Dom Casmurro

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Análise de obras literárias

DOm caSMURRO

mACHADO DE ASSIS

Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700


CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP
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SumÁrio

1. CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO..................................................... 7

2. Estilo literário da época............................................................ 9

3. O AUTOR.................................................................................................. 12

4. a obra..................................................................................................... 22

5. EXERCÍCIOS............................................................................................ 36
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DOm caSMURRO

mACHADO DE ASSIS
Dom Casmurro

1. CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO

O movimento realista/naturalista surgiu na segunda metade do século XIX,


quando, na Europa, fervilhavam inúmeras transformações técnico-científicas e
significativas mudanças no ambiente sociocultural: a civilização burguesa, in-
dustrial e mecânica começou a se firmar; o desenvolvimento científico avançou
nas áreas da Física e da Química; e uma nova fase na Revolução Industrial estava
em curso, com a utilização do aço, do petróleo e da eletricidade. Houve também,
diante do surgimento de grandes centros industriais, o inevitável aumento da
massa operária e de uma população marginalizada e explorada.
Em face dessas transformações, novas maneiras de interpretar a realidade
manifestaram-se em variadas atitudes ideológicas, científicas e filosóficas, as
quais deixaram marcas visíveis no movimento literário que surgia naquela época:
o Realismo/ o Naturalismo.
O positivismo, de Augusto Comte, defendia o cientificismo, ou seja, a visão
de que a realidade era concreta, objetiva e lógica, e desvalorizava o espiritual; o
niilismo, de Nietzsche (pensador alemão), negava os valores filosóficos e morais
do homem; o determinismo, de Hippolyte Taine (pensador francês), explicava as
ações humanas e a obra de arte pelo condicionamento do indivíduo a três fatores:
meio, momento e raça (hereditariedade). Daí o pessimismo de Schoppenhauer
(filósofo alemão), para quem a vida era a negação dos desejos e da felicidade,
que nunca se realizavam ou se satisfaziam.
Com a publicação de A origem das espécies, Charles Darwin expôs ideias
evolucionistas que se opuseram à origem divina do homem e ao misticismo
conferido ao ser humano no período romântico.
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Machado de Assis

Em Portugal, os ideais realistas/naturalistas anunciaram-se, em 1865, com


a polêmica Questão Coimbrã (ou Questão do Bom Senso e do Bom Gosto) e,
em 1871, nas célebres Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense, tendo
como representantes os jovens de Coimbra Antero de Quental, Eça de Queirós,
Oliveira Martins, Teófilo Braga e outros.
No Brasil, o impacto dos novos pensamentos europeus acelerou o fim da
arte romântica, pois, já na poesia do final de 1860, muitos românticos (Castro
Alves, Sousândrade, Tobias Barreto) apresentavam uma temática voltada para
as críticas político-sociais. Na década de 1870, o positivismo, de Augusto Comte,
encontrou em Tobias Barreto (porta-voz da chamada Escola de Recife) seu maior
divulgador.
O final do século XIX foi marcado por profundas alterações em muitos
setores da sociedade brasileira. Com a abolição dos escravos, encerrou-se um
longo período de mão de obra escrava e iniciou-se o trabalho assalariado, re-
presentado pelos imigrantes europeus. Desenvolveu-se uma economia voltada
para o mercado externo, que impulsionou o surgimento da burguesia mercantil.
Uma forte tendência ao ideal republicano se opôs ao descontentamento com o
regime monárquico. Somaram-se ainda a esses fatos o avanço das técnicas de
produção nas fazendas cafeeiras, o melhoramento dos portos, o aparecimento
da luz elétrica, por exemplo.
Foi diante desse panorama que as variadas posturas ideológicas euro-
peias encontraram no Brasil um ambiente propício para se disseminarem.
Os intelectuais da época entregaram-se aos ideais do positivismo, do darwinismo,
do determinismo e do cientificismo para poderem, por meio da arte, expressar
a realidade.

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2. Estilo literário da época


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A literatura realista e naturalista surgiu na França com Madame Bovary, em


1857, de Gustave Flaubert, e com o romance de “tese” de Émile Zola (1840-1902).
Idéias cientificistas e materialistas tornam-se filtros da realidade, revelando, na
prosa desses escritores, o interesse pela observação impessoal, racional e objetiva
dos fatos humanos e da vida.
No Brasil, foi em um momento de conturbada mudança histórica (abolicio-
nismo, ideais republicanos, crise na monarquia) que o Realismo/ o Naturalismo
se estabeleceu. Mais especificamente, esse movimento inaugurou-se no ano de
1881, com a publicação de dois romances fundamentais: O mulato, de Aluísio
Azevedo, considerada a primeira obra naturalista brasileira, e Memórias póstumas
de Brás Cubas, de Machado de Assis, o primeiro romance realista do Brasil.
Ainda que as obras realistas e naturalistas continuassem se manifestando
pelos anos seguintes, considerou-se como marco final do Realismo e início do Sim-
bolismo a publicação, em 1893, de Missal e Broquéis, ambos de Cruz e Souza.
Embora percorram caminhos diferentes, o Realismo e o Naturalismo
apresentam alguns pontos em comum, já que ambos se orientam, em suas nar-
rativas, pelo cientificismo e pelo materialismo, além de apresentarem temas que
se opõem ao movimento romântico e às instituições julgadas decadentes, como
a burguesia, o clero e a monarquia.
Como características individuais, a corrente realista apresenta interesse
pela descrição cruel e desencantada da sociedade, enquanto que a corrente na-
turalista defende a ideia de que o destino do homem é resultado de sua natureza
e hereditariedade.
Nos romances de tendência realista-naturalista, tornou-se clara a imagem
cética que os escritores tinham dos valores sociais e morais daquela época.
Destacam-se em suas obras posições ideológicas antimonárquicas, anticlericais
e antiburguesas. São comuns críticas ao clero (padres corruptos) e à família,
nos diversos casos de adultério, como ocorre em D. Casmurro, em Memórias pós-
tumas de Brás Cubas e em Quincas Borba. Além dessas características, revelam-se
ainda a valorização do coletivo, que focaliza grupos humanos marginalizados,
a análise psicológica das personagens, a onisciência do narrador, que observa as
cenas diretamente ou através de algumas personagens, e uma linguagem simples,
coloquial e contemporânea.
São representantes do Realismo/ o Naturalismo no Brasil: Aluísio Azevedo,
Raul Pompeia e Machado de Assis.
Machado foi quem melhor cultivou o romance realista. Na elaboração de
seus textos, utilizou-se constantemente da ironia e do sarcasmo, além de recur-
sos como as digressões (fruto das lembranças que surgiam inesperadamente na

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mente das personagens ou narradores), as alusões e paródias às grandes obras


europeias (intertextualidade) e às correntes filosóficas da moda, além de constante
e reveladora análise psicológica das personagens; de quebra, ainda rompeu, em
algumas narrativas, com a tradição da narração linear, cronológica. Sua noto-
riedade se deve à habilidade revolucionária com que lidou com esses recursos,
revelando em suas obras novas maneiras de criação literária.
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Machado de Assis

3. O AUTOR

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no


Morro do Livramento, no dia 21 de junho de 1839.
Pobre, gago, míope e epiléptico, além de mulato, o que, em um país racis-
ta, principalmente à época, era visto como um defeito social, Machado de Assis
era filho de um pintor de paredes (Francisco José de Assis) e de uma lavadeira
(Maria Leopoldina Machado de Assis). Com a morte da mãe (Machado de Assis
já havia perdido sua única irmã quatro anos antes), casou-se seu pai em segun-
das núpcias com a doceira Maria Inês da Silva, que se tornou responsável pela
criação e educação do enteado.
Autodidata, Machado de Assis interrompeu, com a morte do pai, os estudos
escolares no quarto ano primário para vender, pelas ruas do Rio de Janeiro, os
doces que a madrasta fazia.
Com dezesseis anos de idade ingressou na Tipografia Nacional do Rio de
Janeiro como aprendiz de tipógrafo, onde travou amizade com o romancista
das Memórias de um sargento de milícias, Manuel Antônio de Almeida (1831-1861).
Nessa época, publicou, na Marmota Fluminense, do jornalista Francisco de Paula
Brito (1809-1861), o seu primeiro texto literário, o poema Ela. A partir daí, não
deixou mais de publicar, explorando quase todos os tipos de textos: romances,
novelas, contos, crônicas, poesias, peças de teatro, críticas literárias.

