Alves (2004)

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Apresentação 9

APRESENTAÇÃO
O PROCESSO DE TRADUÇÃO: DELIMITAÇÃO DE UM
OBJETO DE ESTUDO

Fabio Alves
Universidade Federal de Minas Gerais

Este número de Cadernos de Tradução reúne artigos de colabo-


radores do campo disciplinar dos estudos da tradução, cujas inves-
tigações estão centradas no processo de tradução, isto é, são
ilustrativas da chamada abordagem processual em tradução. São
sete artigos de pesquisadores oriundos de instituições na Alema-
nha, Brasil, Canadá, Dinamarca e Espanha que juntos constituem
um quadro representativo do espaço ocupado por esse interesse de
pesquisa no contexto internacional.
Decorrem já quase duas décadas de pesquisas sobre o processo
de tradução desde a publicação da tese de doutorado de Hans Krings,
intitulada Was in den Köpfen von Übersetzern vorgeht [O que se
passa na cabeça de tradutores], defendida no Seminar für
Sprachlehrforschung da Ruhr-Universität Bochum, Alemanha, em
1986. O trabalho de Krings é visto com unanimidade pelos pesqui-
sadores da abordagem processual como o marco inicial que dá vi-
sibilidade aos trabalhos sobre o processo de tradução como objeto
de estudo específico. Nesses últimos 17 anos avanços considerá-
veis foram registrados: cresceu significativamente o número de
pesquisadores interessados em pesquisas sobre o processo de tra-
dução; destacou-se sua aplicabilidade ao contexto didático da for-
mação de tradutores; e desenvolveram-se reflexões metodológicas
com o intuito de garantir maior rigor experimental, potencial de
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replicabilidade e poder de generalização aos estudos empírico-ex-


perimentais em tradução.
Contudo, esse quadro favorável que hoje se registra no cenário
internacional enfrentou, em seus primeiros anos, uma série de di-
ficuldades e desafios comuns a todo ramo de investigação que bus-
ca identidade própria. Quando, a partir de meados da década de
1980, os estudos sobre o processo de tradução começaram a ga-
nhar visibilidade, alguns pesquisadores passaram a argumentar em
favor de uma “virada processual” (Königs, 1987). Dizia-se, na-
quela ocasião, que uma nova fase se iniciava no campo disciplinar
dos estudos da tradução com uma defesa veemente de que somente
através do estudo do processo de tradução seria possível chegar a
uma real compreensão da tradução enquanto fenômeno passível de
investigação científica (Königs, 1990). Ampliando a ressonância
dessa visão crítica sobre o estudo da tradução enquanto produto e/
ou competência, Lörscher (1992) afirmou com ênfase que até me-
ados da década de 1980 muito pouca ou nenhuma atenção fora dada
ao processo através do qual a tradução é produzida, e ao desempe-
nho efetivo do tradutor. Constatava que esse reducionismo passou
a ser visto como um déficit. Fazia-se, portanto, necessário incor-
porar à disciplina dos estudos da tradução um ramo de investigação
voltado para o processo e a análise do desempenho de tradutores.
Ecoando as reflexões de Königs e Lörscher, os primeiros estu-
dos na área buscaram investigar, com base no trabalho de Ericsson
& Simon (1984/1993) sobre a técnica de protocolos verbais [TAPs,
ou seja, think-aloud protocols, em inglês], as características pro-
cessuais envolvidas durante a execução de tarefas de tradução.
Além do trabalho seminal de Krings (1986), os trabalhos de Gerloff
(1987, 1988), Faerch & Kasper (1987), Jääskeläinen (1989, 1991),
Königs (1987, 1989), Lörscher (1991, 1992), Séguinot (1989, 1991)
e Tirkkonnen-Condit (1989, 1991) constituem referências impor-
tantes para aquelas que, mais tarde, viriam a ser denominadas pes-
quisas empírico-experimentais em tradução (Alves, 2001).
Analisando a literatura sobre estudos do processo de tradução,
Fraser (1996) tece observações importantes sobre os resultados
Apresentação 11

