REVERSO - 79-2020 Revista Psicanálise
REVERSO - 79-2020 Revista Psicanálise
REVERSO - 79-2020 Revista Psicanálise
Revista de Psicanálise 79
Publicação do
Publicação semestral do
P R E S I D E N TE
Guiomar Antonieta Lage
D I R E T O RA DE CO MUN I CA ÇÃ O E DI V ULGA ÇÃ O
Scheherazade Paes de Abreu
E D I T O R A DA RE V I S TA RE V E RS O
Maria Mazzarello Cotta Ribeiro
C O MI S S Ã O DE PUBLI CA ÇÃ O DA RE V I S TA RE V E RS O
Ana Boczar
Carlos Antônio Andrade Mello
Eliana Rodrigues Pereira Mendes
Maria Mazzarello Cotta Ribeiro
Marília Brandão Lemos de Morais Kallas
Paulo Roberto Ceccarelli
C O N S E LHO CO N S ULTI VO
Anchyses Jobim Lopes – Rio de Janeiro
Carlos Pinto Corrêa – Bahia
Déborah Pimentel Rebello de Mattos – Sergipe
Marco Antonio Coutinho Jorge – Rio de Janeiro
<www.bvs-psi.org.br>
Ficha Catalográfica
Reverso.– ano 1, n. 1 (set.) 1971–
Belo Horizonte: Círculo Psicanalítico de
Minas Gerais, 1971. 102 p.
Conselho Fiscal
Membros Efetivos:
Juliana Marques Caldeira Borges
Maria Angela Assis Dayrell
Maria Heloisa Noronha Barros
Membros Suplentes:
Maria Carolina Bellico Fonseca
Maria do Carmo Barbosa Mendes
Yumara Siqueira de Castro
Comissão de Eventos
Eliana Rodrigues Pereira Mendes
Vencimento do Mandato:
Outubro/2020
.................................................................................................................................................................
Figura da capa
“Divanguarda” - Desenho com bico de pena, 2018
NOTA DO EDITOR Autor: Thiago Mendes
Todos os textos, inclusive a revisão da língua
portuguesa, são de exclusiva responsabilidade Revisão e normalização
Dila Bragança de Mendonça
dos autores. Reproduções totais ou parciais
são permitidas, desde que feita referência à Revisão do inglês
sua procedência. Paulo Roberto Ceccarelli
Esta revista foi revisada conforme o Novo Impressa em 30/06/2020
Acordo Ortográfico.
Sumário Editorial .............................................................................................. 9
Editorial
AUTO R CO N V I DA DO
Vozes do Supereu na clínica e o mal-estar contemporâneo
– paradoxos e trevo do Supereu ............................................................. 15
Voices of the Superego in the clinic and contemporary malaise
– paradoxes and clover of the Superego
Marta Gerez-Ambertín
TE O RI A E CLÍ N I CA PS I CA N A LÍ TI CA S
Considerações sobre o corpo na constituição subjetiva
do bebê com deficiência ....................................................................... 23
PS I CA N Á LI S E E CULTURA
Amar, verbo intransitivo, idílio:
a iniciação sexual de um jovem e o desejo de Fräulein ........................... 59
To love, intransitive verb, idyll:
the sexual initiation of a young man and Fräulein’s desire
Eliana Rodrigues Pereira Mendes
Marisa Lima Rodrigues
PS I CA N Á LI S E E A RTE
Reflexões clínicas em Ré Menor .......................................................... 81
Clinical reflections in D minor
Daniel Röhe
E N TRE V I S TA
Entrevista com Arlindo Pimenta
– 50 anos de Círculo Psicanalítico de Minas Gerais ............................. 89
Interview with Arlindo Pimenta
– 50 years of Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
Arlindo Pimenta
10
11
Ainda prefiro a existência à extinção!
FREUD, [1926] 1990, p. 118
Retrato de Freud
esculpido em placa
de mármore
na cidade de Split
(Croácia).
Tradução
da inscrição:
O PAI DA
PSICANÁLISE
ESTEVE NESTE
RECINTO
EM SETEMBRO
DE 1898.
AUTOR
Marta Gerez-Ambertín - Tradução: Bernardo Maranhão - Revisão técnica: CON
Carlos Antônio AndradeV I DA DO
Mello
Marta Gerez-Ambertín
Tradução: Bernardo Maranhão
Revisão técnica: Carlos Antônio Andrade Mello
Resumo
O Supereu avassala o domínio do eu e das engenhosamente cifradas formações do inconsciente,
ao passo que também impele ao gozo… mais além do princípio do prazer. Por isso, ao atravessar o
conceito de Supereu, o “eco” do pai (mas também seu Nome) serve de orientação. Entre o eco (do
castigo) e o Nome se jogam os caminhos que bifurcam as apostas do destino ligados ao Supereu:
apostar no pior do pai ou para além do pai. Lugar superegoico ou ruptura do lugar, obstáculos e
ardis na cura e na vida para se enfrentar e negociar com a instância brutal.
Mas há algo que quero destacar, que Mas há nesse texto uma formulação
é a paradoxal formulação freudiana, pela paradoxal: duas consequências opostas
dupla herança que recebe: herdeiro do de uma mesma premissa são verdadeiras
Isso e do complexo de Édipo, das quais (lógica imprecisa ou lógica dos parado-
surge uma gama de paradoxos que quero xos).
ressaltar. Freud não retrocede diante desses
A partir desses paradoxos, afirmo que paradoxos, muito pelo contrário. E saberá
o Supereu é o saldo da hostilidade da lei obter de tudo isso importantes achados
dos Nomes-do-Pai que, como “íntimo teórico-clínicos.
estrangeiro”, comanda a partir de seus O Supereu é herdeiro do Isso, além
imperativos hostis (Freud) ou seus impe- de herdeiro do complexo de Édipo. Afir-
rativos de gozo (Lacan). mação paradoxal, cabeça de uma longa
O Supereu faz obstáculo à clínica e série que abarca de ponta a ponta a obra
nela instila o mal-estar: os três de Freud freudiana.
(Isso, Eu e Supereu) e os três de Lacan A banda de Moebius destaca seu
(RSI) o asseveram. Destaco esse ponto no paradoxo.
final, com o trevo do Supereu.
A partir daí encontro um caminho
para trabalhar sobre os paradoxos do Su-
pereu em suas diversas versões.
A contribuição sobre o Supereu que
fiz em meus três livros: As vozes do Supereu
(2001), Imperativos do Supereu e a minha
tese de doutorado El superyó en la clínica
freudo-lacaniana: nuevas contribuciones
(1999) destaca a lógica dos paradoxos por
sobre uma lógica binária. O Supereu não
só faz contraponto ao Nome-do-Pai, por Na lista que oferecemos a seguir (mui-
exemplo, mas supõe uma complexidade to mais limitada que a do livro As vozes do
maior do que a lógica dual que tenta supereu) pretendemos, mais do que resol-
desfazer os paradoxos. E resulta que, para ver essas afirmações paradoxais, pesquisar
recorrer à formulação do Supereu em até onde elas conduzem, e pediríamos que
Freud, é preciso adentrar o labirinto desses sejam lidas como numa banda de Moebius
paradoxos. Aqui tomarei da obra freudiana os paradoxos dessa instância.
um ponto de apoio central no texto O eu
e o isso (Freud, [1923] 1979). Algumas categorias
paradoxais do Supereu em Freud
2. Paradoxos do Supereu Versão aniquilante e cruel Versão mesurada
O Eu e o Isso representam um marco na Sonhos punitivos:
Encobrimento do sonho
construção teórica do Supereu, em que se pesadelos
destaca a formulação de enunciados dis- Murmúrios
Mandados
incompreensíveis
cordantes, em suma, de suas aporias. An-
Tabu desvinculado
tes de mais nada: o Eu e o Isso constituem do sistema totêmico
Tabu dentro do sistema totêmico
uma estação de relevo na indagação sobre Angústia Angústia da consciência moral
o Supereu, estação na qual o Supereu al- Culpa muda Consciência de culpa
cança sua nominação e uma clara posição ou de sangue e culpa inconsciente
estruturante no aparato psíquico demarca- Voz ofensiva Voz da consciência
do na segunda tópica: Eu, Isso, Supereu. “Moção maligna” Moção crítica
A partir desses longos paradoxos fo- ma de outros sonhos nos quais o murmúrio
ram suscitadas intermináveis polêmicas e rompe o texto, cortando-se a circulação
uma série que poderíamos chamar a série do desejo inconsciente e provoca o des-
dos “mas...”: “O Supereu é herdeiro do pertar abrupto. Aqui não há disfarce nem
Isso”, mas... e o Édipo?; “é inconsciente”, substituição, mas dissolução da palavra, e
mas... e sua rebeldia pulsional?; “é um esse furo da lei simbólica leva ao despertar
mandado incompreensível”, mas... pode traumático.
se converter em mandamento, etc. Isso Do mesmo modo, o sonho-pesadelo
se resolve se é possível lê-los sempre na de uma paciente que tem o seguinte so-
banda de Moebius. nho: Está “esquartejando” o bebê de sua
Por isso, a conceitualização mais irmã – sua máxima rival – que teve há
precisa e ao mesmo tempo complexa do pouco um bebê.
Supereu se revela, justamente, nos en- Atendendo as indicações de Freud
treditos de O eu e o isso (Freud, [1923] na Conferência XXIX: Revisão da teoria
1979). É aqui onde finalmente ganha re- dos sonhos sobre os sonhos autopunitivos,
levância o real do Supereu, que dissolve a que derivam para pesadelo por efeito
realidade (advogado do Isso) e se recupera do Supereu, e que não se incluem entre
a vigência do conceito de censura, à qual os “sonhos como realização de desejos”
se atribui a destruição dos fios lógicos da (Freud, [1932] 1979, p. 27), não pedimos
cadeia associativa. Rebelde, pois, contra o nesse momento associações nem fazemos
inconsciente, o Supereu transita desfazen- interpretação alguma por entendermos
do e carcomendo suas formações. que o pesadelo – que não é uma formação
Tomamos, para isso, o exemplo do do inconsciente, mas um imperativo do
sonho Serviços de amor, capítulo IV de A Supereu – expunha, em demasia e com
interpretação dos sonhos (Freud, [1900] um cobertura muito frágil, a “fantasia
1979) incluído na seção A desfiguração do corpo desmembrado”, “de seu próprio
onírica, localizado entre dois sonhos que corpo desmembrado”.
se fizeram famosos por suas consequên- Recebemos as associações em silêncio
cias clínicas: o do Tio Joseph e o da bela esperando que a metonímia permitisse
açougueira. uma substituição mais eficaz, como efeti-
O sonho dos serviços do amor se vamente se produziu em outro sonho que
caracteriza fundamentalmente pela trabalhamos em sua análise. Pretender
emergência de vozes como murmúrios trabalhar seu pesadelo teria conduzido à
que rompem sua trama muito mais do sua dessubjetivação ou a uma passagem
que os típicos recursos do mascaramento ao ato.
do sonho. Relata que despertou daquele horrível
A viúva culta e bela de cinquenta pesadelo com angústia intensa e tremendo
anos oferece – em sonhos – seus patrióti- de ódio à sua mãe. Pode, então, recordar
cos serviços sexuais a toda uma tropa de que em sua infância “odiava imensamente,
soldados, mas o texto é interrompido por ao menos uma vez por semana” essa mãe
incompreensíveis murmúrios justamente esfinge que devora, estrangula e esquar-
ali onde se revelaria mais fortemente o teja, essa mãe que confessava desejar os
desejo ligado, sem dúvida, à degradação da abortos, essa mãe como Outro primordial
vida erótica na interseção santa-puta. Os que havia querido seu próprio desmem-
murmúrios desfiguram a mensagem, ainda bramento e morte.
que sem destroçá-la totalmente. Portanto, Retomamos, então, o eixo central
a preservação do repouso e a cobertura da da apresentação sobre os paradoxos do
angústia estão assegurados. Mas é paradig- Supereu:
18 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 15 – 22 • jun. 2020
Marta Gerez-Ambertín - Tradução: Bernardo Maranhão - Revisão técnica: Carlos Antônio Andrade Mello
Sobre a autora
Marta Gerez-Ambertín
Doutora em Psicologia (Universidade Nacional de
Tucumán-Argentina).
Pós-doutora em Psicologia Clínica - Menção Psi-
canálise - PUC São Paulo (Brasil).
Diretora do Curso de Doutorado em Psicologia.
Faculdade de Psicologia da Universidade Nacional
de Tucumán-Argentina.
Marta Gerez-Ambertín
E-mail: [email protected]
Resumo
Pretende-se situar a questão do corpo na clínica psicanalítica com bebês que apresentam patologias
orgânicas, para pensar as possibilidades de inserção do bebê com deficiência na rede simbólica
parental. Interroga-se, assim, como a imagem do corpo, constituída e sustentada na relação com
o Outro Primordial poderá ser propiciadora ou limitante para a constituição subjetiva da criança,
entendendo os efeitos da lesão fantasmática sobre o laço parental na clínica das deficiências.
