Sobre A História Da Lógica, A Lógica Clássica e o Surgimento Das Lógicas Não-Clássicas
Sobre A História Da Lógica, A Lógica Clássica e o Surgimento Das Lógicas Não-Clássicas
Sobre A História Da Lógica, A Lógica Clássica e o Surgimento Das Lógicas Não-Clássicas
Introdução
1
Este trabalho corresponde a uma versão, com pequenas alterações, do texto produzido pelos auto-
res para o mini-curso ‘História da lógica e o surgimento das lógicas não-clássicas’, ministrado pela
professora Ítala no “V Seminário Nacional de História da Matemática”, ocorrido na UNESP, Rio Claro,
em abril de 2003.
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 2
Contrárias
A E
Contraditórias
Subalternas Subalternas
Contraditórias
I O
Sub-contrárias
• A e O, e I e E são contraditórias.
Não podem ser ambas verdadeiras; e não podem ser ambas falsas.
• A e E são contrárias.
Não podem ser ambas verdadeiras; mas podem ser ambas falsas.
• I e O são subcontrárias.
Não podem ser ambas falsas; mas podem ser ambas verdadeiras.
• I é subalterna de A e O é subalterna de E.
Se A é verdadeira, então I é verdadeira.
Se E é verdadeira, então O é verdadeira.
O que é um silogismo?
Um silogismo é uma regra de inferência que deduz uma proposição categórica – a
conclusão – a partir de duas outras, chamadas premissas. Cada uma das premissas contém
um termo comum com a conclusão – o termo maior e o termo menor, respectivamente; e
um termo comum com a outra premissa – o termo médio.
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 4
Exemplo de silogismo:
M A P
S A M
S A P
Aristóteles parece não ter percebido que sua silogística pressupunha uma teoria lógi-
ca mais geral, a das proposições. De fato, mencionava “silogismos a partir de hipóteses”,
parecendo referir-se a alguns princípios de lógica das proposições por ele não explicitados.
Existem sérios indícios para associarmos a origem da lógica das proposições a Theop-
hrastus, com os megáricos (escola de lógicos e dialéticos socráticos do 4º século) e aos es-
tóicos. Theophrastus deu uma importante contribuição à lógica das expressões substantivas
(de Aristóteles); mas foi Galeno, um dos dois maiores médicos da Antigüidade, quem deu a
última e maior contribuição para a lógica das expressões substantivas na Antigüidade, de-
senvolvendo a teoria da propagação do silogismo. Galeno tem a importância de ter sido o
transmissor da lógica grega para os pesquisadores árabes dos primeiros tempos medievais.
A escola megárica foi famosa por Eubúlides, crítico de Aristóteles. Alguns paradoxos,
como o do mentiroso, são devidos a essa escola: “Um homem que diz que está mentindo,
fala a verdade”? Discutiram também sobre a veracidade da implicação, como um concei-
to funcional de verdade.
Entre os estóicos, escola Stoa, com diferenças substanciais em relação ao Lyceum
(Platão), encontram-se discussões sobre a conjunção, disjunção (exclusiva e não exclusiva),
negação e esquema de inferência.
Parece, entretanto, que a lógica tem sido um produto exclusivo da cultura ocidental.
Os árabes nada desenvolveram independentemente dos gregos. A lógica dos india-
nos, comparada com a dos gregos, não é significativa – parece que a lógica das proposi-
ções foi antecipada por alguns lógicos budistas, sendo que a lógica das expressões substan-
tivas foi mais firmemente desenvolvida, sem atingir, entretanto, o nível da silogística aristoté-
lica; a lógica indiana se desenvolveu independentemente da lógica grega, e foi severa-
mente limitada pelo não uso de variáveis. A lógica chinesa, nada relevante, lidou essenci-
almente com questões relativas a dilemas morais e práticos, por um lado, e com interpreta-
ções místicas da vida, de outro – não avançou além do estágio alcançado pelos sofistas, no
século V a. C.
Durante os cinco séculos que se seguiram ao fim da Antigüidade, pouco ou nada se
fez, com significado, no campo da lógica. Como parte do curriculum básico – o trivium – a
lógica era tratada como um tópico subsidiário para estudantes de leis e teologia; juntamen-
te com a gramática e retórica, a lógica havia sido considerada parte das “artes liberais” na
educação clássica, situada num grupo separado da aritmética, geometria, astronomia e
música.
Na lógica medieval podemos destacar três ramos: os bizantinos, os árabes e os esco-
lásticos, estes últimos parecendo os mais frutíferos. São encontradas versões das lógicas de
expressões substantivas – abandonaram o uso de variáveis –, lógicas das proposições e lógi-
cas das expressões modais, as duas últimas entre os escolásticos.
O clima intelectual que se estabeleceu com o Renascimento e o Humanismo não
propulsionou o desenvolvimento da lógica.
A lógica moderna iniciou-se no século XVII, com Leibniz, e começou a se desenvolver
em parceria com a matemática.
Leibniz influenciou seus contemporâneos e sucessores com seu programa ambicioso
para a lógica, que para ele tinha deixado de ser uma “diversão de pesquisadores” e come-
çara a tomar a forma de uma “matemática universal”. Seu programa buscava a construção
de uma linguagem universal, baseada em um alfabeto do pensamento.
Leibniz, em seu Dissertatio de arte combinatória, publicado em 1666, introduz o projeto
da construção de um sistema exato e universal de notação, uma linguagem simbólica uni-
versal baseada em um alfabeto do pensamento, a língua characterica universalis, que de-
veria ser como uma álgebra. Essa linguagem propiciaria um conhecimento fundamental de
todas as coisas. Leibniz acrescentou a seu trabalho o projeto da construção de um calculus
ratiocinator, ou cálculo da razão.
