Vorcaro - Construção Do Caso Clínico em Instituições

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Construção do caso clínico em instituições

Angela Vorcaro

Aline Aguiar Mendes

Nathane Miranda

Bárbara Souto

É em torno das vias abertas por Freud no texto “Construções em Análise” e


pelas “Apresentações de pacientes” efetivadas por Lacan que nos orientamos no
desenvolvimento de uma pesquisa interinstitucional1, que tem como base pesquisa
anterior coordenada por Antônio Teixeira2 sobre a Avaliação dos Caps em Minas
Gerais e o projeto Tecendo a rede, coordenado por Aline Vilela3. Nesses trabalhos,
foram desenvolvidas metodologias de intervenção no contexto institucional a partir da
construção de casos, em que foi demonstrada a viabilidade da articulação de aspectos
não negligenciáveis do savoir-faire psicanalítico em situações fora de seu setting
privilegiado. Nossas preocupações tem, como eixo comum com essas pesquisas, a
interrogação sobre a modalidade de interincidência efetiva entre o campo teórico-clínico
da Psicanálise e as práticas em serviços públicos, seja na esfera da saúde mental ou
naquela da educação.
O método da construção do caso pretende lidar com a forma específica de
racionalidade emergente nas práticas institucionais estabelecidas no cerne da junção
entre as políticas governamentais do direto a todos e as práticas profissionais
conduzidas nesses aparelhos institucionais.

1
A pesquisa congrega, além dos professores de universidades, estagiários e a instituição de acolhimento-
dia Freud-Cidadão. É coordenada conjuntamente por Angela Vorcaro (UFMG) e Aline A. Mendes Vilela
(PUCMINAS), doutoranda do PPG da UFMG. A pesquisa é financiada pelo CNPq.
2
Cf. “Investigação dos efeitos discursivos da capsização: avaliação qualitativa do modelo CAPS, relatório
final, Belo Horizonte, UFMG, 2009, 189 ps.”
3
Tecendo a rede: uma proposta de formação no campo da saúde mental a partir da articulação entre
universidade, serviço e comunidade em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi), Belo Horizonte,
Pucminas, 2011, pp. 360-374.
Pautados por essa perspectiva universalizante, os clínicos generalizaram as
práticas regidas pelo ideal de abranger a todos. Para tanto, o acúmulo dos saberes
sustentadores das práticas profissionais não podia responder, pois, comportando
definições advindas de horizontes epistemológicos diferentes, como sublinha Pereira
(2000), resultava em confusões terminológicas e em incompreensões de graus diversos.
É ainda nesse contexto que, diante das contestações quanto a sua legitimidade científica,
a psiquiatria vem, desde os anos 1960, refinando um Manual Diagnóstico e Estatístico
dos Transtornos Mentais (DSM) que a Associação Psiquiátrica Americana promove
como “a-teórico” e limitado a fatos clínicos observáveis e contestáveis. Assim, em
consonância com a racionalidade das políticas públicas, o DSM vem sendo instalado
como eixo paradigmático de práticas clínicas em instituições públicas. Propondo-se a
organizar concepções científicas do sofrimento mental, prioriza o plano neurobiológico
em detrimento de dimensões históricas, culturais, subjetivas e existenciais do
padecimento humano (PEREIRA, 2000).
Entretanto, tal universalização esgarça a cada vez em que os clínicos são – e
essa é uma constante – tensionados pela condição de singularidade de cada um dos
pacientes. Afinal, manifestações subjetivas de um usuário podem desconcertar um
aparato aparentemente organizado, constrangendo a ilusão de que a contratação de uma
composição de ações de diferentes disciplinas, figuradas no que se convencionou
chamar “equipe multiprofissional”, teria ali vigência plena.
Sustentamos, com Foucault (1986), que o saber clínico não responde aos
critérios formais da ciência. Este saber clínico é uma prática discursiva regular que
comporta um conjunto de elementos, apenas organizado, de observações empíricas, de
tentativas e de resultados, de prescrições terapêuticas e de regulamentações
institucionais. Portanto, só o recolhimento de suas ocorrências perturbadoras
discerníveis por seus detalhes podem constituir obstáculo à decisão interpretativa
imediata dos clínicos que as testemunham, problematizando a estabilidade de conceitos
já categorizados, para não fazer, da clínica, um dispositivo de obturação do
desconhecido (VORCARO, 1999).
Ao contrário da hegemonia de um modo de categorização consideramos que a
dialética singular/universal insistente nesses aparelhos clínicos pode interseccionar e
imiscuir efetivamente os diferentes campos disciplinares presentes nas práticas de seus
agentes. Trata-se, enfim, de interrogar a experiência e deslocar questões constituindo os
meios para que a singularidade do caso possa ser apreendida na consideração do
detalhe do caso para a reelaboração do saber clínico: “O método clínico torna-se, nessa
perspectiva, tributário da consideração do caso como constituindo um método próprio
de inscrição de um sujeito na linguagem” (VORCARO, 1999, p. 107). Enfim, a
estranheza e a resistência que a clínica impõe à compreensão imediata são fundamentos
irredutíveis da psicanálise.
A despeito dos psicanalistas terem, por longo período, privilegiado a doutrina e a
prática individual que a origina, apostamos na potência do método psicanalítico como
modalidade possível de orientação de uma modalidade de prática que sustenta a tensão
singular/universal, partindo da escuta dos agentes da clínica, em instituições.
A presença da psicanálise nas instituições não tem se mostrado tarefa simples.
Constatamos, nas diversas práticas já em exercício há mais de vinte anos, a preferência
por uma forma complicada de sustentar um diálogo da psicanálise com os serviços de
saúde e educação. Geralmente, a presença do psicanalista é sustentada pela oferta de um
novo saber aos demais. Posiciona-se e/ou é colocado pelos auditores no lugar de
mestria, inviabilizando a efetiva transmissão da psicanálise: por seu ato.
Muitos são os técnicos que, por esse meio, encontram o caminho de dirigir-se
efetivamente ao estudo da psicanálise e ao próprio tratamento psicanalítico. Entretanto,
noutras vezes, esse encontro intensifica a impotência dos técnicos, que comparece de
duas maneiras: incrementando a adesão cega a especialistas que “saberiam” os
procedimentos para resolver os conflitos institucionais ou opondo-se a estes como
forma de atestarem o fracasso das tentativas de articulação entre os vários campos
disciplinares e a psicanálise. Na primeira vertente, o efeito da psicanálise é o de criar
uma promessa de saber que, longe de tornar manejável pelos técnicos, reverte-se apenas
na reprodução de alguns clichês. Se, na segunda vertente, constata-se uma feroz
oposição à psicanálise, em ambas, modos distintos de resistência à psicanálise acabam
prevalecendo.
Seria possível construir uma forma de transmissão da psicanálise capaz de
incidir na direção do reconhecimento do saber/não-saber e da responsidade4 de técnicos
ao seu saber-não-saber? Como fazer com que o espaço institucional que é um lugar, a
princípio, contrário às manifestações singulares, possa reconhecer como o usuário

4
O termo responsidade, cunhado pela psicanalista Cláudia Fernandes, é aqui utilizado na acepção de
possibilidade de deixar-se afetar, concernir-se e responder. Pretende diferenciar-se de responsabilidade,
no que essa denota culpabilidade.
responde singularmente ao serviço? O que podemos depurar das metodologias de
intervenção no contexto institucional desencadeadas pela psicanálise em sua história de
articulação às instituições?
Longe de buscar uma “psicanalização” dos serviços de saúde mental, a proposta
desse trabalho se restringe a tomar a construção em psicanálise como ensinamento
de método para estabelecer um dispositivo de construção do caso clínico junto a
agentes clínicos responsáveis pelo tratamento de pacientes, que estão embaraçados
em seu savoir-faire, em serviços de saúde mental.

