causalm ente, via causação
Intencional, na produção do com portam ento. Tais esta
dos que funcionam causalm ente podem ser ou intenções
ou estados antecedentes tais com o desejos, crenças, es
peranças, tem ores etc., que causam as intenções através
da razão prática. Q ualquer que seja o caso, porém , se a
explicação de fato explica, o seu conteúdo proposicional
deve ser idêntico ao conteúdo proposicional do estado
Intencional que funciona via causação Intencional.
O que você está fazendo agora? O conteúdo da inten
ção em ação faz referência a si próprio. É por isso que faz
perfeitam ente sentido dizer, em resposta à pergunta “O
qu e.v ocê está fazendo agora?”, “Estou erguendo o b raço ”,
e não “Estou causando a subida de meu braço”, em bora
esta última expressão articule o com ponente não-auto-re-
ferente da intenção em ação. Mas a ação com pleta é uma
intenção em ação mais um movimento corporal causado
pela intenção em ação e que é o resto das condições de
148 INTENCIONALIDADE
vn
00
te são causadas por intenções prévias. Todavia, o conteú
CENTRAL
do Intencional da intenção em ação não é que ela deva
E F t D t * “ L.
causar a ação, mas sim que deva causar o m ovim ento
(ou estado) do agente que é sua condição de satisfação;
e os dois em conjunto, intenção em ação e movimento,
OtBUüTECA
constituem a ação. Assim, não foi de todo correto dizer
que uma ação intencional é sim plesm ente a cond ição de
UNIVEK^D^i
satisfação de uma intenção; foi errado por duas razões:
as ações não requerem intenções prévias e, em bora re
queiram efetivam ente intenções em ação, a condição de
satisfação da intenção em ação não é a ação, mas sim o
m ovim ento ou estado do agente tal com o é causado pela
intenção em ação. Repetindo, uma ação é qualquer even
to ou estado com p osto que co n ten h a a ocorrên cia de
uma intenção em ação. Se essa intenção em ação causa o
resto de suas condições cle satisfação, o evento ou estado
é uma ação intencional realizada com sucesso; do co n
trário, é malsucedida. Uma ação nâo-intencional é uma
ação nào-intencional, seja ela bem ou malsucedida, que
tem em si aspectos não tencionados, ou seja, que não fo
ram apresentados com o condições de satisfação da inten
ção em ação. Contudo, muitas coisas que faço sem in
tenção, com o espirrar, não são ações, pois, em bora sejam
coisas que causo, não contêm intenções em ação.
150 INTENCIONALIDADE
PARA
Quero (soltar a corda).
CEnTWal
DO
tenção em ação: o alpinista diz a si mesm o, “Agora!”, e o
conteúdo de sua intenção em ação é
Ft DER AL
Estou agora soltando a corda.
B 'B u ü T £ C A
Isto é,
UNIVERSIDADE
Essa intenção em ação faz com que minha mão afrouxe
sua pressão sobre a corda.
CENTRAL
co. Mesmo que, sem que eu saiba, o meu braço esteja liga- 3
do a uma profusão de fios que passam por Moscou e retor
nam via San Diego e quando tento erguer o braço isso ati- *
ve toclo esse aparato cie modo a que o braço se erga, ainda 'j
assim eu ergo o braço. E, com efeito, em alguns tipos de
© iBU O ieCA
ação complexa, chegamos a conceder que se possa realizar
U N IV ER S lD A i-fc
uma ação fazendo com que outros a realizem. Desse m o
do, dizemos, “Luís XIV construiu Versalhes”, mesmo que a
construção de fato não tenha sido realizada por ele.
Os contra-exem plos que discutimos até aqui, portan
to, são facilm ente explicáveis por uma teoria da In ten cio
nalidade da intenção e da ação, e especialmente por um es
tudo das intenções em ação. Entretanto, o presente estu
do ainda está incom pleto, pois há uma classe de possí
veis contra-exem plos que ainda não foi discutida, casos
em que a intenção prévia causa uma outra coisa que cau
sa a intenção em ação. Suponham os, por exem plo, que a
intenção de Bill de matar o tio lhe cause uma dor de es
tôm ago e que essa dor de estôm ago o deixe tão irado
que ele se esqueça de sua intenção original, mas, em sua
ira, ele mata o primeiro hom em que vê, o qual reco n h e
ce com o o tio. A elim inação desses contra-exem plos, ju n
tamente com mais alguns contra-exem plos acerca da In
tencionalidade das experiências perceptivas, terá de es
perar até que possam os apresentar um estudo da causa-
ção Intencional no capítulo 4.
CAPÍTULO 4
CAUSAÇÃO INTENCIONAL
ac
<
x
CENTRAL
uó
KtOtK-L.
I
B iB u lO T E C *
WNIVEK^iD-. t
Há na filosofia da m ente uma incôm oda relação en
tre Intencionalidade e causalidade. A causalidade é geral
mente considerada uma relação natural entre eventos no
m undo; a Inten cio n alid ad e é con sid erad a de diversos
modos, mas, em geral, não com o um fenôm eno natural a
integrar a ordem natural tanto quanto qualquer outro fe
nôm eno bio ló g ico . A In ten cio n alid ade é muitas vezes
considerada algo transcendente, algo situado acim a ou
além, mas apartado do mundo natural. O que dizer, en
tão, da relação entre Intencionalidade e causalidade? Po
dem os estados Intencionais agir causalmente? E onde re
side sua causa? Tenho diversos objetivos neste capítulo,
mas um dos principais é dar um passo n o sentido de In-
tencionalizar a causalidade e, portanto, no sentido de na
turalizar a Intencionalidade. Com eçarei esse em preendi
mento por examinar algumas das raízes da moderna ideo
logia da causação.
156 INTENCIONALIDADE
II
PAR*
vez, excluindo as alucinações e coisas do gênero, sem
nenhum a outra observação, a resposta à pergunta “O que
CENTK.VU
o levou a cair na sarjeta?” seria “O hom em chocou-se
ÚO
contra mim e em purrou-m e para a sarjeta”. Nesse caso,
quer-se dizer, “Sei tudo isso porque me senti sendo em
Fcl>c *
purrado para a sarjeta e vi o hom em fazendo-me isso”.
Os quatro casos acima envolvem a Intencionalidade
BiBUQTfcC*
sob uma ou outra forma e todas as explicações em ques
tão parecem partir da teoria tradicional acerca do que
t
presumivelm ente é a explicação causal. Chamemos esses
UNlVE*.Siü*i
casos - e outros do gênero - casos de causação Intencio
nal e examinemos de que m odo, exatamente, a forma da
explicação na causação Intencional difere daquela pres
crita pela teoria tradicional cla regularidade da causação.
Em primeiro lugar, conheço, em cada caso, tanto a
resposta para a pergunta causal como a verdade do con-
trafatual correspondente sem nenhum a observação adicio
nal além da experiência do evento em questão. Quando
afirmo conhecer a resposta à pergunta causal sem nenhu
ma outra observação, não quero dizer que tais alegações
de conhecimento sejam incorrigíveis. Eu poderia estar ten
do uma alucinação quando disse que essa experiência vi
sual foi causada pela visão de um a flor, mas a justificação
da alegação original não depende de outras observações.
Em segundo lugar, essas alegações causais não me
com prom etem com a existência de nenhum a lei causal
pertinente. Eu poderia adicionalm ente - e, aliás, isso de
166 INTENCIONALIDADE
CEKfRAL
uU
enganador se sugerisse que a causação é o objeto Intencio
nal dessas experiências; antes, a idéia subjacente a essa
maneira de apresentar a questão é que sempre que perce
bemos o m undo ou agimos sobre ele temos estados Inten
cionais auto-referentes do tipo que descrevi, e a relação de
3(3UC>rECA
causação é parte do conteúdo, não do objeto, dessas ex
‘ fc
periências. Se a relação de causação é uma relação de de
terminar a ocorrência de alguma coisa, trata-se de uma re
lação que todos experimentamos sempre que percebemos
ou agimos, ou seja, mais ou m enos o tempo todo9.
Em m in h a in te rp re ta ç ã o , os h u m ean o s estavam
olhando para a direção errada. Buscavam a causação (for
ça, poder, eficácia etc.) enquanto objeto da experiência
perceptiva e não conseguiram encontrá-la. Minha suges
tão é que ela estava presente o tem po todo com o parte
do conteúdo das experiências perceptivas e das experiên
cias de ação. Q uando vejo um objeto vermelho ou ergo o
braço, não vejo causação nem ergo causação, mas sim
plesmente vejo a flor e ergo o braço. Nem a flor nem o
movimento fazem parte do conteúdo da experiência; an
tes, cada qual é um objeto da experiência pertinente. Em
cada caso, porém, a causação é parte do conteúdo da ex
periência daquele objeto.
Creio que essa concepção ficará mais clara se eu a
com parar à concepção de diversos filósofos, de Reid a
172 INTENCIONALIDADE,
III
PAKA
são, que podem os tomar consciência das relações causais
com o parte dos conteúdos de nossas experiências; isso
continuaria proporcionando-nos o conhecim ento das re
CENTRAL
OO
lações causais apenas onde um dos termos é um a expe
riência, mas a maioria dos casos interessantes de causa
T £C*
d e relação ou m esm o de sua existência? Com o, p o r
exemplo, é possível saber, em ininha abordagem , que o
evento da bola de bilhar A colidindo com a bola cle bi
lhar B causou o evento da bola B mover-se? Como é pos
sível, em minha abordagem, que haja nessa relação qual
quer coisa além da recorrência regular de instâncias asse
melhadas? Falando cruam ente, será que eu ainda não
deixei a causação como uma propriedade de sensações
cla m ente e não como uma característica do m undo real,
externo à mente?