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 6
Apesar do programa de Leibniz, na forma introduzida por ele, não ser teoricamente
exeqüível, o calculus ratiocinatur constituiu um importante precursor da metodologia da
lógica contemporânea.
Leibniz antecipou o uso dos quantificadores. E em vários de seus trabalhos chamou a
atenção sobre a lei da identidade (“A é A”, ou “todo A é A”) – “verdade primitiva da razão”
– e da lei da (não-) contradição, parecendo considerá-las suficientes para a demonstração
das verdades que independem da experiência, ou de todos os princípios da matemática.
Entretanto, as contribuições de Leibniz para a lógica permaneceram, na maioria, não
publicadas durante sua vida, tendo ficado desconhecidas até o princípio do século XX. Par-
te de sua obra foi publicada em Erdmann 1840 e Gerhardt 1890 (ver Gerhardt 1978) e, em
1903, Louis Couturat, filósofo da matemática francês, publicou a obra Opuscules et frag-
ments inédits de Leibniz (ver Couturat 1903).
Historicamente, apenas generalidades do programa de Leibniz teriam influenciado os
lógicos que o sucederam.
Se seus trabalhos tivessem sido publicados no século XVII, o reviver da lógica, que só
ocorreu no final do século XIX, talvez tivesse ocorrido bem mais cedo.
Immanuel Kant pouco contribuiu para a lógica, em sua obra, mas sua influência foi
grande, devido à sua reputação em outros campos do conhecimento. No prefácio de seu
Kritik der reinen Vernunft, edição de 1787, afirma explicitamente que a lógica não tinha da-
do qualquer passo importante, para frente ou para trás, desde Aristóteles, e parecia, sob
toda aparência, estar acabada e completa.
Devemos mencionar, entre os precursores da lógica contemporânea: Boole (1847) e
De Morgan (1847 e 1860) em álgebra da lógica; Peirce, precursor da pesquisa moderna, que
introduziu a definição de ordem simples, o primeiro tratamento do cálculo proposicional
como um cálculo com dois valores de verdade e a definição de igualdade, tendo iniciado
em 1881 o tratamento dos fundamentos da aritmética; Schröder; e McColl que, em 1877,
construiu o primeiro cálculo de proposições.
Os primeiros cálculos da lógica, introduzidos por esses autores, não chegaram a consti-
tuir sistemas no sentido da lógica moderna, mas cálculos num sentido menos rigoroso.
Apesar do trabalho precursor de Leibniz, Boole, de Morgan e Peirce, que já se contra-
punham à posição de Kant, o verdadeiro fundador da lógica moderna foi Gottlöb Frege. O
pensamento de Frege, praticamente desconhecido, foi descoberto por Bertrand Russel.
Os passos essenciais para a introdução do método logístico foram dados em 1879, no
Begriffsschrift (Frege 1977). O livro contém, pela primeira vez, o cálculo proposicional em sua
forma logística moderna, a noção de função proposicional, o uso de quantificadores e a
análise lógica de prova por indução matemática.
O Begriffsschrift de Frege só é comparável, na história da lógica, aos Analytica Priora
de Aristóteles.
Frege foi um dos precursores da distinção entre linguagem e meta-linguagem.
Em 1884, Frege adota a tese – logicismo – de que a aritmética é um ramo da lógica,
no sentido de que todos os termos da aritmética podem ser definidos com o auxílio apenas
de termos lógicos e todos os teoremas da aritmética podem ser provados a partir dos axio-
mas lógicos. Essa posição é rigorosamente apresentada por Frege em 1893 (ver Frege 1879,
1890, 1893, 1966, 1977 e 1986).
Em 1874, George Cantor publica seu primeiro trabalho sobre a denumerabilidade dos
conjuntos infinitos. Constrói uma nova teoria do infinito, onde uma coleção de objetos,
mesmo que infinita, é concebida como uma entidade completa.
Em 1895 e 1897, Cantor publica seus principais trabalhos sobre números ordinais e nú-
meros cardinais, resultado de três décadas de pesquisa (ver Cantor 1874, 1895 e 1897).
Para Cantor, um conjunto era “qualquer coleção de objetos num todo M, definidos e
separados de nossa intuição ou pensamento”. Intuitivamente, um conjunto seria uma sele-
ção de elementos satisfazendo uma dada propriedade.
Essa aceitação ingênua de qualquer coleção como um conjunto propiciou, no co-
meço do século XX, o aparecimento de paradoxos nos fundamentos da nascente teoria de
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conjuntos.
Com o paradoxo de Cantor, relativo ao maior número cardinal, Russell obteve o famo-
so paradoxo de Russell e comunicou-o a Frege, em 1902. Como esse paradoxo pode ser
obtido a partir dos axiomas lógicos por ele mesmo introduzidos, Frege acreditou que os fun-
damentos de sua construção da aritmética estivessem destruídos.
Dedekind, que também trabalhava na época nos fundamentos da aritmética, sustou
a publicação de seu livro.
No Apêndice do segundo volume do Grundgesetze der Arithmetik, publicado em
1903, Frege tratou de sugerir alterações nos axiomas originalmente introduzidos, procurando
evitar as inconsistências, porém, não logrou solucionar os problemas.
Bertrand Russell procurou provar que havia uma falha na demonstração de Cantor, no
sentido de que não existe um cardinal maior que todos os outros; e uma falha no sistema de
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 8
Frege. Definiu o conjunto R, conhecido como conjunto de Russell, que deu origem ao Para-
doxo de Russell.
Considerando um conjunto como qualquer coleção de objetos, conjuntos podem ser
elementos de conjuntos e podem existir conjuntos que são elementos de si mesmo.