Para tanto, faremos inicialmente um percurso sobre a noção freudiana de


construção para, em seguida, nos voltarmos à especificidade do dispositivo posto em
jogo por Lacan, denominado apresentação de pacientes para, em seguida,
sistematizarmos os principais argumentos dos precursores da construção do caso
clínico, a partir dos quais delimitaremos nossa proposta.

1 – A noção da construção freudiana

Em distintos trabalhos, Freud aborda a construção como uma operação


necessária para a aproximação ao núcleo recalcado inconsciente. A despeito de só tê-la
formalizado em 1937, ele recorre a tal operação para lidar com distintas manifestações.
Desde sua elaboração sobre a técnica de produção dos chistes (1975/1905), é o termo
construção que ele recruta para estabelecer seus modos de formação, no jogo entre a
língua, a economia psíquica e o laço social. A construção é também equiparada ao
método presente no delírio, que recupera algo de verdade histórica nas tentativas de
explicação e de cura do doente. Reconhecer o núcleo de verdade do delírio poderia, para
Freud, ser um modo de orientar seu tratamento (1975/1937, p. 302-3). Na fantasia
inconsciente do neurótico Freud (2010/1919) trata a construção realizada pelo analisante
como necessária para atingir sua fantasia inconsciente, estabelecendo a conexão entre
tempos de diferentes estados da fantasia: “Essa segunda fase é a mais importante e mais
prenhe de consequências. Em certo sentido, ela não tem uma existência real. Em
nenhum caso ela é lembrada, não chegou a tornar-se consciente. É uma construção da
análise, mas nem por isso menos necessária” (p.303). No estudo do Homem dos Lobos
(2010/1918), Freud credita à construção da cena primária em análise um conteúdo
extraordinário para o histórico do caso, “em geral não são reproduzidas como
lembranças, mas têm de ser laboriosamente adivinhadas – construídas – a partir de uma
soma de indícios”(p.70).

Em 1937, diferenciando a interpretação como algo que se aplica a algum


elemento isolado do material psíquico, Freud afirmar que a construção é, de longe, a
descrição mais apropriada da tarefa do analista. Distinguindo ainda essa tarefa daquela
do analisante, que é a de recordar, reafirma que a tarefa do analista é a de construir,
induzindo o analisante a recordar o que foi experimentado e recalcado, tecendo a trama
do que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si. É a ocasião, modo de
transmissão e as explicações que constituem o laço analítico.

Procedendo tal como a escavação arqueológica de uma morada soterrada mas


ainda viva, o analista extrai inferências a partir de alicerces - fragmentos de
lembranças, associações e comportamentos do analisante - para erguer as paredes do
edifício. Reconstrói por meio da suplementação e combinação de restos que
sobreviveram. Esse é um trabalho analítico preliminar, por ser conjectura que aguarda
exame. Implica, necessariamente, o que o analisante derrama sobre ele: está sujeito a
correções, equívocos e a suas reações. Na construção o analista completa a fala do
analisante, coloca diante dele um fragmento de sua história, de maneira que este
analisante possa agir sobre tal resíduo, construindo outro fragmento a partir do material
lembrado. Esse agir alternado do paciente sobre construções do analista não se faz por
meio de asserções conscientes diretas mas indiretamente por meio de lembranças de
pormenores ultraclaros relativos ao tema. Mesmo em sua precariedade inevitável, a
construção do analista ativa o impulso ascendente do recalcado que se desloca da
resistência conduzindo traços de memória de objetos adjacentes. Esse deslocamento da
resistência que franqueia o acesso à lembrança “ultraclara” de algo da rede de conexões
que a construção recupera, produz a convicção do analisante quanto à construção,
substituindo a impossível captura plena do recalcado. Enfim, para Freud, a construção
erguida “só é eficaz porque recupera um fragmento de experiência perdida” (FREUD,
1975/1937, p.369).

2- A presentation de malades de J. Lacan

Dentre as apresentações “didáticas” que se serviam do paciente para uma


demonstração teórica, tornaram-se conhecidas as apresentações de pacientes do
neurologista Charcot no Hospital Salpêtriére, em Paris. Ali, a posta em cena de uma
consulta mostrava ao público a complexidade da clínica cotidiana, em que se estabelecia
o diagnóstico, prognóstico e tratamento, além de ilustrar as proposições teóricas do
mestre. Compondo o público assistente dessas consultas, Freud testemunha que saia
delas “com o espírito saturado como na saída de um teatro” (DOREY, 1996, p.9).
Dentre o que Lacan recolheu de Freud, a função de encenação não foi negligenciada,
como veremos adiante, em seus estudos sobre as formações do inconsciente. Mas, no
que tange à lógica do interrogatório na investigação minuciosa dos enfermos
(FERREIRA,C., 2013), orientadora da prática do seu mestre Clérambault (LACAN,
1989, p.169), sua forma e exaustividade foram abandonadas em Lacan. Entretanto, essa
antiga prática médica, até então limitada a uma apresentação do paciente como exemplo
de que o mestre psiquiatra se servia para aplicar e demonstrar seu saber aos alunos, foi
radicalmente refeita por Lacan que sustentou, por muitos anos, o dispositivo da cena
clínica diante de uma assistência.

Ao contrário de uma demonstração de saber, Lacan localizou nessa prática o


equívoco do diálogo forçado na clássica de apresentação de doentes que conduzem o
sujeito a tornar-se reticente, Lacan se dispunha à

“uma submissão completa, ainda que advertida, às posições propriamente


subjetivas do sujeito, posições que com demasiada frequência se forçam ao
reduzi-las no diálogo, ao processo mórbido, com isso reforçando a dificuldade em
adentrá-las devido à reticência provocada, não sem fundamento, no sujeito”
(LACAN,1998, p.540).

A submissão completa ao sujeito implica uma especial consideração sobre a


posição do entrevistador, que não se coloca como partinaire de uma relação
intersubjetiva, numa dialogia de “eus imaginários” encobridora dos impasses
discursivos que se colocam em jogo:

"Desconfiem sempre das pessoas que lhe digam – você me compreende. É sempre
para remeter vocês em outra parte que ali onde se trata de ir. é o que ela faz. Você
compreende bem – isso quer dizer que ela própria não está tão segura da
significação e que esta remete não tanto a um sistema de significação contínuo e
conciliável quanto a significação enquanto inefável, à significação básica da
realidade dela, ao seu espedaçamento pessoal"(LACAN, 1988/1955-6, p.68).
É por posicionar-se como aprendiz, que ele permitiu o ensino da psicose pelo
próprio paciente, tendo como efeito: “o ensino dos pacientes nas apresentações de
Lacan” (MILLER,1996, p.146).

