Da Fotomontagem Às Poéticas Digitais
Da Fotomontagem Às Poéticas Digitais
Da Fotomontagem Às Poéticas Digitais
As POETICAS
DIGITAIS
HELlO CARVALHO
CAMPINAS 1999
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
MESTRADO EM MULTIMEIOS
Agradecimentos
indice
indice iv
Lista de Figuras vi
Resumo viii
Apresenta~ao da Pesquisa x
Delimita9ao do Problema x
Hip6teses e Justificativas xii
Objetivos da Pesquisa xiv
Procedimentos e Metodologia xv
Revisao Bibliografica xvii
Desenvolvimento dos Capitulos xx
lntrodu~ao 1
Capitulo I
1. A Fotomontagem Como Meio Expressivo 5
1.1. Caracterizando a Fotomontagem 6
1.2. Os Antecedentes da Fotomontagem 7
1.2.1. A Fotografia 7
1.2.2. 0 Cinema 12
1.2.3. 0 Cubismo 13
1.3. 0 Surgimento da Fotomontagem -A Fotomontagem Dadaista 15
1.4. A Fotomontagem Surrealista 21
1.5. Construtivismo e Bauhaus 25
1.6. A Arte Pope a Propaganda 31
1.7. A Fotomontagem Digital 35
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais v
Capitulo II
2. Analise Estrutural da Fotomontagem 42
2.1. Desmontando a Fotomontagem 44
2.2. 0 Fragmento 46
2.2.1. 0 Fragmento na Fotomontagem 48
2.3. 0 Questionamento da Representagao 52
2.4. Apropriagao e Reconstrugao 54
2.4.1. Bricolage 54
2.4.2. Conceitos de Montagem 56
2.5. Articulagao entre Signos 59
Capitulo Ill
3. Urn Experimento com as Poeticas Digitais - Virtualma 63
3.1. Genese 64
3.2. Desenvolvimento da Multimidia 68
3.2.1. Tradugao de lnformagoes Visuais Anal6gicas em Digitais 68
3.2.2. Tratamento das Formas Digitais 71
3.3.3. Gerenciamento e lnteragao entre as Formas Digitais 73
3.3. A Criagao de Virtualma 75
3.3.1. As Dualidades de Virtualma 75
3.3.2. Auto-Retrato em Construgao 76
3.4. 0 Desenvolvimento dos Filmes 80
3.4.1. Telas de lntrodugao 80
3.4.2. Corpo 86
3.4.3. Mente 92
3.4.4. Alma 96
3.5. lnteratividade 98
Capitulo IV
4. A Montagem na Rede 123
4.1. A lnteratividade Programada 124
4.2. A lnteratividade Participativa 127
Conclusao 132
Bibliografia 135
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais vi
Lista de Figuras
Figura 1 Oscar G. Rejlander Os Dois Caminhos da Vida 1857 ............................................. ...... ......... 8
Figura 2 Pablo Picasso Auto-retrato no Estudio 1901/02 ............................................................ ......... 9
Figura 3 Adolphus Pepper Cartao de Retrato 1860 .............................................................................. 10
Figura 4 Um Belo Trio Cartao Postal retratando Poincare, Tzar Nicolau e Georges V,
aliados contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial 1914 ................................................ 10
Figura 5 Anonimo Postal utilizando vinhetas desenhadas e fotos coladas 1907 ................................. 11
Figura 6 Anonimo Cartao Postal de Piccadilly Circus como Veneza c. 1905 ....................................... 11
Figura 7 Anonimo Cartao Postal Alemao 1914 ..................................................................................... 12
Figura 8 Georges Braque Natureza Morta sobre uma Mesa 1914 ....................................................... 14
Figura 9 Pablo Picasso Vidro e Garrafa de Suze 1912 ........................................................................ 15
Figura 10 Raoul Hausmann ABCD 1923/24 ........................................................................................... 17
Figura 11 Raoul Hausmann Dada Conquista 1920 ................................................................................. 18
Figura 12 John Heartfield Adolfo Super-Homem Engole Ouro e Jorra Lixo 1932 ................................. 19
Figura 13 John Heartfield lnnandade de Assassinos Sem data ............................................................. 19
Figura 14 Hanna Hoch Corte com uma Faca de Cozinha 1919 ............................................................. 20
Figura 15 Max Ernst A Canqao da Came 1920 ...................................................................................... 22
Figura 16 Max Ernst A Mulher Visivel 1925 ............................................................................................ 22
Figura 17 Max Ernst Saude Atraves do Esporte 1920 ............................................................................ 23
Figura 18 Man Ray Sem titulo 1935 ........................................................................................................ 24
Figura 19 Man Ray Sem titulo 1935 ........................................................................................................ 25
Figura 20 Rodchenko Fotomontagem -Colagem Espacial 1924 .......................................................... 26
Figura 21 Rodchenko Cap a para o Poema de Mayakovsky- Pro Eto 1923 ........................................ 27
Figura 22 Rodchenko Fotomontagem para o Poema de Mayakovsky- Pro Eto 1923 ......................... 27
Figura 23 Rodchenko Cap a da Revista Novyi Lef 1923 ......................................................................... 28
Figura 24 Rodchenko Uvros 1925 .......................................................................................................... 28
Figura25 El Lissitzky Poster para a Exposiqao Russa em Zurique 1929 ............................................... 29
Figura26 Laszlo Moholy-Nagy A Gale ria de Tiro 1925 ........................................................................... 30
Figura 27 Laszlo Moholy-Nagy Morte nos Trilhos c. 1925 ...................................................................... 31
Figura 28 Richard Hamilton Exatamente 0 que e que toma OS lares de hoje
tao diferentes, tao atraentes? 1956 ......................................................................................... 32
Figura 29 Andy Warhol Chairs 1963 ....................................................................................................... 33
Figura 30 Hipgnosis Studio Face Crumpling 1979 .................................................................................. 33
Figura 31 David Hockney Place Furstenberg, Paris, August 7, 8, 9, 1985 #1 1985 ............................... 34
Figura 32 Pedro Meyer A Tentaqao do Anjo 1991 .................................................................................. 37
Figura 33 Daniel Lee 1949 - Ano do Touro 1995 .................................................................................. 38
Figura 34 Daniel Lee Caqador 1995 ....................................................................................................... 38
Figura 35 Shelly J. Smith Sem Titulo Carreck 1992 ............................................................................... 39
Figura 36 Martina Lopez Untitled 2 1993 ................................................................................................ 39
Figura 37 Ana Ulrich As Artes Decorativas do Marinheiro 1995 ............................................................. 40
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais vii
Resumo
Sendo assim o foco da pesquisa recai sabre a analise dos meios tecnicos
conjugada a discussao sabre as operagoes de atribuigao de sentido inerentes as
transformagoes desta forma de expressao, a partir de uma abordagem experimental.
