MAINGUENEAU, Novas Tendências em Análise Do Discurso (1993) PDF
MAINGUENEAU, Novas Tendências em Análise Do Discurso (1993) PDF
MAINGUENEAU, Novas Tendências em Análise Do Discurso (1993) PDF
EM ANÁLISE
DO DISCURSO
B IB L IO T E C A S E T O R IA L OC EDUCAÇÃO
FACU LD AD E DE EDUCAÇÃO - U F R G 8
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do I.ivro, SP, Brasil)
Maingueneau, Dominique.
Novas tendências em análise do discurso / D. Maingueneau ;
tradução Freda Indursky ; rev isão dos originais da tradução Solange
Maria l.edda Ciallo, Maria da Cilória de Deus Vieira de Moraes.
— Campinas, SP : Pontes: Editora da Universidade Estadual de
Campinas, 2 J edição, 1993. — (l inguagcm-crítica)
Uibliogra fia.
ISBN 85-7113-081-7
I. Análise do discurso I. lindo. II. Série.
890696 CDD-410
NOVAS TENDÊNCIAS
EM ANÁLISE
DO DISCURSO
(2? EDIÇÃO)
Tradução:
F reda In du rsky
1993
Copyright © 1987 Hachette
PONTES EDITORES
R. Maria Monteiro, 1635
13025-152 — Campinas — SP
Fone/Fax: (0192) 52.6011
52.6661
1993
Impresso no Brasil
SUMARIO
Advertência ....................................................................................... 7
Introdução ................................................................................................. ^
I — A INSTITUIÇÃO DISCURSIVA
1. A Cena Enunciativa ................................................. 29
2 Uma “ Prática Discursiva” ..................................... 53
II — A HETEROGENEIDADE
1 . A Uetcrogeneidade Mostrada ................................ 75
2. Do Discurso ao Interdiscurso .............................. 111
UI _ AS PALAVRAS DO DISCURSO
1. Para Além dos Termos-Pivôs ................................. 133
2 Os Conectivos Argumcntativos ............................ 159
i
INTRODUÇÃO
IO
que um sentido oculto deve ser captado, o qual, sem uma técnica
apropriada, permanece inacessível. É o espaço escolar que lhe con
fere autoridade c garante que os textos analisados possuem, de fato,
uma significação oculta, mesmo que um ou outro analista se mostre
incapaz de decifrá-la. Entretanto, como lembra M. Pêcheux, “ a aná
lise de discurso não pretende se instituir como especialista da inter
pretação, dominando “o” sentido dos textos; apenas pretende
construir procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos
à açã o estratégica de um sujeito ( . . . ) . O desafio crucial é o de
construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma
minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço
lógico estabilizado com pretensão universal 5” . Dito de outra forma,
a análise do discurso depende das ciências sociais e seu aparelho está
assujeitado à dialética da evolução científica que domina este campo.
II
Invocar o “ sucesso da análise do discurso" implica expressar-se de
forma ambígua; de fato, desse modo tanto é possível compreender o
sucesso da expressão “análise do discurso” quanto o da disciplina de
que trata esta obra. Infelizmente, os dois aspectos não coincidem e
assiste-se a uma verdadeira proliferação de empregos da expressão
“ análise do discurso”. Aliás, em Initiation aux m éthodes d e l'analyse
du discours, havíamos levantado, sem pretensão de exaustividade.
seis acepções do termo discurso na literatura linguística; desde então,
a situação tornou-se ainda mais confusa, pois agora é o sintagma com
pleto, análise d o discurso, que está sendo arrastado a uma circulação
incontrolável. Em lugar de lutar contra o desvio ilícito e invocar um
policiamento terminológico, é preferível compreender do que esta
situação é o sintoma.
II
(ratégias de intei locução, em posições sociais ou em conjunturas his
tóricas. O termo “discurso" c seu correlato "análise do discurso"
remetem exatamente a este último modo de apreensão da linguagem.
12
comum à teoria do uso (ou utilização) da linguagem", isto e. ao
conjunto da soeiolingiiístiea. à medida que. segundo ele. a análise
do discurso ocupar-se-ia "da linguagem sempre do ponto de vista de
uma utilização especificada por suas condiçõesrt". A razão de uma
tal opção nos é dada mais adiante: "Esta corrente (a análise do
discurso) parece a única na qual a soeiolingiiístiea é definida como
tal, sem colocar-se a reboque de uma outra disciplina T". Talvez resida
aí a explicação para a atração exercida pela etiqueta "análise do dis
curso": ela define um campo de problemas da linguagem sem reme
ter a uma disciplina conexa à linguística
13
— que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdis-
L curso limitado.
14
Desta forma, criticam a AD, “construída como uma nova solução
às aporias da crítica filológica tradicional por limitar-se aos cor-
pus impressos, eliminando de suas pesquisas “ a heterogeneidade dos
mecanismos que aluam nas produções de linguagem, postulando um
nível discursivo teórico onde os mecanismos formais {lingiiísticos) e
os dados institucionais (condições de produção) poderíam se articular
em um todo homogêneo, controlável, teorizável 13”.
15
Al) francesa AI) anglo-saxã
Escrito Oral
Tipo de
Ouadro institucional Conversação cotidiana
discurso
doutrinário comum
lb
objetos de análise possíveis, os objetos que a AD efetivamcnle
constrói parecem irrisoriamcnte restritos. Longe de remeter a algum
recorte natural, a alguma marcarão metódica de um espaço delimi
tado. eles apenas manifestam, de forma mais ou menos oblíqua, as
preocupações que atravessam esta ou aquela coletividade cm uma
conjuntura dada. A predileção da Al), em seus inícios, pelo dis
curso político da esquerda francesa, por exemplo, não c obra do
acaso; ). ). Courtine coloca isto em relação com a conjuntura de
finida pelo programa comum de governo assinado pelos socialistas
e comunistas ,s
III
17
w
e>
> questões aos textos citados.
20
mente a uma estrutura linguística já constituída, mas algo que condi
ciona radicalmentc a organização da língua.
21
se nesta ou naquela dc suas eseulas ou de seus ramos. A Al) não
é, pois, uma parte da lingüístiea que estudaria os textos, da mesma
forma que a fonética estuda os sons, mas ela atravessa o conjunto
de ramos da lingüístiea: “ Os funcionamentos discursivos socialmente
pertinentes atravessam a matéria lingüístiea, sem preocupar-se com
suas fronteiras que, para outros fins, puderam ser traçadas entre
sintaxe, semântica e pragmática. ( . . . ) A dimensão ideológica do
funcionamento dos discursos dii respeito a operações que podem se
situar em níveis muito diferentes da organização da matéria
lingüístiea
18
— sobre um certo conhecimento de seu corpus;
>1 — sobre um conhecimento das possibilidades oferecidas ao ana
lista pelo estudo de semelhantes fatos de linguagem.
\
Querendo ou náo, toda análise implica estas duas ordens de con
siderações. É o que S. Bonnafous mostra muito bem, por exemplo,
quando compara os resultados que se podem esperar deste ou da-
queie método, no caso, a "análise automática do discurso" de Miehel
Pêcheux e a lexicometria 23:
IV
22
Oe fdfO, sc Jísejarmos re.ilrmrnt-e ser precise*, m esm o no quadro
J * AD,. a noção <fe ' discurso" n.ío / estável, Por este term o e possivel
entender o que Pêchcux chama de "superfície discursiva", que cor-
V responde ao conjunto dos enu^iados realizados. pioduzidca a partii
' dc uma cena posição; mas lambem pode se infCipreta Io çomo o
2 sistema de restrições que permite analisar a especificidade desta su
peifície discursiva, liste mesmo sistema de restrições poile ser eon
siderado não como se devesse explicar um determinado corpus, mas
T32
II Ai l. eit„ p. 53
14 Arl. cit.. p. 45
|8. "Analyse du discours politique". in lim guges, li " 62. 1981. p 62-64
24
I1) 1 M. Marandin. 'Problèmes d'analysc ilu diseours — 1'ssaix tle desctiplion
<ln d iscou rs frança is sur Ia ( liine”. in l.iint-avr\ n " 5 5. 1979. p IS
21 Iludem
25 De forma sucinta, pode-se di/cr que estas duas cot tentes não são idênticas
mas nesta obra não as distinguiremos. a menos que tal fato seja ne cessá rio
26 p 56
27. Jean-Jacqttcs C ourtinc, "I.a Toque de CTemcntis", in l.r ttisc o m \ r"vi h<)nt,
!\ tique. n.° 2. 151X1. p. 12.
2K. Claudine Haroche, Paul Hcnry. Michel Pêcheux. I.a scmantiquc et Ia COu.
purê saussuriennc: languc. langage. diseours". in 1 trnum e, n " 21 M m
p. 102.
