Weder Faria - Trancamento - Inépcia - Justa Causa - Revolvimento - Colaboração Premiada PDF

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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 128000 - PR (2020/0129280-5)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER


RECORRENTE : WF
ADVOGADOS : MARIA CAROLINA FEITOSA DE ALBUQUERQUE TARELHO
- DF042139
JOSÉ WEBER HOLANDA ALVES - DF054007
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
CORRÉU : A R DE S T
CORRÉU : C DA S F
CORRÉU : B B DA S J
CORRÉU : C DA S F
CORRÉU : H M A DA S F
CORRÉU : JAVS
CORRÉU : LAF
CORRÉU : L E DA R S
CORRÉU : M R A DO N
CORRÉU : M P DE S B
CORRÉU : M DE Q G
CORRÉU : M E DE S
CORRÉU : N DE A
CORRÉU : N DE O
CORRÉU : ORJ
CORRÉU : SAP
CORRÉU : RLRFL
CORRÉU : V A DA S F
CORRÉU : VRF
CORRÉU : VVB
CORRÉU : WF
CORRÉU : W T DE O

DECISÃO

1. Trata-se de Recurso Ordinário em Habeas Corpus, sem pedido liminar,


interposto por W F, em face de acórdão proferido pela 8ª Turma do e. Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, nos autos do Habeas Corpus n. 5011009-21.2020.4.04.0000/PR, o
qual denegou a ordem de habeas corpus pleiteada. Segue a ementa do acórdão (fls. 616-
617):

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"OPERAÇÃO LAVA-JATO". HABEAS CORPUS. CRIMES
DE LAVAGEM DE DINHEIRO. AUTONOMIA. RESPONSABILIDADE
CRIMINAL. ART. 29 DO CP. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA E
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO.
EXCEPCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE
ILEGALIDADE. MATÉRIA RESERVADA À INSTRUÇÃO.
1. A impetração de habeas corpus destina-se a corrigir
eventual ilegalidade praticada no curso do processo, sobretudo quando
houver risco ao direito de ir e vir do investigado ou réu. Significa dizer
que o seu manejo, a fim de discutir questões processuais, deve ser
resguardado para situações excepcionais, quando houver flagrante
ilegalidade e que afete sobremaneira a ampla defesa.
2. Eventual discussão a respeito de quaisquer vícios
materiais e formais da prova poderá ter lugar no curso da própria ação
penal ou mesmo em sede recursal, não restando demonstrado flagrante
constrangimento ilegal capaz de provocar a suspensão dos atos
processuais.
3. Apenas em caráter excepcional ocorre a possibilidade de
trancamento do inquérito policial ou da ação penal, por meio da
impetração de habeas corpus, sem necessidade de realização de
instrução probatória.
4. Necessária a demonstração, de plano, da ausência de
justa causa para o inquérito ou para a ação penal, consubstanciada na
inexistência de elementos indiciários capazes de demonstrar a autoria e
a materialidade do delito, a atipicidade da conduta e a presença de
alguma causa excludente da punibilidade ou, ainda, nos casos de
inépcia da denúncia.
5. O juízo de primeiro grau, ainda que de forma concisa,
registrou a presença dos requisitos viabilizadores da ação penal,
postergando as questões referentes à análise probatória para o
momento adequado (= fase instrutória) não havendo falar, por isso, em
nulidade da decisão por ausência de fundamentação.
6. A defesa terá toda a instrução criminal, com observância
ao princípio do contraditório, para sustentar suas teses e produzir
provas de suas alegações, as quais serão devidamente examinadas com
maior profundidade no momento processual adequado. Precedente:
RHC 120267, Relator Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, PUBLIC
02-04-2014.
7. Necessária a demonstração, de plano, o que não ocorreu
na espécie, da ilegitimidade de parte, ou ausência de justa causa para o
inquérito ou para a ação penal, consubstanciada na inexistência de
elementos indiciários capazes de demonstrar a autoria e a
materialidade do delito, a atipicidade da conduta e a presença de
alguma causa excludente da punibilidade ou, ainda, nos casos de
inépcia da denúncia.
8. A lavagem de ativos é delito autônomo em relação ao

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crime antecedente (não é meramente acessório a crimes anteriores), já
que possui estrutura típica independente (preceito primário e
secundário), pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e não
constitui uma forma de participação post-delictum. Ou seja, pouco
importa se o denunciado teve participação ou não no crime anterior,
tampouco é ele o beneficiário formal e responsável pela manutenção de
contas para tal finalidade e para pagamento de propinas a agentes
públicos.
9. Nos termos do art. 29 do Código Penal, todo aquele que
concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas. Comprovado
que o agente praticou conduta autônoma, posterior ao delito de
corrupção, a fim de dificultar a identificação do destino da propina,
deve responder como coautor do delito de lavagem de ativos.
10. Ordem de habeas corpus denegada."

Depreende-se dos autos que o Ministério Público Federal imputou ao


recorrente a prática do crime de lavagem de capitais (art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/98).
Narra-se, em síntese, que o recorrente, na condição de sócio do Grupo Petrópolis e de
administrador das empresas Leyroz e Praiamar, teria, em concurso com demais agentes,
disponibilizado vultosa quantia ao Grupo Odebrecht para pagamento de vantagens ilícitas
a agentes públicos e políticos e feito numerosas doações eleitorais em nome da
construtora, mediante o recebimento, em contrapartida, de valores ilícitos em contas
bancárias mantidas em nome de empresas offshore no exterior pelo Setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht.

