O Tesouro Oculto - Excelências Da Santa Missa

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SÃO LEONARDO DE PORTO-MAURÍCIO O.F.M.

O TESOURO
OCULTO
EXCELÊNCIAS DA SANTA MISSA

Conforme a edição romana de 1737 dedicada a S.S. o Papa Clemente XII


Índice

Dedicatória
Prefácio

Excelência, necessidade e vantagens do Santo Sacrifício da Missa

Excelência do Santo Sacrifício da Missa


Primeira Excelência
Segunda Excelência
Terceira Excelência

Necessidade do Santo Sacrifício

Vantagens do Santo Sacrifício


Pela Santa Missa adoramos dignamente a Deus
Pela Santa Missa podemos satisfazer a Justiça Divina pelos pecados cometidos
Pela Santa Missa agradecemos dignamente a Deus todos os benefícios
Pela Santa Missa podemos obter todas as graças que necessitamos
A Santa Missa é a chave de ouro do Paraíso
A Santa Missa nos livra duma multidão de males
A Santa Missa é de grande auxílio para as almas do Purgatório

Método curto e devoto, para assistir com fruto à Santa Missa


Vários métodos para assistir à Santa Missa
Método de São Leonardo de Porto-Maurício
Da comunhão espiritual

Exemplos próprios para excitar os fiéis de todos os estados e condições a


assistir todos os dias à Santa Missa
Exemplos para excitar os padres a celebrar todo dia salvo caso de legítimo
impedimento
Exemplos de vários príncipes reis e imperadores
Exemplos para as pessoas de categoria
Exemplo para as mulheres do povo
Exemplos para os negociantes e artífices
Exemplos para os servos e trabalhadores rurais
Exemplo terrível para aqueles que não apreciam o grande tesouro da Santa Missa

Outras considerações sobre a Santa Missa


Dedicatória
Santíssimo Padre,

O mínimo dos Frades Menores, humildemente prostrado aos pés de Va Santidade,


ousa oferecer-vos este livrinho. Vai publicado sob o título de “Tesouro Oculto”, mas
para vossa grande alma, é um tesouro há longo tempo conhecido, pois trata da
excelência e utilidade da Santa Missa, que constitui toda a vossa consolação e é o
esplendor da Igreja de Deus.

A conveniência e a justiça combinadas levam-me a apresentar-vos esta humilde


homenagem.

Nada mais conveniente; pois já que trará do mais augusto de todos os sacrifícios, a
quem poderia ser melhor dedicado este livro do que ao primeiro de todos os Padres?
E onde poderia eu buscar apoio mais precioso, senão no patrocínio do Pastor supremo,
que longe de guardar em si sua grande piedade, deseja tão ardentemente espalhá-la
em proveito dos povos tão necessitados de luz? Igualmente, nada mais justo.
Numerosos e poderosíssimos são os motivos que, de longa data, me impelem a
manifestar em atos, meu vivo reconhecimento a vossa Santidade. Oh! Quantos
benefícios que concedeu vossa clemência durante o pouco tempo que passei na
Cidade Eterna!

Atestam-no a faculdade de pregar missões em Roma, o desenvolvimento do santo


Exercício da Via Sacra, e a elevação da “Adoração Perpétua do Santíssimo
Sacramento”. Em uma palavra, não há favor, que eu vos tenha pedido para o bem
comum de nosso Instituto, que não tenhais benevolamente concedido.

Estes motivos e muitos outros excitam em meu coração sentimentos do mais humilde
respeito, obrigam-me a manifestar o meu devotamento e encorajam-me a mandar
imprimir no frontispício destas páginas o vosso nome augusto, conferindo-lhes assim
uma recomendação que lhe aumentará o valor.

O preito que vos rendo com este livro é, portanto conveniente e justo.

Mas será sempre de vossa parte, santíssimo Padre, pura benevolência se vos
dignardes aceita-la. È o que espero, vendo-vos tão inclinado a promover tudo que de
qualquer modo, possa facilitar o grande negócio da salvação das almas.

Este zelo admirável é que atrai sobre vós a proteção visível do Altíssimo.

É Deus, certamente, que a uma idade tão avançada ajunta santidade tão florescente:
Deus, vosso conselheiro em tão difíceis conjunturas, Deus, vossa Força nas
provações tão grandes da Igreja, Deus mesmo, que será finalmente vossa recompensa
por tão gloriosos empreendimentos, dirigidos todos para o bem do universo católico.

Digne-se vossa Santidade permitir que eu me prostre, com profunda submissão,


beijando vossos pés sagrados, e oferecendo-vos minhas obras, minhas palavras e meu
coração, e que me confesse, de vossa Santidade, o mais humilde, respeitoso e
obediente filho e servo,

Frei Leonardo de Porto-Maurício

Convento de São Boaventura,

Roma, 15 de Outubro de 1737.


Prefácio
Os tesouros, por grandes e preciosos que sejam, não podem ser estimados se não
forem conhecidos. Eis porque, caro leitor, muitos não têm pelo santo Sacrifício da
Missa o amor que deveriam ter, porque este tesouro, a maior maravilha e a maior
riqueza da Igreja de Deus é um Tesouro Oculto um tesouro muito pouco conhecido.
Ah! se todos conhecessem esta preciosidade celeste, tudo sacrificariam para
adquiri-lo. A exemplo do mercador do Evangelho, cada um, de boa vontade, daria
tudo que possuísse para obter tão precioso tesouro. (Mt 13, 46)

Para estabelecer, portanto, àqueles que não estimam suficientemente tão grande
mistério, publicamos este opúsculo.

Talvez a primeira vista, você não dê muito valor a ele, pois tantos outros livros foram
já impressos, que ensinam admiravelmente o método para participar com fruto da
Santa Missa, que outros novos não se podem desejar, como temerário, pois seria
preciso mais talentos, a fim de pôr, em evidência, todo o valor de um Mistério tão
venerável, além da inteligência dos próprios Serafins.