Consideremos o conjunto R, constituído por todos os conjuntos x tais que x não é ele-
mento de si mesmo. Em notação contemporânea de teoria de conjuntos:
R = {x / x ∉ x}.
O Paradoxo de Russell, na própria linguagem dos trabalhos de Frege, fê-lo duvidar dos
fundamentos de seus trabalhos.
Existe apenas um número finito de sílabas na língua inglesa. Portanto, existe apenas um
número finito de expressões contendo menos que quarenta sílabas. Logo, existe apenas um
número finito de inteiros positivos que são denotados por uma expressão do Inglês contendo
menos que quarenta sílabas.
Seja k “the least positive integer which is not denoted by an expression in the English
language containing fewer than forty syllables”2.
A frase grifada contém menos que quarenta sílabas e denota o inteiro k.
2
“O menor inteiro positivo que não é denotado por uma expressão do Inglês contendo menos que
quarenta sílabas”.
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 9
Em uma cidade vive um barbeiro que barbeia aqueles habitantes e apenas aqueles
que não se barbeiam a si mesmos.
Observamos que, se o barbeiro se barbeia a si mesmo, então ele não se barbeia a si
mesmo. E vice-versa.
Pegue uma folha de papel. Em um lado, escreva: A sentença do outro lado do papel
é falsa. No outro, escreva: A sentença do outro lado é verdadeira.
Pegue outra folha de papel. Em um lado escreva: A sentença do outro lado deste pa-
pel é verdadeira. No outro lado: A sentença do outro lado é falsa ou Deus existe.
Deus existe?
2. A lógica clássica
Uma valoração é uma função v que atribui para cada variável proposicional p um
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 11
dos valores de verdade 0 ou 1, isto é, v : {p1, p2, p3, ...} → {0, 1}.
Dada uma valoração v existe uma maneira única de estender esta valoração para
todas as fórmulas do CPC, respeitando as tabelas seguintes, para cada um dos conectivos
proposicionais:
¬ ∧ 0 1 ∨ 0 1 → 0 1 ↔ 0 1
0 1 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 1 0
1 0 1 0 1 1 1 1 1 0 1 1 0 1
v(¬A) = ¬ v(A)
v(A∧B) = v(A) ∧ v(B)
v(A∨B) = v(A)∨ v(B)
v(A→B) = v(A) → v(B)
v(A↔B) = v(A) ↔ v(B).
p q p→q ¬p A
0 0 1 1 1
0 1 1 1 1
1 0 0 0 1
1 1 1 0 0
Uma fórmula A é válida (tautologia) quando, para toda valoração v, tem-se que v(A)
= 1, ou seja, em sua tabela de verdade ocorre apenas o valor lógico verdadeiro ‘1’. Indica-
mos que A é uma fórmula válida por ⊨ A.
p ¬p p∨¬p
1 0 1
0 1 1
Dessa maneira, toda fórmula é equivalente a uma outra onde ocorrem apenas os
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 12
conectivos ¬ e →.
O CPC pode ser formalizado pelos seguintes axiomas e regra de dedução ou infe-
rência:
Axiomas:
Existe uma quantidade infinita de axiomas, especificados por meio de um dos três seguintes
esquemas de axiomas:
Ax1 (A→(B→A))
Ax2 ((A→(B→C)) → ((A→B)→(A→C)))
Ax3 ((¬B→ ¬A) → ((¬B→A) → B)).
Regra de inferência:
A única regra de inferência é a Regra de Modus Ponens (MP), que diz: se A e B são fórmulas
então, de A e A→B, obtemos B.
Observação: não é difícil verificar que todos os axiomas do CPC são tautologias.
Uma demonstração é uma seqüência finita de fórmulas A1, ..., An tal que, para 1 ≤ i ≤
n, Ai é um axioma ou é obtida de dois membros anteriores da seqüência pelo uso da Regra
de Inferência MP. Quando isto ocorre, a seqüência A1, ..., An é uma demonstração de An e a
fórmula An é um teorema do CPC.
Os axiomas também são teoremas e as suas demonstrações são seqüências de um
único membro. Quando A1, ..., An é uma demonstração, então A1, ..., Ak, para k < n, é tam-
bém uma demonstração e, portanto, Ak é um teorema.
Seja ∆ um conjunto de fórmulas do CPC. Uma seqüência A1, ..., An de fórmulas é uma
dedução a partir de ∆ se, para cada 1 ≤ i ≤ n, vale uma das seguintes condições: (i) Ai é um
axioma; (ii) Ai é um membro de ∆; (iii) Ai segue a partir de dois membros prévios da seqüên-
cia por uma aplicação de MP.
Neste caso, An é deduzido de ∆ ou é uma conseqüência de ∆. Se A é o último membro
de uma dedução a partir de ∆, escrevemos ∆ ⊢ A.
O CPC é um sistema bastante simples e elegante, mas não consegue dar conta de
deduções muito ingênuas, como a seguinte:
Certamente este argumento é válido, mas no CPC teríamos que indicar as premissas,
por exemplo, por A e B e a conclusão por C. Contudo, não é verdadeiro que A∧B ⇒ C.
Introduzimos o cálculo de predicados de primeira ordem, indicado por ℒ, que esten-
de o cálculo proposicional CPC e caracteriza ambientes apropriados para a construção e
discussão de uma grande quantidade de teorias matemáticas relevantes e que não podem
ser abordadas no ambiente proposicional.
Embora semelhantes, os desenvolvimentos sintáticos de ℒ são mais gerais do que no
CPC.
Os símbolos de (1) a (5) são os símbolos lógicos presentes em todas as teorias de pri-
meira ordem. Já os símbolos não lógicos, indicados de (6) a (8), são particulares para cada
teoria tratada. Os símbolos de uma teoria podem não ocorrer em outra.