efetivamente obtidos pela abordagem processual em seus primei-


ros dez anos (1986-1996). A autora é contundente ao afirmar que
os trabalhos considerados mais representativos têm em comum
apenas o fato de utilizarem a mesma forma de coleta de dados, ou
seja, a técnica de protocolos verbais e, ainda assim, o fazem de
maneira metodologicamente distinta. Como síntese de uma meta-
análise sobre os trabalhos até então realizados, Fraser (1996:74)
sugere que “os estudos do processo de tradução têm, na verdade,
relativamente pouco em comum e apresentam imagens muito dife-
renciadas do processo de tradução que todos eles se propuseram a
investigar.” Não se trata, a meu ver, de uma crítica negativa. Pa-
rece-me muito mais um convite à reflexão para que a abordagem
processual buscasse amadurecimento e consolidação como objeto
de estudo específico.
As reflexões de Fraser levaram os pesquisadores sobre o pro-
cesso de tradução a debater questões metodológicas cruciais, des-
tacando-se entre elas o uso da técnica de protocolos verbais como
instrumento validado para coleta e análise de dados processuais
em tradução. É fato conhecido que Ericsson & Simon (1984/1993)
distinguem dois tipos de verbalização, quais sejam, a verbalização
consecutiva e verbalização retrospectiva. Afirmam que é impossí-
vel pensar em um tipo de verbalização simultânea haja vista que
não existe acesso imediato a processos cognitivos automáticos atra-
vés da técnica de protocolos verbais. Esta é, na verdade, a crítica
mas forte que se faz com relação ao uso de TAPs para fins de
investigação de atividades cognitivas (Tirkkonen-Condit, 1991). De
fato, o que se obtém, seja através de relatos consecutivos ou re-
trospectivos, são reflexões subjetivas sobre aquilo que os sujeitos
pensam fazer ou ter feito e “uma indicação clara de processos
mentais similares determinados individualmente ao longo do pro-
cesso de tradução” (Alves, 1995:121).
Mesmo conscientes dessas limitações, Ericsson & Simon
(1984:218) sugerem que “a melhor evidência de que alguém real-
mente solucionou um problema é sua capacidade de relatá-lo”. É
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com base nessa afirmação empiricamente comprovada (Ericsson


& Simon, 1984/1993) que ganharam força os argumentos em favor
da utilização de TAPs em pesquisas sobre o processo de tradução.
Contudo, ao comentar os modos de verbalização em seus trabalhos
de 1993 e 1994, Fraser (1996) aponta que as verbalizações retros-
pectivas produzem relatos inferenciais mais estruturados que as
verbalizações consecutivas que tendem a focalizar mais as dificul-
dades individuais à medida em que ocorrem, mesmo quando essas
estão situadas em um contexto mais amplo de uma abordagem es-
tratégica abrangente para a realização da tarefa de tradução. Fraser
(1996:68) comenta ainda que “no contexto do estudo de 1993, que
se preocupava com aspectos transculturais do processo de tradu-
ção, a verbalização retrospectiva mostrou ser capaz de fornecer
maiores indícios que os protocolos verbais consecutivos.” Adicio-
nalmente, Fraser destaca que nenhum dos estudos por ela avalia-
dos se preocupou em contrastar dados de verbalizações consecuti-
vas com aqueles coletados por intermédio de verbalizações retros-
pectivas. Para fins metodológicos, seria interessante contrastar
resultados obtidos através dessas duas modalidades e observar que
evidências processuais são reveladas através de cada uma delas.
A constatação dessas diferenças reforçaria a afirmação de Fraser
(1996:77) de que “o método introspectivo, se adequadamente con-
cebido e diferenciado, pode fornecer indícios valiosos e interes-
santes sobre a variedade de atividades lingüísticas em um número
de níveis.”
Essas observações continuam a ser relevantes nas discussões
atuais. Observa-se nos trabalhos mais recentes a mesma amplitu-
de metodológica relatada por Fraser (1996). O uso de protocolos
verbais consecutivos e retrospectivos parece ser utilizado de for-
ma indiscriminada sem que um consenso sobre seu uso tenha sido
alcançado. Contudo, a abordagem processual encontra-se alerta às
possíveis implicações desse impasse metodológico e alguns pes-
quisadores parecem ter se decidido pelo uso de protocolos verbais
consecutivos para análises mais segmentadas do processo de tra-
Apresentação 13