Responder-vos-ei, ingenuamente, que dizeis a verdade. E confesso que nada tenho a


objetar, e mais ainda, que por muito tempo estas duas considerações me detiveram.
Tolhia-me viva repugnância de empreender uma obra que havia de ser julgada pelo
público, como supérflua e além de minhas forças.

Dois motivos, porém, impeliram-me a vencer todas as resistências de meu coração.


Em primeiro lugar um conselho, para mim sagrado como uma ordem, pois que vinha
dum Personagem a quem, por muitos títulos, devo obediência. Em segundo lugar a
esperança de este escrito prestará algum serviço às populações que tenho
evangelizado nas Missões.

Com efeito, um dos maiores benefícios que se obtém das Missões é o incremento do
culto e do amor ao Santíssimo Sacramento. A finalidade delas é excitar em todos os
cristãos um santo fervor que os impila a nutrirem-se mais frequentemente do Pão dos
Anjos, a acompanhar o santo Viático, cada vez que ele é levado aos doentes, a fim de
que se forme um grande cortejo de pessoas e luzes, numa palavra, se lhes prestem as
honras e pompa adequadas. Muito esforço também é feito no sentido de levar, todos
os fiéis católicos, a assistir diariamente à Santa Missa; e não podeis imaginar como é
vantajoso, para atingir um fim tão santo, colocar, entre as mãos dos fiéis, livros
compostos em estilo simples e a seu alcance. Esses livros aplanam toda dificuldade
para excitar a devoção, aclarando a inteligência e aquecendo os corações; e muitas
vezes tira-se deles mais proveito que mesmo das pregações, pois nestas a palavra se
dissipa enquanto que a verdade escrita permanece sempre sob os nossos olhos.
Ainda que este opúsculo, não fizesse bem senão a uma única alma, não se poderia
dizer que ficasse sem fruto.

A fim de colocá-lo ao alcance de todos, ele só conterá três capítulos.

No primeiro encontrar-se-á uma curta introdução sobre a excelência, a necessidade, e


as vantagens da Santa Missa; no segundo vai exposto um método piedoso e prático
para dela participar com fruto; no terceiro, registram-se alguns exemplos próprios
para excitar as pessoas, de boa condição, a assistir à Santa Missa todos os dias.

Em suma, é um Tesouto Oculto que eu vos desvendo, e, se souberdes dele aproveitar,


enriquecereis de todos os bens para a vida e para a morte, para o tempo e para a
eternidade.
São Leonardo de Porto-Maurício
(1676-1751)
Seu nome de batismo era Paulo Jerônimo. Nasceu no ano 1676, em Porto Maurício,
cidade conhecida hoje como Impéria, na Itália. Era filho de um capitão da marinha
chamado Domingos Casanova. Porém, sendo ainda muito pequeno, ficou órfão. Por
isso, foi levado para Roma, a fim de terminar seus estudos no famoso Colégio
Romano. Concluída essa fase, foi para um convento franciscano chamado Retiro de
São Boaventura. Lá, ingressou na Ordem Franciscana. Quando fez os votos, assumiu
o nome de Frei Leonardo.

Ordenado sacerdote, Frei Leonardo exerceu a maior parte de seu ministério na cidade
de Florença, Itália. Era um pregador empolgante, principalmente nas vezes em que
pregava sobre a Paixão de Cristo. Multidões acorriam para vê-lo e ouvi-lo. Percorreu
a Itália inteira como missionário e pregador. Escreveu inúmeras obras de valor
inestimável tanto para pregadores quanto para os fiéis. O Santo Afonso Maria de
Ligório, que viveu na mesma época, afirmava que Frei Leonardo de Porto Maurício
era o maior missionário a pregar naquele século.

Na ilha de Córsega havia uma enorme divisão entre os cidadãos. Era uma situação
grave. Por isso, o Papa foi inspirado a usar os dons de Frei Leonardo para beneficiar
o povo, enviando-o para lá com a difícil missão de promover a paz. E qual não foi a
surpresa geral quando o sábio e humilde frade franciscano conseguiu reestabelecer a
paz e a reconciliação na ilha através de um acordo de paz.

São Leonardo de Porto Maurício é conhecido também como “O Salvador do Coliseu”


e não é à toa. Num tempo em que o antigo edifício estava abandonado, depredado e
suas pedras eram retiradas para serem usadas em outras construções, ele realizou ali,
pela primeira vez, uma Via Sacra. Na celebração ele definiu aquele lugar como
sagrado, santificado, por causa do sangue dos mártires derramado ali. A medida foi
tão impactante que tornou-se tradição. Depois disso, o Coliseu passou a ser
conservado. Tal Tradição permanece até hoje. Em toda Sexta-Feira da Paixão, o Papa
celebra a Via-Sacra no Coliseu de Roma.

São Leonardo foi também um grande devoto de Nossa Senhora. Desejava


ardentemente que a Igreja proclamasse o dogma da Imaculada Conceição de Maria.
Chegou a convencer Papa de então, Bento XIV, sobre a necessidade de convocar um
concílio com o fim de discutir tal tema e, em seguida, proclamar o dogma. Ele não
viveu para ver a proclamação, mas escreveu uma carta profecia na qual previu que o
dogma seria proclamado um dia, como, de fato, o foi, no ano 1854.

Frei Leonardo faleceu no ano 1751, quando estava no Retiro de São Boaventura de
Palatino, em Roma. Sua fama de santidade era tão grande que até mesmo o Papa
Bento XIV ajoelhou-se em frente ao seu corpo. São Leonardo recebeu vários títulos
como o “Santo da Via Sacra”, “Santo da Imaculada Conceição”, “Salvador do
Coliseu” e “Pregador da Paixão de Cristo”. Mais tarde, o Papa Pio XI conferiu a ele o
título de “Padroeiro de todos os sacerdotes que se entregam às missões no mundo.”
São Leonardo de Porto Maurício é ainda festejado como padroeiro da cidade de
Impéria, antiga Porto Maurício.