Freud ([1914] 2010, p. 36) situa que entre a mãe e o filho, fundamental na
a afetuosa atitude dos pais para com “Sua constituição da imagem do corpo e da
Majestade, o bebê” deve ser compreendida subjetividade.
e reconhecida “[...] como revivescência
e reprodução de seu próprio narcisismo A autora entende que poderão se
abandonado”. produzir efeitos catastróficos para os pais
Isso significa dizer que o momento a partir de um problema de desenvolvi-
do nascimento da criança tem a ver com mento de seu bebê, e isso aponta para
o comparecimento do infantil dos pais e, a importância de compreender, desde o
mais especificamente, de seu narcisismo, início, que lugar a criança ocupa no fan-
o que, segundo o autor, leva os pais tasma parental.
Quando Freud nos coloca que o bebê
[...] a atribuir à criança todas as perfeições vem ao mundo predestinado a cumprir
[...] e a ocultar e esquecer todos os seus as realizações que não foram possíveis de
defeitos (Freud, [1914] 2010, p. 36). ser alcançadas por seus pais, ele nos situa
justamente em relação a esse lugar do qual
Mas, se entendermos, como propõe o bebê é desejado e esperado. Constrói-se,
Freud, que a criança está posta aí, no lugar a partir dessa idealização, um bebê imagi-
de concretizar os sonhos não realizados nário, que será sempre diferente do bebê
de seus pais, o que podemos esperar dessa real, independentemente das condições
relação especular e imaginária em torno orgânicas com as quais a criança advenha
de uma criança que apresenta as marcas ao mundo.
da deficiência denunciadas em seu corpo? No entanto, atenta-se para que o en-
Como será possível ao bebê com patologias contro entre o bebê imaginário e o bebê
orgânicas oferecer essa ilusão de comple- real enfrentará um grande abismo quando
tude e de realização a seus pais? da ocasião de uma deficiência, podendo,
Podemos compreender que, ainda que segundo Tavares (2013, p. 89),
a causa do sujeito não resida no orgânico,
este por vezes poderá produzir ruídos na [...] ser da ordem do irrepresentável,
relação do bebê com seus cuidadores, po- fazendo com que possam claudicar a
dendo, ainda, incidir sobre a construção filiação, a sexuação e a identificação, ou
do aparelho psíquico, tendo efeitos sobre seja, a constituição de um sujeito nesse
a constituição do sujeito (Coriat, 1997). pequeno ser de carne e ossos.
Assim, fica claro que a constituição
do sujeito em bebês com patologias orgâ- Possibilidades na constituição sub-
nicas enfrentará difíceis entraves, quiçá jetiva do bebê com deficiência
mais perturbadores das construções entre Sabemos que, para que uma criança
a mãe e o bebê do que as dificuldades com patologias orgânicas
encontradas por um bebê que apresenta
seu orgânico preservado. [...] tenha a possibilidade de advir como
Eda Tavares (2013, p. 92), ao falar da- sujeito do desejo, é necessário que se
quilo que se rompe na construção especu- cumpram as mesmas premissas, os mes-
lar entre a mãe e o bebê com deficiências mos passos necessários para que isso
múltiplas, situa que aconteça em uma criança organicamente
normal (Coriat, 1997, p. 153).
[...] quando o espelho quebra por fraturas
no corpo da criança, fica comprometida Não se trata de compreender a cons-
a possibilidade desse jogo especular tituição do sujeito de maneira diferente
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 23 – 28 • jun. 2020 25
Considerações sobre o corpo na constituição subjetiva do bebê com deficiência
podemos afirmar que algo se rompe para [...] permite-lhes conviver com seu filho
aqueles que ocupam as funções parentais deficiente num plano de ‘normalidade’,
dessa criança. Ainda que essa ruptura seja com efeitos normalizantes para a criança
inevitável, é a partir dela que se deverão (Jerusalinsky, 2010, p. 97).
produzir novas significações sobre o lugar
que esse bebê venha a ocupar no imagi- Por fim, entendemos que há muito a
nário parental a fim de que ele possa se ser feito na clínica psicanalítica com bebês
constituir como sujeito. com deficiência, ainda que esse seja um lu-
Pavone e Abrão (2014) apontam que, gar de difícil entrada para o psicanalista, ao
para que a lesão real no corpo do bebê entendermos que muitas vezes a demanda
não tome proporções de impossibilidade parental se orienta no sentido de
constitutiva do sujeito, será necessário
que os pais consigam reorganizar o ima- [...] que lhes seja arrumado o ‘boneco es-
ginário e o simbólico sobre a criança, tragado’ do seu narcisismo (Jerusalinsky,
visto que 2010, p. 92).
Resumo
“To hear with eyes” é uma expressão de Shakespeare usada por Masud Khan como título de um
artigo seu escrito em 1971. Khan narra o caso clínico de uma jovem modelo que lhe dizia certas
coisas, mas em cujo corpo, deitado no divã, ele via outras coisas. O artigo de Khan tem quase
50 anos, e pode-se dizer que hoje o manejo clínico das questões corporais e das dissociações
subjetivas tornou-se mais premente. Se Khan privilegiou o olhar do analista sobre o corpo do
paciente, podemos hoje alargar este horizonte, matizando a relação entre as expressões corporais,
os gestos e os ritmos no encontro clínico.
O título deste artigo tem uma dupla tante sem que precise haver fala. Isso se
inspiração. “Ouvir com os olhos” é uma torna mais relevante, para Khan, no caso
expressão de Shakespeare, no Soneto 23: de pacientes dissociados. Eles encenam
com seu corpo determinados aspectos de
Mais do que a língua que mais se expressa sua subjetividade e de sua vida que não
Ouvir com os olhos faz parte das sutilezas mantêm nenhuma relação com aquilo
do amor. que dizem.
O que quero trazer aqui não se reduz
Essa expressão também foi usada como tí- ao trabalho de Masud Khan. Ele privi-
tulo de um artigo de Masud Khan (1971), legiou o olhar do analista sobre o corpo
cujo subtítulo é Notas clínicas sobre o corpo do paciente. Isso é importante, mas eu
como sujeito e objeto. É um texto conhecido, gostaria de ir além, matizando a relação
em que ele narra o caso clínico de uma entre as expressões corporais, os gestos e os
jovem modelo que lhe dizia certas coisas, ritmos, e estendendo o olhar ao encontro
mas em cujo corpo, deitado no divã, ele clínico, sem reduzi-lo a uma capacidade
via outras coisas. A partir dessa defasagem do analista.
entre o que era ouvido como discurso e o A questão é que o artigo de Khan tem
que era ouvido como expressão do corpo, quase 50 anos, e, de lá para cá, pode-se
Khan apresenta um estudo interessante so- dizer que o manejo clínico das questões
bre o conceito de dissociação desde Freud. corporais e das dissociações subjetivas
Sua tese, já naquela época, era a tornou-se mais premente. Temos cada vez
de que a experiência clínica emprega e mais pacientes que não usam o divã, que
se comunica por outros meios além da pedem o nosso olhar, e não apenas para
linguagem; nela se daria uma troca impor- controlar o ambiente.
Ele trata disso num pequeno texto, cortar. Os pacientes não neuróticos são
intitulado Palavras obscenas ([1911] 1991). muito sensíveis a isso; nas intervenções
Um palavrão é algo que nos toca visceral- do analista, o que eles percebem é o
mente, para além de seu significado verbal. gesto, mais do que o conteúdo do que é
Porém, aquilo que se dá com os palavrões dito. Pode-se entender então que, para
teria ocorrido, originalmente, com todas as esses indivíduos, uma interpretação ou
palavras. Todas elas, de início, possuiriam corte súbito de sessão sejam percebidos
um caráter tangível e sensorial, estando literalmente como corte – não como corte
carregadas de “riqueza afetiva e potência simbólico, capaz de convocar a elaboração,
motora” (Ferenczi, [1911] 1991, p. 119). mas como corte real, no qual aquele que
Barthes (1984, p. 64) diz a mesma foi cortado sofre na carne o gesto do afas-
coisa sobre a linguagem dos apaixonados: tamento e da exclusão.
no estado amoroso, ele escreve, O silêncio também pode ser pensado
na esfera do gesto. Evidentemente, exis-
[...] a linguagem é uma pele: esfrego tem vários tipos de silêncio e vários gestos
minha linguagem no outro. É como se possíveis implicados no silêncio. Existem
eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou silêncios que desanuviam a atmosfera; em
dedos na ponta das palavras. contrapartida, há outros que nos dão a
impressão de que o ar poderia ser cortado
Isso pode acontecer porque todas as a faca. Creio, porém, que determinado
formas de expressão possuem uma origem tipo de silêncio tem uma importância
comum (C âmara , H erzog , C anavêz , especial no encontro analítico. Refiro-
2018), isto é, tanto as palavras quanto os -me ao silêncio originário que Winnicott
gestos corporais proviriam de uma mesma ([1958] 1998) ligou à solidão essencial
capacidade impressiva e expressiva. Por e, no plano dialógico, à capacidade de
esse motivo, ouvir seria uma experiência estar só na presença do outro. Sem essa
sensória, assim como, ao falar, se poderia possibilidade de silêncio, todo encontro se
afetar o outro, do mesmo modo que os torna um confronto. Só há liberdade em
dedos tocam a pele. qualquer encontro – e, particularmente,
Que consequências essa ideia tem no encontro analítico – quando se pode
para a clínica? Isso implica pensar que o também não dizer, não comunicar, não
encontro clínico é feito não só com pa- endereçar, não confrontar e nem buscar.
lavras, mas com tudo aquilo que permite Esse é o momento em que, sustentado pelo
que alguém se expresse diante de um outro analista, alguém pode descansar de ser si
com objetivos muito diversos, como fazer- mesmo enquanto forma dada, abrindo
-se compreender ou pedir compreensão, entrada para o informe e o inédito.
transmitir, ordenar, tocar ou, simplesmen-
te, estar com o outro. Todas essas possibi- Sobre o ritmo
lidades expressivas podem ser entendidas Existe uma noção de tempo muito curiosa
como gestos, o que permite pensar que os e pouco explorada em Freud. É a noção de
gestos, em seu movimento expressivo, são período. Freud ([1895] 1977) apresenta
mais amplos e até anteriores às palavras. essa noção no Projeto para uma psicologia
Afirmar que os gestos são anteriores científica, quando trata da passagem da
às palavras não significa dizer que eles são quantidade à qualidade. A questão é que
pré-linguísticos. Significa dizer que as pa- o mundo não nos dá qualidades, só quan-
lavras, segundo a forma como são usadas, tidades. O mundo não nos dá vermelho;
são antes de tudo gestos: elas servem para o que ele nos dá são ondas luminosas, ou
afastar, aproximar, ferir, ordenar, afagar, seja, quantidades de excitação. Como
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 29 – 36 • jun. 2020 31
Ouvir com os olhos: gestos, expressões, ritmos
existir – algo que se dá muito antes de um se sintonizar com o outro, criando uma
eu – decorre da percepção da variação de coreografia corporal, criando a respi-
ritmos no corpo da mãe, o que implica di- ração de um movimento. O bebê tem
zer que há um prenúncio de si mesmo que uma sensibilidade precoce para captar a
se cria enquanto ritmo ele próprio. Falan- variação dos ritmos na voz, nos gestos e
do mais claramente: o feto experimenta os nos movimentos maternos, e se mostra
ritmos da mãe e nessa experiência cria seu apto para responder a esses movimen-
próprio ritmo, primórdio de um si mesmo. tos, criando com a mãe uma verdadeira
No início não era o verbo nem o ato. coreografia.
No início era o ritmo. Nós somos, e cada Mas para que esse ballet do encontro
um de nós ao seu modo, um ritmo: um aconteça, diz Roussillon (2004), é preciso
tempo anterior à própria temporalidade. que cada um, e mais particularmente o
Uma espécie de tempo potencial, a partir bebê, seja capaz de antecipar os movimen-
do qual uma temporalidade subjetiva se tos ou as variações do outro, como fazem
poderia fazer. Esse ritmo diria respeito às dois parceiros de dança ou dois músicos
sensações primordiais, aos sentimentos que tocam juntos.
vitais. Antes mesmo de existir um sujeito Como o bebê é capaz de um proce-
ou um ser no mundo, há um sentir, e nesse dimento tão complexo? É verdade que,
sentir tocamos algo que ainda não é um se a mãe for muito brusca, caótica ou
objeto, através de uma sensorialidade errática, ela vai extrapolar a capacidade
muito primitiva. É nesse nível, porém, de antecipação do bebê. Porém, se não
que o primeiro surgimento de uma forma for, o bebê é capaz de se apropriar dos
é possível, e a primeira forma – que não esboços de ritmo que se desprendem do
é ainda uma forma, uma Gestalt, sendo movimento da mãe.
mais uma Gestaltung, um se fazendo da Roussillon escreve:
forma –, essa Gestaltung é o ritmo. Entre
o caos e o mundo, entre o caos e o sujeito, É o ritmo, primeiro nível de organização
entre o informe e a forma, está o ritmo. de uma forma de temporalidade, que tor-
Vamos agora sair do campo do autismo e na possível uma certa previsibilidade da
passar para outros autores que se dedicam mãe e de seus movimentos (Roussillon,
a pensar as trocas emocionais entre um 2004, p. 430).
recém-nascido e sua mãe.