dução e a utilização de protocolos verbais retrospectivos para aque-


les estudos que enfocam a análise de processos de caráter mais
amplo (Tirkkonen-Condit & Jääskeläinen, 2000).
Decorridos os primeiros quinze anos de estudos sobre o proces-
so de tradução, a preocupação de Fraser com a forma mais ade-
quada de coletar verbalizações é retomada por Hansen (1999) que,
sem abandonar o uso dos protocolos verbais, sugere a introdução
de uma nova forma de coleta de dados para pesquisas sobre o pro-
cesso de tradução, qual seja, a coleta de dados em tempo real atra-
vés de programas de computador. O programa Translog (Jakobsen
& Schou, 1999), que grava em tempo real os toques no teclado do
computador e permite sua reprodução posterior, tornou possível
almejar uma triangulação metodológica do processo de tradução e
possibilitou o surgimento de uma metodologia com maior rigor
experimental e potencial de replicabilidade.
Nesse sentido, Jakobsen (2002, 2003) fez uma revisão da litera-
tura sobre protocolos verbais e se colocou novamente diante da
questão do esforço cognitivo necessário para a execução de duas
tarefas simultâneas, quais sejam, traduzir e relatar essa tradução
concomitantemente. Em outras palavra, procurou investigar o im-
pacto do uso de protocolos verbais consecutivos como elemento de
sobrecarga no processo cognitivo de tradutores. Contrastando o uso
de TAPs e dados obtidos com o programa Translog, Jakobsen
(2003:93) chegou à conclusão que “a influência dos protocolos ver-
bais no processamento em tradução é bastante considerável”.
Acrescenta, porém, que o método mais óbvio de se tentar respon-
der essa questão seria tentar construir hipóteses baseadas em da-
dos quantitativos registrados por computadores e em análises qua-
litativas de protocolos verbais.
Consubstanciados pelos resultados de Jakobsen e insatisfeitos
com o baixo potencial de generalização advindo das pesquisas que
utilizavam somente protocolos verbais, já que essas limitavam-se
em sua grande maioria a estudos de caso meramente descritivos,
uma corrente alternativa vem se consolidado nos estudos sobre o
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processo de tradução nos últimos cinco anos. Trata-se de pesquisa-


dores que defendem o uso conjunto de protocolos verbais com da-
dos coletados em tempo real através de ferramentas de informática.,
ou seja, pesquisadores que defendem o uso da triangulação de da-
dos como metodologia de pesquisa para investigar o processo de
tradução.
Jakobsen (1999) comenta que as técnicas de navegação e estra-
tégia militar utilizam-se de pontos de referência múltiplos para lo-
calizar a posição exata de um determinado objeto no espaço. In-
vestigar um mesmo objeto por meio de dados coletados e interpre-
tados através de métodos diferentes aumenta, por analogia, as
chances de sucesso do pesquisador em sua tentativa de observa-
ção, compreensão e explicação de um determinado fenômeno.
Alves (2001) comenta ainda que nas Ciências Sociais existe uma
tradição consolidada que defende o uso conjunto de métodos quan-
titativos e qualitativos dentro de uma perspectiva de
complementaridade. Chama-se esta opção metodológica de
triangulação e seu uso vem crescendo no âmbito dos trabalhos em
curso sobre o processo de tradução. Atualmente, a partir das re-
flexões de Fraser (1996) e das propostas de Hansen (1999, 2002),
Jakobsen (1999, 2002, 2003) e Alves (2001, 2003), registra-se um
amadurecimento dos estudos sobre o processo de tradução com
uma maior consciência crítica, maior rigor metodológico, maior
potencial de replicabilidade dos estudos e, conseqüentemente, maior
capacidade de generalização dos resultados.
No contexto da produção de conhecimento sobre o objeto de
estudo ora destacado, este número de Cadernos de Tradução se
propõe a discutir o processo de tradução a partir de três vias de
aproximação: uma meta-análise teórica e metodológica dos estu-
dos sobre o processo de tradução realizados a partir de 1986 até os
dias atuais, uma discussão sobre os princípios e parâmetros
metodológicos de interesse concreto para a abordagem processu-
al, e uma investigação das possibilidades de aplicação didática da
abordagem processual na formação de tradutores. Os sete artigos
Apresentação 15