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Funcionário público, chegou a membro da diretoria do Comércio e diretor-


-geral da Viação. Em 1869, casou-se com Carolina Novais, irmã do poeta portu-
guês Faustino Xavier (1820-1869). Podemos dizer que Carolina foi responsável
pela ascensão literária do marido, pois opinava, corrigia, modificava todo o seu
trabalho literário.
Após a morte da mulher, em 1904, Machado de Assis dedicou-lhe o se-
guinte soneto:

Querida, ao pé do leito derradeiro


Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro


Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados


Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados

Que eu, se tenho nos olhos malferidos


Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Em 1896, a pedido dos escritores Medeiros e Albuquerque (1867-1934) e


Lúcio Mendonça (1854-1909), encabeçou, com o historiador Joaquim Nabuco
(1849-1910), a ideia da fundação da Academia Brasileira de Letras, tornando-se
o seu primeiro presidente.
Machado de Assis morreu cercado de fama e glória, a 29 de setembro de
1908, em sua cidade natal.

Obras
Poesias
1864 – Crisálidas
1870 – Falenas
1875 – Americanas
1901 – Ocidentais
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Machado de Assis

Romances
1872 – Ressurreição
1874 – A mão e a luva
1876 – Helena
1878 – Iaiá Garcia
1881 – Memórias póstumas de Brás Cubas
1891 – Quincas Borba
1899 – Dom Casmurro
1904 – Esaú e Jacó
1908 – Memorial de Aires

Novela
1972 – Casa velha

Contos
1870 – Contos fluminenses
1873 – Histórias da meia-noite
1882 – Papéis avulsos
1884 – Histórias sem data
1896 – Várias histórias
1899 – Páginas recolhidas
1906 – Relíquias da casa velha

Teatro
1861 – Queda que as mulheres têm para os tolos
1861 – Desencantos
1861 – Hoje avental, amanhã luva
1862 – O caminho da porta
1862 – O protocolo
1863 – Quase ministro
1865 – Os deuses de casaca
1881 – Tu, só tu, puro amor
1910 – Não consultes médico
1910 – Lição de botânica

Crônicas
1910 – Reunidas no livro A semana.
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CARACTERÍSTICAS do estilo MACHADIANo


Como vimos, Machado de Assis iniciou a sua carreira literária como poeta,
ao publicar, ainda adolescente, o poema Ela. Entretanto, foi como prosador (princi-
palmente como romancista e contista) que ele se tornou o mais importante escritor
da literatura brasileira. Sofrendo influência de escritores e filósofos, tais como Manuel
Antônio de Almeida e Schopenhauer, Machado de Assis apresenta em sua prosa as
seguintes características:

Pessimismo
O pessimismo machadiano é influenciado pelo pensamento do filósofo
alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), em que nada existe de absoluto e nem
há uma verdade moral, como podemos perceber no capítulo “Das negativas”
que finaliza a obra Memórias póstumas de Brás Cubas:

Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto,


não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas
faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais;
não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas
umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e
conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este
outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste
capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da
nossa miséria.

Ironia
Considerado o mestre da ironia, Machado de Assis é um autor difícil de ser
vertido para uma outra língua, já que é preciso captar o que está nas entrelinhas,
o que está escondido por detrás de seu sorriso de escarninho. Dentre as várias
passagens irônicas, talvez a dita por Quincas Borba, no romance homônimo, ao
seu enfermeiro Rubião seja a mais conhecida. Filósofo-louco, Quincas prega, em
seu Humanitismo, a ideia de que a paz é a destruição e a guerra, a salvação da
humanidade, numa paródia (irônica) à teoria (que o próprio Rubião vivenciará
na prática) evolucionista do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882):

Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam


para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à
outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz
as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz,
nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e
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Machado de Assis

recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas


e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações
não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é
aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação
que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

Humor
O humor machadiano é sutil, velado, calcado na ironia, como podemos
perceber nesta fala de Brás Cubas, em suas memórias póstumas, ao definir o seu
romance com a prostituta (e, claro, interesseira) Marcela:

... Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.

Várias também são as passagens bem-humoradas em Dom Casmurro, como


estas, por exemplo:

Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a
geologia dos campos-santos.
Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas
e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a
besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo.

Metalinguagem
Assim como a ironia e o humor, a metalinguagem é uma característica
que Machado de Assis parece ter recebido de Manuel Antônio de Almeida ao
fazer a leitura das Memórias de um sargento de milícias. Lembremos que Machado
conheceu Almeida quando aquele era aprendiz de tipógrafo e este, o seu chefe.
A metalinguagem nada mais é que uma conversa com o leitor* sobre a própria
história que está sendo construída, como podemos verificar neste trecho de
Memórias póstumas de Brás Cubas:

Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo.
Cuido haver dito, no capítulo 14, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria,
vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros desse
mundo, gente muito vista na gramática.

* Não raro, Machado de Assis trava conversa com a leitora (inclusive em Dom Casmurro), como
neste trecho da Cantiga de esponsais, um de seus conhecidos contos:
Imagine a leitora que está em 1813, na igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas boas festas antigas,
que eram todo o recreio público e toda a arte musical.

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Também em Dom Casmurro a metalinguagem é frequente, dando a impres-


são de uma intimidade maior entre o autor, no caso o próprio Bentinho, e o leitor
(ou a leitora), como podemos verificar nestas três passagens:

Que é demasiada metafísica para um só tenor, não há dúvida; mas a perda da voz
explica tudo, e há filósofos que são, em resumo, tenores desempregados.
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimi-
lhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição.
Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor... Mas não adiantemos;
vamos à primeira tarde, em que eu vim a saber que já cantava, porque a denúncia de José
Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim. A mim é que ele me denunciou.

Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora
este livro, se o tédio já não o obrigou a isso antes; tudo é possível.

A leitora, que ainda se lembrará das palavras, dado que me tenha lido com atenção,
ficará espantada de tamanho esquecimento, tanto mais que lhe lembrarão ainda as vozes
da sua infância e adolescência; haverá olvidado algumas, mas nem tudo fica na cabeça.

Loucura
Se pegarmos os personagens que fazem parte da galeria dos grandes per-
sonagens machadianos, perceberemos que todos (exceto o conselheiro Aires*)
possuem algum desequilíbrio, alguma grave obsessão, alguns deles beirando as
raias da loucura, como Quincas Borba, Rubião e o doutor Simão Bacamarte, psi-
quiatra do conto O alienista, do qual retiramos a seguinte fala do protagonista:

– Trata-se de uma coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo
experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é
outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma expe-
riência, mas uma experiência que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus
estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é
um continente.

* Conselheiro Aires é o narrador de Esaú e Jacó. No ano da morte de Machado de Assis, em


1908, veio a lume Memorial de Aires, um romance de caráter autobiográfico sobre a vida do casal
Aguiar e D. Carmo (ou Machado de Assis e Carolina Novais). Único personagem consciente e
equilibrado criado pelo autor, o conselheiro Aires possuía, então, as credenciais necessárias para
narrar tal história, isto é, credibilidade e bom senso.
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Machado de Assis

Capítulos Curtos
Apesar das descrições, comuns na época realista, a narrativa de Machado
de Assis, ao contrário da dos naturalistas (que era lenta), é ágil, consequência da
adoção de capítulos curtos (alguns deles curtíssimos), que Oswald de Andrade
(1890-1954), em seus romances modernistas, chamou de relâmpagos. De Dom
Casmurro, retiramos o capítulo CXIX ou “Não faça isso, querida!”:

A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina
de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo.
Não faça isso, querida; eu mudo de rumo.

Adultério
Esse é um dos temas mais comuns em Machado de Assis. Em relação a
algumas mulheres, paira a dúvida do adultério*, como em Sofia (Quincas Borba),
em Conceição (A missa do galo) e, claro, em Capitu (Dom Casmurro). Desta obra,
retiramos um trecho:

Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva,


sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora,
como se quisesse tragar também o nadador da manhã.

