Artigo 14
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RESUMO:
As HQs contribuem para que os professores trabalhem
a leitura de forma atraente e despertem o interesse dos
alunos pela leitura, bem como formar um cidadão aber-
to às questões da inclusão social? Este artigo destaca a
importância da leitura e uma forma de trabalhá-la por
meio de Histórias em Quadrinhos.
O
objetivo deste trabalho consiste em analisar a contribuição possível
das Histórias em Quadrinhos (HQs) como ferramenta eficaz no
ensino da leitura e formação do leitor cidadão no contexto escolar.
Evidenciamos a trajetória profissional e a obra de Maurício de Sousa e
analisamos cinco personagens portadores de necessidades especiais. Espera-
mos, com este estudo, contribuir com o trabalho de educadores e pesquisas
que tratam da leitura, particularmente no segmento das HQs.
O ser humano faz uso da linguagem desde seu nascimento por meio de
gestos, gemidos, risadas, balbucios, na tentativa de interagir com o universo
que acaba de acolhê-lo. Linguagem, pois, é tudo aquilo que, portador de
elemento significativo, proporciona ao ser humano a interação, a codificação
e a comunicação com o mundo que o cerca, resultando no desenvolvimento
Rezende, Lucinea Aparecida de; Silvério, Luciana Begatini Ramos.
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uma vez que proporciona muitas leituras, que enriquecem a cultura humana,
de acordo com a maneira de ler, de pensar, de se comunicar, de interagir com
tudo e com todos.
A leitura está presente na vida do ser humano, constituindo-se em um
contínuo processo de compreensão e interpretação do mundo à sua volta. Até
mesmo de maneira irrefletida e despercebida ela se realiza, pois se dá de múl-
tiplas formas e a todo momento. É possível ler as luzes, os sons, os desenhos,
os gestos, as placas, as palavras, os textos e tudo o mais que traga informação,
entretenimento, conhecimento, aprendizagem em uma busca incessante do
ser humano com vistas a conhecer, perceber, interagir, descobrir o sentido e o
significado das coisas.
Enriquecido com reflexões, opiniões e críticas, o ato de ler é realizado por
estudantes e por todos aqueles que dele necessitam em suas vivências diárias,
desde atividades simples e comuns. O mundo é representado por leituras pelas
quais podemos nos orientar, pois elas são sempre possuidoras de informações.
Nesse segmento, os nossos saberes contribuem significativamente para a
compreensão. Quanto mais lemos, mais somos capazes de exercer essa habili-
dade qualitativamente, utilizando o conhecimento prévio que nos constitui.
Sobre este aspecto vale ressaltar a afirmação de Kleiman (2004)3:
3
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 9. ed. Campinas: Pontes,
2004. p. 13.
Rezende, Lucinea Aparecida de; Silvério, Luciana Begatini Ramos.
258 Leitura e educação – representações da inclusão social na obra de maurício de sousa
Cada vez que lemos um texto, podemos realizar novas releituras, tal a
informatividade com que nos deparamos a cada leitura. Nessa diversidade
de leituras disponíveis, temos as HQs, obras que se oferecem à diversão e
importantes informações. Elas apresentam temas variados e de grande valor
para educadores preocupados em relação à importância da leitura. Esse ma-
terial pode ser trabalhado em sala de aula de forma atraente, na tentativa de
se despertar o interesse dos alunos, bem como chamar a atenção a respeito de
assuntos educativos.
4
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 311.
5
FEIJÓ, Mário. Quadrinhos em ação: um século de história. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997. p. 14.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 255-276, 2012 259
6
REZENDE, Lucinea Aparecida de. Leitura e Formação de Leitores: Vivências Teórico-Práti-
cas. Londrina: Eduel, 2009. p. 126.
7
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Ângela; VERGUEIRO,
Waldomiro. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto,
2007. p. 21.
8
Ibidem, p. 21-25.
Rezende, Lucinea Aparecida de; Silvério, Luciana Begatini Ramos.
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Essas, dentre outras vantagens, apontam para o valor da leitura por meio
das HQs no contexto escolar, pois elas não são apenas produtos humorísticos,
destinados somente à diversão dos leitores, mas são obras que trazem conteú-
dos informativos e que propiciam difusão cultural das sociedades.