aqui reunidos estão redigidos em espanhol, inglês e português e


almejam ser representativos no contexto dos estudos sobre o pro-
cesso de tradução em curso no cenário internacional.
O artigo de Cássio Rodrigues que abre este número se intitula
“A abordagem processual no estudo da tradução: uma meta-análi-
se qualitativa”. Rodrigues argumenta que, em virtude da quantida-
de de trabalhos publicados nos últimos anos, é interessante do pon-
to de vista teórico e metodológico a realização de uma compilação
dos resultados obtidos até o presente momento. O artigo apresenta
de forma sucinta a evolução dos estudos processuais da tradução
no período compreendido entre 1986 e 1997, descreve a forma como
a meta-análise qualitativa foi conduzida e introduz sugestões sobre
a aplicabilidade de resultados obtidos dentro da abordagem proces-
sual da tradução.
A análise de Cássio Rodrigues mostra com clareza que os tra-
balhos selecionados se diferenciam em uma série de aspectos, como,
por exemplo, características dos sujeitos, textos utilizados e método
de coleta de dados, entre outros. A análise evidencia também que o
processo da tradução tem uma grande complexidade e pode ser anali-
sado de diversas formas. Para Rodrigues, tal complexidade confirma
a principal tese da abordagem processual da tradução de que o tradu-
tor é uma figura principal na construção do ato tradutório.
O artigo de Sabine Lauffer, intitulado “The translation process:
an analysis of observational methodology”, pode ser visto como
dando continuidade ao trabalho de meta-análise desenvolvido por
Cássio Rodrigues ao estender as reflexões sobre a metodologia de
observação até os dias atuais. Nesse sentido, Lauffer se propõe a
avaliar criticamente os métodos utilizados para a observação do
processo de tradução e, sobretudo, aqueles que visam a observá-lo
em tempo real. Para tanto, baseia-se em um estudo de caso sobre
traduções feitas para a empresa Toyota no Canadá com o objetivo
de testar os instrumentos sugeridos pela literatura mais recente e
tecer recomendações sobre sua utilização enquanto ferramentas
de observação processual.
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Adotando a perspectiva de triangulação metodológica delineada