B IB L IO T E C A S E T O R IA L DE EU U CAC-O
FACU LD AD E DE ÉDUCAÇÀO - ü f s a S
1.
A CENA ENUNCIATIVA
A PRAGMÁTICA
2‘ )
habilitado a fazê-lo e coloco meu interlocutor 11a posição daquele
que deve obedecer; não preciso, pois, perguntar se estou habilitado
para isto; ao ordenar, ajo como se as condições exigidas para rea
lizar este alo de fala estivessem cfetivamenle reunidas. Dito de
outra forma, não é porque tais condições estão reunidas que o ato
pode ser efetuado, mas é porque este ato foi efetuado que se con
sideram reunidas estas condições. Através de sua própria enunciação,
este ato de fala é considerado pertinente.
30
Ü. Ducrot. um catálogo completo de relações inter-humanas. tcila
uma c o le ç ã o d e papéis que o locutor pode escolher para si e impor ao
destinatário Realualiza-se, assim, mas em um quadro totalmente
diferente, a velha metáfora estóien, segundo a qual a sociedade seria
um vasto teatro onde um papel seria atribuído a cada um. Ilá uma
tendência para ampliar este ponto de vista, integrando os papéis em
um complexo mais rico: uma "encenação" ou uma "cenografia” . Para
E. I.andowski, “cenografia" ou "contexto semiótico" encontra-se no
mesmo nível que a possibilidade de "formulações eficazes" (os atos
de fala) que conferem sua credibilidade às enunciações; delas laz.em
parte "o próprio enunciado, certamente, mas também o modo pelo
qual o enunciador se inscreve (gcstualmente, proxemicamcnte
etc.) no tempo c no espaço de seu interlocutor, bem como todas as
determinações semânticas c sintáticas que contribuem para lorjar "a
imagem distinguida” que os parceiros remetem um ao outro no ato
de comunicação u”.
LUGAR I Cl-NA
OS GÊNEROS DO DISCURSO
34
Note-se que a noção de "gcnero" não é de fácil manejo. Os
gêneros encaixam-se, frequentemente, uns nos outros. Estudando, por
exemplo, a correspondência dos leitores, publicada no diário genovês
La Suisse, durante o debate eleitoral de 1974 a propósito da emigra
ção, Marianne Ebel e 1’icrre F:iala 1,1 insistem sobre a existência de
dois gêneros em níveis diversos: por um lado, as cartas dos leitores,
que resultam do gênero epistolar e se apresentam tanto como “ cartas
abertas", quanto como cartas comuns; por outro lado. a própria ru
brica “correspondência dos leitores” , um dos gêneros jornalísticos,
elaborado a partir das cartas. Ora. estes dois níveis não são indepen
dentes. A redação do jornal pode publicar ou não a carta, bem como
submetê-la às modificações que lhe convêm: por sua vez, o autor de
uma carta deve considerar estas condições quando escreve: não só
ele apenas reage a um discurso previamente organizado pelo jornal,
mas também não possui poder algum sobre a redação, nem tem
certeza de que sua carta será publicada. O leitor vê-se, assim, con
denado a escrever sua carta em função dc sua eventual publicação,
embora finja dirigir-se unicamente aos jornalistas.
5b
A formulação de Foucault, entretanto, pode conduzir a uma
falsa pista: não é por terem dado prova de competência que deter
minados indivíduos da população detêm o discurso médico, mas
porque o exercício deste discurso pressupõe um lugar de enunciação
afetado por determinadas capacidades, de tal forma que qualquer
indivíduo, a partir do momento que o ocupa, supostamente as
detém.
58
Quando a gente passa oito horas calado, tem tanta coisa a
dizer que não consegue mais falar, que as palavras, elas chegam
todas juntas à boca.”
ALGUNS EXEMPLOS
39
expectativas, poderá fingir, por exemplo, que desconhece a cenogra
fia em que se encontra efetivamente implicado e realizar uma alo-
cução familiar, evocar lembranças pessoais, talar de detalhes da vida
cotidiana, etc. Mas pode igualmente apresentar-se como o militante
de um partido ou coincidir com sua função de chefe de estado; de
qualquer forma, cada mudança acarretará, como consequência, a
variação do lugar construído para o co-enunciador.* A eficácia da
enunciação resulta necessariamente do jogo entre as condições gené
ricas, o ritual que elas implicam a priuri e o que é tecido pela enun-
ciaçâo efetivainente realizada
40
aulo-designaçáo: o puvo, os " sans-culotles" * qu e fizeram a revolução.
Unia outra versão, do Jou rn al d e la M ontagne, é geralmente conside
rada pelos historiadores como um relato incoerente do acontecimento;
Guilhaumou e Maldidier procuram mostrar, então, que, “questionan
do esta incoerência, a análise do discurso permite que a interpretação
se instaure. Trata-se de uma encenação que se defronta com o ponto
de vista jacobino do funcionamento de uma instituição revolucio
nária
CKNOGRAFIA F. DE1XIS
* No séc. XVIII, os homens ila nobreza trajavam " c u l o u e s ", espécie de calções
que iam até os joelhos, enquanto os homens do povo, que usavam calças
comuns, passaram a identificar-se como os "sans-culottes", os que não usavam
“calções” (N. do T . ).
faz com que tudo funcione: o discurso escolar tem exatamente por
função integrar estes alunos à República, sob a forma do "cidadão”.
42
costumes nestas poucas casas e entre este pequeno número de
almas escolhidas 28” .
UM TEXTO
44
camponês, a Convenção é o Senado. A enunciação se duplica desia
forma em uma outra, retirada da República romana, repertório su
premo das cenas fundadoras dos discursos da Revolução. I.onge de
ser puro aparato retórico, estes processos J c identificação desempe
nham um papel crucial no exercício da discursividade
O ETHOS
48
“ idéias” que corresponderíam aproximadamente a seus interesses; é
também alguém que tem acesso ao “dito” através de uma “ maneira
de dizer” que está enraizada em uma “ maneira de ser”, o imaginário
de um vivido. Note-se, aliás, que esta concepção da eficácia discursiva
é constantemente integrada pelos textos publicitários, que mostram de
forma paroxística aquilo que provavelmente constitui a tentativa de
toda formação discursiva; convencer consiste em atestar o que é dito
na própria enunciação, permitindo a identificação com uma certa de
terminação do corpo.
49
:iu lugar, ao momento, aos gêneros da enunciarão, não deve, em caso
algum, corresponder à justaposição de “ fundo” e “ forma".
12. II. Parret. "l.a nrise en discours cn lant que déiclisation et modalisation". in
Laagages. n." 70. 1983. p 83
50
13. M atérialités discursives, Presses Universitaircs dc I i 11c. 1981. p. 177.
18. Pierrc Bourdieu, “I.c l.angage autorisc. Note sur les conditions sociales de
1'cfficacitc du discottrs ritucl". in A ries d e Ia rech crch e eu Sciences sociales,
n." 5-6, nov., 1975, p. 187.
20. Pata uma análise semântica deste discurso, ver nosso livro S ém a n tiq u e de
Ia p o lem iq u e — discours rcligieux et ruplures idéologiqu es ait A l II.' sièele.
Lausannc, l'Âge d'Hommc, 1983.
25 Sobre a totinação discursiva que estes manuais definem, vei nosso estudo
Les livres d e c o l e de Ia R ep u bliqu e, 1870-1914 — D iscours et id éo lo g ie.
Paris, Le Sycomore, 1979.
30. Texto citado por 13. Minei. "Pour une théoric des pratiques discursives". in
Pratiques n.° 11-12. 1976. p. 168. Trata-se do relatório de 23 ventôse an
II ( P de março de 1794) sobre as facções do estrangeiro.
B IB L IO T E C A S E T O R IA L Uf EDUCAÇAO
FACU LD ADE DE EDUCAÇÃO - u c d q 5
31. .Sohre a retórica deste tipo de textos, ver /.« F u m le painpliUtuir, de Mate
Angelot. Paris. Payot. 1982. Para o estudo dos modos de raciocínio deste
nacionalismo populista confira o livro de U. Windisch. X énophuhie, log iqu e
</<• Ia p e m é e popu laire. I.ausanne. d'Àge dHomme, 1978.
33 . A n cil.. p. 18.
37 ' 11ir effet populaire dans L e l ‘ère D uehvsne — l.a figuralité du corps”. in
T ravaux ile lexicorrlétrie el <le lex ieo lo g ie poliliq u e. n.° 03, 1978. Sohre a
noção de ethos em retórica, cf. "I.'Hlhos dans Ia ihétorique française de
Page classique", de M. l e Guern, in Slrulégies discursises, Lyon, 1978, p
281 -287.
39 Ibidem.
40. I cconomie des échanges Imguísliques". in Langu e Ira n ia ise. n.° 34, 1977.
p. 31-32.