12
Ibidem, p. 08.
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13
Ibidem, p. 14-16.
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O autor despertou o gosto pela leitura das HQs não somente nas crian-
ças, mas também nas pessoas das demais faixas etárias. De forma talentosa,
Maurício é um autor que tem demonstrado, claramente, seu interesse e en-
volvimento com a sociedade, seus costumes, ideologias, gostos, produzindo
arte de acordo com o cotidiano das pessoas. Retrata os encantos e desencantos
existentes na vida do ser humano. Os personagens são baseados em indivíduos
comuns, com qualidades, defeitos, problemas, dificuldades.
As histórias chegam até o leitor mostrando a realidade das pessoas de maneira
criativa e surpreendente. As crianças apresentadas em suas obras possuem caracte-
rísticas humanas. Elas são nascidas e criadas em uma família, brincam, brigam, di-
vertem-se, festejam datas comemorativas, estudam, passeiam, fazem novos amigos
e aceitam em seu convívio aqueles que muitas vezes são considerados diferentes.
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CIRNE, Moacy. A Linguagem dos Quadrinhos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 64.
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SOUSA, Maurício de. Dorinha, a nova amiguinha. São Paulo: Globo, 2004. (Turma da Môni-
ca, n. 221). Esta revista foi adquirida pelas pesquisadoras por meio de contato com a Institui-
ção Maurício de Sousa. Por este motivo, não é possível o conhecimento das páginas da história
“Dorinha, a nova amiguinha” na HQ, pois foi enviada a história e a capa da revista.
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SOUSA, Maurício de. Aniversário da Magali. São Paulo: Panini Comics, 2007a. (Turma da
Mônica, n. 5). p. 46-65 (história “Dudu e Dorinha em os outros sentidos”).
17
SOUSA, Maurício de. Espantando a tristeza e realizando desejos! São Paulo: Panini Comic,
2009a. (Turma da Mônica, n. 35). p. 37-39 (história “Dorinha em cheiro de quê?”).
18
SOUSA, Maurício de. Moniquinha paz e amor. São Paulo: Panini Comics, 2009b. (Turma
da Mônica, n. 26). p. 43-49; 75-81 (histórias “Dorinha em Meu mundo” e “Mônica e Ma-
gali em o Luca mudou”).
Rezende, Lucinea Aparecida de; Silvério, Luciana Begatini Ramos.
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SOUSA, Maurício de. Não percam a menina gorila. São Paulo: Panini, Comics, 2007b.
(Turma da Mônica, n. 4). p. 54-55; 73-81 (histórias “Turma da Mônica” e “Mônica em
Moniquinha Frufru”).
20
SOUSA, Maurício de. Aniversário da escola. São Paulo: Panini Comics, 2007c. (Turma da
Mônica, n. 3). p. 23-25 (história “Humberto em boas ações”).
21
SOUSA, Maurício de. Almanaque do Cebolinha. São Paulo: Globo, 1997. (Turma da Môni-
ca, n. 42). p. 60-63 (história “Ninguém entende o Humberto”).
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SOUSA, Maurício de. Que fim levou o Sansão? São Paulo: Globo, 2006. (Turma da Môncia,
n. 239). p. 35-42 (história “Humberto em aprendendo a falar com as mãos!”).
23
SOUSA, Maurício de. O Aniversário da Mônica. São Paulo: Panini Comics, 2008. (Turma
da Mônica, n. 15). p. 3-15; 16-28 (histórias “Um par para a Mônica” e “Um par-pai na
festa”).
24
SOUSA, Maurício de. Um vilão de penetra! São Paulo: Panini Comics, 2007d. (Turma da
Mônica, n. 11). p. 57-65 (história “Cascão e Luca em foi o Franjinha quem inventou”).
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Dorinha: deficiente visual que não se intimida com seu problema e age natu-
ralmente. Na apresentação de Dorinha, o autor mostra o quanto ela é alegre,
dinâmica, possuidora de muitas habilidades e que pode não enxergar com
25
SOUSA, Maurício de. Viva as diferenças! São Paulo: Instituto Metasocial e Mantecorp, 2009c.