APRESENTAc;Ao DA PESQUISA
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais x
Apresentac;ao da Pesquisa
Delimitac;ao do Problema
1
"Os psic61ogos da percep<;ao sao unanimes em afirmar que a maioria absoluta das informa96es que o
homern rnodemo recebe lhe vern por imagens. 0 homem de hoje e urn ser predorninantemente visual.
Alguns chegarn a exatidao do numero: oitenta por cento dos estirnulos seriam visuais." (BOSI 1988: 65)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais xi
" ... a fotografia nao e apenas uma imagem (como a pintura e uma imagem), uma
interpretagao do real; ela e tambem urn tra~o gravado a partir do real, como uma pegada
ou uma mascara mortuaria. Enquanto uma pintura, mesmo aquela que alcan~a padr6es
fotograficos de semelhan~a. nunca e mais do que a afirma~ao de uma interpreta~ao,
uma fotografia nunca e menos que o registro de uma emana~ao (ondas de luz refletidas
pelos objetos)- um vestigia material de seu tema de uma forma que nenhuma pintura
pode ser." (Sontag 1977: 154)
Hoje, porem, nos deparamos com urn cenario tecnol6gico em plene processo de
reconfigura9ao. As inova96es da era eletronica estao submetendo todos os campos de
atua9ao do ser humane a uma radical transforma9ao e, no caso espedfico das
imagens visuais, essas mudan9as vern afetando nao apenas a sua produ9ao,
distribui9ao e utiliza9ao mas tambem seu proprio estatuto. As imagens digitais com as
quais lidamos agora, definitivamente nao sao mais imagens "fechadas". Apesar de
seus elementos constituintes serem exibidos de forma integrada, e possivel separar e
modificar cada urn deles individual mente, a partir da utiliza9ao de softwares de
manipula9ao. 0 fate da imagem passar a ser, em essencia, urn algoritmo, lhe confere
uma nova constitui9ao que incorpora a metamorfose, o hibridismo e uma polimorfia
dinamica; urn vasto campo de possibilidades onde, a cada atualiza9ao, diferentes
configura96es podem ser obtidas, indicando caminhos extremamente originais e
inovadores para a cria9ao.
Hipoteses e .Justificativas
depararmos com imagens compostas por outras imagens. Das vinhetas televisivas
aos outdoors, das paginas de jornais e revistas as dina micas metamorfoses de urn
videoclip, percebemos que a imagem ha muito deixou de exibir apenas o resultado
direto de uma (mica captaC(ao. Na verdade ela transformou-se em urn produto que
resulta de urn elaborado processo de construC(ao e montagem, tanto a nivel espacial
quanto temporal. Embora este processo esteja hoje integralmente edificado com base
na tecnologia digital e possua, consequentemente, caracteristicas bastante especificas
associadas ao meio eletronico, o principia criativo que subjaz em sua concepC(ao
remonta as produ96es artisticas com fotomontagem. Em sintese, estas produ96es
concentravam-se nas noC(6es opostas e complementares de destruiC(ao do
estabelecido e construyao do emergente, alem de privilegiarem a integra9ao entre
multiplas linguagens.
Objetivos da Pesquisa
Esta pesquisa tern como objetivo geral desenvolver uma reflexao acerca dos
processes que caracterizam a expressao atraves da fotomontagem, buscando
correlaciona-los com as possibilidades de criagao artistica de imagens e suas
interagoes atraves do uso de computadores.
Procedimentos e Metodologia
Esta pesquisa abrange um campo de estudos que diz respeito aos processos de
cria<;ao de imagens que incorporam opera<;6es de constru<;ao do tipo montagem.
Estao dentro desta caracteriza<;ao os processos ditos mecanicos, como o da
fotomontagem propriamente dito, e os chamados processos digitais. No
desenvolvimento do trabalho de pesquisa serao adotados os seguintes procedimentos
metodologicos:
investiga~ao exploratoria
0 estudo de urn tema que envolva reflexao sobre as imagens visuais geradas
por metodos de constru<;ao em permanente evolu<;~o, como acontece com as
tecnologias digitais, certamente avan<;a atraves de caminhos que vao sendo
construidos pelo proprio caminhar, uma vez que estamos analisando essas
possibilidades praticamente em seu proprio momento de concep<;ao. Devido a esta
caracteristica, este estudo envolve, antes de mais nada, o desenvolvimento de uma
investiga<;ao de carater basicamente exploratorio na tentativa de poder penetrar em
urn campo de conhecimento do qual ainda nao foi estabelecida uma sistematiza<;ao
abrangente. Atraves da discussao das quest6es colocadas por esta pesquisa,
esperamos poder suscitar alguns elementos de reflexao para futuras investiga<;6es.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais xvi
pesquisa bibliografica
Para a coleta de dados tecnicos e te6rico-conceituais, alem de informar;6es
hist6ricas sabre os assuntos envolvidos neste estudo, foi adotada a tecnica da
pesquisa bibliognafica, que se baseia em estudo sistematizado baseado em material
publicado em diferentes midias como livros, jornais, revistas, trabalhos academicos, e
titulos em cd-rom.
pesquisa de laboratorio
Devido a especificidade dos assuntos tratados, onde os aspectos conceituais
relacionados as imagens se apresentam de forma integralmente acoplada aos
aspectos tecnicos e praticos de sua realizar;ao, este estudo requer a utilizar;ao da
tecnica de pesquisa em laborat6rio. Este tipo de pesquisa torna possivel estabelecer
uma atividade empirica com os meios focalizados permitindo uma reflexao sabre o
objeto de estudo a partir de uma abordagem abrangente de sua constituir;ao. Sendo
assim foi estabelecido urn procedimento de experimentar;ao com programas de
computador que possibilitam a manipular;ao de imagens, alem da utilizar;ao de outros
recursos eletronicos como cameras digitais e scanners. Esta pesquisa foi desenvolvida
com os equipamentos do Laborat6rio de Computar;ao Grafica do Departamento de
Multimeios do Institute de Artes da UNICAMP, como tam bern com a utilizar;ao de
equipamento proprio.
