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Hermeneutica

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Paschoal Piragine Júnior

Hermenêutica Bíblica
1a ed.

Curitiba
2019
© Os direitos de autoria e patrimônio são reservados ao(s) autor(es) da obra e a Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR). É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta
obra sem autorização da FABAPAR.

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ


Direção-Geral – Jaziel Guerreiro Martins
Gerência Acadêmica – Jaziel Guerreiro Martins
Gerência Administrativa – Jader Menezes Teruel
Coordenação dos Bacharelados em Teologia – Margareth Souza da Silva
Coordenação Adjunta do Bacharelado em Teologia EAD – Janete Maria de Oliveira
Autoria do Material – Paschoal Piragine Júnior

Coordenação Editorial – Elen Priscila Ribeiro Barbosa


Coordenação de Produção – Murilo de Oliveira Rufino
Núcleo de Inovação
Bibliotecária e Desenvolvimento
Rozane De Nez Educacional – Elen Priscila Ribeiro Barbosa
CRB9/1243
Revisão – Edilene Honorato da Silva Arnas
Design Gráfico e Diagramação – Thiago Alves Faria
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
Rozane Denes (Bibliotecária CRB/9 1243)

Getão, Eduardo.
P667 Piragine Júnior,
Estudos de Paschoal.
missões / Eduardo Getão. – 1.ed. – Curitiba : Núcleo de
Publicações FABAPAR, 2019.
Hermenêutica
105 p. bíblica. / Paschoal Piragine Júnior. – 1. ed. –
Curitiba: Núcleo de Publicações FABAPAR, 2019.
91. p.
ISBN: 978-85-89487-04-7

ISBN: 978-85-89487-18-4
1.Missões – Igreja. 2. Evangelismo. 3. Missões Paulinas. I. Faculdades
1. do Hermenêutica
Batista Paraná. II. Título.(Religião). 2. Bíblia – Hermenêutica. I.
Título.
CDD (21. ed.) – 266
CDD: 220.601

Elaboração da ficha: Rozane Denes CRB9/1243


Sumário
Apresentação do autor.................................................................................................. 5

Prefácio............................................................................................7
1. História da interpretação bíblica................................................11
1.1 A interpretação judaica na época do Novo Testamento...........................11

1.2 A interpretação do período da Igreja Primitiva..............................................16

1.3 A interpretação bíblica Pós-Igreja Primitiva ..................................................23

1.4 Síntese.......................................................................................................................... 29

2. Princípios e orientações práticas para uma boa


interpretação bíblica ......................................................................33
Introdução.......................................................................................................................... 33

2.1 Conselho #1: a busca da orientação divina ...................................................34

2.2 Conselho #2: textos fáceis e textos difíceis ..................................................35

2.3 Conselho #3: leitura repetida e variada da perícope escolhida ..............36

2.4 Síntese.......................................................................................................................... 46

3. O triângulo da análise: contexto textual, histórico


e cultural .........................................................................................49
3.1 Análise da estrutura textual ................................................................................. 49

3.2 Análise do contexto histórico e cultural ..........................................................59

3.3 Pesquisa histórica e cultural: proposta de roteiro de pesquisa ..............60


3.4 Síntese.......................................................................................................................... 63

3
4. Gramática como aliada: análise das estruturas linguística
e literária de textos bíblicos ...........................................................67
4.1 Gêneros literários..................................................................................................... 67

4.2 Figuras de linguagem............................................................................................. 74

4.3 Semântica, sintaxe e pragmática ......................................................................82

4.4 Síntese.......................................................................................................................... 88

Referências......................................................................................89
Apresentação do autor
Paschoal Piragine Júnior é pastor da Primeira Igreja Batista de
Curitiba, onde exerce o ministério desde 1988. Exerceu vários cargos
na denominação batista, dentre eles: presidente da Ordem dos Pastores
Batistas do Brasil (2003-2004) e presidente da Convenção Batista
Brasileira, em 2006.

É autor de diversos livros. Também comanda o programa Dia a Dia


com Deus, criação dedicada às pessoas que têm muitas preocupações
e tarefas e acabam por deixar de lado seu tempo com Deus para
fazer algo que consideram mais importante. Escritor, conferencista
e palestrante. Doutor em Ministério na Faculdade Sul-Americana, em
Londrina-PR e pós-doutorando na área de Missiologia pelo Programa
Doctoral em Teología, da Universidad Evangélica de las Américas, em
San José (Costa Rica).
Prefácio
Hermenêutica bíblica é o estudo da interpretação da Bíblia. O termo
procede da palavra grega “ηρμηνευειν” e seus derivados que significa
declarar, anunciar, interpretar ou esclarecer e, por último, traduzir.
(CORETH, 1973, p. 1)

Apesar da necessidade de interpretação fazer parte da questão do


uso dos sinais (signos) em toda a forma de comunicação humana, na
história da humanidade ela sempre esteve mais atrelada à busca de
sentido dos Textos Sagrados de todas as religiões1. Só nos séculos XVI e
XVII se tornou ciência da boa interpretação tanto de textos jurídicos,
históricos e filosóficos.

Saiba Mais
O conceito de “signo” foi amplamente difundido pela semiótica,
sendo esta a teoria geral dos signos e sua relação com a
comunicação.
O signo tem três partes essenciais: o significante (que seria a parte
material do signo, como um ícone ou uma palavra), o significado
(ou seja, a imagem mental gerada na mente de quem ouviu ou
leu a palavra ou ícone) e o referente (o objeto em si, seja ele real
ou imaginário). Para entender melhor a semiótica, recomenda-se
a leitura de Charles S. Pierce, um dos maiores autores da teoria.

1 Não há certeza filológica, mas só probabilidade, de que a palavra derive de Hermes,


o mensageiro dos deuses, a quem se atribui a origem da linguagem e da escrita. O certo
é que já em grego o termo significava de preferência, embora não exclusivamente, a
compreensão e a exposição de uma sentença dos deuses, de uma mensagem divina,
como de um oráculo de Delfos, o qual precisa de uma interpretação para ser apreendido
corretamente, ou seja, “levado à compreensão”. Dessa forma, o termo referia-se desde
então a uma dimensão sacra: a compreensão e interpretação de uma palavra divina.
(CORETH, 1973, p. 2)

7
Mas a grande questão é por que é preciso técnicas para interpretar
a Bíblia? Não é um preceito evangélico o livre exame das Escrituras? Não
há a crença protestante de que o Espírito Santo pode iluminar os crentes
para entender as Escrituras Sagradas?

É verdade, tudo isso faz parte da crença protestante. No entanto,


ao ler as Escrituras, é possível perceber que sua autoria foi dupla: Divina e
humana, e que traços da cultura, da história, das crenças e dos problemas
do tempo histórico do autor humano também estão colocados no texto.
Portanto, se o leitor tiver tais conhecimentos, ficará muito mais fácil
compreender a mensagem de Deus que foi por ele transmitida, pois
interpretar é determinar o sentido de um escrito o mais próximo possível
do que pensava o autor quando o escreveu.

Mas não somente isto, dependendo do tipo de revelação divina


ou estilo literário usado o Texto Sagrado será de mais fácil ou difícil
compreensão, caso não haja recursos para poder interpretá-los.

Além de tudo isso, o intérprete é outro componente na história


da interpretação bíblica, pois, quer queira quer não, a compreensão que
o intérprete tem do texto também é afetada por sua história, cultura e
experiências.

Assim, conhecer as técnicas de interpretação bíblica é uma


necessidade imprescindível para quem deseja compreender as Escrituras
e comunicá-la a outros.
1. História da
interpretação bíblica
1. História da interpretação bíblica
No presente capítulo, será feita uma contextualização histórica da
Hermenêutica. Há quem diga que isso não é necessário, porém ficará
claro que conhecer o contexto histórico e cultural é sempre relevante para
se realizar uma excelente interpretação textual.

Conhecer a história da Hermenêutica, por onde passou, de onde


surgiu, como foi feita ao longo do tempo, possibilita uma compreensão
geral dos erros e acertos cometidos no passado. Além disso, ao conhecer
as escolas hermenêuticas, é possível entender melhor os posicionamentos
de algumas figuras encontradas nos textos bíblicos.

Por isso, em um primeiro momento, será apresentada a forma como


a hermenêutica era realizada no tempo dos autores do Novo Testamento,
principalmente pelas diferentes escolas judaicas.

Em seguida, será possível perceber como era realizada a


interpretação bíblica na época da Igreja Primitiva, ou seja, logo após os
acontecimentos do NT. Isso compreende os pais apostólicos, o método
alegórico e a escola de Antioquia.

Por fim, será apresentado como se desenrolou a ação hermenêutica


da Idade Média até a Pós-Modernidade.

1.1 A interpretação judaica na época do Novo


Testamento
O judaísmo teve uma variedade de expressões durante o tempo de
Jesus e dos primeiros cristãos: círculos apocalípticos que aguardavam
o fim da era atual e a vinda de um fim dos tempos; Essênios encontrados
em sua comunidade estritamente isolada em Qumran; fanáticos e
outros grupos nacionalistas que tentaram se rebelar contra o poder da
ocupação romana.

11
Além destes, o judaísmo oficial em Jerusalém, cujos julgamentos
internos eram decididos pelo sinédrio tendo como presidente o sumo
sacerdote. Esse conselho consistia em dois partidos principais: os
saduceus e os fariseus. (REVENTLOW, 2009, p. 105)

1.1.1 Saduceus
Para o grupo dos chamados saduceus, os quais compunham a parte
principal da classe sacerdotal, apenas a primeira divisão do Cânon Hebraico
tinha autoridade normativa. Para eles, só a porção atualmente chamada de
Pentateuco, formada pelos livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio, a chamada Torá, era considerada palavra de Deus.

Saiba Mais
Para conhecer um pouco mais sobre os saduceus e outros grupos
religiosos da época em questão, leia o livro Os partidos religiosos
hebraicos da época neotestamentária, de Kurt Schubert.

É possível encontrar na Bíblia algumas menções a esse grupo:


E, chegando-se alguns dos saduceus, que dizem não haver
ressurreição, perguntaram-lhe, Dizendo: Mestre, Moisés nos deixou
escrito que, se o irmão de algum falecer, tendo mulher, e não deixar
filhos, o irmão dele tome a mulher, e suscite posteridade a seu irmão.
Lucas 20:27,28 (ACF)

E, havendo dito isto, houve dissensão entre os fariseus e


saduceus; e a multidão se dividiu.

Atos 23:7 (ACF)

E, estando eles falando ao povo, sobrevieram os sacerdotes, e


o capitão do templo, e os saduceus, Doendo-se muito de que
ensinassem o povo, e anunciassem em Jesus a ressurreição
dentre os mortos. Atos 4:1,2 (ACF)

12
Porque os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo,
nem espírito; mas os fariseus reconhecem uma e outra coisa.

Atos 23:8 (ACF)

E a multidão dos que criam no Senhor, tanto


homens como mulheres, crescia cada vez mais.
De sorte que transportavam os enfermos para as ruas, e os
punham em leitos e em camilhas para que ao menos a sombra
de Pedro, quando este passasse, cobrisse alguns deles.
E até das cidades circunvizinhas concorria muita gente
a Jerusalém, conduzindo enfermos e atormentados
de espíritos imundos; os quais eram todos curados.
E, levantando-se o sumo sacerdote, e todos os que estavam
com ele (e eram eles da seita dos saduceus), encheram-se
de inveja, E lançaram mão dos apóstolos, e os puseram na
prisão pública.

Atos 5:14-18 (ACF)

1.1.2 Fariseus
Estes aceitavam as três divisões do AT: lei, profetas e escritos, além
da tradição como sendo palavra de Deus. (GUSSO, 2011, p. 8)

A influência dos fariseus repousava em duas instituições: a sinagoga


e a casa de estudo. Após a destruição do templo, a sinagoga continuou,
e ainda hoje é o único local de culto para o judaísmo em todo o mundo. A
oração, a leitura das Escrituras e um sermão a cada sábado constituíam
adoração na sinagoga. O sermão interpretava a seção da Escritura
(perícope ou parash) que era lida. Como os pregadores eram leigos,
isso fornecia aos fariseus, conhecedores das Escrituras, a oportunidade
de instruir a congregação em seus ensinamentos. A segunda esfera de
atividade na qual os fariseus trabalhavam era a escola. Inicialmente, o
processo de ensino foi conduzido em uma base privada em que os
alunos se reuniram para aprender com um professor bem conhecido em
diferentes lugares da Palestina e, provavelmente, também na Babilônia.
Mais tarde, passaram a existir casas de estudo ou academias regulares.
(REVENTLOW, 2009, p. 106)

13
Alguns trechos bíblicos que exemplificam essas informações:
Então compreenderam que não dissera que se guardassem do
fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus.
Mateus 16:12
Ai de vós, fariseus, que amais os primeiros assentos nas
sinagogas, e as saudações nas praças.
Lucas 11:43
Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para
que também o exterior fique limpo.
Mateus 23:26
E saíram os fariseus, e começaram a disputar com ele, pedindo-
lhe, para o tentarem, um sinal do céu.
Marcos 8:11
E os escribas e fariseus observavam-no, se o curaria no sábado,
para acharem de que o acusar.
Lucas 6:7
Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes
que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram?
Mateus 15:12

1.1.3 Midrash
Alguns dos primeiros comentários sobre os livros da Torá
(Midrashim) fornecem informações sobre o conteúdo da interpretação
rabínica. Esses comentários originaram-se durante o chamado período
Tannaítico (o termo hebraico é tanna “professor”: a imagem era de
comprimir os ensinos na mente pela memorização mecânica). Esse
período começou no início do terceiro século d.C. Eles expressavam a
tradição oral na forma de ditos de rabinos transmitidos oralmente, cujas
interpretações de certos preceitos bíblicos muitas vezes conflitavam.
(REVENTLOW, 2009, p. 107)

14
1.1.4 Jesus
A interpretação de Jesus, ainda que levasse em conta o Cânon
em sua totalidade, da mesma forma que os fariseus, diferia dos padrões
judaicos normais. Sua interpretação deixava de lado o literalismo extremo
do texto buscando o “espírito” do mesmo. Ia, também, contra os saduceus,
que ficavam com apenas parte das Escrituras (Mt 22.23-33) e, ao mesmo
tempo, censurava os fariseus que iam além delas, dando mais valor à
tradição do que aos Textos Sagrados (Mt 15.1-9). (GUSSO, 2011, p. 8)

O Método hermenêutico de Jesus incluía uma leitura cristológica, o


que significava que Jesus lia o AT à luz de si mesmo. Veja, como exemplos,
João 5.39,40 e João 5.46. (DOCKERY, 2005, p. 27)
Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida
eterna, e são elas que de mim testificam;
E não quereis vir a mim para terdes vida.
João 5:39,40
Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de
mim escreveu ele.
João 5:46

1.1.5 Os apóstolos e autores do Novo Testamento


Os escritores do Novo Testamento compartilham algumas
características gerais do uso das Escrituras com os rabinos e essênios de
sua época. Ao citar as Escrituras, eles geralmente fazem um comentário
ligeiro visando aplicar o texto à situação presente. Raramente estão
envolvidos em exegese do texto, eles visam mais à aplicação do texto.