Além da posição declarada por Lacan diante do paciente, importa-nos aqui


retomar a lógica do dispositivo da presentation des malades5 tal como sistematizada
posteriormente por alguns de seus assistentes, já que o próprio Lacan não teorizou sobre
ela, restringindo-se a fomentar seus alunos para que o fizessem.

“Apresentavam-se a Lacan pacientes considerados “difíceis” ou que


colocavam problemas particulares, ou ainda que aparentemente respondiam ao
que se podia considerar como um caso típico, particularmente demostrativo”
(DOREY, 1996, p. 8).

Propondo-se a explicar esse dispositivo em termos de testemunho, Dorey (1996)


especifica sua apreensão sob três incidências diferentes: o testemunho do paciente de si
mesmo com sua história e a problemática que subtende e organiza seu modo de
funcionamento. O testemunho do analista, pela maneira com que conduz a entrevista,
atesta sua relação com o inconsciente e com a teoria (o que Porge (1996) salienta como
risco assumido de, em pouco tempo, construir uma ideia e o compromisso de transmitir
algo à altura de sua tarefa). O público silencioso testemunha sua receptividade e
investimento. Ao se fazer testemunha desse drama, o revela, dá-lhe existência e permite
ao sujeito se reconhecer autor/ator. Esse olhar outro introduz uma mediação que se
desdobra ao obstaculizar a parte imaginária da troca entre paciente e analista, para se
impor representante da ordem simbólica. Há uma dimensão transferencial de
intensidade particular nessa combinatória diferenciada, implicando cada um em
diferentes graus e modos.

A presentation des malades pode se inscrever na categoria especial de chiste


definida por Freud como aquela que se dirige à certeza de nosso próprio conhecimento e
não a uma pessoa ou situação. É como Porge (1996) tenta formulá-la em 1985, ao
localizar as condições estruturais da apresentação e da apreciação de seus resultados
especificáveis na função da assistência. A linha invisível que separa o público define a

5
O termo em francês é mantido porque informa a presença do paciente da cena, o que difere
sobremaneira da apresentação deste por outros, situação que pretendemos aqui aprofundar.
cena de teatro, em que o público participa da criação da cena como limite não
representável “mas que tem tanta realidade quanto uma corrente de cem mil volts”
(p.31-2). Limitando a onipotência de quem interroga, atenua, para o paciente, a
onisciência do interlocutor, encarnando um terceiro que se interpõe na relação dual.
Como no chiste, o público será lugar de realização de uma intenção, a partir de algo
tomado pela palavra, sem controle prévio de nenhum dos interlocutores. Sua função
principal é, para Porge, a de reconhecimento do dizer como acontecimento
teatralizado, sem função de decifração:

“a apresentação é uma teatralização do dizer. É através da teatralização


que há o escrito. A teatralização é o escrito na fala. Essa conjunção do dizer como
acontecimento e da teatralização se liga, na apresentação, pelo tempo”(PORGE,
1996, p.32)

Argumentando que a lógica da apresentação é uma lógica do jogo que introduz


uma aposta (e não a lógica da exaustão do quadro) Porge (1996) lembra que o
apresentador adianta a aposta para permitir ao doente uma aposta, em que participam os
tempos (instante de ver, tempo de compreender, momento de concluir) de cada um:

“O tempo para compreender é a duração da apresentação. O instante de ver


é o que se troca nos olhares entre apresentador, apresentado e público. É a
sincronia dos três lugares que instaura o corte da cena. Cada um age sobre o outro
simultaneamente. É a sincronia da clivagem da mensagem na qual a mesma
palavra é dirigida a um e destinada a outro ou ainda entre a fala que dirijo e o
objeto em nome do qual falo” (idem, p. 32).

A pressa emergirá sob formas diversas, a cada vez que aconteça esse jogo,
conferindo um toque trágico de urgência:

“É como se existisse uma corrida com o delírio em duas velocidades


simultâneas: é preciso ir suficientemente lento para escutar o que é dito e entrar no
delírio, mas, suficientemente rápido, ao mesmo tempo, para não ser englobado
pelo delírio a ponto de tornar qualquer diálogo impossível, o que no final das
contas não é pior mas, acima de tudo, corre o risco de mascarar os fenômenos
elementares significantes nos quais a subjetividade do doente está realmente
engajada” (p.33)

Porge(2009) nomeou desta como a clínica das apresentações de paciente, pelo


que nos ensina quanto ao movimento que provocam numa equipe. Com Lacan as
“presentations des malades” se transformaram num modo de acolhida clínica original.
Porge lembra que nessa cena,

“diversas pessoas estão situadas em diferentes posições. Elas escutam ao


mesmo tempo um discurso, cada qual em sua distinção [façon] ou sua “extinção
[effaçon]”. Por causa dessa pluralidade os ditos do paciente refratam-se deixando
entrever facetas que, caso contrário, continuariam desapercebidas... Trata-se de
um caso, privilegiado, em que a transmissão da clínica é síncrona ao que é
transmitido; em que, por conseguinte, a transmissão é parte integrante da clínica...
Essa prática tem efeitos de formação pela escuta do dizer do paciente e não pela
ilustração de um saber já lá ou pela clínica do quadro.”(PORGE, 2009,p.224)

Todos estão numa “submissão completa às posições propriamente subjetivas do


doente” (PORGE, 2009,p.225), visando a posição do sujeito, e não a um eu imaginário.
Ao submeterem-se ao sujeito também submetem-se às surpresas da linguagem que,
quando aparecem, manifestam a presença do sujeito, sem que ele seja localizável em
alguém, mesmo que ele esteja representado nas passagens discursivas entre os
participantes.

O dispositivo cria a função do tempo em que a criação da urgência tem a função


de gerar uma ultrapassagem por via da fala, como diz Lacan (1998[1953]). Efeitos do
público sobre os que dialogam e sobre o público mostram que o dispositivo salienta e
articula três lugares entrevistador/paciente/público como agentes, pois eles fazem
efeitos simultâneos uns sobre os outros e por isso podem produzir um encurralamento
do real. Há um além inominado mas previsto ou ao menos esperado, suposto: quarto
termo: o real como efeito comum a todos. Afinal, algo é encurralado nessa cena
disposta no tempo e no espaço: o real do sujeito.

Porge ressalta ainda que o público configura uma cena, ou seja, espaço
simbólico regido por regras: onde espera-se um encontro com o inédito. Nenhum dos
que dialogam nem o público sabem do que a cena montada permitirá recolher: é uma
aposta. Os dois pontos estão separados entre si e tal separação é garantida pelo silêncio
do público que vê e escuta. Os dois estão, portanto, barrados pelo Outro: o público
assistente funciona como um terceiro, um Outro: lugar onde o chiste se realiza. O
público funciona como destinatário, mas está também, por vezes, em posição de
analista. Seu silêncio expectante do diálogo convoca os dois a falar. Entretanto,
também, todos funcionam como público na medida em que é desse lugar que recolhem
a transmissão de um intransmissível, antes incapturado pela transmissão apenas
simbólica. Assim, a existência de efeitos, que por vezes aparecem diretamente numa
melhora do paciente, podem ser indiretos, comparecendo nas maneiras de escutá-lo no
serviço em que ocorreu a apresentação.