Como é que um bebê percebe sua E explica:
mãe? René Roussillon (2004) afirma que o
bebê percebe, desde o início uma forma de O ritmo define uma sequência, permite
mãe, assim como é capaz de diferenciar ob- antecipar um seguimento, observar uma
jetos animados e inanimados, baseado no regularidade e prever, de algum modo, a
tipo de ritmo do movimento dos objetos. sequência seguinte (Roussillon, 2004,
A mãe é primeiro um ritmo, e Roussillon p. 430).
escreve que o bebê é capaz de reconhecê-
-la muito cedo, desde as primeiras horas Além disso, o bebê teria uma capaci-
de vida. O psicanalista francês vê as trocas dade para transpor os ritmos percebidos
emocionais como emanações rítmicas, um num plano para outro – aquilo que Da-
processo de sintonia afetiva. Fala de um niel Stern (2003) chamou de apreensão
verdadeiro ballet de ajustamento de gestos, intermodal: o bebê pode transpor ritmos
mímicas e posturas entre a mãe e o bebê. escutados para ritmos vistos, pode trans-
Trata-se não de uma simetria, e sim por, através do ritmo, melodias de gestos
de uma sintonia rítmica: cada um tenta para melodias visuais.
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 29 – 36 • jun. 2020 33
Ouvir com os olhos: gestos, expressões, ritmos
A prática psicanalítica1
Maria Angela Assis Dayrell
Resumo
A partir de um caso clínico, é trabalhada a questão da posição do psicanalista na escuta analítica
e na direção do tratamento.
1. Comentário teórico-clínico realizado no debate do caso clínico apresentado na reunião clínica do Círculo
Psicanalítico de Minas Gerias, em 07 ago. 2019.
demos perceber não apenas a função que mento, mantinha sessões esporádicas, de
o analista tem para esse sujeito na relação ‘manutenção’ com ele).
transferencial, mas também a função do Que o analisante possa suportar sua
sintoma para o analisante. diferença e a não adaptação, isto é, implica
E mais, continua Quinet (2011): sua inclusão como sujeito que requer uma
invenção, uma forma singular de estar no
[...] o significado de um sintoma, para mundo!
a psicanálise, não é a patologia, e sim o Falar tem um efeito não só no jogo das
pathos, a paixão de um desejo que não significações, como também e principal-
ousa dizer seu nome. Ame seu sintoma mente, tem efeito no simples fato de dizer!
como a si mesmo! Ele aponta sua verdade. Christian Dunker (2017, p. 13), em
Mas se ele faz sofrer é porque realiza um Reinvenção da intimidade acentua:
desejo conflituoso de que você nem quer
saber. Não adianta, ele insiste! Cada experiência de sofrimento é uma
história que se transforma à medida que
Se o sujeito calar seu desejo, será ao é contada.
custo da angústia, e só faz surgir inibição.
“É por isso que se deve acolher o sintoma O bem dizer é a virtude: bem dizer o
– seu e do outro – e não fazê-lo calar”, sintoma e o mal-estar na civilização. Dizer
conclui Quinet (2011). é um ato! E o psicanalista vai ‘ler o dizer’
O sintoma, a volta do recalcado, pode do analisante: ler o desejo que está em
dar prazer, o que não pode ser sentido movimento e não entender! O analista
como tal. Existe um gozo relativo a esse precisa ver como ele está nesse lugar:
aparente desprazer, portanto um gozo que como ouvir esse Real que está no ‘dizer’
não coincide com o registro do prazer e não no ‘dito’. O dizer pode ter a função
(por exemplo, um gozo relativo a uma de permitir a ligação, a articulação entre
autopunição). os três registros – RSI.
No caso apresentado, nosso co- Benoît Le Bouteiller (2019/2020), ao
lega coloca em relevo a questão da tratar da teoria dos nós, questionou: como
psicanálise com o idoso, o que é muito aproveitar dessa teoria clinicamente, na
importante, pois com a idade, ocorrem sua dimensão poética?
modificações físicas e cognitivas, além O trabalho do psicanalista, nos lem-
de outras. Mas a estrutura psíquica não bra Bouteiller, é um trabalho de um leitor,
tem idade! O sujeito do inconsciente leitor de um nó que está acontecendo
não envelhece, é bem lembrado, segun- atrás do dito. Ter uma leitura orientada
do Angela Mucida. Mas constituir-se a partir da teoria dos nós, não se reduz
analista só para idosos, estaria falando apenas a duas dimensões, Imaginário e
mais do próprio analista, da sua questão Simbólico, numa tentativa de ter sentido,
subjetiva e, obviamente, poderia ser mas, sim, se a ver com o Real, a terceira
objeto de sua própria análise. dimensão que está, especificamente, atrás
Portanto, nosso trabalho na condução do dito.
do tratamento é produzir uma experiência Como conseguir ver a dimensão do
singular, o que é diretamente oposto à Real, além da aparência do Imaginário e
fascinação pelo saber, colocando sentido do Simbólico?
em tudo, pois corre-se o risco da ‘manu- Ensina Bouteiller: primeiro, aprender
tenção’, isto é, de manter tudo igualzinho! a ler para alcançar a escrita do sujeito;
(expressão usada pelo clínico para dizer segundo, fazer um corte, uma incisão na
que a paciente, após concluir seu trata- espessura do que está presente, isto é,
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 39 – 44 • jun. 2020 41
A prática psicanalítica
cortar no lugar certo, quando o sujeito Portanto, vale sublinhar a diferença entre
está falando. o dizer e o dito: a interpretação engloba
O corte, na interpretação do analista, os ditos, e o dizer sustenta que a relação
tem um efeito não sobre o sentido, mas sexual não existe.
sobre a estrutura. Estrutura entendida aqui Em Economia de gozo e final de análise,
não como estrutura nosográfica, mas como Nilza Ericson (2015, p. 150) afirma:
estrutura lógica e topológica do sujeito.
A interpretação, portanto, não é Nunca se vai poder apreender o ser pelo
cronológica, mas num tempo lógico da dito, apesar do dito pretender isso. Há
fala do sujeito, para colocar sua fala em sempre algo atrás do que foi dito. Al-
outro lugar. guma coisa que ex-siste ao dito, que não
A interpretação do lado do sentido está toda no dito. Então o dito não traz
não faz a torção que permite sair de um o dizer todo.
lado para outro, como na banda de Mo-
ebius, mas mantém o sujeito girando no Parabéns a todos os presentes que tan-
mesmo lugar. Portanto, enfatiza Bouteiller, to contribuíram para nossa conversação
ser psicanalista é poder ler de uma forma nos proporcionando ocasião de aprendi-
nova! zado, reflexão e debate! j
O ser falante está habitando as três
dimensões RSI, e essa escrita vem através THE PSYCHOANALYTIC
de seus ditos, que exige uma leitura no um PRACTICE
a um. A teoria dos nós vai nos oferecer
ferramentas para lermos o que se está di- Abstract
zendo atrás daquela fala, afirma Bouteiller. Based on a clinical case, the question of the
O percurso analítico não é a busca psychoanalyst’s position in analytical listening
de uma coisa recalcada, mas produzir and in the direction of treatment is addressed.
‘iné-ditos’ que não estavam presentes. É
criação, produção! O desafio para o ana- Keywords: Being a psychoanalyst, Analyst’s
lista, salienta Bouteiller, é permitir uma desire, Symptoms, Ethics of good saying.
invenção, uma escrita nova. O analista vai
ver como isso se constrói e como funciona
essa modalidade de fazer nó!
O sujeito está construindo um senti-
do, e o analista usa suas ferramentas – ato
e interpretação – para ir atrás da fala do
sujeito e atentar para a lógica subjetiva do
que se está escrevendo! É um trabalho de
criação em que o sujeito faz uma constru-
ção de si mesmo.
Portanto, o ato analítico, como ato
de criação, tem a ver com o ato poético,
conclui Bouteiller.
O discurso do analista é o que sustenta
seu ato e o leva ao dever da interpretação.
O ato e a interpretação, diz Quinet (2018),
são as armas do analista, um dizer que
funda um fato e fura a consistência do
Outro (o avesso do discurso do mestre).
42 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 39 – 44 • jun. 2020
Maria Angela Assis Dayrell
Resumo
Este artigo surge através de questões sobre as fronteiras instáveis entre psicanálise e história.
Todos têm alguma questão sobre o valor da vida, a sexualidade e a morte, este é um ponto rele-
vante, pois o que é possível obter como resposta é a narrativa de uma história. A história surge
no atendimento clínico: todos têm algum tipo de história cotidiana a narrar. É inevitável contar,
mas isso também conduz ao que é inenarrável. A concepção de história que se pesquisa neste
artigo é capaz de suportar o equívoco; a história passa a ser algo que comporta o sem sentido, o
sem nome, o impossível e a possibilidade de morte. A história também abarca o indizível. É emer-
gência do novo e interrompe o tempo. O que seria uma concepção de história capaz de incluir
a psicanálise? Até que ponto se faz necessário aproximar verdade, inconsciente Real e história,
e por essas fronteiras se verificar possível reflexão? Por fim, um impasse: a história – apartada e
íntima da psicanálise.
Todos têm algum tipo de questão sobre o psicanálise e história, e o que poderia
valor da vida, a sexualidade e a possibili- emergir no espaço dessa mobilidade. Por-
dade de morte. Os homens são mortais, e tanto, faz um breve percurso bibliográfico
tais acontecimentos lhes pertencem desde para investigar a concepção de história e
que nascem. Esse é um ponto relevante, narrativa, que, por vezes, parece padecer
pois, além disso, o que é possível obter de um certo quiproquó.
como resposta e solução é a narrativa de Além disso, tenta aproximar história
uma história. O homem e sua história se e psicanálise. E sob esse aspecto, a his-
confundem. Nesse contexto, dá-se o en- tória – tal como a narrativa – surge no
cadeamento de circunstâncias que podem atendimento clínico: todos têm algum tipo
configurar a existência. Contudo, toda de história cotidiana a narrar e pequenas
narrativa de história de si é incompleta. ficções a decifrar. É inevitável contar, mas
Mas será que a dor particular quer saber isso também conduz ao que é inenarrável.
da sua história? Com efeito, a psicanálise opera por e no
Este artigo surge através de interro- nível do dizer. Nesse sentido, quais as pos-
gações sobre as fronteiras instáveis entre sibilidades para que o inenarrável da dor
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 45 – 52 • jun. 2020 45
Narrativa e história de si, contadas em análise
de ser recordado como passado. Temos vos imediatos da psicanálise sejam hoje
aqui que a história é não apenas reminis- inteiramente diferentes do que eram no
cência, mas também algo que pode fazer começo.
parte de uma ação sobre o presente? De
que forma? Sentido e história estão intimamente
apegados. Entretanto, a concepção de
Além disso, ao falar de recalque, história que se pesquisa neste artigo é
Freud ([1906] 1996, p. 50) diz que capaz de suportar o equívoco. A história
de si passa a ser algo que comporta o sem
[...] o conceito de inconsciente é mais sentido, o sem nome, o impossível, o ine-
amplo, sendo o de recalcado o mais restri- narrável, a possibilidade de morte. Isso
to. Tudo o que é recalcado é inconsciente, ocorre a propósito de algo que se vivencia,
mas não podemos afirmar que tudo o que que é trauma e, assim, não pode se apro-
é inconsciente é recalcado. priar de palavras.