41 An cit.. p. 31
52
2.
5■
'>
uma desconfiança por esquemas "csiratificadores" (tlu tipo infia
estruiura/superestrutura. cm paiticular) c dc um interesse crescente
por uma microssociologia das interações. Certamente, os arcabouços
teóricos destes trabalhos com frequência são discutíveis, mas contri
buem para remodelar uma apreensão excessivamente primária das
relações entre o discursivo c o “extradiscursivo". Gostaríamos, agora,
de aprofundar a questão e destacar a importância dc uma instância
muito desconhecida, aquela das comunidades que a enunciação de uma
formação discursiva pressupõe.
54
põe. inicialmente, das informações, cios escritores ou dos cidadãos; a
seguir, das instituições mediadoras e. por fim. dos enunciados em cir
culação, mas tudo emerge ao mesmo tempo. A instituição “mediadora"
não é secundária em relação a uma "realidade" que ela se contentaria
em formular de acordo com ceitos códigos.
ão
O DISCURSO CIENTIFICO
57
Do poli Io de vista da AD. alguns problemas detonem desta sin
gularidadc do discurso científico. Na realidade, para examinar tais
corpus e definir relações entre discurso e comunidade discursiva, os
sociólogo? não necessitam recorrer à AD: basta-lhes evocar os inleres
ses não confessados dos cientistas para resolver a questão, bles se
esforçam muito para mostrar que os textos só adquirem sentido no
interior de um certo grupo, mas. em geral, não salientam com clareza
o elo existente entre o funcionamento discursivo propriamente dito
e o do grupo: as duas instâncias permanecem exteriores uma a outra
Seria diferente se os sociólogos das ciências levassem em conta a
economia própria aos discursos, cm lugar de considerá-los apenas co
mo simples suportes de informações. Desta forma, chega-se a uma
situação bastante insatisfatória, absolutamente simétrica àquela em que
se encontra a AD. Knquanto esta última procura munir-sc de uma
teoria da discursividade. desinteressando-se pelas comunidades que
constituem seu correlato, a sociologia da produção científica investiga
os funcionamentos institucionais, ignorando, muito frequentemente. a
dimensão textual.
UM PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO
S9
religiosa funde-se com a formarão da comunidade hierárquica dos liei'
U processo de constituição do grupo não é exterior nem posterior ao
do pensamento, é seu corpo exotérieo, mas não extiínseeo. Não existe
um conjunto inais ou menos esqitemali/ado de representações, ao qual
sc sobreporia a seguir, e proveniente do exterioi, uma estrutura mais
ou menos complexa de organizações, As du as series constituem se e
desfazem -se conjuntantetUe, segundo uma única e mesma lógica t . . .)
Toda operação de pensamento remete a um dispositivo de transmissão
que o estrutura a partir do interior e do qual não pode ser dissocia
da l7” . E preciso, consequentemente, inietessar-se por estes "processos
de organização", pensar a instituição não como um organograma es
tático, mas como um complexo que também inclui gestos e modos de
relação entre os homens. A ideologia não deve ser concebida como
"visão ilo mundo”, mas como modo de organização, legível sobre as
duas vertentes da prática discursiva.
bü
de "constituição civil da religião” suposta pelo jansenismo, elo lembra
a mistura entre urna certa lógica organizacional ela Igreja, o modo de
vida de uma parcela da burguesia e um conteúdo doutrinai:
oi
os indivíduos que aderem, de loima mais ou menos próxima, a um
discurso apresentam o mesmo grau de envolvimento em tais ''comu
nidades" mas elas. sem dúvida, representam uma condição essencial
de sua constituição e de seu funcionamento.
A J SCOLA DA RI PllM.ICA
tS,?
paia as colônias", isto é. das escolas abertas nas colônias. Da mesma
forma, referir que a entrada dos gaulescs na civilizarão romana
constitui “ progresso", consiste simplesmente em dizer que os romanos
abriram escolas, o que c ilustrado, nos livros de história da l i ança.
com imagens de escolares gauleses indo à aula. de pasta na mão. Não
é de surpreender que estes mesmos manuais de história terminem, ge-
ralmente, com uma comparação entre “ a escola de antigamente-’ e
“ a escola de hoje” , comparação que. supõe-se, recapitula o conjunto do
Progresso. Aqui, dizer o Sentido da História consiste em produzir a
figura da escola, aquela que comanda todo este discurso.
04
íi não ser por seu conteúdo c que a Igreja constitui uma base insti
tucional estável sobre a qual se desenvolvem conflitos entre agentes
cujo estatuto, por natureza, é idêntico. Na realidade, à medida que
as práticas discursivas implicam unia dinâmica organizacional cor
respondente, pode-se pensar que tais conflitos não incidem unicamente
sobre os conteúdos, mas que envolvem também as comunidades
discursivas. Ora, a tendência mais freqüente é de examinar apenas
uma das duas faces do problema. Retomando o exemplo do discurso
jansenista, constata-se que muitos historiadores aí percebem apenas
uma doutrina sem originalidade, cujo sucesso seria devido a fatos
institucionais (em particular, a presença, junto às religiosas, de um
grupo de leigos, os “ solitários” de Port-Royal), enquanto outros pre
ferem insistir sobre o aspecto doutrinai para explicar o impacto deste
movimento. Parece-nos, ao contrário, que as duas questões são inse
paráveis e, segundo nossa hipótese, pertencem à mesma lógica.
ÒS
grupo, dc um corpo cujos componentes mio se comunicam, de timn
enunciação brutal que separa o falante de seus ouvintes, etc
ENLAÇAM FNTOS *
b8
rece como o percurso melódico do corpo do linunciador-Destinatário
deste discurso, a Pátria, que define também o momento e o lugar da
enunciação escolar republicana. Descrevendo a viagem de iniciação de
duas crianças, uma das quais entra para a escola primária, enquanto a
outra dela sai, este texto faz coincidir percurso escolar e percurso
do mundo, uma vertente garantindo a outra, no interior de uma
prática escolar, a leitura.
t>L)
"enlaçamentos". c impossível pensar a relação emre o lexinal <
institucional em lermos de interior c de exterior, de meio c de fim
Os textos aparecem, ao mesmo tempo, como uma das modalidades do
funcionamento da comunidade discursiva e o que a torna possível:
a comunidade se estrutura pelo mesmo movimento que gera os enun
ciados, suscetíveis, por sua ve/, de tcmali/ar. por ve/es sutilmente, as
instituições que neles estão implicadas e sua própria inlrincação com
estas últimas, /.'ste elo ciuciaf entre o fazer e o d i/ c de uma com:
I f) ( )p. cit . p 64
II ( )p cit., p 65
70
17 Op. cil.. p. I SX-1 S9
22 \ «• f f - J ' . ' J, . . .
27 F.rtte 155» e .>< 'csi -:.h rus.u ••• a.- ia v :v a;- o v —ud •
15.54-1
24 Sabe so. aliás nmilo bem. que a polêniiea anli-jcsuílica. de Pascal a Vol
taire. e bem além. incidiu tanto sobre este aspecto <cf. a imagem adocicada
do icsuítal quanto sobie a doutrina
25 Paris. 167»'
28. I iteationes au lon in ales wir 1le p eileetu o n itotis actiu u e et ptniiuiitiaiirtiic
Paris. 1620
71
SEGUNDA P A R T E
A H ETERO GEN EIDAD E
1.
A HETEROGENEIDADE MOSTRADA
r-j-f
No entanto, a utilização dos conceitos de Ducrot, no que tange
á heterogeneidade enunciativa, não deve levar à conclusão de que
esta é a única abordagem linguística que considera este tipo de
fenômeno. Kncontra-se. particularmente nos trabalhos de A. Culioli \
uma eoneeiluação excelente dos fatos de polifonia. Para além das
formulações de detalhes, que já variaram e ainda variarão nos pró
ximos anos, convém, sobretudo, atentar para os fenômenos lingiiís
ticos abordados neste campo.
A POLIFONIA
7t>
(abrcviadamenie L) c "o locutor enquanto pessoa do mundo" (abrevia
damente A). L é definido como o responsável pela enunciarão e con
siderado apenas em fundão desta propriedade, enquanto v é uma
pessoa que pode possuir outras propriedades além dessa. Se reto
marmos a noção de ethos, poderemos dizer que os traços atribuídos
ao "locutor” através de sua própria enunciação dependem de I ; se,
ao contrário, este "locutor” fala dele mesmo enquanto ser do mundo,
será A que estará implicado. Na autocrítica, por exemplo, L afirma-
se ao desvalorizar A.
