Lourenço Mutarelli de Corpo Inteiro
Lourenço Mutarelli de Corpo Inteiro
Lourenço Mutarelli de Corpo Inteiro
26/11/2014
Ney Anderson
Entrevista:
Jesus Kid também vai ser adaptado para o cinema. Ainda sem previsão
de lançamento
AC – Em relação ao romance “Jesus Kid”, qual a importância que ele tem
na sua obra?
LM – Eu gosto muito dele. O Jesus Kid foi roteirizado e deve ser filmado
a qualquer momento. O ator Sérgio Marone comprou os direitos e está tentando
captar recursos. Eu não reli esse livro, mas eu li o roteiro, que é muito fiel. Acho
muito divertido. Inclusive, uma parte do Jesus Kid escrevi no Recife. Na época
estava ministrando uma oficina literária na cidade durante cinco dias e escrevia
bastante no hotel onde fiquei hospedado. O curioso é que no quarto do hotel
tinha uma banheira e na hora que fui tomar banho não havia a tampinha que
prende a água (como acontece no livro). Aconteceu só uma vez, mas o
recepcionista ficou muito desconfiado, entregou outra tampinha muito
contrariado. Essa história acabou entrando no romance. Me divertir escrevendo,
lavei muita roupa suja com as pessoas que encomendaram o texto. É um livro
que eu gosto muito. Ele é bem-humorado e esse romance tinha que ter um final
feliz e foi engraçado fazer, pois meus finais são sempre sem esperança.
AC – O Nada me faltará foi o seu trabalho mais ousado, já que é todo
montado apenas com diálogo?
LM – Cada livro para mim tem que ser uma experimentação. Nada me
faltará é totalmente inspirado na música minimalista. O Philip Glass (compositor
americano), não gosta do termo minimalista, ele diz que faz música com
estruturas repetidas. Isso me fascinou, eu quis escrever um livro com o mínimo
possível. O mais legal desse texto foi o processo de fazer e depois enxugar o
máximo para ver com quanto ele se matinha de pé, com o mínimo. Foi uma
experiência boa de fazer, radical, apesar de não ser um dos meus livros
preferidos.
AC – Vem mais coisas radicais por aí?
LM – Estou escrevendo um que é bem radical. Um livro truncado, de muita
pesquisa, e que flui muito bem. Às vezes eu digo que escrevo para quem não
gosta de ler, porque eu detestava ler os parnasianos, por que as coisas não
andavam. O importante para mim sempre foi fazer a história fluir. Mas estou
escrevendo um livro agora que o texto é engessado.
AC – Que livro é esse?
LM – É o romance do projeto Amores Expressos, da Companhia das
Letras, que eu fiz uma primeira versão. Eles (Cia das Letras) não gostaram,
depois mexi e não gostei e resolvi deixar para lá. Abandonei a ideia, deixei esse
livro guardado para ser publicado depois. É um romance póstumo, chamado
Ninguém gritava na ponte. Um romance ruim, forçado, não está numa boa
frequência. Eu escrevo como um escritor e depois eu leio como um leitor. Queria
apenas me livrar do texto. É importante, pois o erro te leva para outro caminho.
Aí peguei outra ideia e o novo vai se chamar Livro IV e/ou o Filho mais velho de
Deus. Estou adorando esse livro, eu escrevo sorrindo. É uma bobagem, uma
brincadeira, uma história sobre reptilianos, seres de outros planetas em forma
de réptil, e sexo anal. A grosso modo é isso, um cara de Minnesota (EUA), com
um amigo próximo que fala ter visto um disco voador. Aliás, um parêntese, meu
sonho era ver um disco voador e eu vi no Recife no ano passado (2013). Foi
quando estava chegando na boate Iraq, onde me chamaram para um bate-papo.
Foi lindo ter visto, era um objeto redondo com uma luz azul muito forte. Então,
voltando ao romance, o personagem do livro tem um amigo que diz ter tido uma
experiência desse tipo. O meu maior desafio é o seguinte, eu não acredito nos
reptilianos, o narrador não acredita e o protagonista também. Mas quero
construir uma dúvida em algum momento. Por isso que é um desafio grande. Na
história, o amigo do protagonista diz que viu essas coisas extraterrestres e
entrega um envelope para ele junto com um número, e fala para ele ligar se algo
acontecer e entregar o envelope para o contato. O protagonista está com a vida
bem parada e o amigo some, aí ele liga para o número, entrega o envelope.
Nesse momento, oferecem para ele uma nova identidade num esquema de
proteção. Não do governo, e sim de um grupo particular. Ele fica fascinado com
essa ideia de ter uma nova identidade, aceita e vai para Nova York. O livro é
muito em torno das experiências desse cara, vivendo num grupo de pessoas
estranhas, fanáticas com essa questão de óvnis, e ele tendo que se adaptar com
um novo nome, nessa nova cidade. A história de amor, exigência do projeto do
Amores Expressos, surge quando o protagonista começa a ter uma relação de
fachada com uma mulher, pois faz parte da proteção, e ele se apaixona por ela,
mas logo depois passa a desconfiar que a mulher seja um reptiliano.
filme e peça baseados no livro homônimo
AC – Lógico que não apenas os aspectos pessoais são importantes para compor
uma história. Existe também a influência externa, de outros autores. Quais
escritores fazem parte do seu universo literário?