Mas a história também abarca o indi-
Assim, há o inconsciente, o recalcado, zível. É emergência do novo e interrompe
a história e suas retroações significantes. o tempo. Até que ponto a história de si
E há o real que é forcluído. Temos aqui também é contingência? O que seria uma
a disjunção entre a história, na qual se concepção de história capaz de incluir a
realiza o retorno do recalcado, e o real psicanálise?
como o que subsiste fora da simbolização. Verifica-se que a especificidade da
O que é uma narrativa capaz de levar em história, como notou Chartier (2015), é
conta o real? sua capacidade de articular os diferentes
Contudo, em que medida o recalque tempos. Nesse sentido, a leitura de di-
também fracassa? Freud ([1915] 1996, p. ferentes tempos faz com que o presente
265) em O sentido dos sintomas, nos diz seja o que é: herança e ruptura, invenção
que os sintomas têm um sentido e se rela- e inércia. A história, um procedimento
cionam com as experiências do paciente. de investigação, narrativa, escritura
O sintoma, os atos falhos e os sonhos têm desdobrada e fragmentada, tem, então, a
uma afinidade, que Freud ([1915] 1996, tarefa de convocar o passado que já não
p. 265) nomeia de “conexão” com a vida está no discurso do tempo presente, pois
de quem os produz. A história é também o passado nunca é um objeto que já está
o sentido do sintoma? ali. A história é essa brecha existente
No entanto, isso ainda diz pouca coi- entre o passado e o que o representa,
sa, pois Freud ([1915] 1996, p. 278) nos entre o que foi e o que não é mais, e
conta que, embora as vivências forneçam em relação com a narrativa (Chartier,
uma explicação satisfatória dos sintomas, 2015, p. 12-23).
a interpretação histórica do sintoma deixa Em vista disso, a história que se lem-
incertezas. A análise, como arte interpre- bra do passado também é sempre escrita
tativa, não fazia mais do que descobrir, no presente e para o presente. Portanto,
reunir e comunicar ao paciente seu próprio a intensidade dessa volta ao passado é
material inconsciente. também um fazer de novo, que possibilita
Nesse sentido, Freud ([1920] 1996, p. a quebra da continuidade cronológica e
29), em Além do princípio do prazer, percebe linear capaz de enterrar o sofrimento e o
que isso não solucionava as coisas: horror, nos diz Gagnebin (2013). Logo,
essa quebra de continuidade histórica
[...] vinte e cinco anos de intenso traba- é um gesto de interrupção do tempo,
lho tiveram por resultado que os objeti- cessação mesmo, suspensão do sentido,
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 45 – 52 • jun. 2020 47
Narrativa e história de si, contadas em análise
que torna possível inscrever na narrativa Será que temos a morte como pos-
silêncios e fraturas. Com esses elementos, sibilidade de um limite nos instantes da
reflete-se que o acesso ao passado é sempre história capaz de se findar? Portanto, a
faltoso, comporta sempre um fracasso, tal história tem esse caráter temporal, tal
como o recalque. como a psicanálise, e capaz de provocar
Nesse contexto, sobre psicanálise, rupturas.
história e a narração do sofrimento, Gag- No princípio da análise, nos diz
nebin (2013) nos diz que isso consiste Dunker (2016, p. 98), o analisante pa-
na quebra da coerência ilusória de uma rece falar de modo a justificar a posição
história repetitiva, pois a narrativa deve subjetiva através da racionalidade própria
ter a força de romper o que, tal como uma sobre o sofrimento que o afeta. Tais expli-
barragem, resiste ao fluxo narrativo. Em cações estão ligadas às contingências de
outras palavras, a dor, que não quer saber sua história: vida amorosa, profissional e
de sua história. a forma como se está com o outro. Algo
Além disso, como notou Gagnebin que predomina é que de algum modo
(2013, p. 107-110), repetir, romper até ocorre à isenção do sujeito por retirada da
que surja o diferente: implicação ou pelo excesso de implicação.
A psicanálise é também a prática dos
As intervenções do analista não teriam modos de falar, denominada por Freud de
como alvo primeiro opor a essa história associação livre. Até que ponto incidem
uma contra-história, uma interpretação problemas sobre a narrativa, a ponto de
diferente da primeira, mas tão constran- encurtá-la ou empobrecê-la? Para Dunker
gedora, e restritiva quanto ela, numa (2017, p. 44-45), percebe-se um déficit
espécie de luta interminável e estéril narrativo.
entre duas versões divergentes da mesma Desse modo, o analista, ao dizer ao
vida; elas deveriam, muito mais, provo- analisante que conte sua história de vida,
car rupturas nessa narrativa por demais recebe como resposta: “sou dono de uma
convincente, designar seus furos, seus padaria”. Porém, o analista insiste, per-
brancos, retomar o tropeço, o ato falho gunta, mas o analisante não tem nada
para o sujeito se arriscar, no seu presente, mais a dizer. Dunker busca em Walter
a andar, a agir diferentemente (Gagnebin, Benjamim, no texto O narrador (1936),
2013, p. 107). a impossibilidade de narrar como uma
mutação estranha da época. Narrar não é
Por sinal, para Lacan ([1953] 1998, relatar, não é descrever; há um universo
p. 319), em Função e campo da fala e da de problemas discursivos e linguísticos em
linguagem em psicanálise, o automatismo torno da narrativa.
da repetição visa a temporalidade histórica Nesse contexto, como notou Gagne-
da transferência, ao passo que a pulsão de bin (2013, p. 62) a respeito do esfacela-
morte exprime o limite da função histórica mento da narrativa mítica tradicional em
do sujeito – ou seja, a morte. Entretanto, narrativas independentes, essas narrativas
não a morte como simples término da vida podem rememorar o passado sem assumir
nem como certeza empírica, mas como uma forma mítica. Com efeito, não se trata
possibilidade. Esse limite se faz presente tanto da harmonia perdida ou do fim de
em cada instante que a história tem fim. É uma época, mas da realidade do sofrimen-
o passado sob forma real que se manifesta to incapaz de ser depositado nas experi-
revertido na repetição, diferentemente ências narrativas. No entanto, poderia
do passado em que o homem encontra e ser transmitido em um sentido diferente
garante o futuro. da tradicional narrativa? Como pode ser
48 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 45 – 52 • jun. 2020
Scheherazade Paes de Abreu
Sobre a autora
Resumo
A autora compara a formação de sintomas na clínica psicanalítica da fobia com a verdadeira
irrupção do real vista em acontecimentos recentes, como no episódio da mina do Córrego do
Feijão em Brumadinho (MG). Lacan trata o Real pelo Simbólico, abordando o estranho familiar
[das Unheimliche] em cada um de nós. A capacidade de elaboração do estresse pós-traumático
pede não só a palavra que toca o corpo como letra de gozo, mas também a elucidação de pontos
da história de cada um que, de uma maneira estranhamente (in)familiar, se fixou em traumas
infantis. Esses pontos de real nos deixam agitados e aturdidos. E para eles faltam palavras.
1. Trabalho apresentado no X Fórum Mineiro de Psicanálise. Divinópolis (MG), 12-13 jul. 2019.
O infamiliar é o retorno de algo, prin- sim, como uma placa giratória [...] Ela
cipalmente de cunho sexual, que deveria gira mais do que comumente para as
ficar escondido e que volta a incomodar. duas grandes ordens de neurose, a his-
Da definição dos Irmãos Grimm, usa- teria e a neurose obsessiva, e também
da por Freud em O estranho ([1919] 1996), realiza a junção com a estrutura da
tiramos: heimliche é doméstico, familiar, perversão; [...] Ela é muito menos uma
caseiro, aconchegante, secreto, oculto, entidade clínica isolável do que uma
velado ao conhecimento de fora, relativo figura clinicamente ilustrada de ma-
à casa, ao lar. neira espetacular, sem dúvida, mas em
Unheimliche tem várias traduções: contextos infinitamente diversos (Lacan
estranhamento, sinistro (que ameaça), fu- [1968-1969] 2008, p. 298).
nesto (cheio de maus presságios), esquerdo
(algo que faz parte de nós, mas é visto O estresse pós-traumático
como um lado cego, reprimido) acidente O conceito de estresse pós-traumático
grave, catástrofe. é objeto de estudo tanto pela medicina
Tudo aquilo que era familiar à psi- quanto pela psicologia. Faz parte da DSM-
que foi reprimido e, ao retornar, é visto -IV (Diagnostic and Statistical Manual of
como estranhamente familiar. Freud dá Mental Disorders) e, pelo menos tempo-
o exemplo do trem, onde se assusta com rariamente, incapacita o indivíduo para
sua própria imagem no espelho da porta. exercer suas funções no trabalho (saúde
mental do trabalhador).
Assim como o retorno do totemismo na O recente episódio do rompimento da
infância origina fobias infantis e acentua barragem da mina Córrego do Feijão, da
o complexo paterno como um complexo mineradora Vale, em Brumadinho (MG),
de castração, o retorno do animismo na com quase trezentas mortes e destrui-
infância desenvolve a consciência moral, ção do Rio Paraopeba, em 25 de janeiro
a autocrítica e o sentido de auto-ob- de 2019, pôs em relevo a fragilidade e
servação. A gênese do Supereu parece a ineficácia de um sistema extrativista
depender nesse sentido, do cruzamento exercido amplamente nas Minas Gerais
entre o legado totemista e a superação e aterrorizou a todos pelas proporções do
do narcisismo animista (Dunker, 2019, acontecimento.
p. 210-211). Mais que o Schreck (susto), o tsunami
incontrolável de lama com resíduos tóxi-
A formação de sintomas fóbicos revela cos lavou parte de uma cidade, as depen-
uma enfermidade da metáfora paterna, dências da mineradora e o Rio Paraopeba,
isto é, a maneira pela qual o desejo da tornando-o impróprio à vida.
mãe não é, de forma alguma, portador do O que vimos foi uma verdadeira irrup-
valor simbólico do falo. O discurso da mãe ção do Real, ou seja, mortos, muitos deles
situa, apenas por sugestão, o lugar do pai esquartejados pela força de destruição do
como pai. Daí o sintoma fóbico ser uma rio de lama. Indizível. Faltam palavras. E
suplência da metáfora paterna. O modo quando elas vêm, também estão conta-
como o pai é falado pela mãe retira o peso minadas pela raiva, pela desorientação e
simbólico do pai na palavra da mãe. todo o imaginário fantasioso com o qual
No Seminário 16: de um Outro a outro, tentamos bordejar a pulsão de morte.
Lacan afirma: No resgate das vítimas e, trabalhando
incessantemente há quatro meses, esti-
A fobia não deve ser vista, de modo veram os bombeiros que recebem acom-
algum, como uma entidade clínica, mas panhamento médico e psicológico desde
54 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p.53 – 58 • jun. 2020
Vanessa Campos Santoro
então. E muitos deles chegaram a nossos em que a pessoa foi confrontada com a
consultórios, na tentativa de pôr palavra morte ou grave ferimento em si, ou em
onde só havia destruição e morte. outras pessoas, com resposta de intenso
O trabalho de resgate de vítimas medo, impotência ou horror.
e de corpos foi intenso nos primeiros O evento traumático é revivido em
meses. No consultório, os bombeiros recordações aflitivas recorrentes e in-
atendidos relatavam minuciosamente trusivas, e em pesadelos. Um fenômeno
o vivido, repetindo as façanhas de sal- paradoxal é a reexposição compulsiva a
vamento e o horror das mortes. Corpos eventos potencialmente traumáticos.
despedaçados, casas, ponte, estrada, ci- A diferença principal entre o trata-
dade, tudo soterrado pelo mar de lama. mento psicanalítico e o cognitivo – com-
Tudo era falado exaustivamente. Eles portamental usado para o TEPT é o uso
estavam presos às cenas traumáticas e que se faz da linguagem. A proposta do
só falavam delas. segundo é que o estressado passe a falar
O drama dos familiares desapareci- imediatamente depois do ocorrido para
dos, a esperança de encontrar um parente ultrapassá-lo e se curar, restabelecendo
com vida, a luta para identificar corpos seu eu cognitivo.
e enterrar os mortos, tudo isso repetido Há novas pesquisas que apontam “post
inúmeras vezes por aqueles homens va- traumatic growth”.
lentes e acostumados com fogo, incêndio Na psicanálise, falar é muito impor-
e devastação. tante para conter o desamparo e o horror
Na escuta, além dos relatos, os psi- radical vivido no trauma. Mas é preciso
canalistas pinçaram pontos da história de tomar a fala pelos furos, e não pela clareza
cada sujeito. Relatos da infância, medos da comunicação. A psicanálise parte do
e outras situações traumáticas vividas pressuposto do impossível de dizer – o
começaram a aparecer e, de maneira Real. Falar do trauma é construir bordas
estranhamente (in)familiar, se fixar em em torno do impossível de dizer.
traumas infantis. O que é trauma para a psicanálise?
Esses pontos de Real retornavam O trauma é o encontro com o Real do
com força diante da catástrofe, muitos sexo e o Real da morte, ambas figuras do
deles como impressões, outros como impossível de representar no Simbólico.
traços. Todos indizíveis, trazendo muita O encontro com o Real da castração. O
angústia. À medida que se pôde pôr em trauma vem sempre a posteriori, quando,
palavras essa angústia tão antiga, houve numa repetição, já no Simbólico, a cena
uma melhora daqueles sujeitos. Passaram traumática é retomada e ressignificada,
a dormir, tranquilizavam uma agitação entrando na cadeia significante com seu
constante denominada por eles de “sempre peso de trauma, isto é, o que excede às
alerta”, diminuindo os sintomas corporais representações.
de cefaleia e dores estomacais. Para Freud, o traumático é não a cena,
Embora as buscas estejam no fim, tem mas a lembrança a posteriori da cena que
acontecido um fenômeno ainda por en- faz um efeito de gozo e da qual nos defen-
tender: muitos dos bombeiros se recusam demos fazendo sintoma.
a abandonar o local de trabalho e conti- O trauma se apresenta. O trauma
nuam a procurar na lama algum sinal de não se representa. O trauma é o que não
vida ou resgatar pedaços de corpos. pode ser ligado e integrado nos sistemas
Conforme o DSM-IV os transtornos mnêmicos. É o não representado ou o
do estresse pós-traumático (TEPT) se re- insuficientemente representado, que afeta
ferem à exposição a eventos traumáticos sempre o equilíbrio narcisista.