Exemplos:
(a) O termo y é livre para x em R1(x), mas y não é livre para x em (∀y)R1(x).
(b) Se T1(2) = 2, T0(1) = 1 e T0(2) = 2, o termo f2(x, z) é livre para x em (∀y)R2(x, y) → R1(x), mas
não é livre em (∃z)(∀y)(R2(x, y)→R1(x)), pois z é uma variável de f2(x, z) e ocorre no escopo do
quantificador (∃z) e, portanto, (∀z).
Axiomas
(i) Proposicionais:
Ax1 (A→(B→A))
Ax2 ((A→(B→C)) → ((A→B)→(A→C)))
Ax3 ((¬B→ ¬A) → ((¬B→A) → B))
(ii) Quantificacionais:
Ax4 (∀x)(A→B) → (A→(∀x)B), x não ocorre livre em A
Ax5 (∀x)A→B, B ≡ A(x/t), isto é, B é obtida de A pela substituição de
toda ocorrência livre de x em A por um termo t livre para x
(iii) Da igualdade:
Ax6 (∀x)(x = x)
Ax7 x = y → (A(x, x)→A(x, y)), onde A(x, y) vem de A(x, x) pela substituição de algu-
ma, mas não necessariamente todas, ocorrência livre de x por y e tal que y é livre para as
ocorrências de x as quais ele substitui.
Regras de inferência
MP A, A→B ⊢ B
Gen A ⊢ (∀x)A.
Corolário 2.2.2.: Se uma dedução Γ, A ⊢ B não envolve quantificações sobre variáveis livres
de A, então Γ ⊢ A→B. ■
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 16
Usamos as letras A, B, C, ... para indicar as estruturas e as letras A, B, C, ... para os res-
pectivos universos.
Indicamos uma estrutura por A = (A, {RiA}i∈I, {fjA}j∈J, {ajA}k∈K).
ξ: {Ri}i∈I → = {RiA}i∈I
ξ(Ri) = RiA
ξ: {fj}j∈J → = {fjA}j∈J
ξ(fj) = fjA
ξ: {ak}k∈K → = {akA}k∈K
ξ(ak) = akA.
Sejam a1, ..., an ∈ A e consideremos que o conjunto das variáveis livres e ligadas de
um termo t(v1, ..., vn) esteja contido em {v1, ..., vn}. O valor do termo t em a1, ..., an é:
(i) t(a1, ..., an) = ai , quando t = vi;
(ii) t(a1, ..., an) = akA , quando t = ak;
(iii) t(a1, ..., an) = fjA(t1(a1, ..., an), ..., tm(a1, ..., an)), quando t = fj(t1, ..., tm).
Seja A uma fórmula cujo conjunto de variáveis livres e ligadas esteja contido em {v1,
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 17
(Caso 2) (i) A é do tipo ¬B: A ⊨ A(a1, ..., an) ⇔ A ⊭ B(a1, ..., an);
(ii) A é do tipo B→C: A ⊨ A(a1, ..., an) see A ⊭ B(a1, ..., an)ou A ⊨ C(a1, ..., an).
(Caso 3) (i) A é do tipo (∀vi)B, 1 ≤ i ≤ n: A ⊨ A(a1, ..., an) ⇔ A ⊨ B(a1, ..., ai-1, a, ai+1, ...,
an), para todo a ∈ A.
Com esta definição, sabemos quando uma fórmula de uma linguagem de primeira
ordem é satisfeita em uma dada estrutura.
Assim, a fórmula A(v1, ..., vn) é satisfatível quando existem uma estrutura A e (a1, ..., an)
∈ An tal que A ⊨ A(a1, ..., an). Também dizemos que A é um modelo para A(v1, ..., vn).
A fórmula A(v1, ..., vn) é válida quando quaisquer que sejam a estrutura A e (a1, ..., an)
∈ An, temos que A ⊨ A(a1, ..., an).
Teorema 2.2.5.: (Teorema da Completude de Gödel - 1930) Seja A uma fórmula de ℒ. Então
A é um teorema se, e somente se, A é uma fórmula válida. ■
Agora estamos prontos para estender os cálculos estritamente lógicos para sistemas
mais gerais, onde podemos analisar e discutir as teorias matemáticas.
algumas dessas teorias advêm de anteriores pelo acréscimo de novos axiomas, indicamos
este acréscimo pelo símbolo +.
Um modelo para uma teoria de primeira ordem é uma estrutura de primeira ordem
na qual todos os teoremas da teoria são satisfatíveis.
Teorema 2.3.1.: (Teorema da Completude Forte) Sejam T uma teoria de primeira ordem e
Γ∪A um conjunto de sentenças de T. Então, Γ ⊢T A see Γ ⊨T A. ■
3. As lógicas não-clássicas
usual da geometria riemanniana, mas também a teoria geral dos espaços de Riemann, com
a concepção riemanniana de espaço, que mudou radicalmente a noção de espaço e
constitui uma modificação tão radical quanto aquela provocada pela geometria de Lo-
batchevski e Bólyai.
Outra criação importante do século XIX foi a construção e desenvolvimento da geo-
metria projetiva; com os trabalhos de Desargues, Poncelet e Chasles entre outros, uma ge-
ometria mais geral que a euclidiana e que se afasta da noção usual de espaço.
Todos os historiadores da matemática, que se interessam pelos princípios da geometri-
a, consideram que o desenvolvimento da geometria projetiva pode ser comparado ao im-
pacto, ainda que com menor intensidade, da geometria de Euclides; principalmente quan-
do a geometria projetiva passou a desenvolver-se num plano puramente abstrato. O fato de
que a geometria derivava de certos axiomas puramente formais não era claro na época.