pesquisa na internet
Alem das formas mencionadas acima, foi adotada tambem uma tecnica bastante
recente que consiste na coleta de dados armazenados e disponibilizados atraves da
rede mundial de computadores - Internet. Atraves deste recurso e possivel nao
somente a pesquisa de textos sabre os assuntos estudados, como tambem o acesso
aos conhecimentos mais atuais relacionados a tecnologia, alem de ser possivel
visualizar urn vasto banco de imagens e tamar conhecimento de experiencias
artisticas inovadoras, vinculadas ao mesmo principia de reconfigurar;ao de imagens
que este trabalho aborda, e que sao expressas a partir deste novo meio digital. Aliado
a estas possibilidades, este tipo de pesquisa permite ainda o estabelecimento de
intercambio, com outros pesquisadores e estudiosos que se dedicam a quest6es
associadas as ideias principais da pesquisa, a partir da utilizar;ao de correio eletronico
e grupos de discussao.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais xvii
Revisao Bibliografica
Outre trabalho de referencia para esta disserta9ao foi o livre de Lucia Santaella e
Winfried Noth, lmagem- Cogni~ao, Semi6tica e Midia (1998). Neste livre sao
analisados de forma bastante abrangente os principios semi6ticos relacionados a
constitui9ao das imagens, com destaque para as caracteriza96es des tres paradigmas
das imagens e a rela9ao entre a musica e as mfdias eletronicas, que coloca a questao
da inseryao do tempo na imagem, essencial para o desenvolvimento de trabalhos
artfsticos baseados nas tecnologias digitais.
INTRODU~AO
As portas do seculo XXI, estamos vivendo em urn ambiente tecnol6gico que vern
produzindo transformagoes radicais em todos os ambitos de realizagao humana. Com
a expansao das novas tecnologias, modificam-se nao apenas os procedimentos e as
tecnicas envolvidas nos diversos campos de atividade, mas tambem constroem-se
novos conceitos e visoes de mundo e novas formas de expressa-los.
... nao representa mais o mundo real, ela o simula. Ela o reconstr6i, fragmento por
fragmento, propondo dele uma visualizac;ao numerica que nao mantem mais nenhuma
relac;ao direta com o real, nem fisica, nem energetica.
A imagem nao e mais projetada, mas ejetada pelo real, com forc;a bastante para que se
liberte do campo de atrac;ao do Real e da Representac;ao.
CAPiTULO I
1 a Daguerreotipia, processo anterior a calotipia, nao possibilitava qualquer manipulac;:ao uma vez que a
imagem positiva obtida era (mica e irreproduzivel.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 8
Eram comuns tambem em fins do seculo XIX os auto-retratos duplos onde uma
(mica pessoa aparecia retratada mais de uma vez no mesmo espa<;o, como se
estivesse contracenando com sua propria imagem. lsto era obtido submetendo-se o
suporte a uma dupla exposi<;ao. Mas o mais importante exemplo desta tecnica de
combinar multiples negatives fotograficos e o trabalho de Oscar Gustave Rejlander, de
1857, denominado Os Dais Caminhos da Vida (fig.1 ).
Outra forma de dupla exposi<;ao podia tambem ser obtida atraves da reutiliza<;ao
de um negative de placa de col6dio que nao tivesse sido completamente limpo fazendo
com que vestigios da imagem anterior remanescentes sabre a placa se incorporassem
a nova gerando efeitos de figuras fantasmas. (fig. 2)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 9
No infcio do seculo XX, a combinac;:ao entre arte e diversao que sempre esteve
associada as primeiras experiencias de manipulac;:ao da imagem fotogrc3fica encontrou
Da Fotomontagem as Poeticas Digita is 10
tambem urn suporte muito popular nos cart6es postais que geralmente reproduziam
retratos montados sobre vinhetas decorativas (figs. 3 a 5)
Segundo Hanna Hoch, foi atraves da observagao de urn destes postais que
surgiu a inspiragao para a invengao da fotomontagem dadafsta.
1.2.2. 0 Cinema
2 Lanterna Magica - processo que utilizava proje<;oes de imagens estaticas sabre uma parede para
contar est6rias.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 13
espetaculo elas eram fragmentos estaticos que ajudavam a compor a narrativa, muitas
vezes combinando-se e intercalando-se com textos que descreviam os acontecimentos
da est6ria. As palavras projetadas na tela comegavam a ganhar urn sentido visual a se
integrar no contexte das imagens.
1.2.3. 0 Cubismo
"a integridade ficcional da pintura foi violada" (Kozloff 1973: 63). 0 artista passou entao
a mesclar no espac;o inventado de sua obra, elementos que, em bora fossem
manipulados e posicionados por ele, nao haviam ganho existencia a partir de suas
maos, pois eram materiais reproduzidos mecanicamente (figs. 8 e 9).
"Os dadafstas berlinenses usavam a fotografia como uma imagem ready-made, colando-a
junto com recortes de jornais e revistas, letras e desenhos para formar uma imagem
ca6tica e explosiva, um provocador desmembramento da realidade. Sendo um elemento
entre varios, a fotografia tornou-se dominante nos quadros Dada, para os quais ela era
um material apropriado e especialmente eficaz." (Ades 1993: 12-13)
Da mesma forma que a fotografia passou a ser utilizada segundo esta nova
abordagem, outros elementos tambem vieram a ser incorporados as composig6es com
montagem, de uma forma absolutamente original. Eo case, por exemplo, dos
elementos tipograticos que foram libertados de suas fungoes puramente textuais e
comegaram a ser utilizados de forma mais espacial, participando da composigao do
plano, definindo areas e ritmos visuals (fig. 10).
frente a nova realidade para a expressao artistica. Dentre os principais nomes que
impulsionaram a fotomontagem dadaista podemos destacar o trabalho inovador de
Raoul Hausmann, Hannah Hoch, George Grosz e John Heartfield. Segundo Richter ha
duvidas sabre qual artista teria criado a primeira fotomontagem dadaista. Hausmann
afirmava ter sido ele o primeiro, par volta de 1917-18, a criar uma colagem que
incorporava fotografias com o sentido critico e destruidor, tipico do pensamento
dadafsta. Par outro lado Grosz e Heartfield, declaravam terem sido os criadores da
primeira obra de fotomontagem, no ana de 1916 (Richter 1993: 157).