Dessa forma, podemos pensar a apresentação de pacientes como ato analítico,


onde uma afinidade de estrutura entre o dispositivo da apresentação e o destinatário da
psicose é suposta por Porge:

“uma clínica oriunda das apresentações, que aparece, desde então, como
uma clínica da apresentação, isto é, emergindo dos trajetos do significante
passando por lugares diferenciados, segundo um dispositivo afim à loucura, no
qual a transmissão da clínica é síncrona ao momento da construção de seu
objeto.”(PORGE, 2009, p. 235)

Muitos psicanalistas participaram da Apresentação de Pacientes e a consideram


uma forma original de participar no próprio momento em que a psicanálise se constitui,
transmitindo assim, a outros, algo de essencial do método da psicanálise.

3 – A construção do caso e a conversação clínica

Trabalhos institucionais de psicanalistas filiados à Associação Mundial de


Psicanálise se desencadearam partindo da perspectiva da mobilização de uma equipe na
construção do caso clínico que os aprisiona no embaraço. Tal construção do caso
apresenta modalidades de grande interesse, na medida em que propõe uma metodologia
de abordagem dos clínicos que pode vir a proporcionar uma prática concernida por
parte dos profissionais e efeitos de verdade que, por sua vez, tocam os sujeitos
atendidos, na medida em que orientam condutas dos profissionais do serviço mediante
um caso que lhes cause impasse. Nesse método, é o modo de funcionamento da
conversação com as equipes visando a construção do caso clínico, que possibilita aos
técnicos a expressão de suas atitudes na condução do caso, recolhendo os momentos em
que o próprio sujeito oferece uma resposta inusitada que se contrapõe à resistência da
dificuldade do caso que causa, no trabalho clínico coletivo, a impressão de impotência
dos saberes instituídos. A construção do caso clínico desencadeia-se a partir do limite
de resposta das equipes, produzindo um esvaziamento da potência suposta num um
saber prévio, o que abre a possibilidade de construção de um saber inédito, singular.
Enquanto nas instituições tradicionais as práticas multidisciplinares se apoiavam
em reuniões de síntese do caso entre representantes das especialidades, no Courtil
(instituição belga de crianças o psicóticas e neuróticas graves onde muitos dos
praticantes são analisantes ou analistas) essas são substituídas pela prática entre vários
em que procede-se à desespecialização, por meio de um “o trabalho analítico através da
construção do caso que atravessa todos os pontos de vista dos especialistas (STEVENS,
2007, p.79). As reuniões clínicas são sustentadas pela clínica do caso: “estamos em
busca das invenções de cada sujeito” (Stevens, 2007, p. 80). A reunião dos membros da
equipe na instituição também belga Antenne 110 é considerada o lugar da fala “para
operar uma separação dos adultos entre o saber adquirido e o lugar subjetivo da
criança”(p.73). Nesse contexto, a prática entre vários é ainda precisada por Di Ciaccia
(2007) como aquela em que todos os adultos estão sempre prontos para ouvir a surpresa,
a serviço dos achados do sujeito, na estrutura própria ao chiste, permitindo às crianças
inventar seus próprios pontos de ancoragem. Assim, junto à criança, “cada adulto é
responsável por seu ato e assegura, por sua presença, que a ocasião do encontro seja
apreendida”(p.73). Reafirmando a importância da prática entre vários assumir as
especificidades da instituição em que ela se dá, por ser método mas não ser imitável
como modelo, Kusnierek (2007) a localiza indicando que ela, “serve do múltiplo para
favorecer, junto aos diferentes membros da equipe, a obtenção de uma certa destituição
subjetiva, de uma rasura egóica necessária para o trabalho com o sujeito psicótico”
(p.165). Por sua vez, Rabanel (2007) especifica que, na instituição Nonette, a
construção do caso clínico permite extrair a lógica do caso, depurando práticas que dela
se deduzem para cada um. Não se trata de dar lugar a um sentido, como nas
psicoterapias, nem à norma segregativa, mas de orientar as práticas de cada um, na
medida em que permite “dar lugar à responsabilidade de cada um e ao dever de referir-
se a ela junto ao coletivo”(p.88) Para esse processo, considera-se a supervisão como
fundamental na medida em que “enfatiza a orientação geral e situa a coordenação de
diferentes elaborações clínicas sob aquela do responsável terapêutico” (p.89).

Dentre as primeiras abordagens à noção de construção do caso clínico no


contexto da saúde mental salientamos aquela apresentada por VIGANÓ (1997).
Contrapondo-se à cronicidade decorrente da reforma psiquiátrica italiana que enfatiza o
tratamento a partir de um regime de assistência social, ele propõe reencontrar a
dimensão clínica, pela via da construção do caso clínico.
Segundo o autor, a noção de caso tem raiz etimológica no latim, cadere: cair
para baixo. Isso nos indica que algo, no caso, vai para fora de uma regulação simbólica,
causando o encontro com o que não é dizível, e portanto, impossível de ser suportado.
Por sua vez, o termo clínica é oriunda do grego Kline, leito. Depreende-se daí o curvar-
se no leito, numa alusão ao ensinamento que se dá no leito, a partir do singular do
sujeito. Em termos de LAURENT (2009):

“Em psicanálise um caso é tal quando testemunha por sua vez a incidência
lógica de um dizer no dispositivo da cura e sua orientação há um tratamento real,
de um problema libidinal, de um problema de gozo. Somente ao observar a
gravitação da lógica significante no campo do gozo pode-se falar de caso no
sentido etimológico do causus latino: algo que cai contingencia em geral. A
palavra latina designava algo que caia por surpresa, de maneira desafortunada,
na mesma zona de einfall, palavra freudiana que diz o que ocorre.” (p.37)

Nessa perspectiva, é um vazio de saber que permite a qualquer uma redução da


impotência do não-saber, por meio do deslocamento para a posição de trabalho de um
analisante. Assim, em vez de nos interrogarmos quanto ao que podemos fazer pelo
paciente, que denota nossa prepotência assistencialista, deveríamos nos orientar pela
questão do que o sujeito vai fazer para sair da instituição.
Interessa notar que mesmo que Viganó não se refira à noção freudiana de
construção, ele enfatiza que a construção deve restaurar a topologia de um furo
originário da falta que causa o desejo.
Assim, a construção do caso clínico é o discurso mesmo do psicanalista. Desse
modo, o objeto do paciente (a) é destinado ao interventor (que está na posição do
sujeito barrado):

“ essa escritura dá razão ao conselho freudiano de tratar cada caso como


se fosse o primeiro, sem nunca aplicar um saber pré-constituído. No
discurso do analista, o saber é colocado sob a barra, no lugar da verdade
sem que possa haver nenhuma conexão com o significante mestre da
instituição. Essa estrutura é o que constitui a construção do caso clínico,
portanto o discurso do analista não se apresenta somente no momento em
que se inicia uma análise, mas é uma forma de trabalhar, que pode
também ser reproduzida na instituição, se as posições do discurso são
aquelas que descrevi. Logo, a posição do analista na instituição é aquela
de construir o caso clínico.”(VIGANÓ, 1999,p. 56)
A construção do caso dentro de um grupo é um trabalho que tende a trazer luz a
relação do sujeito com o seu Outro. Não visa diagnosticar o sujeito, mas tende a
construir o diagnóstico de discurso naquele momento da construção, servindo para
operar o deslocamento dos sujeitos com os quais lidamos, dentro do discurso. Nos
serviços, a maior parte dos sujeitos tem precárias condições de se representarem no
discurso, pois estão privados de uma palavra elementar. É necessário, pois, reativar a
relação do sujeito com o Outro, de tal forma que essa relação possa se sustentar na
realidade.
Por outro lado, em relação aos técnicos, o trabalho de construção opera um corte
transversal em todas as categorias profissionais.