Já outras são, assumidamente, adúlteras, como, por exemplo, Virgília


(Memórias póstumas de Brás Cubas) e Rita (A cartomante). Sobre este conto, em que
Rita torna-se amante de Camilo, o melhor amigo de seu marido Vilela, retiramos
o seguinte trecho:

Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se
acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o
veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo
sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não
tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados,
pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que al-
gumas saudades, quando estavam ausentes um do outro.

* Para Machado de Assis, o adultério se resume no feminino, já que, numa sociedade machista,
como a burguesa da época, não há história para o adultério masculino, como fica evidente neste
trecho de A missa do galo:
Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana.
Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça, mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e
acabou achando que era muito direito.

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Dom Casmurro

O psicolOgismo
O importante para Machado de Assis não é propriamente o enredo (este
fica relegado a um plano secundaríssimo, como podemos notar nas Memórias
póstumas de Brás Cubas e em Dom Casmurro), mas sim o amadurecimento do
personagem na presença do leitor, que acaba fazendo o papel de um analista,
enquanto o personagem é analisado. Essa linha introspectiva acabou por in-
fluenciar inúmeros escritores, principalmente os modernistas Graciliano Ramos
(1892-1953) e Clarice Lispector (1920-1977).
Em Dom Casmurro, Bentinho e Capitu são personagens complexos, isto é,
possuem uma carga psicológica muito grande, fazendo com que o leitor conheça
vagarosamente toda a personalidade deles.

Digressão
Recurso literário muito utilizado por Machado de Assis para esclarecer um
assunto que está sendo tratado, desviando-se, assim, da narrativa original, num
vaivém frequente, como podemos notar neste trecho do capítulo O Barbeiro, de
Dom Casmurro:

Perto de casa, havia um barbeiro, que me conhecia de vista, amava a rabeca e não
tocava inteiramente mal. Na ocasião em que ia passando, executava não sei que peça. Parei
na calçada a ouvi-lo (tudo são pretextos a um coração agoniado), ele viu-me, e continuou
a tocar. Não atendeu a um freguês, e logo a outro, que ali foram, a despeito da hora e de ser
domingo, confiar-lhe as caras à navalha. Perdeu-os sem perder uma nota; ia tocando para
mim. Esta consideração fez-me chegar francamente à porta da loja, voltado para ele. Ao
fundo, levantando a cortina de chita que fechava o interior da casa, vi apontar uma moça
trigueira, vestido claro, flor no cabelo. Era a mulher dele; creio que me descobriu de dentro, e
veio agradecer-me com a presença o favor que eu fazia ao marido. Se me não engano, chegou a
dizê-lo com os olhos. Quanto ao marido, tocava agora com mais calor; sem ver a mulher, sem
ver fregueses, grudava a face ao instrumento, passava a alma ao arco, e tocava, tocava...
Divina arte! Ia-se formando um grupo, deixei a porta da loja e vim andando para
casa; enfiei pelo corredor e subi as escadas sem estrépito. Nunca me esqueceu o caso deste
barbeiro, ou por estar ligado a um momento grave da minha vida, ou por esta máxima,
que os compiladores podem tirar daqui e inserir nos compêndios de escola. A máxima é
que a gente esquece devagar as boas ações que pratica, e verdadeiramente não as esquece
nunca. Pobre barbeiro! perdeu duas barbas naquela noite, que eram o pão do dia seguinte,
tudo para ser ouvido de um transeunte. Supõe agora que este, em vez de ir-se embora,
como eu fui, ficava à porta a ouvi-lo e a namorar-lhe a mulher; então é que ele, todo arco,
todo rabeca, tocaria desesperadamente. Divina arte!
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Machado de Assis

Flashback
Em muitos romances e contos de Machado de Assis, a história começa
pelo fim, como, por exemplo, em Memórias póstumas de Brás Cubas, O enfermeiro
e Dom Casmurro. Geralmente seus protagonistas, homens solitários (Brás Cubas,
Procópio e Bentinho, protagonistas das obras anteriormente citadas), tentam de
alguma forma explicar ao leitor, por intermédio de sua memória, o que o levou
a tal situação. Abaixo, o início do relato de Bentinho, narrador-personagem de
Dom Casmurro:
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos
os motivos que me põem a pena na mão.
Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propó-
sito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há
bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na
antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que
desapareceu (...).
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a ado-
lescência (...).
Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me
esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do
espírito. É o que vais entender, lendo.

Universalismo
Machado de Assis é um autor atual, isto é, que não sai de moda, já que
tratou de temas inerentes ao ser humano, como, por exemplo, hipocrisia, am-
bição, vingança, ódio, traição, loucura, preconceito etc. Muitos desses temas
não passam de uma crítica severa aos costumes burgueses. A ociosidade, por
exemplo, é uma constante, já que Brás Cubas, Quincas Borba, Rubião, Bentinho
e Procópio (personagem do conto do qual retiramos o exemplo a seguir) vivem
de heranças deixadas por pais, tios ou parentes distantes:

Assim, por uma ironia da sorte, os bens do coronel vinham parar às minhas mãos.
Cogitei em recusar a herança. Parecia-me odioso receber um vintém do tal espólio; era pior
do que fazer-me esbirro alugado. Pensei nisso três dias, e esbarrava sempre na conside-
ração de que a recusa podia fazer desconfiar alguma coisa. No fim dos três dias, assentei
um meio-termo; receberia a herança e dá-la-ia toda, aos bocados e às escondidas. Não era
só escrúpulo; era também o modo de resgatar o crime por um ato de virtude; pareceu-me
que ficava assim de contas saldas.
(...)
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Dom Casmurro

As obrigações do inventário distraíram-me; e, por outro lado, a opinião da vila era


tão contrária ao coronel, que a vista dos lugares foi perdendo para mim a feição tenebro-
sa que a princípio achei neles. Entretanto, na posse da herança, converti-a em títulos e
dinheiro. Eram, então, passados muitos meses, e a ideia de distribuí-la toda em esmolas
e donativos pios não me dominou como da primeira vez; achei mesmo que era afetação.

Preocupação formal
Ao contrário dos românticos, que seguiam o conselho do francês Victor
Hugo, isto é, nada de regras nem modelos, Machado de Assis se utiliza de uma
linguagem mais simples, porém correta gramaticalmente. Raros são os erros
cometidos por ele; mesmo assim, não ferem gravemente a norma gramatical.
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Machado de Assis

4. a obra

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Dom Casmurro

Como vimos, pessimismo, ironia, humor, capítulos curtos, metalinguagem,


análise psicológica, universalismo, dúvida do adultério, preocupação formal, di-
gressão, flashback estão presentes em Dom Casmurro. Além dessas características,
também encontramos:

– Intertextualidade: Dom Casmurro é uma prova inconteste de que Machado


de Assis tinha uma cultura de dar inveja a muitos estudiosos, principalmente
os da cultura clássica. O seu livro contém passagens interessantes sobre obras e
autores antigos, que passam a ter uma importância fundamental para o entendi-
mento da narrativa, como no capítulo Uma Comparação, em que Bentinho “tem
que ler” um discurso fúnebre ao “amigo-traidor” Escobar:

Príamo julga-se o mais infeliz dos homens, por beijar a mão daquele que lhe matou
o filho. Homero é que relata isto, e é um bom autor, não obstante contá-lo em verso, mas
há narrações exatas em verso, e até mau verso. Compara tu a situação de Príamo com a
minha; eu acabava de louvar as virtudes do homem que recebera defunto aqueles olhos...
É impossível que algum Homero não tirasse da minha situação muito melhor efeito, ou
quando menos, igual. Nem digas que nos faltam Homeros, pela causa apontada em Ca-
mões; não, senhor, faltam-nos, é certo, mas é porque os Príamos procuram a sombra e o
silêncio. As lágrimas, se as têm, são enxugadas atrás da porta, para que as caras apareçam
limpas e serenas; os discursos são antes de alegria que de melancolia, e tudo passa como
se Aquiles não matasse Heitor.