Pela mesma época do surgimento das geometrias não-euclidianas, é criada a geo-
metria a um número qualquer de dimensões, principalmente por Grassmann e Cayley. Esta
geometria desenvolveu-se de forma abstrata, podendo tornar-se independente da geome-
tria física, que é a ciência que estuda o espaço físico real.
Houve ainda uma grande revolução na área da álgebra, com a construção, por Ha-
milton, das álgebras não-comutativas.
A partir da criação do primeiro sistema matemático no qual a operação de multipli-
cação não é comutativa, Hamilton e toda a escola inglesa passaram a conceber a álgebra
como algo abstrato. Ao mesmo tempo, Grassmann criou toda a álgebra linear, com a teoria
dos espaços vetoriais.
Nesse sentido, com Hamilton e Grassmann efetuou-se uma mudança radical na ma-
neira de se encarar a matemática, que passou a se tornar abstrata, começando a separar-
se das ciências naturais, especialmente da física. A matemática francesa tardou a adquirir
essa visão da matemática, que para os alemães já era bastante clara, pois no início do sé-
culo XX, com Poincaré e outros, a matemática era algo difícil de se separar da física.
Outro processo fundamental foi a evolução do método axiomático, graças ao traba-
lho pioneiro de Peano e sua escola e de vários matemáticos alemães, coroado na obra de
Hilbert. O grande mérito da concepção genial e revolucionária de Hilbert está claro em um
célebre discurso de 1900, em que afirma que no verdadeiro método axiomático se deveria
tratar de todas as possibilidades lógicas existentes.
É necessário ainda mencionar o processo, de origem principalmente alemã, de arit-
metização da análise.
Até meados do século XX, os matemáticos franceses em geral concebiam a matemá-
tica como algo de natureza intuitiva, uma espécie de ciência física. Os matemáticos ale-
mães, principalmente a partir da influência de Cantor, conceberam a matemática como
uma ciência puramente abstrata, assumindo que era necessário reconstruí-la logicamente,
o que causou impactos sérios, já por nós discutidos.
Finalmente, temos a obra de Cantor, o criador da teoria de conjuntos, com a modifi-
cação definitiva de paradigma que ela ocasionou.
Considera-se que só existem duas coisas que se comparam à obra de Cantor: a edifi-
cação da matemática grega e a criação da análise infinitesimal por Leibniz e Newton.
A grande lição de Cantor resume-se em uma frase célebre: “A essência da matemáti-
ca radica na sua completa liberdade”. Ou seja, é possível desenvolvê-la em plano total-
mente independente do mundo físico real.
O século XIX nos legou a visão abstrata cantoriana e a visão concreta francesa de Po-
incaré, Borel, Lesbegue, etc.
A matemática e a lógica de hoje são espécies de sínteses da posição francesa e da
alemã.
Da Costa finaliza seu artigo resumindo alguns aspectos da história da matemática que
influenciaram a criação da lógica atual e das lógicas não-clássicas: “as geometrias não-
euclidianas sugeriram a possibilidade de lógicas diferentes da clássica; a geometria projeti-
va contribuiu para que se concebesse a lógica de maneira formal e abstrata; as obras de
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 21
A teoria de conjuntos usual, sobre a qual se pode fundamentar a aritmética (e, portan-
to, toda a matemática tradicional), mantém a lógica clássica, com seus princípios básicos –
as leis básicas do pensamento Aristotélico –, como lógica subjacente.
Entretanto, os paradoxos da teoria de conjuntos e questões não solucionadas sobre o
conceito de infinito deixavam ainda aos lógicos problemas relativos à fundamentação da
matemática.
O programa de Hilbert, a partir de 1902, tinha por objetivo provar que tais dificuldades
podiam ser superadas, mediante uma formalização adequada que permitisse a demonstra-
ção metateorética da consistência da aritmética e, portanto, da matemática. Hilbert & Ber-
nays 1934 (segunda edição em 1939) é um tratado de lógica moderna e contém as idéias
de Hilbert sobre os fundamentos da matemática, caracterizando a distinção entre lingua-
gem objeto e metalinguagem (na terminologia de Hilbert, entre matemática e metamate-
mática).
Entretanto, os famosos Teoremas de Incompetude de Gödel, publicados em 1931,
destruíram o programa de Hilbert:
• (Primeiro Teorema) Se a aritmética, Ar, é consistente, então existe uma fórmula C, na lin-
guagem de Ar, tal que nem C, nem tampouco ¬C podem ser demonstradas em Ar.
• (Segundo Teorema) Se o sistema formal Ar é consistente, então não é possível demonstrar
a sua consistência dentro do sistema Ar.
Uma conseqüência desses resultados é que qualquer sistema formal, por mais bem
construído que seja, se satisfaz certas condições essenciais da aritmética dos números natu-
rais, então admite sentenças verdadeiras, porém não demonstráveis no sistema.
Já no final do século XIX, alguns trabalhos pioneiros, buscando soluções não-
aristotélicas para algumas questões lógicas, foram precursores das lógicas não-clássicas em
geral, como os de MacColl.
Nas primeiras décadas do século XX, vários filósofos e matemáticos, motivados por
questões e objetivos algumas vezes distintos, criaram novos sistemas lógicos, diferentes da
lógica aristotélica.
Podemos afirmar que as lógicas não-clássicas diferenciam-se da lógica clássica por:
Haack 1974 considera duas categorias principais de lógicas não-clássicas: as que são
apresentadas como complementares da clássica e as lógicas alternativas a ela.
As do primeiro tipo não infringem os princípios básicos da lógica clássica e não questi-
onam sua validade universal, apenas ampliam e complementam o seu escopo. Em geral, a
linguagem clássica é enriquecida com a introdução de novos operadores. São exemplos de
lógicas complementares, as lógicas modais, com os operadores modais de possibilidade e
necessidade; as lógicas deônticas, com os operadores deônticos proibido, permitido, indife-
rente e obrigatório; as lógicas do tempo, com operadores temporais, relevantes para os
fundamentos da física e para a lingüística; as lógicas epistêmicas, lógicas imperativas, etc.