“Esse corte vai ativar o desejo, onde ocupar aquele lugar, para aquele
sujeito, que não é garantido pelos papéis, mas que pode ser ocupado somente
com o próprio risco, com o desejo de se arriscar. Trata-se de um novo percurso
profissional que, a partir do coletivo, tem a função de motor, para lançar
novamente o desejo de cada membro da equipe, evitando inclusive a segregação
- que desta vez é das profissões – em relação àquilo que estamos autorizados
fazer (...). Isso requer uma transferência de trabalho entre os membros da equipe,
ou seja, a ideia de que seja um bem, igual para todos, produzir a verdade do
paciente.”(idem, p. 59)

Construir um caso clínico em saúde mental é operar num tempo de compreender.


Por essa razão, opera-se com um vazio de saber que possa acolher a palavra do
paciente. Seus movimentos, palavras, repetições que possam nos dizer de sua relação
com a instituição são privilegiados para que, posteriormente, nos orientemos na
condução do caso.

Enfim, Viganó baliza noções imprescindíveis: a construção como o tratamento


do encontro do operador com algo, do paciente, que está fora de toda regulação
simbólica e que pode produzir um outro modo de trabalho distinto daquele pautado
apenas pelas regulamentações profissionais. Os operadores são convocados por um
desejo que passa a ser o motor das intervenções.
Ao problematizar a prática de supervisão nos serviços de saúde mental, Zenoni
(2012) aborda de forma semelhante o real e clínica na instituição. Para o autor se trata
menos de uma supervisão e muito mais de uma transmissão possível da psicanálise em
um trabalho com grupos de diferentes profissionais, em que muito poucos são iniciados
na psicanálise. O autor esclarece que o objetivo é o de elaborar consequências da
clínica psicanalítica na prática na instituição e não fazer, dessa prática, uma habilitação
em psicanálise. Importa, portanto, nesse contexto, distinguir como os fenômenos do
caso singular podem estabelecer uma forma paradigmática de solução.
Esses fenômenos são então tomados a partir da consideração do impossível da
estrutura a todos são confrontados, ou seja, a um real que é do ser falante, e não de um
déficit de um sujeito.
O foco deve estar na causa que faz o paciente necessitar da instituição, pois se
no plano do objetivo pode-se atribuir uma diversidade de tratamentos complementares
das práticas profissionais, no plano da causa cada praticante é confrontado a um mesmo
real que convoca sua responsabilidade, intimando cada interventor a achar a resposta ou
a modalidade de intervenção que lhe convém sem que seja dedutível da disciplina que
representa: o que lhes faz apelo é o desejo, não um saber aprendido.

“Nessa perspectiva a questão habitual: “o que fazer com esse paciente, como
fazê-lo avançar, como fazê-lo participar dessa ou daquela atividade?” Se reverte
nesta questão: que uso fazer dessa instituição em seu percurso? uma
desconstrução que permite modificar o que é prévio numa questão e não será
sem incidência na procura e elaboração de uma resposta. Aquela supõe, bem
entendido, introduzir uma certa lacuna no encontro dos imperativos que a
instituição se vê submetida, ou que impõem a elas mesmas, na perspectiva da
dita reinserção social do paciente como objetivo a atingir. Com efeito, o
propósito desse objetivo supõe muito frequentemente negligenciar a dimensão
clínica reduzindo toda a resposta institucional a reeducação funcional, a ação
sobre a causalidade muito centrada na medicação.” (ZENONI, 2012, p. 2)
A partir do impasse do que aparecia como intratável, a construção do caso
propõe um outro encontro com o saber. Não se trata mais de uma aplicação preconizada,
mas de uma elaboração viva. Trata-se de outro encontro com o saber que supõe uma
certa transferência de trabalho: todos mobilizados pelo que foi nomeado como impasse
por ter se mostrado indissolúvel. Assim, o operador intervém da posição de analisante,
na medida em que a elaboração desse saber se efetua em torno de um não saber central.

Em Minas Gerais, a equipe CLINICAPS também estabeleceu um certo modo de


operar com a psicanálise na instituição tendo como eixo a Construção do Caso Clínico.
Com base na formulação “ A instituição é o nosso caso clínico”. Anamaris Pinto (2010)
afirma que para colocar a metodologia em ato devemos fazer de tal forma que a
Instituição encarne o estatuto de única para cada paciente.

“Tomar a construção do caso clínico implica, no meio institucional, uma


visada que diz respeito a relação dos pacientes com sua própria
instituição. É neste sentido que podemos entender que na Conversação
Clínica, a instituição é o nosso caso clínico. A qual instituição nós nos
referimos? A instituição que encontramos para cada paciente nas
Conversações realizadas. Esse é o nosso foco. É importante fazer como
se a instituição, em sua articulação a cada caso, se desdobrasse em
instituições a serem tratadas uma a uma. Para tanto, vale entender que,
assim como o sujeito não existe como uma realidade em si, mas somente
em relação aos modos de composição com o Outro, no qual ele habita, ...
do mesmo modo afirmamos que a instituição não existe por si só, ela
somente existe em relação a cada caso ao qual ela responde. Se podemos,
portanto, conceber a instituição como nosso caso clínico, é porque
pensamos a instituição não como um dispositivo fechado, mas em
referência ao modo de sua interação com aquele que a procura.” (PINTO,
A. 2010, p.156)

Apoiado nas proposições de Viganó, Alkmim (2003) propõe que uma maneira
de introduzir a lógica da psicanálise em uma instituição é através da construção do caso
clinico. Para ele, a construção do caso clinico permite que, independentemente do
diagnóstico clínico, podemos escutar os movimentos do sujeito em seu endereçamento
ao Outro, o que torna possível uma orientação a partir de um diagnóstico de discurso
no qual será possível encontrar o lugar no qual o sujeito, em potencial, torna-se sujeito
da palavra. Isso exige que nos coloquemos numa posição de não saber, reconhecendo o
sintoma como resposta do sujeito à relação com seu Outro para que, ao operar o ato que
cria a palavra operemos na clínica da instituição como exceção, na medida em que
tomamos a instituição enquanto lugar do Outro que pode responder de maneira diferente
e única à demanda do sujeito.

Dessa perspectiva, podemos concluir que a instituição não existe previamente


ao caso. Se trabalhamos a partir da psicanálise somente o caso faz existir uma
instituição.

No tocante a construção do caso clínico nas instituições vários são os


apontamentos que a construção do caso clínico deriva de uma posição de não saber dos
profissionais sendo o que possibilita o esvaziamento dos significantes mestres, ideais
mortificantes da instituição que impedem com que o sujeito possa aparecer com suas
invenções.

Vale ressaltar que esse esvaziamento de saber não se dá de qualquer modo. Ele
é antes um esvaziamento de saber que provoca o surgimento de um sujeito divido nos
técnicos uma pergunta quanto a sua própria posição ali com aquele sujeito com o qual
ele se relaciona. É nessa direção que, como vimos, Kusnierek (opus cit.) considera a
desespecialização de cada membro da equipe como capaz de produzir a rasura egóica
necessária para a destituição do saber como ponto de partida para localizar os pontos de
ancoragem do sujeito.