Trata-se, aparentem ente, cle uma forte objeção e meu
estudo deve agora estender-se, de modo a fazer frente a
ela. Antes disso, porém, quero esclarecer algo. Falarei fre
qüentem ente, no que se segue, em termos ontogenéticos,
mas o que se segue não se pretende uma hipótese em pí
rica sobre com o são adquiridos os conceitos causais. Con
sidero provável que sejam adquiridos desse modo, mas é
perfeitamente coerente com minha abordagem supor que
não o sejam e, na verdade, tanto quanto eu saiba, podem
ser idéias inatas. A questão não é como chegamos à cren-
176 INTENCIONALIDADE
KAíUk
termediários da relação por-meio-de. Cada estágio é um
estágio causal e a transitividade da relação por-meio-de
permite que a intenção em ação abranja todos eles. Faz
CE.NTH.Ak.
ÚO
parte do conteúdo da intenção em ação da criança que
essa intenção cause o movimento do braço, mas também
que esse movimento da pedra cause a quebra do vaso,
I i,CA-
da criança não é apenas m over o braço e depois observar
o que acontece; este seria um tipo de caso totalmente di
ferente. O fato de o movimento da pedra causar a quebra
do vaso é, portanto, parte da experiência da criança
quando ela quebra o vaso, porque a causalidade da inten
ção em ação se estende para cada estágio da relação por-
meio-de. Diz-se com freqüência que a causalidade está in
timamente ligada à noção de manipulação; isso é correto,
mas a m anipulação ainda pede uma análise. Manipular
coisas é precisamente explorar a relação por-meio-de.
Um dos pontos de convergência da abordagem da
causação a partir da regularidade e a abordagem Intencio
nal da causação é a manipulação. Em relação ao mundo,
é o fato que ele contém regularidades causais que podem
ser descobertas. A regularidade dessas relações causais
permite-nos descobri-las, pois, por ensaio e erro, a crian
ça descobre o funcionamento da regularidade com pedras
e vasos; mas o fato de essas relações serem manipuláveis
permite-nos descobrir que são causais, pois o que a crian
ça descobre em seus ensaios e erros com pedras e vasos
é um meio de fazer as coisas acontecerem.
178 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
mos para eles; e o problema de com o podem os perceber
os eventos en q u an to causalm ente relacionados é um
BiBUOttCA
vel para nós. Não estou afirmando que não haja proble
ma algum nesses fenôm enos - a existência cie caracterís
ticas do m undo em m om entos em que não são observa
das e a capacidade de ver coisas com o algo além do que
é visualm ente apresentado - , mas afirmo efetivam ente
que a visão realista da causação, a visão de que as causas UNIVE
são relações reais no m undo real, não apresenta nenhum
problema especial. Não existe um problema cético espe
cial envolvido na existência de relações causais que não
são experimentadas, além do problem a geral da existên
cia de características do m undo nos m om entos em que
não são observadas.
Segunda objeção: A experiência de agir ou a ex p e
riência de perceber não podem conter a experiência de
causação porque, por exem plo, é sem pre possível que
na verdade outra coisa esteja causando o movimento cor
poral que imaginamos estar sendo causado pela experiên
cia. E sem pre possível que eu imagine estar erguendo o
braço quando na verdade outra causa o está erguendo.
Portanto, não há nada na experiência de agir que garanta
180 INTENCIONALIDADE
P t ü t . w h|«- C|(-)
C E N -TR A L
uma assimetria crucial entre a causação e outros conteú
dos perceptivos. O vermelho não é um a característica cle
minha experiência visual, mas parte das condições de sa
tisfação; a experiência é de alguma coisa vermelha, mas
não é em si m esma um a experiência vermelha. Mas a
BtBwíGTfcCA
causação faz parte do conteúdo da minha experiência. A
experiência apenas é satisfeita se ela própria causar (no
UHVVF ►SiD* l
caso da ação) o restante cle suas condições de satisfação
ou for causada (no caso da percepção) pelo restante de
suas condições de satisfação. A experiência de algo ver
m elho, q u ando satisfeita, não é literalm ente vermelha,
mas é literalmente causada. E o aspecto paradoxal da as
simetria é o seguinte: em minha interpretação, o conceito
de realidade é um conceito causal. Parte da nossa noção
de como o m undo é realmente é que ele ser como é faz
com que o percebam os desse modo. As causas são parte
da realidade e, no entanto, o próprio conceito de realida
de é um conceito causal.
Há uma variação a esta objeção que pode ser enun
ciada da seguinte maneira: se a experiência tem qualquer
semelhança com o que a tradição empirista ou intelectua-
lista nos diz, é difícil perceber de que modo as experiên
cias poderiam ter as características que estou reivindicando.
Se a experiência é uma seqüência de impressões “todas
em pé de igualdade”, como afirma Hume, aparentem ente
ninguém poderia experim entar uma impressão como cau-
182 INTENCIONALIDADE
IV
LA,
CENTRAL
tos não exemplifica nenhuma relação geral de coocorrên-
cia é um m undo logicamente possível. Ao mesmo tempo,
contudo, intuímos que deve haver alguma relação im por
tante entre a existência de regularidades e nossa experiên
cia de causação. Qual? Uma tentação é supor que, além
B. BUÜfECA
da experiência real de causas e efeitos, sustentem os uma
UN,V E «S I0^.E
hipótese de regularidade geral no mundo. E, seguindo es
sa linha, somos inclinados a pensar que essa hipótese é
desafiada por aquelas partes da física que negam o deter
minismo geral. Segundo essa visão, sustentamos uma teo
ria de que as relações causais exemplificam leis gerais e
essa teoria é presumivelm ente empírica como qualquer
outra.
Essa concepção tem uma longa história na filosofia e
é subjacente a algumas tentativas, por exemplo a de Mill,
cle enunciar um princípio geral de regularidade capaz de
“justificar a indução”. Tenho a impressão de que ela des
creve erroneam ente o m odo pelo qual a suposição de
um a regularidade influi em nosso uso do vocabulário
causal e em nossas atividades de percepção e ação. Con
sideremos o exem plo seguinte. Suponhamos que, ao er
guer o braço, eu descubra, para m eu espanto, que a ja
nela do outro lado da sala está subindo. E suponham os
que, ao abaixar o braço, a janela desça também. Em tal
caso, ficarei imaginando se minha ação de erguer e abai-
184 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
cesta ou a fundamenta, não é uma hipótese invocada pa
ra explicar o sucesso ou o fracasso dessa tentativa. Sim
plesm ente não posso aplicar a idéia de determ inar a
ocorrência de algo - enquanto oposta à simples aparên
cia de efetivam ente determ inar a ocorrência de algo —
9 .B U ü r£ C *
sem que minhas capacidades de Background manifestem
uma suposição de pelo m enos algum grau de regularida
de. Observe-se que, no presente exemplo, se a bola se
movimentasse de maneira totalmente aleatória, eu teria li
teralmente perdido o controle sobre ela e não diríamos
que minha intenção em ação havia causado a sua entra
da na cesta, mesmo que eu tivesse a intenção de fazê-la
entrar na cesta e ela efetivamente entrasse.
Para com preenderm os esses pontos um pouco mais
claramente, devemos distinguir entre a crença na existên
cias de leis causais específicas e a suposição de algum ní
vel geral de regularidade causal no mundo. São muitas as
minhas crenças referentes a regularidades causais particu
lares, por exem plo aquelas referentes às propriedades lí
quidas da água, o com portam ento de automóveis e m á
quinas de escrever, e a tendência dos esquis a m udarem
de direção quando se lhes imprime um movimento late
ral. Contudo, além das crenças em regularidades específi
cas, não tenho e não necessito de uma hipótese geral de
regularidade. Da mesma forma, a tribo que arm azena ali-
186 INTENCIONALIDAQE
C E NT RAL
tras. Contudo, em uma subclasse especial d.a causação
eficiente, as relações causais envolvem estaclos Intencio
t H tO tK » L
nais; tais casos de causação Intencional são especiais em
diversos aspectos: podem os estar diretamente conscien
tes do nexo causal em alguns casos, há uma relação “ló
Bi BUüf EC*
gica” entre causa e efeito, e tais casos são a forma primi
tiva da causação no que diz respeito às nossas experiên
cias. Os enunciados causais singulares não implicam que
haja uma regularidade causal universal por eles exem pli
ficada, mas o conceito de causação eficiente, Intencional
ou não, só tem aplicabilidade em um universo no qual se
supõe um alto grau de regularidade.
CENTRAL
UNIVE ftSiDMi E. Ft-Dti^í a L DÜ
ta de constância planejável.
P odem os agora enunciar as condições necessárias
para corrigir a abordagem de m odo a eliminar todas as
cadeias causais desviantes que consideramos. Uma pri
meira condição é que haja uma eficácia contínua do con
9.Bi_»GT£0
teúdo Intencional sob seus aspectos Intencionais. Isso eli
mina todos os casos de Intencionalidade interferente ou
intermitente. Uma segunda condição é que haja um grau
pelo m enos razoável de constância ou regularidade pla
nejável. Q uando uso expressões com o “constância” e “re
gularidade”, não me refiro a elas no sentido estatístico.
Por exemplo, nos exemplos com uns nào-desviantes, nem
sem pre tem os um a constância estatística. Q uando tento
fazer cestas da linha de lance livre, apenas ocasionalm en
te serei bem -sucedido. Mas a questão é que, q uando
bem -sucedido, as coisas caminham segundo o planejado.
Se a bola fosse levada para a cesta por uma lufada cle
vento circunstancial não planejada e não prevista, não
atribuiríamos o m eu sucesso às minhas intenções.
Ora, tanto no exemplo 1 com o no exemplo 3, tal co
mo enunciados originalmente, as coisas não caminham
segundo o planejado e nos dois casos isso é devido a al
guma característica acidental ou inadvertida, externa à
Rede e ao Background de expectativas do agente. Tão
logo revisamos essas características de m odo que a carac-
192 INTENCIONALIDADE
CENTHAL
que a Intencionalidade não deve ser epifenomenal. E in- O
sistimos em que a Intencionalidade deve funcionar com J
T £CA
expressão “da maneira certa”, dizendo que o conteúdo
Intencional deve ser um aspecto causalmente relevante e
1
QtQLlO
deve exemplificar uma regularidade planejável. a
•j.