A contribuição distinta dos cristãos para a hermenêutica bíblica


é sua reinterpretação radical das Escrituras do Antigo Testamento à
luz dos eventos históricos redentivos relacionados com encarnação,
vida, morte e ressurreição de Cristo, e o surgimento da Igreja Cristã.
(LOPES, 2007, p. 116)

15
1.2 A interpretação do período da Igreja Primitiva
De fato, os eventos ocorridos em decorrência da encarnação e vida
de Jesus em Terra mudaram a forma como os textos do Antigo Testamento
eram vistos, uma vez que muitas de suas predições foram cumpridas na
pessoa e vida de Cristo. Sendo assim, uma grande transformação na
maneira de se interpretar a Bíblia foi iniciada nos anos que se seguiram à
morte, ressurreição e ascensão do Messias. A seguir, serão apresentados
os métodos interpretativos dos pais apostólicos, o método alegórico e o
método da escola de Antioquia.

1.2.1 Os pais apostólicos


São chamados de pais apostólicos aqueles que tiveram contato
com os apóstolos, vivendo do final do século I até meados do século II,
sendo estes homens que escreveram cartas e outros textos escritos em
anos imediatamente posteriores aos livros do Novo Testamento, formam
o primeiro conjunto literário de textos cristãos. É possível dividi-los em
duas escolas hermenêuticas: a funcional e a tipológica.

1.2.1.1 Hermenêutica funcional


A pregação da igreja entendia a Escritura do AT nos termos da vinda
de Cristo. Isso se evidenciava pela atitude diante do AT. A lei e os profetas,
como também os acontecimentos e o culto de Israel, eram considerados
como parte da tradição cristã, porque se acreditava que eles davam
testemunho de Jesus Cristo.

O significado estava ligado à aplicação funcional da Escritura. Assim,


a Escritura explicava à igreja, principalmente com base nas palavras de
Jesus, o que ela deveria fazer. De maneira semelhante, os gnósticos se
voltavam para as palavras de Jesus em busca de autoridade, mas eram
considerados heréticos.

Clemente geralmente tomava os textos bíblicos em seu sentido literal


e, de maneira funcional, bem característica, aplicava-os à situação dos
coríntios.

16
Ele apresentava Jesus como um modelo de piedade (1.2), de ajuda
no sofrimento (2.1), de humildade (16.2) e de despojamento pessoal
(7.4; 12.7; 21.6; 49.6). Esses exemplos não vieram dos Evangelhos, mas
aparentemente de uma tradição em desenvolvimento, relacionada a Jesus.

1.2.1.2 Hermenêutica tipológica


No final do século II, o combate à heresia se tornou uma necessidade
para a continuidade da Igreja, assim a hermenêutica da apologia passava
a ter conotações tipológicas com o objetivo de demonstrar que o Deus de
Israel também era o Deus da igreja. O desafio incluía confirmar para os
gnósticos a continuidade entre os Testamentos.

Em pouco tempo, a interpretação tipológica do AT tornou-se


padrão para explicar as Escrituras no culto da igreja. Por exemplo,
a Epístola de Barnabé, um tratado escrito por volta de 135 d.C. em
Alexandria, afirmava que “os profetas, depois de obterem a graça dele
[Jesus Cristo], fizeram suas profecias relacionadas a ele”. Na Homilia
pascal, de Militão, escrita por volta de 170 d.C., o cordeiro pascal de
Êxodo 12 tipologicamente apontava para Cristo, o verdadeiro cordeiro
pascal. Assim, foi pela pregação da Igreja Primitiva que a exegese
tipológica inicial foi praticada. Mas essa abordagem não foi dominante
até meados do século II. (DOCKERY, 2005, p. 47-49)

1.2.2 Método alegórico


O primeiro na história da igreja a apresentar uma teoria de
interpretação bíblica foi Orígenes, da escola de Alexandria, no Egito,
falecido em 254 d.C.

Demonstrando influência recebida de Filo e Platão, elaborou seu


método que pode ser chamado de “alegórico”. Nele, o que realmente
interessava ao intérprete não era o que estava escrito no texto, mas, sim,
o que estava por trás dele. (GUSSO, 2011, p. 10)

17
O importante era buscar o significado oculto, também chamado de
mais profundo, pois esse é que era considerado o significado verdadeiro,
inspirado por Deus (FEE; STUART, 1997, p. 239). Essa conclusão de
que a Bíblia não foi feita para significar o que diz abertamente acabou
tornando-a semelhante a um objeto mágico de onde se extraíam mistérios
e “verdades”. Veja um exemplo da extravagante interpretação de Orígenes
citado por Robinson. Segundo este autor, Orígenes, ao interpretar o
Capítulo 6 de Josué, o relato da batalha de Jericó, (GUSSO, 2011, p. 10)
“sustentou que Josué representava Jesus, e a cidade de
Jericó representava o mundo. Os sete sacerdotes que levavam
trombetas ao redor da cidade representavam Mateus, Marcos,
Lucas, João, Tiago e Pedro. Raabe, a prostituta, representava a
Igreja, que é composta de pecadores; e o cordão vermelho que
ela exibiu para se livrar com toda sua casa, era o sangue de
Cristo”. (ROBINSON, 2002, p. 95)

Além da forma apresentada no parágrafo anterior, o método de


Orígenes apontava para a necessidade de se procurar pelo menos três
níveis de significados na Bíblia.
No primeiro nível, estava a busca do sentido literal, ou primário,
que não era levado muito a sério.

Espiritual

Psíquico ou moral

Literal

18
No segundo, buscava-se o significado psíquico ou moral,
relacionado com a vida religiosa do presente e, finalmente, o
terceiro, e mais importante para ele, o sentido espiritual, que dizia
respeito à vida futura e celestial. (FEE; STUART, 1997, p. 239)

Agostinho, que viveu entre 354 e 430 d.C., serve como exemplo
do que era capaz um intérprete de deduzir dos textos bíblicos nesse
período. Veja a interpretação de Lucas 10.30-37 que segue, criada por
Agostinho, a conhecida Parábola do Bom Samaritano. Ele, analisando o
texto, entendeu que:
O Homem que descia de Jerusalém para Jericó representa Adão.
Jerusalém é a cidade celestial da paz da qual Adão veio a cair.
Jericó significa a lua e aponta para a mortalidade Humana. Ela
nasce, desenvolve-se, mingua e morre. Os bandidos que atacam
Adão são o Diabo e seus anjos. Eles o despojam da imortalidade
e o espancam para persuadi-lo a pecar. Eles o abandonam quase
morto. O Sacerdote e o levita, os quais passam pelo homem sem
ajudá-lo são os ministros do Antigo Testamento que não podem
trazer salvação. O termo Samaritano significa tutor. Sendo assim
ele é uma referência ao próprio Jesus. As faixas colocadas sobre
os ferimentos significam a repreensão do pecado. O óleo é o
conforto da boa esperança e o vinho é a exortação para que se
trabalhe com um espírito fervoroso. O animal no qual o homem
estava montado significa a carne na qual Jesus apareceu entre
os homens. Ser colocado sobre o animal é crer na encarnação de
Cristo. A hospedaria para qual o homem foi levado é a igreja onde
as pessoas são confortadas em sua peregrinação de retorno
para a cidade celestial. As duas moedas que o Bom Samaritano
entregou para o hospedeiro é a promessa desta e do que virá, ou
ainda os dois principais sacramentos. O hospedeiro é o apóstolo
Paulo. (HAYES; HOLLADAY, 1987, p. 20)

19
Conheça, a seguir, quais são os pais apostólicos.

Clemente de Roma ~ 30-100 d.C.

Alguns acreditam que Clemente foi colaborador


do apóstolo Paulo.

Inácio de Antioquia ~ 55-117 d.C.

Foi bispo na igreja de Antioquia, na Síria. Escreveu


cartas às igrejas cristãs de sua época.

Justino, o mártir ~ 100-170 d.C.

Fundou uma escola de doutrina cristã em Roma


e escreveu algumas apologias.

Ireneu de Lyon ~ 130-200

Escreveu cartas contra o gnosticismo e outras


heresias.

Orígenes ~ 184-253

Um dos mais conhecidos, foi quem organizou


em Alexandria uma escola superior de Exegese
Bíblica.

Todas as imagens utilizadas neste recurso estão sob Domínio Público e podem ser
encontradas no Wikimedia.

20
Cipriano ~ 200-258

Redigiu tratados pastorais e cartas, 82 ao


todo, sendo 14 dirigidas a si mesmo.

Eusébio de Cesaréia ~ 265-339

Considerado o pai da história do cristianismo,


foi o primeiro a redigir escritos quanto à história
do cristianismo primitivo.

Tertuliano de Cartago ~ 150-230

Defendeu a doutrina da Trindade com grande


veemência.

Jerônimo ~ 325-378

Tradutor da Bíblia para o latim, versão também


conhecida como Vulgata.

Crisóstomo ~ 344-407

Eloquente, é conhecido por suas homilias,


suas renúncias aos prazeres deste mundo, e
pela Divina Liturgia.

21
Agostinho ~ 354-430

Um dos mais conhecidos pais apostólicos,


escreveu diversas obras que colaboraram para
o desenvolvimento teológico e filosófico do
Cristianismo.

Policarpo de Esmirna ~ 69-159 d.C.

Teria sido discípulo do apóstolo João

1.2.3 Escola de Antioquia


Surgiu como reação ao método de Orígenes e seus principais
expoentes foram Teodoro de Mopsuéstia (+ 429) e Crisóstomo (+ 407),
considerados, respectivamente, o maior exegeta e o maior pregador
da Igreja Antiga. A grande diferença entre a escola de Alexandria e a de
Antioquia residia no entendimento da inspiração bíblica. Os alexandrinos
entendiam a inspiração das Escrituras no sentido platônico de declarações
feitas num estado de êxtase. Era natural, por isso, que palavras ditas desse
modo tivessem que ser interpretadas misticamente e o seu significado
interior precisava ser trazido à luz.

Os da escola de Antioquia entendiam a inspiração como um


impulso divino conferido sobre a consciência e a inteligência do escritor,
sendo que a sua individualidade persistia, e que a sua atividade intelectual
permanecia sob controle. Por isso, era importante na interpretação dos
escritos a consideração dos hábitos, objetivos e métodos de cada autor.

O sentido literal tinha primazia, e era dele que deviam ser tiradas
lições morais; os sentidos tipológico e alegórico não eram excluídos, mas
se tornavam secundários. (FEE; STUART, 1997, p. 240)

22
Com certeza, a questão da opinião a respeito da inspiração, assim
como no passado, continua na atualidade a levar a interpretações
diferentes. Da mesma forma, aqueles que creem na inspiração verbal
tendem a encontrar significados ocultos na Bíblia, enquanto os que creem
na inspiração plenária, o impulso divino sobre os autores, buscam mais o
significado literal de cada passagem. (GUSSO, 2011, p. 10)

1.3 A interpretação bíblica Pós-Igreja Primitiva


A seguir há a continuação do resumo que vem sendo apresentado
de como a interpretação bíblica tem evoluído. O objetivo é apenas dar
um panorama geral, sem aprofundar nas várias escolas que surgiram no
decorrer do tempo. As leituras sugeridas poderão ajudá-lo a aprofundar-
se mais nestes conhecimentos.

1.3.1 Idade Média


A interpretação bíblica da Idade Média, ao menos no Ocidente,
deve mais a Alexandria do que a Antioquia. É claro que isto não deve ser
generalizado. Aqui e ali variava o grau em que a alegorização imperava
como princípio hermenêutico. Essa tensão pode ser detectada, por
exemplo, em grandes expoentes de um período ainda anterior, como
Jerônimo e Agostinho. Via de regra, porém, alguma forma de alegorismo
prevaleceu pelos próximos mil anos.

A Bíblia era interpretada em pelo menos 2 sentidos, chegando


esse número, às vezes, até a 7. O mais comum foi o chamado quádruplo
sentido, característica do catolicismo medieval: o sentido histórico-
literal, o alegórico (que chama à fé), o moral (que governa a conduta) e o
anagógico (que diz algo sobre o destino final dos fiéis).

Bernardo de Claraval, escritor prolífico do século XI, era adepto da


quadriga. Em sua obra Sobre o Amor a Deus, ele expõe o amor da Igreja a
Cristo interpretando Cantares no uso alegórico da quadriga:

23
Nem os judeus nem os pagãos sentem as dores do amor como
a Igreja, que diz: “Sustentai-me com passas, confortai-me com
maçãs, pois desfaleço de amor” [Ct 2.5]. Ela contempla o Rei
Salomão, com a coroa com a qual sua mãe o coroou no dia do
casamento; ela vê o unigênito do Pai carregando o fardo pesado
da sua cruz. Contemplando isto, a espada do amor traspassa sua
própria alma e ela clama: “Sustentai-me com passas, confortai-
me com maçãs, pois desfaleço de amor”. Os frutos que a esposa
colhe da Árvore da Vida no meio do jardim de seu Amado são
romãs [Ct 4.13], que tomam seu gosto do Pão da Vida, e sua cor
do sangue de Cristo. (LOPES, 2007, p. 150)

Entre o que se pode considerar de exceções, é relevante mencionar


Tomás de Aquino, que procurava dar primazia ao sentido primário, e a
escola de S. Vítor, em Paris, influenciada em parte pela exegese rabínica
medieval. Ambos os casos pertencem ao fim do período, ou seja, depois
de 1100 a.D. (FEE; STUART, 1997, p. 140–141)

1.3.2 Reforma
Ainda que desde o início do Cristianismo tenham sido feitos
alguns esforços para que a Bíblia fosse interpretada a partir de princípios
gramaticais, históricos e teológicos, a principal tentativa ocorreu no século
XVI, na época dos reformadores. Opondo-se à interpretação dos eruditos
patrísticos e medievais, os reformadores enfatizaram a necessidade de
interpretar a Bíblia em seu sentido literal, destacando esse significado
como a única fonte de autoridade em matéria de religião cristã. Assim, a
Bíblia que vinha sendo interpretada à luz da tradição, passa a ter prioridade
sobre ela e a julgá-la.