Na presente insurgência, a Defesa sustenta, em síntese, que o recorrente


encontra-se submetido a constrangimento ilegal em virtude da instauração da Ação Penal
n. 5077792-78.2019.4.04.7000/PR, argumentando, para tanto, a inépcia da peça
acusatória e a ausência de justa causa para o processo penal.

Defende a carência de lastro probatório, visto que a peça acusatória não teria
indicado nenhum documento ou depoimento que, amparando a hipótese da acusação,
mencione o recorrente ou permita atribuir-lhe a prática dos crimes que lhe são imputados.
Afirma, assim, que a narração dos fatos na denúncia em nenhum momento descreve
condutas subsumíveis ao crime de lavagem de capitais ou de participação em organização
criminosa.

Salienta, nesse passo, que nenhum dos colaboradores premiados haveria tecido
referência ao recorrente no curso do procedimento.

Assevera que o recorrente não seria titular, beneficiário ou procurador de

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nenhuma conta bancária mantida em nome de offshore no exterior, nem teria
movimentado quaisquer valores ilícitos.

Pondera que a denúncia, a decisão de recebimento e o acórdão recorrido, em


sua fundamentação, tanto não demonstrariam que o recorrente era de fato administrador
das empresas Leyroz e Praiamar, como, ao contrário, ter-se-iam limitado a consignar que
Roberto Luís Ramos Fontes Lopes era o responsável por essas empresas, cuja titularidade
de fato caberia a Walter Faria. Em apoio de sua tese, assinala que mesmo após o
rompimento definitivo do recorrente com Walter Faria, seu tio, ocorrido em agosto de
2011, as empresas Leyroz e Praiamar teriam permanecido no esquema criminoso do
Grupo Petrópolis.

Obtempera que a planilha extraída do Sistema Drousys da Odebrecht e o


Relatório da Polícia Federal correspondente versam exclusivamente sobre atividades
lícitas da empresa Leyroz.

Noutro giro, aponta que a peça acusatória não indicou o nexo causal entre o
fato descrito e a conduta atribuída ao recorrente, em violação ao art. 41 do Código de
Processo Penal. Defende ser necessária, mesmo nos crimes de autoria coletiva, a
descrição individualizada da conduta de cada um dos denunciados, por força do princípio
da culpabilidade, da responsabilidade pessoal e da dignidade da pessoa humana. Propõe,
nesse particular, que o recorrente está sendo objeto de persecução penal tão somente por
ter figurado, em tese, como sócio das empresas Leyroz e Praiamar.

Requer, ao final, o conhecimento e o provimento do presente recurso para


trancar a Ação Penal n. 5077792-78.2019.4.04.7000/PR, com base na ausência de justa
causa para a ação penal e na inépcia da peça acusatória.

O Ministério Público Federal, às fls. 938-953, manifestou-se pelo


desprovimento do recurso, em parecer assim ementado:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS CRIMES


DE LAVAGEM DE DINHEIRO. OPERAÇÃO LAVA-JATO.
ODEBRECHT. GRUPO PETRÓPOLIS. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA
DA DENÚNCIA; AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA; TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE
FLAGRANTE ILEGALIDADE. ELEMENTOS DE FATO E DE PROVAS
SUFICIENTES PARA DAR SUSTENTAÇÃO À DENÚNCIA DA
ACUSAÇÃO. MATÉRIA RESERVADA A INSTRUÇÃO.
DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. - Parecer pelo
desprovimento do recurso ordinário"

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É o relatório. Decido.

2. Na presente insurgência, a Defesa sustenta, em síntese, que o recorrente


encontra-se submetido a constrangimento ilegal em virtude da instauração da Ação Penal
n. 5077792-78.2019.4.04.7000/PR, argumentando, para tanto, a inépcia da peça
acusatória e a ausência de justa causa para o processo penal.

Consigne-se, de início, que o trancamento da ação penal constitui medida


de exceção que se justifica apenas quando estiverem comprovadas, de plano e sem
necessidade de exame aprofundado de fatos e provas, a inépcia da exordial
acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de excludente de ilicitude ou de
culpabilidade ou causa de extinção de punibilidade ou, enfim, a ausência de indícios
mínimos de autoria ou de prova de materialidade.

Assim, justa causa para a ação penal condenatória é o suporte probatório


mínimo ou o conjunto de elementos de fato e de direito (fumus comissi delicti) que
evidenciam a probabilidade de confirmar-se a hipótese acusatória deduzida em juízo.
Constitui, assim, uma plausibilidade do direito de punir, extraída dos elementos objetivos
coligidos nos autos, os quais devem demonstrar satisfatoriamente a prova de
materialidade e os indícios de que o denunciado foi o autor de conduta típica, ilícita
(antijurídica) e culpável.

Para o recebimento da peça acusatória, porém, não se exige prova cabal de


todos as afirmações de fato e de direito tecidas na denúncia, pois é suficiente a sua
verossimilhança, desde que bem assentada no acervo de elementos cognitivos que
subsidiam a acusação.

Contudo, a falta de justa causa para o exercício da ação penal - i. e., quando
não forem expostos a contento a prova da materialidade e os indícios da autoria - é causa
de rejeição da denúncia, nos termos do art. 395, III, do CPP.