4
Andre Breton, Surrealism and Painting. New York and london, 1972, p.26 (citado por D. Ades,
Photomontage. London, Thames and Hudson Ltd, 1993, p.114)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 23
5Werner Spies. Max Ernst- Bucher und Grafiken, catalog a da exposigao realizada pe!o lnstituts fUr
Auslandsbeziehungen, 1977.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 24
Urn dos artistas mais importantes deste grupo foi Rodchenko que desenvolveu
trabalhos que poderiam ser chamados de "poligraficos", isto e, que combinavam varies
meios graficos de cria9ao de formas como a tipografia, utiliza((ao de elementos
ornamentais, desenhos figurativos e fotografias (fig.20).
Figura 20 Rodchenko
Fotomontagem-Colagem Espacia/1924
Fonte: Khan-Magomedov: 1987: 127
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 27
Figura 21 Rodchenko
Capa para o Poema de Mayakovsky Pro Eto (Por lsto) 1923
Fonte: Khan-Magomedov 1987: 119
Figura 23 Rodchenko
Capa da Revista Novyi Lef 1923
Fonte: Khan-Magomedov 1987
"No filme, o uso de cortes rapidos e dinamicos, que rompe com as unidades de tempo e
espaco e faz comparacoes e qualificacoes, o uso de tomadas a distancia e close-ups
alternados, de motivos que se sobrepoem, de exposicoes duplas e projecoes divididas na
tela, possuem, todos, equivalentes na fotomontagem." (Ades 1993: 87)
estao posicionados lade a lade, sem ironia, aparentemente como se fossem apenas
uma aglutinac;ao simples e direta de imagens fotograficas.
Figura 31 David Hockney Place Furstenberg, Paris, August 7,8,9, 1985 #11985
Fonte: http://SunSITE.sut.ac.jp/wm/paintlauth/hockney/
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 35
1. 7. A Fotomontagem Digital
CAPITULO U
1
No exemplo que estamos observando identificamos urn corpo de mulher sem cabec;:a segurando uma
sombrinha, urn pneu de borracha, mao segurando rel6gio, peda~o de corpo de homem sem face, uma
lampada, peda~o de urn rosto, urn olho, cabeleira ou peruca, possivel fragmento de ilustra~o de revista,
ilustra~o de pec;:a de maquina, logomarca de uma empresa, letras.
2 !magens com caracteristicas de semelhanc;:a (similaridade) e imita~o (mimesis)
(Santaella e Noth 1997: 37)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 46
2.2. 0 Fragmento
"A necessidade de proper aos consumidores uma grande diversidade gera novas
sistemas muito rapidamente: a vitrine e o catalogo justap6em produtos segundo diversas
ordena96es, em fun9ao da sucessao de entregas, das dimensoes e cores dos objetos, de
uma ordem alfabetica, ou mesmo da personalidade do vended or."
aparigao de uma realidade longfnqua, por mais proxima que esteja" (Benjamin 1969:
65). Os processes de reprodugao alteram as condig6es de contemplagao de uma obra,
pois as imagens perdem o seu can3ter ritualfstico e secrete e se dao a ver nos mais
diversos contextos, marcando assim urn afastamento da "tradigao" e um "declinio da
aura". Nas palavras de Benjamin:
"Na epoca das tecnicas de reproduc;ao, o que e atingido na obra de arte e a sua aura.
Esse processo tern valor de sintoma, sua significac;ao vai alem do terreno da arte. Seria
possivel dizer, de modo geral, que as tecnicas de reprodU<;ao separam o objeto
reproduzido do ambito da tradigao. Multiplicando as c6pias, elas transformaram o evento
produzido apenas uma vez num fenomeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido
oferecer-se a visao e a audic;ao, em quaisquer circunstancias, conferem-lhe atualidade
permanente. Esses dois processes conduzem a urn abalo consideravel da realidade
transmitida - a urn abalo da tradic;ao, que se constitui na contrapartida da crise que
passa a humanidade e a sua renovac;ao atual." (Benjamin 1969 :64)
"Ja o espa<;o fotografico nao e determinado, assim como nao se constr6i. Ao contrario, e
urn espac;o que deve ser capturado (ou deixado de lade), urn levantamento no mundo,
uma subtragao que opera em bloco. 0 fot6grafo nao esta em condi<;oes de preencher aos
poucos urn quadro vazio e virgem, que ja esta ali. Seu gesto consiste antes em subtrair de
uma vez todo urn espa<;o "pleno", ja cheio, de urn continuo. Para ele, a questao do espa<;o
nao e colocardentro, mas arrancartudo de uma vez. Problema de extra<;ao, de saida de
uma contigOidade infinita,e isso - temos de insistir- qualquer que seja a construc;ao
preliminar da qual a "cena" foi objeto e quaisquer que sejam os arranjos e manipula<;oes
depois do golpe (corte) (reenquadramento, ampliac;ao, montagem etc.). Em outras
palavras, bern aquem de qualquer intenc;ao ou de qualquer efeito de composi<;ao, em
primeiro Iugar o fot6grafo sempre recorta, separa, inicia o visivel. Cada objetivo, cada
tomada e inelutavelmente uma machadada (golpe de machado) que retem urn plano do
real e exclui, rejeita, renega a ambiemcia (o fora-de-quadro, o fora-de-campo). Sem
sombra de duvida, toda a a violencia (e a predac;ao) do ato fotografico precede
essencialmente desse gesto do cut. Ele e irremediavel. E ele e s6 ele que determina a
imagem, toda a imagem, a imagem como todo. No espac;o literalmente talhado de uma
vez e ao vivo pelo ate fotografico, haja ou nao encenac;ao, tudo acontece por inteiro de
uma s6 vez. Em sua condi<;ao de principia, esse e de fato o golpe do corte ... "
(Dubois 1994: 178)
A fotografia mais do que simplesmente construir uma c6pia, uma alusao aforma
da coisa original retratada, e de fato capaz de estabelecer urn registro precise, urn
documento fiel, em imagem, daquilo que se coloca diante das lentes das cameras. A
fotografia mais do que documentar uma existencia, e capaz de capturar uma presenQa,
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 52
Entretanto, a crenc;:a que foi construida durante quase urn seculo de fotografia
pura e destruida pela fotomontagem. Como afirma Michel Frizot: "A verdade da
fotomontagem nao reside apenas na autenticidade de seus componentes
fotograficos, suas afirmativas autonomas, sua franqueza cacofonica. Ela tambem
pode ser produzida pela colisao inesperada de mundos nao familiares mutuamente"
(Frizot 1991: 8). Desta forma podemos dizer que, com a sua caracteristica de criar
novas associa<;:6es de sentido para as imagens, a fotomontagem aprofunda a
experiencia do real a partir de urn jogo elaborado de deformac;:6es, caracterizando-se
assim, segundo Frizot (ibid.: 8), como "urn meio de desconcertar o observador ... e
estimular a esperanc;:a na emergencia da Verdade a partir da mentira."
