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Psicologia Escolar:
Um Duplo Desafio
Resumo: A educação representa a capacidade de um povo organizar-se e construir seu futuro, portanto,
não se realiza ao acaso, mas como consequência de um esforço expressivo. A Psicologia Escolar pretende
facilitar o desenvolvimento humano, mas ainda permanece pouco conhecida. O sucesso no desempenho
do psicólogo escolar exige uma imagem clara de seus principais propósitos, enfrentando um duplo desafio:
ser aceito na escola (sem ter seu papel limitado na busca da promoção do desenvolvimento infantil) e ser
apoiado na organização de atividades preventivas que afetam o curso do desenvolvimento da criança
(envolvendo o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e físico e o enriquecimento da interação social
da criança). Brevemente, o propósito deste estudo é focalizar de forma prática um campo mais eficiente,
amplo e satisfatório para a Psicologia Escolar.
Palavras-chave: Psicologia Escolar, Educação, desenvolvimento infantil.
Abstract: Education is, at the same time, an indicator of the development of a country and a way to its
Luiza Elena Leite progress. It represents a people’s capacity to organize itself and to built its future, so, it doesn’t happen
Ribeiro do Valle randomly, but as a consequence of an expressive effort. School Psychology intends to facilitate human
development, but is not fully understood yet. The successful school psychologist role requires a clear
Psicóloga com image of his primary purposes and faces a double challenge: be accepted in school (without restricting his
especialização em role in order to promote child development) and be helped in organizing preventive activities that affect
Psicologia Clínica e the course of child development (involving cognitive, affective, social and physical development and the
Psicopedagogia. enhancing of the child’s social interaction). Briefly, the purpose of this study is to focus practical assumptions
Mestrado em Psicologia for an effective, broader and more satisfying role for school psychologists.
Escolar pela PUC Key Words: School psychology, Education, child development.
Campinas. Professora da
pós-graduação em
Psicopedagogia na
FUNDEG, em Guaxupé.
Membro da Sociedade
Brasileira de
Neuropsicologia. Autora
do livro “Cérebro e
Aprendizagem: Um jeito
diferente de viver”.
Van Gogh
● Sua inclusão na escola, para que seu trabalho não valorizado, sem campo de atuação em meio à vasta
termine distorcido ou limitado no campo competitivo carência existente. Por que isso acontece?
que envolve a afirmação de papéis de poder. Sua
participação, com o corpo docente, em programas O psicólogo escolar tem sua especialidade ainda
de intervenção pode permitir que, juntos, promovam pouco difundida. Apenas em 1990, com a
o desenvolvimento infantil, de forma que Psicologia e formalização da Associação Brasileira de Psicologia
Pedagogia se complementem, alcançando os objetivos Escolar e Educacional (ABRAPEE), houve possibilidade
idealizados. de fortalecimento desse campo de atuação no Brasil,
conforme Pfromm Netto (1995) comenta: “o
● Sua atuação preventiva, mais ampla, envolvendo surgimento da ABRAPEE constituiu o coroamento dos
a escola e a família, que precisam valorizar e esforços de todos quantos vinham se empenhando
compreender a necessidade de sua participação, não para dar uma posição de relevo à Psicologia Escolar
apenas remediativa ou voltada para a clínica, em nosso meio para consolidar seu status de área de
portanto, delimitando uma área especial da atuação, de investigação científica e de preparo
Psicologia que diferencie seu papel.
profissional”.
Entre os integrantes do EFA (Education for All,
Numa perspectiva histórica da Psicologia Escolar no “A criança é o elo
Tailândia, 1990), o Brasil foi um dos países que
campo internacional, Batsche e Knoff (1995, p. 569- mais fraco e exposto
apresentaram alta taxa de analfabetismo e, “mesmo
570) enfatizam a tendência inicial da realização de da cadeia social.