Nessa esteira, o art. 41 do CPP afirma serem requisitos da peça acusatória a


exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; a qualificação do acusado;
a classificação do crime; e o rol de testemunhas. A exposição do fato criminoso e a
individualização do acusado, ao menos, são requisitos indispensáveis à peça acusatória.
Por conseguinte, sua ausência, à maneira da falta de justa causa, constitui fundamento
para a rejeição da denúncia por inépcia formal, consoante o art. 395, I, do CPP.

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A exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, é a
descrição, amparada no suporte fático dos autos, de todos os elementos essenciais ou
indispensáveis para que se caracterize tanto a conduta delitiva, de maneira particularizada
no tempo e no espaço, como o liame que permita vinculá-la ao agir do acusado.

Com relação à descrição fato criminoso nos crimes de autoria coletiva, esta
Corte Superior tem decidido que, conquanto não se possa exigir a descrição
pormenorizada da conduta de cada denunciado, é necessário que a peça acusatória
estabeleça, de modo objetivo e direto, a mínima relação entre o denunciado e os crimes
que lhe são imputados. O entendimento decorre tanto da aplicação imediata do art. 41 do
CPP como dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da
individualização das penas e da pessoalidade.

Nesse sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS


CORPUS. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA (ART. 4º DA LEI N. 7.492/1986). TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
INOCORRÊNCIA. PEÇA EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO
NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. CRIME DE
AUTORIA COLETIVA. MITIGAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DE
DESCRIÇÃO MINUCIOSA DE CADA AÇÃO. POSSIBILIDADE DO
EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação
penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar
demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a
total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva,
a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção
da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade do referido
trancamento nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o
que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não
impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade.
2. A imputação descrita na denúncia é suficiente clara para
deflagrar a ação penal e minúcias acerca das circunstâncias da prática
delitiva poderão ser aferidas durante a instrução probatória, sob o
crivo do contraditório.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ
tem mitigado a exigência de descrição minuciosa da ação de cada
agente nos crimes de autoria coletiva, desde que a denúncia não seja
demasiadamente genérica. Precedentes.
4. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o
deferimento ou indeferimento da produção de provas está inserido no
âmbito de discricionariedade do magistrado condutor do processo,

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devendo fazê-lo demonstrando os motivos do seu convencimento. Por
sua vez, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram o
constrangimento ilegal sustentado pela defesa no indeferimento da
diligência solicitada por entender que a mesma era desnecessária
porquanto não buscava sanar dúvidas quanto aos fatos. 5. Agravo
regimental desprovido." (AgRg no RHC 116.971/RJ, Quinta Turma,
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 2/3/2020, grifou-se).

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME LICITATÓRIO.


TENTATIVA DE FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DO
CERTAME. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE
INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. NÃO VERIFICADA
ILEGALIDADE. DENÚNCIA APTA. IMPOSSIBILIDADE DE
INCURSÃO FÁTICA. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO
PROVIDO.
1. Especificamente sobre os crimes societários e de autoria
coletiva, a orientação desta Corte Superior preleciona que, "embora
não possa ser de todo genérica, a denúncia é válida quando demonstra
um liame entre o agir dos sócios ou administradores e a suposta
prática delituosa, apesar de não individualizar pormenorizadamente
as atuações de cada um deles, o que estabelece a plausibilidade da
imputação e possibilita o exercício da ampla defesa, cumprindo o
contido no artigo 41 do Código Penal." (AgRg no RHC 81.346/SP,
Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
12/02/2019, DJe 18/02/2019).
2. Se a denúncia expõe com clareza o liame existente entre as
supostas condutas dos recorrentes e os fatos delitivos em apuração, de
forma suficiente a dar início à persecução penal na via judicial e
garantir o pleno exercício da defesa aos acusados, não há tese de
ilegalidade a ser acolhida. Os recorrentes são acusados de integrar
núcleo familiar responsável pela criação de sociedade empresária de
fachada para atuar em conjunto com outra empresa a fim de frustrar o
caráter competitivo de certame licitatório, estando a denúncia
amparada em vasta investigação policial, inclusive com quebra de
sigilo de dados.
3. A tarefa de realizar aprofundado exame da matéria fático-
probatória é reservada ao Juízo processante, que, após a detida
análise, julgará a procedência ou não da acusação proposta, podendo
afastar a responsabilidade dos recorrentes se for o caso.
4. Recurso em habeas corpus não provido." (RHC
120.748/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe
14/2/2020, grifou-se).

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.


TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO.
TRANCAMENTO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. APTIDÃO DA

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DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é
medida excepcional, somente cabível quando demonstrada a absoluta
ausência de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria,
a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da
punibilidade.
2. É legítima e idônea para consubstanciar a pretensão
punitiva estatal a denúncia que, atenta aos requisitos previstos no art.
41 do Código de Processo Penal, descreve o fato criminoso imputado
ao denunciado com todas as suas circunstâncias relevantes, de modo a
permitir ao imputado compreender os termos da acusação e dela
defender-se, sob o contraditório judicial.
3. No caso, a imputação fática relativa aos delitos descritos
nos art. 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006 está
suficientemente delineada na denúncia, visto que é possível identificar,
nos termos do que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, qual a
responsabilidade do ora agravante nos fatos em apuração, vale dizer,
quais condutas ilícitas supostamente por ele praticadas, motivo pelo
qual não há falar em trancamento prematuro da ação penal.
4. Em crimes de autoria coletiva, embora a inicial
acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de
não descrever minuciosamente as atuações individuais de cada um
dos acusados, demonstra um liame entre seu agir e a suposta prática
delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e
possibilitando ao réu compreender os termos da acusação e dela
defender-se, tal como ocorreu no caso.
5. A questão relativa à pequena ou a nenhuma participação
do ora agravante nos fatos articulados na denúncia foge da
possibilidade de cognição na via estreita do habeas corpus, dada a
dificuldade de, em processo que envolve 26 acusados, delimitar, com
precisão, a participação de cada um nos eventos delituosos ou mesmo
de concluir pela alegada ausência de qualquer responsabilidade penal
de um dos denunciados.
6. Agravo regimental não provido." (AgInt no HC
536.459/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe
21/11/2019, grifou-se).