2.4.1. Bricolage
cultura das imagens criadas pelo homem. A fonte de onde o fotomontador retira o
material para a sua arte e caracterizado como uma natureza de segunda mao, nao
mais a natureza em si, mas a da propria cria9ao humana referindo-se a natureza
primeira, isto e, o universe da representa9ao, realizado atraves da foto, do desenho, do
produto industrializado. Essas imagens trazem consigo uma carga associada ao
contexte ao qual pertenciam anteriormente, sendo a apropria\(ao referente nao s6 ao
objeto original mas tambem a seu contexte.
"Eie deve voltar-se para urn conjunto ja constituido, formado par utensilios e materiais,
fazer ou refazer seu inventario, enfim e sobretudo, entabular uma especie de dialogo com
ele, para listar, antes de escolher entre elas, as respostas possiveis que o conjunto pode
oferecer ao problema colocado. Ele interroga todos esses objetos heter6clitos que
constituem seu tesouro, a fim de compreender o que cada urn deles poderia "significar",
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 56
contribuindo assim para definir urn conjunto a ser realizado, que no final sera diferente do
conjunto instrumental apenas pela disposic;ao interna das partes." (Levi-Strauss 1997: 34)
3 Kuleshov. "The Principles of Montage" in Kuleshov on Film (Levaco Ed.), Berkeley, 1974, p.124.
(citado por ADES, Dawn. Photomontage. london, Thames & Hudson Ltd, 1993, p.87)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 57
"A questao e que a uniao (talvez fosse melhor dizer a combinac;ao) de dois hier6glifos das
series mais simples deve ser encarada, nao como sendo a sua soma, mas como o seu
produto, isto e, urn valor de outra dimensao, de outro grau: cada urn deles,
4
Pudovkin, V.I. Film Technique, Newnes, 1929, p.xvi. (citado por REISZ, Karel e MILLAR, Gavin. A
Tecnica da Montagem Cinematografica. Rio de Janeiro, Civilizac.;:ao Brasileira, 1978.)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 58
"Na sua forma inicial a fotomontagem foi uma explosao de pontos de vista e de nlveis
imageticos emaranhados, mais avanc;ada na sua complexidade do que a pintura futurista.
Em toda parte reconheceu-se que o elemento imagetico 6tico representa um recurso
extremamente versatil, que no caso especffico da fotomontagem, com seus contrastes de
estruturas e dimensoes, por exemplo aspero oposto a lisa, fotografia aerea oposta a
fotografia a pouca distancia, perspectiva oposta a superficie, permite tecnicamente a
maior variabilidade ou as elaborac;oes mais claras, do ponto de vista formal-dialetico ... "
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 59
5 Para Pierce (1983: 92), signo "e um veiculo que comunica amente algo do exterior".
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 60
objeto. Colocam-se dessa maneira no nivel do indice que, na concepc;ao de Pierce, "e
urn signo de reac;ao, envolve uma relac;ao efetiva como objeto" (Pierce 1983: 27). Na
analise que faz do ato fotografico, Dubois diz que:
"a relayao que os signos indiciais mantE~m com seu objeto referencial e sempre
regida pelo principia central de uma conexao fisica, o que implica necessariamente
que essa relac;ao seja da ordem da singularidade, da atestat;ao, e da designat;ao."
(Dubois 1994: 62)
Estes tres aspectos destacados por Dubois sao importantes para definir melhor a
atuac;ao dos signos indiciais que aparecem na fotomontagem. A fotografia e singular
pois e gerada a partir de uma conexao fisica direta com algo que possuia urn a
existencia (mica, herdando desta o mesmo principia. Se o referente nao pode se repetir
existencialmente, "por extensao metonimica, de acordo com 16gica da contiguidade,
esse trac;o de unidade referencial vai caracterizar tam bern a relac;ao que se estabelece
entre o signo e seu objeto" (Dubois 1994: 72). Por outro lado, como remete a coisa que
o gerou, o signo fotografico atua como uma comprovac;ao da existencia dessa coisa,
uma especie de certificado que atesta uma presenc;a.
"Sendo uma lei, em rela9ao ao seu objeto o signo e um simbolo. lsto porque ele nao
representa seu objeto em virtude do carater de sua qualidade (hipofcone), nem por
manter em relayao ao seu objeto uma conexao de fato (indice), mas extrai seu poder de
representa9ao porque e portador de uma lei que, por convenyao ou pacto coletivo,
determina que aquele signo represente seu objeto."
"A rela9ao entre o simbolo e seu objeto se da atraves de uma media9ao, normal mente
uma associayao de ideias que opera de modo a fazer com que o sfmbolo seja
interpretado como se referindo aquele objeto. Essa associa9ao de ideias e um habito ou
lei adquirida que tara com que o simbolo seja tornado como representativo de algo
diferente dele." (Santaella e Noth 1998:63)
Se voltarmos a contemplar a imagem que abre este capitulo (fig. 38) poderemos
ver que ali alguns fragmentos se comportam como simbolo. 0 relogio e o pneu, por
exemplo, remetem a aspectos masculines enquanto que a sombrinha, a urn universe
associado ao feminine. Nao ha nada nessas imagens que por semelhan9a ou indice as
associem aos universes identificados, o que esta atuando ali e uma generaliza9ao, a
defini9ao de urn principia de lei que pelo habito associa uma determinada imagem a
um contexte especifico, e que certamente depende dos repertories da mente
interpretante.