– Paródia shakespeariana: Dom Casmurro pode ser considerada uma


paródia de Otelo, tragédia escrita por William Shakespeare (1564-1616), já que
o ciúme doentio de Bentinho e a certeza de que fora traído pela sua mulher e
pelo seu melhor amigo são o motivo central para o seu relato, como podemos
perceber neste trecho:

O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas
de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este
lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
– E era inocente, vinha eu dizendo rua abaixo; – que faria o público, se ela deveras
fosse culpada, tão culpada como Capitu? E que morte lhe daria o mouro? Um travesseiro
não bastaria; era preciso sangue e fogo, um fogo intenso e vasto, que a consumisse de todo,
e reduzisse a pó, e o pó seria lançado ao vento, como eterna extinção...

– Bento Santiago e Capitolina: com relação ao nome dos protagonistas,


há certas curiosidades (e coincidências?) paradoxais. Vejamos:
Bento é um nome extremamente cristão, já que significa “abençoado por
Deus”; entretanto, de seu sobrenome Santiago podemos retirar Iago, persona-
gem de Otelo e responsável por atormentar Otelo com calúnias sobre a traição,
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levando-o a assassinar Desdêmona, sua fiel esposa.


23
Machado de Assis

Já o nome Capitolina, podemos considerá-lo originário de Capitólio (templo


romano, portanto pagão) ou do verbo capitular, cujo significado é renunciar, já
que Capitu não responde às indagações feitas por Bentinho acerca da traição.

– Complexo de Édipo: assim como no romance O Ateneu, do também


realista Raul Pompeia (1863-1895), encontramos em Dom Casmurro uma alusão
ao complexo de Édipo, já que Bentinho nutre por sua mãe (superprotetora) um
sentimento que, por vezes, escapa daquele meramente filial. Sua obsessão pela
mãe chega ao ponto de colocar, em seu túmulo, não o nome dela e as datas de
nascimento e de morte, como é de praxe, mas a inscrição: Uma santa.

– Um romance dos olhos: em Dom Casmurro, os olhos (e os olhares) de seus


personagens possuem uma importância fundamental no desenrolar dos fatos.
Os olhos de Capitu são de cigana oblíqua e dissimulada, além de olhos
de ressaca; segundo José Dias, os olhos de Escobar eram dulcíssimos; já para a
prima Justina, eram olhos de policiais a que não escapava nada; assim como os
olhos atentos e esquisitos de Ezequiel. Além dos olhos de Sancha:

Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que, graças às relações
dela e Capitu, não se me daria a beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não
convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra coisa,
e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo.
A noite era clara.

ENREDO
Dom Casmurro, romance de confissão, narrado pelo velho Bento Santiago
(55 anos), é uma das obras mais instigantes da literatura brasileira. O seu autor
(Machado de Assis, e não Bento Santiago) conseguiu o que poucos autores con-
seguiram: criar uma trama tão bem elaborada que não raro a obra é discutida
nas melhores faculdades de Direito, testando o poder de convencimento de
seus alunos: aqueles que defendem o narrador e aqueles que, julgando-o ser um
obcecado pela traição, defendem Capitu. O certo é que Bentinho não consegue
a submissão da mulher e, assim como era dominado pela mãe, passa a ser do-
minado por Capitu.
Porém, antes de começar propriamente a sua história, Bentinho explica o
título: um vizinho, a quem conhecia apenas de vista e de chapéu, sentou-se ao
seu lado no trem. Bentinho, ao não dar muita atenção a ele (que lhe entregara
alguns versos para ler), amuou-se, e dele recebeu o apelido Dom Casmurro:

Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à
alcunha, que afinal pegou (...)
24
Dom Casmurro

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão,
mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para
atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando.

Explicado o título, passa a explicar o que o levou a escrever o livro. Recons-


truiu, no Engenho Novo, com todas as minúcias, a casa em que se criara na rua
de Matacavalos, para assim confessar: O meu fim evidente era atar as duas pontas
da vida, e restaurar na velhice a adolescência.

Após essa explicação, passa a contar, definitivamente, a sua história, co-


meçando pelo ano de 1857, época em que Bentinho tinha 15 anos e Capitu, sua
vizinha e amiga, 14.
Capitu era filha do Pádua (o Tartaruga, apelido dado por José Dias) e de
dona Fortunata. Bentinho e Capitu encontravam-se diariamente.
Bento Santiago, o velho narrador, em seus primeiros capítulos apresenta ao
leitor as personagens: José Dias, agregado de sua família, que adotava superlativos
em sua linguagem; tio Cosme, viúvo e irmão de dona Glória, advogado gordo que
nas horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma ou outra vez dizia pilhérias; Dona Glória,
mãe de Bentinho, viúva de Pedro de Albuquerque Santiago, e por quem o filho
nutria grande admiração; prima Justina (prima de dona Glória), também viúva,
espécie de “dama de companhia” de dona Glória.
Como vimos, a digressão é uma das grandes características machadianas,
associada a um profundo pessimismo, como no capítulo “A Ópera”, interessan-
tíssima metáfora da criação do mundo:

– A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano,
em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que
lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros
numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente (...)
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que apren-
deu no conservatório do céu (...)
Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de
ópera, do qual abria mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua
eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que
valia mais que os outros, – e acaso para reconciliar-se com o céu – compôs a partitura, e
logo que acabou foi levá-la ao Padre Eterno.

Mas vamos ao primeiro drama vivido por Bentinho: o seminário. Dona


Glória, que havia perdido um filho durante o parto, fez uma promessa: o próxi-
mo filho, caso vingasse, tornar-se-ia padre. Nasce, então, Bento Santiago, com o
destino já traçado pela mãe: a vida clerical.
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25
Machado de Assis

Entretanto, Bentinho, ao escutar uma conversa entre José Dias e dona


Glória, descobre amar Capitu:

Como que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às
saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto. Antes de ela ir
para o colégio, eram tudo travessuras de crianças; depois que saiu do colégio, é certo que
não restabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a pouco, e no último
ano era completa.

E a reciprocidade se confirma quando Bentinho flagra Capitu gravando


no muro, com um prego, a seguinte inscrição: Bento e Capitolina. A partir daí,
Bentinho e Capitu passam a se preocupar com o destino que fora traçado para
ele: o seminário. Mas é Capitu que tem a ideia de Bentinho falar com José Dias
para que este interceda junto à dona Glória, livrando-o do seminário.
José Dias, espécie de pajem de Bentinho, promete ajudá-lo, principalmente
se ele trocar o seminário por um curso de leis na Europa, para onde desejava ir,
oferecendo-se para acompanhá-lo.
Enquanto não tem uma certeza por parte de José Dias, apela para todos e
para tudo:

Ao portão do Passeio, um mendigo estendeu-nos a mão. José Dias passou adiante,


mas eu pensei em Capitu e no seminário, tirei dois vinténs do bolso e dei-os ao mendigo.
Este beijou a moeda; eu pedi-lhe que rogasse a Deus por mim, a fim de que eu pudesse
satisfazer os meus desejos.
– Sim, meu devoto!
– Chamo-me Bento, acrescentei para esclarecê-lo.

Até mesmo apelaria ao imperador se pudesse ter a oportunidade. Chega a


devanear com essa possibilidade e o imperador dizendo à dona Glória:

– A medicina, – por que lhe não manda ensinar medicina?


– Uma vez que é do agrado de Vossa Majestade...
– Mande ensinar-lhe medicina; é uma bonita carreira, e nós temos aqui bons profes-
sores. Nunca foi à nossa Escola? É uma bela Escola. Já temos médico de primeira ordem,
que podem ombrear com os melhores de outras terras. A medicina é uma grande ciência;
basta só isto de dar a saúde aos outros, conhecer as moléstias, combatê-las, vencê-las...
A senhora mesma há de ter visto milagres. Seu marido morreu, mas a doença era fatal, e
ele não tinha cuidado em si... É uma bonita carreira; mande-o para a nossa Escola. Faça
isso por mim, sim? Você quer, Bentinho?

26
Dom Casmurro

– Mamãe querendo.
– Quero, meu filho. Sua Majestade manda.

Enquanto não chega a hora de partir para o seminário, Bentinho e Capitu


continuam a se encontrar com frequência, até que o primeiro beijo acontece. Após
o beijo, Bentinho descobre ser já um homem:

– Sou homem! (...)