Martinho Lutero abandonou o método quádruplo de interpretação


que vinha sendo praticado desde a Idade Média, chamou o método
alegórico, zombeteiramente, de “truques de macaco”, que serviam apenas
para demonstrar a esperteza do exegeta, e passou a defender que o texto
deveria ser entendido em seu significado claro, dentro de seu contexto.
Seu objetivo era garantir que o texto guiaria o entendimento, e não uma
teologia que não se podia provar. (NEWPORT, 1987, p. 53)

24
Por isso ele enfatizou a necessidade do estudo da história e das
línguas originais da Bíblia e de se buscar o significado primário, permitindo-
se outros sentidos apenas quando o próprio texto apontava para isso.

Na disputa de Leipzig (1519), ele afirmou: Nenhum crente cristão pode


ser forçado a reconhecer qualquer autoridade além da Escritura Sagrada,
que é exclusivamente investida de direito divino (BRUCE, 1977, p. 30)

João Calvino foi considerado por todos o maior exegeta da


Reforma. Suas exposições abrangem quase todos os livros da Bíblia. Seus
princípios fundamentais foram os adotados por Lutero e Melanchton,
porém ele os superou pelo fato de haver praticado sua teoria. Achava
que o método alegórico era uma artimanha satânica para obscurecer o
sentido da Escritura. Acreditava firmemente na significação tipológica de
muitas coisas do Velho Testamento, mas não concordava com a opinião
de Lutero, segundo a qual Cristo podia ser encontrado em qualquer lugar
da Escritura. Além disso, reduziu o número de Salmos que poderiam
ser considerados messiânicos. Insistiu em que os profetas deviam ser
interpretados à luz das circunstâncias históricas. Segundo lhe parecia, a
virtude por excelência de um expositor era a lúcida brevidade. Além do
mais, considerava como “primeiro dever de um intérprete, permitir que o
autor diga o que realmente diz, ao invés de lhe atribuir o que pensamos
que devia dizer”. (BERKHOF, 1965, p. 30)

Os Católicos não progrediram no campo exegético durante a


Reforma. Reagindo contra os reformadores, insistiram que a interpretação
deveria ser feita com base na versão bíblica em latim, conhecida como
Vulgata, levando-se em conta a tradição da Igreja e dos primeiros
pensadores do Cristianismo, os chamados Pais da Igreja. Em outras
palavras, não foi dado o direito da interpretação particular, só a Igreja
poderia interpretar a Bíblia. (GUSSO, 2011, p. 14)

25
1.3.3 Período das confissões de fé
O período seguinte ao da Reforma pode ser chamado de “Período
das Confissões de Fé”.

Depois do Concílio de Trento, os protestantes começaram a redigir


seus próprios credos em defesa de seus ensinamentos.

Os protestantes não aceitavam submeter suas interpretações às


normas estabelecidas pelos concílios e papas, mas, ao mesmo tempo,
ainda que na teoria afirmassem que “a Escritura interpretava a Escritura”,
na prática corriam o sério risco de terem suas interpretações atreladas
às confissões de fé, que surgiam em grande número, como resultado
das muitas divisões que havia na Igreja, problema cada vez maior na
modernidade.

Nessa época, a interpretação acabou ficando atrelada às Confissões


de Fé e, naturalmente, submissa à dogmática (Teologia Decretada),
mais conhecida nos meios evangélicos como Teologia Sistemática. Os
esforços empreendidos no estudo bíblico interpretativo, nessa época, não
passavam de uma busca de textos, provas para as declarações de fé de
antemão estabelecidas. Nessa busca, muitas vezes, as interpretações
foram “forçadas” para apoiar aquilo que já estava determinado nas
confissões como sendo verdade em matéria de fé. (GUSSO, 2011, p. 14)

Foi nesse período, como uma reação aos intérpretes confessionais,


que surgiu o movimento conhecido como Pietismo, que não se satisfaz
com a mera exatidão e doutrina fria, mas a edificação.

O termo “edificação” não precisa, de antemão, ser entendido


erroneamente no sentido de beatice superficial, mas significa a
fundamentação da existência cristã e da comunidade cristã na fé em
Cristo, mediada pela Escritura. (GUNNEWEG, 2003, p. 61)

Um de seus principais representantes, em matéria de interpretação


bíblica, foi Johann Albrecht Bengel. Ele não se limitava a interpretar e expor
os textos, mas, principalmente, a exortar a aplicação das mensagens à
vida pessoal. Os seguintes passos metodológicos eram levados em conta
na sua interpretação:

26
• O estabelecimento do texto;
• A busca dos significados das palavras;
• O contexto próximo;
• A verificação do contexto bíblico;
• Auxílio obtido na verificação do fundo histórico;
• O significado geral do texto como um todo;
• Aplicação homilética.
Ele afirmava: “Aplique todo o seu eu ao texto e todo o texto a você
mesmo.” (KISTEMAKER, 1980, p. 167)

1.3.4 Período histórico-crítico


Um dos principais motivos que levou ao surgimento do estudo
histórico-crítico da Bíblia foi o desejo de adequação à ênfase científica
dada nos meios acadêmicos nos séculos dezoito e dezenove. Com
a pressuposição de que o ser humano era o centro do universo e que
tudo deveria ser julgado por sua racionalidade, as antigas interpretações,
baseadas na fé, foram dando lugar a métodos considerados científicos.
Assim, a inspiração, bem como a infalibilidade das Escrituras, foi negada
e a Bíblia passou a ser interpretada como qualquer outro livro. Retirando
dela o valor sobrenatural, os intérpretes passaram a, apenas, discutir
questões históricas e críticas que a envolviam, o que, certamente, não
demonstrou valor prático para a Igreja.

O método histórico-crítico tirou da Bíblia o status de Palavra de


Deus e a transformou em um simples testemunho de fé do povo de Israel
e da Igreja Primitiva, dando assim origem a um liberalismo teológico que
vê os milagres como mitos ou eventos que podem ser explicados pela
própria natureza, e autoridade das Escrituras restrita a princípios éticos e
morais ora válidos universalmente, ora restritos ao tempo e espaço onde
foram escritos. (GUSSO, 2011, p. 15)

27
1.3.5 Pós-Modernidade
O pensamento pós-moderno rejeita o conceito da modernidade de
que existam verdades absolutas e fixas. Toda verdade é relativa e depende
do contexto social e cultural em que as pessoas vivem. Isso inclui verdades
religiosas. Conceitos como “Deus” são totalmente relativos. Cada um
percebe a verdade de sua própria forma. Não existe “verdade”, mas sim
“verdades” que não se contradizem, apenas complementam-se. A única
“inverdade” que existe é alguém insistir que existe verdade fixa e absoluta!
Para a mente pós-moderna, a mensagem cristã é muito ofensiva, pois
apresenta Jesus Cristo como sendo o único caminho e o Evangelho como
sendo a verdade. (LOPES, 2007, p. 197)

Influenciados por esse tipo de pensamento, lá pela metade do


século 20, começaram a surgir várias teorias hermenêuticas que podem
ser classificadas como pós-modernas. Elas são o resultado da influência
do trabalho de, entre outros, F. Schleiermacher, R. Bultmann, F. Saussure,
K. Barth, H-G Gadamer e J. Derrida. Elas se dividem em muitas, mas
possuem alguns pontos em comum, entre eles estes dois de destaque:

Saiba Mais
Um livro excelente para ajudar a entender essa época histórica
da interpretação, que entre outros pontos destaca a “morte” do
autor e a necessidade de “desconstrução” do texto, é o de Kevin
Vanhoozer, o Há um significado neste texto?: interpretação
bíblica: os enfoques contemporâneos. Nele, do ponto de vista da
teologia reformada, o autor apresenta um panorama do período,
como se chegou a essa situação e quais as consequências para
a interpretação. Seu enfoque, ainda que esteja baseado em vários
autores e correntes, destaca principalmente a obra de Derrida.

1) a ênfase na sincronia do texto e não na diacronia, ou seja, procura


analisar o texto em si, ignorando sua história;

28
2) partem do princípio de que o texto possui múltiplos sentidos e
não apenas um. Na verdade, essa abordagem parece ser uma espécie de
retorno à alegoria, em que os sentidos do texto dependem da criatividade
do intérprete e não da intenção dos autores.

Quadro – O deslocamento do sentido

AUTOR TEXTO LEITOR

Reforma e Ortodoxia Método Histórico-Crítico Novas Hermenêuticas


Protestantes (Modernidade) (Pós-Modernidade)

Busca da intenção do autor Pesquisa visando reconstruir Abandono da intenção autoral


como chave para compreensão a formação do texto bíblico e do processo formativo do texto
do texto bíblico por meio de métodos críticos do leitor com o texto

Fonte: LOPES, 2007, p. 201

#pracegover: Acima, há três círculos: o texto ao centro, o autor do lado esquerdo com
uma seta apontando para o texto e o leitor do lado direito com uma seta apontando
para o texto. Abaixo do círculo autor, lê-se o seguinte texto: Reforma e ortodoxia
protestantes. Busca da intenção do autor humano como chave para a compreensão
do texto bíblico. Abaixo do círculo texto, lê-se o texto: Método histórico-crítico
(modernidade). Pesquisa visando reconstruir a formação do texto bíblico por meio
de métodos críticos. Abaixo do círculo leitor, lê-se o texto: Novas hermenêuticas
(Pós-Modernidade). Abandono da intenção autoral e do processo formativo do texto e
foco na interação do leitor com o texto.

1.4 Síntese
Resumindo esta unidade é possível dizer que a atividade interpretativa
relativa à Bíblia existe desde que os textos bíblicos existem. Assim, para
a compreensão de partes do Novo Testamento é importante saber como
é que os Fariseus e Saduceus interpretavam a Bíblia que possuíam, bem
como a opinião de Jesus à forma que eles agiam. Também é relevante
conhecer as formas de interpretação utilizadas no período que seguiu logo
depois da época do Novo Testamento, percebendo que o entendimento do
que seja a inspiração bíblica influi diretamente na maneira de se interpretar
os textos da Bíblia.

29
Saiba Mais
Sugestão de leitura
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. São
Paulo: Cultura Cristã, 2007, p.107-139.

Ainda sobre essa breve descrição do Período Pós-Moderno, é


possível afirmar que na interpretação pós-moderna errado não existe,
pois todos estão certos, sejam quais forem as suas interpretações para
determinado texto, pois tudo depende da criatividade do leitor, com exceção,
é claro, daquele que crê na existência do certo e do errado, este, para os
pós-modernos convictos, está sempre errado. (GUSSO, 2011, p. 15)

Saiba Mais
Para um aprofundamento no tema, recomenda-se as seguintes
leituras:
ANGLADA, Paulo. Introdução à hermenêutica reformada:
correntes históricas, pressuposições, princípios e métodos
linguísticos. Ananindeau: Knox Publicações, 2006, p. 25-106.
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: uma
breve história da interpretação. São Paulo: Cultura Cristã, 2007,
p.141-237.
BERKHOF, L. (1965). Princípios de Interpretação Bíblica. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora Batista.
Obs.: O ideal para um estudo avançado da história da
hermenêutica é uma leitura completa desse livro de Augustus
Nicodemus Lopes, ou Berkhof.

30
2. Princípios e orientações
práticas para uma boa
interpretação bíblica
2. Princípios e orientações práticas para
uma boa interpretação bíblica

Introdução
Durante o estudo da evolução histórica da hermenêutica, foi possível
perceber que a maneira como se olha para a Bíblia determinará a forma
de produzir a interpretação, por isso se faz necessário, antes de começar
a definir métodos práticos que ajudarão a interpretar a Bíblia, afirmar que
para os cristãos protestantes que a Bíblia é a palavra de Deus e como tal
ela traz a revelação especial de Deus e ensina: quem Ele é, Sua vontade,
como Ele deseja relacionar-se com a humanidade e como esta deve agir.

A hermenêutica aqui apresentada tem também como princípio que


ainda que possa ser difícil, é possível entender o propósito original do
autor sagrado.

Quando se olha para a tarefa de interpretar as Escrituras a partir


dessas premissas, é perceptível quão importante é essa tarefa e que
responsabilidade ela traz. Se houver erro, por exemplo, na interpretação
de Shakespeare, não haverá problemas muito sérios. Mas, se houver erro
na interpretação bíblica, dependendo do texto, talvez as consequências
sejam eternas.

A responsabilidade da interpretação correta cresce ainda mais para


os pregadores e professores que trabalham com as Escrituras. Em seus
ensinos, eles dizem que Deus disse, mas, e se o que eles disseram não for o
que Deus disse, não estariam eles agindo como falsos profetas? O profeta
verdadeiro fala a verdadeira palavra de Deus. Por isso, a interpretação
bíblica é assunto muito sério.

Neste capítulo serão vistos princípios e orientações práticas para


melhor interpretar a Bíblia. O trabalho de interpretação é bastante duro,
e os princípios que aqui serão abordados são básicos e indispensáveis.
A intenção é a de que, depois desses estudos preliminares, procure se
aprofundar ainda mais no assunto, sempre em busca da interpretação
correta. (GUSSO, 2011, p. 17)

33
2.1 Conselho #1: a busca da orientação divina
George Mueller (1805-1898), diretor de uma série de orfanatos em
Bristol, Inglaterra, durante o século XIX, era conhecido como homem de
fé e oração. É espantoso ler as respostas à oração que esse homem teve
durante sua longa vida. O que o tornou homem de fé e oração? Durante a
vida, ele leu a Bíblia do início ao fim mais de duzentas vezes, e, em mais da
metade dessas leituras, ele o fez de joelhos, orando em cima da Palavra e
estudando-a diligentemente. (WARREN, 2003, p. 10)

A experiência desse homem ilustra dois fatos importantíssimos de


quem pretende interpretar a Bíblia: o primeiro deles é que se necessita
da ajuda do autor primário da Bíblia, o próprio Deus. Ninguém melhor do
que ele para ajudar a entender as Escrituras. Se ele iluminar os olhos será
muito mais fácil. Essa foi uma das promessas de Jesus feitas aos seus
discípulos:
João 14:26 (NVI-PT)

26 Mas o Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu


nome, lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o
que eu lhes disse.

Por isso, é imprescindível adentrar a esta tarefa em oração com um


profundo espírito de reverência, porque estamos na presença do Senhor;
humildade, porque necessitamos aprender com ele; docilidade, porque os
primeiros que precisam ser transformados pela palavra são os intérpretes;
compromisso com a verdade, porque não estamos ali para provar o nosso
ponto de vista, mas para descobrir o ensino do Senhor; dependência
espiritual, porque tudo vem dele e é para a glória dele. (ÁVILA, 2012, p. 2)

34
#pracegover: Homem ajoelhado segurando a Bíblia aberta em sua mão.

2.2 Conselho #2: textos fáceis e textos difíceis


Qualquer pessoa que já manuseou a Bíblia percebeu que a maioria
dos textos são de simples entendimento, mas há alguns que parecem
mais difíceis e outros que pode-se dizer que estão selados por Deus para
que só haja compreensão humana em um tempo determinado.
Daniel 12:8-9 (NVI-PT) 8 Eu ouvi, mas não compreendi. Por isso
perguntei: “Meu senhor, qual será o resultado disso tudo?”