avançando muito nos últimos 10 anos, ainda está
longe de onde precisamos chegar”, conforme diagnósticos classificatórios para encaminhamento de Nenhuma nação
afirmação do Ministro de Educação, no Relatório crianças a classes especiais, a partir de uma lei conseguiu progredir
Brasileiro EFA, em 2/02/2000. A situação escolar americana de 1975 (Public Law 94-142, apud sem investir na
brasileira exige mudanças e muito esforço tem sido Hightower, Johnson e Haffey, 1995) destinada a infância. A viagem
feito no sentido de diminuir a defasagem existente garantir a Educação para crianças com deficiências. pelo conhecimento
nas diversas regiões que representam nosso imenso A atuação do psicólogo escolar era, marcadamente, da infância é a
território, mas, mesmo conseguindo-se resultados remediativa e focalizada no indivíduo, uma vez que viagem pela
positivos, como o crescimento do número de a tendência psicometrista predominava, enquanto a profundeza de uma
matrículas e queda na distorção idade-série, houve prática da Psicologia se apoiava na aplicação de testes. nação. A situação
uma tendência geral de rebaixamento dos resultados Nessa tentativa de participar do corpo administrativo
da infância é um fiel
na avaliação dos testes de português e matemática, escolar, o psicólogo precisava limitar-se ao cliente-
espelho de nosso
conforme conclui o Sistema Nacional de Avaliação aluno, evitando interferir nas decisões docentes, como
estágio de
da Educação Básica (SAEB, 2000) com os dados se o seu campo de estudo pudesse estar alheio à
desenvolvimento
obtidos em pesquisa do ensino no Brasil através do influência do ambiente. Entretanto, os problemas
econômico, político
censo educacional de 1999. Ainda, segundo a análise escolares como evasão, repetência, diferenças sociais,
dos dados da pesquisa do SAEB, a cultura da e social” .
associados aos avanços da ciência, levaram o
repetência, já inexistente em países avançados, mas psicólogo a buscar um outro nível de contribuição
permanente aqui, leva pais e professores a Dimenstein
eficaz. O modelo clínico passou a ser criticado na
responsabilizarem o aluno pelas eventuais escola porque não questionava o sistema escolar
deficiências em seu aprendizado, o que, ao invés de (Andaló, 1984, p.43-46). Surgiu a preocupação em
contribuir para a melhoria do desempenho do aluno, valorizar o processo de aprendizagem, priorizando-
acaba por desmotivá-lo, podendo levar até mesmo se uma atuação mais abrangente e indireta, voltada
à evasão escolar.
para programas de treino para alunos com
dificuldades, preparação e treinamento de
Muito tem sido feito para que a escola não se preste
professores, o que Almeida e Guzzo (1992, p.126)
a selecionar os mais capazes e eliminar quem
apontam como um salto marcante que resultou em
enfrenta dificuldade para aprender e, em vez disso,
incorporar todos os alunos. A pesquisa educacional, “uma prática mais incisiva, presente e eficiente da
nos últimos anos, tem procurado revelar aspectos Psicologia no contexto educativo”. O psicólogo
dos bastidores da sala de aula e do funcionamento tornou-se requisitado como um solucionador de
da escola, da atuação dos professores bem-sucedidos, problemas, numa intervenção remediativa, porém
dos processos que produzem à patologização da com foco de atuação institucional.
aprendizagem, de questões relativas à didática do
professor, entre outros. A mobilização pelo A mudança para um enfoque preventivo decorre,
desenvolvimento nacional precisa rever pontos segundo Almeida e Guzzo (1992), de movimentos
negligenciados nessa luta. Para alterar radicalmente da Educação e da Psicologia, rompendo com uma
resultados negativos, há necessidade de um esforço visão reducionista para lançar-se em objetivos amplos,
social, principalmente por parte daquele a quem onde a saúde mental passou a ter relevância,
cabe o papel de especialista na problemática da abarcando a responsabilidade pelo desen-volvimento
escola, o psicólogo escolar, profissional imprescindível integral dos educandos. A prevenção primária, 23
nesse momento e, contraditoriamente, pouco embora mais difícil, procura mudar a
Luiza Elena Leite Ribeiro do Valle
particulares de cada criança são recebidos pelo psicológicos relacionados ao desenvolvimento infantil
professor e pelos grupo em que se insere tem um e às influências ambientais que o atingem, mas
grande impacto na formação de sua personalidade também voltados para a situação de aprendizagem
e sua auto-estima, já que sua identidade está em e dos aspectos psicopedagógicos envolvidos. A