As lógicas heterodoxas (alternativas, desviantes), rivais da lógica clássica, foram con-
cebidas como novas lógicas, destinadas a substituir a lógica clássica em alguns domínios do
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 22
Jan Łukasiewicz (1876-1956) introduziu seus sistemas de lógicas polivalentes como uma
tentativa de investigar as proposições modais e as noções de possibilidade e necessidade
intimamente relacionadas com tais proposições.
Durante a idade média, entretanto, podemos encontrar sinais de abordagens poliva-
lentes nos trabalhos de Duns Scotus, William de Ockham e Peter de Rivo. No final do século
XIX, algumas tentativas de construções trivalentes aparecem em MacColl e Peirce.
Łukasiewicz, professor de filosofia na Universidade de Varsóvia, em 1910 publicou um li-
vro, em polonês, na série Studium Krytyczne e, em alemão, um artigo no Bulletin International
de l'Académie des Sciences de Cracovie, ambos sobre o princípio da (não-) contradição
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 23
em Aristóteles.
Nesses trabalhos, Łukasiewicz discute a relevância e necessidade de se provar o prin-
cípio da (não-) contradição e analisa os argumentos construídos para esclarecê-lo.
No artigo, traduzido para o inglês em 1971, na Review of Metaphysics, apresenta uma
“exposição historicamente crítica” das três formulações aristotélicas do princípio da (não-)
contradição e também critica, conclusivamente, as tentativas de Aristóteles para justificá-
las.
Łukasiewicz finalmente rejeita a visão aristotélica de que o princípio da (não-) contra-
dição é o último e maior dos princípios lógicos. E conjectura que, como no caso das geome-
trias não-euclidianas, “uma revisão fundamental das leis básicas da lógica de Aristóteles
poderia, talvez, levar a novos sistemas não-aristotélicos de lógica”, caracterizando-se assim
como um dos precursores das lógicas não-clássicas em geral.
Os argumentos utilizados por Łukasiewicz são analisados, em detalhe, em Priest & Rou-
tley 1989 e discutidos em D’Ottaviano 1990a.
De acordo com Wolenśki 1989, os trabalhos de Łukasiewicz sobre o princípio da (não-)
contradição despertaram muito interesse entre jovens estudantes e filósofos poloneses, ten-
do desencadeado frutíferas discussões sobre a possibilidade da criação de lógicas não-
aristotélicas, e tendo sido escritos vários trabalhos sobre o conceito de existência, a veraci-
dade de sentenças envolvendo a noção de futuro, sobre determinismo, indeterminismo, o
princípio da (não-) contradição e o princípio do terceiro excluído.
Łukasiewicz, apesar de ter publicado, ainda em 1910, um outro artigo sobre o princípio
do terceiro excluído, manteve-se silencioso sobre essas questões até 1916, quando, ao pu-
blicar seus comentários a respeito de um livro de Zaremba sobre aritmética teórica, voltou a
enfatizar que a precisão em matemática era usualmente medida pelas regras da lógica
tradicional, porém que isso tinha se tornado insuficiente.
Em 1918, quando se afastava temporariamente da Polônia, em seu discurso de des-
pedida, Łukasiewicz mencionou, sem divulgar detalhes, que tinha construído um sistema de
lógica trivalente.
Em 1920, finalmente, ao retornar à Polônia, Łukasiewicz proferiu duas conferências em
Łvov, uma sobre o conceito de possibilidade e outra sobre a lógica trivalente, na qual intro-
duziu uma matriz-base para a descrição dos conectivos do sistema.
É interessante observarmos que Łukasiewicz, ao assumir a existência de sentenças às
quais deveria ser atribuído um terceiro valor de verdade, distinto dos clássicos verdadeiro ou
falso, não rejeitou os princípios lógicos da (não-) contradição ou do terceiro excluído, tendo,
entretanto, conectado sua solução com a negação do princípio metalógico da bivalência.
As proposições modais investigadas por Łukasiewicz são proposições construídas tendo
como modelo uma das seguintes expressões: é possível que p, não é possível que p, é possí-
vel que não-p (é contingente que p) e não é possível que não-p (é necessário que p).
A frase ‘é possível que p’ foi tomada como primitiva e Łukasiewicz expressou seu signi-
ficado através de três asserções modais, por ele consideradas como básicas, por razões
intuitivas e históricas. E explicou que não seria possível dar uma interpretação, através das
tábuas de verdade clássicas, para o operador de possibilidade, compatível com as três
propriedades básicas por ele enunciadas.
Baseando-se nesse resultado, Łukasiewicz concluiu que, para que fosse possível dar
uma interpretação da tábua de verdade para o conectivo proposicional de possibilidade,
seria necessário considerar uma semântica para o cálculo proposicional na qual as proposi-
ções pudessem admitir mais valores de verdade que os clássicos verdadeiro e falso.
Como está explicado em Łukasiewicz & Tarski 1930, Łukasiewicz escolheu os valores de
verdade possíveis, inspirado numa passagem de Aristóteles 1978 - Capítulo IX, sobre os futu-
ros contingentes e determinismo.
Assim sendo, para proposições p do tipo “haverá uma batalha naval amanhã”, Łuka-
siewicz atribuiu um valor de verdade v(p) intermediário entre a verdade (1) e o falso (0), o
qual foi denotado por ½.