Ademais, consoante a jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal, as


palavras do colaborador, embora sejam suficientes para o início da investigação
preliminar, não constituem fundamento idôneo para o recebimento da peça acusatória, ao
passo que os documentos produzidos unilateralmente por ele não têm o valor probatório
de elementos de corroboração externos, visto que a colaboração premiada é apenas meio
de obtenção de prova. Nesse sentido:

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"Inquérito. Corrupção passiva (art. 317, § 1º, CP).
Corrupção ativa (art. 333, caput, CP). Lavagem de dinheiro majorada
(art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98). Denúncia. Parlamentar federal.
Suposto envolvimento em esquema de corrupção de agentes públicos
relacionado à Diretoria de Abastecimento da Petrobras. Solicitação de
vantagem indevida, com desdobramento em pagamentos fracionados.
Recebimento em espécie e por meio de contratos fictícios. Alegação de
incompetência do relator. Distribuição por prevenção. Matéria que
deve ser alegada no primeiro momento em que o interessado se
pronunciar nos autos. Fatos apurados nas mesmas circunstâncias.
Conexão probatória e intersubjetiva. Artigos 80 e 83 do CPP.
Esgotamento temporal das penas impostas no acordo de colaboração.
Aferição em momento processual posterior. Busca e apreensão em
escritórios de advocacia. Possibilidade. Requisitos analisados quando
do deferimento da medida. Preclusão. Inviolabilidade relativa.
Incidência da causa de aumento de pena do delito de lavagem de
dinheiro prevista no § 4º do art. 1º da Lei nº 9.613/1998. Habitualidade
descrita na denúncia. Inépcia da denúncia não configurada. Concurso
de pessoas. Descrição suficiente. Enquadramento como autores ou
partícipes. Irrelevante. Ausência de dolo e consciência da ilicitude.
Matérias afetas ao mérito. Preliminares rejeitadas. Inexistência de justa
causa para a ação penal. Imputação calcada em depoimentos de réus
colaboradores. Ausência de provas minimamente consistentes de
corroboração. Documentos produzidos pelos próprios colaboradores.
Inadmissibilidade. Registros de entrada, saída e deslocamentos.
Ausência de elementos concretos que tornem induvidosa a
materialidade. Fumus commissi delicti não demonstrado. Falsidade
ideológica dos contratos. Ausência de lastro mínimo quanto o liame
subjetivo. Não demonstração, em termos probatórios, da alegada
ligação entre o escritório de advocacia e o apontado real beneficiário
dos valores por ele intermediados. Denúncia rejeitada (art. 395, III,
CPP).
[...]
10. A colaboração premiada, como meio de obtenção de
prova, tem aptidão para autorizar a deflagração da investigação
preliminar, visando adquirir coisas materiais, traços ou declarações
dotadas de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua verdadeira
vocação probatória.
11. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem
outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade
suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da
acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti .
12. O fumus commissi delicti , que se funda em um juízo de
probabilidade de condenação, traduz-se, em nosso ordenamento, na
prova da existência do crime e na presença de indícios suficientes de
autoria .

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13. Se “nenhuma sentença condenatória será proferida com
fundamento apenas nas declarações de agente colaborador” (art. 4º, §
16, da Lei nº 12.850/13), é lícito concluir que essas declarações, por si
sós, não autorizam a formulação de um juízo de probabilidade de
condenação e, por via de consequência, não permitem um juízo positivo
de admissibilidade da acusação.
14. No caso concreto, faz-se referência a documentos
produzidos pelos próprios colaboradores, a exemplo de anotações,
registros em agenda eletrônica e planilhas de contabilidade informal. A
jurisprudência da Corte é categórica em excluir do conceito de
elementos de corroboração documentos elaborados unilateralmente
pelo próprio colaborador. Precedentes." (INQ 4.074/DF, Segunda
Turma, Rel. Min. Edson Fachin, Rel. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli,
DJe 16/10/2018).

No presente caso, o Ministério Público Federal imputa ao recorrente a prática


do crime de lavagem de capitais (art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/98).

Narra-se, em resumo, que o recorrente, na condição de sócio do Grupo


Petrópolis e de administrador das empresas Leyroz e Praiamar, teria, em concurso com
demais agentes, disponibilizado vultosa quantia ao Grupo Odebrecht para pagamento de
vantagens ilícitas a agentes públicos e políticos e feito numerosas doações eleitorais em
nome da construtora, mediante o recebimento, em contrapartida, de valores ilícitos em
contas bancárias mantidas em nome de empresas offshore no exterior pelo Setor de
Operações Estruturadas da Odebrecht.

O Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná fundamentou o


recebimento da peça acusatória nos seguintes termos, in verbis (fls. 163-199):

"No curso das investigações do Setor de Operações Estruturadas, descobriu-


se que executivos da Odebrecht recorriam a Walter Faria e ao Grupo Petrópolis quando
necessitavam de valores em espécie para a remuneração indevida de agentes políticos e
públicos, como os Diretores da Petrobrás Renato Duque e Paulo Roberto Costa.
Segundo o MPF, Walter Faria, por meio do Grupo Petrópolis, seria uma
espécie de banco do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, a quem o
departamento de propinas da empreiteira, através do seus prepostos e intermediadores,
recorria, compensando valores no exterior com recursos em espécie no território
nacional, quando necessita de valores em espécie para remunerar indevidamente agentes
públicos e políticos, dentre os quais os agentes da Petrobrás.
As invetigações resultaram na deflagração, a pedido do MPF, de buscas e
prisões contra investigados, no âmbito do processo 5030617-88.2019.4.04.7000.
O presente caso, envolvendo primordialmente operações de ocultação e
dissimulação de recursos, insere-se nesse contexto e tem por base operações realizadas
por Walter Faria e pelo Grupo Petrópolis com o Setor de Operações Estruturadas da

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Odebrecht.
Descreve a denúncia que, no período de 08/07/2006 a 01/10/2012, o Grupo
Petrópolis disponibilizou em espécie R$ 388.160.515,92 ao Setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht (item 2.1.3.1.1 da imputação, fls. 21-43).
Os valores teriam sido destinados à remuneração indevida de agentes
públicos brasileiros.
As operações foram registradas pela Odebrecht no sistema Drousys e
demonstram que existiria uma espécie de conta corrente entre os aludidos grupos
empresariais.
Tabela com os pagamentos, datas e respectivas referências documentais
consta nas fls. 28-35 da denúncia. Há registro de cento e sessenta e quatro entregas.
Relata o MPF que os valores em espécie viablizados pelo Grupo Petrópolis
eram disponibilizados a transportadores vinculados à Odebrecht. Inicialmente, os
valores seriam entregues aos transportadores no Jockey Club do Rio de Janeiro e, a
partir de 2010, as entregas seriam realizadas pelas transportadores Transexpert e
Transnacional.
Descreve a denúncia que, no período de 18/08/2010 a 30/10/2014, o Grupo
Petrópolis, através das empresas Cervejaria Petrópolis, Praiamar, Leyroz Caxias e
Imapi, realizou doações eleitorais, no importe de R$ 124.076.164,36, a agremiações e
agentes políticos (item 2.1.3.1.2 da imputação, fls. 43-67).
As doações teriam sido realizadas no interesse do Grupo Odebrecht, como
forma de dissimular o repasse de vantagem indevida.
As doações foram registradas pela Odebrecht no sistema Drousys.
Tabela com os pagamentos, identificação do doador e da agremiação ou do
agente político beneficiado e respectivas referências documentais consta nas fls. 49-62
da denúncia. . Há registro de trezentas e vinte e uma doações.
Roberto Luis Ramos Fontes Lopes seria o responsável pelas empresas
Praiamar, Leiroz Caxias e Imapi. Segundo o MPF, Roberto Lopes seria interposto de
Walter Faria, presidente da Cervejaria Petrópolis.
Segundo a imputação, paralelamente à viabilização de recursos em espécie no
território nacional, o Grupo Odebrecht repassou a quantia de USD 120.797.832,09, a
contas controladas pelo Grupo Petrópolis e Walter Faria no exterior.
Há descrição de trinta e três depósitos realizados entre 11/09/2006 e
28/10/2008 pela Odebrecht, a partir da conta da Klienfeld Services Ltd, para a conta da
Legacy International Inc, no total de USD 95.580.401,09 (item 2.1.3.2 da imputação, fls.
67-85).
[...]
W F é sobrinho de Walter Faria. Foi sócio do Grupo Petrópolis até meados
de 2011. Ele era o responsável pela administração das empreas Leyroz e Praiamar,
ambas de São Paulo/SP, através das quais foram viabilizados recursos em espécie à
Odebrecht. Tais empresas foram, ainda, utilizadas para realizar os supostos repasses de
vantagem indevida dissimulada de doações eleitorais. Em troca dos pagamentos em
espécie e das doações o Grupo Petrópolis receberia pagamentos no exterior.
[...]
3. Não cabe nessa fase processual exame aprofundado da denúncia, o que
deve ser reservado ao julgamento, após contraditório e instrução. do ao julgamento,