9 Ele respondeu: “Siga o seu caminho, Daniel, pois as palavras


estão seladas e lacradas até o tempo do fim.

As razões que fazem um texto mais fácil ou difícil são variadas.


Algumas vezes estão ligadas ao estilo literário e que pedem de nós um
conhecimento técnico de tais estilos. Por exemplo, a poesia hebraica que
não se baseia em rimas, mas em paralelismos de ideias e mesmo assim
tem várias classes diferentes de paralelismos.

Outros se tornam difíceis pela falta de conhecimento da cultura


e dos costumes da época, outros ainda por questões de variantes
textuais, enfim são várias as questões que podem tornar um texto mais
simples ou de difícil interpretação, por isso a seguir serão apresentadas
algumas regras básicas de interpretação que podem auxiliá-lo na tarefa
de interpretar a Bíblia.

35
2.3 Conselho #3: leitura repetida e variada da
perícope escolhida
Uma primeira coisa a se fazer é tentar ler com atenção várias vezes
e, de preferência, em várias versões o texto que pretendo estudar. O
objetivo é tentar entender o melhor possível o que o autor queria ensinar,
buscando descobrir qual era o assunto principal do texto.

As várias versões ajudam a perceber como os tradutores entenderam


o texto e tentaram torná-lo mais claro para nós.

Quando as diferenças são muito grandes, isto liga o alerta para uma
pesquisa mais profunda das palavras-chave, ou a teologia do texto ou, se
possível, as línguas originais.

#pracegover: Três Bíblias diferentes empilhadas e um caderno aberto com uma caneta
sobre ele em cima de uma mesa.

36
A seguir há um exercício para ajudar a fixar. Preencha a tabela a
seguir com as suas percepções de variações mais importantes nas versões
e tente colocar no menor número de palavras possível o assunto principal
do texto que você leu várias vezes. A pergunta-chave é: Sobre o que o autor
(neste caso, Paulo) está falando neste texto? Tendo uma visão geral, fica
mais acessível o entendimento do conteúdo e suas divisões naturais.

PARTE A

EFÉSIOS
JFA RA RC

Paulo, apóstolo de Cristo Paulo, apóstolo de Cristo Paulo, apóstolo de Jesus


Efésios 1:1

Jesus pela vontade de Jesus por vontade de Deus, Cristo, pela vontade de
Deus, aos santos que aos santos que vivem em Deus, aos santos que
estão em Éfeso, e fiéis em Éfeso e fiéis em Cristo estão em Éfeso e fiéis em
Cristo Jesus: Jesus, Cristo Jesus:

Graça a vós, e paz da graça a vós outros e paz, da a vós graça e paz, da parte
parte de Deus nosso Pai, parte de Deus, nosso Pai, e de Deus, nosso Pai, e da
e do Senhor Jesus Cristo. do Senhor Jesus Cristo. do Senhor Jesus Cristo.
Bendito seja o Deus e
Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos
Efésios 1:2

abençoou com todas as


bênçãos espirituais nas
regiões celestes em Cristo;
como também nos elegeu
nele antes da fundação
do mundo, para sermos
santos e irrepreensíveis
diante dele em amor;

37
PARTE B

EFÉSIOS
NVI NTLH Principais Variações Assunto Principal

Paulo, apóstolo de Eu, Paulo, apóstolo


Cristo Jesus pela de Cristo Jesus pela
vontade de Deus, vontade de Deus,
Efésios 1:1

aos santos e fiéis escrevo esta carta


em Cristo Jesus ao povo de Deus da
que estão em cidade de Éfeso, o
Éfeso: povo que é fiel por
estar unido com Cristo
Jesus.
A vocês, graça e Que a graça e a paz
paz da parte de de Deus, o nosso
Deus nosso Pai e Pai, e do Senhor
do Senhor Jesus Jesus Cristo estejam
Efésios 1:2

Cristo. com vocês! a fim


de pertencermos
somente a Deus e nos
apresentarmos diante
dele sem culpa. Por
causa do seu amor
por nós,

38
PARTE A
EFÉSIOS
JFA RA RC
Bendito seja o Deus e Pai de Bendito o Deus e Pai de nosso Bendito o Deus e Pai de
Efésios 1:3

nosso Senhor Jesus Cristo, o Senhor Jesus Cristo, que nos nosso Senhor Jesus Cristo,
qual nos abençoou com todas tem abençoado com toda o qual nos abençoou com
as bênçãos espirituais nas sorte de bênção espiritual nas todas as bênçãos espiritu-
regiões celestes em Cristo; regiões celestiais em Cristo, ais nos lugares celestiais
em Cristo,

como também nos elegeu assim como nos escolheu, como também nos elegeu
Efésios 1:4

nele antes da fundação do nele, antes da fundação do nele antes da fundação do


mundo, para sermos santos e mundo, para sermos santos e mundo, para que fôssemos
irrepreensíveis diante dele em irrepreensíveis perante ele; e santos e irrepreensíveis
amor; em amor diante dele em amor,

que ele fez abundar para que Deus derramou abundan- que Ele tornou abundante
Efésios 1:9 Efésios 1:8

conosco em toda a sabedoria temente sobre nós em toda a para conosco em toda a
e prudência, sabedoria e prudência, sabedoria e prudência,

fazendo-nos conhecer o desvendando-nos o mistério descobrindo-nos o mistério


mistério da sua vontade, da sua vontade, segundo o da sua vontade, segundo o
segundo o seu beneplácito, seu beneplácito que propu- seu beneplácito, que propu-
que nele propôs sera em Cristo, sera em si mesmo,

para a dispensação da pleni- de fazer convergir nele, na de tornar a congregar em


Efésios 1:10

tude dos tempos, de fazer dispensação da plenitude Cristo todas as coisas, na


convergir em Cristo todas as dos tempos, todas as coisas, dispensação da plenitude
coisas, tanto as que estão nos tanto as do céu como as da dos tempos, tanto as que
céus como as que estão na terra; estão nos céus como as
terra,
que estão na terra;
nele, digo, no qual também nele, digo, no qual fomos nele, digo, em quem
fomos feitos herança, havendo
Efésios 1:11

também feitos herança, também fomos feitos


sido predestinados conforme predestinados segundo o herança, havendo sido
o propósito daquele que faz propósito daquele que faz predestinados conforme o
todas as coisas segundo o todas as coisas conforme o propósito daquele que faz
conselho da sua vontade,
conselho da sua vontade, todas as coisas, segundo o
conselho da sua vontade,
com o fim de sermos para o a fim de sermos para louvor com o fim de sermos para
Efésios 1:12

louvor da sua glória, nós, os da sua glória, nós, os que louvor da sua glória, nós, os
que antes havíamos esperado de antemão esperamos em que primeiro esperamos em
em Cristo; Cristo; Cristo;

39
PARTE B
EFÉSIOS
NVI NTLH Principais Assunto
Variações Principal
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Agradeçamos ao Deus e Pai do
Efésios 1:3

Senhor Jesus Cristo, que nos nosso Senhor Jesus Cristo, pois
abençoou com todas as bênçãos ele nos tem abençoado por estar-
espirituais nas regiões celestiais mos unidos com Cristo, dando-
em Cristo. nos todos os dons espirituais do
mundo celestial.
Porque Deus nos escolheu nele Antes da criação do mundo,
antes da criação do mundo, para Deus já nos havia escolhido
Efésios 1:4

sermos santos e irrepreensíveis para sermos dele por meio da


nossa união com Cristo, a fim de
em sua presença. pertencermos somente a Deus e
nos apresentarmos diante dele
sem culpa. Por causa do seu
amor por nós
a qual ele derramou sobre que ele nos deu com tanta
Efésios 1:10 Efésios 1:9 Efésios 1:8

nós com toda a sabedoria e fartura! Deus, em toda a sua


entendimento. sabedoria e entendimento

E nos revelou o mistério da sua e o que havia resolvido e nos


vontade, de acordo com o seu revelou o plano secreto que tinha
bom propósito que ele estabeleceu decidido realizar por meio de
em Cristo, Cristo.

isto é, de fazer convergir em Cristo Esse plano é unir, no tempo certo,


todas as coisas, celestiais ou debaixo da autoridade de Cristo,
terrenas, na dispensação da pleni- tudo o que existe no céu e na
tude dos tempos terra.

Nele fomos também escolhi- Todas as coisas são feitas de


dos, tendo sido predestinados acordo com o plano e com a
Efésios 1:11

conforme o plano daquele que decisão de Deus. De acordo


faz todas as coisas segundo o com a sua vontade e com aquilo
propósito da sua vontade, que ele havia resolvido desde o
princípio, Deus nos escolheu para
sermos o seu povo, por meio da
nossa união com Cristo.
a fim de que nós, os que primeiro Portanto, digo que nós, que
Efésios 1:12

esperamos em Cristo, sejamos fomos os primeiros a pôr a nossa


para o louvor da sua glória esperança em Cristo, louvemos a
glória de Deus.

40
1.1.1 Exercício de familiarização com o texto
Repita agora o exercício em Rm 1:26-32

PARTE A

ROMANOS
JFA RA RC

Pelo que Deus os entregou Por causa disso, os entregou Pelo que Deus os abando-
Romanos 1:26

a paixões infames. Porque Deus a paixões infames; nou às paixões infames.


até as suas mulheres porque até as mulheres Porque até as suas
mudaram o uso natural no mudaram o modo natural de mulheres mudaram o uso
que é contrário à natureza; suas relações íntimas por natural, no contrário à
outro, contrário à natureza; natureza.

semelhantemente, semelhantemente, os E, semelhantemente,


também os varões, homens também, deixando o também os varões,
deixando o uso natural contato natural da mulher, se deixando o uso natural
Romanos 1:27

da mulher, se inflamaram inflamaram mutuamente em da mulher, se inflamaram


em sua sensualidade uns sua sensualidade, cometen- em sua sensualidade uns
para com os outros, varão
do torpeza, homens com para com os outros, varão
com varão, cometendo
homens, e recebendo, em si com varão, cometendo
torpeza e recebendo em si
mesmos a devida recom- mesmos, a merecida punição torpeza e recebendo em
pensa do seu erro. do seu erro. si mesmos a recompensa
que convinha ao seu erro.
E assim como eles rejei- E, por haverem desprezado E, como eles se não impor-
Romanos 1:28

taram o conhecimento de o conhecimento de Deus, o taram de ter conhecimento


Deus, Deus, por sua vez, os próprio Deus os entregou de Deus, assim Deus os
entregou a um sentimento a uma disposição mental entregou a um sentimen-
depravado, para fazerem reprovável, para praticarem to perverso, para fazerem
coisas que não convêm;
coisas inconvenientes, coisas que não convêm;

estando cheios de toda a cheios de toda injustiça, estando cheios de toda


Romanos 1:29

injustiça, malícia, cobiça, malícia, avareza e maldade; iniquidade, prostituição,


maldade; cheios de inveja, possuídos de inveja, homicí- malícia, avareza, maldade;
homicídio, contenda, dolo, dio, contenda, dolo e maligni- cheios de inveja, homicí-
malignidade; dade; sendo difamadores, dio, contenda, engano,
malignidade;

41
PARTE B

ROMANOS
NVI NTLH Principais Assunto
Variações Principal
Por causa disso Deus Por causa das coisas que
Romanos 1:26

os entregou a paixões essas pessoas fazem,


vergonhosas. Até suas Deus as entregou a paixões
mulheres trocaram suas vergonhosas. Pois até as
relações sexuais naturais mulheres trocam as relações
por outras, contrárias à naturais pelas que são contra
natureza. a natureza.
Da mesma forma, E também os homens
os homens também deixam as relações naturais
abandonaram as com as mulheres e se
relações naturais com as queimam de paixão uns
Romanos 1:27

mulheres e se inflamaram pelos outros. Homens têm


de paixão uns pelos relações vergonhosas uns
outros. Começaram a com os outros e por isso
cometer atos indecentes, recebem em si mesmos o
homens com homens, e castigo que merecem por
receberam em si mesmos causa dos seus erros.
o castigo merecido pela
sua perversão.
Além do mais, visto que E, como não querem saber
Romanos 1:28

desprezaram o conhe- do verdadeiro conhecimen-


cimento de Deus, ele to a respeito de Deus, ele
os entregou a uma entregou os seres humanos
disposição mental aos seus maus pensamen-
reprovável, para prati- tos, de modo que eles fazem
carem o que não deviam. o que não devem.
Tornaram-se cheios de Estão cheios de todo tipo
Romanos 1:29

toda sorte de injustiça, de perversidade, maldade,


maldade, ganância e ganância, vícios, ciúmes,
depravação. Estão cheios crimes de morte, brigas,
de inveja, homicídio, riva- mentiras e malícia. Caluniam
lidades, engano e malícia.
São bisbilhoteiros,

42
PARTE A

ROMANOS
JFA RA RC

néscios, infiéis nos contra- insensatos, pérfidos, sem néscios, infiéis nos contra-
Romanos 1:31

tos, sem afeição natural, afeição natural e sem tos, sem afeição natural,
sem misericórdia; misericórdia. irreconciliáveis, sem
misericórdia;

os quais, conhecendo bem Ora, conhecendo eles a os quais, conhecendo a


o decreto de Deus, que sentença de Deus, de que justiça de Deus (que são
Romanos 1:32

declara dignos de morte os são passíveis de morte os dignos de morte os que


que tais coisas praticam, que tais coisas praticam, tais coisas praticam), não
não somente as fazem, não somente as fazem, mas somente as fazem, mas
mas também aprovam os
também aprovam os que também consentem aos
que as praticam.
assim procedem. que as fazem.

PARTE B

ROMANOS
NVI NTLH Principais Assunto
Variações Principal
são insensatos, desleais, são imorais, não cumprem
Romanos 1:31

sem amor pela família, a palavra, não têm amor por


implacáveis. ninguém e não têm pena dos
outros.

Embora conheçam o justo Eles sabem que o manda-


decreto de Deus, de que mento de Deus diz que
Romanos 1:32

as pessoas que prati- aqueles que fazem essas


cam tais coisas merecem coisas merecem a morte.
a morte, não somente Mas mesmo assim conti-
continuam a praticá-las, nuam a fazê-las e, pior ainda,
mas também aprovam aprovam os que fazem as
aqueles que as praticam. mesmas coisas que eles
fazem.

43
Se você tentou fazer esse exercício, logo deve ter percebido que o
texto escolhido estava no meio de um argumento. Se você se lembra de
suas aulas de língua portuguesa, logo verá que os termos pelo que... ou
por causa disso ... o remetem ao contexto anterior.

E aqui há uma regra básica de interpretação: Nunca considere um


texto fora do seu contexto.

Por isso, o próximo exercício será tentar descobrir qual o assunto


principal e quais os pontos de início e término da argumentação do autor
sobre o mesmo assunto.