OJ
>
Z
3
CAPÍTULO 5
O BACKGROUND
PA JM
DO
t Fc.L>i.
Si0L_tO f LCA.
Os estados Intencionais com uma direção de ajuste
têm conteúdos que determ inam suas condições de satisfa
ção. Mas não funcionam de m aneira independente ou
atomística, pois cada estado Intencional tem seu conteúdo
e determina suas condições de satisfação apenas em rela
ção a num erosos outros estados Intencionais1. Vimos isso
no caso do hom em que passa a ter a intenção de concor
rer à Presidência dos Estados Unidos. Normalmente ele
acreditaria, por exemplo, que os Estados Unidos são uma
República, que têm eleições periódicas, que nessas eleições
os candidatos dos dois principais partidos concorrem pela
Presidência e assim por diante. E ele normalmente deseja
ria receber a indicação de seu partido, desejaria que as
pessoas trabalhassem por sua candidatura, que os eleito
res votassem nele e assim por diante. Talvez nada disso
seja essencial para as intenções do tal hom em e, certa
mente, a existência de nada disso é acarretada pelo enun
ciado de que o hom em tem a intenção de concorrer à
Presidência dos Estados Unidos. Não obstante, sem uma
196 INTENCIONALIDADE
lar para essa tarefa, até para passar a ter a intenção de rea
lizá-la, são (considerados sob uma determinada perspecti
va) verdadeiramente estonteantes. Mas sem esses recursos
eu não poderia, absolutamente, passar a ter a intenção: le
vantar-me, andar, abrir e fechar portas, manipular garrafas,
PARA
copos, geladeiras, abrir, servir e beber. Normalmente, a
ativação dessas capacidades envolveria apresentações e re
presentações, por exemplo, preciso ver a porta para poder
F £ Ur.'* “ L DO
abri-la, mas a capacidade de reconhecer a porta e a capa
cidade de abri-la não são, em si mesmas, outras represen
tações. São essas capacidades nâo-representacionais que
constituem o Background.
Uma geografia mínima do Background incluiria pelo
B iB L O fE C »
m enos o seguinte: precisamos distinguir aquilo que pode
VÍHlVfRSiDaGE
ríamos cham ar “Background de b ase”, que incluiria no
m ínimo todas aquelas capacidades de B ackground co
m uns a todos os seres hum anos normais em virtude de
sua constituição biológica - capacidades tais como andar,
comer, pegar, perceber, reconhecer e a atitude pré-inten-
cional que leva em conta a solidez clas coisas e a existên
cia independente de objetos e outras pessoas -, com base
no que poderíam os chamar “Background local”, ou práti
cas culturais locais, que incluiriam coisas tais com o abrir
portas, beber cerveja em garrafa e a atitude pré-intencio-
nal que assumimos em relação a coisas como carros, gela
deiras, dinheiro e reuniões sociais.
Ora, tanto no Background de base com o no local
precisamos distinguir entre os aspectos relacionados ao
“m odo com o as coisas são” e os aspectos relacionados
ao “m odo com o fazer as coisas”, em bora seja importante
enfatizar que não há um a linha divisória nítida entre “o
m odo com o as coisas são para m im ” e “o m odo com o eu
faço as coisas”. Por exemplo, faz parte de minha atitude
pré-intencional para com o m undo que eu reconheça
k
200 INTENCIONALIDADE
%
CfcNTRA.L
sões com ponentes e as regras para a combinação destas
UNlVfcN?lD*i fc Ft£/«.'WÍ>L
em sentenças. Além disso, a interpretação correta não é
forçada pelo co nteúdo sem ântico das expressões que
substituem “x ” e “y ”, uma vez que seria fácil imaginar prá
ticas de Background ali onde essas palavras mantivessem
BtBulUTk-CA
os mesmos significados mas nós entendêssemos as senten-
■ças de m odo totalmente diverso; se as pálpebras houves
sem evoluído para portas com dobradiças de bronze e
grandes cadeados de ferro, entenderíam os a sentença,
“Sally opened her eyes” (“Sally abriu os olhos”) de m odo
bastante diverso cio que hoje a entendemos.
Tentei até aqui dem onstrar que a com preensão é
mais que a apreensão do significado, pois, falando em
termo gerais, aquilo que se entende vai além do signifi
cado. Outra maneira de afirmar a mesma coisa é mostrar
que é possível apreender todos os significados com po
nentes e, m esm o assim, não entender a àentença. Consi
deremos as três sentenças seguintes, que também contêm
o verbo “o p en ” (“abrir”):
h
204 INTENCIONALIDADE
»»ARA
fria”,
y de um a “amizade
X m yorna”,’ de uma “discussão
x
acalo-
y
rada”, de um “caso am oroso ardente” e de “frigidez se
xual”. Mas nem no caso cias metáforas de sabor nem no
c en tr a i.
DO
das de tem peratura há qualquer semelhança literal entre
a extensão do term o Y e o referente do term o X que
U N I V E ^ í i i D * í F l ü é K ml
baste para explicar o significado de emissão metafórica.
Por exem plo, o significado da em issão m etafórica da
expressão “recepção m orna” não é baseado em n en h u
B - B i_' OTECA
ma sem elhança literal entre as coisas m ornas e o caráter
da recepção assim descrita. Há, cle fato, princípios de
sem elhança sobre os quais funcionam algumas m etáfo
ras; mas o q ue os exem plos presentes querem dem ons
trar é que há tam bém certas m etáforas - e até classes
inteiras destas - que funcionam sem nenhum princípio
subjacente de sem elhança. Parece sim plesm ente ser um
fato de nossas capacidades mentais o poderm os inter
pretar certos tipos de metáfora sem a aplicação de n e
nhum a “regra” ou “princípio” subjacentes além da pura
capacidade de fazer determ inadas associações. Não co
nheço nenhum m odo m elhor de descrever essas capaci
dades do que dizer que se trata cle capacidades m entais
não-representacionais.
Tanto o caráter não-algorítmico das regras quanto o
fato de algumas das associações não serem de m odo al
gum determ inadas por regras sugerem o envolvim ento
de capacidades não-representacionais, mas tal alegação
seria enganadora caso se considerasse que implica o fato
de um conjunto completo e algorítmico de regras para a
metáfora dem onstrar a inexistência de um tal Background,
208 INTENCIONALIDADE
para
hipótese alternativa. À medida que o esquiador se apri
mora, não internaliza melhor as regras, mas, antes, estas
C E N .IR A ».
ÜÜ
vão se tornando progressivamente irrelevantes. As regras
não ficam “em butidas” com o conteúdos Intencionais in
FLUtK^L
conscientes, m as as experiências repetidas criam aptidões
físicas, presum ivelm ente realizadas como trilhas neurais,
que tom am as regras simplesmente irrelevantes. “A práti
B tB U Q T E C A
ca faz a perfeição”, não por resultar em uma perfeita m e
morização das regras e sim porque a prática repetida p er
UHIVEKSIDaí.E
mite que o corpo assuma o com ando e que as regras re
cuem para o Background.
É possível dar conta dos dados com um aparato ex
plicativo mais econômico se não tivermos de supor que
cada habilidade física está apoiada em um grande núm e
ro de representações mentais inconscientes, mas sim que
a prática e o treinam ento repetidos em uma variedade de
situações acaba tornando o funcionam ento causal da re
presentação desnecessário no exercício da habilidade em
questão. O esquiador avançado não segue melhor as re
gras, mas esquia de um modo totalmente diferente. Seus
movimentos são fluentes e harmoniosos, ao passo que o
esquiador principiante, ao se concentrar consciente ou
inconscientem ente nas regras, realiza movimentos espas
módicos, bruscos e ineptos. O esquiador experim entado
é flexível e reage diferentem ente a diferentes condições
de terreno e neve; o principiante é inflexível e, diante de
situações diferentes e incom uns, sim plesmente tende a
cair. Encosta abaixo, o com petidor de uma corrida move-
210 INTENCIONALIDADE
PARA
com os elem entos semânticos antes que possam funcio
nar; devem os ser capazes de aplicar os conteúdos se
mânticos para que estes possam determ inar condições de
CENTRAL
DO
satisfação. Ora, é essa capacidade de aplicar ou interpre
tar conteúdos Intencionais que estou afirmando ser uma
FtOtiKJL
função característica do Background.
B'SUOTEC*
III. EM QUE SENTIDO O BACKGROUND É MENTAL?
DO
CENTRAL
fenôm enos em questão e o fato de tenderm os a cair em
um vocabulário Intencionalista deveria chamar a nossa
atenção. Por que ocorre isso?
ÜNIVEWSID^L-E. F E Dt RAL
A principal função da m ente é, em nossa acepção
especial da palavra, representar. E, o que não é de estra
B.Bu'OrECA
nhar, as línguas com o o inglês proporcionam -nos um vo
cabulário bastante rico para descrever essas representações,
um vocabulário de memory (memória) e intention (inten
ção), belief (crença) e desire (desejo), perception (per
cepção) e action (ação). Mas, assim como a língua não
está m uito bem aparelhada para falar de si m esm a, a
mente não é bem aparelhada para refletir sobre si m es
ma: ficamos bem à vontade com estados Intencionais de
primeira ordem e bem à vontade com um vocabulário de
primeira ordem para esses estados: por exemplo, acredi
tamos ( helieve) que parou de chover, desejamos ( desire)
beber uma cerveja gelada e sentimos muito (are sorry)
que as taxas de juro tenham caído. Q uando chega o m o
mento de fazer investigações de segunda ordem de nos
sos estados de primeira ordem, não temos vocabulário al
gum à disposição, exceto o de primeira ordem. Nossas
investigações de segunda ordem dos fenômenos de pri
meira ordem adotam, muito naturalmente, o vocabulário
de primeira ordem, de m odo que se pode dizer, muito
naturalmente, que rejietimos ( reflect) sobre a reflexão (re-
llection), tem os crenças ( beliefs) sobre a crença (belie-
218 INTENCIONALIDADE
£>0
CEN.HWAJ.