nas páginas anteriores desta apresentação, Lauffer argumenta que,
para se obter resultados mais confiáveis, é crucial que os traduto-
res sejam observados em ambientes que façam parte do seu dia-a-
dia e que, portanto, lhes sejam familiares e confortáveis. Em ou-
tras palavras, Lauffer defende que o princípio de validade ecológi-
ca (Neunzig, 2001) seja incorporado ao desenho experimental para
fins de observação do processo de tradução. Para Sabine Lauffer,
a forma de observação do processo de tradução deve ter seu apri-
moramento garantido. Programas de informática, tais como o pro-
grama Translog, são promissores e podem ser aperfeiçoados para
serem integrados ao sistema operacional dos computadores a fim
de que seja possível obter dados estatísticos de todas as ações de-
sempenhadas pelos tradutores e não apenas daquelas executadas
no ambiente do programa Translog. Além disso, Lauffer sugere
que sistemas de vídeo e áudio sejam integrados ao Translog. Isto,
por sua vez, possibilitaria o registro de expressões faciais e
verbalizações espontâneas, de forma concomitante ao registro das
atividades desempenhadas no computador. Em suma, Lauffer pro-
põe que protocolos verbais, programas de informática, programas
de vídeo e áudio, e gravações de protocolos retrospectivos, auxili-
ados pela função replay do programa Translog, sejam utilizados
em paralelo como forma de consubstanciar metodologicamente a
observação do processo de tradução.
No artigo intitulado “Estudios empíricos en traducción: apuntes
metodológicos”, Wilhelm Neunzig discute as bases
epistemológicas das pesquisas empírico-experimentais nos estudos
da tradução. Neunzig afirma que, sendo um enfoque relativamente
novo no âmbito dos estudos da tradução, a abordagem processual
carece de princípios e parâmetros claros sobre a forma de se
obter dados confiáveis e como analisá-los. O objetivo de Neunzig
é examinar e problematizar as questões epistemológicas e
metodológicas enfrentadas pela investigação empírico-
experimental em tradução ao se propor aplicar o método
Apresentação 17

positivista. Nesse sentido, Neunzig questiona a validade de se


adaptar diretamente aos estudos sobre o processo de tradução o
modelo empírico-positivista procedente das ciências naturais e
sociais com o intuito de destacar sua relevância através das
evidências fornecidas pela significância estatística dos resultados
alcançados. Segundo Wilhelm Neunzig, no que tange as pesquisas
sobre processo, não se trata de obter resultados significativos desde
o ponto de vista estatístico, mas sim de chegar a resultados
evidentes que ‘falem’ por si mesmos e que forneçam resultados
relevantes para o avanço científico em relação a esse objeto de
estudo. Neunzig aponta ainda que o percurso adotado deverá ser
transparente e replicável por qualquer especialista em metodologia
científica, mesmo que não esteja afiliado à abordagem processual
em tradução. Em outras palavras, Neunzig defende o conceito de
intersubjektive Nachvollziehbarkeit, ou seja, a defesa da
inteligibilidade dos procedimentos metodológicos utilizados por
cientistas de outros campos do conhecimento.
O artigo de Wolfgang Lörscher intitulado “A model for the
analysis of translation processes within a framework of systemic
linguistics” tem por objetivo analisar, segundo critérios
psicolingüísticos, o desempenho em tradução em um corpus de tra-
duções diretas e indiretas no par lingüístico alemão-inglês com o
intuito de reconstruir as estratégias de tradução utilizadas pelos
sujeitos e apresentar um modelo consistente de análise de dados.
O modelo de Lörscher consiste de dois níveis hierárquicos. O
primeiro nível, que é também o mais baixo, contém aqueles fenô-
menos que podem ser interpretados como elementos de estratégias
de tradução, ou seja, os menores passos processuais passíveis de
detecção que dizem respeito à solução de problemas de tradução.
O segundo nível compreende a manifestação das estratégias de tra-
dução propriamente ditas. Segundo Lörscher, essas estratégias de
tradução formam várias categorias que podem ser analisadas como
fenômenos intra ou inter-estratégicos. Lörscher lista 22 elementos
de estratégias de tradução que podem ser diferenciados entre ele-
18 Fabio Alves