(Turma da Mônica). p. 3-10; 11-18 (histórias “Cada ser é único” e “A nova coleguinha”).
26
SOUSA, Maurício de. Um amiguinho diferente. São Paulo: Maurício de Sousa, 2007e. (Tur-
ma da Mônica). Esta revista foi adquirida pelas pesquisadoras por meio de contato com a
Instituição Maurício de Sousa. Por este motivo, não é possível o conhecimento das páginas
da história “Um amiguinho difererente” na HQ, pois foi enviada a história e a capa da revista.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 255-276, 2012 269
os olhos, mas enxerga com o coração, com os ouvidos, com o tato, com o
paladar, com a alma. Ela não surge na história de maneira triste, sentindo-se
diferente das outras crianças. Pelo contrário, foi apresentada com diversão,
mostrando que é cheia de contentamento, brincando com os amigos da turma
e deixando-os surpresos por seus talentos.
Em sua apresentação na revista 221 (SOUSA, 2004), na história intitu-
lada “Dorinha, a nova amiguinha”, a personagem aparece e as crianças estão
usando venda nos olhos, pois estão brincando de cabra-cega, tentando se en-
contrar umas as outras. É nesse momento que chega Dorinha, vestida elegan-
temente, de óculos escuros, corte de cabelo moderno, sorridente, alegre e com
seu amigo Radar, um cão guia labrador.
A admiração da beleza e simpatia da personagem é bastante notória nos
rostos de Mônica, Magali, Cascão, Cebolinha e Marina. Como demonstração
de carinho e amizade, tocam no cabelo da amiguinha e acariciam seu cão.
Em momento algum as crianças notaram a deficiência visual de Dorinha.
Ela entra na brincadeira e também usa a venda nos olhos. Com a audição e o
olfato encontra os amigos escondidos – no caso do Cascão devido a sua tão
conhecida sujeira e repúdio à água, pois tem um cheiro característico que o
torna facilmente reconhecível. Dorinha, portanto, brinca normalmente com
seus novos amiguinhos.
É possível verificar que Dorinha não precisaria vendar seus olhos, mas a
escolha dessa brincadeira feita por Maurício para apresentar a personagem traz
a percepção de que Dorinha também quer se incluir em seu meio social. Para
isso, o autor a coloca como igual, participando da brincadeira de cabra-cega
com as crianças. Se ele a tivesse colocado na brincadeira sem a venda, não ha-
veria a percepção de que ela deve ser vista como uma criança como outra, nem
diferente, nem excluída. Maurício apresentou o diferente de maneira igual.
Na edição 5 (SOUSA, 2007a), na história “Dudu e Dorinha em os ou-
tros sentidos”, nas páginas 46 e 47, Dorinha, atravessa a rua com a ajuda de
sua bengala, e, próximo a ela, aparece Dudu, visivelmente assustado. Dudu
tenta salvá-la de um carro que, na verdade, estava parado à espera da passa-
gem de Dorinha sobre a faixa de pedestres. Verifica-se que ela atravessa a rua
naturalmente como toda pessoa pode fazer, mas Dudu quase sai atropelado,
pois não esperou o momento oportuno para atravessar. Ele simplesmente saiu
correndo disparadamente em busca da amiga.
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ças em relação à maioria, essas pessoas também podem ser felizes e desenvolver
muitas habilidades.
Luca: um garoto que anda em cadeira de rodas e é apaixonado por es-
portes, especialmente o basquete. Para Luca, os obstáculos enfrentados pelos
cadeirantes, como corredores e portas estreitas, escadas, banheiros apertados,
rampas, ônibus inacessíveis, buracos nas ruas e calçadas, parecem não inco-
modar tanto.
Bonito e querido por seus amiguinhos, Luca é um dos personagens
portadores de necessidades especiais. Maurício demonstra que pessoas com
dificuldades podem não apenas participar do convívio social, mas também
interagir plenamente, quando a sociedade está disposta a acolher e propiciar
meios adequados para essa inclusão.
Na edição 15 (SOUSA, 2008), nas histórias intituladas “Um par para
a Mônica” e “Um par-pai na festa”, Luca é convidado para uma festa. Ele
participa como todos os outros convidados, divertindo-se com sua cadeira de
rodas. Em outra revista, 4 (SOUSA, 2007b), na história “Mônica em Moni-
quinha Frufru”, Mônica aparece na história enamorada por Luca, o qual está
sempre vestido de forma elegante.