FEDiF.ftAV.
StÔ U O V C C A .
I. SIGNIFICADO E INTENCIONALIDADE
UMkVÊKSIDM.E
A abordagem à Intencionalidade adotada neste livro
é resolutamente naturalista: penso nos estados, proces
sos e eventos Intencionais com o parte da história de
nossa vida biológica, do mesmo modo que a digestão, o
crescimento e a secreção de bílis fazem parte da história
de nossa vida biológica. De um ponto de vista evolucio
nário, da mesma forma como há uma ordem de priorida
de no desenvolvimento de outros processos biológicos,
há uma ordem de prioridade no desenvolvimento dos
fenômenos Intencionais. Nesse desenvolvimento, a lin
guagem e o significado, ao menos no sentido que lhes é
atribuído pelos seres humanos, surgiram bem tardiamen
te. Muitas outras espécies além da humana têm percep
ção sensorial e ação intencional, e algumas, os primatas
com certeza, têm crenças, desejos e intenções, mas mui
to poucas espécies, talvez apenas a humana, têm uma
forma de Intencionalidade não só peculiar, como tam
224 INTENCIONALIDADE
DO PARA
tinção entre fazer um enunciado e fazer um enunciado
verdadeiro, entre dar uma ordem e dar uma ordem que é
obedecida, entre fazer uma promessa e fazer uma pro
CfcNTRAL
messa que é cumprida. Em cada caso, a intenção de sig
nificação é uma intenção de realizar apenas a primeira
metade - fazer um enunciado, dar uma ordem, fazer uma
promessa - e, no entanto, de um certo modo essa inten
ção já tem uma relação interna com a segunda metade,
! t;C*
dado que a intenção de fazer um enunciado específico
UNIVKPSID^l-t
deve determinar o que passa por verdade do enunciado;
a intenção de dar uma ordem deve determinar o que
passa por obediência à ordem etc. O fato de as condições
de satisfação do estado Intencional expresso e as do ato
de fala serem idênticas sugere que a chave do problema
do significado é perceber que, na realização do ato de fa
la, a mente impõe intencionalmente à expressão física do
estado mental expresso as mesmas condições de satisfa
ção do próprio estado mental. A mente impõe Intencio
nalidade à produção de sons, sinais gráficos etc., pela im
posição cias condições de satisfação do estado mental à
produção dos fenômenos físicos.
Pelo menos as seguintes são condições de adequa
ção para a nossa análise:
1. Há um nível duplo de Intencionalidade na realiza
ção do ato de fala, um nível do estado psicológico ex
presso na realização do ato de fala e um nível da inten
ção com que o ato é realizado e que faz dele o ato que
é. Chamemo-los, respectivamente, de “condição de since
230 INTENCIONALIDADE
PARA
nos ouvintes ou sem ter a intenção de fazer com que
acreditem que o falante acredita no que diz ou mesmo
C F.N TK A L
sem ter sequer a intenção de fazê-los entender alguma
DO
coisa. Há, portanto, dois aspectos nas intenções de signi
9i.3L.tOI EGA
entre ambas as intenções e em partir da suposição de
que o significado pode ser totalmente descrito em termos
de intenções de comunicação. Na presente abordagem, a
representação é anterior à comunicação e as intenções
de representação são anteriores às intenções de comuni
cação. Parte daquilo que comunicamos é o conteúdo das
nossas próprias representações, mas podemos ter a inten
ção de representar algo sem ter a intenção de comunicar.
E o contrário não é válido para os atos de fala com con
teúdo proposicional e direção do ajuste. Pode-se ter a in
tenção de representar sem ter a intenção de comunicar,
mas não se pode ter a intenção de comunicar sem ter a in
tenção de representar. Não posso, por exemplo, ter a inten
ção de informar-lhes que está chovendo sem ter a intenção
de que minha emissão represente, verdadeira ou falsa
mente, as condições do tempo2.
4. Já argumentei alhures3 que há cinco, e apenas cin
co, categorias básicas de atos ilocucionários: assertivos,
quando dizemos aos ouvintes (verdadeira ou falsamente)
como as coisas são; diretivos, quando tentamos fazer
232 INTENCIONALIDADE
Í*AJM
mos efetivamente um enunciado, tencionamos fazer um
enunciado verdadeiro e tencionam os produzir certas
crenças em nossa audiência, mas, apesar disso, a inten
CENTRAL
UO
ção de fazer um enunciado é diferente da intenção cle
produzir convicção ou da intenção de falar a verdade.
FtÜt.KAL
Qualquer estudo da linguagem deve levar em conta o fa
to de que é possível mentir e é possível realizar um
enunciado ao mesmo tempo em que se mente. E qual
fEUA
quer estudo da linguagem deve levar em conta o fato de
que é possível ter-se êxito total em fazer um enunciado
e, ao mesmo tempo, fracassar em fazer um enunciado ver
dadeiro. Outrossim, qualquer estudo da linguagem deve
levar em conta o fato de que uma pessoa pode fazer um
enunciado e estar totalmente indiferente quanto ao fato
de sua audiência acreditar ou não nela, ou mesmo de a
audiência compreendê-la ou não. A presente abordagem
leva em conta essas condições porque nela a essência de
se fazer um enunciado é representar algo enquanto ver
dadeiro e não comunicar representações de um indíviduo
a seus ouvintes. Pode-se representar alguma coisa como
sendo o caso mesmo que se acredite que não o seja
(uma mentira); mesmo que se acredite que seja o caso,
mas não o seja (um engano); e mesmo que não se esteja
interessado em convencer ninguém de que é o caso ou
mesmo em levar alguém a reconhecer que se está repre
sentando algo como sendo o caso. A intenção de represen
tação é independente da intenção da comunicação e é
uma questão de impor as condições de satisfação de um
236 INTENCIONALIDADE
PARA
tampouco se pode dizer que eu a tivesse obedecido. Por
exemplo, com base em uma série de exemplos clo mes
mo tipo, não descreveríamos o nosso ouvinte como uma
B.fi.i-íúí.ECA. CENTRAL
DO
pessoa “obediente”. Observações análogas se aplicam ao
prometer. O que esses exemplos pretendem demonstrar,
FfcDEkAL
na presente discussão, é que, além do caráter auto-referen-
te de todas as intenções, a intenção de fazer uma promes
sa ou dar uma ordem deve impor uma condição de satis
fação auto-referente à emissão. Promessas e ordens são
U N lVE*SID*O E
auto-referentes porque suas condições de satisfação fazem
referência às próprias promessas e ordens. No sentido ple
no, apenas cumprimos uma promessa ou obedecemos a
uma ordem se fizermos o que fazemos através do cumpri
mento da promessa ou da obediência à ordem.
Outra forma de se perceber essa mesma característi
ca é observar que tanto as promessas como as ordens
criam razões para as condições de satisfação de um mo
do totalmente diferente daquele dos enunciados. Assim,
fazer um enunciado por si só não cria a evidência cla ver
dade do enunciado. Fazer uma promessa, porém, cria
uma razão para se realizar a coisa prometida e pedir a uma
pessoa que faça alguma coisa cria uma razão para que
ela a faça.
Qual é, então, a estrutura da intenção de significação
ao se emitir uma ordem? Suponhamos, em nossa situação
anterior, que eu erga o braço a título de sinalizar-lhe que
você deve recuar, ou seja, a título de lhe ordenar que se
retire. Se com erguer o braço tenciono uma diretiva, en
tão tenciono pelo menos o seguinte:
238 INTENCIONALIDADE.
PARA
fação).
CENTRAL
DO
e declarações, usei a noção de direção do ajuste como
um primitivo não-analisaclo. Considero isso justificável
fc FtDtWftL
porque a noção de direção do ajuste não é redutível a
nacla além. Não obstante, diferentes direções do ajuste
têm conseqüências diferentes no tocante à causação. No
SiSUOrECA
caso dos assertivos (excetuados os casos cle auto-referên-
cia), supõe-se que a asserção deva corresponder a uma
VJNIVEPPIDM
realidade de existência independente, de modo que não
seria satisfeita se causasse o estado de coisas que repre
senta. Mas no caso cios diretivos, dos compromissivos e
das declarações a emissão, caso satisfeita, funcionará cau-
salmente de diversas maneiras na produção do estado de
coisas que representa. Esta assimetria é uma conseqüên
cia da diferença na direção do ajuste. Em uma versão an
terior desta análise4, usei essas diferenças causais em lu
gar de tratar a direção do ajuste como uma característica
primitiva do analisando.
A finalidade ilocucionária de expressivos tais como o
pedido de desculpas, o agradecimento e as felicitações é
simplesmente expressar um estado Intencional, a condi
ção de sinceridade do ato de fala, acerca de um estado
de coisas que se presume vigente. Quando, por exemplo,
peço desculpas por ter pisado no seu pé, expresso meus
remorsos por ter pisado no seu pé. Ora, vimos no capítu
lo 1 que meus remorsos contêm as crenças de que pisei
242 INTENCIONALIDADE
t.
DO
CENTRAL
da adequação; nos diretivos, o responsável é o ouvinte.
Ambos, porém, envolvem também uma causação Intencio
rtDh-KML.
nal derivada; ou seja, faz parte das condições de satisfa
ção dos compromissivos e diretivos que funcionem cau-
salmente na efetivação do restante de suas condições de
BíBLtÜfECA
satisfação. Sua Intencionalidade derivada é semelhante,
UNIVEHSiD*uE
em estrutura, a certas formas de Intencionalidade intrín
seca, por compartilharem da característica de auto-refe-
rência causal. Além disso, assim como há estados Intencio
nais sem direção do ajuste, também há atos de fala nâo-
representacionais, a categoria dos expressivos. Com efei
to, a forma mais simples de ato de fala é aquela em que
o propósito ilocucionário é apenas expressar um estado
Intencional. Há alguns expressivos que são expressões
de um estado com direção do ajuste, como, por exem
plo, as expressões de desejo do tipo “Se ao menos o
John viesse”, mas, mesmo nesses casos, o propósito ilo
cucionário do ato de fala não é realizar o ajuste, mas
apenas expressar o estado.