construção. Das experiências vividas, emerge o atuação orientada para o grupo de alunos, não apenas
autoconceito que cada um tem de si, que vai para “alunos problemas”, pode permitir que o
delimitar sua competência em realizar tarefas e professor perceba as crianças em seu jeito individual
relacionar-se com as demais pessoas no meio social de ser, transpondo os muros da escola para conhecer
a que pertence. sobre o aluno mais do que o currículo escolar
determina e, dessa forma, melhorar o seu
Concordando com a importância do período escolar, desempenho, envolvendo-se em seus interesses e
Gridley, Mucha e Hatfield (1995) afirmam que as
realidades (Ribeiro do Valle, 2001). As melhores
pesquisas, em geral, podem trazer informações
práticas na adoção de programas de prevenção (
confiáveis para aumentar as chances de sucesso das
Hightower, Johnson e Haffey, 1995) sugerem,
crianças na escola, oferecendo aos pais e professores
inicialmente, a identificação das necessidades pela
instrumentos para adequar experiências e planos
análise dos sistemas e programas e pela revisão de
curriculares às necessidades individuais. A essência “O psicólogo precisa,
da prevenção secundária é a identificação precoce informações relevantes para que se estabeleça um
relacionamento entre o psicólogo escolar e os então, não apenas
de problemas e a intervenção antes que estes se
de conhecimentos
tornem severos. Nos estágios iniciais, as intervenções
psicológicos
podem encurtar a duração e a intensidade dos
relacionados ao
problemas, e quanto mais novas as crianças, maior
flexibilidade psicológica, permitindo prognósticos mais desenvolvimento
favoráveis. infantil e às
influências
Ainda assim, a mudança de paradigmas na atuação ambientais que o
do psicólogo escolar, minimizando atividades diretas atingem, mas
(solução de problemas) e indiretas (aconselhamentos) também voltados
relacionadas a tratamentos de reabilitação para para a situação de
desenvolver programas preventivos, focalizados em aprendizagem e dos
grupos em que os problemas estão apenas aspectos
começando ou antes que ocorram, exige uma psicopedagógicos
transformação nas expectativas de resultados envolvidos. A
imediatos em favor de procedimentos que possam atuação orientada
fortalecer adequadamente os passos do programa, para o grupo de
orientando as pessoas envolvidas no processo. Vários alunos, não apenas
fatores se encontram presentes na inter-relação que para “alunos
ocorre na aprendizagem escolar, tanto na sala de aula problemas”, pode
(professor, metodologia, colegas) como na família, permitir que o
ou seja, influências extrínsecas ao aluno. O enfoque professor perceba as
da atuação dos psicólogos escolares estaria muito
crianças em seu jeito
mais próximo de uma atitude de interlocução junto
individual de ser,
aos educa-dores, discutindo e refletindo sobre as
transpondo os muros
práticas educacionais na complexidade das relações
que ocorrem no cotidiano escolar (Machado e Souza, da escola para
1997), devendo centralizar-se na competência funcionários da escola, baseados em confiança, conhecer sobre o
estimuladora da pesquisa e incentivando com respeito, boa comunicação e compreensão, que aluno mais do que o
engenho e arte a gestação de sujeitos críticos e auto- contribua efetivamente para a introdução do currículo escolar
críticos, participantes e construtivos, como afirma procedimento. Cada passo deve ser cuidadosamente determina e, dessa
Demo (1993, p. 103). avaliado e compreendido tanto na introdução do forma, melhorar o
programa quanto em sua manutenção e constante seu desempenho,
O psicólogo escolar deve, entre outras atribuições, monitoração, garantindo eficácia. O problema da envolvendo-se em
investigar melhor o processo de construção do seriedade da atividade científica tornou-se crucial, seus interesses e
conhecimento, enfocando os tipos de conhecimento segundo Morin (1998), e o psicólogo escolar, mais realidades”.
trazidos pela criança ao iniciar sua aprendizagem do que nunca, necessita de pesquisas como material
formal na escola e o que ocorre durante o processo, indispensável de trabalho na promoção da saúde na Ribeiro do Valle
segundo Brambilla (1997). A conduta do professor e escola e, é claro, na vida futura das crianças, não
o seu perfil pessoal interferem e têm peso significativo limitando seu campo de ação a “problemas de
para o desenvolvimento e o desempenho dos alunos aprendizagem” que não podem ser recortados do
(Andreazzi, Jacarini e Prigenzi – 1994). O psicólogo restante do ambiente. E será suficiente que o 25
precisa, então, não apenas de conhecimentos psicólogo escolar atue sobre o ambiente da escola?