CAPITULO Ill
3.1. Genese
As imagens que deram origem a multimidia Virtual rna, foram obtidas a partir de
camera digital. lsto significa que, em sua constitui9ao, estas imagens se diferenciam
radicalmente de fotografias realizadas pelos meios tradicionais. Antes mesmo de
serem exibidas como imagens, elas sao sequencias de c6digos numericos que podem
ser armazenados, copiados, transformados, transmitidos e traduzidos, seja para
exibi9ao atraves da tela de urn computador ou mesmo para serem impressas sobre
algum tipo de suporte. 0 processo de genese dessas imagens lhes caracteriza nao
mais como elementos fechados, mas como campos de possibilidades de
transmuta9ao, caracteristica que invade e contamina qualquer trabalho que possa ser
construido a partir delas. Acerca dessa caracteristica das imagens digitais Plaza
afirma:
"A imagem e o numero entrelac;ados, inauguram, de forma radical, urn imaginario e uma
visualizac;ao que nao esta presa nas noc;oes de suporte, mas sim na morfogemese de uma
virtualidade que pode aparecer/desaparecer na tela dos monitores. As imagens numericas
sao fenomenos deslocados e relocalizados em multiplos suportes pela comutac;ao
instantanea. Desta forma, na medida em que sua materialidade se transmuta,
desmaterializando-se, o referendal de uma imagem e ela mesma no meio anterior; e uma
meta imagem. A imagem sintetica gerada por computador se lanc;a a urn espac;o no qual
se modula como ocorria no outro lado do espelho de Alice, quer dizer, em urn mundo onde
a capacidade de transformac;ao nao tern limites." (Plaza 1995: 76)
enquadramento do motivo a ser fotografado, possibilita a exibi<;ao da foto tao logo ela
tenha sido captada. lsto contribui para urn processo de avalia<;ao imediata do
resultado, fornecendo ao fotografo uma informa<;ao valiosa, que podera interferir
significativamente na continuidade do seu processo.
recortar o espac;o que circunda a figura, destaca o seu volume e ao mesmo tempo
possibilita uma percepc;ao mais detalhada de sua superficie (Aumont 1995: 141).
Uma vez tendo sido transferidos para o universo eletronico, e adquirido a forma
digital, os dados visuais, sonoros ou textuais podem ser modificados infinitamente na
sua estrutura, e isto e conseguido alterando-se o c6digo numerico do qual eles se
originam. Estes tipos de transformac;oes sao possibilitadas pelo uso de programas
especificos que simulam "ferramentas" eletronicas, na verdade algoritmos
desenvolvidos para comandar a maquina, fazendo-a alterar o c6digo anteriormente
estabelecido alem de atualizar e exibir, instantaneamente, a forma correspondente a
esta nova configurac;ao.
Figura 43 Helio Carvalho Transformaqi5es aplicadas a uma imagem no Programa Photoshop 1998
Fonte: Multimidia VIRTUALMA 1998
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 73
Figura 45 SCORE Quadro utilizado para o Gerenciamento das Agoes e Comandos 1998
Fonte: Multimidia VIRTUALMA 1998
"0 individuo criador coloca-se diante de uma situagao nova. Ele, pouco a pouco, procura
desvendar as possibilidades esteticas a serem obtidas com os novos meios. Embuido de
um conhecimento transmitido pelos sentidos, o artista experimenta, no intuito de encontrar
novas formas de se expressar. E entao, nesse jogo - aberto a tudo- ele impoe a
gratuidade no ato de criar." (Tavares 1995: 120)
literal de dois signos, alma e virtual. A criagao do nome traduz, seja a nfvel sintatico ou
a nfvel semantico, uma das qualidade que pulsam em todo o desenvolvimento do
trabalho, ou seja, a multiplicidade contida nas formas. A referencia ao universe Virtual,
aponta, a nivel semantico, para o proprio meio que possibilita a sua visualizagao.
Refere-se portanto ao campo da tecnologia e da mediagao operada pela maquina.
Ja a palavra Alma, no nome, e a presenga do homem no jogo de dualidades. Homem
e Meio mesclados. Mas se, a partir deste primeiro enfoque os dois signos podem
remeter a universes aparentemente separados, aquilo que a nivel simbolico esta
associado a cada urn deles parece aproxima-los por similaridades. As qualidades de
mutavel, fluido, evanescente, nao fixe, campo de possibilidades, encaixam-se nos dois
universes, assim como as proprias palavras se interceptam na grafia. A partir das
sugestoes de superposigao e espelhamento de sentido, duplicidade na unidade, o
nome constitui-se num leone do proprio trabalho.
Uma vez que a multimidia foi concebida como urn auto-retrato em constru~ao,
1 Com relac;:ao ao simbolismo numerico pitag6rico, descrito por Jung, Edinger (1995: 248) diz:
a a
"Assim, 1 corresponde, simbolicamente, ao estado urob6rico anterior criac;:ao e separac;:ao das coisas.
0 numero 2 e o primeiro numero real, ja que com ele nasce a possibilidade de distinguir uma coisa de
outra. 0 2 simboliza o ato da cria<;ao, a emergencia do ego do estado original de unidade . Dois implica
oposi<;ao. 0 2 e a separac;:ao entre uma e outra coisa e representa por conseguinte, urn estado de
conflito. 0 3, todavia, e a soma de 1 e 2 e os une em seu interior. 0 3 e o simbolo da reconciliac;:ao, que
resolve o estado conflituoso do 2".
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 81
das imagens e da realidade. Na era digital as imagens que vemos sao eventos que se
atualizam constantemente, e cuja essencia mais profunda e multipla, dinamica e
reprogramavel. Estas imagens s6 se apresentam momentaneamente como meras
aparig6es, imagens fugidias que se reconstroem quando comanda o desejo de olhar.