Os casos mais escorregadios são as declarações. Por
que não podemos ter uma declaração “Com isso frito um
ovo” e com isso o ovo seja frito? Porque nesse caso as
capacidades da representação são excedidas. Um ser so
brenatural poderia fazer isso porque seria capaz de ocasio
nar intencionalmente determinados estados de coisas ao
representá-los como tendo sido ocasionados. Não pode-
246 INTENCIONALIDAQE
f*ARA
va) seriam expressões de intenção com o propósito de criar
em outros expectativas estáveis acerca do rumo futuro do
comportamento cle quem se compromete.
c en tr a i.
DO
O próxim o passo seria introduzir procedim entos
convencionais para a realização cle cada uma dessas coi
sas. Contudo, não existe um modo pelo qual esses pro
pósitos extra-lingüísticos possam ser realizados por um
procedimento convencional. Todos estão relacionados a
B<EJuforecA
efeitos perlocucionários que nossas ações têm sobre nos
UNlVEkSiD-Éc £
sa audiência e não há meios pelo qual um procedimento
convencional possa garantir que tais efeitos serão alcan
çados. Os efeitos perlocucionários de nossas emissões
não podem ser incluídos nas convenções para o uso do
dispositivo emitido, pois um efeito que se alcança por
convenção não pode incluir as reações e o comporta
mento subseqüentes de nossa audiência. O que os proce
dimentos convencionais podem capturar é, por assim di
zer, o análogo ilocucionário dessas diversas metas perlo-
cucionárias. Assim, por exem plo, qualquer dispositivo
convencional para indicar que a emissão deve ter a força
de um enunciado (por exemplo, o modo indicativo) será
aquele que, por convenção, comprometa o falante com a
existência do estado de coisas especificado no conteúdo
proposicional. A emissão deste, portanto, fornece ao ou
vinte uma razão para acreditar nessa proposição e ex
pressa uma crença, por parte do falante, nessa mesma
proposição. Qualquer dispositivo convencional para indi
car que a emissão deve ter a força de um diretivo (por
250 INTENCIONALIDADE
V
PARA
CfcUTRAL
00
r'tür.K~L
e.auofEC A
U N lV EkSiD "0£
No capítulo 1, estabelecemos uma distinção entre In-
tencionalidade-com-c e intensionalidade-com-s. Embora a
Intencionalidade seja uma característica tanto dos atos de
fala como dos estados mentais e a intensionalidade seja
uma característica de alguns estados mentais e de alguns
atos de fala, há uma clara distinção entre ambas. Argu
mentei ainda que é um engano confundir as característi
cas de relatos de estados Intencionais com as caracterís
ticas dos próprios estados e, em particular, que é um en
gano supor que, como os relatos de estados Intencionais
são intensionais-com -s, os próprios estados Inten cio
nais também devam ser intensionais-com-s. Tal confusão
faz parte de uma confusão mais arraigada e fundamental,
a saber, a crença de que podemos analisar o caráter da
Intencionalidade unicamente pela análise das peculiarida
des lógicas dos relatos dos estados Intencionais. Creio
que, ao contrário, revelamos uma confusão fundamental
quando tentamos esclarecer a Intencionalidade analisan
do a intensionalidade. É importante ter em mente que há
pelo menos três conjuntos diferentes de questões relati
252 INTENCIONALIDADE,.
PAW
ocorrer em “tabuleiro”. Segundo a visão tradicional, tudo
não passa de um nome próprio, desprovido de palavras
componentes e desprovido de estrutura interna.
CENTR AL
UQ
Considero essa visão francamente absurda. É difícil
imaginar qualquer linha de raciocínio que pudesse con
FfcDfcK^L
vencer-me de que as palavras entre aspas em 9 não são
exatamente as mesmas que ocorrem após o algarismo “2”
em 2, ou que há quaisquer nomes próprios em 9 além cie
SiBi_KJ?£CA
“Howard”. Mesmo assim, para que não pareça ser apenas
U > M V E « F I D a PE
uma teimosia “à Moore” de minha parte, farei uma pausa
para considerar a visão ortocioxa. A única motivação que
consegui identificar para essa visão é o princípio de que,
se quisermos falar de alguma coisa, jamais podemos co
locar a própria coisa em uma sentença, mas sim o seu
nome ou alguma expressão referente a ela. Mas esse
princípio - parece-m e - é obviam ente falso. Se, por
exemplo, alguém lhe pergunta qual foi o som produzido
pelo pássaro que você viu ontem, você pode responder,
“O pássaro fez esse som —”, onde o espaço em branco
deverá ser preenchido por um som e não pelo nome do
som. Em um caso tal, uma ocorrência do próprio som faz
parte da ocorrência da emissão e uma consciência desse
som faz parte da proposição expressa pelo falante e en
tendida pelo ouvinte. Evidentemente, podemos usar pala
vras para referir-nos a outras palavras. Podemos dizer,
“John emitiu as palavras que formam as últimas três na li
nha 7 da página 11 cio livro”, e usamos aqui uma descri
ção definida para referir-nos às palavras; mas, quando es-
258 INTENCIONALIDADE
\
o que é não-gramatical.
Portanto, voltando à nossa pergunta, qual é o estatu
to das palavras citadas em 9 e qual sua relação com as
palavras de 2? A relação entre as palavras citadas em 9 e
as palavras de 2 é de identidade, as mesmas palavras que
ocorrem entre aspas em 9 ocorrem em 2. Mas qual a di
ferença no estatuto delas? Na emissão literal séria de 2, o
falante faz um enunciado com essas palavras. Em uma tal
RELA TOS INTENSIONAIS DE ESTADOS INTENCIONAIS. 259
v o a jo n a ia
A presente interpretação dos relatos dos atos de fala
pode facilmente ser estendida aos relatos de estados In
tencionais e não é nem um pouco surpreendente que as
sim seja, dado o íntimo paralelo entre os atos de fala e os
estados Intencionais que exploramos no capítulo 1. Nos
relatos de conteúdo dos atos de fala da forma 11, o rela
tor repete a proposição expressa pelo falante; nos relatos
cle conteúdo de crenças da forma 1, o relator expressa a
proposição que é o conteúdo representativo da crença
de quem acredita, mas não precisa repetir nenhuma ex
pressão de crença, pois aquele que acredita pode jamais
ter expresso sua crença. O relator expressa a proposição
em que o crente acredita, mas, ao fazê-lo, não precisa re
petir coisa alguma que o crente tenha feito. (Muitas ve
zes, na vida real, relaxamos o requisito de que o conteú
do expresso seja exatamente o mesmo que o conteúdo
em que se acredita. Dizemos, por exemplo, “O cão acre
dita que seu dono está à porta”, sem com isso atribuir
mos ao cão a posse do conceito de propriedade.) E, as
sim como o relato de conteúdo da forma 11 apresenta a
264 INTENCIONALIDADE
PARA
re como parte do significado literal em 19 é relatada, mas
não ocorre, em 20. O verbo “ask” (“perguntar”) relata ex
plicitamente a força ilocucionária, e a sentença que ex
CENTRAL
ÜQ
pressa a proposição original é apresentada com uma or
dem de palavras diferente, uma mudança do modo inter
ftlDi-KfeL
rogativo original do verbo, uma mudança (opcional) do
tempo verbal e um encaixe no escopo do pronome inter
ECA
rogativo “whether” (“se”). Considero que o que acontece
na estrutura de superfície dessas formas é bastante revela
í
UNI VERSIDADE
dor do que está acontecendo na estrutura lógica. A força
B íB lJQ
interrogativa de 19 é removida em 20 porque, embora a
mesma proposição ocorra em 19 e 20, em 20 ela é apre
sentada não como pergunta, mas como parte do relato de
uma pergunta. Considerações semelhantes aplicam-se aos
relatos de atos de fala diretivos. Assim 21, dito pelo xerife,
é relatado como
KARA
são séria e literal de 11 compromete-se apenas com a ex
pressão da mesma proposição que o falante original de
2, mas não se compromete com asseverá-la. As condições
CENTKAL
DO
de verdade com que ele se compromete incluem a con
dição de que o relato contenha uma expressão da mesma
FtUtk^L
proposição que a expressa pelo falante original, mas, co
mo não assevera essa proposição, e portanto não está
comprometido com suas condições de verdade, 11 pode
0 'BuJO T £CA
ser verdadeiro mesmo que não haja nenhum objeto cor
UNIVERSND^i.é
respondente à expressão referente; e é por isso que a ge
neralização existencial não é uma forma válida de infe
rência para 11.
Por que a substituição funciona para 2, mas não pa
ra 11, se a proposição é a mesma nos dois casos? A subs
tituição não funciona porque a forma de 11 compromete
o relator a repetir a mesma proposição que o falante; em
sentido estrito, a expressão “ele disse que” em 11 com
promete o relator a repetir a mesma proposição original
mente expressa pelo falante, razão pela qual qualquer
substituição que altere a proposição pode alterar também
o valor de verdade do relato. Tal como sabia Frege, em
geral as substituições que conservam não apenas a mes
ma referência, mas também o mesmo significado, conser
vam o valor de verdade, mesmo em contextos intensio-
nais: enquanto o conteúdo proposicional for conservado
pela substituição, o valor de verdade permanece constan
te. Mas ali onde os dois termos são ordinariamente usa-
270 INTENCIONALIDADE
23. Não direi exatamente o que ele disse, mas o xerife dis
se que o sr. Howard era um certo tipo de homem.
ou
PARA
CENTRAL
DQ
B.BUüTfcCA
A pergunta fundamental da filosofia da linguagem
UNIVERSlD^ > t
sempre foi: Como a linguagem se relaciona com a reali
dade? A resposta por mim apresentada em Speech acts foi
que a linguagem se relaciona com a realidade em virtude
do fato de os falantes estabelecerem tal relação na reali
zação de atos de fala. A pergunta original fica assim re
duzida à análise da natureza e das condições da possibi
lidade de tais atos. No livro presente, tentei mais ainda
alicerçar essa análise na Intencionalidade da mente: a
pergunta, “Como a linguagem se relaciona com a realida
de?”, é apenas um caso especial da pergunta, “Como a
mente se relaciona com a realidade?”. E, assim como a
pergunta sobre a linguagem reduzia-se a uma pergunta
acerca dos vários tipos de ato de fala, a pergunta sobre a
mente reduz-se a uma pergunta acerca das diversas for
mas de Intencionalidade, sendo as capacidades represen-
tacionais dos atos de fala simplesmente um caso especial
de Intencionalidade derivada.