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após contraditório e instrução.
Em relação a questões de validade, na descrição dos fatos, a denúncia parte
de um panorama geral, com a descrição do funcionamento do Setor de Operações
Estruturadas da Odebrecht (fls. 12-19) e da participação do Grupo Petrópolis nas
operações de lavagem de dinheiro da Odebrecht (fls. 19-21), para, na sequência,
descrever a imputações específicas, acusado a acusado.
Os fatos foram descritos de modo circunstanciado e individualizado em
relação a cada um dos denunciados, na forma do art. 41, do CPP, o que viabiliza o
pleno exercício da ampla defesa.
Na descrição de funcionamento do setor de propinas da Odebrecht, há relato,
ainda que em termos gerais, sobre a geração dos valores, a partir de expedientes
subreptícios.
Uma parte desses valores, após sucessivas operações financeiras, foram
repassados por contas controladas pela Odebrecht a Walter Faria e associados, em
troca de dinheiro em espécie no Brasil.
As operações que resultaram na geração de valores movimentados pelo Setor
de Operações Estruturadas da Odebrecht ou mesmo o seu funcionamento não são objeto
de imputação neste feito. São aqui invocadas apenas como elementos indiciários das
infrações penais antecedentes à lavagem de dinheiro envolvendo o Grupo Petrópolis.
Por força do princípio da autonomia do crime de lavagem de capitais, o
processamento da acusação independe de uma descrição minuciosa do crime prévio,
sendo suficiente a presença de indícios de que o objeto material da lavagem seja
proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais antecedentes
(art. 2º, §1º, da Lei nº 9.613/1998).
Apesar da presença de indícios de crimes de lavagem de dinheiro, a
adequação típica definitiva dos fatos imputados somente será possível na fase de
julgamento.
O mesmo pode se falar em relação à quantidade de delitos de lavagem, a
despeito do fracionamento de imputações pela quantidade de transferências, feito pelo
MPF.
Ainda, reputo razoáveis os esclarcimentos do MPF para não ter denunciado
os acusados Cleber Faria, Vanusa Faria, W F, Clério Faria, Silvio Antunes Pelegrini e
Vanuê Antônio Faria pelo delito do art. 288 do CP.
Em síntese, teriam eles deixado de participar do esquema criminoso no ano de
2011. Até a aludida data, vigorava o antigo delito de formação de quadrilha, art. 288 do
CP, com pena de reclusão de um a quatro anos.
Pelo transcurso de mais de oito anos entre a data da cessação da vinculação
dos acusados à suposta organização e a data desta decisão, forçoso reconhecer a
incidência da prescrição pretensão punitiva em relação ao crime art. 288 do CP, nos
termos do art. 109, IV do CP.
[...]
Em relação à justa causa, os fatos descritos na peça acusatória amparam-se
substancialmente nas declarações prestadas por investigados que celebraram acordos
de colaboração com as autoridades corroboradas, em cognição sumária, por elementos
documentais.
Foram juntadas mais de quatro centenas de documentos juntamente com a

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denúncia. Além do depoimento de colaboradores, há, em cognição sumária, vasta prova
de corroboração a respeito do funcionamento do esquema supostamente criminoso
envolvendo a relação entre a Odebrecht e o Grupo Petrópolis.
Não cabe examinar detidamente cada um dos documentos, sob pena de
antecipar análise própria da fase de julgamento. Apesar disso, para fins de
demonstração da presença de justa causa, passo a analisar aqueles que conferem à
denúncia lastro probatório compatível com a presente fase e suficiente ao seu
recebimento.
O esquema foi revelado por executivos e prestadores de serviço do Setor de
Operações Esturadas da Odebrecht que celebraram acordo de colaboração com a
Procuradoria-Geral da República e com o MPF.
[...]
Ainda, empresas ligadas a WF e Clério Faria, sobrinhos de Walter Faria,
também teriam gerado valores em espécie ao Grupo Petrópolis, a teor de planilha
extraída do sistema Drousys, com referências a ambos (evento 1, anexo297).
Diversas ordens para movimentações financeiras relacionadas a Walter Faria
partiram dos endereços eletrônicos "[email protected]" e "[email protected]".
Análise de tais enedereços eletrônico consta na Informação 48/2019-
LJ/DELECOR/DRCOR /SR/PF/PR (evento 1, anexo297).
O primeiro e-mail seria utilizado por Maria Elena de Souza, funcionária de
Walter Faria e responsável pela gestão financeira do acusado, Vanusa Faria, sobrinha
de Walter Faria, e Marcio Roberto Alves do Nascimento, funcionário do Grupo
Petrópolis. O segundo, por Wladimir Teles de Oliveira e Vanuê Faria.
Documentos relativos às entregas realizadas foram extraídos no sistema
Drousys e juntados no evento 1, anexo322, anexo323, anexo324, anexo328, anexo423,
totalizando cento e sessenta e quatro pagamentos, no total de R$ 388.160.515,92 (cf.
tabela de fls. 28-35 da denúncia).
Além das entregas em espécie, a denúncia relata que o Grupo Petrópolis
realizava doações eleitorais no interesse do Grupo Odebrecht.
Benedicto Barbosa da Silva Júnior, relatou que solicitou ao Grupo
Petrópolis a realização de doações eleitorais, entre outubro de 2008 e junho de 2014,
no interesse da Odebrecht. Os pagamentos teriam gerado uma dívida de R$ 120
milhões, com o Grupo Petrópolis. O colaborador confirmou que doações foram
realizadas pelas empresas Leyroz e Praiamar e que os candidatos sabiam que, na
realidade, quem os estava remunerando não era o Grupo Petrópolis, mas a Odebrecht
(evento 1, anexo311):
[...]
Em depoimento de 06/08/2019, Luiz Eduardo da Rocha Soares, confirmou
as operações de entrega de dinheiro em espécie e declarou que o Grupo Petrópolis
realizou doações eleitorais, a pedido da Odebrecht, através das empresas Praiamar,
Leyroz e Imapi. O colaborador ainda relatou que as doações eleitorais seriam
registradas em planilhas no sistema Drousys.
[...]
W F era responsável pelas empresas Leyroz e Praiamar, de São Paulo. Clério
Faria era o responsável pela Leiroz, de Teresópolis/SP.
Informações relativas às doações eleitorais realizadas por tais empresas, com

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identificação do doador, do beneficiário, dos valores doados, data da doação e,
inclusive, do número do recibo eleitoral, foram discriminadas, substancialmente, no
documento do evento 1, anexo388 e, em menor parte, no documento anexo385.
[...]
Além dos elementos probatórios orais, há documentos que conferem
credibilidade e corroboram as declarações dos colaboradores, em cognição sumária.
A partir da análise de documentos da conta em nome da off-shore Klienfeld
Services Ltd., controlada pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, foram
identificados trinta e três depósitos, no total de USD 95.580.401,09, para a conta em
nome da off-shore Legacy International Inc. (evento 1, anexo336 e anexo381).
[...]
4. Portanto, presentes indícios suficientes de autoria e materialidade,
evidenciada a justa causa, recebo a denúncia contra os acusados acima nominados e
rejeito a denúncia, integralmente, em face de Nelson de Oliveira." (fls. 163-199, grifou-
se).