Luiza Elena Leite Ribeiro do Valle
Além da escola, a família é um importante elemento da escola, permitindo-lhes redimensionar sua atuação
na promoção da saúde porque nela se forma e se em parceria na busca do aproveitamento escolar e
desenvolve a personalidade das crianças, sendo, no desenvolvimento dos filhos. O psicólogo escolar
também, o grupo social onde o homem expressa sua precisa ter conhecimentos sobre a influência da família
maior intimidade e espontaneidade, pois, como no desempenho da criança para delinear as
grupo, a família tem liberdade para definir seu próprio intervenções casa-escola em busca da inserção da
sistema de normas, estilo de vida etc., como afirma criança nas relações éticas e morais que permeiam a
Rey (1993). As interações sociais que acontecem a sociedade que as envolve.
uma criança desde o seu nascimento vão favorecer
o processo de construção do conhecimento Para compreender melhor o significado, para a criança,
do papel da família e da sua relação com a escola,
pode-se recorrer a Bronfenbrenner (1996), que
contribuiu com a visão ecológica no estudo do
desenvolvimento humano, onde destaca o aspecto
mutável, tanto do ambiente como do indivíduo. Ele
define o desenvolvimento como uma mudança no
modo como a pessoa percebe e atua sobre o ambiente,
que, por sua vez, envolve uma correspondência mútua
entre um conjunto de sistemas organizados nos
seguintes níveis: Microssistema (um ambiente
determinado), Exossistema (não contém a criança, mas
a influencia), Macrossistema (o mais geral),
Mesossistema ( relaciona dois ou mais ambientes do
microssistema, como a relação entre família e escola).
a interlocução com outras áreas de conhecimento, por idéias que não encontram caminhos
para articular com outras competências uma ética correspondentes aos desejos de mudanças. O
de transformação social e um novo conceito de saúde, reconhecimento de estruturas próprias de cada
conforme aponta Branco (1999): “A saúde envolve a localidade não pode ser ignorado na imposição de
eliminação da fome, da miséria, da ignorância e de modelos prontos, em lugar da estimulação à criação
qualquer forma de opressão. O compromisso do de soluções adequadas a cada situação. O
psicólogo só pode ser com a mudança social” (p. 34). atendimento psicológico na escola precisa antever
Cabe-lhe pesquisar, intervir, planejar e promover a as dificuldades para resolvê-las, mas também precisa
saúde mental no contexto escolar que, obviamente, oferecer suporte às necessidades especiais para as
não se aparta do restante do ambiente que envolve
quais o psicólogo deve estar capacitado. O
o aluno. O duplo desafio que se ergue diante do
movimento contra a patologização do erro, visando
psicólogo escolar, o de afirmar-se no seu espaço de
a encarar nele um degrau e não um final de caminho,
trabalho para lidar com os aspectos psicológicos e
educacionais que envolvem o desenvolvimento afasta a criança da tendência de responsabilizá-la pelo
infantil e sua adaptação no mundo, faz parte do seu fracasso do processo de ensino, mas o atendimento
campo de atuação. a patologias também pode ser necessário, justamente
para oferecer recursos de adaptação ou reabilitação,
No Brasil, contamos com leis criteriosas que desde que não seja o alvo limitado de ação do
“A saúde envolve a
defendem os direitos das crianças, mas que não são profissional de uma instituição. As controvérsias
eliminação da fome,
regulamentadas e, portanto, não funcionam. existem e precisam ser discutidas. São elas que
da miséria, da
Problemas reais como repetência ou inclusão de tornam cada chegada uma nova partida, um espaço
ignorância e de
alunos são resolvidos com determinações teóricas que a mais a pesquisar. A existência de conflitos pode
qualquer forma de não oferecem respaldo estrutural para atender às ser justamente o fator que torna a presença do
opressão”. exigências práticas que acompanham projetos psicólogo necessária em ambiente multidisciplinares
utópicos. Profissionais competentes ficam “ilhados” e, mais ainda na escola, onde se constrói uma nação.
Branco
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Psicologia Escolar: Um Duplo Desafio
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