Não se sabe por antecipação de onde virá, nem o que será, o que poderia ter
como alcance o ato. Mas com certeza o esvaziamento de saber é necessário para manter
um desejo de saber, inexistente quando o que se diz vale para todos. Di Ciaccia (2010)
localiza sua função: “privilegiar um ganho de saber que faça objeção à emergência
universalizante da clínica do mestre e que permite ao sujeito e ao clínico de transmitir
qualquer coisa da experiência vivenciada” (p. 134)

Enfim, quando se diz alguma coisa na instituição atravessada de algum modo


pelo discurso da psicanálise, o que interessa é, nos termos de Guy Briole (2010), dizer
alguma coisa do lado que nos interroga, responder do lado de nossa própria divisão e
não do lado do saber.

4 – A construção do caso em instituições:

Diferentemente das presentations de malades lacanianas, nos propomos a


considerar esse dispositivo introduzindo-o num contexto que poderíamos chamar de
recolhimento do que faz caso num serviço de saúde mental, que depreendem o que é
posto em jogo e resulta das presentations lacanianas. Não se trata de uma entrevista
com o paciente diante de um público, mas da formalização da construção do caso
clínico. Por isso, nosso direcionamento é também tributário das práticas nomeadas
como conversação clínica.

Compomos uma sessão clínica com aqueles que estão concernidos no


diagnóstico, no tratamento e no cotidiano de um paciente considerado de difícil
abordagem, ou seja, os que participam do caso, em seus diversos modos de manejo
específicos. Estes estão separados pelo tecido discursivo recolhido por um agente – que
chamamos de AT – o estagiário que se coloca À Trabalho – que dá início à
apresentação com este material e que convoca, por esta apresentação do caso, cada um
dos demais participantes do serviço a falar sobre o que, de um paciente, faz caso.
Dessa perspectiva, a sessão clínica é orientada pela consideração de que
podemos bordear o que o caso traz de real procedendo a uma recuperação daquele caso,
aos moldes de uma recordação dos vários técnicos. Dessa forma, trata-se de favorecer
uma construção, induzindo os técnicos a recordar o que experimentaram e efetivaram
em relação ao paciente, considerando ainda o que insiste em surpreender. Assim, são os
traços do que a experiência deixou que se tenta recuperar, localizando e demarcando o
que causa estranheza – elevando-a ao estatuto de algo recalcado. A própria equipe
ensaiará completar o que foi esquecido a partir dos traços presentes.

Nesse sentido, podemos considerar que a construção do caso prescinde da


presença física do paciente, para trazer à luz o que ele singulariza. É o que sugere
Lacan, em meio ao estudo do desejo na peça de teatro Hamlet, de Sheakespeare,
localizando a função do teatro, na representação, salientando a diferença entre ler a
peça e vê-la representada. Na relação da audiência a Hamlet, o inconsciente se
presentifica como discurso do Outro. Num discurso perfeitamente composto, nem o
herói nem o autor estão presentes senão pelo discurso que nos legam. Os atores
acrescentam à dimensão da representação estritamente análoga daquela dos auditores
interessados no próprio inconsciente, na medida em que o imaginário, ou seja, cada
corpo próprio, à sua maneira específica, fornece o material para o alfabeto do discurso
inconsciente:

“É análogo, o ator empresta seus membros, sua presença, não


simplesmente como uma marionete, mas com seu inconsciente real, ou seja, a
relação de seus membros com uma determinada história que é a sua. ...É na
medida da conveniência de alguma coisa que com efeito pode ter a relação a mais
estreita com seu inconsciente, com o que ele tem a nos representar, que ele dá a
isso uma ponta que acrescenta incontestavelmente alguma coisa, mas que está
longe de constituir o essencial daquilo que é comunicado, a representação do
drama” (LACAN 2002/1958-9, p.295, grifos nossos)

Entretanto, sem que o paciente esteja presente, compondo a construção,


sustentar “uma submissão completa, ainda que advertida, às posições propriamente
subjetivas do sujeito” (LACAN,1998, p.540) implica, nesse caso, em nos submetermos
às posições dos clínicos participantes da sessão de construção. Assim, longe de nos
posicionarmos a partir de um lugar de saber, estamos advertidos quanto a distinguir e a
focalizar os impasses que são colocados, e o ponto em que eles encobrem o sujeito.
Com um intervalo suficiente para a reconstrução do texto que relata o caso a
partir dos pontos ainda opacos depois da primeira sessão, uma nova sessão clínica é
estabelecida, repetindo o procedimento da primeira.

Posicionados como aprendizes da experiência dos elementos grupo com o


paciente, solicitamos esclarecimentos que desdobrem a consistência das narrativas que
justificam procedimentos, tentando localizar em reação a quê elas se desencadeiam, de
modo a recrutar o testemunho de cada participante sobre as posições do sujeito, em
situações que eles julgam significativas de seus enigmas. Assim, alguém que estava em
posição de assistente toma a palavra seja para relatar o efeito do sujeito sobre ele ou
para perguntar sobre a lógica que motivou uma ação clínica relatada anteriormente,
reestabelecendo os lugares de público/entrevistador/paciente da presentation de
malades, que, desse modo, circulam entre os presentes. Esse lugar do paciente, a casa
vazia nesse jogo de posições, produz efeitos inusitados: desde uma identificação e
interpretação imaginária de suas razões, até um acontecimento de ordem inusitada que
recupera algo até então desconsiderado por ser aparentemente banal mas que enfim, ao
ser posto em jogo, delimita simbolicamente um ponto de real.

Ao trazer um relato histórico do caso por meio do AT, adiantamos uma aposta
que permite a cada um dos presentes fazer a sua, nessa sincronia de lugares que cada um
pode ocupar: palavra dirigida a um e destinada a outro, objeto em nome do qual se fala
quando se dirige a alguém. Temperando a urgência em problematizar com a lentidão
que a escuta exige para tornar possível um diálogo entre vários, um efeito de pressa
pode emergir da fala de alguém, ou de um assentimento de alguns. Diversas pessoas em
três posições diferentes, alternadas, onde algumas facetas que visam a posição do
paciente se deixam notar, inventando novas possibilidades de localizá-lo. Surpresas da
linguagem podem manifestar a presença de sujeito, onde a urgência em falar gera a
superação da impotência, para delimitar um ponto de impossibilidade, a partir do qual
uma nova direção de tratamento pode ser suposta.

Vale estabelecer a relação entre esse dispositivo e as considerações para com


os meios de encenação que a estrutura do chiste coloca em jogo. Em sua sistematização
sobre as formações do inconsciente, no Seminário V, Lacan (1999/1957-8) se deteve na
consideração freudiana do chiste como processo social:
“um impulso de contar o chiste a alguém está inextricavelmente ligado à
colaboração do chiste.... O processo psíquico da construção de um chiste não
parece terminado enquanto o chiste ocorre a alguém: permanece algo que procura,
pela comunicação da ideia, levar o desconhecido processo de construção do chiste
a uma conclusão.” (FREUD, 1975/1905, p.166-7)

A primeira pessoa do chiste é o sujeito que o produz, e a segunda pessoa é


aquele a quem é absolutamente necessário comunicá-lo. Portanto, não existe chiste
solitário: “A tirada espirituosa é solidária do Outro que está encarregado de autenticá-
la”(LACAN, 1999/1957-8, p.102). Não há prazer na tirada espirituosa sem esse outro,
que também está ali como sujeito. Diferentemente do processo cômico em que uma
pessoa constata na outra algo de cômico, para Freud, “essa segunda pessoa, no caso dos
chistes, não corresponde à pessoa que é objeto, mas à terceira pessoa”(FREUD,
1975/1905, p. 167).