Oração a São Leonardo de Porto Maurício

“Ó Deus todo-poderoso e cheio de bondade, que fizestes de São Leonardo notável


mensageiro do mistério da cruz, concedei, por sua intercessão, que, reconhecendo na
terra as riquezas da cruz de Cristo, mereçamos alcançar nos céus os frutos da
redenção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Amém. São Leonardo, rogai por nós.”

Fonte de sua história resumida:


https://cruzterrasanta.com.br/historia-de-sao-leonardo-de-porto-maur
icio/408/102/
Excelência, necessidade e vantagens do
Santo Sacrifício da Missa
Grande paciência é necessária para suportar a indiferença, que a maioria dos
batizados na Igreja Católica têm pela Santa Missa: eles rescendem ateísmo e são o
veneno da piedade. Pensam eles: “Uma missa a mais, uma missa a menos, que
importa... Já é bastante ouvir a missa nos dias de festa. A missa de tal padre é uma
missa de semana santa: quando ele surge no altar eu fujo da igreja”.

Esses que assim falam deixam perceber claramente que pouca ou nenhuma estima
têm pelo santíssimo Sacrifício da Missa.

Sabeis que, na realidade, a Santa Missa? É o sol da cristandade, a alma da Fé, o


centro da religião Católica apostólica com a sede em Roma, a que tendem todos os
seus ritos, todas as suas cerimônias, todos os seus sacramentos. É uma palavra, a
essência de tudo o que há de bom e belo na Igreja de Deus.

Por isso caros leitores meditem bem tudo que vou dizer-vos nesta instrução.

Excelência do Santo Sacrifício da Missa


É uma verdade incontestável que todas as religiões, que existiram desde o começo do
Mundo, tiveram sempre algum sacrifício como parte essencial do culto devido a
Deus.

Mas porque essas religiões eram vãs ou imperfeitas, seus sacrifícios, também, eram
vãos ou imperfeitos.

Totalmente vãos eram os sacrifícios do paganismo, e nem acode ao espírito falar


sobre eles.

Quanto ao dos hebreus, eram imperfeitos.

Se bem que professassem, então, a religião verdadeira, seus sacrifícios eram podres e
defeituosos, infirma et egena elementa, como qualifica São Paulo.

Não podiam, assim, apagar os pecados nem conferir graça.

Só o Sacrifício que temos em nossa santa religião, que é a Santa Missa, é um


sacrifício santo, perfeito, e, em todo sentido, completo: por ele, cada fiel honra
dignamente a Deus, reconhecendo, ao mesmo tempo, o próprio nada e o supremo
domínio de Deus. Davi o chama: Sacrifício de Justiça, sacrificium justitiae; tanto
porque contém o Justo dos justos e o Santo dos santos, ou, melhor a própria Justiça e
Santidade, como porque santifica as almas pela infusão das graças e abundância dos
dons que lhes confere.

Primeira Excelência

O Sacrifício da Santa Missa é o mesmo que o Sacrifício da Cruz

A Santa Missa é um sacrifício tão santo, o mais augusto e excelente de todos, e a fim
de formardes uma ideia adequada de tão grande tesouro, algumas de suas excelências
divinas; pois dizê-las todas não é empreendimento a que baste a fraqueza da minha
inteligência.

A principal excelência do santo Sacrifício da Missa consiste em que se deve


considerá-lo como essencialmente o mesmo oferecido no Calvário sobre a Cruz, com
esta única diferença: que o sacrifício da Cruz foi sangrento e só se realizou uma vez e
que nessa única oblação Jesus Cristo satisfez plenamente por todos os pecados do
Mundo; enquanto que o sacrifício do altar é um sacrifício incruento, que se pode
renovar uma infinidade de vezes, e que foi instituído pra nos aplicar especialmente
esta expiação universal que Jesus por nós cumpriu no Calvário.

Assim o Sacrifício Cruento foi o meio de nossa redenção, e o Sacrifício Incruento


nos proporciona as graças da nossa redenção.

Um abre-nos os tesouros dos méritos de Cristo Nosso Senhor, o outro no-los dá para
os utilizarmos.

Notai, portanto que na Missa não se faz apenas uma representação, uma simples
memória da Paixão e Morte do nosso Salvador; mas num sentido realíssimo, o
mesmo que se realizou outrora no Calvário aqui se realiza novamente: tanto que se
pode dizer, a rigor, que em cada Santa Missa nosso Redentor morre por nós
misticamente, sem morre na realidade, estando ao mesmo tempo vivo e como
imolado: Vidi agunum stantem tanquan accisum. (Apoc 5, 6)

No santo dia de Natal, a Igreja nos lembra o nascimento do Salvador, mas não é
verdade que Ele nasça, ainda, nesse dia.

Nos dias da Ascensão e Pentecostes, comemoramos a subida do Senhor Jesus ao Céu


e a vinda do Espírito Santo, sem que, de modo algum nesses dias o Senhor suba ainda
ao Céu, ou o Espírito Santo desça visivelmente à Terra.

A mesma coisa, porém, não se pode dizer do mistério da Santa Missa, pois aí não é
uma simples representação que se faz, mas, sim, o mesmo sacrifício oferecido sobre a
Cruz, com efusão de sangue, e que se renova de modo incruento: é o mesmo corpo, o
mesmo sangue, o mesmo Jesus, que se imola hoje na Santa Missa. Opus trae
Redemptionis exercetur, diz a Santa Igreja.

A obra de nossa Redenção aí se exerce: sim, exercetur, aí se exerce atualmente. Este


santo sacrifício realiza, opera o que foi feito sobre a Cruz. Que obra sublime! Ora,
dizei-me sinceramente se, quando ides à Igreja para assistir a Santa Missa, pensásseis
bem que ides ao Calvário assistir à morte do Redentor, que diria alguém que vos
visse ai chegar numa atitude tão pouco modesta? Se Maria Madalena fosse ao
Calvário e se prostrasse aos pés da Cruz vestida, perfumada e ataviada como em seus
tempos de desordem, quanto não seria censurada! E que se dirá de vós que ides à
Santa Missa como se fôsseis a uma festa mundana?