O gosto que isto me deu foi enorme. Colombo não o teve maior, descobrindo a
América, e perdoai a banalidade em favor do cabimento; com efeito, há em cada adolescente
um mundo encoberto, um almirante e um sol de outubro (...)
... todos os meus nervos me disseram que homens não são padres.

Prestes a ir para o seminário, Bentinho ainda tenta convencer a sua mãe,


mas sua tentativa é em vão. Bentinho e Capitu fazem juras de amor:

– Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me
casarei com você. Basta isto?
– Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim, você jura... Mas
juremos por outro modo; juremos que nos havemos de casar um com outro, haja o que
houver.

No seminário, mas prometendo ficar só por um ano, Bentinho conhece


Escobar, tornando-se seu amigo e confidente. E é o próprio Escobar (que também
não tinha vocação para o sacerdócio, e sim para o comércio) que tem a melhor
ideia para livrá-lo do seminário: dona Glória passaria a sustentar um seminarista
pobre até a sua ordenação.

Tudo se fez por esse teor. Minha mãe hesitou um pouco, mas acabou cedendo, depois
que o padre Cabral, tendo consultado o bispo, voltou a dizer-lhe que sim, que podia ser.
Saí do seminário no fim do ano.

Não só Bentinho deixa o seminário como também Escobar. Bentinho se


forma em Direito e abre banca de advogado; Escobar vira comerciante.
Bentinho e Capitu se casam, cumprindo o juramento de adolescência.
Escobar também se casa, com Sancha, a melhor amiga de Capitu. Portanto, os
casais se aproximam ainda mais, para a alegria de Bentinho.
Escobar e Sancha têm uma filha. E, em homenagem ao casal de amigos,
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batizam a menina com o nome de Capitolina. Mas, para a felicidade ser com-
27
Machado de Assis

pleta, falta ao casal Bento-Capitolina também um filho. Por isso, rezam, fazem
promessas:

Não vinha. Capitu pedia-o em suas orações, eu mais de uma vez dava por mim a
rezar e a pedi-lo. Já não era como em criança; agora pagava antecipadamente, como os
aluguéis da casa.

Algum tempo depois nasce o filho: ...As invejas morreram, as esperanças nas-
ceram, e não tardou que viesse ao mundo o fruto delas. Não era escasso nem feio, como
eu já pedia, mas um rapagão robusto e lindo. Segundo o próprio narrador, felicidade
igual nunca sentira, referindo-se ao nascimento do menino. Para mostrar o quanto
era amigo de Escobar, decide dar-lhe o menino para batizar, mas o seu tio Cosme
se antecipa e se convida para o compadrio. Para suprir essa lacuna, Bentinho dá
ao menino o nome de seu amigo: Ezequiel.
O menino, tão curioso quanto a sua mãe, destaca-se por imitar as pessoas,
mas é a Escobar que ele imita com perfeição. Essa mania do menino não agrada
nem um pouco aos pais:

– ... eu só lhe descubro um defeitozinho, gosta de imitar os outros.


– Imitar como?
– Imitar os gestos, os modos, as atitudes; imita prima Justina, imita José Dias; já
lhe achei até um jeito dos pés de Escobar e dos olhos...

Bentinho recebe a notícia da morte do amigo: nadando no mar da praia do


Flamengo, Escobar morrera afogado. Em seu velório, Bentinho repara no olhar e
nos gestos de Capitu: No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão
fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas
e caladas...

Após o enterro, Sancha parte para o Paraná. Já aí Bentinho não tem dúvida
nenhuma: Capitu o traíra e Ezequiel não era seu filho, e sim de Escobar. Passa,
então, a tratá-la de maneira seca e indiferente. Tem Bentinho, após assistir à peça
Otelo, de Shakespeare, a ideia primeiro de se matar, tomando veneno no café;
depois, a ideia de matar o próprio filho, oferecendo-lhe o café:

Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão trêmulo que quase a entornei, mas
disposto a faze-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse, ou a temperatura,
porque o café estava frio... Mas não sei que senti que me fez recuar. Pus a xícara em cima
da mesa, e dei por mim a beijar doidamente a cabeça do menino.
– Papai! papai! exclamava Ezequiel.
– Não, não, eu não sou teu pai!
28
Dom Casmurro

Ao entrar na sala, Capitu não compreende a cena entre os dois. Bentinho,


então, diz a ela o que dissera a Ezequiel: que o menino não era o seu filho. Após
isso, a separação torna-se inevitável. Bentinho leva a mulher e Ezequiel para a
Suíça, onde se separa deles.
Morre dona Glória (Bentinho manda escrever em seu túmulo: Uma santa);
logo em seguida, morre José Dias, que, ao ver o céu azul, soltou o seu último
superlativo: lindíssimo!
Ezequiel, após anos, retorna à casa de Bentinho para comunicar a morte
de Capitu. Ao vê-lo, Bentinho tem a nítida impressão de que estava vendo à sua
frente Escobar.
Contou-me a vida na Europa, os estudos, particularmente os de arqueologia, que
era a sua paixão. Falava da Antiguidade com amor, contava o Egito e os seus milhares
de séculos, sem se perder nos algarismos; tinha a cabeça aritmética do pai.
Ezequiel, ao fazer uma expedição ao Oriente, morre de febre tifoide. E,
assim como ocorreu com Capitu, a morte de Ezequiel não comove o narrador.
Assim Bentinho termina, de maneira irônica e pessimista, a sua história:

E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto
dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos
ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-
-me... A terra lhes seja leve! Vamos à História dos subúrbios.

PERSONAGENS
Dr. Bento (Bentinho)
Amigo, namorado e marido de Capitu, Bento Santiago, filho de Pedro Al-
buquerque Santiago e Maria da Glória Fernandes Santiago, procura, por meio de
um relato extremamente pessoal, atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice
a adolescência.
Solitário e casmurro (o apelido fora dado por um vizinho), Bentinho é
obcecado pela traição da mulher com o melhor amigo dele, Escobar. De um ego-
centrismo doentio (que o aproxima de Brás Cubas), Bentinho tem pensamentos
diabólicos, mas, como fora criado sob a rigidez religiosa de sua “santa mãezinha”,
arrepende-se maquinalmente. Por exemplo, no episódio em que desejou a morte
da mãe para, com isso, livrar-se da promessa feita por ela:
Ia só andando, aceitando o pior, como um gesto do destino, como uma necessidade
da obra humana, e foi então que a Esperança, para combater o Terror, me segredou ao
coração, não estas palavras, pois nada articulou parecido com palavras, mas uma ideia
que poderia ser traduzida por elas: “Mamãe defunta, acaba o seminário”.
Leitor, foi um relâmpago. Tão depressa alumiou a noite, como se esvaiu, e a escu-
ridão fez-se mais cerrada, pelo efeito do remorso que me ficou.
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29
Machado de Assis

Capitu
Vizinha de Bentinho. Quando este inicia o seu relato, Capitu (Capitolina)
tem 14 anos. Considerada a mais enigmática personagem da literatura brasileira,
Capitu se caracteriza pela dissimulação (ela tem a capacidade de sair de situações
constrangedoras sem se alterar). Segundo o próprio Bentinho, Capitu era mais
mulher do que ele era homem ou, então, era mulher por dentro e por fora, mulher
à direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés até à cabeça. Morena,
cabelos longos, grandes olhos claros, nariz reto, boca fina e queixo largo, assim
ela é descrita fisicamente por ele. Além do olhar oblíquo e dissimulado, seus
olhos eram de ressaca: Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela
feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava
para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.
O capítulo abaixo, Que susto, meu Deus, dá-nos uma boa ideia do poder de
dissimulação de Capitu, após esta ter dado um beijo em Bentinho:

Quando Pádua, vindo pelo interior, entrou na sala de visitas, Capitu, em pé, de
costas para mim, inclinada sobre a costura, como a recolhê-la, perguntava em voz alta:
– Mas, Bentinho, que é protonotário apostólico?
– Ora, vivam! exclamou o pai.
– Que susto, meu Deus!
Agora é que o lance é o mesmo; mas se conto aqui, tais quais, os dois lances de
há quarenta anos, é para mostrar que Capitu não se dominava só em presença da mãe;
o pai não lhe meteu mais medo. No meio de uma situação que me atava a língua, usava
da palavra com a maior ingenuidade deste mundo. A minha persuasão é que o coração
não lhe batia mais nem menos. Alegou susto, e deu à cara um ar meio enfiado; mas eu,
que sabia tudo, vi que era mentira e fiquei com inveja. Foi logo falar ao pai, que apertou
a minha mão, e quis saber por que a filha falava em protonotário apostólico. Capitu re-
petiu-lhe o que ouvira de mim, e opinou logo que o pai devia ir cumprimentar o padre
em casa dele; ela iria à minha. E coligindo os petrechos da costura, enfiou pelo corredor,
bradando infantilmente:
– Mamãe, jantar, papai chegou!