Com base em uma interpretação de Frege, minha
abordagem geral à Intencionalidade consiste em revisar e
276 INTENCIONALIDADE
PAHA
tender as referências lingüísticas. No momento em que
este trabalho é redigido, as mais representativas teorias
CENTRAL
da referência e do significado rejeitam a análise fregiana
DO
ou internalista. Há uma variedade de razões pelas quais a
posição antiinternalista entrou em voga e há um conside
FtOt.K -L
rável desacordo entre os antiinternalistas quanto a qual
seria a análise correta da referência e do significado.
BiBu-FOTECA
Neste capítulo e no seguinte considerarei e responderei
a pelo menos alguns dos ataques mais representativos à
V mi VERS I D^CE
tradição internalista, fregiana ou Intencionalista. Tais ca
pítulos, portanto, são mais argumentativos que os prece
dentes: minha meta será não apenas apresentar uma in
terpretação Intencionalista da referência, mas fazê-lo de
modo a responder ao que acredito ser uma família de
doutrinas equivocadas da filosofia contemporânea. Eis
aqui, sem nenhuma ordem especial, algumas das teses
mais representantes lançadas contra a imagem internalista:
1. Supõe-se haver uma distinção fundamental entre
as crenças de re e de dicto e outros tipos de atitude pro-
posicional. As crenças de re são relações entre agentes e
objetos; não podem ser individualizadas unicamente em
termos de seus conteúdos mentais ( de dictó), pois o pró
prio objeto ( res) deve fazer parte do princípio de indivi
duação da crença.
2. Supõe-se haver uma distinção fundamental entre
os usos “referencial” e “atributivo” das descrições defini
das. Só no caso dos usos atributivos das descrições defi
nidas o falante “refere-se” a um objeto em virtude do fato
278 INTENCIONALIDADE
I. OS SIGNIFICADOS NA CABEÇA
l>0
CENTHAL
Não acredito realm ente que qualquer defensor da
posição tradicional fique preocupado com esse argum en
Bi3ufU>ffcCA
nhecem-no apenas imperfeitamente. Ou, para afirmar a
mesma coisa de m aneira diferente, as noções de intensão
e extensão não são definidas com relação a idioletos. Tal
como concebida tradicionalmente, uma intensâo, ou Sinn
fregiano, é um a entidade abstrata que pode ser mais ou
menos im perfeitam ente apreendida por falantes indivi
duais. Todavia, provar que um falante pode não ter apreen
dido a intensâo ou apreendeu-a apenas imperfeitamente
não prova que a intensâo não determina a extensão, pois
um tal falante tam pouco tem uma extensão pertinente. A
noção de “extensão no meu idioleto” não se aplica aos ca
sos em que não se conhece o significado da palavra.
Para defender sua posição, Putnam teria de argu
mentar que a coletividade de estados Intencionais dos fa
lantes, inclusive os de todos os especialistas ideais, não
determina as extensões corretas. Mas, se o argum ento se
baseia na ignorância lingüística e factual, a própria dou
trina da divisão lingüística do trabalho pareceria refutar o
argumento desde o início, pois, segundo essa m esm a
doutrina, sem pre que ignorante, um falante pode apelar
aos especialistas: cabe a eles decidir o que é e o que não
282 INTENCIONALIDADE .
\
mas
3. Sei que olmos não são faias e que faias não são olmos.
E como sei disso? Sei porque sei que olmos e faias são
duas espécies diferentes de árvore. Por imperfeita que se
ja a minha apreensão dos conceitos pertinentes, tenho
pelo m enos um conhecim ento conceituai suficiente para
saber que as duas são de espécies diversas. Mas, exata
m ente por essa razão,
PAJM
com pessoas com o nós que falam um idioma indistinguí
vel do nosso. Imagine-se ainda que, nessa Terra gêmea,
C tH T R A t
aquilo que eles cham am “ág u a” seja, do ponto de vista
ÜO
perceptivo, indistinguível d o que nós chamamos “água”,
FfcDE^At.
mas que, na verdade, tenha uma com posição química di
ferente. O q u e na Terra g êm ea tem a d en o m in aç ão
“água” é um com posto quím ico muito complicado, cuja
SfcSUortCA
fórmula podem os abreviar para líXYZ". Segundo as intui-
çôes de Putnam, a expressão “água” na Terra, em 1750,
O ^ V E R R ID a o ê
antes que se soubesse qualquer coisa acerca da com posi
ção química da água, referia-se a H20 ; e “água”, na Terra
gêmea, em 1750, referia-se a XYZ. Assim, em bora tanto
as pessoas na Terra como na Terra gêm ea estivessem no
ífiesmo estado psicológico em relação à palavra “água”,
tinham extensões diferentes e, portanto, Putnam conclui
que os estados psicológicos não determ inam a extensão.
A maior parte daqueles que criticaram os argum en
tos de Putnam desafiaram as intuições deste acerca do
que diríamos a respeito do exem plo da Terra gêmea. Mi
nha estratégia pessoal será aceitar por completo suas in
tuições para os propósitos da presente discussão e d e
pois argum entar que elas não conseguem dem onstrar
que os significados não estão na cabeça. Quero, porém,
fazer uma breve digressão para considerar o que diriam
os teóricos tradicionais sobre o argum ento, tal com o
apresentado até agora. Creio que seria algo do gênero:
Até 1750, “água” queria dizer a m esma coisa, tanto na
Terra com o na Terra gêmea, e tinha a mesma extensão.
Após a descoberta de que se tratava de dois com postos
284 INTENCIONALIDADE t
PANA
como o ser a água um líquido claro, insípido, incolor etc.
O ponto crucial é que a extensão da palavra “água”, por
tanto, é determ inada como o que quer que seja idêntico
C tM TK A L
DO
em estrutura a essa substância, seja qual for essa estrutu
ra. Desse modo, segundo tal interpretação, a razão pela
k ai.
qual o term o “água” na Terra gêm ea tem uma extensão
F £ DE
diferente daquela do termo “água” na Terra é que a subs
tância identificada indexicalmente tem, na Terra gêmea,
S ia L K jf E C A
uma estrutura diversa da que tem na Terra, e “água” é
UH iVER SID AD E
definida sim plesmente como o que quer que guarde com
tal substância uma relação de “m esm o Z”.
Ora, do ponto de vista da teoria tradicional, aonde,
exatamente, nos leva essa argumentação? Mesmo supon
do-se que Putnam tenha razão acerca de suas intuições,
túdo o que fez foi substituir um conteúdo Intencional por
outro. Substituiu o tradicional conteúdo Intencional forma
do por um conglom erado-de-conceitos por um conteúdo
Intencional indexical. Em cada caso, é um significado na
cabeça que determina a extensão. Na verdade, a sugestão
de Putnam é uma abordagem bastante tradicional dos ter
mos de espécie natural: uma palavra é definida ostensiva
mente como aquilo que guarde a relação certa com a de
notação da ostensão original. Água foi simplesmente defi
nida como aquilo que é idêntico em estrutura a essa subs
tância, qualquer que seja essa estrutura. E trata-se de ape
nas um caso entre outros em que as intensões, que estão
na cabeça, determinam as extensões.
Segundo a visão lockiana tradicional, a água é defi
nida (essência nominal) por um inventário de conceitos:
286 INTENCIONALIDADE
PAHA
tencionalidade perceptiva como a indexicalidacle são ca
sos de auto-referencialidade do conteúdo Intencional ou
semântico. Examinaremos a auto-referencialidade das pro
CENTRAL
üO
posições inclexicais mais adiante neste mesmo capítulo.
Para nossos presentes propósitos, basta lembrarmo-nos da
auto-referencialidade causal da experiência perceptiva
que examinamos nos capítulos 2 e 4 e mostrar cie que
m odo é relevante para o argumento da Terra gêmea.
BlBLlOrtCA
Suponham os que em 1750, na Terra gêmea, Jones
UNIVEfrüIDAL-E
identifique algo indexicalmente e o batize como “água”, e
que o Jones gêm eo na Terra gêm ea também identifique
algo indexicalm ente e o batize de “água”. Suponhamos
também que ambos tenham conteúdos mentais e experiên
cias visuais e outras tipo-idênticos ao estabelecerem a
identificação indexical. Ora, como os dois dão as mesmas
definições tipo-idênticas, ou seja, a “água” é definida co
mo o que quer que seja idêntico em estrutura a essa subs
tância, e como ambos estão tendo experiências tipo-idên-
ticas, Putnam supõe que não podem os explicar de que
modo a água tem uma extensão diferente na Terra e na
Terra gêmea em termos de seus conteúdos mentais. Se as
experiências de ambos são as mesmas, como podem ser
diferentes seus conteúdos mentais? Na interpretação cla
Intencionalidade apresentada neste livro, a resposta para
este problema é simples. Embora tenham experiências vi
suais de tipo-idênticas nas situações em que a água é
identificada indexicalmente por cada um, seus conteúdos
Intencionais não são tipo-idênticos. Ao contrário, seus
conteúdos Intencionais podem ser diferentes porque ca-
290 INTENCIONALIDADE
K
PA**
Nunca deparei com um enunciado claro e preciso
Ctr+TR A L
do que se supõe ser, exatamente, a distinção de dicto/de
ÜO
re, quando aplicada às atitudes proposicionais. Talvez haja
tantas versões diferentes de tal distinção quanto autores
sobre o tema e, com certeza, as noções ultrapassaram lar
gam ente o significado literal dos termos latinos, “de pala
S iB u .IOi !. ECA
*
vras” e “de coisas”. Suponhamos que se acredite, com o
eu, que todos os estados Intencionais sejam inteiramente
U*UVEKSiD»Ofc
constituídos por seu conteúdo Intencional e seu m odo
psicológico, am bos na cabeça. Em uma interpretação tal,
todas as crenças são de dicto. São inteiramente individua-
*das por seu conteúdo Intencional e seu modo psicológi
co. Todavia, algumas crenças, na verdade estão relacio
nadas a objetos reais no m undo real. Pode-se dizer que
tais crenças são de re, no sentido de que se referem a ob
jetos reais. As crenças de re seriam uma subclasse das
crenças de dicto e a expressão “crença de dicto" seria re
dundante, um a vez que significa simplesmente crença.