Que aconteceria, sobretudo se profanásseis este ato tão santo, com gestos, risadas,
cochichos, encontros sacrílegos?

Digo que, em qualquer tempo e lugar, a iniquidade não tem cabimento; mas os
pecados que se cometem na hora da Santa Missa e na proximidade do altar, são
pecados que atraem a maldição, de Deus: Maledictus qui facit opus Domini
fraudulenter (Jer 48,10). Meditai seriamente sobre esse assunto.

Outras maravilhas, porém, vou desvendar-vos de tesouro tão precioso.

Segunda Excelência

O Sacrifício da Santa Missa tem por Sacerdote o próprio Jesus Cristo

Depois de dizer que o Sacrifico da Missa é o mesmo Sacrifício da Cruz, e não uma
cópia, era de imaginar que não se poderia encontrar prerrogativa melhor. O que o
torna, entretanto, mais sublime é o fato de ter como sacerdote o próprio Deus feito
homem.

Três coisas, certamente são para considerar no santo Sacrifício: o Sacerdote que
oferece. A Vítima oferecida e a Majestade divina, a quem se oferece. Ora, três
considerações: o Sacerdote, que oferece, é um Homem-Deus, Jesus Cristo: a vítima é
a vida de um Deus; e não se oferece a outrem senão Deus.

Reanimai, portanto, a vossa fé, e reconhecei no padre que celebra, a pessoa adorável
de Nosso Senhor Jesus Cristo. É Ele o principal oferente, não só porque instituiu este
santo Sacrifício, e lhe dá, por seus méritos, a eficácia, mas porque se digna, em cada
Santa Missa e para nosso benefício mudar o pão e o vinho em seu santíssimo Corpo e
preciosíssimo Sangue.
Eis porque a maior excelência da Santa Missa consiste em ter por Sacerdote um Deus
feito Homem. E quando virdes o celebrante no altar, sabei que sua maior dignidade é
ser o ministro deste Sacerdote invisível e eterno que é nosso Redentor.

Daí vem que o Sacrifício não deixa de ser agradável a Deus, ainda que o padre
celebrante seja um pecador, visto que o principal oferente é Cristo Nosso Senhor, e o
padre seu simples representante.

Do mesmo modo, aquele que dá esmola pela mão dum servidor, é verdadeiramente o
principal autor do benefício, e ainda que o servo fosse um celerado, se o patrão é um
justo, a esmola é santa e é meritória.

Bendito seja Deus que nos deu um Sacerdote infinitamente santo, a própria Santidade,
o qual oferece ao Pai Eterno este divino Sacrifício, não só em todo lugar, pois hoje a
fé está difundida em toda parte, mas também em todo tempo, todos os dias e mesmo a
toda hora, graças a Deus, o sol se levanta para outras regiões, quando pra nós
desaparece. A toda hora, portanto em qualquer parte da Terra, este Santíssimo
Sacerdote oferece seu Corpo, seu Sangue, todo o Ser ao Pai, por nós, e o faz tantas
vezes quantas Missas se celebram em todo o Universo.

Que tesouro imenso! Que mina de inestimáveis riquezas possuímos na Igreja de Deus!
Felizes de nós se pudéssemos assistir devotamente a todas as Santas Missas! Que
capital de méritos amontoaríamos! Que abundância de graças nesta vida, e que grau
de glória na outra nos proporcionará a devota e amorosa assistência a tantas Santas
Missas!

Mas que digo? Assistência? Os que assistem a Missa à Santa Missa não fazem apenas
o ofício de assistentes, mas também o de celebrantes e pode-se chama-los sacerdotes:
Fecisti nos DEO nostro regnun et sacerdotes (Apoc 5,10). O sacerdote que oficia é
como o ministro público da Igreja inteira, é o mediador de todos os fiéis, e
especialmente daqueles que participam da Santa Missa, junto do Sacerdote invisível
que é Jesus. Com Cristo, ele oferece ao Eterno Pai, em seu Nome e em nome de todos,
o resgate precioso da Redenção dos homens. Não está, porém, sozinho nesta santa
função.

Todos os que assistem a Santa Missa, concorrem com ele no oferecimento do


Sacrifício. Assim, voltado para os fiéis, o sacerdote diz: Orate, fratres, ut meum ac
vestrum sacrificium acceptabile fiat:

“Orai, meus irmãos, para que o meu sacrifício, que é também o vosso, seja agradável
a Deus”.

Estas palavras, que o sacerdote profere, é para nos dar a entender que, conquanto
desempenhe ele o papel de ministro principal, todos, que ali assistem, com ele
oferecem a grande Vítima. Quando assistis à Santa Missa, fazeis, portanto, de certo
modo, o ofício de sacerdote.

Que dizeis agora? Ousaríeis ainda assistir à Santa Missa, sentados, tagarelando,
olhando para um e outro lado, e contentando-vos de recitar, bem ou mal, umas preces
vocais, sem levar em conta o ofício de tanta responsabilidade que exerceis, o ofício
de sacerdote?

Ah! não posso evitar de exclamar aqui: Ó mundo insensato, que nada compreende de
tão augustos mistérios.

Como é possível permanecer ao pé dos altares com o espírito distraído e o coração


dissipado, num momento em que os Anjos e os Santos se absorvem em admiração e
temo à vista de tão maravilhosa obra!

Terceira Excelência

A palavra de um homem opera o Sacrifício.