Escobar
Melhor amigo de Bentinho. Conheceram-se no seminário, tornando-se
amigos e confidentes. Foi graças a uma ideia de Ezequiel de Sousa Escobar que
Bentinho conseguiu se livrar do seminário.
Assim como Bentinho, Escobar não tinha vocação para ser padre (a sua
vocação era o comércio). A amizade com Bentinho se fortalece quando Escobar
se casa com Sancha, a melhor amiga de Capitu.
É a partir do velório de Escobar que Bentinho tem a certeza de que foi traído
pela mulher e que Ezequiel não era seu filho, e sim de Escobar.
30
Dom Casmurro

Era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés,
como a fala, como tudo. Quem não estivesse acostumado com ele podia acaso sentir-se
mal, não sabendo por onde lhe pegasse. Não fitava de rosto, não falava claro nem seguido;
as mãos não apertavam as outras, nem se deixavam apertar delas, porque os dedos, sendo
delgados e curtos, quando a gente cuidava tê-los entre os seus, já não tinha nada. O mesmo
digo do pés que tão depressa estavam aqui como lá. Esta dificuldade em pousar foi o maior
obstáculo que achou para tomar os costumes do seminário. O sorriso era instantâneo, mas
também ria folgado e largo. Uma coisa não seria tão fugitiva, como o resto, a reflexão;
íamos dar com ele, muita vez, olhos enfiados em si, cogitando (...)
Era mais velho que eu três anos, filho de um advogado de Curitiba, aparentado com
um comerciante do Rio de Janeiro, que servia de correspondente ao pai.

Ezequiel
Filho de Capitu (tão curioso quanto a mãe) que, para Bentinho, era a prova
concreta de que fora traído por ela com Escobar. Sabia o menino imitar as pes-
soas, mas era Escobar quem ele mais sabia imitar: Eu mesmo achava feio tal sestro.
Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetidos, como o das mãos e pés de Escobar;
ultimamente, até apanhara o modo de voltar da cabeça deste, quando falava, e o de deixá-la
cair, quando ria. Quando Ezequiel retorna, após longos anos de ausência, Bentinho
vê no rapaz o próprio amigo Escobar. Estudante de arqueologia, Ezequiel acaba
morrendo em uma excursão feita ao Oriente.

Foi o caso que a minha vida era outra vez doce e plácida, a banca do advogado rendia-
-me bastante, Capitu estava mais bela, Ezequiel ia crescendo. Começava o ano de 1872.
– Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma expressão esquisita? perguntou-
-me Capitu. Só vi duas pessoas assim, um amigo de papai e o defunto Escobar.

Sancha
Melhor amiga de Capitu e mulher de Escobar. Ao nascer a sua filha, o casal
batiza-a com o nome de Capitolina, em homenagem a Capitu. Com a morte de
Escobar, Sancha se muda com a filha para o Paraná.
Em certa ocasião, Bentinho percebe os olhares quentes e intimativos de
Sancha, além do demorado aperto de mão ao se despedir.

Quando houvesse alguma intenção sexual, que me provaria que não era mais que
uma sensação fulgurante, destinada a morrer com a noite e o sono? Há remorsos que
não nascem de outro pecado, nem têm maior duração. Agarrei-me a esta hipótese que se
conciliava com a mão de Sancha, que eu sentia de memória dentro da minha mão, quente
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e demorada, apertada e apertando...


31
Machado de Assis

Dona Glória
Viúva, mãe de Bentinho. Dona Maria da Glória Fernandes Santiago perdera
o primeiro filho durante o parto. Ao engravidar pela segunda vez, fizera uma
promessa de que, se esse filho sobrevivesse, faria dele um padre. Dona Glória se
caracteriza pela superproteção, ao ponto de o leitor, em determinado momento,
desconfiar de um possível complexo de Édipo.

Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquer-
que Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis;
preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado (...)
Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por
mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo. Vivia metida em um eterno
vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e abrochado ao
peito por um camafeu. Os cabelos, em bandos, eram apanhados sobre a nuca por um velho
pente de tartaruga; alguma vez trazia touca branca de folhos. Lidava assim, com os seus
sapatos de cordovão rasos e surdos, a um lado e outro, vendo e guiando os serviços todos
da casa inteira, desde manhã até à noite.

Pedro de Albuquerque Santiago


Pai de Bentinho, de quem tem uma vaga lembrança. Morrera quando dona
Glória tinha 31 anos. A lembrança que tem do pai (que lhe deixou confortável
herança) está no retrato ao lado da mãe:

Não me lembra nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande;
o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados, efeito da
pintura que me assombrava em pequeno. O pescoço sai de uma gravata preta de muitas
voltas, a cara é toda rapada, salvo um trechozinho pegado às orelhas.

José Dias
Agregado da família de Bentinho. Aparecera na fazenda do pai de Benti-
nho, passando-se por médico. A pedido do próprio pai de Bentinho, José Dias
ficou morando com a família. Segundo Bentinho, José Dias amava os superlativos.
Era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servir a prolongar as
frases. Após a morte do pai de Bentinho, José Dias recebeu pequena herança e
continuou a viver com a família, pois dona Glória não permitiu que partisse.

Nem sempre ia naquele passo vagaroso e rígido. Também se descompunha em


acionados, era muita vez rápido e lépido nos movimentos, tão natural nesta como na-
quela maneira. Outrossim, ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas
comunicativo, a tal ponto as bochechas, os dentes, os olhos, toda a cara, toda a pessoa,
todo o mundo pareciam rir nele. Nos lances graves, gravíssimos.
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Dom Casmurro

Com o tempo, adquiriu certa autoridade na família, certa audiência, ao menos;


não abusava, e sabia opinar obedecendo. Ao cabo, era amigo, não direi ótimo, mas nem
tudo é ótimo neste mundo.

Espécie de pajem de Bentinho, José Dias o tratava com extremos de mãe e


atenções de servo. José Dias também é o responsável por descrever os olhos de
Capitu como sendo os de cigana oblíqua e dissimulada.

É por intermédio de José Dias, ao escutar uma conversa entre ele e dona
Glória, que Bentinho descobre estar apaixonado por Capitu. Bentinho também
tenta, com a ajuda de José Dias, livrar-se da promessa, feita pela mãe, de ter que
ir para o seminário.

Tio Cosme
Tio de Bentinho. Viúvo, vivia na casa de dona Glória, onde também morava
a prima Justina; portanto, era a casa dos três viúvos. Como advogado, tio Cosme
não conseguira enriquecer no foro: ia comendo. Tinha consultório perto do júri.
Criminalista, suas defesas eram sempre assistidas por José Dias, que se sentia
orgulhoso em vestir e despir a sua toga. Gordo e pesado, suava para montar em
sua besta que o levava para o escritório.

Contam que, em rapaz, foi aceito de muitas damas, além de partidário exaltado;
mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto
de ideias públicas e específicas. Agora só cumpria as obrigações do ofício e sem amor. Nas
horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma ou outra vez dizia pilhérias.

Prima Justina
Viúva, prima de dona Glória. Na descrição de Bentinho, era quadragenária,
magra e pálida, boca fina e olhos curiosos. Vivia conosco por favor de minha mãe, e tam-
bém por interesse; minha mãe queria ter uma senhora íntima ao pé de si, e antes parenta
que estranha.