77
íi análise semântica será diferente, conforme u enunciado seja um
siderado irônico ou não. Interpretado como sincerainente admirativo,
ele será atribuído unicamente ao "locutor": se. ao contrário, foi
irônico, o locutor fará ouvir a vo/ de um "cnunciador" que defende
a idéia absurda de que a decisão dos casinslas coincide com a ca
ridade cristã. Dupla leitura que se articula na ambiguidade contida
em extraordinário, significando "admirável" ou "o que escapa à norma,
â ordem”. Dupla leitura inscrita na situação de enunciação construída
pelo texto, a qual se dirige concomitantemente a dois destinatários:
o jesuíta, parceiro do diálogo relatado, e o público do panfleto. U
autor empenha-se em fazer uma alocução legível nos dois planos:
por um lado, finge uma cumplicidade com o jesuíta, que não tem
acesso â leitura irônica e. por outro, indica tio público, que percebe
a ironia, a transgressão da moral.
A PRESSUPOSIÇÃO
78
Por trás desta reformulação da pressuposição, pode-se ler uma
reorientação da “ verdade" dos enunciados, ü que passa para
o primeiro plano é a instância qu e valida u enunciado: conforme
afirma C. Kerbrat-Orecchioni. “ toda asserção é assumida, explícita ou
implicitamente, por um sujeito enunciador e é para este sujeito, em
primeiro lugar, que ela c verdadeira Para Berrendonncr, o agente
verificador pode assumir três formas: um sujeito particular, UN e o
que ele chama de “fantasma", isto é, a instância sem nome que valida
os enunciados p é verdadeiro , aqueles cuja verdade está, de alguma
forma, relacionada à ordem do mundo, ao universo, "considerado
como um participante ativo do acontecimento de intcrlocuçao. e não
apenas como uma circunstância inerte
70
não é assumido. não é o objetivo reconhecido da enunciação, ma
apenas uma crença representada no discurso
A NFGAÇÂÜ
80
Estes "enunciadores", cuja atitude é recusada, podem ser bem
diferentes: um indivíduo, o destinatário, uma outra imagem do Io
cutor, a opinião pública, etc. A operação de negação pode, além
disso, designar fenômenos variados, marcados por outros morfemas
além de ne. . pas [n ão]. As célebres Máximas de La Rochefoucault,
por exemplo, recorrem freqüentemente a n e. . .q u e [sen ão, somente,
apenas], recusando um “enunciador” identificado com ÜN, o qual
garante as idéias recebidas, tal como ocorre em:
v i
(1) Não há iwin nuvem no céu
' Seria possível propor ai tilieialmente como equivalente a este nome. em poi •
tuttucs, a forma "eemiviu" >Je "vocé me viu" (N. do T I
St
metalinguagem. Segunda ). M i l n e r q u e estudou este fenômeno, estu
operação contesta uma enunciação anterior, avaliando sua legitim idade.
a adequação entre as palavras utilizadas e o estado de coisas descrito
Assim, dizer de alguém que II n ’est en rien ait Service da pays (Lie
não esta de form a alguma a serviço do país] significa que não é legíli
mo enunciar a frase II est au Service du pays [L ie está a serviço do
p a ís]; a legitimidade aqui questionada remete à pertinência linguística
desta expressão. Esta contestação não precisa necessariamente incidir
sobre o enunciado anterior; neste caso, contesta-se aquilo que o enun-
ciador em questão considera por todos conhecido, conhecimento este
que implica ser possível formular com legitimidade a proposição asso
ciada a ne. . . en rien. F.m La vicille fem m e réussit à porter Ia letu e de
ses mains trem blantes qiti ne iessem bluient en rien à de mains [A
velha senhora conseguiu carregar a carta com suas mãos trêmulas que
em nada pareciam com m ãos], n e. . .en rien questiona a legitimidade
de um enunciado virtual, implicado pelo contexto, algo do tipo "mãos
parecem com mãos”, cujo "enunciador” ON sustenta proposições que
parecem ser evidentes.
O DISCURSO RELATADO
85
do l<,nònicih) de citação, caso seja considerado o gian de adesão ilo
locutor ao que está dizendo. Assim, na opinião de A. Hencndoimci.
se um locutor "contenta-se cm relatar as alocações assertivas de um
terceiro, em lugar de garantir pessoal mente, através de uma simples
afirmação, a verdade de p. isto permite concluit que ele não potl,‘.
pot si só. subscrever p, não acreditando muito, por conseguinte, em
sua verdade em compensação, para KerhrutOrecchioni. ocultar
se por trás de um terceiro "é freqiicntemcnte uma maneira ltábil put
set indireta" de sugerir o que se pensa, sem necessitar responsabilizai
se por isto Aí reside Ioda a ambigiiídade do distanciamento:
locutor citado aparece, ao mesmo tempo, como o não eu. em relação
ao qual o locutor se delimita, e como a "autoridade" que protege a
asserção. Pode-se tanto dizer que "o que enuncio é verdade porque não
sou eu que o digo”, quanto o contrário.
8õ
da mesma maneira que um texto religioso, o qual possui uma relação
totalmcnte diversa com a tradição. Os analistas de discurso em geral
manifestam muito pouco interesse por esses problemas, à medida que
confrontam discursos de mesmo tipo, que obedecem, consequentemen
te, a imposições similares neste domínio. Hntretanto. mesmo existindo
certa semelhança, muitas divergências podem aparecer por menus qu e
se considere a citação com o uma m od alid ad e totalm ente d iferen te d o
funcionam ento discursivo.
8/
da estrutura linguística, não é possível negligenciar os verbos destina
dos a introduzir o discurso relatado. I)e lato. em função do verbo
escolhido (sugerir, afirm ar, pretender I, toda a interpretação da
citação será afetada. M. Charolles. ao estudar estes verbos, chamando-
os de "verbos de comunicação-'", mostra que, excetuando dizer.
aparentemente neutro, os demais veiculam diversos tipos de pressu
postos. Tis algumas chis rubricas que enumera:
88
P M 0 c R
C onsidérer
(Considerar) + + + + +
T rou ver (achar,
imaginar) + + + — ___
E stim er (estimar,
julgar, reputar) + + —
+ f
fu gcr (julgar,
decidir) T ___ __
+ T
A vo ir Vimpression
(Ter a impressão) + — — _
Etre súr
(Estar seguro) ___ ___ ___
Sú
aos mais variados cnuneiadorcs: da opinião pública aos indivíduos,
passando por conjuntos discursivos mais ou menos extensos. À di
ferença dos fenômenos polilônieos já lembrados, este não se refere
às proposições, mas às palavras, sintagmas atribuídos a um outro
espaço enunciativo e cuja responsabilidade o locutor não quer as
sumir. Questionando desta forma o caráter totalmente apropriado da
palavra, as aspas designam a linha de demarcação que uma formação
discursiva estabelece entre ela e seu “exterior '-'1": um discurso efe
tivamente só pode manter à distância aquilo que ele eoloea fora de
seu próprio espaço. Uma formação discursiva se estabelece entre estes
dois limites, a saber, um discurso tolalmenie entre aspas, do qual
nada é assumido, e um discurso sem aspas que pretendería não e*
tabeleecr relação com o exterior.
qj
indeterminação dü discurso, o erro. o deslizamento, etc.; em segundo
lugar, porque o encaminhamento a um exterior explicitamente espe
cificado ou por especificar determ ina automaticamente, por diferença,
um interior, o do discurso ’’1 que, ao significar seus pontos de diver
gência com seu exterior, marca seu território próprio em um campo
onde a luta pela existência passa pelo domínio dc um certo número
de significantcs. Através de seu poder metadiscursivo, o sujeito de-
nega o lugar que lhe destina a formação discursiva em que se cons
titui: em lugar de receber sua identidade deste discurso, ele parece
construí-la, ao tomar distância, instaurando ele mesmo as fronteiras
pertinentes.
A PA RAF R AS A GI: M
ll(»
neutra: até mesmo lima paráfrase como "a democracia, que significa
u governo pelo povo” não reproduz um sentido contido em algum
dicionário absoluto. Esta fórmula intervém, com efeito, em um mo
mento definido de uma argumentação, em uma cena enunciativa e
uma formação discursiva particulares, entra cm uma rede de outras
fórmulas reivindicadas ou rejeitadas ("a democracia é a liberdade de
iniciativa” ou "a segurança para todos", etc.), cm suma, ela <5 um
fato discursivo, com tudo o que isto implica.
D/
|. Authier. que muito contribuiu parti que uma tal concepção
prevalecesse, cita este exemplo significativo, extraído de uma discussão
entre o encenador Marcei Bluwal e o escritor Rernard 1’ingaud'
IRONIA
qg
A partir daí. pode-se compreender as dificuldades colocadas pela
transcrição da ironia, pois não d possível recorrer à entonação ou à
mímica para desvendá-la. Torna-se obrigatória, então, a diversificação
dos meios utilizados: caráter hiperbólico do enunciado, explicitação de
uma entonação ("diz ele ironicamente"), aspas, ponto de exclamação,
reticências. Na ausência destes índices, resta apenas confiar no contexto
para nele recuperar elementos contraditórios. C. Kerbrat-Orecchioni
cita este fragmento de um artigo de crítica teatral: "As duas jovens
fundam, com algumas revoltadas, um jornal, "Femmes en coldre” . O
amor conduz, uma c outra, às mais sadias concepções de sua femini
lidade 41". O contexto indica que o jornalista se distancia ironicamente
na segunda frase mas, sem levar em conta as opções ideológicas do
próprio jornal, tal fato seria indeterminável.