Admirai-vos, talvez, de me ouvir dizer que a Missa é uma obra maravilhosa? E não é,
com efeito, inefável maravilha o que opera a palavra de um humilde sacerdote? Que
língua angélica ou humana poderia explicar poder tão excessivo? Quem, jamais, pode
imaginar que a palavra de um homem, que não tem, naturalmente, a força de levantar
da terra uma palha, receberia da graça o poder surpreendente de fazer descer do Céu
o Filho de Deus?

Aí está um poder maior que o de transportar montanhas, esgotar o mar e abalar os


céus; poder comparável, de certo modo, àquele primeiro Fiat com que Deus fez
surgir do nada todas as coisas, e que pode mesmo parecer sobrepujar, em outro
sentido, aquele Fiat pelo qual a Virgem Santíssima atraiu a seu seio o Verbo Divino.

A Virgem Maria nada mais fez que fornecer a matéria do corpo de Cristo dela
formado, sem dúvida, isto é, de seu puríssimo sangue, mas não por ela nem por sua
operação: enquanto que a voz do sacerdote, sendo instrumento de Cristo no ato da
consagração, O reproduz de um modo novo e admirável, quer dizer,
sacramentalmente e isto tantas vezes quantas consagra.

O bem-aventurado João, o Bom, de Mântua, levou um eremita seu companheiro a


compreender esta verdade. Este não conseguia persuadir de que a palavra de um
padre tivesse o poder de mudar a substância do pão, no Corpo de Jesus Cristo, e a do
vinho em seu Sangue; e, o que é mais deplorável, tinha cedido a essa tentação
diabólica. O servo de Deus percebeu o erro do companheiro, e, conduzindo-o a beira
de uma fonte, aí encheu de água uma taça e deu-lhe de beber.
Depois de sorver toda a água, o outro confessou que jamais, em toda a sua vida,
provara um vinho tão delicioso. Então João, o Bom, disse-lhe: “Não vedes o milagre,
meu querido irmão? Se, por meio de um miserável como eu, a água se mudou em
vinho pela onipotência divina, quanto mais deveis crer, por meio das palavras do
sacerdote, que são palavras de Deus, o pão e o vinho mudam-se no Corpo e Sangue
de Jesus Cristo?

Quem ousaria jamais pôr limites à onipotência de Deus?”

Bastou isso para dissipar o engano do eremita, que, expulsando de seu espírito toda a
dúvida, fez grande penitência por seu pecado.

Um pouco de fé, mas de fé viva, e confessaremos que inúmeras são as prodigiosas


prerrogativas contidas neste admirável Sacrifício.

Aí veremos, com admiração, renovar-se-á a toda hora este prodígio da sagrada


humanidade de Jesus Cristo presente em milhares e milhares de lugares, e gozando,
por assim dizer, de uma sorte de imensidade que não possui nenhum outro corpo, e só
a ela reservada em recompensa do sacrifício de sua vida que Ele fez a Deus
Altíssimo.

Um espírito, falando pela boca de uma pessoa, fez com que um judeu incrédulo
compreendesse esta verdade, por meio de uma comparação material e grosseira. O
homem achava-se numa praça com muitas pessoas, entre as quais a mulher possessa.
Nesse momento passou um padre que levava o Santo Viático a um doente. Todos os
presentes se ajoelharam e prestaram homenagem ao Santíssimo Sacramento. Só o
judeu ficou imóvel e não deu sinal algum de respeito. Vendo isso, a mulher
levantou-se furiosa, arrancou-lhe o chapéu e deu-lhe um vigoroso bofetão,
dizendo-lhe.

“Desgraçado, porque não te prostras diante do verdadeiro Deus presente neste Divino
Sacramento?” – “Que Deus?”, replicou o judeu. “Se fosse verdade, a consequência
seria haver muitos deuses, pois, ao celebrarem a Santa Missa ele estaria em cada um
dos vossos altares”.

A estas palavras, o espírito, que habitava naquela mulher, tomou um crivo e


opondo-se ao sol, disse ao judeu que olhasse os raios filtrando-se pelos buracos. Em
seguida ajuntou: “Dize-me, judeu, há então muitos sóis passando pelas aberturas
deste crivo, ou um só?” E, à resposta do judeu de que não havia senão um sol, a
mulher replicou.

“Por que te espantas, então, de que Deus, feito Homem e feito Sacramento, possa ter,
por um excesso de amor, uma presença real e verdadeira sobre vários altares,
permanecendo, no entanto, uno, indivisível e imutável?” Foi o suficiente para
confundir a incredulidade do judeu, que por esse raciocínio se viu constrangido a
confessar a verdade de nossa Fé.

Ó santa Fé! Apenas um raio de tua luz, e exclamaremos com fervor: Quem ousaria
estabelecer limites à onipotência de Deus?

Nesta grande concepção que tinha do poder de Deus, Santa Teresa dizia, muitas vezes,
que quanto mais sublimes eram os mistérios de nossa fé, e profundos e impenetráveis
à nossa inteligência, com tanto mais força e felicidade neles acreditava, sabendo bem
que Deus todo-poderoso pode fazer prodígios infinitamente maiores.

Reanimai, espontaneamente, vossa fé e confessai que este Divino Sacramento é o


milagre dos milagres, a maravilha das maravilhas, e que sua maior excelência
consiste em ultrapassar nossa pobre inteligência. E tomados de admiração dizei e
repeti muitas vezes: Oh! Que grande tesouro! Que imenso tesouro!

Se, porém, sua excelência prodigiosa não vos comove, que vos toque, ao menos, sua
soberana necessidade.
Necessidade do Santo Sacrifício
Se não houvesse o Sol, que seria da Terra? Oh! Tudo seria trevas, horror, esterilidade
e desolação.

E se o Mundo não tivesse a Santa Missa, que seria de nós? Infelizes! Ficaríamos
privados de todos os bens sobrecarregados de todos os males. Estaríamos expostos a
todos os raios da cólera de Deus.