Nas tentativas de se safar do seminário, Bentinho apela também para a


prima, ao que tem como resposta:

– Isso não, atalhou prontamente; prima Glória tem este negócio firme na cabeça,
e não há nada no mundo que a faça mudar de resolução; só o tempo. Você ainda era pe-
quenino, já ela contava isto a todas as pessoas da nossa amizade, ou só conhecidas. Lá
avivar-lhe a memória, não, que eu não trabalho para a desgraça dos outros; mas também,
pedir outra coisa, não peço. Se ela me consultasse, bem; se ela me dissesse: “Prima Jus-
tina, você que acha?” a minha resposta era: “Prima Glória, eu penso que, se ele gosta de
ser padre, pode ir; mas, se não gosta, o melhor é ficar”. É o que eu diria e direi se ela me
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consultar algum dia. Agora, ir falar-lhe sem ser chamada, não faço.
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Machado de Assis

Padre Cabral
Frequentador da casa de dona Glória e professor de latim de Bentinho. É
nomeado protonotário apostólico, isto é, responsável por anunciar e comentar
os atos do papa.

Era um velho magro, sereno, dotado de qualidades boas. Alguns defeitos tinha; o
mais excelso deles era ser guloso, não propriamente glutão; comia pouco, mas estimava o
fino e o raro, e a nossa cozinha, se era simples, era menos pobre que a dele. Assim, quando
minha mãe lhe disse que viesse jantar, a fim de se lhe fazer uma saúde, os olhos com que
aceitou seriam de protonotário, mas não eram apostólicos.
No capítulo A vocação, há um interessante diálogo entre o padre Cabral e
José Dias sobre a vocação sacerdotal. O padre, discordando de José Dias, diz:

– Um moço sem gosto nenhum à vida eclesiástica pode acabar por ser muito bom
padre; tudo é que Deus o determine. Não me quero dar por modelo, mas aqui estou eu que
nasci com a vocação da medicina; meu padrinho, que era coadjutor de Santa Rita, teimou
com meu pai para que me metesse no seminário; meu pai cedeu. Pois, senhor, tomei tal
gosto aos estudos e à companhia dos padres, que acabei ordenando-me. Mas, suponha
que não acontecia assim, e que eu não mudava de vocação, o que é que acontecia? Tinha
estudado no seminário algumas matérias que é bom saber, e sempre melhor ensinadas
naquelas casas.

Neste momento, prima Justina interrompe perguntando ao padre se era


possível entrar para o seminário e não se tornar padre. Padre Cabral diz que sim,
o que servirá de alento para Bentinho.

Manduca
Vizinho de Bentinho. De uma família pobre, Manduca sofria de lepra, por
isso mal saía de seu quarto. Em determinada época, travou amizade com Benti-
nho, em que os dois trocavam cartas sobre uma polêmica: a guerra da Crimeia,
isto é, a batalha entre a Rússia e os aliados turcos, franceses, ingleses e piemon-
teses. Bentinho era pelo primeiro; Manduca, pelos segundos. Ao saber da morte
do rapaz, o egocêntrico e irônico Bentinho não se conformou com a notícia, não
pela morte de Manduca em si, mas porque ela representava uma “nuvem negra”
em cima de seu dia de homem enamorado:

Não culpo ao homem; para ele, a coisa mais importante do momento era o filho.
Mas também não me culpem a mim; para mim, a coisa mais importante era Capitu. O
mal foi que os dois casos se conjugassem na mesma tarde, e que a morte de um viesse
meter o nariz na vida do outro. Eis o mal todo. Se eu passasse antes ou depois, ou se o
Manduca esperasse algumas horas para morrer, nenhuma nota aborrecida viria inter-
romper as melodias da minha alma. Por que morrer exatamente há meia hora? Toda hora
é apropriada ao óbito; morre-se muito bem às seis ou sete horas da tarde.
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Dom Casmurro

Pádua
Pai de Capitu e marido de dona Fortunata. Era um homem baixo e grosso,
pernas e braços curtos, costas abauladas, donde lhe veio a alcunha de Tartaruga, que José
Dias lhe pôs.
Empregado de uma repartição, João Pádua conseguira comprar a casa
vizinha à de Bentinho ao ganhar na loteria. A princípio teve a intenção de
comprar jóias, cavalos e sepulturas, mas foi convencido pela mulher (auxilia-
da por dona Glória) de que o melhor era empregar o dinheiro na compra do
imóvel. Por algum tempo, substituiu o administrador da repartição em que
trabalhava. Por quase dois anos viveu na suposição de uma eterna interinidade.
Ao voltar para o seu posto de origem, com a chegada do administrador, sentiu-
-se humilhado, com vontade de morrer. De tanto ouvir que o marido desejava a
morte, dona Fortunata foi pedir auxílio à dona Glória:

Minha mãe foi achá-lo à beira do poço, e intimou-lhe que vivesse. Que maluquice
era aquela de parecer que ia ficar desgraçado, por causa de uma gratificação menos, e
perder um emprego interino? Não, senhor, devia ser homem, pai de família, imitar a
mulher e a filha... Pádua obedeceu; confessou que acharia forças para cumprir a vontade
de minha mãe.
– Vontade minha não; é obrigação sua.
– Pois seja obrigação; não desconheço que é assim mesmo.

– Espaço: os espaços retratados em Dom Casmurro são: a casa de Matacavalos


em que Bentinho vivera a infância e a adolescência; o quintal da casa de Capitu,
onde se encontravam frequentemente; o seminário; a casa na Tijuca, já casado com
Capitu, e a do Engenho Novo, onde Bentinho reconstituiu a de Matacavalos.

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito,
levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes
anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de
Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu.

– Tempo: o tempo cronológico, isto é, aquele marcado por datas, horas, dias,
etc., é o do segundo reinado de dom Pedro II. A narrativa tem início em 1857 (Ben-
tinho com 15 anos) e termina por volta de 1897 (Bentinho com 55 anos). Já o tempo
psicológico é o que se destaca, por ser uma obra introspectiva, ou seja, os fatos
surgem por intermédio da memória (não tão prodigiosa assim) do personagem.

Para não ser arrastado (pelos olhos de ressaca de Capitu), agarrei-me às outras
partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão
depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ame-
açando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo?
Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas
pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e
dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos
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tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos...


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Machado de Assis

5. EXERCÍCIOS
1. PUC-RS
Sobre o romance Dom Casmurro, de Machado de As-
sis, o ensaísta português Helder Macedo afirmou:
Na destruição de Capitu, na neutralização do de-
safio ao modo de ser alternativo que ela representa, reside
o propósito fundamental da restauração procurada por
Bento Santiago através da escrita do seu memorial. [...]
Ela era uma estranha, uma intrusa, uma ameaça ao status
quo, um indesejável traço de união com uma classe social
mais baixa, representando assim também, implicitamente, a emergência potencial de uma nova
ordem política que ameaçasse o poder estabelecido da sua rebelde personalidade – curiosidade
intelectual, gosto pela aritmética, talento financeiro, capacidade de abstração e de previsão – eram
qualidades convencionalmente associadas à mente masculina, não qualidades aquiescentemente
femininas. O narrador deixa entrever de forma sistemática quando poderia haver de suspeito
e de perigoso, social e sexualmente, nas suas motivações. Classe e sexo são assim fundidos na
mesma ameaça representada pela moralidade supostamente dúbia de Capitu.
Helder Macedo. Machado de Assis: entre o lusco e o fusco.