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 53 – 58 • jun. 2020 55
O estranhamente infamiliar dos medos
THE STRANGELY
(UN) FAMILIAR OF FEARS Referências
CALDAS, H. Trauma e linguagem: acorda. Opção
Abstract Lacaniana online nova série. São Paulo, ano 6, n. 16,
mar. 2015. ISSN 2177-2673.
The author compares the formation of symp-
toms in the psychoanalytic clinic of phobia CESAROTTO, O. No olho do Outro. São Paulo:
with the true outbreak of the real seen in Iluminares, 1996.
recent events, such as in the episode of the
Córrego do Feijão mine in Brumadinho DUNKER, C. Animismo e indeterminação em
das Unheimlich. In: FREUD, S. O infamiliar (Das
(MG). Lacan treats the Real through the
Unheimliche) seguido de O homem da Areia /
Symbolic, approaching the familiar stranger E.T.A. Hoffmann (1856-1930). Tradução de
[of the Unheimliche] in each of us. The abil- Ernani Chaves, Pedro Heliodoro Tavares (O ho-
ity to elaborate post-traumatic stress requires mem da areia, tradução de Romero Freitas). Belo
not only the word that touches the body as a Horizonte: Autêntica, 2019. p. 199-218. (Obras
incompletas de Sigmund Freud, 8).
letter of enjoyment, but also the elucidation
of points in the history of each person, who, FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade (1926
in a strangely (in)familiar way, has become [1925]). In: ______. Um estudo autobiográfico,
fixated on childhood traumas. These points of inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros
the Real leave us agitated and stunned. For trabalhos (1925-1926). Direção geral da tradução
de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
them, we lack words.
p. 91-167. (Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, 20).
Keywords: Trauma, Formation of symp-
toms in phobia, Unheimliche, Return of the FREUD, S. O ‘estranho’ (1919). In: ______. Uma
repressed, Letter of enjoyment, Bordering the neurose infantil e outros trabalhos (1917-1918).
Direção geral da tradução de Jayme Salomão.
real by the symbolic, Post-traumatic stress.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 237-269. (Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud, 17).
Sobre a autora
Resumo
Leitura psicanalítica do romance de Mário de Andrade Amar, verbo intransitivo, idílio, que trata
da iniciação sexual de Carlos, um jovem dos anos 1920, feita pela preceptora alemã Fräulein.
A sexualidade é vista como uma produção discursiva que envolve o sujeito e a cultura. A ini-
ciação sexual se dá de acordo com o grupo social e o tempo histórico e é sempre uma reedição
do complexo de Édipo. No romance, ao se apaixonar, o casal subverte a ordem esperada, o que
torna explícita a interdição paterna.
nino, que, para ser macho, tem de abdicar tro da estreita grade, já mencionada, que
de sua sensibilidade e de sua ternura. delimita o comportamento dos jovens do
As condutas extremas do machismo e sexo masculino, há uma preocupação em
da homossexualidade podem ser pensadas observar se os comportamentos expressos
como defesas complementares e equiva- se enquadram num padrão de identidade
lentes, que negam a possibilidade de inte- sexual prescrito pelo modelo hegemônico
gração entre o masculino e o feminino de do gênero. Tem de haver uma conciliação
cada sujeito, comprometendo a harmonia entre discursos e práticas.
interna entre a masculinidade e a femini- No imaginário social, de um lado, os
lidade, que coexistem em todos os seres pais costumam expressar as expectativas
humanos, ou seja, a bissexualidade que de que os jovens devem se iniciar sexu-
os constitui. Com isso, também se nega a almente para afirmar sua masculinidade,
incompletude e a dependência afetiva da sua virilidade; de outro, há o campo da
condição humana. interdição que faz com que esses pais não
Entre os obstáculos que o menino tem demonstrem, na prática, como ocorre a
que superar está a imagem paradoxal relação sexual, delegando a outrem esse
que ele tem das mulheres: por um lado, ensinamento. Isso pode ser feito por jovens
o temor e a idealização diante do poder mais experientes, profissionais do sexo,
da imago da mãe fálica e, por outro, o mulheres mais velhas.
temor à possível potencialidade femini- O pai de Carlos, chefe patriarcal de
lizante e o enfraquecimento no contato uma família dos anos 1920, é ele mesmo
com o sexo feminino. Nas mulheres são um exemplo de dupla moral: dentro de
projetadas, alternativamente, imagens casa é o pai e o marido dedicado, mas sai
de domínio e força, e imagens de des- sozinho todas as noites, deixando a ‘sagra-
valimento e debilidade (V annucchi , da’ esposa presa no lar, junto com os filhos.
2009). Todos esses sentimentos têm de Ele quer que seu filho seja também um
ser enfrentados pelo jovem que faz sua espécime masculino bem-sucedido, como
iniciação sexual. ele mesmo se considera. Sua condição fi-
Segundo Elizabeth Badinter (1993 nanceira o abaliza para contratar as lições
apud Alizade, 2009, p. 188), “[...] a vi- particulares de amor para seu herdeiro.
rilidade não é algo concedido, deve ser Toma essa iniciativa em surdina, sem avi-
construída, fabricada”. sar a esposa dona Laura, sem considerar
Bleichmar (2006 apud Alizade, 2009) os pedidos de Fräulein para que explicite
fala que a masculinidade é pensada como a situação e sem dizer uma única palavra
um ponto de chegada, como algo a ser ao filho, que se vê enredado na sedução
conquistado na passagem de um pênis fá- encomendada pelo pai.
lico para um pênis como objeto de ligação. Fosse o pai um senhor de escravos, en-
Como se sabe, a construção de uma tregaria Carlos, o sinhozinho, à sedução de
identidade, seja de homem, seja de mulher, sua mucama. Fosse menos endinheirado,
é produção sintomática da neurose. O faria vista grossa para o assédio do filho
sintoma visa suplantar o furo estrutural, à empregada doméstica, essa que tantas
tenta produzir uma analogia, impossível, vezes iniciou sexualmente os filhos da
entre real e simbólico. casa em que serve. Fosse Carlos um jovem
Voltemos a Carlos, que teve sua ini- contemporâneo, teria assediado a moça
ciação sexual nos anos 1920. proletária de sua empresa ou escritório,
De acordo com o tempo e o grupo so- sob a benevolência cúmplice dos mais
cial, administra-se a forma como o jovem velhos, ou teria tentado aprender o sexo
inaugura e exerce a sua sexualidade. Den- pela internet, também esta uma forma de
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 59 – 66 • jun. 2020 61
Amar, verbo intransitivo, idílio: a iniciação sexual de um jovem e o desejo de Fräulein
lio. Fräulein não se contenta apenas em amor e evitar assim os muitos perigos,
ensinar sexo aos seus adolescentes. Ela é se ele fosse obrigado a aprender lá fora.
arrojada. Deseja ensinar também a lingua- Mas não estou aqui apenas como quem
gem do amor. E o amor pode ser ensinado? se vende, isso é uma vergonha! [...] Se
Fräulein acredita que sim. E sonha com infelizmente não sou nenhuma virgem,
o seu próprio amor, não encomendado. também não sou nenhuma perdida. [...]
Um amor sincero, sublime, sem loucuras. E o amor não é só o que o senhor Sousa
Enquanto ele não chega, inicia os jovens. Costa pensa. Vim ensinar o amor como
O desejo de um futuro feliz faz com deve ser. Isso é que pretendo, pretendia
que Fräulein suporte a dura realidade. Aqui ensinar para Carlos. O amor sincero,
ela tem de achar um jeito de lidar com a elevado, cheio de senso prático, sem
impossibilidade de realização desse desejo. loucuras. Hoje, minha senhora, isso está
Os senhores que contratam seus serviços se tornando uma necessidade desde que a
de preparadora sexual particular de seus filosofia invadiu o terreno do amor! Tudo
filhos querem apenas que eles se iniciem o que há de pessimismo pela sociedade
no sexo de maneira segura e higiênica, de agora! Estão se animalizando cada vez
evitando contatos com a promiscuidade mais. Pela influência de Schopenhauer,
e com possíveis aproveitadoras. Inexpe- de Nietzsche... embora sejam alemães.
rientes, esses jovens correm o risco de ser Amor puro, sincero, união inteligente de
explorados e manipulados por mulheres duas pessoas, compreensão mútua. E um
desqualificadas. Fräulein insiste em ser futuro de paz conseguido pela coragem de
reconhecida como professora de línguas aceitar o presente. [...] ... É isso que vim
e de piano, talvez por se ver submetida ao ensinar para seu filho, minha senhora!
poder masculino dominante, num mundo Criar um lar sagrado! Onde é que a gente
onde as esposas são poupadas e mantidas, encontra isso agora? (Andrade, [1927]
e as prostitutas são usadas e descartadas. 2013, p. 56).
Freud afirma ([1910] 1976, p. 151):
Na literatura é sabido que cada leitor
No amor normal o valor da mulher é atribui um sentido particular à obra, a
aferido por sua integridade sexual, e é re- partir de seu olhar único, sustentado pelos
duzido em vista de qualquer aproximação recursos internos de que dispõe.
com a característica de ser semelhante à O sentido encontrado no idílio de
prostituta. Mário de Andrade passa pela instigante
conduta da protagonista, uma vez que
Fräulein não quer ser considerada uma o autor, através dela, nos apresenta uma
dessas. Insiste em afirmar que exerce uma temática em que a linguagem se manifesta
profissão como outra qualquer. Não se pelo surgimento dos afetos. É na narrativa
sente interesseira, muito menos aprovei- psicológica dessa história de amor que
tadora. Simplesmente trabalha e faz jus podemos perceber a sensibilidade com
à grande quantia que recebe ao final de que se conjuga o verbo amar, mesmo que
cada empreitada. de maneira intransitiva, quase beirando
Assim se justifica perante dona Laura, o sublime.
a mãe de Carlos, quando é interpelada: No caso específico do filho do senhor
Sousa Costa, surge o inusitado, pois as
Estou no exercício de uma profissão. E lições de amor de Fräulein ultrapassam os
tão nobre quanto as outras. É certo que limites da cartilha impessoal e educativa,
o senhor Sousa Costa me tomou para passando a ser permeadas pelos sentimen-
que viesse ensinar a Carlos o que é o tos afetivos. Esse é o momento em que o
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 59 – 66 • jun. 2020 63
Amar, verbo intransitivo, idílio: a iniciação sexual de um jovem e o desejo de Fräulein
Resumo
Pretendemos discutir a transfobia utilizando a teoria da sedução generalizada e a categoria de
códigos tradutivos de Jean Laplanche, bem como a noção de enquadramentos proposta por Ju-
dith Butler para entender as posturas violentas de homens contra mulheres transexuais. A partir
disso, discutiremos o papel do abalo narcísico das identidades masculinas como uma das possíveis
causas psicológicas das violências cometidas por homens cis contra mulheres trans e travestis.
adulto, dotado de seu inconsciente, sexual passa a operar como um corpo estrangeiro
e recalcado, e a criança (infans), passiva e interno e a atacar o ego (Bacelete; Ribei-
desprovida de um inconsciente. ro, 2016).
Nesse cenário, o adulto, ao cuidar Segundo Laplanche (2015), as prin-
da criança, transmite a ela mensagens cipais mensagens desse tipo são as men-
que são enigmáticas, tanto para ele, que sagens de designação de gênero, que
desconhece que as transmite, quanto consistem em
para o bebê, vulnerável às mensagens,
uma vez que ainda não dispõe de recursos [...] um conjunto complexo de atos que
simbólicos e narcísicos para integrá-las se prolongam na linguagem e nos com-
(Belo, 2004). portamentos significativos do entorno.
Todavia, o encontro com a criança Poder-se falar de uma designação contí-
suscita nos pais algo do sexual infantil, nua ou de uma prescrição (Laplanche,
que é anárquico, polimorfo, perverso e, 2015, p. 123).
portanto, tal qual um ruído, o inconsciente
do adulto se infiltra nas mensagens pré- A criança, nesse processo, ocupa tam-
-conscientes-conscientes, interferindo bém uma posição passiva, ou seja, passa
e comprometendo o que é transmitido por um processo de identificação no qual
(Laplanche, 2015). é identificada pelo adulto como perten-
Portanto, a veiculação da sexualidade cente a um gênero. Esse giro em direção à
no corpo e no psiquismo infantil é necessa- primazia da alteridade é fundamental para
riamente traumática, uma vez que resulta a compreensão dos códigos propostos pela
de um encontro desigual entre um adulto cultura, como aqueles relativos à perfor-
e uma criança em situação de extrema mance de um dado gênero, pois
passividade em relação ao mundo externo
(Bacelete; Ribeiro, 2016). [...] nos primórdios da vida psíquica, o
Enquanto trauma, a mensagem enig- verbo identificar não pode ser usado na
mática endereçada ao infante se consolida voz reflexiva eu me identifico, mas antes
em dois tempos, na voz passiva eu sou identificado: são
os adultos com os quais a criança con-
[...] no primeiro tempo a mensagem é vive que designam e definem seu gênero
simplesmente inscrita, ou implantada, (Lattanzio, 2011, p. 64).
sem ser compreendida (Laplanche, 2003,
p. 407). Os códigos tradutivos
e as normas de gênero
Em um segundo momento, essa men- Em seus esforços de tradução das men-
sagem sagens emitidas de adultos, a criança
encontra apoio nos códigos que estão
[...] é revivificada do interior. Ela age disponíveis para ela na cultura, o que La-
como um corpo estranho interno que é planche (2003, apudFerreira, 2012, p. 3)
preciso a todo preço integrar, controlar define como universo do mito simbólico.