mentos originais e potenciais. Os primeiros decorrem de proble-


mas de tradução na sua fase de planejamento estratégico enquanto
que aqueles elementos considerados potenciais ocorrem em fases
não estratégicas do processo de tradução.
A título de ilustração da argumentação apresentada no artigo,
Lörscher analisa dois exemplos que buscam esclarecer a organi-
zação hierárquica do processo de tradução manifestada através
de dois aspectos: um estrutural e outro funcional. Segundo
Wolfgang Lörscher, esses dois aspectos hierárquicos não devem
ser considerados como heurismos inerentes ao modelo, mas se
referem concretamente às características dos segmentos
analisados. Lörscher conclui que qualquer modelo que almeje
descrever e analisar o desempenho de tradutores, e possivelmente
qualquer outro tipo de desempenho, deve levar em consideração
tais características.
No artigo intitulado “Translation quality assessment for research
purposes: an empirical approach”, Rui Rothe-Neves relata os re-
sultados de um experimento desenhado com o intuito de fornecer
indicadores de qualidade em tradução. Utilizando dez perguntas,
Rothe-Neves conduziu uma avaliação efetuada por cinco especia-
listas que receberam 12 traduções para o português de um mesmo
texto original em inglês com a solicitação que os comparassem
utilizando as perguntas como critério de avaliação. Suas respostas
servem como parâmetro para a composição de uma escala que
busca avaliar qualidade em tradução. Rothe-Neves ressalta, po-
rém, que esta escala não reflete nenhum valor absoluto, mas apenas
conclusões válidas no âmbito do conjunto de traduções analisadas, e
está voltada para as especificidades do processo de tradução.
Com base nos resultados alcançados, Rothe-Neves afirma que,
em consonância com Stolze (1997), os parâmetros de qualidade
em tradução encontram-se ligados aos objetivos da avaliação. Essa
avaliação será diferente se for de interesse do cliente, do tradutor
ou do professor de tradução. Se for de interesse do cliente da tra-
dução, a escala lhe interessa para verificar a qualidade da tradu-
Apresentação 19

ção com relação ao texto original a que talvez não tenha acesso. Se
for de interesse para o tradutor, a avaliação lhe será útil como um
padrão de qualidade a ser alcançado. Finalmente, será útil para o
professor de tradução quando indicar o nível de competência dos
alunos e puder relacioná-lo a aspectos que necessitam ser aprimo-
rados. Segundo Rui Rothe-Neves, uma escala de avaliação que se
proponha a ter validade absoluta confundiria esses três objetivos e
não teria valor para nenhum deles. Conclui, portanto, que a melhor
alternativa parece ser aquela em que as avaliações sejam conduzidas
através da comparação de um conjunto finito de textos, restringin-
do-se, assim, a amostra para garantir critérios de confiabilidade.
O fato de não se poder tecer generalizações entre as amostras é
um custo com o qual os estudos da tradução podem arcar dentro do
seu estágio atual de amadurecimento metodológico e pode levar os
pesquisadores da área a formular questões mais pertinentes, de-
senvolver instrumentos mais precisos de medição e avaliação e,
assim, procurar avançar nos procedimentos empíricos que visem
especificar parâmetros de qualidade em tradução.
O artigo de Maria Pilar Lorenzo intitulado “Competencia
revisora y traducción inversa” apresenta uma reflexão sobre a ne-
cessidade de revisão textual como forma de melhor adequar a adap-
tação de textos traduzidos às necessidades de seus usuários/leito-
res. Lorenzo argumenta que muitas vezes a revisão se confunde
com correções que se realizam durante o processo de produção
textual. Contudo, se entendermos a revisão do próprio texto como
algo que se produz após a conclusão de uma primeira versão de
uma tradução, temos então uma fase claramente identificável que
sucede cronologicamente às demais fase do processo de tradução e
é equiparável às revisões que possam ser efetuadas em textos pro-
duzidos por terceiros.
Com o propósito de analisar a revisão enquanto etapa específica
do processo de tradução, Pilar Lorenzo investiga as posibilidades
oferecidas pelo programa Translog para o estudo da revisão de
textos em um grupo de estudantes de tradução inversa no par
20 Fabio Alves