Alguns há que se admiram, e acham que, de certo modo Deus mudou a sua maneira
de governar. Antigamente Ele se nomeava de Deus dos exércitos, e falava ao povo do
meio das nuvens, manejando o trovão; e de fato, era com todo o rigor da justiça que
castigava os pecados. Por um único adultério, mandou passar a fio de espada vinte e
cinco mil homens da tribo de Benjamim. (Juiz 20,46).

Por um leve pecado de orgulho de Davi em computar o povo, enviou Ele uma peste
tão terrível que, em poucas horas pereceram setenta mil pessoas (II Sam. 24,15) Por
um só olhar curioso e desrespeitoso dos betsamitas, fez que cinquenta mil deles
perecessem. (I Sam. 6, 19).

E agora suporta, com paciência, não só vaidades e irreverências, mas adultérios, os


mais vergonhosos, escândalos gravíssimos, e tantas blasfêmias horríveis que muitos
cristãos vomitam contra Seu Nome Santíssimo.

Porque assim acontece? Por que tão grande mudança de conduta? Serão as
ingratidões dos homens mais escusáveis hoje do que outrora? Bem ao contrário, são
muito mais culpáveis, já que os imensos benefícios de Deus se multiplicam cada dia.

A verdadeira razão desta clemência espantosa é a Santa Missa, pela qual esta grande
Vítima, que se chama Jesus, se oferece ao Eterno Pai. Eis aí o sol da santa Igreja que
dissipa as nuvens e torna sereno o céu.

Eis aí o arco-íris que detém os raios da Divina Justiça. Creio para mim que, não fosse
a Santa Missa, o Mundo estaria já no abismo, incapaz de suportar o imenso fardo de
suas iniquidades.

A Santa Missa é o poderoso sustentáculo que lhe permite subsistir.

Concluí, de tudo isto, quanto este divino Sacrifício é necessário; assim então, sabei
aproveitá-lo o máximo que for possível.

Para isto, quando participamos da Santa Missa, devemos imitar Afonso de


Albuquerque. Achando-se, com sua frota, em perigo de naufragar numa horrível
tempestade, teve uma inspiração: tomou nos braços uma criança que viajava em sua
nau, e, elevando-a ao alto, exclamou: “Se todos somos pecadores, esta criaturinha é
certamente sem mácula, Ah! Senhor por amor deste inocente compadecei-vos dos
culpados!” Acreditareis? A vista dessa criança inocente agradou tanto a Deus, que
Ele acalmou o mar e devolveu a alegria àqueles infelizes, gelados já pelo terror da
morte certa.

Ora, qual pensais seja a atitude do Eterno Pai, quando o sacerdote, levantando a Santa
Hóstia, lhe apresenta o Divino Filho? Ah! seu amor não pode resistir à vista do
inocente Jesus; Ele se sente forçado a acalmar nossas tormentas, e acudir a todas as
nossas necessidades. Sem esta santa vítima, portanto, sem Jesus sacrificado por nós,
primeiro sobre a Cruz, e todos os dias sobre nossos altares, estaríamos perdidos, e
poderia cada um dizer a seu companheiro: “Até à vista no inferno! Sim, sim, no
inferno, no inferno! Até à vista no inferno!”

Mas, com este tesouro da Santa Missa a nosso alcance, nossa esperança renasce; e se
não opusermos obstáculos, teremos assegurado o Paraíso.

Deveríamos, portanto, beijar nossos altares, perfumá-los de incenso, e sobretudo


honrá-los com nosso máximo respeito, pois que deles nos veem tantos bens.

Juntai as mãos e agradecei a Deus Pai que nos deu o mandamento tão doce de
oferecer-Lhe muitas vezes a Vítima celeste. Agradecei-Lhe, sobretudo, pelo imenso
proveito que dela recebeis, se sois fiel não somente em oferecê-la, mas de fazê-lo
para os fins a que nos foi concedido este dom tão precioso.
Vantagens do Santo Sacrifício
A grandeza e a beleza são dois motivos assaz poderosos para tocar os corações; a
utilidade, porém, os persuade e, a despeito de toda repugnância, arrebata quase
sempre à vitória.

Ainda que a excelência e a necessidade da Santa Missa não fossem para vós bastante
ponderáveis, como poderíeis deixar de apreciar a magna utilidade que ela
proporciona aos vivos e falecidos, aos justos e aos pecadores, para a vida e para a
morte, e mesmo para depois da morte? Imaginai que sois aquele devedor do
Evangelho, cuja dívida se elevara à enorme quantia de dez mil talentos. Chamado a
prestar contas humilha-se, implora e pede adiamento para satisfazer completamente o
débito: Patientiam hiabe in me, et omnia rddam tibi.

“Tem paciência comigo, que tudo de pagarei” (Mt 18, 26)

Aí está o que deveis fazer, vós que tendes com a Justiça divina não uma, mas mil
dívidas. Deveis humilhar-vos e suplicar tempo bastante para assistir à Santa Missa; e
ficai certos de que estas Santas Missas saldarão completamente todas as vossas
obrigações.

São Tomás de Aquino, o Doutor angélico, nos ensina quais são as dívidas que temos
com Deus. Ele diz que há especialmente quatro. Todas as quatro ilimitadas.

A primeira é de adorar, louvar e honrar este Deus de majestade infinita e digno de


infinitos louvores e homenagens.

A segunda dar-Lhe satisfação pelos pecados que cometemos.

A terceira, render-Lhe graças pelos benefícios recebidos.

A quarta, implora-Lhe, como fonte de todas as graças.