Segundo essa visão, a crença na visita de Papai Noel
na noite de Natal e a crença de que De Gaulle foi Presi
dente da França seriam, ambas, de dicto e a segunda se
ria também de re, dado que se refere a objetos reais, De
Gaulle e França.
Uma tal interpretação da distinção de dicto/de re não
geraria em mim oposição alguma. Mas, desde o artigo
original de Q uine6, diversas interpretações na literatura fi-
292 INTENCIONALIDADE
X
P AMA
a quantificação em contextos de crença; ou seja, cada
uma permite uma inferência de que
CENTRAL
DU
(3„r) (Bush acredita (y é Presidente dos Estados Unidos)
relacionado a (of) x)
FEDURal
De acordo com a opinião aceita, tanto nossa teoria lógica
como nossa teoria da mente nos com pelem a uma análi
B.BL.lurtCA
se tal.
Em segundo lugar, há uma clara distinção entre as
UNlVFRSlD/Af.E
atitudes proposicionais direcionadas a objetos particula
res e aquelas que não o são. No exem plo cie Quine, pre
cisamos estabelecer uma distinção entre o desejo que um
Jiomem poderia ter por uma chalupa em que qualquer
chalupa velha serve e o desejo que um hom em poderia
ter que estivesse direcionado a um a chalupa em particu
lar, a chalupa Nellie ancorada na Marina de Sausalito. No
primeiro desejo, ou desejo de dicto , o hom em procura -
com o diz Quine - mais um “alívio para a falta de chalu
p a” e no segundo, o desejo de re, seu desejo o relaciona
a um objeto em particular. A diferença, segundo Quine, é
expressa nas duas sentenças seguintes7:
PAR*
junto comum de condições de satisfação e não as mesmas
experiências visuais de ocorrências. A sua experiência será
numericamente diferente da minha, ainda que sejam am
CENTRAL
DO
bas qualitativamente semelhantes.
A classe seguinte d e casas considerada por Burge é
FkLCcK"L
a dos indexicais. Seu exem plo é o do homem que acredi
ta, a respeito clo m om ento presente, que está no século
XX. Mas isso está sujeito a uma análise Intencionalista
BtBUOTECA
form alm ente sem elhante à que apresentam os no caso
perceptivo. Como antes, o m étodo em pregado nesse ca
UNlVEPSlD^t
so é sem pre perguntar-se o que deve ocorrer para que o
estado Intencional seja satisfeito. No caso da percepção
visual, a própria experiência visual deve figurar causal-
mente nas condições de satisfação. No caso dos indexi-
tais há uma auto-referencialidade análoga, embora nesse
caso não seja causal. As condições de verdade de “Este
m om ento está situado no século XX” são que o m om ento
dessa emissão esteja situado no século XX. Assim com o o
caso perceptivo é auto-referente à experiência, o caso in-
dexical é auto-referente à emissão. Apresso-me em acres
centar que esse enunciado das condições de satisfação
não é entendido como um a tradução da sentença origi
nal: não estou dizendo que “este m om ento” sim plesmen
te significa “o m om ento dessa em issão”. Antes, estou ar
gum entando que o operador indexical na sentença indi
ca, em bora não represente nem descreva, a forma da au-
to-referencialidade. A auto-referencialidade das expressões
indexicais, nesse sentido, é mostrada, mas não dita, as
sim como a auto-referencialidade da experiência visual é
298 INTENCIONALIDADE
DO
C ê NTHAL
expressa o desejo por uma chalupa em particular é in
completa: de m odo algum um agente pode ter um dese
jo por um objeto em particular sem representar esse ob
jeto para si m esm o de alguma maneira, e a formalização
de Quine não nos revela de que m odo o objeto é repre
©iBUUTECA
sentado. No exem plo, tal com o apresentado, o agente
VNIVERSIDa l-fc
teria de ter um a crença na existência de um a chalupa
em particular e um desejo de ter essa mesma chalupa. A
única maneira de expressar a relação entre a crença na
existência de um a chalupa em particular e o desejo de a
têr, na notação quantificadora, é permitir que o escopo
do quantificaclor intercepte o escopo dos operadores In
tencionais. Q ue essa é a m aneira correta de se represen
tar os fatos é pelo m enos sugerido pelo fato de que as
sim expressaríamos o estado m ental do hom em na lin
guagem ordinária. Suponham os que o hom em que quer
uma chalupa em particular desse expressão a todo o seu
estado mental, inclusive à sua representação da chalupa.
Ele poderia dizer
PARA
tém Hume, o hom em real e não uma representação dele,
e a de Heimson contém Heimson, o homem real e não
CENTRAL
uma representação dele. Afirmam que as expressões que
DO
(como os nomes logicamente próprios de Russell) introdu
fc ftüfc. Kfeu.
zem os próprios objetos nas proposições são “diretamente
referenciais”; diz-se também (equivocadam ente) que as
proposições em questão são “proposições singulares”.
e !B i_ fO t£ C A .
Francamente, sou incapaz de perceber qualquer sen
tido na teoria da referência direta e das proposições sin
gulares, mas, para os propósitos da presente discussão,
não estou criticando sua inteligibilidade, mas sua necessi
dade de explicar os dados: considero que os argumentos
em favor dela são inadequados e baseiam -se em uma
cõficepçâo errônea da natureza da Intencionalidade e da
natureza do funcionamento dos indexicais.
eu = ‘pessoa emitente
você = *pessoa a quem se "endereça a emissão
aqui = "coespacial
agora = ‘cotemporal
PA-KA
der plenam ente a proposição por mim expressa; sem a
experiência perceptiva, essa pessoa literalmente não en
DQ
das as palavras emitidas.
Nesses casos, um a análise com pleta da proposição
PfcÜÊWAV
que torna plenam ente explícito o sentido fregiano com
pleto teria de incluir tanto o conteúdo Intencional da
emissão quanto o conteúdo Intencional da experiência
visual, e teria de mostrar de que m odo o segundo está
VWJ.VEKÇICADÍ
abrigado no primeiro. E assim que funciona: a expressão’
indexical faz referência m ediante relações de indicação
que o objeto guarda com a emissão da própria expres
são. Nesse caso, portanto, há um a relação R tal que as
condições de verdade da emissão podem ser expressas
nos seguintes termos:
I. A NATUREZA DO PROBLEMA
PAKA
uma “cadeia causal” a vincular a emissão de um nom e a
seu portador ou, ao menos, à cerimônia de batismo em
que o portador de um nom e o adquiriu. Acredito que n e
ííiC K C E N T R A L
DO
nhum a das duas teorias se mostraria satisfeita com esses
rótulos. A teoria causal seria m elhor descrita como a ca
deia causal externa da teoria da com unicação3, e a teoria
descritivista seria m elhor descrita com o a teoria Intencio-
nalista ou internalista, por razões que deverão emergir no
presente discusso.
ÜNIVERSIDml.é
Rótulos à parte, é importante ter claro desde o início
o que, exatamente, está em questão para essas duas teo
rias. Quase sem exceção, as interpretações da teoria des
critivista com que deparei são, em maior ou m enor esca
la, grosseiras distorções da m esm a, e quero explicitar
quatro das concepções equivocadas mais comuns dessa
questão a fim de as colocarmos de lado, de m odo que
possamos abordar as questões de fato.
Em primeiro lugar, a divergência, certamente, não se
deve à questão de se os nomes próprios devem ser anali
sados exaustivamente em termos com pletam ente genéri
cos. Não conheço teoria descritivista alguma que tenha
sustentado tal concepção, muito em bora os escritos de
Frege dêem p or vezes a impressão de que este poderia
nutrir alguma simpatia por ela. Em todo caso, jamais foi
essa a minha concepção e tam pouco, acredito, terá sido
a de Strawson ou a de Russell.
Em segundo lugar, até onde me diz respeito, a diver
gência na verdade não se refere, em absoluto, à análise
dos nomes próprios em palavras. Em meus escritos ante
324 INTENCIONAUDADi:
PARA
assumiu a precedência na cadeia comunicativa. Ele identi
ficou uma ilha e não uma região do continente africano.
CENTRAL
Uma conseqüência pouco observada, mas absurda,
uO
da concepção de Kripke, é o fato de a mesma não esta
belecer restrição alguma quanto ao objeto a que o nom e
U M V E K ímD/-. t ftDr.K^
pode resultar referir-se. Assim, por exemplo, pode resul
tar que por “Aristóteles” eu esteja me referindo a um tam
S iBLIOTECA
borete na Jo e ’s Pizza Place em H oboken no ano de 1957,
se ocorresse que a cadeia causai conduzisse a tal. Em ou
tras palavras: não poderia referir-me por “Aristóteles” a
um tamborete, pois não é isso o que designo por “Aristó
teles”. E as observações de Kripke acerca do essencialis-
mo são insuficientes para obstar tal resultado, pois consti
tuem elas próprias, sem exceção, necessidades de re afi
xadas a objetos, mas sem afixar nenhum conteúdo Inten
cional restritivo ao uso do nome. Portanto, ainda que se
trate de uma necessidade metafísica de re que o hom em
concreto tivesse uma determinada m ãe e um determinado
pai, tal absolutamente nada nos revela acerca do m odo
como o nom e se refere ao hom em e não a um tamborete.