Esta pesquisa delimita o texto principal e ajuda a ter uma


compreensão mais clara dos argumentos que estão sendo usados.
Sem isso, a interpretação poderá se afastar muito da intenção do autor
principal.

Para isso, leia o que vem antes e o que vem depois deste texto e tente
marcar os seus limites por meio de um senso natural dos argumentos.

Cuidado! Alguns autores bíblicos têm o costume de fazer parênteses


quando incluem um novo assunto no meio de outro e depois voltam ao
assunto principal. O texto que sugerimos não contém isto, mas Paulo
adora usar esse recurso.

Quais foram os limites utilizados por Paulo tratando do mesmo


assunto que você conseguiu encontrar?

O próximo passo é testar esses limites de uma maneira mais objetiva.


A maneira de fazer isto é tentar observar repetições de substantivos ou
locuções verbais semelhantes e depois comparar com o que vem antes e
depois do nosso texto. Use o seguinte formulário:

44
Saiba Mais
Locução verbal é um fenômeno linguístico muito comum no
português falado. Consiste no uso de dois ou mais verbos para
expressar um único sentido. Normalmente, o primeiro verbo
expressa o tempo da ação e a pessoa do discurso e o segundo a
ação em si. Exemplo: Vai chover ao invés de choverá. Vai – verbo
“ir” no futuro do indicativo (terceira pessoa do singular); chover –
verbo no infinitivo indicando qual a ação que acontecerá.
O uso mais comum das locuções verbais ocorre com o gerúndio,
que é quando uma ação ocorre no momento da fala. Exemplo: Estou
falando com você em vez de Falo contigo neste momento. Estou –
verbo “estar” no presente do indicativo (primeira pessoa do singular);
falando – verbo “falar” conjugado no gerúndio. Outro exemplo para
gerúndio: Estamos aguardando uma resposta. Estamos – verbo no
presente do indicativo (primeira pessoa do plural); aguardando –
verbo “aguardar” conjugado no gerúndio, expressando o aspecto do
verbo (que ocorre no momento da fala, neste caso).

Texto bíblico’ Palavras Letra e número Assunto


ou frases de repetições (em principal
versículo a semelhantes algumas vezes
versículo são possíveis (Este teste
ter diferentes ajuda a verificar
palavras ou frases se o assunto
semelhantes. Elas escolhido é o
são representadas mesmo que
pelas letras e o o autor está
número a seguir discorrendo ou
representa a se ele mudou de
quantidade de assunto)
vezes que foi
repetida até aquele
momento. Exemplo
A1, A2 ou B3)

45
Bem, qual foi a sua conclusão? Você acertou os limites sem o teste?
E o assunto? Você continua crendo de que se trata do mesmo assunto?

É importante notar que, ao trabalhar mais o texto, muitas vezes


é possível que a primeira impressão estava equivocada, e que precisa
conhecer mais o texto para poder ter certeza de suas interpretações.
Outra dica importante é saber que as divisões em capítulos e versículos
nunca fizeram parte do texto original, e foram feitas muito tempo depois
na história para facilitar a busca de um texto na Bíblia, por isso nem
sempre estas divisões indicam a verdadeira delimitação do texto. Uma
terceira dica é que a maioria dos títulos que aparecem na Bíblia também
foram notas de editores do Texto Sagrado, exceto alguns salmos em que
tais títulos aparecem como o primeiro versículo no texto hebraico.

2.4 Síntese
Neste capítulo foi possível compreender princípios-chaves para a
realização da atividade hermenêutica. O primeiro princípio foi o de buscar
a orientação divina na interpretação, pois o Espírito Santo pode guiar o
entendimento do intérprete para o que Deus quer dizer.

O segundo princípio é o de que há textos fáceis e textos difíceis


de serem interpretados e há uma forma de lidar com cada um deles. De
maneira geral, é importante considerar o fato de que a Bíblia interpreta a
própria Bíblia.

O terceiro princípio encaminha para a atividade de familiarização


com o texto, de forma a dar a orientação de que o intérprete deve ler
em variadas traduções e diversas vezes o texto escolhido, para ter uma
compreensão mais profunda do sentido do texto.

46
3. O triângulo da análise:
contexto textual, histórico
e cultural
3. O triângulo da análise: contexto textual,
histórico e cultural
A primeira grande regra da interpretação bíblica que é ensinada é
nunca tentar interpretar um texto bíblico fora do seu contexto.

Também é ensinado que para poder interpretar é preciso entender


melhor o texto, por isso lê-lo várias vezes em diversas versões diferentes
tentando perceber o que essas diferenças podem indicar.

Uma terceira lição é a de checar os limites do texto para que se


possa destacar o assunto de que ele trata e seus argumentos naturais.

Assunto e argumentos do autor são uma grande chave para a


entender a intensão e o ensino do autor original.

Neste capítulo, será demonstrada uma nova ferramenta de


familiarização com o texto, ela tem como propósito ajudar a confirmar
o assunto principal, os argumentos para entendê-lo corretamente,
buscando a relevância para a vida.

3.1 Análise da estrutura textual


Para o exercício, será utilizado o texto de Efésios 4:22-32 na versão
da NVI. Lembre-se, este é só um exemplo que deveria ser executado após
os passos apresentados na lição anterior, mas para efeito didático será
iniciado diretamente com o texto.
Efésios 4:22-32 (NVI-PT)

22 Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados


a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos
enganosos,

23 a serem renovados no modo de pensar e

24 a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a


Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade.

25 Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar

49
a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um
mesmo corpo.

26 “Quando vocês ficarem irados, não pequem”. Apaziguem a


sua ira antes que o sol se ponha,

27 e não deem lugar ao Diabo.

28 O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo


de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem
estiver em necessidade.

29 Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a


que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para
que conceda graça aos que a ouvem.

30 Não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês


foram selados para o dia da redenção.

31 Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e


calúnia, bem como de toda maldade.

32 Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros,


perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em
Cristo.

O primeiro passo é tentar definir o assunto deste texto. Afinal de


contas, do que Paulo está falando?

Aparentemente, Paulo está falando do novo estilo de vida que um


cristão comprometido com Jesus deve ter. Você concorda?

O segundo passo é tentar organizar os argumentos que ele usa


para discorrer o tema.

Neste momento, não se coloca ideias pessoais, não é um sermão.


É uma ferramenta para que se possa observar o texto, como ele está
estruturado. É montar um mapa mental do tema discorrido pelo apóstolo.

Há muitas maneiras de fazer um mapa mental, a mais simples é


organizar as ideias indicando os versos de onde vieram e como elas estão
relacionadas entre si.

50
Eis a seguir como fazer isto passo a passo.

O texto mostra que o assunto tem dois argumentos principais:

O Estilo de Vida Cristão

Despir-se do Vestir-se do
Velho Homem Novo Homem

#pracegover: dois tópicos associados a um tema principal. O tema principal é “o estilo de


vida cristão” e os tópicos são “despir-se do velho homem” e “vestir-se do novo homem”.

Estes argumentos têm desdobramentos os quais são chamados de


argumentos secundários, por exemplo o vestir-se do novo homem é
qualificado como se segue:

O Estilo de Vida Cristão

Despir-se do Vestir-se do
Velho Homem Novo Homem v.24
Sendo renovado
Criado para ser no modo de pensar v.23
semelhante a Deus v.24

em justiça v.24 em santidade v.24

proveniente
da verdade v.24

#pracegover: Os mesmos dois tópicos anteriores associados ao tema principal. No


tópico “vestir-se do novo homem”, há outros dois subtópicos associados a ele. São
eles “sendo renovado no modo de pensar (v. 23)” e “criado para ser semelhante a Deus
(v. 24)”, que se subdivide em “proveniente da verdade (v. 24)”, “em Justiça (v. 24)” e “em
Santidade (v. 24)”.

51
Veja como ficaria o exercício no texto todo.

O Estilo de Vida Cristão

Despir-se do Vestir-se do
Velho Homem v.22 Novo Homem v.24
Sendo renovado
Porque somos membros Falar a verdade
abandonar a mentira Criado para ser no modo de pensar v.23
de um mesmo corpo
semelhante a Deus v.24

Não deem lugar ao diabo em justiça v.24 em santidade v.24

Apaziguem a ira antes proveniente


Não furte mais
que o sol se ponha da verdade v.24

Nenhuma palavra torpe trabalhe para ter o que repartir


saia da boca de vocês com quem necessita

conceda graça Palavra útil para edificar


Não entristeçam o Vocês foram selados aos que a ouvem conforme a necessidade
Espírito Santo de Deus para o dia da redenção

Livrem-se de Sejam bondosos


toda a amargura

Sejam compassivos uns para com os outros


Livrem-se de toda ira
Perdoem-se Assim como Deus
mutuamente os perdoou em Cristo
Livrem-se de
toda gritaria

Livrem-se de
toda calúnia

Livrem-se de
toda maldade

FONTE: o autor.

52
Outra maneira de fazer isto é na forma de estrutura de tópicos, que
ficaria mais ou menos assim:
1. Estilo de vida Cristã (Ef 4:22-32)
1.1 Despir-se do velho homem v. 22
1.2 Vestir-se do novo homem v. 24
1.2.1 Criado para ser semelhante a Deus
1.2.1.1 Em justiça v. 24
1.2.1.2 Em Santidade v. 24
1.2.1.3 Proveniente da verdade
1.2.2 Sendo renovado no modo de pensar
Outra maneira, ainda, de fazer a elucidação da estrutura textual é
tentando analisar os modificadores gramaticais do texto. Isto ajuda a
discernir as orações principais das secundárias, no entanto exige mais
em termos de conhecimentos técnicos tanto das línguas originais quanto
da gramática portuguesa. Veja um exemplo:

Efésios 1:

3 Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em
Cristo.

BENDITO SEJA O DEUS (Oração principal)

e Pai
de Jesus Cristo

nosso Senhor

QUE ABENÇOOU (Oração subordinada)

Nos
Com todas as bênçãos

Espirituais
Nas regiões celestiais
Em Cristo Jesus

Fonte: o autor.

53
A maneira como você faz não é tão importante, desde que você
entenda o que está fazendo.

Agora, tente completar o esquema do seu texto e guarde-o muito


bem, pois você precisará dele para continuar o exercício.

3.1.1 Significação
Se foi possível entender o assunto e os argumentos usados pelo
autor, está na hora de perceber o quanto você é capaz de compreender
as expressões que foram usadas no texto. Assim, tente colocar em suas
próprias palavras o significado de cada uma destas expressões colocadas
nas caixas de textos do esquema.

É bom enfatizar que uma das regras da interpretação bíblica é, o


quanto seja possível, tomar as palavras em seu sentido usual e comum,
pois os autores sagrados desejavam que as pessoas entendessem o que
eles estavam falando sem que maiores explicações dos termos lhes fossem
dadas (LUND, 1968, p. 12). Outra dica é perceber se o sentido da palavra
que se está atribuindo condiz com o sentido da frase como um todo.

Na linguagem bíblica, como em outra qualquer, existem palavras


que variam muito em seu significado, segundo o sentido da frase ou
argumento em que ocorrem. Importa, pois, averiguar e determinar sempre
qual seja o pensamento especial que o escritor se propõe a expressar,
e assim, tomando por guia este pensamento, poder-se-á determinar o
sentido positivo da palavra que apresenta dificuldade. Por exemplo,
“fé” pode significar confiança e outros lugares um conjunto de crenças.
(LUND,1968, p. 15)

Encontre nas passagens mencionadas a seguir qual o sentido da


palavra “casa” em cada uma delas:

a. Josué 24.15
b. Isaías 2.3
c. João 14.2
d. João 19.27

54
Como você pode notar uma mesma palavra pode ter vários
significados, por isso há que se levar em conta o sentido da frase.

Agora, volte ao exercício de interpretação. Provavelmente alguma


das palavras de Efésios 4 não pode ser compreendida nem com o
auxílio do sentido da frase. Se isto aconteceu, você precisará de ajuda
adicional, como, por exemplo, de um dicionário da língua portuguesa ou
um dicionário bíblico, ou quem sabe, se você tem acesso, verificando o
sentido de algumas destas palavras na língua usada pelo autor.

Neste momento, não há razão para ser exaustivo na pesquisa, o que


se pretende é ver se a compreensão do sentido das palavras é clara e se
a estrutura do texto também.

O próximo passo é tentar trazer para sua própria realidade o que o


texto está dizendo, ou seja, como estas verdades bíblicas podem e devem
ser aplicadas a sua vida. No que elas são relevantes para você?

3.1.2 Contexto próximo e remoto


A regra fundamental de interpretação bíblica é que a Bíblia é a maior
intérprete dela mesma (LUND, 1968, p. 10). Ou seja, ninguém melhor do
que a palavra de Deus para ajudar a compreender ela mesma. Ou como
Paulo ensinou é preciso conferir coisas espirituais com espirituais.
Por isso, é necessário levar em conta o que é chamado de contexto
próximo e contexto remoto.
Contexto próximo é o que aquele livro da Bíblia entende pelo tema
ou palavras que são usadas. O contexto remoto é o que a Bíblia toda
ensina sobre este tema ou o conceito que forma sobre aquelas palavras.
Normalmente, começa-se olhando para o livro da Bíblia, depois, o
mesmo autor em vários outros livros e depois toda a Bíblia.
Para realizar tal tarefa, você precisará usar alguns recursos. O
primeiro e mais natural é o seu próprio conhecimento da Bíblia. Quanto
mais você lê a Bíblia, mais dela mesma fica guardado em sua mente. À
medida que você a estuda, os conceitos gerais dos temas ou de palavras-
chave vêm logo a sua lembrança, por isso um bom intérprete precisa ter
uma disciplina diária de leitura da Bíblia.

55
Mas existem também ferramentas que ajudam a construir esses
conceitos. Entre elas estão as referências que a maioria das Bíblias
possuem.

Outra ferramenta são as Bíblias de estudo. No mercado, há muitas


delas, mas para esse propósito, duas se destacam: a Bíblia de Estudo NAA
(2018) e a Bíblia de Estudo Dake DAKE (2017).

Uma ferramenta poderosa é a Concordância Exaustiva do


Conhecimento Bíblico Sociedade Bíblica do Brasil (2002) e suas similares
em inglês e espanhol, tais como: El tesoro del conocimiento bíblico:
referencias bíblicas y pasajes paralelos (2011), The new treasury of
scripture knowledge Smith (1992) e The Treasury of Scripture knowledge
Blayney et al.

Há também as concordâncias temáticas. A mais conhecida na


língua portuguesa é a Thompson, que se encontra nas Bíblias Vida Nova
e Thompson Thompson (2000).

Dicionários bíblicos e concordâncias bíblicas também são muito


úteis.

56
Nesta etapa, o que se faz é tentar descobrir como certos conceitos
são elaborados na Bíblia, de modo a trazer mais clareza para o sentido
do texto.