“Convoca frequentemente três pessoas e sua completação requer a


participação de alguém mais no processo mental iniciado. Está portanto preso à
condição da inteligibilidade; pode utilizar apenas a possível distorção no
inconsciente, através da condensação e do deslocamento, até o ponto em que
possa ser reconstruído pela compreensão da terceira pessoa”(FREUD, 1975/1905,
p. 204)
Na transmissão do chiste, o que é comunicado pelo sujeito surpreende, pois
articula-se astuciosamente com a dimensão do pouco-sentido. O sujeito demanda um
sentido mais além, interrogando e intimando o valor verdadeiro posto em jogo pela
tirada: que quer dizer? Só haverá tirada espirituosa bem sucedida além desse ponto, na
medida em que, sendo atingido por ela, do lugar do Outro o outro acusa seu
recebimento e reage a ela, autenticando-a. Daí o sujeito consuma o prazer. Assim, para
Lacan, esses dois sujeitos correlatos, se dirigem e se referem um ao outro por
intermédio da cadeia significante, terceiro termo, terceira pessoa quase anônima, o
Outro, como lugar da verdade. Trata-se da referência da cena psíquica: o tesouro da
linguagem que o Outro detém. As duas pessoas na cena supõem um Outro, ou seja, a
paróquia comum aos eles e, portanto, que conheça a multiplicidade de combinações
significantes empilhadas e comprimidas na linguagem em estado latente. O Outro
constitui-se como um filtro que põe em ordem e cria obstáculos naquilo que pode ser
aceito ou simplesmente ouvido. Entretanto, “o pequeno outro... participa da
possibilidade da tirada espirituosa, mas é no interior da resistência do sujeito... que se
fará ouvir algo que repercute muito mais longe, e que faz com que a tirada espirituosa
vá ressoar no inconsciente”(LACAN, 1999/1957-8,p.125).

Nossa aposta é que a disposição desses três lugares que circulam, podendo ser
ocupados por todos os presentes e é regido pelas regras propostas, agenciarão efeitos,
sem que se saiba, de antemão, o que será recolhido. É nesse jogo de lugares articulados
simultaneamente uns sobre os outros, que aposta-se na produção de um encurralamento
do real. Na composição dessa cena, está suposto que algo inominado, mas esperado,
pode ser suposto: um quarto termo como efeito comum a todos: algo de real do sujeito,
que já causara efeitos até então indizíveis nos partícipes, mas que agora se decanta,
construindo seu objeto ao transmitir a clínica, como diz Porge (2009, p. 235).

A certeza do próprio conhecimento sustenta as narrativas de cada um, na


resposta a uma interrogação, diante de um público que delimita a cena, a cria como
limite não representável que, entretanto, configura a realidade, convocando uma
teatralização do dizer. Encarnando o terceiro que se interpõe na relação entre o narrador
e aquele que o interpela, os auditores reduzem os efeitos imaginários dessa dialogia,
reconhecendo um dizer não antecipável.

Parece-nos esclarecedor, nesse contexto, retomar a função da apresentação


coletiva de um tema embaraçoso em grupo, a partir da abordagem feita por Lacan do
que se coloca em jogo, no Banquete, de Platão (LACAN, 1992/1960-1). Trata-se, nesse
banquete, de uma cerimônia com regras, um tipo de rito, de jogo de sociedade. O
regulamento implica que não se sirvam de bebida ali, e que cada um dê a sua cota, uma
contribuição num discurso pautado sobre o tema em jogo no debate, diante de : “todos
os outros, aqueles que, em seu conjunto, seu corpo, seu concílio, parecem dar o maior
peso possível ao que se pode chamar de o tribunal do Outro...”(LACAN, 1992/1960-1,
p.177). É nesse cenário que tem lugar o inusitado, no caso, a irrupção do alcoolizado
Alcibíades em uma confissão pública de sua relação com Sócrates, que o retorque
esclarecendo que toda a revelação a que Alcibíades acabara de se entregar comportava
um algo de secreto, visava a um outro auditor, ali presente.

A exemplo do simpósio, na construção do caso clínico todos estão em posição


de analisante, que tendo diante de si um fragmento de sua e da de outras modalidades de
articulação ao paciente, pode agir sobre um dos fragmentos, construindo outro
fragmento a partir do material lembrado por si e por outros. Nessa alternância da
recapitulação do agir de cada um sobre o caso, algo pode se decantar para além do dito
e de asserções conscientes diretas. Pormenores e fragmentos indiretos serão recolhidos
e poderão se reordenar permitindo uma constatação do ensinamento do caso. Esta
constatação surgirá por meio da aparição de uma outra lógica que não a de uma suposta
democracia de saberes da equipe, mas da convicção do tratamento que o próprio sujeito
se propicia em seus modos privilegiados de endereçamento. Esta orientação do caso
pela lógica do próprio paciente foi sinalizada por Lacan, a partir das apresentações de
pacientes.

4.2 - O efeito equipe na construção do caso clínico em instituições:

Dar relevo a esse não saber, não é algo qualquer: pelo contrário, é ele que pode ,
como nos diz Zenoni ( 2012), ir ao encontro com o saber que não é de uma aplicação
mecânica, não é baseado na definição das profissões, mas numa elaboração viva.
Somente neste contexto é possível uma equipe concernida. Por isso trabalhamos com a
proposição de que a equipe não existe previamente. A construção do caso clínico pode
produzir pontualmente um efeito-equipe, em que um ou mais profissionais se orientem
pelo concernimento que a clínica do caso produziu neles.

Nossa aposta de trabalho é, portanto, a de que a metodologia da construção do


caso clínico permita fazer uma objeção à perspectiva massificadora ao atravessar o que
convencionalmente é nomeado como “equipes”. Assim, em vez de situarmos a equipe
no agrupamento de diferentes profissionais designados para operarem num mesmo lugar
e com os mesmos casos, introduzimos uma prática cernida por uma opacidade do caso.
Decantada como restos que cortam a suposta sequencia linear na compreensão do caso,
torna-se passível de polimerização ao concernir os praticantes, assim também
comprometidos no que faz caso. Apenas nesse instante, pode-se localizar o que
nomeamos como efeito equipe. A incidência desses restos sobre os profissionais pode
ter a consequência de recrutá-los à urgência de inventar modos de intervenção.

5 – Para concluir

Opondo-se à ideia simplista de que tudo que o analista diz a seu paciente é
tomado como verdadeiro, não importando o assentimento do paciente, Freud introduz a
noção de construção, questionando e legitimando o saber extraído da experiência
analítica. Ao critério de refutabilidade, essencial à legitimidade no campo científico,
Freud escolhe situar a verdade de uma construção no que ela pode produzir como efeito
na fala do paciente, ou seja, no mecanismo propriamente significante em jogo.
(LACAN, 1958).