Qual dos trechos de Dom Casmurro exemplifica as ideias críticas de Helder Macedo?
a) Capitu não achava bonito o perfil de César, mas as ações citadas por José Dias davam-
-lhe gestos de admiração. Ficou muito tempo com a cara virada para ele. Um homem
que podia tudo! Que fazia tudo! (Capítulo XXXI – As curiosidades de Capitu)
b) Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-
-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe
desciam à cintura (Capítulo XXXIII – O penteado)
c) Capitu ia agora entrando na alma de minha mãe. Viviam o mais do tempo juntas,
falando de mim, a propósito do sol e da chuva, ou de nada; Capitu ia lá coser, às ma-
nhãs; alguma vez ficava para jantar (Capítulo LXVI – Intimidade)
d) Capitu gostava de rir e divertir-se, e, nos primeiros tempos [de casados], quando íamos
a passeios ou espetáculos, era como um pássaro que saísse da gaiola. Arranjava-se com
graça e modéstia (Capítulo CV – Os braços)
e) Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois
um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele
[...] (Capítulo CXXXIX – A fotografia)
2. UFC-CE
Assinale a única alternativa que não é verdadeira em relação ao romance Dom
Casmurro.
a) Dom Casmurro pode ser considerado um romance psicológico, no qual o nar-
rador se revela, se denuncia, se analisa.
b) Em passagens como: “Deus é o poeta. A música é de Satanás...”, frequentes
em Dom Casmurro, Machado revela o homem como ser dual, buscando sempre
caminhos opostos.
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Dom Casmurro

c) Escobar é a personagem que, em Dom Casmurro, responde pelo clima dúbio


que conduz narrador e leitor à suspeita de um possível adultério.
d) Como tema de fundo para ressaltar o tema maior de seu romance, Machado
de Assis retrata, em Dom Casmurro, com pinceladas de artífice-artista, usos,
ritos, credos e crenças da sociedade do Segundo Império.
e) A narrativa machadiana em Dom Casmurro obedece aos cânones da lineari-
dade romanesca, na qual o leitor avisado observa, no relato da vida de uma
personagem qualquer, a evolução de seu nascimento, vida e morte.
3. UFG-GO
Leia com atenção a seguinte afirmação crítica sobre as personagens femininas
criadas por Machado de Assis:
As mulheres de Machado sugerem muito mais do que dizem. Adivinha-se o que
vai no coração delas por atitudes, gestos, olhares, e nunca se tem certeza de lhes ter des-
vendado os verdadeiros motivos nos sinais exteriores.
SCHÜLER, Donald. Teoria do romance. São Paulo: Ática, 1989.

Com base nessa afirmação, descreva duas situações vividas por Capitu em
Dom Casmurro, explicitando os traços de sua personalidade dissimulados sob
suas ações.
4. Fuvest-SP
Com essa história enjoada de traiu ou não traiu, de Capitu ser anjo ou demônio,
o leitor de Dom Casmurro acaba se esquecendo do fundamental: as memórias
são do velho narrador, não da mulher, e o autor é Machado de Assis, e não um
escritor romântico dividido entre mistérios.
Aceitas as observações acima, o leitor de Dom Casmurro deverá:
a) identificar o ponto de vista de Capitu, considerando ainda o universo próprio
da ficção naturalista.
b) reconhecer os limites do tipo de narrador adotado, subordinando-o ao peculiar
universo de valores do autor.
c) aceitar os juízos do velho narrador, por meio de quem se representa a índole
confessional de Machado de Assis.
d) rejeitar as acusações do jovem Bentinho, preferindo-lhes a relativização pro-
movida pelo velho narrador.
e) relativizar o ponto de vista da narração, cuja ambiguidade se deve à perso-
nalidade oblíqua de Capitu.

5. ITA-SP
As afirmações a seguir referem-se à obra Dom Casmurro. Apenas uma delas é
incorreta. Assinale-a.
a) Quanto ao foco narrativo, o “eu” do narrador se identifica com a personagem
central do romance, transformando-se numa espécie de diário íntimo da per-
sonagem Bentinho.
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Machado de Assis

b) Bentinho constitui a personagem que primordialmente realiza a função emotiva


ou expressiva, pois o foco narrativo vem de Bentinho e dele derivam os senti-
mentos, as ideias e as sensações com relação às personagens que com ele entram
diretamente em contato: Capitu, Dona Glória, José Dias, Escobar, Ezequiel.
c) Machado de Assis, deslocando o foco narrativo para o narrador-protagonista,
adota uma atitude que, aparentemente, retira do autor do romance a responsa-
bilidade pelo que está sendo relatado. Ele como que se isenta da culpa do que
ali vai sendo narrado, pois é a personagem Bentinho quem fala diretamente
ao leitor.
d) A ação é essencialmente psicológica e limita-se ao processo da conquista re-
alizada por Capitu e à consequente queda e destruição interior de Bentinho.
e) A ação desenvolve-se em torno das tentativas de uma explicação do adultério
cometido por Capitu, e esta dúvida é dirimida ao leitor no final do romance.
6. UEL-PR
O romance Dom Casmurro, de Machado de Assis:
a) filia-se à corrente naturalista, uma vez que o autor, entusiasmado pelas teses
cientificistas da época, elegeu o meio e a hereditariedade como as forças bá-
sicas de construção de seu universo ficcional.
b) é considerado um representante tardio do romance social urbano, na linha
inaugurada por José de Alencar, pelo tratamento ousado e direto dado ao
tema do adultério.
c) representa um dos pontos altos do realismo brasileiro, pois ultrapassa os
limites de um banal caso de adultério e tem, na condição humana, captada
pelo viés da ironia, a matéria de sua narrativa.
d) deve ser encarado como uma produção independente em relação à nossa
tradição literária, visto que inaugura a chamada prosa poética de cunho in-
trospectivo, precursora do romance intimista dos anos 30.
e) está comprometido com os postulados da estética pré-modernista, não só pela
escolha corajosa do tema, mas também pela linguagem agressiva, de denúncia,
que investe contra os valores burgueses.
7. Unicamp-SP
Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era
homem. Se ainda não o disse, aí fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem
incutir na alma do leitor, à força de repetição.
Machado de Assis, Dom Casmurro
No trecho acima, o narrador, Bentinho, apresenta uma interessante com-
paração ao leitor: Capitu (...) era mais mulher do que eu era homem. Considerando
tal comparação, responda:
a) Que características do comportamento das duas personagens, quando crianças,
permitem entender a afirmação de Bentinho?
b) Qual é a diferença fundamental entre Bentinho-narrador, que está escrevendo
a história de sua vida, e Bentinho-menino, que se surpreendia com o compor-
tamento de Capitu?
38
Dom Casmurro

8. ITA-SP
Tinha lembrado a definição que José Dias dera deles, “olhos de cigana oblíqua e
dissimulada”. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada eu sabia, e queria ver se
se podiam chamar assim [...] deixou-se fitar e examinar. Só me perguntara o que era, se
nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.
A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que
era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes,
enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com
tal expressão que...
O excerto acima faz parte do romance.................., cuja personagem feminina
é.................................
a) Memórias póstumas de Brás Cubas – Virgília.
b) Dona Flor e seus dois maridos – Dona Flor.
c) Dom Casmurro – Capitu.
d) O cortiço – Rita Baiana.
e) Senhora – Aurélia Camargo.
9.
A única obra machadiana que não pertence à sua segunda fase é:
a) Memórias póstumas de Brás Cubas.
b) Dom Casmurro.
c) Quincas Borba.
d) Esaú e Jacó.
e) A mão e a luva.
10. UFPA
Os enredos dos romances Dom Casmurro e Senhora, do ponto de vista do leitor,
remetem a(à):
a) ratificação do papel submisso da mulher no século XIX, através das protago-
nistas.
b) crítica da escravidão.
c) uma visão da mulher que, conscientemente, quer ser agente do seu destino – é
o caso de Capitu, em Dom Casmurro, e de Aurélia, em Senhora.
d) supervalorização do sentimento amoroso das protagonistas.
e) construção de caricaturas femininas do século XIX, por isso Capitu, em Dom
Casmurro, e Aurélia, em Senhora, aparecem transformadas e deformadas.
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Machado de Assis

Gabarito
1. C 7.
2. E a) Capitu era decidida, conseguia sair de situa-
3. Podemos citar várias passagens, tais como: a ções constrangedoras sem se alterar, enquanto
cena em que Bentinho penteia os cabelos de Bentinho era tímido, não tinha “presença de
Capitu e esta quase é surpreendida por sua espírito”, além de extremamente inseguro.
mãe, dona Fortunata; a sua atitude durante b) Bentinho-narrador é um indivíduo maduro,
o velório de Escobar; o seu silêncio quando porém amargurado, obcecado e desiludido;
é indagada por Bentinho a respeito de uma já o Bentinho-menino era o oposto, isto é,
possível traição. ingênuo, apaixonado e sentia-se “inferior”
4. B a Capitu.
5. E 8. C 9. E
6. C 10. C

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