(Laplanche, 2003, p. 95). Esses códigos configuram para a criança
uma ajuda para a tradução da tarefa de
Ou seja, da operação inevitavelmente conter, de simbolizar as mensagens do
falha de tradução, sobram ‘restos’, exci- adulto.
tações não traduzidas e não ligadas pelo Tomando esse caminho predefini-
ego incipiente da criança, que compõem o do pela cultura, o Eu e o narcisismo da
objeto-fonte da pulsão (Belo, 2004), que criança são:
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 67 – 74 • jun. 2020 69
Transfobia, masculinidades e violência sob a ótica da psicanálise
[...] formados a partir da erotização foi recalcado pelo agressor em sua vida.
originária inconsciente e dos códigos Ressaltamos a ligação entre a conduta
de tradução que lhe advêm do adulto, violenta e o interesse do Eu em obter se-
algo a que a criança se apega em face gurança total em relação aos ataques de
de seu desamparo perante o pulsional. seu inconsciente, projetados sobre a figura
Isso gera o apego apaixonado às normas, do objeto externo:
à sujeição, aos códigos que orientam as
traduções constitutivas do sujeito, que A violência é, por definição, como bem
permitem seu aparecimento (Lima; Belo, aponta Laplanche (1994), um fenômeno
2018, p. 10). estritamente humano, já que potencial-
mente carregado de significados de natu-
Os códigos tradutivos são impreg- reza sexual: “ela está ligada às fantasias
nados pela sexualidade inconsciente dos sexuais que habitam nosso inconsciente
adultos, uma vez que, no encontro com [...]”. Luís Maia (1991, 1993), na esteira
a criança, os adultos têm a própria sexu- de Laplanche, desenvolveu a tese de que,
alidade infantil reativada (Laplanche, na violência, o traço sexual tem uma
2015). conformação que, além de sádica, pode
O processo em questão é, portanto, ser também (senão primariamente) nar-
císica: o desejo de autonomia em relação
[...] sujeito a diversas vicissitudes, impon- à alteridade, o desejo de autossuficiência
do à criança um trabalho de simbolização está na raiz da violência, a qual nega a
do excesso que lhe chega (Lattanzio, dependência em relação aos outros que
2011, p. 64-65). são submetidos ou destruídos (Andrade,
2011, p. 47).
A codificação do gênero geralmente
segue a cis-heteronormatividade, gerando Fundamentalmente, a violência pode
dois polos: masculino-feminino, relacio- ser mais compreendida em sua relação
nados à noção de atividade-passividade e com o sexual implantado pela alteridade,
correlatos à lógica de simbolização (Lima; pois:
Bedê; Belo, 2017).
Se observarmos as condutas violentas [...] essa concepção nos faz pensar que o
e transfóbicas dentro desse paradigma, desamparo original que experimentamos
podemos localizar a dimensão defensiva pode nos levar a participar de práticas
de tais posturas. Frente aos enigmas da de crueldade (Bacelete, Ribeiro, 2016,
alteridade e aos ataques internos ao Eu, o p. 95).
homem, em postura ativa, pode recorrer
à violência, E a passagem ao ato do agressor frente
à vítima pode ser apreendida como uma
[...] entendida aqui como todo ato em solução precária e cruel, que toma para
que haja o intencional abuso de força para si a atividade frente às ameaças de, por
subjugar, humilhar ou mesmo eliminar algum motivo, se situar no polo oposto,
outra(s) pessoa(s) na relação de poder o da passividade, o que o faria tencionar
estabelecida socialmente (A ndrade , a própria identidade, se aproximar de seu
2011, p. 47). desamparo originário, sua passividade ra-
dical. A angústia experimentada é relativa
O desejo pulsante de clamar para si ao que lhe é estranho, o outro. Embora
o poder da atividade e fazer o outro se projetados na vítima, os ataques sentidos
submeter, aparece no retorno daquilo que pelo Eu advêm do que lhe é interno, do
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Gabrielle Leite Rocha, Hugo Ribeiro Lanza & Sarug Dagir Ribeiro
padrão de feminilidade que idealizavam, das e nem naturais: são artificiais. A partir
são exemplos de homens que Muszkat da cis-heteronormatividade, é produzido
(2006) identificou sofrerem desse abalo sobre os corpos um discurso que entende
identitário, que ameaça a integridade do que há uma relação natural entre sexo e
Eu desses sujeitos. A partir da necessida- gênero, legitimando a existência de dois
de de autopreservação, o homem pode gêneros: homem e mulher. Essa produção
recorrer à violência, fundamentada como discursiva binariza os dois gêneros, sinali-
comportamento legítimo dentro do esque- zando a existência de diferenças inatas e
ma narrativo das masculinidades, como antagônicas entre ser homem e ser mulher,
ferramenta de defesa. hierarquizando-as (Bento; Pelucio, 2012,
Em Silva (2014) a violência de gênero p. 575).
cometida por homens pode ser entendida Entretanto, esse discurso é produzi-
como uma resposta imediata, ou algum do, já que o binarismo de gênero é uma
tipo de lição, a um outro que põe em construção histórica. Assim, é possível
questão sua autoridade masculina ou entender que tais práticas discursivas em
incita um prejuízo à sua masculinidade. torno do gênero são artificiais e existem
Assim, há sentimentos de humilhação e “[...] múltiplas possibilidades de experiên-
ofensa quando homens se veem distantes cias e práticas de gênero” (Bento; Pelucio,
do ideal de masculinidade, quando têm 2012, p. 576).
seu ideal do Eu abalado. Portanto, a vio- A partir do conceito de abalo identi-
lência de gênero praticada é uma tentativa tário, entendemos que, frente a corpos que
de preservar esse ideal abalado e afirmar rompem com a cis-heteronormatividade
uma identidade pautada na masculinidade com experiências dissidentes de gênero,
hegemônica. possíveis agressores têm seu Eu compro-
metido. Esse comprometimento pode se
Deste prisma, o ato violento praticado, dar a partir da exposição de que a relação
tem como finalidade principal a preserva- entre gênero e sexo não é natural e que
ção narcísica do ego, sendo a destruição o gênero é uma artificialidade. Portanto,
do outro consequência e não o objetivo o próprio gênero de um agressor não é
que leva ao ato (Muszkat, 2006, p. 171). natural, é também um construto, uma
produção discursiva, de tal modo que é
Dito isso, é possível pensar a violên- passível de desconstrução e modificação.
cia transfóbica como sendo operada por
semelhantes mecanismos de defesa de um Conclusão
Eu comprometido nesses homens. Como o Em suma, devido à carência na literatura
transfeminicídio é a máxima da violência acadêmica, sobretudo psicanalítica, sobre
transfóbica, é possível considerar que o a transfobia e o transfeminicídio, os apon-
agressor possui um forte abalo identitário, tamentos e as hipóteses por nós levantadas
um grande afastamento da experiência carecem de estudos mais aprofundados.
real de sua masculinidade de seu ideal do Os processos intrapsíquicos relacionados
Eu. Diante de corpos cujas experiências ao ato transfóbico são múltiplos, de modo
são discordantes da cis-heteronormativi- que é possível estabelecer diversas relações
dade, existem sujeitos que entendem que e explicações, não só para a existência,
a própria identidade enquanto cisgêneros mas também para a manutenção dessa
e heterossexuais está comprometida. violência.
Além disso, as experiências diversas A partir dos estudos de Muszkat
de gênero e sexualidade evidenciam que as (2006), entendemos que os tensionamen-
identidades rígidas e binárias não são da- tos entre o Eu e as masculinidades são
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Gabrielle Leite Rocha, Hugo Ribeiro Lanza & Sarug Dagir Ribeiro
Sobre os autores
Resumo
Este texto mostra aspectos metapsicológicos de Heloise, protagonista feminina do filme Em nome
de Deus. A produção cinematográfica retrata o dilema ético e moral da personagem que não se
resigna diante da sociedade moralista e conservadora do século XII. Por ser incompreendida, ela
vive o conflito com a lei. O problema ético observado está centrado no “abrir mão de seu desejo”,
provocando sintomas em Heloise (Lacan, [1959-1960] 1997), p. 382). É necessário construir um
novo tipo de engajamento, buscando na história indícios de sinthoma. Quais as possibilidades para
que uma nova Heloise possa se haver com sua instância superegoica a partir de seu Id, tornando
possível desabrochar novamente o seu Ego? Nesse viés, o sentido deste texto é abrir a discussão
sobre a contribuição do saber psicanalítico no erigir de uma ética para a sociedade contemporânea
que possa contribuir para a criação de valores éticos que levem em conta o desejo dos sujeitos.
1. Texto apresentado na XXXVI Jornada de Psicanálise do CPMG. Belo Horizonte, 27-28 set. 2019. Agradeço ao
Grupo de Estudos e de Produção (2019) do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, coordenado por Messias Eustáquio
Chaves.
e legitimar seu trabalho de professor. E também filósofa vive seu dilema ético e
Heloise só poderia se casar com alguém moral dentro de um sistema déspota e
que a sua família escolhesse. algoz da lei vigente que ela não compre-
Qual era a concepção de amor que ende e interroga, procurando romper com
havia entre o casal? Para Abelardo, o amor normas, costumes e regras estabelecidas.
se tratava de prazeres e desejos; era algo Pode-se perceber na sua história o ideal de
errado e condenado por Deus. Em Heloise quebra da moral do propósito,4 da recipro-
o amor era ampliado e não considerava a cidade e do contrato, numa perspectiva de
repercussão dos fatos ou o juízo dos ou- desconstrução.
tros; o sexo acontecia entre pessoas que Um olhar contemporâneo para a Ida-
se amavam. de Média permite ver a mulher num viés
As duas concepções coexistiam dentro desconstrucionista, aquilo que Jacques
de uma sociedade conservadora, em que o Derrida aponta como aporia do tempo
sexo deveria acontecer na constância do e da lei.5 Ou seja, pode-se ver Heloise
casamento. A sexualidade era reprimida travestida de Eva (mulher pecadora) em
no século XII; a virgindade, o celibato e a contraponto à idealizada Virgem Maria
castidade eram regidos por normas rigo- (mulher santa) que a sociedade medieval
rosas que deveriam ser vividas por todos impunha como modelo.
os cristãos. O paradoxo entre os dois não Generalizando, o conflito externo e
os impedia de estar juntos, persistentes e interno de Heloise reverbera nos processos
fiéis. Eles se encantaram um pelo outro e se de significação e constituição dos sujeitos
apaixonaram por suas características pes- e nas suas interações simbólicas daquele
soais; encararam as dificuldades e lutaram contexto histórico até os dias de hoje.
cada qual a seu modo pelo amor proibido. Num processo neurótico, lei e desejo se
A mentalidade obsessiva da época opõem e duelam, caracterizando um so-
dominava a vida das pessoas com o rigo- frimento psíquico singular que questiona
rismo moral. Os protagonistas transgre- a ética e a moral vigente.
diram a lei, e a punição de Abelardo foi a O que a psicanálise tem a ver com o
castração. Por conveniência de ambas as Isso ou com o Id? O sofrimento da prota-
partes, num gesto de renúncia ao desejo, gonista é extremamente atual, na medida
Abelardo e Heloise se afastam, tornando- em que não é tratado aqui como um fato
-se monge e freira, carregando a dor e a histórico, mas um mal-estar que assola a
culpa de seus atos.
pensamos, que ali onde estamos não culpa entra em cena, na medida em que
pensamos? o sujeito cedeu de seu desejo, conforme
ensina Lacan ([1959-1960] 1997, p. 382).
O conflito interno é obnubilado pela
azáfama do trabalho no mosteiro, numa Finalizando...
tentativa, quiçá, de sublimar o propósito O que pode o conflito edípico vivido por
originalmente sexual por algum outro, diz Heloise ensinar para a contemporaneida-
Freud ([1908], 1994) no seu texto Moral de? O que a psicanálise tem a ver com isso?
sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna. Para alçar lugares como sujeitos capazes
Mendes (2011, p. 56) vem dizer da de enfrentar os novos desafios, as ‘novas
necessidade de contato com as pulsões Heloises’ precisam construir um novo
perigosas e destrutivas para o ego. tipo de engajamento, buscando em sua
história indícios de produção de sinthoma,
A sublimação não livra do sofrimento observando uma organização subjetiva não
humano [...] a maior ou menor distância mais pautada pela matriz edípica (Lacan,
dessas fontes pulsionais é que vai trazer [1975-1976], 2007).6
ou não o equilíbrio psíquico para o sujeito. Nessa perspectiva, em que a Lei do
Pai não é mais a fundadora, importam
Heloise fica na balança. A operação as manifestações escritas em si e não as
simbólica de desmontagem da pulsão deixa razões que as motivaram. Quando o Ego
resto, um a causa de desejo, um mais de não consegue dominar seu complexo
gozar (Lacan, [1957-1958] 1998). A pro- investimento de energia, que vem do Id,
tagonista está sempre requerendo, sempre ele volta a operar na formação reativa
buscando, sempre buscando mais. Nesse do ideal do Ego. A profusa comunicação
imbróglio seu Superego transita rígido, entre esse ideal e as pulsões inconscientes
impondo-lhe um autocastigo ligado ao resolve o enigma de o ideal mesmo poder
universo de falta. A inconstância afetiva ficar grande parte inconsciente ao Ego.
perdura: a mulher vive uma lei insensata, Voltemos à heroína. Em seu leito de
desprovida de sentido e incompreendida morte, Heloise toma suas últimas forças e
que estabelece um mal-estar dentro de si. quebra o crucifixo, relicário de seu amor.