100
Palavra, captada em sua fonte. ‘‘Os comentários, análises, glosas que
elas provocam não o esgotam. 1- preciso sempre partir dela e a ela
retornar'18'’. Produzindo uma frase do F.vangelho, por exemplo, sem
indicar sua proveniêneia, um autor religioso faz expressar-se, por seu
intermédio, uma voz da qual seria apenas o suporte contingente. As
coletividades supostas pelas formações discursivas partilham um tesouro
d e enunciados fundadores, cuja figura extrema será o slogan, a divisa.
Se não é necessário indicar-lhe a fonte, é justamente porque este nome
é o nome do Ausente supremo, aquele sem o qual a coletividade que
partilha o discurso não existiría ou não seria o que cia c. I-, aliás,
uma das características que distinguem as “ autoridades” próprias a
uma formação discursiva, daquelas a que recorremos nas trocas coti
dianas. O raciocínio por autoridade repousa sobre o seguinte princí
pio: “ partindo-se de um falo “ X disse [ —assertou] que P” e, com
base na idéia de que X ( "que não é um imbecil”) muito provavelmente
não se enganou ao dizer o que disse, é possível concluir sobre a ver
dade ou a verossimilhança de P. A fala de X. fato entre outros latos,
é, dessa forma, tomada como o índice da verdade de P 1!'". Mas, para
uma formação discursiva dada, X não pode ser qualquer um; existem
eucrções muito fortes que pesam sobre sua identidade, coerções estas
que, como vimos, remetem aos próprios fundamentos desta formação
discursiva r,u.
---------------------------■--------------------------------------, 101
1 U iflL IO ifc C A S E T O R IA L O I ÍD U C A Ç ÍO |
sentido estrito, citar um provérbio, relatá-lo; pode-se apenas referi-lo
a um Outro absoluto no qual estaríamos incluídos por direito
IMl CAÇÃO
cf subversão do um gêneio:
Illê
E x a m in a rem o s d ois e x e m p lo s , eu n esp o n d en ics às a lín e a s h c c.
IO!
transformado, por sua vez. cm lenda pela enunciação de uma ouira
lormação diseursiva
P A S I K l IL t I U R M A Ç À O D I S C U R S I V A
104
sujeitos reconliecem c produzem enunciados que pertencem a cmu ou
aquela formação discursiva.
105
de cntmciação. revelani-sc suhsliiuíveis, alingc-se uma polifonia lotai
menie radical em que um sujeito encerra em seu interior o ÜN qm
sustenta sua form ação discursiva
I0('
discursives, Prcsses Universitaires dc 1 von. 1978. p. 3 9 ) . (Pd. h r a s . : Pies
supostos e subentendidos (Reexam e)". in O d izer t o ilim. Campinas. Pon
tes Editores, 1987, p. 31-43)
10. S. Meleuc, “Structure de la maxime", in L an gages. n." 13. 1969. p 96. So
bre as Máximas de l.a Rocliefoucauld. ver também “ Introduelion à l ana
lyse sémiologique des M avim es dc I a Rochefoucauld" dc J. M. Martin e
lean Molino. in In log iqu e dn pltnisible. Paris. Pd. dc l a M a ta m ilc-
Sciences de I Honime. 1981. p. 147 776
11. Ver Ducrot P ile e! n e pas J i r t , Patis, llermann, 1972. p. 38. ( I rad bras.
Princípios dn S em ân tica l.ingiiíslictr dizer e n ã o tiizer. São Paulo. Cultrix.
1977) e l.a pren ve et le ilire. Paris, Mame. 1973. p. 117-131 ( I rad. bras.
P rovar A dizer, São Paulo, Global, 1981)
16. Ver em particular “Le stxle narrat f et la grammaiie <les discours direct et
indirect", in Cliangc, n.°s 16-17, Paris, l e Senil, 1973 c J. \uthier. l.es
formes du discours rapporté". in 1)RLA\', Cniversite de Paris V I II . n.° 17
1978, p. 1-88.
17. Esta questão foi tratada cm Initinlion ntiv m clliodcs d'nrwl\se dn d isco u m .
p 123-127.
2 2 . "Je trouve que", in S ém a n tik os, 1975, v. I, n.° I, i>. 63 c scg. A propósito
de l e pen se, J e crois, ver lambcnt A. M. Diller. "Analyse scmanliquc et
ptagmatique des phrascs disloquccs". in S ém an tikos, v. 6, n."s 1-2. 1983
24. Sobre esle assunto ver "Paroles tenues à distance" de í. Authier. in M ate
rialités discursives. Presses Universitaires de I i 1le. 1981
UI 7
2' liib u iu 'uiiiulnte, 1977: citado poi J. iiasi 11|i. "Sémanliquc, prnpm.uiqin r
discom s". / ih v, Paris X Nanlerrc. n." 4 1981. 1 p |l.
26 Ibidcm
lb t. e\ m ot\ (In ( I i u íh iis. Pai is. fdilinns ile Mimiil. 19X0, p 40.
11 Ibidem
lí» " l a paiaphrase enlie Ia languc el le discouis". in / <//r cnr /rii/ipimr n " 51
1982. Sobre esle assumo, do mesmo aulor. /o Paruphrute (Paris. P llf .
1981). bem como "Paraplnnse el mélalaiipue dans le dialogue de vulga
lisalion" tlu n n u c lru>nui\c. n " 54. 1982), de M I . Morlureus e " l e s
marqueius ile la ieíormulation p.iiaplnasliqiic" de L Ciülich e I. kolsclii
íC aJiiers de llil\'latlupie j m n e a ít e . u ° 5, 1984)
IOS
4 1 . "P ro b lèm es de 1’ironie” , in L 'iro n ie, Presses U n iv e rsiia ire s cie L y o n . 1978.
p. 28. Trata-se de um artigo de J . S ic lie r publicado no L e M o n d e ih
4-3-1974.
42 . D e 1'espril d e s lo is, X V . 2.
43 . " L c mot "nég re" dans les d ictio n n aii cs f i.m vals d A n c ic n Kégim e", l a n e m
fr a rn u ise , n .° 15, 1972, p. 103.
44 . N a lite ratu ra francesa recente conta-se. pelo m enos, quatro analises ddc
rentes: (1 ) D. Sperber e D. W ilson ( " l.c s iro nies comute m e n tio n s'. l’o e n
qu e, n .° 36, {9 7 8 ); ( 2 ) C . k c rb ra t-O re c c h io n i ( ” 1 'ironie eomme irope".
P oéliqtte, n .° 41, 19 80 ); (3 ) A . H errendonner que nela vê uma enunciarão
p arad o xal onde "o que o enunciado d iz é o c o n trá rio do que di/ a enun
c ia çâ o " (lilém en ts de pragm aliqu e linguistiquc, p. 2 2 2 ) ; (4 ) e a análise po
lifô n ic a de D u cro t.
52 . Sobre o p ro vérb io ver A . G re s illo n e D . M aing ueneau. "P o lyp h o n ie. pio
verbe et détournem enl” (Lnnpages, n .° 73. m arço, 1974 1 bem com o o
n .° 163 (1 9 7 6 ) da R ecue d es Sciences hu m ain es, in tciram enle consagrado
a esta questão.
53. Fu nd ad o no fim do século X I X por C h a rle s M a u rra s, este m ovim ento mo-
n arq uista exerceu uma in flu en cia co n sid erável sobre a vida política e inte
lectual francesa até a segunda G u e rra M u n d ia l. O s íascícu lo s chamam-se
R o m e et l'A c tio n fra n çaise. P a ris , É d . R ég io n alcs, 1927
109
ss I mi seu artigo " líis c o u rs b ih liq u c. discours polilique chc/ H cine tradilion
ou su bvctsio n” (A l o ls . n ." 2. M a rço , 1981. p. A5-5<>). A . (ir c s illo n c M
W crn e r m ostram com o um au to r, pertencente à mesma trad ição política de
V o lta ire . o scila entie a captação e subversão do discurso religioso : scra
necessário tra n sfo rm a i o discurso lib eral na nova Bíblia ou subvertei o dis
curso bíblico?
'b bste problem a é desenvolvido m ais sislem aticam enie em nosso liv ro (,V«< >
./// ./ h in ifi v i ap "*
I 10
2.