lingüistico dinamarquês-espanhol e descreve os resultados de uma


análise qualitativa dessas revisões. Em linhas gerais os resultados
de Lorenzo indicam uma falta de capacidade generalizada para se
executar esta atividade; uma incapacidade que parece ter sua ori-
gem na falta de estratégias adequadas para detectar e avaliar pro-
blemas de tradução assim como para corrigi-los. Esses fatos fa-
zem com que o esforço dedicado à revisão seja pouco produtivo e,
muitas vezes, até mesmo prejudicial. Apesar de a escassez de da-
dos não permitir que se estabeleçam comparações significativas
entre revisões do próprio texto e revisões de textos de terceiros, há
evidências nos resultados obtidos por Lorenzo de uma maior capa-
cidade para rever o produto de terceiros, talvez devido, entre ou-
tros fatores, a uma maior distanciamento crítico por parte dos su-
jeitos revisores.
A guisa de conclusão, Lorenzo sugere que, transferindo-se os
resultados alcançados ao contexto da formação de tradutores, pa-
rece ser conveniente treinar futuros tradutores na prática de se
converterem em receptores de seus próprios textos e de trabalha-
rem os mesmos como se fossem textos produzidos por terceiros.
É possível alcançar esse objetivo separando-se a fase de revisão
de outras fases do processo de tradução e criando-se um
distanciamento crítico que parece favorecer a revisão enquanto
atividade independente.
Encerrando os trabalhos apresentados neste número de Cader-
nos de Tradução, o artigo de Fabio Alves, Célia Magalhães &
Adriana Pagano intitulado “Autonomy in translation: approaching
translators’ education through awareness of discourse processing”
explora questões relativas ao nível de consciência crítica de tradu-
tores em formação vistos a partir de uma perspectiva voltada para
a análise de dados processuais. A partir de um estudo de caso con-
duzido com o objetivo de observar aspectos de processamento
discursivo através de protocolos retrospectivos, os autores defen-
dem a validade da abordagem processual como forma de investi-
gação dos processos cognitivos e discursivos de tradutores em for-
Apresentação 21

mação. Paralelamente, Alves, Magalhães & Pagano propõem o


uso de protocolos verbais retrospectivos como uma alternativa di-
dática para levar tradutores novatos a refletir sobre seus próprios
processos de tradução e, conseqüentemente, aumentar seus níveis
de consciência crítica com relação ao papel do processamento
discursivo na co-construção do texto traduzido.
Os resultados do estudo de Alves, Magalhães & Pagano indi-
cam que a segmentação do texto de partida em unidades de tradu-
ção encontra-se conectada ao procesamento discursivo e aponta
evidências de um baixo nível de consciência crítica a respeito das
construções discursivas implicadas na transferência de um texto a
outro em distintos contextos linguísticos e culturais. Nesse caso
específico, trabalhando com o par lingüístico inglês-português, os
sujeitos deviam traduzir um texto em língua estrangeira que con-
tinha elementos contextuais familiares pois se referiam explicita-
mente ao contexto da língua de chegada, ou seja, à língua materna
dos informantes. Ainda assim, os resultados da análise processual
indicam a falta quase total de consciência crítica discursiva, o que
refuta a possibilidade que sua ausência esteja atrelada a conheci-
mentos culturais específicos.
De forma correlata ao apontado pelas evidências do trabalho
de Pilar Lorenzo, os resultados de Alves, Magalhães & Pagano
parecem indicar ainda que a abordagem processual pode ser
transferida de forma bem sucedida ao contexto da formação de
tradutores no sentido de levar tradutores novatos a observarem
seus próprios processos cognitivos e discursivos enquanto
produzem uma tradução.
Finalmente, uma bibliografia, sem a pretensão de ser exausti-
va, conclui o presente volume. A bibliografia foi selecionada ten-
do-se em vista a representatividade e repercussão dos trabalhos
listados dentro dos estudos sobre o processo de tradução e a possi-
bilidade de oferecer aos pesquisadores interessados em investiga-
ções de natureza processual uma bibliografia de referência para
fomentar seus estudos.
22 Fabio Alves

Agradeço o convite feito pela Comissão Editorial de Cadernos


de Tradução para ser o organizador deste número que espero virá
a contribuir de forma significativa para o debate sobre a abordagem
processual como objeto de estudo específico dentro dos estudos da
tradução.

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