Findo esse instante fugaz, a imagem retorna a sua condigao fantasmatica, de
existencia potencial e invisivel, como espirito pulverizado aguardando as suas
possiveis ressurreig6es. Juntamente com a aparigao da primeira imagem ouve-se o
som de um coragao batendo, que funciona como um simbolo de vitalidade e natureza
e, paradoxalmente se constitui no elo de ligagao com os dispositivos da maquina
devido ao seu ritmo constante e regular. E a dualidade transfigurada em som, pulsando
na maquina-organismo.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 82
A estrutura de navegac;ao construfda para este filme faz com que, passo a passo, o
nurnero de alternativas do percurso va se reduzindo drasticamente, ate a imobilizac;ao.
A navegac;ao encaminha o observador-ativo propositalmente para um unico resultado
final: a tela escura vazia. Desta maneira, este segrnento do trabalho converge para
uma associac;ao de sirnilaridade com o ato fotografico, baseada em um conjunto de
qualidades que o representam, seja no nivel plastico- a imagern do negativo, seja no
nfvel sonora e operative pois o acionamento do mouse alem de produzir o som do
disparo da camera, simultaneamente provoca a suspensao do dinamismo, causando
congelamento e irreversibilidade.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 83
e tres linhas, que remetem a propria estrutura cartesiana da malha de pixels da tela.
Estamos diante de urn canal de comunicac;ao que vai permitir, ao mesmo tempo, o
acesso a explorac;ao do meio e o cantata com o ser. Revela-se plasticamente a
metafora da interface, como descrito par Derrick de Kerckhove:
2 Nas palavras de Roland Barthes, por exemplo: "Contemporanea do recuo dos ritos, a Fotografia
corresponderia talvez a intrusao, em nossa sociedade moderna, de uma morte assimb61ica, fora da
religiao, fora do ritual, especie de brusco mergulho na morte literal. A Vida/ a Morte: o paradigma reduz-se
a urn simples disparo, o que separa a pose inicial do papel final." (Barthes 1984 :138)
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 84
"0 mundo das interfaces e o reino privilegiado da nova arte, nao somente porque ele
constitui urn ambiente acessivel a pesquisa, mas porque ele representa uma metafora
tecnol6gica dos sentidos. Com nossas maos, nossos ouvidos, nossos olhos, e outros
canais de agao e sensagao, nos entramos em interagao com o mundo, e essas sao as
relagoes as quais os artistas prestaram mais atengao desde o surgimento da arte."
(Kerckhove 1996: 59)
Figura 52
A alma da estrutura pulsa no Portal
Fonte: Multimidia Virtualma 1998
Diante da tela somos arrastados para o centro, pela forQa centrlpeta de urn vortex que
nos faz ser engolidos e experimentar a vertigem. A imagem da boca aberta concentra
a aten<;:ao, e ela que dispara as associaQ6es de ideias, sugerindo a pulsagao do
movimento para dentro e para fora; ingestao, mas ao mesmo tempo grito de expressao
- input/output Na verdade, em termos simb61icos, a imagem da boca assim
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 85
Figura 53 Eisenstein
Frame do filme Potemkin 1925
Fonte: Compton's Encyclopedia 1997
3.4.2. Corpo 3
3 Em todas as sequencias desenvolvidas para compor a multimidia Virtualma se estabelece uma total
interpenetra~ao das referencias as ideias de corpo, mente e alma. Entretanto, cada uma das seqOencias
criadas terminava por exibir uma enfase maier em urn destes tres aspectos. Foi portanto a partir da
identifica~ao da tendencia mais evidente em cada uma das sequencias que se tornou possivel agrupa-
las, embora isto nao signifique uma menor importancia dos outros aspectos. De fato, este agrupamento
funcionou apenas como uma estrutura maleavel que pudesse center e organizar de certa forma a
complexidade dos aspectos retratados, uma vez que o trabalho de constru~ao da multimidia baseia-se na
interrela~ao entre todos os principios e ideias que estao envolvidos na expressao do ser como uma
totalidade.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 87
A cor azul, aplicada de forma nao representativa, desloca a imagem para o nivel
do simb61ico, sugerindo uma desmaterializagao imaginaria do corpo em alma. 0 retrato
entao transmuta-se em fantasmagoria, arte de fazer aparecer figuras luminosas na
escuridao. A sugestao da imagem de urn corpo etereo invadido pela luz, de certa forma
configura o impulso eletrico vital para o surgimento da imagem no meio eletr6nico.
Fundem-se assim, na totalidade dessa aparigao, marcada pela trajet6ria brilhante e
dinamica dos elementos visuais, varias referencias poeticas ao novo sistema de
construgao imagetica: interagao, hibridagao e diamorfose4 .
4 Segundo Couchot (1996: 48): "Nesse sentido vai-se da metafora, que e uma transposi<;ao da coisa,
imutavel, a metamorfose ou, mais precisamente, a diamorfose ou movimento do intervalo."
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 89
A sequencia Passaro (fig. 59) introduz a metafora da alma como ser alado,
dotado da capacidade de libertar-se da terra e atingir o ar, num movimento de
ascenc;ao que pode ser associado a ideia de desmaterializac;ao, e tambem de elevac;ao
em termos espirituais. Revela-se aqui, a partir de nossa relac;ao com o mundo ffsico, e
de uma heranc;a mftica do pensamento, a forc;a simb61ica das alturas e das
profundezas. 0 superior esta ligado a ideia de transformac;ao positiva, de fluidez,
leveza (ar, nuvem), transparencia e velocidade, um estagio de p6s-materialidade onde
os limites da corporalidade e da gravidade se desconstroem. 0 nivel intermediario, da
terra, esta conectado a realidade e a materialidade, ao conhecimento das coisas do
mundo, daquilo que se da a ver. Ja o inferior/interior oculta uma essencia misteriosa e
obscura, mas ao mesmo tempo densa e nutridora, um espac;o da pre-materia, do caos
do que ainda nao se formou. No desenvolvimento de Virtualma, com sua constituic;ao
que abrange o ser como totalidade, estas associac;6es foram brotando de maneira
intensa, auxiliadas pela caracterfstica metam6rfica do meio, que possibilita a
descoberta de novas estruturas formais que, por sua vez, se abrem a analogias e
identificac;oes. E interessante perceber como a imagem obtida da justaposic;ao de
fragmentos humanos com a cabec;a de passaro artificial apresenta alguma similaridade
formal com a fotomontagem de Max Ernst, 0 Rouxinol Chines (fig. 60}, apesar da
imagem como um todo pertencer a outras estruturas de significac;ao e configurac;ao.