Łukasiewicz introduziu seu cálculo proposicional trivalente L3 através da matriz M = ({0,
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 24
½, 1}, {1}, ¬, → ), em que {0, ½, 1} é o conjunto dos valores de verdade, {1} o conjunto de
valores distinguidos de verdade e os operadores ¬ (de negação) e → (de implicação) defi-
nidos através das seguintes tabelas de verdade:
p ¬p → 0 ½ 1
0 1 0 1 1 1
½ ½ ½ ½ 1 1
1 0 1 0 ½ 1
M(p) =df ¬p → p,
p Mp
0 0
½ 1
1 1
uma construção (uma prova) nem para a proposição A e nem para sua negação não-A.
Segue-se então que a chamada Lei do Terceiro Excluído “A ou não-A” deve ser rejeitada,
não podendo ser usada como um instrumento em demonstrações matemáticas. Dada sua
atitude mentalística, Brouwer era crítico em relação ao uso do formalismo lógico, mas seu
aluno A. Heyting apresentou, em 1930, um cálculo formal que é igual ao clássico com a o-
missão da Lei do Terceiro Excluído. Kolmogorov, em 1925, já havia introduzido, entretanto, a
primeira axiomatização para a lógica intuicionista (ver Kolmogorov 1977).
A lógica intuicionista de Heyting é um subsistema (enquanto conjunto de teoremas) da
lógica clássica, ao passo que as lógicas modais são extensões lingüísticas e axiomáticas de-
la. A lógica modal era um ramo altamente desenvolvido das lógicas antiga e medieval e,
assim, chamá-la de “não-clássica” soa como uma injúria não intencional à sua venerável
tradição. No entanto, quando a lógica foi reconstruída, no século XIX, como uma ciência
rigorosa, não havia espaço para um tratamento lógico de conceitos modais, ou seja, para
as noções de necessário, possível, impossível e contingente.
C. I. Lewis (1883 - 1964), o pai da lógica modal contemporânea, dirigiu seu ataque à
lógica matemática não tanto pela proposta desta de reduzir a lógica modal à teoria da
quantificação, mas por seu questionável tratamento da implicação. Como é bastante co-
nhecido, a implicação russelliana – o condicional material – de fato reduz toda sentença da
forma “se A, então B” para a disjunção “não-A ou B”, com o resultado paradoxal de que se
um destes disjuntos é verdadeiro, a implicação como um todo também é verdadeira. Lewis
conjeturou que a interpretação correta de “se p, então q” é: “é impossível que p seja ver-
dadeiro e q falso”, empregando assim essencialmente a noção modal de possibilidade.
Para axiomatizar a noção de implicação em um sentido estrito, Lewis introduziu não um, mas
cinco diferentes sistemas, com poderes crescentes (S1 – S5), introduzindo dessa maneira, pela
primeira vez, a inquietante pluralidade de sistemas lógicos dedicados a axiomatizar a mes-
ma noção. Infelizmente, mesmo sendo capaz de provar que seus cinco sistemas eram distin-
tos, ele não forneceu procedimentos de decisão para esses sistemas.
No final dos anos 50, vários lógicos – Hintikka, Kanger, Montague, Kripke – conseguiram
associar uma semântica a sistemas modais fortes e fornecer um procedimento de decisão
para eles.
(i) Quando aplicado a sistemas contraditórios não levaria sempre à sua supercompletu-
de;
(ii) Deveria ser suficientemente rico para permitir inferências práticas;
(iii) Deveria ter uma justificativa intuitiva.
Jaśkowski construiu sua própria solução, apenas no nível proposicional, obtida a partir
do sistema modal S5, conhecida como lógica discussiva ou discursiva e denotada por D2.
A lógica discussiva é compreendida como uma formalização da lógica do discurso e,
além de ser paraconsistente, é também não-adjuntiva.
As idéias subjacentes à construção do sistema D2 são bastante interessantes e conec-
tam as lógicas discussivas com outras classes de lógicas não-clássicas recentemente estu-
dadas, como, por exemplo, as lógicas doxásticas e as lógicas não-monotônicas, estas últi-
mas de interesse para a ciência da computação.
Falando sem rigor, a idéia central deste artigo é a seguinte: um sistema formali-
zado baseado na lógica clássica (ou lógica intuicionista, ou algumas lógicas po-
livalentes...), se inconsistente é trivial, no sentido de que todas as suas proposi-
ções são demonstráveis; então, deste ponto de vista, ele não tem nenhum inte-
resse matemático. Entretanto, por muitas razões, como por exemplo, a análise
comparativa com sistemas consistentes, e para uma análise metamatemática
adequada do princípio em consideração, é conveniente estudar 'diretamente'
os sistemas inconsistentes. Mas para tal estudo é necessário construir novos tipos
de lógica elementar apropriados para lidar com tais sistemas.
Uma visão geral dos resultados publicados entre 1963 e 1974 está em da Costa 1974.
Da Costa construiu inicialmente uma hierarquia de cálculos proposicionais Cn, 1 ≤ n ≤
ω, satisfazendo as seguintes condições:
(i) O princípio da contradição, na forma ¬(A∧¬A), não deveria ser válido em geral;
(ii) De duas premissas contraditórias A e ¬A, não deveríamos deduzir qualquer fórmula B;
(iii) Eles deveriam conter os mais importantes esquemas e regras da lógica clássica com-
patíveis com as duas primeiras condições.
gica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp, em 2000 (ver Carnielli, Coniglio &
D’Ottaviano 2002).
Considerações finais
Com a crise dos paradoxos, no início do século XX, a publicação dos Principia e a cri-
ação das teorias de conjuntos, a “ciência acabada” de Kant passou por significativas trans-
formações, que desencadearam em grande desenvolvimento, com a criação de várias
áreas de pesquisa, e caracterizaram-na sob certos aspectos como disciplina da matemáti-
ca.