Considerando que o trabalho do analista se aproxima ao do arqueólogo, já que o


único material que ambos têm em mãos são fragmentos e restos, afirma que as
construções são sempre incompletas. Nessa perspectiva, vale ressaltar o que ele localiza
como “fragmentos de verdade histórica”: algo (traços, fragmentos) que a criança viu e
ouviu quando ainda mal conseguia articular palavra. Portanto, ele ressalta a presença
de inscrições que propriamente resistem a entrar em simbólico.

Desse modo, apesar da composição de elementos da fala do paciente serem


importantes em uma construção, a decantação desse fragmento é fundamental, é ela que
tem efeito de verdade. Entretanto, é seu efeito sobre o paciente que a amplifica. Assim,
o detalhe que o paciente decanta ao desdobrá-la numa lembrança que confina
lateralmente com ela, na sua remissão imediata a restos do que foi visto ou ouvido,
proveniente do Outro, é amplificação que decide sobre a pertinência da construção,
muito além de uma decisão do registro da consciência. A construção nos conduz não
para um sentido possível, mas para um ponto de opacidade no simbólico, cingindo um
buraco no saber. Portanto, o que Freud introduz como construções em análise nos
remete a um real, que não podendo se dá saber totalmente, convoca-nos a uma
construção.

O encontro com a evidência-opacidade dos restos que se decantam a partir da


leitura de Construções em Análise, permitiu elaborar o que se tornou um achado, um
saber que me permite operar nessa prática, qual seja, a equipe não existe previamente a
um caso, ao contrário, é a construção do caso que faz existir uma equipe, ou melhor
dizendo, o que chamamos de efeito-equipe. Ao implicar os profissionais na construção
do caso clínico faz existir uma equipe, fazendo valer que ali há sujeitos concernidos
pelo caso, o que é distinto de uma equipe composta pelos profissionais designados
burocraticamente. Vale ainda lembrar que o efeito-equipe não é o estabelecimento de
uma unidade, de um grupo coeso em torno do caso, nem tão pouco que todos os
profissionais se impliquem. Trata-se de que, ao serem tocados cada um ao seu modo
pelo impasse, um ou mais profissionais, se torne(m) um aprendiz do caso, o que
reorienta suas intervenções que antes eram dirigidas pelos significantes mestres
normatizantes da instituição.
O trabalho de construção pode levar a um ponto de orientação, a um ponto que
faça a equipe tomar uma decisão. Viganó (opus cit.) nomeou esta outra lógica do caso
de autoridade clínica: ao vir a luz produz uma torção subjetiva naqueles que o
acompanham, dando ao caso um lugar inédito. Como testemunhado por Viganó e
salientado pela Clincaps (opus cit.), esse estatuto de uma autoridade clínica na condução
do caso pode ser verificada por meio de mudanças de posicionamento produzidas na
equipe e dos efeitos que essas mudanças geram na evolução clínica do paciente. Nesses
termos, a construção do caso deve restaurar a topologia do furo que o usuário põe em
causa, sendo o preliminar lógico ao ato clínico, preliminar que concerne a todo
movimento que caracteriza o tempo para compreender. A construção atua quando o
jogo que articula paciente e instituição já foi feito e visa a evidenciar o golpe que foi
dado e que fez cair o caso, mostrando um furo no saber instrumental.

Diferindo também da supervisão constituída a partir da suposição do expert, a


construção prescinde do sujeito suposto saber. Trata-se de construir as bases para o ato
clínico: rastrear o trabalho que o usuário realiza com seu sintoma para que uma
intervenção aí incida. Esta poderá – a posteriori – ser localizada e diferenciada. O saber
depreendido é, nesse caso, fruto da construção, é posterior à construção: é saber extraído
do paciente que permite a imposição de uma decisão.

Nessa perspectiva, as reações do paciente ao trabalho terapêutico até então


estabelecido são tomadas como enigma que “faz caso” e exige construção.

Faz caso na medida em que faz cair a certeza de que a aplicação do saber, ou da
soma de saberes legitimados cientificamente, seria suficiente para abarcar a
especificidade daquele sujeito. Faz caso porque interroga e recruta os técnicos a retornar
a ele, a retomá-lo e, assim, a construí-lo. E construí-lo a partir desse furo que ele causou
na rede de saber, rede com a qual se tentava abarcá-lo – mas que foi ele que fisgou a
todos. Sobre esse ponto vale lembrar que o caso não se limita ao paciente. O caso inclui
o paciente e seu tratamento pela equipe.

Esse aspecto nos mostra que é quando a capacidade operatória de um saber se


esgarça que mobiliza aqueles que estão concernidos numa equipe de tratamento
formalizada institucionalmente. O modo de manter essa mobilização é evitando o
esquecimento ou o tamponamento imediato desse furo com algum saber-clichê. Tal
afetamento efetuado pelo vão que separa o saber do fazer, produz geralmente uma
impressão partilhada de impotência, neutralizando a invenção de práticas. Entretanto, o
recrutamento simbólico que a construção do caso implica, pode reduzir tal impotência
imaginária ao que dela resta de impossibilidade real, liberando a invenção de atos
clínicos possíveis.

Por isso, destacamos a importância da sustentação da interrogação viva e a


objetivamos por meio da função de um agente. Essa interrogação será perseguida por
meio de um agente responsável designado a recolher, articular e interrogar junto a cada
profissional do serviço as estratégias até então levadas a cabo e o ponto de fracasso que
elas atingiram.

Vale salientar ainda a importância desse agente estar em posição exterior em


relação à equipe e, ao mesmo tempo, que ele esteja em condições de formalizar as
questões que o caso lhe suscita. Por outro lado, a posição provocante de interrogação e
de problematização deve poder ser sustentada, e por isso, alçamos aquele que seria
considerado desprovido de experiência – o estagiário universitário – como tal agente.
Afinal, é legitimamente que o estagiário questiona, e a partir de uma posição menos
confrontatória à equipe, que assim se obriga a esclarecê-lo quanto às concepções com as
quais trabalha e quanto as decisões sobre as direções dadas ao tratamento. O estagiário
tem outro fórum – a supervisão do professor - para conduzir suas questões e torná-las
formuláveis. Por isso ele está em posição de não saber, mas advertido. Obviamente
esperamos, ao alçar o estagiário a essa importante função, que o discurso universitário
que tradicionalmente sustenta o aluno esteja em condições de ultrapassar a mera
reprodução do saber de um mestre.

Esse material assim construído pelo agente é alvo de dois encontros coletivos da
equipe onde o que faz caso é retomado, numa sessão clínica. Esta sessão clínica está
sustentada em grande parte pelo que Lacan nos ensinou na subversão que instituiu à
apresentação de pacientes (Presentation de malades) e na Conversação Clínica que visa
a construção do caso.

Fazendo do legado de Freud o ensinamento clínico da psicanálise, Lacan


reafirma que clínica psicanalítica não é assegurada e que ela deve consistir em
interrogarmos não somente a psicanálise mas o analistas para que eles prestem conta
do que sua prática tem de arriscada. Por isso, fazemos da construção do caso clínico
uma aposta de que a responsividade de um grupo de profissionais em relação a um
sujeito, pode decantar o ponto desde o qual ele se posiciona singularmente.

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