Por seu turno, a e. Corte Federal, ao examinar a impetração originária, assim


dispôs (fls. 611-615):

"2.2. Em apertada síntese, "a denúncia, ainda, imputa aos acusados Walter
Faria, Roberto Luís Ramos Fontes Lopes, Maria Elena de Souza, Naede de Almeida,
Nelson de Oliveira, Altair Roberto de Souza Toledo, Vanuê Faria Vanusa Faria, Clério
Faria, W F, Cleber Faria, Silvio Pelegrini, Marcio Roberto Alves do nascimento e
Wladimir Teles de Oliveira o delito de pertinência a organização criminosa, pelos fatos
supostamente criminosos até aqui resumidos (item 2.2 da imputação, fls. 99-101)".
Como examinado na decisão ora impugnada, "W F é sobrinho de Walter
Faria. Foi sócio do Grupo Petrópolis até meados de 2011. Ele era o responsável pela
administração das empresas Leyroz e Praiamar, ambas de São Paulo/SP, através das
quais foram viabilizados recursos em espécie à Odebrecht. Tais empresas foram, ainda,
utilizadas para realizar os supostos repasses de vantagem indevida dissimulada de
doações eleitorais. Em troca dos pagamentos em espécie e das doações o Grupo
Petrópolis receberia pagamentos no exterior".
As imputações estão diretamente associadas às condutas de Walter Faria e o
Grupo Petrópolis, com envolvimento de diversos personagens comuns a Walter. Alguns
mais próximos, outros mais distantes. A denúncia em desfavor do paciente segue assim
resumida:

'W F pela prática, i) por 163 vezes, do crime previsto no art. 1º, caput, da Lei
9.613/98, conforme descrito no capítulo 2.1.3.1.1; ii) por 147 vezes, do crime previsto no
art.1º, caput, da Lei 9.613/98, conforme descrito no capítulo 2.1.3.1.2; e, iii) por 50
vezes, do crime previsto no art. 1º,caput, da Lei 9.613/98, conforme descrito no capítulo
2.1.3.2, na forma do art. 69 do CP;'

Registros carreados aos autos revelariam que as empresas ligadas a W Fe


Clério Faria, sobrinhos de Walter Faria, também teriam gerado valores em espécie ao
Grupo Petrópolis, a teor de planilha extraída do sistema Drousys, com referências a

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ambos (evento 1, anexo297).
W F era responsável pelas empresas Leyroz e Praiamar, e Clério Faria, por
sua vez, seria o responsável pela Leiroz, de Teresópolis/SP.
Pois bem, descabe neste estágio e em sede de habeas corpus avançar sobre o
contexto que levou ao oferecimento da denúncia. A inicial acusatória é extensa. Ao
menos em juízo de cognição sumária, vê-se que, ao longo de 120 laudas, indica o real
contorno dos delitos imputados e os elementos essenciais para adequada compreensão
dos fatos para o juízo e para o exercício do regular exercício da defesa.
Os fatos são complexos e a real compreensão a respeito deles é bastante
dificultada pelos limites de cognição do habeas corpus. Significa dizer que, descabe em
sede mandamental adentrar no conjunto probatório carreado à ação penal.
Ao paciente são imputados diversas condutas de lavagem de dinheiro. Como
sabido, a lavagem de ativos é delito autônomo em relação ao crime antecedente (não é
meramente acessório a crimes anteriores), já que possui estrutura típica independente
(preceito primário e secundário), pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e
não constitui uma forma de participação post-delictum. Ou seja, pouco importa se o
denunciado teve participação ou não no crime anterior, tampouco é ele o beneficiário
formal e responsável pela manutenção de contas para tal finalidade e para pagamento de
propinas a agentes públicos.
Há documentos acostados à inicial acusatória que dão conta da participação
do paciente. Segundo repisado nas informações do juízo de origem, "informações
relativas às doações eleitorais realizadas por tais empresas, com identificação do
doador, do beneficiário, dos valores doados, data da doação e, inclusive, do número do
recibo eleitoral, foram discriminadas, substancialmente, no documento do evento 1,
anexo388 e, em menor parte, no documento anexo385".
2.3. Vale repetir que o momento inicial da ação penal não se presta ao
exame aprofundado de todas as teses de defesa e da inicial da impetração extrair a
pretensão de discutir fatos, a condição societária do paciente e elementos ligados ao
dolo, o que não se afigura viável, ao menos no exame do pedido liminar.
Questões relacionadas à ausência de responsabilidade criminal do agente,
exceto quando manifesta a inadequação da inicial acusatória, deve ser reservadas ao
provimento final, após a regular instrução. A denúncia não e guarnecida
exclusivamente com os depoimentos de colaboradores e acervo probatório, apontando
para a responsabilidade do paciente, não merece ser sindicado neste momento.
Destaque-se, inclusive, que pretensão da defesa busca antecipar discussão
ainda pendente em primeiro grau, pois aguarda-se a integralidade das respostas à
acusação.
A par disso, os contornos da denúncia são bastante claros e permitem a
exata compreensão das imputações e do exercício do legitimo direito de defesa. Não, há
no ponto, qualquer obscuridade ou imperfeição na peça acusatória que a torne
inapropriada para direito de defesa e contraditório.
Para além disso, as condutas estão, ao menos em tese, tipificadas na Lei nº
9.613/96, segundo narrativa contida nos itens 2.1.3.1.1, 2.1.3.1.2 e 2.1.3.2, na em
concurso material e a medida da responsabilidade criminal do paciente deve ser
examinada no provimento final. Diz-se que "nos termos do art. 29 do Código Penal, todo
aquele que concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas. Comprovado que o