Da Fotomontagem as Poeticas Digitais 90
3.4.3. Mente
8 0 9 0
3.4.4. Alma
3.5. INTERATIVIDADE
Embora atuando em urn nfvel mais restrito, devido a limitac;ao imposta pela
propria programac;ao, a navegac;ao interativa inclufda na multimfdia tambem permite a
vivencia deste recurso. Os caminhos programados para a explorac;ao do trabalho
ampliam o alcance poetico das imagens. Estes percursos abrem a possibilidade para
que se instaurem outras conex6es de sentido que irao depender da relac;ao que o
observador vier a estabelecer com as imagens e de suas motivac;6es para avanc;ar,
adentrando os varios nfveis que a multimfdia oferece. Desta forma a ideia de auto-
retrato em construc;ao se amplia para incluir os que estiverem navegando pelos seus
caminhos. Segundo Rokeby:
CAPiTULO IV
4. A Montagem na Rede
Embora a Internet seja urn vastissimo campo para a viv€mcia das mais variadas
experiencias artisticas, que se encontram em constante evolu9ao no espa90
cibernetico, optamos por selecionar dois exemplos que pudessem demonstrar
abordagens especificas, traduzindo conceitos diferenciados de cria9ao para este meio.
Entretanto nos dois exemplos escolhidos existe urn questionamento da no9ao de
identidade, que alem de expressar uma das tendencias mais fortes nos trabalhos
artisticos desenvolvidos para a rede, sao urn ponto de contato em rela9ao as
preocupa96es que se expressaram na multimidia Virtualma.
0 primeiro trabalho que abordaremos foi desenvolvido por Joseph Squier (http://
gertrude.art.uiuc.edu/ludgate/the/place/urban_diary) e se intitula Di<kio Urbano (fig. 71 ).
Foi desenvolvido especial mente para ser visualizado na Internet e, apresenta uma
forma de estrutura<;ao que, na epoca de sua constru<;ao, em 1995, representava uma
ruptura em rela<;ao ao estilo rigido da linguagem HTML. Esta ruptura se baseou na
aplica<;ao da tecnica de imagens mapeadas1 que permite que os vinculos que
direcionam a navega<;ao estejam todos contidos na propria imagem. Desta forma o
espa<;o da telae composto integralmente pela imagem, e a continuidade da navega<;ao
se da ao clicar sobre os elementos que fazem parte da composi<;ao, permitindo assim
que novas paginas sejam carregadas.
0 artista aqui utiliza a metafora de urn diario onde estao inseridas anota<;6es,
rabiscos e imagens que simulam materiais colados sobre a pagina. Em seu aspecto
plastico, as composi<;6es aproximam-se da bricollage, uma vez que sao reunidas
imagens que se referem a varies tipos de coisas, pertencentes a universes
diferenciados, que sao coletadas como em urn inventario da existencia. Os fragmentos
que estao representados sobre estes suportes dao acesso a outras imagens e, com
esta possibilidade de explora<;ao, o significado vai sendo construido a partir dos
fragmentos que cada pessoa escolher, e das rela<;6es que se estabele<;am ao Iongo
dos percursos.
1
imagens que possuem areas sensibilizadas, atraves da definic;:ao de suas coordenadas no c6digo HTML,
as quais se transformam em hiperlinks. Ao se clicar sobre essas areas, uma nova pagina e carregada.
(Ramalho 1997: 243).
Da Fotomontagem as Poeticas Digita is 103
Neste tipo de construgao interativa, o projeto gerado por um artista ou por uma
equipe de artistas, determina nao apenas os percursos, os roteiros de acessos e as
respostas para os comandos, como tambem a aparencia gratica e o conceito estetico,
segundo o qual o produto apresenta coerencia formal com as ideias que busca
transmitir.
Desta forma, quem estiver navegando atraves do site, nao e capaz de incorporar
a esta estrutura nenhum dado novo. A interagao do usuario com o produto e restrita
pela programagao do projeto original. Dentro dos percursos pre-definidos da
navegagao, o usuario pode definir que caminhos escolher, que ag6es deve ativar ou
interromper, avangando em direg6es a novas paginas ou retornando a pontos ja
percorridos, mas nao e capaz de realizar livremente nenhuma transformagao que
extrapole a estrutura projetada.
"Os elementos de composic;:ao, nesse caso, sao uma frac;:ao do conjunto nem sempre
destacavel ou isoladamente reconhecfvel. Esses elementos nos sao apresentados,
procedendo pelo excesso, acumulac;:ao, saturac;:ao, jogando sabre a distancia e a
proximidade, sabre as diferenc;:as de escala, como um conjunto de formas em expansao
ligadas por relac;:6es de continuidade que perturbam, invertendo nossa percepc;:ao habitual
de interior e de exterior, de aqui e de Ia. Tambem presente a ideia de contiguidade, de
inversao, de travessia de fronteiras, em que a experiencia se desenvolve em multiplas
ramificac;:6es e efeitos de sentido: as mais distantes e inconciliaveis se avizinham. Os
interventores entram em um universo onde se multiplicam os pontos de vista, onde a
ambigOidade real/imaginario e sutilmente entretida, jogando sabre a coerencia/incoerencia
do funcionamento das redes." (Prado 1997: 296)
" ... o potencial para a geragao de significado se torna possfvel atraves da dispersao da
autoria entre as participantes e eu. Entretanto nossa interagao nao resulta
automaticamente em significado au arte. Par exemplo, um artista que conta com a
interagao espontanea se arrisca a um fracasso total sea interagao desejada nao ocorrer."
(Roberson 1997)
"Na rede a func;ao do artista coordenador, "condutor" do projeto, e convidar e sonhar junto,
colocar as pec;as, geralmente sem a possibilidade de as escolher. (... )A conduc;ao dos
trabalhos e necessaria para a inicializac;ao dos projetos. E preciso considerar as
consequ€mcias das escolhas iniciais, admitindo e mesmo desejando as radicalidades."
(Prado 1997: 299)
CONCLUSA.O
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