A UlilM DF FORMULAÇúl S
1 12
O que está em questionamento aqui é exatamente a relação com
o interdiscurso; é precise definir uma formação discursiva a partir de
seu interdiscurso, e não o contrário:
II>
oui' ■ *!v icm y 1' nntcrioies a ele e independeu: •mciile dele " " ) , cond
dcranJü apenas a sincronia, a presença do inierdiscurso no discurso
é inevitavelmente apagada.
I 1’
par exemplo, pertence ;io domínio de memória, eom as predicações que
autoriza e os termos pelos quais pode sei substituído
I 10
explícitas e não de uma partição espontânea do universo discursivo.
Certamente, a tradição legou um certo número de etiquetas (campos
discursivos religioso, político, literário, etc.), mas estas são grades
extremamente grosseiras, de pouco interesse para a AD, que é obrigada
a considerar múltiplos parâmetros para construir campos pertinentes.
I 18
UMA INTERINCOMPRPENSÃO CONS1 ITIJTIV \
120
Mas esta interincompreensão, que determina que se deve falar e não se
deve compreender, posmi uma vertente positiva; se ela proíbe que um
mesmo sentido circule de um sujeito para o outro, ela também pos
sibilita que os sujeitos partilhem o mesmo discurso, “ falem da mesma
coisa” .
121
A RI I AÇÃO POI f-MICA
122
devotu parece muito menos preocupado cm atacar os outros, passando
mesmo por tolerante. F.sta disparidade é melhor explicada se for com
preendido, que, para a semântica humanista devota, o ideal seria
fazer do discurso jansenista uma espécie, entre outras, de devoção,
austera no caso, cabendo ao cristianismo integrar estas diversas de
voções de uma totalidade harmoniosa (uma "ordem"). Nesta pers
pectiva, os partidários da austeridade são aceitos, participam da ordem
universal, mas com a condição de não serem mais do que um dos
componentes e de não reivindicarem o monopólio enunciativo. Este
esforço de integração do Outro, ou melhor de seu simulacro, fracas
sou. já que o discurso jansenista constituiu-se precisamente ao rejeitar
esta semântica integradora, substituindo a por um sistema de disjunções
radicais. Construído sobre a disjunção, o discurso jansenista só pode
desenvolver-se em um conflito incessante destinado a atribuir no Outro
a posição negativa cm seu próprio sistema. Para o analista do discurso
esta dissimetria entre os dois pólos do espaço discursivo não implica
como conseqiiência que a relação com o intcrdiscurso seja menos es
sencial, tanto num caso quanto no outro.
I?-,
sc Ioi comparada com a lisia dos debates possíveis: as controvérsias
giram, em geral, obstinadamente, em torno de alguns pontos, deixando
na sombra zonas imensas. I- difícil de aí não perceber pontos-chave.
do mesmo modo como se fala de palavras-chave, que constituem outras
tantas \ias privilegiadas de acesso ao dialogismo constitutivo. Mas.
precisamente, os assuntos de controvérsia são previamente levantados
em dois domínios: as zonas que já foram objeto de ataques e aquelas
que ainda não foram debatidas. No primeiro domínio, o discurso liltra,
entre os enunciados contra ele dirigidos, os tenras aos quais lhe parece
impossível não responder; no segundo, ele mesmo define pontos que
no conjunto dos textos do adversário, lhe parecem particulurmenie im
porlantes. De tun lado conto rio outro, o analista postula que as
‘‘escolhas'’ são reveladoras e permitem invalidar ou corroborar
hipóteses.
1 U é ra ril (ic n e llc . I n t r o d u c iio n à Í< o elu le\ ie. Paris | (- S c u il. 1979
4 O essencial encontra-se no n .° í'2 de Ixin gaves. jnnlto. 19X1, "A n a lyse iln
discours p o liliq n c ". in le ira m e n le dedicado ao trab alho de ( o n ilin e
7 Op. cit.. p. 21
X Ibidem
10 Op. c it., p. 31
13 Op c it., p s(j
21 O termo "d ialo g ism o " fo i. cvidenteincntc. «<'•" 'do em prestado de Bakhtin
12 b
T E R C E IR A P A R T E
AS PALAVRAS DO DISCURSO
Qualquer que seja a questão dominante da AD, nela o estudo do
léxieo ocupa um lugar importante. Mesmo que se entenda que, em
sua fase inieial, a AI) tenha atribuído um espaço exeessivamente am
plo às palavras, isto não significa que seja necessário negligencia las
agora, mesmo que seja apenas em função do papel privilegiado que elas
ocupam na consciência dos locutores. Para estes últimos, a identificação
das formações discursivas passa frequentemente pela descoberta das
palavras características, objetos de amor ou de ódio. Por mais que o
analista afirme que o essencial não é a unidade lexical, mas as pro
posições e, além delas, o texto no qual ela intervém, nem por isto esta
unidade perde seu estatuto singular.
130
Nesta terceira e última parte do livro, insistir-sc-á unicamente
sobre os aspectos da análise lexical que não foram tratados ou, se o
foram, esse tratamento não foi muito aprofundado no volume prece
dente. Tratar-se-á. inicialmente, das redes fora de contexto (cap. I).
que correspondem ao nosso terceiro conjunto e. posteriormente, tios
concelhos argumentalivos (cap. 2). que consistem nas "palavras ins
trumentais do segundo conjunto. Parece-nos que estes dois domínios
de pesquisa representam as tendências mais atuais do assunto. F.viden
temente, além das palavras, é uma certa concepção do discurso que.
mais uma ve/, está em questão
1.
m
de uma unidade lexical é insuficiente à medida que os processos dis
cursivos se desenvolvem em unidades linguísticas mais complexas e
mais vastas.
134
sua totalidade; cia ó perfeitamente legítima, sc duas condições forem
respeitadas:
* No original, en fan t oferece dupla leitura: pode ser interpretado como crian ça
ou como filh o . Dado o contexto em que se encontra o termo, ambas são
válidas. Optei por filh o para manter a relação com m ã e mas seria interessante
não esquecer a segunda leitura nas considerações que se seguem (N. do T . ).
135
xidade sintática c enuncialiva, nem eliminação do contexto, \r' que é
próprio a estas frases de exercícios exatamente oferecer enunciados
amplamente neutralizados e descontextualizados.
136
múltiplas, contraditórias, que remetiam à existência de séries de enun
ciados parafrásticos bem comprovados através das quais os dois ler
mos eram definidos 1~". Por exemplo:
X enofobia'' Não'
I
tudo bem; mas é preciso ver as coisas objctivamenie. não há
apartamentos com aluguel acessível. . .
De nossa parte, pensamos que o ideal seria não ter que realizar
tais escolhas. Compreende-se que os analistas do discurso se sintam cm
terreno mais familiar quando estudam enunciados seguidos, mas nem
por isso deixa de ser menos necessário definir uma abordagem lin
guística de processos que não dependam de uma contextualizaçào pró
xima. A intrincação essencial entre os enunciados apreendidos cm
sua linearidade e os processos que atuam sobre o conjunto do discurso
só pode representar uma realidade incontornável para a AH
G ru p o s Tem atizadus
I. X que I’
() que I’ é X
V é o que I’
I H
designado como lal ((, ,áolên eia não vem dos comunistas), mas so-
mente ele é conservado.
147
Esta divisão permite estabelecer comparações. Se. por exemplo,
cm Li forem selecionados os elementos cuja freqiiência absoluta é
superior ou igual a cinco ocorrências, serão localizados oito nomes
(cristãos, com unistas, crise. Franceses. França. Partido, pai-, p ov o);
se o comportamento destes oito nomes for observado em L-„ descobrir-
se-á que alguns deles são frequentemente tematizados e, inversamente
pouco determinados: povo, cristãos, França, com unistas. Em compensa
ção, observando em L.% as formas nominais que. com maior freqiiência.
encontram-se cm posição de forma nominal determinada e comparan
do-as com os resultados obtidos em Et, vê-se que algumas das pri
meiras são muito pouco tematizadas, a saber: classe, dem ocracia, m un
do, união, vida.
N em I.s em Li Diferença
Ação 5 3 2
Classe 8 0 8
Democracia 7 í--> 5
Homens 8 4 4
Mundo 6 1 s
União 8 3 f>
Vida 7 1 b
144
lurnos indetermináveis, que lhes assegura seu caráler pré-construido
Estas expressões aproximam-se da questão do nome próprio, verda
deiro leito de Procusto da Semântica. Pode-se sempre dizer que o
artigo definido veicula, além dos pressupostos de existência e unici-
dade, o de que o referente é conhecido pelo destinatái io. mas isto não
é suficiente para justificar o estatuto referencial de os comunistas em
um texto comunista ou de a m udança nos enunciados dos governantes
de esquerda, em 1981.