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agente praticou conduta autônoma, posterior ao delito de corrupção, a fim de dificultar a
identificação do destino da propina, deve responder como coautor do delito de lavagem
de ativos". (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000553-66.2017.4.04.7000, 8ª Turma,
minha relatoria, por maioria, juntado aos autos em 22/07/2019).
[...]
Questões relacionadas à ausência de responsabilidade criminal do agente,
exceto quando manifesta a inadequação da inicial acusatória, devem ser reservadas ao
provimento final, após a regular instrução. A denúncia não e guarnecida
exclusivamente com os depoimentos de colaboradores e acervo probatório, apontando
para a responsabilidade do paciente, não merece ser sindicado neste momento.
Em síntese, não é o início da ação penal o estágio apropriado para
aprofundar o exame do caderno probatório, até mesmo porque descabe ao juízo
recursal tal tarefa.
[...]
Ante o exposto, voto por denegar a ordem de habeas corpus." (fls. 611-615,
grifou-se).

Pois bem. Conforme assentaram as instâncias ordinárias, entendo, nos


estreitos limites da cognição sumária, que a peça acusatória preenche os requisitos
formais do art. 41 do Código de Processo Penal e demonstra suficiente e adequadamente
a prova de materialidade e os fundados indícios de autoria para a deflagração da ação
penal, i. e., apresenta o suporte probatório mínimo que permite entrever a relevante
probabilidade de confirmar-se a hipótese acusatória deduzida em juízo.

Com efeito, com fundamento no conteúdo de diversas colaborações premiadas


e em numerosos elementos de informação coligidos no curso da investigação preliminar,
a denúncia descreve, em dimensão geral, que o Grupo Petrópolis, capitaneado por Walter
Faria, atuou em conjunto com a empresa Odebrecht para a prática do crime de lavagem
de capitais, disponibilizando-lhe recurso em território nacional para pagamento de
vantagens ilícitas a agentes públicos e políticos e realizando doações eleitorais em nome
da empresa. Em contrapartida, teria recebido valores ilícitos - acrescidos de uma "taxa" -
por meio de contas bancárias mantidas em nome de empresas offshore no exterior pela
Odebrecht.

Nesse contexto, teriam sido empregadas diversas empresas pertencentes ou


vinculadas ao Grupo Petrópolis, entre as quais se destacam, na presente controvérsia, as
empresas Praiamar e Leyroz, cuja administração é atribuída ao próprio recorrente,
sobrinho de Walter Faria. Convergem com as imputações do Ministério Público Federal
os dados que constam de planilhas extraídas do Sistema Drousys, empregado pelo Setor
de Operações Estruturadas da Odebrecht para o controle contábil das operações ilícitas, e

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e-mails e outros documentos acostados aos autos.

A Defesa afirma que em todas as colaborações premiadas e documentos


anexos e nos mais de quatrocentos elementos que subsidiam a peça acusatória não há
nenhuma menção ao nome do recorrente.

A verificação dessas alegações, porém, por exigir aprofundado revolvimento


do vasto acervo documental e probatório que instrui a ação penal na origem é, sem
dúvida, providência que exorbita dos limites objetivos que delimitam a atividade
cognitiva do habeas corpus e do seu recurso ordinário.

Havendo a existência de prova da materialidade e indícios de que o recorrente


concorreu para a prática das condutas ilícitas ora processadas, impõe-se o prosseguimento
da ação penal, especialmente por ser a instrução processual a sede adequada para a
discussão e o exame minucioso das inúmeras questões suscitadas pelo recorrente.

De fato, descabe a esta Corte, nesta ação constitucional de garantia, que, por
não possuir fase instrutória, exige a demonstração manifesta da ilegalidade, adentrar
questões societárias ou indagar da veracidade das declarações de colaboradores
premiados e dos documentos que as corroboram. Neste particular, note-se que um
provimento jurisdicional nos termos reclamados pelo recorrente, na prática, resultaria em
supressão do próprio juízo natural dos autos.

Constato, pois, que a denúncia descreveu as condutas imputadas ao recorrente


de modo suficientemente claro e individualizado, permitindo o regular exercício da ampla
defesa e do contraditório e, nessa medida, resguardando o devido processo legal.

Com base nessas considerações, a despeito do esforço argumentativo da


Defesa, não vislumbro ilegalidade flagrante nas decisões das instâncias precedentes que
motivem a concessão da ordem.

3. Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.


P. e I.

Brasília, 25 de junho de 2020.

Ministro Felix Fischer


Relator

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