LM – Eu não sei. Tem vários momentos com vários autores. Descobri há
três anos o Kurt Vonnegut, quem me indicou foi o Antônio Prata, por achar que
tem muito a ver com minha literatura, e tem mesmo, embora eu nunca tenha lido,
e apesar de ser algo diferente, ele trabalha o humor e o registro, a repetição das
palavras. No “Livro IV….” tem uma homenagem ao Vonnegut, o personagem
sempre fala dele. Kafka foi outro escritor, quando eu li era a mesma sensação
do mundo que eu tinha. Nunca mais reli Kafka. Foi incrível ler Os demônios do
Dostoiévski também. Teve uma época que fiquei totalmente contaminado por
William Burroughs, era uma influência psíquica, hoje não mais. Tento não me
influenciar, não seguir ninguém. Admiro, mas estão apenas nos meus altares.
AC – Mas você deve ler bastante coisa.
LM – Tem fases que sim. Esse ano eu li pouquíssimo. Não consigo, por
exemplo, ler no calor, não suporto o calor e não me concentro. Mas quando
começo a ler não paro. Eu li recentemente Berlin Alexanderplatz, de Alfred
Döblin, e amei. Fui para Portugal e comprei esse livro com uma tradução muito
mais poética. Acabei de ler Bom dia, Camaradas do Ondjaki, gostei muito. É
sobre a infância, mas uma infância bem diferente da minha, é tão calorosa,
compartilhada. É bonito ver como ele, Ondjaki, conseguiu encapsular isso até os
dias de hoje. Meu filho está escrevendo o segundo livro, ele não publicou ainda,
mas lê muito e acabou de terminar Misto Quente, do Charles Bukowski, e estou
lendo para conversar sobre o livro com ele. Quando estou escrevendo muito eu
não consigo ler, porque eu começo a analisar o livro não como um leitor comum,
eu adoro me perder como um leitor, não ficar analisando como o cara escreveu.
Eu sou muito exigente com os livros que leio, nas primeiras dez páginas o livro
tem que me conquistar ou então eu largo. Leio poucos contemporâneos, mas
acompanho o trabalho do Marçal Aquino, Marcelino Freire, amo o romance
Nossos Ossos, adoro a música que o Marcelino sabe utilizar nos livros dele,
principalmente o romance que falei, me emocionou bastante.
AC – Em 2011 você voltou ao universo próximo dos quadrinhos
publicando a história ilustrada Quando Meu Pai se encontrou com um ET fazia
um dia quente. Pretende publicar outras coisas do gênero?
LM – Esse quadrinho foi uma chantagem, me ofereceram um dinheiro
absurdo par fazer. Eu gosto do resultado, não gostei do processo. Achei que não
era a hora de ter voltado, mas fiz, foi um trabalho. Esse outro quadrinho que vem
encartado no próximo livro é algo muito mais visceral e interessante, além de
estar no contexto do romance.
AC – Você já disse que não gostava de internet, muito menos de redes
sociais. No entanto, tem um perfil no Facebook. Qual o motivo da mudança de
opinião?
LM – Eu sempre tive distância da internet, embora sempre utilizei para
comprar muito livro. Não só livro como também máquina de lavar, geladeira etc.
Eu detestava e-mail, achava um saco, o Orkut também. Quando comecei a dar
aulas, eram muitos e-mails de alunos e eu tinha que responder. Só respondo
meu e-mail apenas coisas de trabalho e alunos. O Facebook eu não tinha, mas
um cara usava meu nome, minha foto e postava umas coisas lá como se fosse
eu. Isso começou a incomodar, eu denunciei e o cara saiu. Depois de um mês
surgiu outro fake. Foi quando resolvi entrar na rede social. Gostei muito no
começo e agora já não tenho tanto prazer, porque tem muita gente chata pedindo
para que eu leia livros. Só te convidam e pedem, essa é a parte chata. O Grifo
de Abdera é uma parceria minha com o Mauro Tule Cornelli, um alter-ego meu,
criado para o livro. Ele tem uma página no Facebook, foi por isso que entrei na
rede social também. É um anagrama de Lourenço Mutarelli. Tudo o que ele posta
eu amo, tem a ver com meus livros. Ele é mais chato do que eu, mais careta. Ele
é o verdadeiro Mutarelli, eu que viajo e dou entrevista, sou um tiozinho que
aparece em outros livros, porque ele pagou uma pinga para eu sair numa foto
que ele não queria aparecer. Só que esse cara (eu) fica viajando e falando
besteira e isso o incomoda. O Livro IV… é dedicado ao Google, Google Tradutor,
Google Street View, Wikipédia, por ser feito disso, a minha relação com a internet
mudou completamente. Eu só não tenho paciência de ficar perdendo tempo.
Tenho hora para entrar no Facebook, sou muito focado. Não é uma coisa que
me pega ou vicia. Eu sou um cara compulsivo e poderia ficar horas lá dentro da
rede social.
Fonte: https://www.angustiacriadora.com/2014/11/lourenco-mutarelli-de-
corpo-inteiro/
Acesso em: 11/11/2019