Da leitura de Ambertín (2009, p. Recupera seu amor sacramentado no ob-
107), pode-se inferir de Heloise um Su- jeto ‘pena’. Aquela pena de pomba na qual
perego situado entre duas instâncias: a um dia depositara seu amor, tratando-a
primeira como herdeira do Édipo, da inter- como relíquia sagrada, carregando-a até o
dição, da norma; a segunda, ligada ao Id, fim de sua vida envelopada no crucifixo.
aquela que autoritariamente está sempre Um amor crucificado. Agora, já no dealbar
mandando que o desejo seja atendido. O da morte, ela rompe com o crucifixo e
Superego, aqui, é um resíduo das primeiras toma para si apenas o amor, a essência do
escolhas objetais do Id e se forma como
uma enérgica formação reativa ao Id.
No primeiro caso, na relação com a 6. “Da solução do sintoma ao sinthoma como solução”:
lei, quanto mais forte foi o complexo de O sintoma é o mal do qual o sujeito quer se livrar, como
Édipo, tanto mais rapidamente ocorreu o consequência do encontro com a castração. O sintoma
carrega em si o conflito gerado pela necessidade de
seu recalque; o Superego terá o domínio satisfação da libido e as proibições internas e externas.
sobre o Ego como consciência moral. E Contudo, sempre há um resto não realizável; portanto,
na oposição de forças entre Superego e temos que viver com ele. Por mais longe que o sujeito
leve sua análise, por mais que se reduza o gozo, restará
Id, quanto maior for o rigor da lei, mais o sinthoma como modo de gozo (Santiago, 2015, p.
enfraquecido o Ego se apresentará. E a 163, 168).
Resumo
Comentários clínicos sobre questões musicológicas foram feitos desde uma perspectiva históri-
ca, contemplando elementos originais da psicanálise além de aspectos da formação clínica em
geral. Críticas com relação à resistência ao saber musicológico aparecem a partir de Freud em O
Moisés de Michelangelo e perduram até os dias de hoje. Tal resistência gera óbice à reflexão clí-
nica devido ao seu caráter de negação de estudos já realizados. Foi possível observar a presença
de questões musicológicas na relação entre analista e paciente, além de outras considerações
psicológicas sobre elementos da teoria musical, como a tonalidade de Ré menor.
caso, por exemplo, de Lawrence Kramer, Rossini fosse igual a todas as outras no
ligado à New Musicology, movimento mu- contexto da história da humanidade – e
sicológico que incorporou influências da mais – que a impossibilidade de interpre-
psicanálise (Välimäki, 2005). tação da música absoluta é uma espécie
Kramer (2015) escreveu sobre Sa- de dogma, o que indica não apenas uma
lomé e o caso Dora numa revista espe- espécie de grosseria na dita resistência,
cializada em ópera da Universidade de mas na falta de um comprometimento
Oxford, explicando o abandono de Dora científico, tão caro ao fazer clínico e à
para com Freud enquanto uma forma de psicanálise. Ou talvez tal resistência não
vingança semelhante à realização do de- passe de uma neurose, que expressa um
sejo de Salomé por meio da sintomática desprezo ao passo que esconde uma igno-
Dança dos sete véus. Quantos psicanalis- rância desprovida de humildade.
tas conhecem trabalho com essa temáti- Contra a referida resistência, indica-
ca? E quanto à ópera Dora, estreada em mos a interseção entre música e psicaná-
2002, com partitura de Melissa Schiflett lise, que se dá na relação entre analista
e libretto de Nancy Garret, cujo tema é e paciente, para além das reflexões so-
exatamente o caso Dora? Susan Loes- bre fala/prosódia e escuta. Sabemos de
ser ([2002] 2020) descreveu o canto de contatos mais diretos entre psicanalistas
Dora enquanto belo e picante, em con- e compositores musicais. Por exemplo,
traste com uma sonoridade mais pesada e Gustav Mahler foi paciente de Freud,
severa dos personagens masculinos, entre em uma longa sessão de apenas um dia,
eles, Freud, interpretado por Mark Ble- e que o compositor Robert Still (1960),
eke. autor de uma das óperas diretamente ins-
Existem ainda outros problemas no piradas em Édipo, explorou os serviços
campo da intepretação musical. Igor prestados por Freud ao grande maestro.
Stravinsky (1947), em suas aulas ofereci- Outro caso foi o de Alban Berg e Anton
das na Universidade Harvard, se posicio- Webern, ambos ligados a Adler e Freud
nou contra a possibilidade de produção (Carpenter, 2015).
de significação musical. Pensamos que O ponto é que os profissionais da
o posicionamento teórico de Stravinsky clínica atendem, por vezes, pacientes
(1947) se aplica às suas composições, em ligados à música, seja essa ligação ama-
contraste com as reflexões musicológicas dora ou profissional, e que as vivências
que diferenciaram a música programáti- musicais dos pacientes podem surgir na
ca da música absoluta. Dahlhaus (1989) transferência. E se isso ocorrer, aspectos
lançou mão de tal diferenciação para ex- musicais podem vir a ser mobilizados na
plicar o estilo de Wagner com seus ricos contratransferência, ou facilitando o tra-
entretecimentos entre libreto e partitura, balho da análise, ou promovendo a resis-
de forma que o romantismo alemão foi tência.
diferenciado da música de Rossini, que O que dizer do encontro de duas
era pura forma musical tingida pela im- pessoas com gostos musicais totalmente
possibilidade de ser interpretada por re- distintos? Em que medida os afetos mobi-
cursos extramusicais. lizados em tal encontro afetam, no con-
O caso da música absoluta é típico texto clínico, a relação profissional do
da resistência de clínicos que se recusam analista para com o paciente?
a dar o lugar merecido da música no uni- Pensamos que negar disparidades de
verso psicanalítico. Trata-se, portanto, gosto pode afetar a relação entre analista
além de uma resistência, de uma gene- e paciente, dando margem ao desmenti-
ralização forçada, como se a música de do e apenas confirmando, no Inconscien-
Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 81 – 88 • jun. 2020 83
Reflexões clínicas em ré menor
te, que há influência. E que o importante consciência (Melo; Greco; Franco; Sil-
é lidar com tais diferenças, assim como va Júnior, 2006).
lidar com as semelhanças, que podem O termo clínico aparece também no
emular muito o sentimento de amizade, vocabulário musical para designar a va-
de pessoas que partilham algo em co- riação no ritmo usual. A menos que uma
mum, promovendo também uma espécie partitura indique o contrário, o primeiro
de óbice ao fazer clínico. tempo de um compasso é sempre o mais
Mais um tópico musical interessa ao forte, e a ele se segue um tempo fraco.
clínico. Trata-se da apropriação de con- Caso a notação indique o contrário, o
ceitos musicais na escrita clínica, como tempo do qual seria esperada uma inten-
nos casos da perlaboração e do tempo sidade maior pode ser escutado como fra-
(Freud, 1937) necessário de terapia para co (Dunstan, 1908). É como se a sístole
que ela promova os efeitos esperados. A ocorresse no tempo da diástole.
escolha terminológica de Freud empres- Ademais, sabemos que a psicopato-
tou da música o termo “tempo” em de- logia empresta da música o termo “idée
trimento, por exemplo de Zeit (Leader, fixe”, que aparece na Symphonie Fantas-
[2000] 2010). tique, de Hector Berlioz, para designar
Segundo Tarasti (2000), existe uma ideias musicais bem delineadas que se
ansiedade ligada ao tempo de execução repetem ao longo da composição, além
de uma música, que a apressa deforman- de ser uma manifestação da insistência
do sua expressão. Já na psicanálise, existe amorosa do compositor (Brittan, 2006).
um inconformismo de analistas novos e Na sintomatologia da neurose ob-
mesmo de alguns pacientes para que se- sessiva, a idée fixe indica uma repetição
jam obtidos resultados do trabalho ana- compulsiva no nível do pensamento, que
lítico de forma célere (Leader, [2000] ocorre sem que a vontade do paciente
2010). esteja envolvida (Janet, 1894). A sinto-
Entendemos, contudo, que, via de matologia da ideia fixa aparece também
regra, todo relato de melhora dos pacien- no personagem título da ópera Wozzeck
tes em início de análise (digamos, até a (Ato I), de Alban Berg, que apresenta um
décima sessão) é mais um sinal de resis- quadro delirante com alucinações.
tência ao desenvolvimento de uma inti- O leitor pode ainda não estar conven-
midade com os conflitos intrapsíquicos cido sobre a relação entre música e clíni-
do que, de fato, uma melhora. Nesse sen- ca. Pode se tratar apenas de uma resistên-
tido, o tempo de análise deve ocorrer no cia. Que seja concedido um tempo a ela.
tempo do paciente, e não em fast-forward Tomemos a enciclopédia de vinhe-
(>>), que reflete mais a realização de tas sobre ópera e psicanálise de Castarè-
disposições ansiosas do paciente. Em um de (2020), que analisou Die Zauberflöte,
certo sentido, a análise representa mais discutindo a modalidade do poder mo-
um esforço backwards (<), no qual está ral que atravessa a ópera. A Rainha da
envolvida a (re)emergência de lembran- Noite, consumida pelo afeto vingativo
ças na consciência, em especial aquelas contra Sarastro, chega a provocar desejos
relacionadas aos traumas. suicidas em sua própria filha (Pamina). A
Além da psicanálise, sabemos que a crise psicológica da Rainha da Noite se
medicina possui termos também encon- deu em virtude de um único objeto ter
trados no vocabulário musical. Por exem- sido subtraído de sua herança, o Círculo
plo, a síncope pode ocorrer mediante de Ouro, que representa, de forma muito
uma arritmia que provoca a hipoperfusão discreta, o simbolismo solar dos franco-
cerebral, levando à perda temporária de -maçons.
84 Reverso • Belo Horizonte • ano 42 • n. 79 • p. 81 – 88 • jun. 2020
Daniel Röhe
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Eighteenth Century. Lanham: Lexington Books, Recebido em: 28/02/2020
2017. Aprovado em: 03/04/2020
Sobre o autor
Daniel Röhe
Psicólogo pela Universidade de Brasília (2011).
Mestre em Psicologia pela Universidade Católica
de Brasília (2015), com foco em psicanálise,
sob a supervisão do professor emérito e médico
Francisco Martins.
Doutorando em Psicologia Clínica e Cultura
na Universidade de Brasília, com extrato da
pesquisa publicada no International Forum of
Psychoanalysis e disponível em:
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08
03706X.2018.1562219?journalCode=spsy20.
Apresentou em 2018 o trabalho Oedipus
goes to the opera Psychoanalytical inquiry in
Enescu’s Œdipeand Stravinsky’s Oedipus Rex, em
conferência psicanalítica na Islândia.
Participou de conferências musicológicas na
Finlândia, no Reino Unido e na Grécia, para
discutir pesquisa clínica e ópera com estudiosos
de musicologia. Seu foco de pesquisa inclui
óperas como fontes de insights clínicos.
Oferece serviços psicológicos voltados para o
público adulto na Clínica Diálogo, em Brasília,
desde 2013.
Iniciou seus estudos em clarinete em 1998.
Desde 2014 realiza networking com o Prof.
Dr. Eero Tarasti, musicólogo e semiólogo da
Universidade de Helsinki.
Daniel Röhe
E-mail: [email protected]
Resumo
Através da entrevista à Reverso, Arlindo Pimenta apresenta dados históricos relacionados à psi-
quiatria mineira nos anos 1960 e a influência da psicanálise no desenvolvimento dessa especia-
lidade médica. Apresenta ainda dados e fatos do início do CPMG e a virada político-estrutural
no início dos anos 1980 e como foi retomada e aperfeiçoada nas gestões que se seguiram até os
dias de hoje.
Reverso: Arlindo, como foi sua apro- Reverso: E como você chegou à psi-
ximação com a psicanálise? quiatria?