1-15
2 ) um subconjunto destes itens: por exemplo, os sintagmas que
o determinam (ter-sc-ia acesso, então, à construção do objeto denotado
no discurso e o meio para estudar o impacto desta determinação sobre
a construção das proposições):
I tõ
É preciso, entretanto, não se enganar; o interesse desse gênero
de abordagens será inevitavelmente limitado, enquanto não forem
postas em evidencia correlações estreitas entre os fenômenos de dife
rentes ordens. Caso contrário, corre-se o risco de chegar a um dese
quilíbrio entre a insignificância dos índices e a riqueza da interpre
tação que se lhe pode atribuir, ou, então, contentar-se com simples
constatações. Assinalando, por exemplo, que a C'G I' (Confederação
Geral do Trabalho) utiliza eles e elas com maior frequência que os
outros sindicatos, ).P. Sucur sugere, prudentemente, que esta predile
ção pelo plural “ manifesta uma realidade fundamental: a C G T é
sensível ao fato de que a luta sindical é, antes de mais nada. um
embate coletivo'10". Observar-se-á, entretanto, que esta interpretação,
na realidade, não se apoia sobre cies,'elas, mas sobre o estudo dos
substantivos que são seus antecedentes e que mais parece decorrer de
um saber exterior ao corpus do que de sua análise. Km compensação,
quando o autor registra o emprego superabundante que a mesma CG’I
faz da coordenação, dificilmente pode daí extrair uma interpretação:
dizer que a coordenação permite, por exemplo, “manifestar que um
processo se estende no espaço e no tempo" e que “é um traço constan
te na língua da C G T 11’’ (Cf. continuar e agravar esta política, o
número e a duração das greves, etc.), não vai muito além do estágio
da constatação.
147
determinado corpus. Se a abordagem que vai ser apresentada losse
aplicada a um corpos como o de Courlinc os resultados seriam extre
mamente pobres: nao apenas porque os dados não seriam suficientes,
mas ainda porque o estudo de elementos adjetivais não seria muito
rentável neste gênero de discurso.
148
O interesse niamlestado aqui pelos adjetivos de tipo avuliativo
contrasta notavelmente com os hábitos da AD, que se volta, geral
mente, para os substantivos, cujo conteúdo iJeológico parece mais
evidente. Na realidade, não há razão para marginalizar os advérbios
ou os adjetivos; no caso de um discurso devoto, compreende-se muito
bem que estas categorias desempenham um papel importante: a função
deste tipo de discurso é mais de definir um “ modo de ser” do que
uma doutrina, em sentido estrito. A devoção não é tanto uma virtude
particular, quanto um modo de regulação generalizada dos compor
tamentos.
149
sentido das unidades em língua, é preeiso referir-se au seu valoi n o
discurso: para tanto, são colocados na mesma classe os lermos que,
nas listas de associados, apresentam uma forte intersecção. podendo-se.
pois, considerá-los como equivalentes para esta formação discursiva
Por exemplo, em G~ inquieto e ap ressad o possuem os seguintes as
sociados 35:
150
— unidades cuja posição singular é explicada pela especificidade
da formação discursiva.
B I0 U O T 6 C A S E T O R IA L DC ÍD U C A Ç * 0 | 151
FACUI DAOE DE EDUCAÇÃO • 11 f ' ' ______
/um o peso da semântica linguística e aqueles que adotam uma atitude
contrária, tazendo tudo o léxico oscilar no campo do discurso.
152
Comentando uir. irabalho de A D 'iB que incide sobre os substan
tivos programa, projeto, p rop osição cm textos eleitorais de 1977-1978,
| Bastuji empenhou-se em mostrar que o sentido destas palavras não
é inteiramente determinado pelas posições ideológicas, isto é, que a
semântica da língua ai intervém com muita força. Na realidade, neste
corpus os empregos dos substantivos estudados correspondem com
exatidão aos significados que lhes estão associados nos dicionários de
língua: “ As quatro formações políticas exploram valores lexicais fixa
dos em francês contemporâneo sem absolvíam en te m odificar seu sen-
t i d o 39”, Estas palavras possuem certas virtualidades em língua e a
eficácia leva a respeitadas já que se trata de um discurso eleitoral
dirigido a um público a priori indeterminado, cujo interdiscurso é
muito pouco especificado. Program a é o termo convencional para
designar este tipo de produção; como o "programa comum" da es
querda dele se apropriou (fato de interdiscurso), os outros partidos
esforçam-se para encontrar, no interior do mesmo paradigma lingüís-
tico, substitutos entre os termos prefixados por pru-, o qual está asso
ciado a um esquema de “ movimento para frente” . Por outro lado,
há conformidade entre a necessidade de diferenciar-se de programa
e o próprio conteúdo dos lexemas em questão: projeto ou proposição
estão ligados, tanto na língua quanto neste corpus, a um indivíduo e
designam conjuntos abertos de enunciados e não, como programa,
um sistema relacionado a um sujeito coletivo. Assim procedendo, os
textos do Partido Republicano e do RPR* reafirmam obliquamente
suas opções liberais, ou seja, individualistas e pragmáticas. Utilizando
termos que não pertencem ao vocabulário político consagrado, fingem
escapar às singularidades politiqueiras.
154
D oce c palavra-chave do registro positivo do discurso humanista
devoto; nos textos que dependem desta doutrina, cada substantive
ao qual este termo está associado é afetado ipso f a d o por um estatuto
positivo. Como o discurso jansenista constituiu-se contra o humanismo
devoto, ele não pode mais assumir d o ce e emprega-o, desviando-o
através da paródia; colocada na boca de um humanista devoto carica
tural, esta palavra passa para o registro negativo jansenista: o contexto
mostra claramente que doce m áxim a equivale, de fato, à m áxim a ímpia
( = q u e autoriza o vício, em lugar de proibi-lo). Este processo de
“ tradução” modifica, pois. completamente o valor do termo, o que
uma simples analise cm língua não poderia mostrar.
155
legítimo (que deve expressar-se “ docemente”), seu “ caráter”, o gênero
de cenas enunciativas requeridas (cartas, conversas fam iliares)...
Tende-se a passar d e um a lex icolog ia a uma sem ântica “g lo b a l”, susce
tível de integrar as diversas dimensões da discursividade. Não é neces
sário que isto tome a forma de uma dependência comum face a um
mesmo sistema de restrições semânticas; o essencial é que, de direito,
nenhuma destas dimensões fique fora da análise
5. “ C o u rte critique pour une longue h isto ire” , in D ia le c tiq u e s , n .° 26, 1979
6. l.a n g a g e s . n .° 62, p. 79
8 l.a n g a g e s , n .° 70, p. 76
9. T ra ta -se do C ours rég u lier d e lan gu e jtan çaise (C u rso In te rm e d iá rio ), liv io
do m estre, de E . H a n rio t e E . H u le u x , P a ris, A lc id e P ic a rd et K a n n , 1906.
11. "K c la tio n s p arap hrastiques el constru ction du sens. A n a ly s e d ’une form ule
dans le discours xén ophob e” , in M o d e le s lin g u istiq u es, tom o IV , fascículo
I , 19X2, p. 39 e seg. Sobre o mesmo assunto, ver " R e c h e rc h ts sur les
d isco u rs xénophobes” de M . E b e l e P . E ia la , in T ru vau x du c en tre d e re-
c h e r c h e s s é m io lo g iq u e s . n .° s 27 e 28 . N euchátel, 1977.
12. A r i. c i l ., p. 60.
13 A r t . cit , p. 58.
14 A r t . c it., p. 63.
156
17. Lunguges. n.J 62, p
22. B. B asire , "G ro u p e s nom inaux satures et d isco u rs", in O R L A I'. n .u 27,
p. 47.
2 3 . "A n a ly s e s de d isco u rs: stratégie de d escrip tion le xlu e lle ". in M ots. n .° y,
p. 151.
2 4 . A r t . c it., p. 152.
2 5 . A r t . c it., p. 158
2 9 . O p. c it., p. 473
30 . O p. c it., p. 48 3.
31 Op. c it., p. 4 8 y
)/
38. T r a ta se de um a dissertação de m estrado de I . Ricateau-Pcrego que estuda
os textos sobre o en sin o , produzido pelo Partido R ep u b lica n o , pelo R P R
(R assem blem ent pottr Ia R é p u b liq u e ), pelo Partido C o m u n ista, pelo P a r
tido So cialista para as eleições leg islativas. A escolha destas palavras c e x
plicada pelo fato de elas figurarem nos títulos dos p ro g ram as: l.e P rojel
républicain , P rop osition s p o u r Ia F ran ce, P rogram m e C otnm um de G ouver-
nem ent. O artigo de J . B astu ji, “ Sém antiquc. pragm atique et discou rs".
encontra-se em l.in v . n " 4. 1981. p. 7-45
158
2.