Veja alguns exemplos de passagens paralelas do texto de Efésios 4:


Cl 3 (NVI)

5 Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena


de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e
a ganância, que é idolatria. 6 É por causa dessas coisas que vem
a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência, 7 as quais
vocês praticaram no passado, quando costumavam viver nelas.
8 Mas agora, abandonem todas estas coisas: ira, indignação,
maldade, maledicência e linguagem indecente no falar. 9 Não
mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do
velho homem com suas práticas 10 e se revestiram do novo, o
qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu
Criador.

11 Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu,


circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas
Cristo é tudo e está em todos.

12 Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e amado,


revistam-se de profunda compaixão, bondade, humildade,
mansidão e paciência. 13 Suportem-se uns aos outros e perdoem
as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o
Senhor lhes perdoou. 14 Acima de tudo, porém, revistam-se do
amor, que é o elo perfeito.

15 Que a paz de Cristo seja o juiz em seu coração, visto que


vocês foram chamados para viver em paz, como membros de
um só corpo. E sejam agradecidos. 16 Habite ricamente em
vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos
outros com toda a sabedoria, e cantem salmos, hinos e cânticos
espirituais com gratidão a Deus em seu coração. 17 Tudo o que
fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do
Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai.

Zc 8 (NVI)

16 Eis o que devem fazer: Falem somente a verdade uns com os


outros, e julguem retamente em seus tribunais;

17 não planejem no íntimo o mal contra o seu próximo, e não


queiram jurar com falsidade. Porque eu odeio todas essas
coisas”, declara o Senhor.

57
Sl 4 (NVI)

4 Quando vocês ficarem irados, não pequem; ao deitar-se


reflitam nisso, e aquietem-se.

Sl 37 (NVI)

8 Evite a ira e rejeite a fúria; não se irrite: isso só leva ao mal.

Pode-se ainda usar ferramentas de teologia bíblica e dicionários


teológicos, mas estas são ferramentas mais avançadas as quais serão
trabalhadas no próximo estudo.

Prática
Bem, para ter uma melhor efetividade de aprendizagem, tente
trabalhar na pesquisa dos contextos na interpretação do nosso
texto. Para ajudar no processo didático, continue a trabalhar no
texto de Efésios 4. Faça uma leitura do livro todo e veja o que ele
acrescenta ou clarifica ao tema do novo estilo de vida do cristão.
(Obs.: este tema é ampliado no livro, então reflita isto no seu
trabalho). Faça anotações esquemáticas sobre o que você pode
descobrir. Depois, procure em outros escritos de Paulo o que
trata sobre o mesmo tema e, por fim, veja o que consegue sobre
o tema em toda a Bíblia. Inclua estes dados em suas anotações
esquemáticas. Reserve uma cópia para você poder continuar os
seus estudos.
Esta é uma etapa trabalhosa, mas muito enriquecedora para a
sua compreensão.

58
3.2 Análise do contexto histórico e cultural
A Bíblia é uma coleção de livros que foi produzida há muito tempo.
Alguns de seus livros têm mais de três mil anos de existência, e muitos
dos fatos narrados em suas páginas são bem mais antigos ainda, os
quais foram transmitidos pela tradição oral até serem fixados na forma
escrita. Então, para que se consiga uma melhor compreensão de seus
textos, é necessário que também seja possível conhecer algo a respeito
dos costumes e da época em geral em que eles surgiram.

Cada passagem foi produzida em um momento específico, e isso tem


que ser levado em conta pelo intérprete. Olhar para o texto bíblico como se
ele fosse contemporâneo seria um erro, pois ele, realmente, não é.

Dessa forma, o intérprete interessado em entender o texto bíblico


também precisa buscar conhecer o que está por trás dele para que possa
haver uma boa interpretação (GUSSO, 2011, p. 35)

Uma das regras básicas de interpretação afirma que, visto que a


Bíblia foi escrita no meio da história, só pode ser entendida na íntegra,
considerando o contexto histórico. (WARREN, 2003, p. 156)

Quando se estuda o contexto histórico e cultural, o panorama


encarado é o cenário em que o texto foi escrito. Este cenário envolve
a história daquele tempo, os problemas que envolviam a vida dos que
estavam lendo aquela mensagem, a geografia do lugar, os costumes, as
comprovações arqueológicas de determinados fatos e muito mais coisas
que possam ajudar você a entender o texto.

O contexto histórico e cultural lança luzes a questões que podem


parecer difíceis, mas que para os primeiros leitores eram comuns ao dia
a dia deles.

Por exemplo, quando conta-se nos evangelhos que Maria havia


sido dada em casamento a José e que o nascimento de Jesus era virginal
logo pode surgir a pergunta como ela era casada e não fazia sexo com
seu marido? Mas ao estudar os costumes daquele tempo é possível
perceber que o que se chama de noivado hoje era um instrumento legal

59
que só poderia ser desfeito por meio do divórcio e que o casamento só
se consumava aproximadamente um ano após o compromisso entre as
famílias.

Ao olhar para os livros históricos do Antigo Testamento, logo


percebe-se a necessidade de entender mais a história de Israel e Judá, as
situações políticas locais e globais, as questões econômicas da região e
assim por diante, sem estes dados muito do que ali é descrito fica opaco,
perde o seu brilho diante dos olhos do leitor.

Por isso, o propósito deste tópico é tentar ajudá-lo a saber como


desenvolver um estudo que possa contribuir para a melhor compreensão
do texto bíblico.

Por ser este um trabalho pesado, a sugestão é que você aplique com
esmero este estudo a cada novo livro da Bíblia que venha a pesquisar e que
acrescente dados a este bom trabalho à medida que novos materiais lhe
sejam fornecidos ou novas descobertas alterem o cerne do seu trabalho.

A seguir, você verá um roteiro de pesquisa que pode auxiliá-lo na


busca destas informações:

3.3 Pesquisa histórica e cultural: proposta de


roteiro de pesquisa

1 I. O AUTOR DO LIVRO
1. Quem é o autor (o significado do seu nome)?
2. Há provas internas ou externas de autoria (veja ICo 16.21)?
3. Quais os outros livros que ele escreveu?
4. Quais os outros livros que mencionam seu nome ou feitos?
5. Qual a sua profissão?
6. Que tipo de pessoa ele era (veja Jeremias 1.6)?

60
2 II. OS DESTINATÁRIOS DO LIVRO
1. A que grupo racial o livro se dirige (judeus, gentios)?
2. Qual a perspectiva religiosa deles?
3. Que palavra(s) é(são) usada(s) para caracterizá-los?
4. Qual era a posição social deles (pobreza, nobreza)?
5. Quem eram seus líderes?
6. De que eles viviam (agricultura, comércio)?

3 III. DATA E A ÉPOCA DO LIVRO


1. Em que ano o livro foi escrito?
2. Que guerra, ação inimiga ou catástrofe natural ameaçava
ou aconteceu?
3. Que líder secular dominava o cenário político?

4 IV. O CONTEXTO GEOGRÁFICO DO LIVRO


1. Quais países e cidades se destacam no livro? Que locais
específicos são enfatizados?
2. Que rio(s), montanha(s) ou planície(s) forma(m) o palco
onde Deus atua para se revelar?

5 V. AS CONFIRMAÇÕES ARQUEOLÓGICAS DO LIVRO


1. Quais objetos ou inscrições arqueológicas confirmam os
eventos e/ou personagens do livro?

61
6 VI. O CENÁRIO CULTURAL DO LIVRO
1. Quais superstições, tabus ou elementos de magia
aparecem?
2. Qual o valor conferido à família?
3. Quais costumes aparecem quanto à alimentação, guerra,
religião, ao vestuário, comércio, idioma etc.?
4. Qual o código ético/moral demonstrado?

7 VII. O TEMA TEOLÓGICO DO LIVRO


1. Qual o assunto geral do livro (salvação, santificação,
julgamento)?
2. Que frase ou combinação de palavras se repete? Que
tema isto sugere para o livro?
3. Segundo os livros técnicos, qual seu tema?

8 VIII. INFORMAÇÕS INTERESSANTES


1. Que outras descobertas interessantes a sua pesquisa
revelou sobre o cenário por de trás do texto?

É importante lembrar que este roteiro é uma sugestão de abordagem,


nem todas as questões poderão ser respondidas em todas as pesquisas,
bem como outras questões talvez sejam incluídas e respondidas à medida
que você desenvolve a sua pesquisa.

A esta altura, você já deve estar pensando: Onde vou encontrar as


respostas a todas estas perguntas? Muita gente já investiu a sua vida
inteira para tentar responder perguntas como estas e suas pesquisas
estão a nossa disposição em várias ferramentas, como: introduções
bíblicas, dicionários bíblicos, introduções de bons comentários bíblicos,
manuais bíblicos, atlas, livros sobre arqueologia e geografia bíblica,
história do AT e do NT, livros sobre costumes e tradições bíblicas etc.

62
Você já viu que para ser um bom intérprete da Bíblia é preciso ter
pelo menos uma biblioteca básica de referência para dar suporte as
suas pesquisas, por isso desde logo comece a construir a sua e tenha
pelo menos: um bom dicionário bíblico, comentário geral da Bíblia,
concordância bíblica e introdução ao Velho e ao Novo testamento.

Bem, chegou a hora de colocar em prática o que aprendeu, sua


tarefa é tentar pesquisar o contexto histórico e cultural do livro de Efésios.
Você deve entregar este trabalho na próxima aula e guardar uma cópia
com você para prosseguir os seus estudos.

Ao terminar, volte ao esquema geral que você fez sobre o tema da


nova vida de um cristão baseado em Ef 4 e seguintes e veja o que este
estudo lançou de novas luzes a sua compreensão do tema, tente refletir
isto naquele esquema.

3.4 Síntese
O presente capítulo esclareceu a relevância do contexto, sendo
ele histórico, cultural e textual. Cada contexto, a sua maneira, tem sua
influência na interpretação textual bíblica.

É imprescindível que você, como intérprete bíblico, saiba buscar as


informações que esclarecem os contextos de cada texto, uma vez que
eles determinam a interpretação a que você irá chegar.

Foi apresentado um roteiro que comtempla cada detalhe contextual


que poderá lhe fornecer ferramentas para o melhor exercício interpretativo
em sua análise. Utilize as dicas que foram dadas com sabedoria e
aproveite o máximo de seu aprendizado. 

63
4. Gramática como aliada:
análise das estruturas
linguística e literária de
textos bíblicos
4. Gramática como aliada: análise das
estruturas linguística e literária de textos
bíblicos
Para fazer uma interpretação de textos válida, é imprescindível
conhecer as características textuais que compõem os textos a serem
analisados.

Para isso, existem classificações com relação a gêneros e figuras de


linguagem que irão auxiliar nesse processo. São elas os gêneros literários
e as figuras de linguagem. Compreender essas características textuais e
ser capaz de classificar corretamente o texto influencia na interpretação
correta do texto bíblico.

4.1 Gêneros literários


Nem sempre é fácil explicar o que é um gênero ou uma forma
literária. Fato é que, ao se comunicarem, as pessoas fazem uso de certos
padrões de linguagem convencionados (isto é, que todos aceitam) e
que são repetitivos. Existe uma maneira de dar um telefonema, contar
uma piada, escrever uma carta ou um e-mail, elaborar um cardápio ou
uma lista de compras, anotar a receita de um bolo, redigir a bula de um
remédio, compor um artigo para uma revista científica ou dar uma aula.
Todos estes são exemplos de gêneros.

Gênero é, pois, um padrão de linguagem, que tanto pode ser oral


quanto escrito, que se repete e pode ser reconhecido a partir de certas
características que são observadas por meio de exemplos concretos
específicos. Em outras palavras, de tanto ver poesia, a pessoa acaba por
aprender o que é poesia. (SCHOLZ, 2006, p. 75)

No entanto, a variação dos métodos de transmissão não altera em


nada o valor da Palavra de Deus, ou seja, se a mensagem for transmitida
em forma poética é Palavra de Deus, se for por uma narrativa histórica é
Palavra de Deus, se for por um provérbio também, e assim por diante. Não

67
há um gênero literário melhor do que o outro, todos os utilizados na Bíblia
possuem o mesmo propósito: transmitir a mensagem de Deus. Agora, o
que é necessário é distinguir essa variedade de gêneros, pois cada tipo
tem suas formas corretas de interpretação. (GUSSO, 2011, p. 37)

4.1.1 Poesia
Um dos gêneros literários mais usados na Bíblia é a poesia. Estilo
utilizado em cerca de um terço do AT, mas, diferentemente da poesia
ocidental, o principal recurso não é a rima de sons, mas a chamada rima
de ideias, que é conhecida como paralelismo.

Esse conceito de paralelismo foi desenvolvido por Robert Lowth,


em 1753. Lowth identificou três tipos de paralelismo: sinônimo, antitético
e sintético.

No paralelismo sinônimo, a segunda linha é quase que uma


repetição da primeira. Um exemplo disso é Salmos 144.3: “Senhor, que é
o homem para que dele tomes conhecimento? / e o filho do homem para
que o estimes?”

No paralelismo antitético, a segunda linha, normalmente introduzida


por “mas” ou “porém”, se contrapõe ao que é dito na primeira. Salmos
20.7 é um exemplo disso: “Uns confiam em carros, outros em cavalos;
nós, porém, nos gloriamos em nome do Senhor nosso Deus”.

No sintético, as duas linhas se juntam para formar um pensamento


completo. Um exemplo é Salmos 94.11: “O Senhor conhece os
pensamentos do ser humano, e sabe que são pensamentos vãos.”
(SCHOLZ, 2006, p. 86-87)

4.1.2 Apocalíptico
Carregado de simbolismos, imagens, visões e revelações, este tipo
de literatura aparecia com mais frequência em momentos de grande
perseguição contra judeus ou cristãos.

68
Nele, percebe-se um estado de tensão entre justos e ímpios, reino
de Deus e reino dos homens, com resultados de recompensa para ambos.

No AT, aparece nos livros de Daniel e


Zacarias e no NT, no Apocalipse de João.
Entretanto, no período intertestamentário,
houve uma proliferação deste tipo
de literatura aparecendo livros como
o de Henoc e outros considerados
pseudoepígrafos.