Em mais uma revista, a 26 (SOUSA, 2009b), na história “Mônica e Ma-
gali em o Luca mudou”, ele é apresentado como um garoto que gosta de cuidar
de seu visual indo ao cabeleireiro e aparecendo com um novo corte de cabelo.
Percebemos a respeito do personagem Luca que a cadeira de rodas não é
um empecilho para suas atividades diárias, pois ele faz dela um meio de trans-
porte divertido. Isso é perceptível na revista 11 (SOUSA, 2007d), na história
“Cascão e Luca em foi o Franjinha quem inventou”. A cadeira tem vários
botões, cada um representando uma função. Luca usa essas funções, como no
momento em que algumas garotas correm atrás dele, já que é cobiçado pelo
seu belo visual. Ele ativa um botão em que aparece uma mola debaixo de sua
cadeira de rodas e consegue escapar das meninas.
Em outra cena, Luca aciona um botão que faz a cadeira se transformar
em um carrinho para protegê-lo da água de uma grande mangueira usada
pelos meninos para dar um banho em Cascão que está próximo a ele. Na
mesma história, Luca aciona um botão e liga um aparelho que perfura a
terra para escapar de um cão bravo. O personagem entra em um buraco e
foge do animal.
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Na vida real não existem cadeiras de rodas como a do Luca. Mas as cenas
mostram que a cadeira de rodas não precisa ser vista como algo triste e terrível
na vida das pessoas e esse personagem é um exemplo disso. Mesmo cadeirante,
ele interage com a turminha e faz de seu meio de transporte um objeto útil
para sua locomoção e ao mesmo tempo para sua diversão. Maurício apresenta
a cadeira de rodas como um objeto a ser usado por aqueles que dela necessi-
tam com uma aceitabilidade agradável e não como um fardo a ser carregado
insuportavelmente.
Em todas as revistas do personagem Luca, Maurício o apresentou sor-
ridente, simpático, amigo de todos e participante das brincadeiras da turma,
que, por sua vez, interage com o amiguinho plenamente.
Tati: portadora de Síndrome de Down, ela é inspirada em Tathiana
Piancastelli, de Campinas30. O Instituto Maurício de Sousa, juntamente com
o Instituto Metasocial e apoio da Mantecorp, lançaram a revista com essa
personagem para comemorar o Dia Internacional da Síndrome de Down, du-
rante um simpósio realizado em 2009.
A revista da Turma da Mônica, intitulada “Turma da Mônica em Viva as
Diferenças!”, (SOUSA, 2009c), foi distribuída gratuitamente para associações
e consultórios que tratam de pessoas portadoras dessa síndrome. Nessa revista
há duas histórias. Na primeira, “Cada ser é único”, vemos a gravidez da mãe de
Tati. Durante todas as cenas são mostrados vários pais e mães gestantes, pas-
sando a ideia de que todo bebê é ansiosamente desejado e a alegria da espera
do nascimento de seus filhos.
Na segunda história, “A nova coleguinha”, Tati é apresentada à turma
na escola. Vemos as crianças na sala de aula com os olhinhos voltados para
a nova amiga, apresentando o desejo de conhecê-la. Nas próximas cenas, as
crianças dirigem-se a Tati que está sempre com um sorriso nos lábios, ao lado
da professora. No decorrer da história, visualizamos a nova aluna estudando
como os demais.
Nas páginas seguintes, percebemos que Tati possui um coelho igual ao
da Mônica, o qual é sempre escondido por Cascão. Tati recupera seu brin-
quedo facilmente. Ao final, as crianças vão embora da escola, todos felizes e
interagindo entre si.
30
Informações obtidas junto à Instituição Maurício de Sousa.
Rezende, Lucinea Aparecida de; Silvério, Luciana Begatini Ramos.
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Considerações finais
ABSTRACT
The Comic Strip contribute for the teachers work the
reading of attractive way and arouse the interest of the
students by the reading, as to prepare an open-minded
citizen for the questions about social inclusion? This
article emphasizes the reading importance and a way
work it through Comic Strip.