Arlindo: A primeira vez que ouvi falar Arlindo: Em uma aula de Doenças
em psicanálise foi na aula de filosofia, tropicais, encontrei meu colega Cézar
quando fazia o terceiro ano científico no Rodrigues Campos, com um exemplar da
colégio Santo Antônio. O professor falou revista Arquivos da Clínica Pinel. Achei in-
da psicanálise e achei intrigante o tema. teressante. Ele me falou do Hospital Galba
Reverso: E o que aconteceu depois? Veloso e o projeto de se implantar ali uma
Arlindo: Iniciei o curso de medicina nova forma de atendimento psiquiátrico.
e sempre tive vontade de estudar alguma E me convidou para conhecer o hospital.
coisa que tivesse a ver com o sistema Reverso: E você foi?
nervoso. Arlindo: Fui. Achei interessante o
Reverso: E então? projeto de open door, de como se abria
Arlindo: Quando cursava as cadeiras mão dos meios de contenção até então
de clínica, procurei algum espaço que ti- usados na psiquiatria (camisa de força,
vesse a ver com o sistema nervoso. Optei quarto forte) e se substituía esses méto-
pela anestesia, fiz um estágio e cheguei a dos pelo uso de neurolépticos e de uma
participar de algumas cirurgias. assistência mais assídua aos pacientes.
Reverso: Não prosseguiu? O Galba, àquela época, era um hospital
Arlindo: Não, não era bem o que eu onde só se internava mulher. Essa política
queria. Além do mais, nessa época (início assistencial dirigida pelo Dr. Jorge Paprocki
dos anos 1960), havia uma forte ebulição inaugurou um capítulo novo e importante
política e questões ligadas à participação na psiquiatria mineira. Fiz as entrevistas
da medicina nas doenças relacionadas à e fui admitido como acadêmico. Passei a
pobreza (parasitológicas e a desnutrição). dar plantões, a participar e acompanhar
Fui envolvido por essas ideias e cheguei a pacientes da terceira enfermaria.
fazer parte de um grupo (Ação Popular) Reverso: E como a psicanálise entrou
que se propunha a tentar compreender nisso?
a realidade brasileira sobre seus vários Arlindo: Entrei para o Hospital Galba
ângulos, inclusive o médico. Veloso em 1965. Com pouco tempo de
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Entrevista com Arlindo Pimenta
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existência, o Círculo iniciara suas ativi- tíferos para o CPMG. Foi repensada toda
dades das quais participavam o Dr. Jorge a estrutura de formação psicanalítica até
Paprocki e a Dra. Eunice Rangel, diretores aquela data, e os quatro analistas didatas
do hospital. Era, então, recomendado que fundaram a Comissão de Análise Didática
o corpo clínico e os acadêmicos estivessem (CAD), que se encarregava de todos os
em análise. Nesse mesmo ano, iniciei aspectos administrativos e da formação
minha participação em terapia de grupo do Círculo. Tudo que acontecia passava
com o Dr. Jarbas Portela até 1968, quando forçosamente pela CAD. A CAD foi mui-
me decidi pela psicanálise e iniciei meu to importante para dar uma estrutura ao
processo analítico. CPMG, até então muito confusa e disper-
Reverso: E então? sa. Houve um aumento rápido de adesões
Arlindo: Nesse período esteve em Belo ao CPMG, que àquele tempo só aceitava
Horizonte o Prof. Igor Caruso. Fez várias médicos e psicólogos para formação.
conferências abertas ao público e assisti Reverso: O que aconteceu então?
a algumas delas. Com a vinda de Caruso, Arlindo: Como disse, aconteceu uma
houve também uma reestruturação no estruturação, mas a CAD, com o tempo,
Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda passou a ter um poder muito grande, pois
- Seção Minas Gerais. O modelo adotado todas as análises eram feitas com eles, além
era o da IPA, com várias etapas desde das supervisões e dos cursos. E quem tem
analista autorizado até o analista didata. muito poder, frequentemente abusa. Isso
Com a vinda de Caruso, aconteceu uma gerou, então, um clima de inibição, medo
ampliação do número de analistas didatas e silêncio nos sócios. Alguém apresenta-
e uma aproximação com o grupo da Dra. va um trabalho e praticamente ninguém
Katrin Kemper, além da ideia de ampliar opinava ou questionava. Em uma palavra,
o Círculo em outros estados brasileiros. havia muito medo.
Reverso: Que outras consequências a Reverso: E quais as consequências?
vinda de Caruso provocou? Arlindo: Isso foi se tornando um clima
Arlindo: Muitas consequências se se- de revolta e, aos poucos, de questiona-
guiram à vinda de Caruso. Uma das princi- mento do Círculo Psicanalítico de Minas
pais foi a mudança do nome da instituição Gerais. Na sua gestão, o Dr. Jarbas Portela
de Círculo Brasileiro de Psicologia Profun- convidou alguns analistas da geração mais
da - Seção Minas Gerais para Círculo Psi- jovem para integrar a Diretoria. Assim,
canalítico de Minas Gerais (CPMG), o que alguns colegas e eu passamos a participar
significava não só uma mudança de nome, mais de perto das decisões da Diretoria.
mas também uma opção pela psicanálise, Em pouco tempo, o Dr. Jarbas se
porque anteriormente, além da psicanáli- desentendeu com a CAD, deixou a presi-
se, era privilegiada a terapia de casal, de dência do CPMG, assumida pelo vice-pre-
família e de grupos. Mas aconteceu uma sidente Dr. Luiz Carlos Drummond, que
divergência: houve uma primeira cisão e, manteve a Diretoria anterior. O nível do
em função disso, foi criado o Instituto de mal-estar foi crescendo progressivamente.
Estudos Psicoterapêuticos (IEPSI). Alguns A gestão seguinte, a de Dr. Elias Hadad,
membros fundadores do Círculo foram ao já contou com a participação de um grupo
congresso no México junto com Caruso, mais organizado dos descontentes, que
para tentar a filiação junto à IFPS, mas atuava basicamente em duas frentes: uma
não foram aceitos de início. junto à Diretoria atual tentando pôr em
Reverso: Outras consequências? pauta a possibilidade de os cargos adminis-
Arlindo: A ida ao congresso no México trativos serem exercidos por não didatas
e o contato com Caruso foram muito fru- e outro atuando na reforma do regimento
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Entrevista com Arlindo Pimenta
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quando isso acontece em termos reais, a fazer laços com o meio artístico e participa-
elaboração se torna muito difícil. mos do debate de duas peças teatrais: No
Nos dias 24 e 25 de março de 1984, foi Natal a gente vem te buscar e Despertar da
realizado em Belo Horizonte o Simpósio do primavera. Na área política, conseguimos
Círculo Brasileiro de Psicanálise, em que que o CPMG fosse declarado de utilidade
as unidades integrantes apresentavam um pública municipal. A partir daí, pleiteamos
histórico de cada unidade, cuja experiên- um terreno onde seria construída nossa
cia seria permutada, bem como os projetos sede própria. Estava sendo aberta a Aveni-
de formação psicanalítica. Os trabalhos da dos Andradas e, apesar das tentativas,
apresentados pelos integrantes do CPMG a política, ou politicagem, falou mais alto,
eram todos teóricos e não mencionavam e hoje no lugar em que seria nossa sede,
a situação institucional que vivíamos. ergue-se o shopping do América Futebol
Vários colegas das unidades do Círculo Clube.
Brasileiro de Psicanálise vieram me ques- Reverso: E no nível internacional?
tionar por que não se falava da instituição Arlindo: Fizemos duas viagens: a
CPMG. Fui obrigado, de improviso a expor primeira à Europa, porque em Madri se
para as demais unidades do CBP a situação realizava o Congresso da IFPS. Fiquei co-
que vivíamos. Esse depoimento em sua nhecendo a Dra. A. Turkel, naquela época
íntegra consta dos Cadernos de Psicanálise presidente da IFPS. E a segunda aconteceu
do Círculo de Pernambuco (ano I, número em Cuba, em Havana, por ocasião do I
especial, jun. 1984). Congresso de Psicanálise e Marxismo.
Reverso: E o que se seguiu? Vivíamos um problema: ao mesmo tempo
Arlindo: Saímos fortalecidos desse que rompêramos com a estrutura da IPA,
simpósio e convocamos, uma assembleia não nos interessava a proposta de Escola
geral em 48 horas. Seguiram-se várias Lacaniana que chegava até nós, proposta
outras até que em junho já tínhamos o pelo Sr. Jacques-Alain Miller, extrema-
modelo da nova estrutura proposta. Ter- mente arrogante, com seus integrantes
minava a hierarquia, e todas as grandes bem próximos da estrutura de uma seita
decisões da sociedade deveriam ser toma- fundamentalista. Vanessa e eu nos encon-
das em assembleia geral. Quase todos os tramos em Cuba com Geraldino Alves
didatas se demitiram, à exceção do Prof. Ferreira Neto, Oscar Cezarotto e Márcio
Malomar, que mais adiante também se de- Peter de Souza Leite, que formavam a
mitiu. Ficou apenas Antônio Ribeiro, que Associação Livre, um grupo lacaniano não
se manteve ligado ao CPMG conduzindo ligado ao Sr. Miller. Feito o convite, Oscar
seminários e cursos até seu falecimento. Cezarotto ministrou seminários no CPMG
Reverso: E então? por vários anos. Mediante o contato e o
Arlindo: Partimos para novos conta- prestígio de Célio Garcia, estiveram entre
tos, no sentido de arejar a instituição e nós Marie Claire Boons, Alain Badiou,
fazer novos laços. Pierre Fédida e René Major. Por indicação
Reverso: Quais contatos? de nossa colega Frida Grimbaum, fizemos
Arlindo: Nosso contato inicial foi com contatos e por alguns anos estivemos es-
Marilena Chauí, que nos indicou Joel tudando com o Prof. Gregório Baremblit.
Birman e Renato Mezan. Fizemos também Houve algumas comemorações em home-
contatos no Rio de Janeiro com Wilson nagem a Michel Foucault, que esteve entre
Chebabi e Hélio Pellegrino, que nos in- nós e que havia falecido. Em resumo, pro-
dicou Jurandir Freire Costa. Realizamos curamos pôr em prática nossa plataforma
uma pequena jornada de fim de semana à exceção de dois itens: a Clínica Social,
com esses três convidados. Começamos a que foi retomada posteriormente, e a sede
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Entrevista com Arlindo Pimenta
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seguido do nome do(s) autor(es).
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parênteses. Caso seja necessária arte-final especial, o(s) autor(es) deverá(ão) enviar o
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12.1. Citação direta: É a reprodução literal de textos de outros autores. Nesse caso
deve-se informar o sobrenome do autor, o ano da obra e a(s) página(s). As citações
diretas podem ser de dois tipos, conforme o número de linhas.
Ex. a) Quinet (2009, p. 36) afirma: “O discurso do analista é o único em que a causa
do laço social coincide com a causa do sujeito”.
A citação longa deve ser destacada com recuo de 4 cm da margem esquerda, com a fonte
tamanho 10 e espaçamento simples. Não há necessidade de usar aspas.
[...] do capim alto aquele surgiu. Foi e – preto como grosso esticado pano preto, crepe,
que e quê espantoso! – subiram orelhas os cavalos. Touro mor que nenhuns outros, e
impossível, nuca e tronco, chifres feito foices, o bojo, arcabouço, desmesura de esqueleto
total desforma.
12.2. Citação indireta: texto baseado na obra do autor consultado. Aqui se pode incluir
ou não a(s) página(s).
Ex. a) Diversos autores citam a importância do estudo das perversões para entender as
psicopatias da vida cotidiana (ANDRÉ, 2003; CLAUVREUL, 1990; CORRÊA, 2006;
DOR, 1991).
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Ex. c) O senso de humor é a marca de uma certa liberdade: o inverso da rigidez das
defesas características da doença. Ele é aliado do terapeuta, que, graças a ele, experimenta
um sentimento de confiança e se sente autorizado a uma certa liberdade de manobra. É
uma prova da imaginação criativa da criança e de sua alegria de viver (WINNICOTT,
2005 citado por MACEDO, 2011).
13. O registro das referências deverá ser feito conforme os exemplos a seguir.
Observação:
“Somente serão registradas como referência as publicações que foram citadas ao longo
do texto. Tudo que está citado deve ser referenciado e tudo que está referenciado deve
deve ser citado!” (ABNT NBR 6023:2018).
a) Livro
AUTOR. Título em itálico: subtítulo. Edição. Local (cidade) de publicação: Editora, ano
de publicação.
Ex.: GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. 1. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
b) Capítulo de livro
Ex.: FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930 [1929]). In: ______. O futuro de uma
ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Direção-geral da tradução
de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 67-153. (Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21).
c) Artigo de revista
Ex.: REVERSO. Belo Horizonte: Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, 2005 - Semestral.
ISSN: 0102-7395.
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e) Texto consultado via internet
N.E.: Favor notar que os detalhes de dois pontos, abreviaturas e vírgulas, bem como
qualquer outro assinalado, devem ser registrados nos originais como nos exemplos.
14. A Comissão Editorial se reserva o direito de não publicar nem devolver, os artigos
que não se enquadrem nas normas expostas, ainda que reconhecido seu valor científico.
15. Ao encaminhar seu texto, o(s) autor(es) aceita(m), concorda(m) e permite(m) sua
veiculação na home-page e na edição eletrônica da revista Reverso.
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