A literatura apocalíptica, muito


mais que previsões, contém verdadeiros
tratados de fé com o objetivo de confortar
os fiéis perseguidos e exortá-los a
permanecerem firmes. Em síntese, o
apocalipse é um documento da resistência
dos fiéis. (DUARTE, 2011, p. 49)

A tarefa do intérprete é determinar


qual sentido figurado o símbolo possui
no contexto maior. Isso significa que o
verdadeiro significado não será encontrado
em nossa situação presente, mas sim no
uso desse símbolo em seu antigo contexto.
Por isso, o intérprete deve, em primeiro
WEST, Benjamin. A mulher vestida
lugar, ter em vista o “significado pretendido
com o sol foge da perseguição do pelo autor” no contexto original, para em
dragão, ca. 1797. Óleo sobre papel seguida propor o modo como as profecias
deitado em painel de madeira. 149
x 69 cm. Princeton, Estados Unidos se aplicam ao nosso tempo. Quanto aos
da América. Princeton University Art eventos preditos, espera-se que os leitores
Museum. vejam a mão de Deus no futuro, mas não se
#pracegover: Imagem ilustrativa espera que saibam a sucessão exata dos
da cena descrita por João em eventos ou como eles acontecerão. Assim,
Apocalipse 12:5, que diz: E deu à
luz um filho homem que há de reger a chave sempre será a ideia teológica
todas as nações com vara de ferro; e central de toda a passagem levando-se
o seu filho foi arrebatado para Deus e em conta o contexto histórico e bíblico.
para o seu trono.
(OSBORNE, 2009, p. 361-363)

69
4.1.3 Cartas
É também chamado de literatura epistolar e refere-se às epístolas
do Novo Testamento. As Epístolas geralmente incluem dois tipos de
material: (a) discurso expositivo, que expõe certas verdades ou doutrinas,
muitas vezes com apoio lógico para essas verdades, e (b) discurso
exortativo, que inclui exortações para seguir certos cursos de ação ou
desenvolver certas características à luz das verdades apresentadas no
material do discurso expositivo.

Muitas das Epístolas foram dirigidas a grupos locais específicos de


crentes ou indivíduos (como Timóteo, Tito e Filemom). Este fato levanta
a questão de como é importante relacionar as Epístolas e as situações
específicas que a eles foram endereçadas à realidade nos dias de hoje.
Talvez a primeira coisa que o intérprete deve compreender é que, por
questões culturais ou estritamente locais, nem todos os ensinos podem
ser aplicados de modo universal a todas as pessoas, locais e épocas
diferentes. (ZUCK, 1991, p. 134)

Diante disso, surge a grande questão: como discernir o que é aplicado


universalmente do que não é? Para tanto, é interessante que você leia as
páginas 45-62 de: “Entendes o que lês?” (FEE; STUART, 1997, p. 54-60) e
faça um resumo destes princípios para uma melhor compreensão.

4.1.4 Narrativas
Uma narrativa bíblica é uma história contada com o propósito
de transmitir uma mensagem por meio de pessoas, seus problemas e
situações.

As narrativas bíblicas não pretendem ser biografias completas


dando todos os detalhes da vida dos indivíduos; os escritores selecionaram
cuidadosamente o material que incluíam (obviamente, fizeram isso sob a
inspiração do Espírito Santo) para realizar certos propósitos.

70
De modo geral, as narrativas seguem um padrão em que um
problema ocorre perto do início da narrativa, com complicações crescentes
que atingem o clímax. E então se move em direção à solução e conclui
com o problema resolvido. À medida que o problema se desenvolve, o
suspense geralmente se intensifica e os problemas e relacionamentos
tornam-se mais complicados até atingirem um clímax dramático. O
gráfico a seguir ilustra esse padrão narrativo

Clímax para
a Solução

Complicação
do problema

Pano de Fundo
ou Introdução

Suspense Conclusão

FONTE: o autor.

A chave para se compreender a narrativa vem de descobrir o ponto


focal que a narrativa conta e como ele se relaciona com os contextos e
os ouvintes do seu próprio tempo, para depois pensar no que este ponto
focal teria a dizer a cada um de nós hoje.

Veja a seguir o exemplo que Kaiser nos apresenta:


Em algum ponto na narrativa, o autor leva ao clímax toda a
série de episódios nas várias cenas, desse modo suprindo todo
o ponto de vista para a história. Esse ponto de vista forma a
perspectiva da qual toda a história é contada. A narrativa de
1 Reis 17, por exemplo, abruptamente apresenta ao leitor um
certo “Elias, o tisbita, dos moradores de Gileade”. Podemos
facilmente identificar quatro cenas individuais nesse capítulo: 1.
Elias no palácio perante o rei israelita Acabe (v. 1) 2. Elias sendo
alimentado pelos corvos junto à torrente de Querite (vs. 2-7) 3.
Elias pedindo à viúva à porta da cidade de Sarepta, Fenícia, para
alimentá-lo, seguido pelo milagre da multiplicação do óleo e da
farinha (vs. 8-16) 4. A morte do filho da viúva na casa da própria

71
viúva e Elias restaurando-o à vida com a ajuda de Deus (vs.
17-24). Porém, qual é o ponto de vista subjacente a todas essas
quatro cenas? Se não pudermos responder a esta questão, as
cenas para nós são apenas uma coleção aleatória de histórias.
A primeira vez que olhei seriamente para essa passagem,
lembro-me de tê-la lido e relido inúmeras vezes, procurando
pelo ponto de vista e propósito do narrador ao introduzir esses
quatro episódios. Observei a repetição da expressão palavra do
Senhor, que aparece nos versículos 2, 8, 16 e 24. Em princípio a
considerei simplesmente uma forma de introdução ou (em um
caso) de conclusão. Entretanto, minha visão dessas expressões
mudou quando percebi que o narrador muitas vezes colocava
o ponto que desejava apresentar na forma de uma citação ou
discurso na boca de um dos personagens-chave em algum
estágio culminante na trama. Partindo desse raciocínio, observei
novamente o versículo 24: “Então, a mulher disse a Elias: ‘Nisto
conheço agora que tu és homem de Deus e que a palavra do
Senhor na tua boca é verdade. O “ponto de vista” do narrador
nessa passagem era demonstrar que a palavra de Deus era digna
de confiança em cada uma das circunstâncias da vida relatadas
nas quatro cenas. O ponto de vista, portanto, funciona nesse
texto de narrativa exatamente como aquilo que tenho chamado
de ponto pivô (ou fulcro) que funciona em textos didáticos ou
de prosa. Essa característica, então, nos guia ao discernir que
verdade o autor pretendia transmitir ao escolher e registrar
esses episódios. Ao focalizarmos sobre o ponto de vista do autor
inserido no contexto literário maior podemos evitar estabelecer
meramente “lições” superficiais ou vagas “bênçãos” ao lermos
as narrativas bíblicas. (KAISER; SILVA, 2002, p. 68-69)

4.1.5 Literatura de sabedoria


Os livros de Jó, Provérbios, Eclesiastes, (alguns incluem também
Cantares) são chamados de literatura de sabedoria na Bíblia, ainda que
a maior parte deles tenha sido escrita na forma poética, eles contêm
aspectos diferenciados.

Dois tipos de literatura de sabedoria são vistos nesses livros.


Uma é a literatura proverbial, vista no livro de Provérbios. Os provérbios
ou máximas são verdades gerais baseadas em ampla experiência e
observação. Estas são diretrizes que normalmente são verdadeiras
de modo geral, não são garantias; são preceitos, não promessas. Por

72
exemplo, embora seja geralmente verdade que uma pessoa preguiçosa
experimentará a pobreza, algumas poucas exceções a essa máxima geral
podem ser observadas na vida.

O segundo tipo é a chamada sabedoria reflexiva, que envolve


uma discussão sobre os mistérios da vida, o que ocorre no livro de Jó e
Eclesiastes.

Veja algumas dicas para interpretar a literatura sapiencial: primeiro,


na literatura de sabedoria há uma mensagem global de acordo com a
intenção do autor sagrado, assim pedaços avulsos do ensino sapiencial,
tirados do seu contexto, podem soar profundos e parecer práticos, mas
facilmente podem ser aplicados de modo errôneo. Veja o exemplo dado
por Fee:
Por exemplo, o ensino em Eclesiastes de que “Há tempo de
nascer, e tempo de morrer” (3.2) pretende, no seu contexto, ser um
ensinamento cínico acerca da futilidade da totalidade da vida (i.é,
não importa quão má ou boa sua vida seja, você ainda morrerá
quando vier seu “tempo”). Muitos crentes têm pensado que o
versículo pretendia ensinar que Deus protetoramente escolhe para
nós a nossa duração da vida; no contexto, é isto que Eclesiastes
3.2 exatamente não está dizendo. FEE; STUART (1997, p. 197)

Segundo: cuidado com o sentido de alguns termos usados neste


tipo de literatura, por “insensato”, por exemplo, no contexto da literatura
sapiencial significa o incrédulo. (FEE; STUART, 1997, p. 197)

Em terceiro lugar, sempre siga a linha de argumento do texto, caso


contrário poderá incorrer em erro. Alguns exemplos são os discursos dos
amigos de Jó, só no final do livro você perceberá que Deus não concordou
com eles (FEE; STUART, 1997, p. 197). Outro caso é o livro de Eclesiastes
que mostra as várias tentativas frustradas de encontrar o sentido da vida.

73
4.2 Figuras de linguagem
Na linguagem figurada, as palavras não são tomadas no sentido
usual ou normal, mas noutro sentido despertado pela imaginação, que
percebe certa relação entre eles. As figuras de linguagem embelezam o
estilo e lhe dão força.

4.2.1 Figuras de linguagem mais disseminadas


A seguir, há uma breve explicação das figuras de linguagem mais
facilmente encontradas em textos literários, sejam eles bíblicos ou não.
Foram escolhidos um exemplo bíblico e um de aplicação secular, para
facilitar a compreensão.

4.2.1.1 Metáforas
Metáfora é uma figura de linguagem em que se usa uma palavra ou
uma expressão em um sentido que não é o literal, revelando uma relação
de semelhança entre dois termos.

Jesus usou metáforas para explicar realidades espirituais. Ele


disse: “Eu sou a porta” (Jo 10.9). Ora, Jesus não é porta: ele é como uma
porta. A porta serve de entrada; assim Jesus é o meio de se entrar no
gozo das bênçãos divinas, tanto aqui na terra como no céu. Esta forma de
linguagem figurada chama-se metáfora. (BRETERNITZ, 1989, p. 47-49)

Em Efésios 5:8, Paulo afirma que os crentes são luz, isto é uma
metáfora, mas o que ele queria dizer com isto?

Quais destes textos abaixo são metáforas e quais não são?

1 Coríntios 3:9 (NVI-PT) 9 “Pois nós somos cooperadores de Deus;


vocês são lavoura de Deus e edifício de Deus”. (Sim) (Não)

João 10:30 (NVI-PT) 30 “Eu e o Pai somos um”. (Sim) (Não)

João 10:14 (NVI-PT) 14 “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas


ovelhas, e elas me conhecem”, (Sim) (Não)

74
Mateus 12:12 “Quanto mais vale um homem do que uma ovelha!
Portanto, é permitido fazer o bem no sábado”. (Sim) (Não)

4.2.1.2 Alegoria
Existem poucas alegorias na Bíblia, o que acaba sendo algo bom,
pois o significado dela só sabe mesmo quem a criou. A alegoria é utilizada
quando o autor diz uma coisa que significa outra. Assim, ela é impossível
de ser interpretada se o autor mesmo não der a interpretação.

Veja o exemplo da Parábola do Semeador (Mt 13.1-9). Ninguém


entendeu essa parábola alegórica, nem mesmo os discípulos de Jesus,
pois ela dizia uma coisa e significava outra. Jesus teve que explicar o
seu significado oculto (Mt 13.10-23). É interessante que, no decorrer da
história da interpretação, alguns sempre optaram por interpretar a Bíblia
de forma alegórica. (GUSSO, 2011, p. 37)

4.2.1.3 Parábola
Parábolas são histórias não literais que se destinam a ensinar, ou
ilustrar uma verdade (SCHOLZ, 2006, p. 80). Por isso, quando você for
interpretar uma parábola deve buscar o ponto central e não as possíveis
aplicações de cada um dos seus detalhes.

Veja o exemplo abaixo:


Lucas 18:1-8 (Nova Almeida Atualizada 2017)

1 Jesus lhes contou uma parábola para mostrar que deviam orar
sempre e nunca desanimar:

2 — Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus, nem


respeitava ninguém.

3 Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que sempre


o procurava, dizendo: “Julgue a minha causa contra o meu
adversário.”

4 Por algum tempo, ele não a quis atender, mas depois pensou
assim: “É bem verdade que eu não temo a Deus, nem respeito
ninguém.

75
5 Porém, como esta viúva fica me incomodando, vou julgar a sua
causa, para não acontecer que, por fim, venha a molestar-me.”

6 Então o Senhor disse: — Ouçam bem o que diz este juiz iníquo.

7 Será que Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a ele
clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?

8 Digo a vocês que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando


o Filho do Homem vier, será que ainda encontrará fé sobre a
terra?

Note que o ensino central é dado logo no verso 1: orar sempre sem
desanimar.

Assim, é importante atentar para algumas regras simples na


interpretação de parábolas:
a. Descubra qual é o objetivo de uma parábola, isto é, verdade ou
verdades que ela está ilustrando. Para tanto, leve em conta o
contexto imediato em que ela foi ensinada.
b. Leve em conta os ensinos principais e não se prenda aos
adornos ou complementos da narração. Veja Lucas, capítulo 11,
versículos 5-8:
Lucas 11:5-8 (Nova Almeida Atualizada 2017)

5 Jesus disse ainda: — Se um de vocês tiver um amigo e for


procurá-lo à meia-noite, dizendo: “Amigo, me empreste três pães,

6 porque outro amigo meu chegou de viagem e eu não tenho


nada para lhe oferecer”;

7 e se o outro lhe responder lá de dentro: “Deixe-me em paz! A


porta já está fechada, e eu e os meus filhos já estamos deitados.
Não posso me levantar para lhe dar os pães”,

8 digo a vocês que, se ele não se levantar para dar esses pães
por ser seu amigo, ele o fará por causa do incômodo e lhe dará
tudo de que tiver necessidade.

É fácil ver que o homem que pediu os pães representa


o crente que precisa da graça de Deus. Igualmente, fácil é
depreender que o seu amigo representa Deus. Mas que absurdo
seria interpretar tudo o que o amigo disse, aplicando-o a Deus,
isto é, que tinha a porta fechada, que estava na cama com os

76
filhos e que por comodismo não queria se levantar! É evidente
que esta parte constitui o que é chamado de adorno da parábola,
e que se deve pôr de lado por não ter correspondência nem
aplicação à realidade. Atente-se então à totalidade da parábola e
nas suas partes principais, e não a seus detalhes menores.

c. E não se esqueça de que as parábolas, como as demais figuras,


servem para ilustrar as doutrinas e não para produzi-las ou
confirmá-las. (BRETERNITZ, 1989, p. 53-54)

4.2.1.4 Sinédoque
Emprego do mais pelo menos ou do menos pelo mais, em outras
palavras, quando a parte é tomada pelo todo, ou o todo pela parte.
Também acontece quando se toma a classe pelo indivíduo, ou o singular
pelo plural. Ex.: “A minha carne repousará segura” (Salmo 16.9). Carne
aqui é parte do todo, que é o corpo. Veja outro exemplo:

#pracegover: Menino fala a Chico Bento: Meu pai tem oitocentas cabeças de gado! E o
seu? Ao que Chico Bento lhe responde: o meu pai só tem um boi, mas ele tá inteirinho!