OS CONECTIVOS ARGUMENTATIVOS
1Õ9
que a “ argumentação é sempre construída por alguém, contruriamenic
a uma demonstração que pode ser feita por "qualquer um". Trata-se.
pois, de um processo, pelo menos viitualmenle. dialógicu Quanto
mais estes trabalhos se refinam, mais parece evidente que a língua,
com certeza, pusbtii um valor argumentativo que é essencial, mas que
obedece a princípios absolutainente específicos. Nem por isso a AI)
deve ser relegada a uma concepção "retórica" da argumentação,
mesmo que, em boa parte, ela se construa no interior do campo que
a retórica tradicional ocupava. Permanece uma separação irredutível
entre esta retórica e seus prolongamentos modernos (as múltiplas téc
nicas da comunicação eficaz, da persuasão.. ) e a Al): enquanto a
primeira supõe um sujeito soberano que "utiliza" “ procedimentos”
a serviço de uma finalidade explícita, para a segunda, as formas de
subjetividade estão implicadas nas próprias condições de possibilidade
da formação discursiva.
lbü
SEMÂNTICA E ARGUMENTAÇÃO
I
À medida que o estudo destes conectivos repousa em boa parte
sobre as pesquisas de O. Ducrol e de |.C. Anscombre, é necessário
referir alguns de seus pressupostos teóricos. Trata-se, em primeiro
lugar, de uma certa concepção semântica; “ uma decisão que não de
pende de lima demonstração com pretensão científica". Como explica
Ducrot,
Os fran ceses estão cansados d e sua p olítica Cp): eles rcapem (q).
16'
mas sobre o p róp rio ato de enunciar (2) on (4). O que podería ser
assim interpretado: “ O ia to de o candidato afirmar, antes das elei
ções, que respeitará, após as eleições, a decisão do povo pode ser
suficiente para mostrar que se recusa a ser, iw m om en to em qu e lula.
como se dizia na época, o “candidato do medo” que se apoia no temot
de um golpe de Fstado para arrancar os votos s” .
1b4
seu adversário. Se este modo de dizer não traz consequências para u
estudo do uso comum da linguagem, é muito diferente para a Al), a
qual trata com sujeitos dominados pelas imposições das formações
discursivas e não com manipuladores que dominam do exterior suas
enunciações.
MAIS [MAS]
P MAS Q
Ib í S
Na análise que considerava a “ força argumentativa", dizia-se que
mas colocava Q como mais forte; na versão mais recente, m as não
estabelece diretamente relação entre P c Q, apenas coloca P como
“negligenciavcl". derivando a força maior de C).
P : E le é paulista
ü : Ele é honesto
Itm
cena conclusão, u fato dc sei moreno podería coimiiuii um argumento
mais 101 to do que o lato de uma outra pessoa mu simpática.
Nos exem plos trad uzid os que o eo ire rão ao longo deste capitulo, manteremos
sempre essa mesma co rre lação e n lic fta tu ê s e português (N do I I
descobre se a diferença entre a argumentação e a demonstração eoin
base em relações causais
C A R [ P O I S ] , PARC li 0 1 I f F O R Q U F ]. PUISOUF. [ P O I S O U b ]
tse em " P cur U" existem dois atos de enunciação, dos quais o
segundo é apresentado como destinado a legitimar o primeiro, esta
legitimação pode incidir sobre o direito de enunciar, como foi feito,
ou, mais freqüentemente, sobre o fato de apresentar Q como uma
razão para crer P verdadeiro. Enquanto com paree qu e o enunciado
era dado como incontestado, com ear. que permite a justificação,
P aparece necessariamente como objeto de uma contestação possível.
Em compensação, para o estatuto de Q. cur não impõe muitas res
172
triçõcs; este conteúdo pode ou não ser conhecido pelo destinatário
mas não precisa ser diretamente verificado na situarão de enunciação
(o que o tornaria incontestável). Fm geral, enquanto “ P purce que
Q ” estabelece uma relação de causalidade. "P car Q ” presume "que
tal relação existe, supõe que a verdade de Q torna aceitável a enun
ciação de P P assim que poderia ser explicado o efeito cômico
deste enunciado de Voltaire: “ O Senhor barão era um dos mais po
derosos senhores da Wesífália. pois [car] seu castelo tinha uma porta
e janelas”: a justificação Q aqui não tem valor, mas empregando car.
o autor simula considerá-la como suficiente. Distanciamento este que
permite perceber um fenômeno de ironia. A este emprego perverso,
opõe-se este oulio que explora, ao máximo, o valor pragmático de cu r
A: Ele veio
a m u o i e c A SETORIAL UB ■ OuqxçiQ V
I DADt p* E o uo A p rp *M 1
'|a que nenhum elemento verdudeiramente novo a propósito
ilos grandes proeessos internacionais foi trazido pelo ministro da
Alemanha Ocidental, é forçoso, pois [</ti/ic], que nos questione
mus sobre as razões desta visita relâmpago" (/ <•M onde. 6 / 1 / 1985.
P 4)
177
JL
Uma visit;i ;i Berlim Oiiental reveste-se, entretanto, queira
sc ou não, de um valoi político c simbólico que ultrapassa de
muito o aspecto puramente econômico" ( / c M onde l l / b / i q S i
P U-
I 7c>
Como se vê, não há nenhuma necessidade que haja eletivamente
uma argumentação anterior, já que a função de fiihilm ente é precisa-
mente de reinterpretar toda a seqiiência de enunciados anteriores
como orientada para uma certa conclusão, como se fosse conduzida
por um propósito argumentativo implícito Por exemplo, na seqüência:
I8U
agitação". Para que esta última interpretação seja possível, como
frequentemente ocorre quando se trata de conectivos argumentativos,
o conhecimento do interdiscurso se mostra indispensável. L-. uma di
mensão particularmente importante no discurso jornalístico, o qual
trabalha com um universo de boatos
D'AILLF.URS [ALIÁS]
IS?
ciação de R fosse suficiente para produzir autoridade. Indica-se, pois.
o lugar de argumentos cuja produção é dispensada.
15 R oto autant, po u rla n t (et com m en t): â petues causes, grands e lte ls ” , in
C a h iers d e lin guistiqu e fran çaise. n .° 5. 1983, p 69
17 So b ie estes tei m os, pode-se consultai O . D u cro t et ata. "C aiparcc que.
pu isqu e” , R ev ite R on u m e, 2 -X , 1975, p. 248-280; O. D ucro t et alii. Les
m ots du discou rs. p. 47-49; R . M a rtin , "1 e m ot puisque: notion d adverbe
de ph rase et de présupposition sém antique’ ’, Sludia n eop h ilolog ica, n .°
1, 1973, p. 104-114; S . F a ik , "Cor, p a n e qu e, puisque, dans les diolion
n aires de fré q u e n ce ", in L e (rançais m u dern e, n .° 2, 1978, p. 143-1 55.
S o b ie pu isqu e, em um quadro teoi ico totalm ente diverso, A C u lio li.
“ V a le u rs m odales et opérations éno n ciatives” , in L e (rançais m o d e m s .
n ° 4 , 1978, p. 303 e 316.
184
20 Ari. cil.. p. 271.
23. Seguimos aqui em suas linhas gerais o trabalho de A. Zenonc. " I a con
sécution sans conti adiction: d on c, por con seg u em , tilors, ainsi, oussi", iu
C ahiers d e linguistique fra n ça ise. n.°s 4 e 5. Todavia, não salientamos a
dimensão conversacional (ou seja, o papel que estes coneelivos desempe
nham na estruturarão das conversações) para nos atermos unicamente ao
valor argumentativo.
25. Ou melhor, da imagem que dele se tem: sabe-se, com efeito, que este
exemplo deformado não é arixtolélico. Aristóteles não considera o caso das
proposições singulares.
30 Sobie m ètne ver o uabalho tle J. C. Anscombre: “Mente le roi tle France
est sage". in C unm iunicalions. n.° 20. 1973 p 40-82
18 s
C O N C U JS A O
188
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189
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TE R C E IR A PA RTI
19b
índice r em issiv o
M I
M áxinnis, 81 tematização, 142. 144.
memória discursiva, I I 5, termos-pivôs ( métodos dos ). 133. 137.
menção (vs. uso). 89. 90. tom. 46
mostaula (heterogeneidade). 22. 75. topografia. 41 42
mctadiscurso, 93 U
metaprcdicação. 96
universo discursivo. 116.
uso (vs. menção). 89.
N
negação, 80. V
(descritiva). 81. 82 valência, 149.
— ( inctalingiiislica ). 84 verificador (agente). 78.
- (polêmica), 81, 82 visão do mundo. 50. 60, 187.
nominalização. 79 voz. 44.
198
L IN G U A G E M /C R ÍT IC A