Ora, como é possível que pobres criaturas como nós, que nada possuímos, nem
mesmo o ar que respiramos, possam jamais satisfazer obrigações tão grandes?
Consolemo-nos, pois aqui está um meio facílimo. Façamos o possível para participar
de muitas Missas e com a máxima devoção; mandemos celebrá-la também o mais que
pudermos: e, se bem que nossas dívidas sejam enormes e inumeráveis, não há dúvida
de que, com o tesouro contido na Santa Missa, poderemos solvê-las inteiramente. E
para melhor compreendermos estas dívidas, explicá-las-ei uma depois da outra, e
grande será vossa consolação ao ver a grande utilidade e inesgotável riqueza que
podeis haurir de mina abundante, para pagar todas.
Pela Santa Missa adoramos dignamente a Deus

Nossa primeira obrigação para com Deus é adorá-Lo e honrá-Lo. É preceito da


própria lei natural que todo inferior deve homenagem a seu superior. E quanto maior
a dignidade deste, tanto maiores devem ser as honras que se lhes prestam. Daí resulta
que, sendo Deus de majestade infinita, homenagens infinitas Lhe devemos.

Infelizes que somos! Onde encontraremos oferenda digna de nosso Criador? Passei
vós em revista todas as criaturas do Universo: coisa alguma encontrareis digna Dele.

Ah! é que uma oferenda digna de Deus não pode ser senão o próprio Deus.
Necessário é que Aquele, que está sentado no trono de Sua Majestade, desça para
oferecer-se como vítima sobre os nossos altares, a fim de que a homenagem
corresponda perfeitamente à Excelência de sua grandeza infinita.

Isto é o que se realiza na Santa Missa, pela qual Deus é adorado na medida que
merece, porque é adorado por Deus mesmo, isto é, por Jesus que, pondo-se sobre o
altar em estado de vítima, adora a Santíssima Trindade por um ato de inefável
dependência e tanto quanto Ela merece. E de tal modo que todas as outras
homenagens que Lhe possam prestar as criaturas, comparadas a essa humilhação de
Jesus, desaparecem como as estrelas em presença do sol.

Conta-se de uma santa alma que, totalmente abrasada de amor a Deus, traduzia em
mil desejos o ardor de sua ternura: “Ah! meu Deus, dizia ela, quisera ter tantos
corações e tantas línguas como há de folhas nas árvores, de átomos no ar e de gotas
d´água, para vos amar e louvar como mereceis. Oh! Se eu tivesse em meu poder todas
se consumissem de amor por vós, contanto que eu vos amasse mais que todas juntas,
mais que todos os Anjos, os Santos e todo o Paraíso!” Certo dia em que tal desejo
repetia com mais fervor do que nunca, ouviu o Senhor responder-lhe: “Consola-te,
minha filha, pois com uma só Missa que participas com devoção, dás-me toda esta
glória que me desejas, e ainda mais infinitamente.”

Admirai-vos talvez esta afirmação? Não tendes motivo, pois visto nosso boníssimo
Jesus ser não somente Homem, mas Deus verdadeiro e Todo-Poderoso, quando Ele
se aniquila sobre o altar, dá com este ato homenagem e adoração infinitas à
Santíssima Trindade.

Deste modo que nós, que concorremos com Ele no oferecimento deste grande
Sacrifício, damos também de nossa parte, a Deus, honra e homenagem infinitas. Oh!
Que coisa sublime! Digamos uma vez ainda, pois importantíssimo é sabê-lo: sim,
assistindo à Santa Missa, prestamos a Deus adoração, honra e homenagem infinitas.

Deixai, aqui, empolgar-vos de admiração, e reconhecei que é absolutamente verdade


dizer que, ao assistirmos com devoção à Santa Missa, damos a Deus mais glória, do
que lhe dão, com suas adorações, todos os Anjos e todos os Santos juntos: pois,
definitivamente, eles são apenas simples criaturas e, portanto, suas homenagens são
limitadas e curtas. Na Santa Missa, porém, Jesus se aniquila e esta humilhação é de
valor e mérito infinitos.

Por conseguinte, a homenagem e a honra que por meio d´Ele prestamos a Deus na
Santa Missa, são homenagem e amor infinitos.

Sendo assim, como quitaremos bem a nossa primeira dívida com Deus, assistindo à
Santa Missa! Ó mundo obcecado, quando abrirás os olhos para compreender verdade
tão importante.

E vós cristãos negligentes, tereis ainda a coragem de dizer: “Uma missa a mais, uma
missa a menos, pouco importa”?

Que triste cegueira!

Pela Santa Missa podemos satisfazer a Justiça Divina pelos pecados


cometidos

A segunda obrigação que temos para com Deus é de satisfazer à sua justiça por tantos
pecados cometidos. Oh! Que dívida imensa esta! Um único pecado mortal pesa tanto
na balança da Justiça Divina que não bastariam, para expiá-lo, todas as boas obras de
todos os mártires e de todos os santos passados, presentes e futuros.

No entanto com o Santo Sacrifício da Missa, se considerarmos o seu valor intrínseco


e seu preço, pode-se satisfazer plenamente por todos os pecados cometidos.

E aqui buscai compreender quanto de reconhecimento deveis a Jesus. Pensai-o bem: é


Ele o ofendido; entretanto, não contente de no Calvário ter satisfeito por nós à Justiça
Divina, deu-nos e continua a dar-nos incessantemente o meio de apaziguá-la no
sacrifício da Santa Missa, pois ai renova a oferenda que, na Cruz, fez a Deus Pai,
pelos pecados do Mundo inteiro. O mesmo sangue que derramou para resgatar o
gênero humano é aplicado e oferecido especialmente na Santa Missa pelos pecados
daquele que a celebra ou manda celebrar, e de todos os que participam deste augusto
Sacrifício. Não que o Sacrifício da Santa Missa apague por si mesmo e
imediatamente nossos pecados, como é o caso do sacramento da Confissão; mas
obtém que eles nos sejam apagados, proporcionando-nos, seja no momento mesmo da
Santa Missa, seja em outra ocasião oportuna, boas inspirações, movimentos salutares
e graças atuais que nos são indispensáveis para nos arrependermos dignamente de
nossas faltas. Só Deus sabe quantas almas escaparam das garras do pecado pelos
socorros extraordinários que lhes provieram deste divino Sacrifício!