77
4.2.1.5 Metonímia
Quando a relação não é visível, ou é só formada na mente. Ex.: “Têm
Moisés e os Profetas; ouçam-nos” (Lucas 16.29) em vez de dizer: Têm os
escritos de Moisés e dos profetas, ou seja, o Antigo Testamento. Outro
exemplo é perceptível na tirinha a seguir:

#pracegover: Hägar diz a seu amigo: Vai gostar de Paris, Eddie. A cozinha é fabulosa. Ao
que Eddie lhe responde: É? E a comida? Hägar lhe responde com um suspiro.

4.2.1.6 Prosopopeia
Quando se personificam coisas inanimadas ou princípios abstratos,
atribuindo-lhes atos ou ações das pessoas. Ex.: Isaías 55.12 – “Os montes
e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do
campo baterão palmas”. Veja também Salmo 85.10-11. Um exemplo bem
simples é o seguinte:

#pracegover: Zé Lelé está segurando uma superfície refletiva a sua frente, e olha para
ela. Chico Bento passa por ele e pergunta: tá si oiando no ispeio, Zé Lelé? Ao que este
responde: Eu não! Ele é qui tá mi oiando!

78
4.2.1.7 Ironia
Quando se expressa o contrário do que se quer dizer, mas sempre
de tal modo que se faz ressaltar o sentido verdadeiro. Ex.: O profeta Elias
no Carmelo dizendo aos sacerdotes do falso deus Baal: “Gritai em altas
vozes, pois ele é um Deus; ou está meditando, ou está em retiro, ou está
em viagem, ou porventura está dormindo, e necessita que o acordem.”
1Rs 18:27. Outro exemplo:

#pracegover: Garfield apoiado sobre a mesa, enquanto seu dono diz: uma das melhores
coisas na fazenda é toda a natureza. Está em toda a parte! Ao que Garfield responde, em
pensamento: igual onde você guarda os sapatos.

4.2.1.8 Fábula
Pouco usada nas Escrituras. É uma narração em que há
personificação de coisas ou animais. Ex.: Juízes 9.8, onde Jotão conta
que as árvores elegem para seu rei o espinheiro, para fazer compreender
aos eleitores de Abimeleque as consequências funestas de tal eleição.
Segue outro exemplo:

79
A raposa e o corvo

(Fábula de Esopo)

Um corvo roubou um queijo, e com ele


no bico foi pousar em uma árvore. Uma raposa,
atraída pelo cheiro, desejou logo comer o queijo;
mas como! A árvore era alta, e o corvo tem asas,
e sabe voar. Recorreu pois a raposa às suas
manhas:

Bons dias, meu amo, disse; quanto folgo


de o ver assim belo e nédio. Certo entre o povo
aligero não há quem o iguale. Dizem que o
rouxinol o excede, porque canta; pois eu afirmo
que Vossa Excelência não canta porque não
quer; se o quisesse, desbancaria a todos os
rouxinóis.

Ufano por se ver com tanta justiça


apreciado, o corvo quis mostrar que também
cantava, e logo que abriu o bico, caiu-lhe o
queijo. A raposa o apanhou, e, safa, disse:

Adeus, Sr. Corvo, aprenda a desconfiar


das adulações, e não lhe ficará cara a lição pelo
preço desse queijo.

ROUSSEAU, Leon. A raposa e o corvo. Antes de 1870. Painel vertical pintado. Colorido.
Château-Thierry, França. Museu Jean de La Fontaine.

#paracegover: uma raposa olhando para um corvo que está acima dela, apoiado em um
galho seco de árvore, enquanto tem um queijo sob sua pata direita dianteira.

80
4.2.1.9 Hipérbole
Quando se apresenta uma coisa grandemente aumentada ou
grandemente diminuída do seu tamanho real, para apresentá-la viva à
imaginação. Ex.: “... as cidades grandes e muradas até o céu” (Números
13.37). Veja também:
João 21:25 (Nova Almeida Atualizada 2017)

25 Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se


todas elas fossem relatadas uma por uma, penso que nem no
mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos.

Veja outros dois exemplos:

#pracegover: Hägar e Eddie estão presos em uma masmorra. Eddie diz a seu amigo
Hagar: Eu acho que quando você comete um crime, você tem que pagar.... Ao que Hägar
lhe responde: Normalmente eu concordo com você, mas atraso na devolução de livros
na biblioteca?

#pracegover: O amigo de Mafalda lhe diz: Se você está dizendo que é árvore sem agá
e não hárvore com agá, é só apagar o agá. Tem uma borracha? Ao que Mafalda lhe
responde: toma, entregando uma grande borracha amarela. E ele lhe agradece. Ele,
depois de bastante tempo, e com muito empenho, apaga o agá de seu caderno. O amigo
de Mafalda, ao lhe entregar uma pequenina borracha amarela, diz: talvez a professora
tenha razão quando reclama do tamanho da minha letra.

81
4.2.1.10 Enigma
É uma espécie de alegoria, mas de significado profundo e de difícil
solução. Veja o enigma de Sansão, Juízes 14.14. Breternitz; Veloso (1989,
p. 56-57)
(Nova Almeida Atualizada 2017)

14 Sansão disse: “Do que come saiu comida, e do forte saiu


doçura.”

Há também o famoso enigma: 10 e 10 não são 20. Mas, se


adicionar cinquenta, serão 11. Do que estou falando?

4.3 Semântica, sintaxe e pragmática


A Semântica, a sintaxe e a pragmática são as três camadas mais
externas da análise linguística. Isso significa que são os níveis mais
abrangentes de análise.

Pragmática
Semântica
Sintaxe
Morfologia

Fonologia

Fonética

Fonte: SILVA (2010).

82
A semântica se preocupa com os significados e significantes da língua.

A sintaxe se ocupa da ordem das palavras nas frases e a relação


desta com a significação.

Já a pragmática tem como objeto de estudo a linguagem em seu


contexto de uso. A seguir, ver-se-á a relação delas com a hermenêutica
bíblica.

4.3.1 Semântica: o sentido das palavras


A primeira grande lição que você precisa aprender ao buscar o
significado das palavras é: como símbolos que são, elas precisam ser
interpretadas à luz do contexto em que estão sendo utilizadas, pois em
diferentes contextos a mesma palavra pode ter significados diferentes.
Por exemplo, no contexto viário ponte é o que liga dois trechos de relevo
acidentado em uma via, mas no odontológico pode significar uma prótese
dentária, na cirurgia cardíaca uma alternativa de fluxo para uma artéria
bloqueada. Assim, também na Bíblia, é o contexto que indica o sentido
das palavras.

Muitas interpretações erradas podem acontecer se não for levado


esse princípio básico em consideração. E não somente o contexto do
texto, mas também o que é chamado de contexto situacional, o que está
acontecendo quando se diz alguma coisa. A descoberta deste contexto
situacional exige do intérprete conhecimento tanto da história, da cultura
e dos problemas que cercaram o fato que originou o texto, bem como o
propósito do autor ao escrevê-lo.

Uma segunda observação é que é importante entender o sentido


das palavras da maneira como o autor desejava que os ouvintes do seu
tempo deveriam e poderiam compreender. Assim, antes de qualquer
coisa, ao ler a Bíblia, você deve se perguntar: o que isto significava para o
receptor original, ou para o próprio autor? Ou, melhor ainda, o que o autor
procurou transmitir ao receptor original? Chegando a esse significado
é que será possível aplicar corretamente as suas lições, na atualidade.
(GUSSO, 2011, p. 43)

83
Uma terceira maneira de abordar o sentido das palavras é a
mensagem teológica que o conjunto delas tem a dizer, que é mais do
que a mera compreensão das palavras em si dentro do contexto. Veja o
exemplo que Osborne deu sobre isto baseado no texto de Efésios 1.7:
Efésios 1:7 (Nova Almeida Atualizada 2017)

7 Nele temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos


pecados, segundo a riqueza da sua graça,

Ele afirma que o enunciado diz: “Nele temos a redenção, pelo seu
sangue”, mas o sentido teológico mais profundo nos leva a entender
que: “Deus nos liberta porque Cristo morreu por nós” (OSBORNE, 2009,
p. 123). Seria possível dizer que o sentido das palavras também precisa
ser entendido à luz do contexto teológico do texto e do autor. No exemplo
utilizado, redenção e sangue estão conectados ao que Paulo cria sobre
a morte vicária de Cristo e seu entendimento do que era salvação. Se
o contexto teológico não for levado em conta, tanto do texto quanto do
pensamento do autor, corre-se o risco de aplicar as palavras de maneira
inadequada.

Saiba Mais
Para o estudo de palavras, sugere-se usar uma metodologia de
três passos:
1. Primeiro, defina os possíveis significados que a palavra poderia
ter no mundo antigo;
2. Depois, permita que o contexto determine o significado que
mais se encaixa com a mensagem geral pretendida pelo autor;
3. E, então, tente descobrir qual o sentido teológico que o autor
dá a esta palavra nos termos ou expressões que têm o mesmo
significado.

84
4.3.2 Sintaxe: a ordem das palavras
Veja o que Zuck diz a esse respeito:
A palavra “sintaxe” vem do grego “syntassein”, “colocar em
ordem”. Na definição dos dicionários, sintaxe é a disposição das
palavras de maneira a formarem locuções, orações ou períodos.
E um ramo da gramática.

Dificilmente uma palavra isolada transmite uma ideia completa.


Como os tijolos de uma construção, as palavras são elementos
isolados que juntos formam frases, que são as unidades
elementares do pensamento. Sozinhas, as palavras “homem”,
“grande”, “bola” e “bateu” não expressam nada de significativo,
por isso precisam ser agrupadas. Mas a maneira como forem
agrupadas pode alterar o sentido, como podemos ver nas frases
abaixo:

“O homem estraçalhou feio o carro.”

“O carro estraçalhou feio o homem.”

“O homem estraçalhou o carro feio.”

“O homem feio estraçalhou o carro.”

“O carro feio estraçalhou o homem.” (ZUCK, 1994,


p. 135)

Um trabalho mais profundo sobre este tema será estudado, caso


você faça o curso de exegese nas línguas originais. No entanto, seguem
algumas dicas básicas para o estudo da sintaxe das orações.
1. Analise a frase e seus elementos, reparando nas classes de
palavras ali contidas, no tipo de período que é, nas orações que o
compõem e na ordem das palavras.

2. Descubra o significado de cada palavra-chave e o modo como


elas influenciam o sentido da frase.

3. Analise a participação de cada elemento da frase na ideia


transmitida pelo todo. (ZUCK, 1994, p. 141)

85
4.3.3 A dimensão pragmática do texto bíblico
Qual seria o grande objetivo de interpretar a Bíblia? Seria só
entender o que ela fala ou viver a sua mensagem? Naturalmente, como
cristão crê-se que o objetivo de Deus em revelar a Sua palavra era
para que não somente Ele seja conhecido, mas para que seja possível
aprender com Ele a como viver a Sua vontade. Esta é a dimensão
pragmática do texto bíblico.

Sempre que um ouvinte ou leitor não percebe por que algo está
sendo dito, a comunicação falhou, não quanto à semântica, mas no seu
nível pragmático. (SCHOLZ, 2006, p. 71)

Por isso, o próximo passo na missão de interpretar a Bíblia é descobrir,


primeiro para si mesmo e depois para os outros, qual é a dimensão prática
de um texto bíblico. A este processo dá-se o nome de aplicação.

É necessário que se diga que a boa aplicação é parte do trabalho


de interpretação, quando primeiro se tenta entender o que o autor
desejava que ocorresse com os seus leitores com o impacto do seu texto.
Posteriormente, deve-se transpor a cultura e o tempo para tentar entender
como isto pode ser aplicado à realidade presente.

Mas, para ajudá-lo, seguem algumas dicas de como você pode


desenvolver as suas aplicações:

• Princípio da observação. Quando estiver descobrindo o fluxo


do texto, tente destacar possíveis pontos de aplicação. Algumas
perguntas podem ajudá-lo:
• Há algum exemplo que devo seguir?
• Há alguma ordem que devo obedecer?
• Há algum erro que devo evitar?
• Há algum pecado que devo abandonar?
• Há alguma promessa que devo reivindicar?
• Há algum novo pensamento acerca de Deus?

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• Siga as regras de interpretação. Podem existir muitas aplicações
de uma passagem, mas somente uma interpretação correta.
• Seja específico. Resista à tentação de ir atrás de
generalidades. Ponha o dedo no centro do problema, e aperte.
Exemplo: “Filipenses 2.5 − ‘Deus quer que eu me assemelhe
mais a Jesus’ “, é muito geral. Mas poderia dizer: Você tem
assumido a forma de servo como Jesus quando fica sentado
e deixa a esposa e filhos esperando por você? Ou quando evito
deixar os meus interesses para fazer algo com eles? (Filipenses
2.7). (HENRICHSEN, 1995, p. 110)
• Seja pessoal. Dirija-se a si mesmo na primeira pessoa (eu) e
aos outros na terceira pessoa (você).
• Escreva as suas aplicações. Não confie que você terá habilidade
de momento para criá-las, este é um dos grandes problemas
dos pregadores. Gastam muito tempo na interpretação e muito
pouco na aplicação.
• Crie exercícios práticos para as aplicações. Os exercícios
podem ser verificados. Assim, será possível perceber se você
está ou não colocando em prática a Palavra de Deus.
Lembre-se de que o objetivo da aplicação é ajudar a promover uma
mudança de caráter de dentro para fora de cada um que ouve a palavra
de Deus, começando na vida do intérprete.

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4.4 Síntese
Neste capítulo foi apresentado como a gramática auxilia na
interpretação bíblica, provendo ferramentas de compreensão em
nível textual e em níveis mais específicos, como figuras de linguagem,
semântica, sintaxe e afins.

Também foram dadas algumas dicas que, se aplicadas devidamente,


facilitarão o trabalho de interpretação, além de proporcionar ao intérprete
uma melhor qualificação em seu fazer teológico.

Ao longo de todo o texto deste trabalho, a intenção sempre foi a


de prover informações relevantes e diretivas, de maneira que você fosse
capaz de compreender a singularidade e importância de fazer a tarefa
hermenêutica com seriedade e espiritualidade devidas. Ao trabalhar
com o texto bíblico, você trabalha com a Palavra de Deus. Ao interpretá-
lo, você está transmitindo uma mensagem de Deus para seus ouvintes.
Fazê-lo com seriedade e compromisso, assim como com reverência e
temor, é mister.

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