O desenvolvimento das lógicas não-clássicas em geral tem aberto várias áreas de
pesquisa e propiciado a solução de importantes questões da matemática, dos fundamentos
da física e da ciência da computação.
Várias aplicações das lógicas polivalentes têm sido estudadas e desenvolvidas, tais
como à teoria de circuitos elétricos, à lingüística, à programação de computadores e à teo-
ria das probabilidades, tendo Reichenbach tentado utilizá-las nos fundamentos da mecâni-
ca quântica.
Porém, nos dias atuais, o interesse pelas lógicas polivalentes está crescendo rapida-
mente, devido principalmente às suas recentes aplicações inovadoras no tratamento da
informação em condições de incerteza e aos problemas que daí se originam, inclusive de
computabilidade e complexidade. Para o estudo dessas aplicações, o tratamento algébri-
co é imprescindível. Como referência, indicamos Cignoli, D’Ottaviano & Mundici 1995 e 2000.
Um dos avanços recentes da lógica modal que merece ser mencionado é a lógica
dinâmica, ou seja, a lógica que representa processos de computação.
A lógica dinâmica pode ser vista como uma aplicação da lógica modal à informáti-
ca, e oferece um exemplo significativo da incrível fertilidade da semântica de Kripke. As
aplicações mais penetrantes da semântica modal podem, porém, ser encontradas no cam-
po da lingüística. De fato, vários fragmentos do discurso comum têm sido analisados por
meio de instrumentos derivados das lógicas modais: basta mencionar os tempos verbais (vi-
de as lógicas do tempo – “tense logics”) e os modos (vide as lógicas dos condicionais sub-
juntivos, a lógica imperativa, as lógicas interrogativas). Podemos também lembrar que o
complicado mecanismo da chamada gramática de Montague é um subproduto da se-
mântica modal.
A lógica paraconsistente está intimamente ligada a outros tipos de lógicas não-
clássicas, especialmente à lógica dialética, lógica relevante, lógicas polivalentes e intuicio-
nistas, lógica “difusa”, à teoria geral da vaguedade e teoria dos objetos de Meinong, bem
como às teses lógicas do “último” Wittgenstein.
O estudo das lógicas paraconsistentes, além de permitir a construção de teorias para-
consistentes, torna possível o estudo direto dos paradoxos lógicos e semânticos, sem tentar
evitá-los; o estudo de certos princípios em toda sua força, como o princípio da compreen-
são na teoria de conjuntos; e talvez ele nos permita uma melhor compreensão do conceito
de negação.
Entretanto, uma análise profunda e completa do significado filosófico e conseqüên-
cias filosóficas da lógica paraconsistente parece ainda não ter sido realizado.
Trabalhos recentes conectam a lógica paraconsistente com o estudo de teorias base-
adas em linguagens semanticamente fechadas, com os fundamentos da mecânica quânti-
ca e do cálculo infinitesimal.
Entre as aplicações da lógica paraconsistente estão seu uso em ética, lógica doxásti-
ca e teoria das probabilidades.
Como afirma Carnielli 1992, é geralmente aceito que a obra de Frege tenha sido res-
ponsável por separar definitivamente a Lógica da Filosofia, e também da Matemática. A
nova ciência, com métodos “exatos” como os da Matemática e interesses tão amplos co-
mo os da Filosofia, que lhe conferiam um caráter abstrato e idealizado, dedicava-se às con-
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 29
Uma das áreas científicas nas quais o Brasil é respeitado internacionalmente, com lide-
rança indiscutível, é a área das lógicas não-clássicas, em particular das lógicas paraconsis-
tentes, graças à Escola criada por seu fundador, Newton C. A. da Costa. Toda a obra de da
Costa, os grupos de pesquisa com que colaborou e os que criou, seus discípulos e colabo-
radores do Brasil e do exterior, os títulos honoríficos e prêmios que tem recebido, atestam a
importância de sua contribuição à Filosofia e à Ciência.
Em um livro recente, Logiques Classiques e Non-Classiques: essai sur les fondements de
la logique (da Costa 1997), da Costa discute as relações entre razão e lógica, bem como as
conexões entre atividade racional, que é refletida pela lógica, e a experiência. Está interes-
sado nas questões:
• Existe uma única razão?
• Existe uma única lógica?
• Estamos derrubando a lógica clássica?
A todas essas questões, da Costa responde negativamente – justifica sua crença de
que a razão se constitui através da História, seguindo principalmente a contingência origi-
nada pelo progresso científico.
Nesse sentido, a natureza a priori da razão parece relativa. A razão se transforma em
Sobre a história da lógica, a lógica clássica e o surgimento das lógicas não-clássicas 30
um elemento constitutivo da cultura de uma dada época tendo, portanto, conotações so-
ciais e culturais, relativamente à sua própria história.
A despeito da ambigüidade do termo, da Costa considera que a razão é dialética,
evoluindo de acordo com o avanço da ciência, sendo suas categorias históricas.
A razão não pode ser codificada a priori, via um determinado sistema lógico fixo.
Concordamos plenamente com da Costa – não existe uma única lógica, “a” lógica!
Não estamos derrogando a lógica clássica Aristotélica, pelo contrário, temos muita
clareza sobre a enorme gama de situações cuja análise dela depende explicitamente.
Porém, com o advento das lógicas não-clássicas, e com o novo paradigma que elas
vislumbram para o próprio século XXI, sabemos que não existe “uma” lógica, mas uma lógi-
ca melhor e mais adequada para cada tipo de problema.
Finalizamos com palavras de da Costa, o fundador da lógica paraconsistente:
“Há, entre o céu e a terra, mais lógicas do que sonha tua vã filosofia”!
Agradecimentos:
Agradecemos as sugestões apresentadas pelos avaliadores deste texto, quase todas elas
aqui incorporadas.
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