3. Em geral, o descritivista tende a preferir o conteúdo
Intencional de primeira ordem e julgar menos importantes
os casos parasitários; o teórico causal enfatiza a descrição
de identificação parasitária. O embrião da verdade na teo
ria causal parece-me o seguinte: Nos casos em qu.e não te
mos uma familiaridade direta com o objeto que designa
mos, tenderemos, normalmente, a conferir precedência ao
348 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
ção: o primeiro acerca do eremita e o segundo acerca do
cavador de poços. Aparentemente, o caso do cavador de
poços se assemelha, na forma, ao caso de Gõdel/Schmidt.
O falante tem sem pre seu conteúdo Intencional parasitá
rio a que recorrer caso sua descrição associada seja satis
BIBLIOTECA
feita por algum objeto que não se encaixa no restante de
seu conteúdo Intencional. Todavia, o caso também susci
ta a questão isolada de com o a Rede das crenças do fa
lante estabelecerá algumas restrições adicionais à cadeia
da Intencionalidade parasitária. Suponham os que Heró-
doto tenha ouvido uma rã, no fundo de um poço, a pro
duzir um coaxar que soasse com o “tudo é água” em gre
go; suponham os ainda que a tal rã é um bichinho de es
timação de nom e “Tales” e que o incidente seja a origem
da co n cep ção su sten tad a p o r alguém de que tu d o é
água. Q uando em prego o nom e “Tales”, julgando estar-
me referindo a um filósofo grego, estarei me referindo
àquela rã? Creio que não. Dúvidas semelhantes poderiam
ser apresentadas acerca do cavador de poços: é possível
imaginar sentenças em que eu estivesse inclinado a dizer
que me referia ao cavador de poços e outras em que es
tivesse inclinado a dizer que não consegui referir-me a
ninguém pois não existia nenhum Tales filósofo. Contu
do, nos casos em que m e refiro a um cavador de poços,
352 INTENCIONALIDADE
C tH T R A V .
vice-versa. Em tal caso, a descrição de identificação que
‘-'U
ele poderá fornecer é, na verdade, falsa com respeito ao
objeto referido, muito em bora sua referência a A seja
r - c U i '. « '-
bem-sucedida.
Tratarei esse exem plo com alguma brevidade. A é
f EGA.
aquela que ele efetivamente enxerga bem ali. É a m an
cha que causa essa experiência visual. Seria impossível
*>t
esperar por uma “descrição de identificação” melhor do
que essa. Expressões do tipo “a d e cima” destinam-se ri
UNlVEKi-iD
gorosamente ao consum o público e, ainda que possam os
imaginar casos em que viriam a preceder a apresentação
Intencional, na maior parte dos casos o conteúdo apre-
sentacional é primário. Em resumo, quer em percepção,
quer em memória, o conteúdo Intencional do falante será
suficiente para destacar A. Suponhamos, porém, que ele
esqueça que viu A e que chegue mesmo a esquecer ter
imaginado que A se encontrava em cima. Tudo de que se
lembra é que o nom e nomeava um a mancha. Não pode
rá, ainda assim, usar o nom e para referir-se à mancha?
Evidentemente. Não há motivo por que um conteúdo In
tencional parasitário não possa depender dos conteúdos
Intencionais anteriores do próprio indivíduo. Nesse caso,
A será identificada simplesmente com o “aquela que ante
riormente fui capaz de identificar com o ‘A’”, um caso li
mite talvez, mas, não obstante, possível.
354 INTENCIONALIDADE
CENTRAL
do”, na acepção técnica que a palavra tinha para ele, do a
nome próprio para aquele falante. Defenderei, em oposi- j
ção a Frege, a idéia de que seria impossível à descrição 'L'
definida associada fornecer um sentido ou definição do _l
B I BL I O TE C A .
nom e próprio, pois isso teria com o conseqüência, por ^
exemplo, que seria uma necessidade analítica o fato de m
haver sido Aristóteles o mais célebre tutor de Alexandre, ^
caso um falante associasse a descrição definida, “o mais 9
célebre tutor de Alexandre, o G rande”, como o sentido do ^
nome próprio “Aristóteles”. Argumentei que o conglome-
rado de conteúdos Intencionais associado pelos falantes a x
um nom e próprio relaciona-se ao nom e por intermédio 3
de uma relação algo mais fraca que a definição, e que tal
abordagem conservaria as virtudes da teoria de Frege, ao
mesmo tem po que evitaria suas conseqüências absurdas.
Kripke inicia sua crítica à minha abordagem estabelecen
do uma distinção entre o descritivismo concebido como
uma teoria da referência e o descritivismo concebido co
mo uma teoria da significação, e afirmando que se o des
critivismo for concebido apenas com o uma teoria da refe
rência, uma teoria de como é assegurada a referência no
caso dos nom es próprios, será incapaz de fornecer uma
solução fregiana aos enigmas concernentes aos nom es
próprios em enunciados de identidade, enunciados exis-
356 INTENCIONALIDADE
UKlVEhfciDALt F t U K « i . UÜ PAKA
referência a objetos. Em geral, a contribuição de um nome
para as condições de verdade de enunciados reside sim
plesmente no fato cle o mesmo ser empregado para refe-
CENTRAL
rir-se a um objeto. Existem, porém, alguns enunciados em
que a contribuição do nome não reside, ou não exclusiva
mente, no fato cle ser em pregado para fazer referência a
um objeto: nos enunciados de identidade, nos enunciados
existenciais e nos enunciados acerca cle estados Intencio
Bi EU GT ECA
nais. Além disso, um nome é empregado para referir-se ao
mesmo objeto em diferentes mundos possíveis onde tenha
propriedades diversas daquelas que tem no m undo real.
São os seguintes os princípios que devemos ter em
mente ao explicar esses fatos:
1. Para que um nome possa chegar a ser em pregado
para referir-se a um objeto, é preciso que exista, antes de
mais nada, alguma representação independente do obje
to. Esta pode se dar através da percepção, memória, des
crição definida etc., mas deve haver conteúdo Intencional
suficiente para que se identifique a que objeto o nom e
está afixado.
2. Uma vez estabelecida a relação entre nome e obje
to, os falantes que dominaram a prática do Backgrouncl re
ferente à utilização de nomes podem fazer uso do fato de
que a relação entre nome e objeto foi estabelecido, igno
rando qualquer outra coisa acerca do mesmo. Contanto
que não tenham nenhum conteúdo Intencional em flagran
te contradição com os fatos acerca do objeto, seu único
conteúdo Intencional pode ser o fato de estarem usando o
360 INTENCIONALIDADE
K
<
L
>
CE .NT PA L
)
1
BlBUQTtCA
Ao longo de todo este livro, evitei discutir as questões
mais proeminentes nas discussões contemporâneas da fi-
losofia da mente. Quase nada foi dito acerca do behavio- ^
rismo, do funcionalismo, do fisicalismo, do dualismo ou
qu aisq u er outras tentativas de solucionar o problema- j
m ente-corpo ou mente-cérebro. Em minha opinião, há, £
ainda, uma visão implícita da relação entre fenôm enos 3
mentais e cérebro que pretendo definitivamente explicitar.
Minha abordagem dos estados e eventos mentais foi
totalmente realista, no sentido em que de fato considero
que existem fenômenos mentais intrínsecos que não po
dem ser reduzidos a outra coisa ou eliminados por algum
tipo de redefinição. Existem, de fato, as dores, cócegas e
coceiras, crenças, temores, esperanças, desejos, experiên
cias perceptivas, experiências de agir, pensamentos, sen
timentos e todo o resto. Ora, é possível imaginar que tal
alegação é tão obviam ente verdadeira que mal vale a p e
na ser formulada, mas o espantoso é que ela é rotineira
m ente negada, em bora em geral de forma velada, por
364 INTENCIONALIDADE
PARA
de um balde d ’água é causalmente explicada pelo com
portamento das micropartículas, mas, apesar disso, é capaz
de funcionar causalmente, a sede e as experiências visuais
CENTRAL
:\J <*■. L r'tüi » “ L L<0
são causadas por uma série de eventos no micronível e são,
apesar disso, capazes de funcionar causalmente.
Leibniz considera a possibilidade de uma interpreta
ção nesses m oldes e a rejeita com base nos seguintes
fundamentos:
BiBLIOrECA
E, supondo que houvesse uma máquina arquitetada de
modo a pensar, sentir e ter percepções, nós a concebería
mos ampliada e contudo mantendo as mesmas proporções,
de maneira a que pudéssemos entrar nela como em um
UNI Vfc
moinho. Admitido isso, deveríamos encontrar, ao visitá-la,
apenas peças a impelir umas às outras, mas nunca coisa
alguma pela qual se pudesse explicar a percepção. Esta
deve, portanto, ser procurada na substância simples e não
no composto ou na máquina3.
í?
aum ento da _ causa ► ex p lo sã o no
temperatura a à cilindro
Introdução
Capítido 1
Capítulo 2
Capítulo 3
C a p ítu lo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
C a p ítu lo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
C a p ítu lo 1 0
A gradecim entos................................................................ V
Introdução......................................................................... VII
Notas. 379
Coleção Tópicos
últimos lançamenLos
Julián Marías
A perspectiva cristã
Roland Barthes
O grau zero da escrita
Jürgen Habermas
0 discursofilosófico da modem idQéle
G. H. Hardy
Em defesa de um matemático
Gaston Bachelard
A terra e os devaneios da vontade
Ernst Cassirer
A filosofia dasfornias simbólicas
1 - .4 lin g u a g e m
ISBN fi£ -3 3 t -1 7 S 3 -a
9 788533 617230