Assim conquanto às almas em estado de pecado mortal não lhes aproveite o valor no
que tem de propiciatório, todos os pecadores deviam assistir muitas vezes à Santa
Missa para alcançar mais facilmente a graça da conversão. Quanto às almas vivendo
em paz com Deus, o Sacrifício da Santa Missa lhes dá uma força surpreendente para
se manterem nesse estado e, conforme a opinião comum, são apagados todos os
pecados veniais, caso tenham ao mesmo tempo um arrependimento geral.

É o que ensina claramente Santo Agostinho: “Se alguém assiste devotamente à Santa
Missa, não cairá em pecado mortal e os pecados veniais lhe serão perdoados”.

Narra São Gregório que uma pobre mulher encomendava a celebração de Santas
Missas, todas as segundas-feiras, em ação de graças, para o seu marido, que ela
julgava morto, pois ele caíra nas mãos dos bárbaros. Estava vivo, porém, e durante o
tempo em que se celebravam essas Santas Missas, a cadeias se lhe soltavam dos pés e
das mãos e lhe caíam as algemas, e ele ficava livre e desembaraçado, como, ao
libertar-se da escravidão, pôde contar a sua mulher. Quanto mais devemos crer na
eficácia deste Sacrifício para desatar os laços espirituais, isto é, os pecados veniais,
que de certo modo mantém cativa a alma, impedindo-a de agir com a liberdade e o
fervor que ela teria, não fossem esses entraves.

Ó bem-aventurada Santa Missa, que nos restitui a liberdade de filhos de Deus, e


satisfaz todas as penas devidas por nossos pecados!

Mas então, me direis, basta assistir ou encomendar uma única Santa Missa para pagar
as maiores dívidas com Deus, em vista de tantos pecados cometidos, pois, sendo
infinito o seu valor, com ela daremos a Deus uma satisfação infinita. – Devagar!, eu
vos peço.

Realmente, se bem que o valor do Santo Sacrifício seja infinito, deveis saber
entretanto, que Deus o aceita numa medida limitada e finita, mais ou menos,
conforme a devoção maior ou menor de quem o celebra, manda celebrar, ou a ele
assiste.

Quorum tibi fides cógnita est et nota devotio, diz a Santa Igreja no Cânon da Santa
Missa, e, por esta linguagem, dá-nos a entender o que ensinam expressamente os
Doutores, e é, que a maior ou menor satisfação proporcionada pela Santa Missa,
quanto à pena devida por nossos pecados, depende da disposição de quem a celebra
ou a ela assiste.

Note-se aqui o erro daqueles que preferem as missas mais curtas e menos devotas, ou,
o que é pior, que a elas assistem com pouca ou nenhuma devoção. É verdade que
todas as Missas são iguais do ponto de vista do Sacramento, como ensina São Tomás;
não o são, porém, quanto aos efeitos que delas provêm. Quanto maior a piedade atual
ou habitual do celebrante, maior será o fruto de seu sacrifício. Assim, não fazer
diferença entre um padre mais fervoroso e outro menos, seria o mesmo que, para
pescar, lançar mão indiferentemente de uma rede de malhas pequenas ou grandes.
Diga-se o mesmo dos que assistem à Santa Missa. E ainda que eu vos exorte, o mais
que posso, a assistir muitas vezes à Santa Missa, advirto-vos de procurar, sobretudo
assistir a cinquenta, mais glória dais a Deus com aquela única Missa, e retirais mais
fruto, mesmo desse que chamamos ex opere operato, do que o outro há de tirar de
cinquenta, apesar do número considerável.

“Na satisfação, olha-se mais a piedade do oferente que a quantidade da oblação”. “In
satisfactione magis attenditur affectus offrentis quam quantitas oblationis”, diz São
Tomás.

Pode acontecer, sem dúvida, (como afirma um sério autor) que, com uma única Missa,
assistida com extraordinária devoção, se dê satisfação à Justiça de Deus, por todos os
pecados ainda do maior pecador, conforme se depreende do Santo concílio de Trento,
que diz: “Graças à oferenda deste santo Sacrifício, Deus concede o dom da
verdadeira penitência, e por ela o perdão dos pecados, ainda os mais graves”.

No entanto, visto que conhecermos claramente a disposição interior com que


assistimos à Santa Missa, nem a satisfação correspondente devemos ter o cuidado em
assistir a muitas, o mais que pudermos, e assistir com todo o amor e devoção
possíveis. Felizes de vós se depositardes uma grande confiança em Deus, que tão
admiravelmente exerce Seu Amor neste Divino Sacrifício, e se assistirdes com fé,
fervor e reverência, a todas as Santas Missas que puderdes!

Afirmo-vos que podeis alimentar a doce esperança de alcançar diretamente o Paraíso,


sem passar pelo Purgatório.

À Santa Missa, portanto, à Santa Missa! E que jamais se ouça de vossos lábios esta
palavra escandalosa: “Uma missa a mais, uma missa a menos não tem importância”.

Pela Santa Missa agradecemos dignamente a Deus todos os benefícios

A terceira dívida é a do reconhecimento pelos benefícios de que nos cumulou


carinhosamente nosso Deus. Computai todos os favores que dele tendes recebido, os
bens da natureza e da graça, o corpo, a alma, os sentidos, as faculdades, a saúde, a
vida.

A própria vida, enfim, de seu Filho Jesus, e a morte que por nós sofreu, elevam além
de qualquer medida a divida de gratidão que temos com Deus. Como poderemos
agradecer-Lhe suficientemente?

Se, duma parte, a lei da gratidão é observada mesmo pelos animais selvagens, que às
vezes mudam sua ferocidade em afeição àqueles que lhe fazem bem, quanto mais
deverá ser ela observada entre os homens, dotados de razão e tão prodigiosamente
favorecida pela liberalidade de Deus!
Doutra parte, porém, nossa miséria é tão grande que não temos sequer o meio de
satisfazer pelos menores benefícios recebidos de Deus. Pois o menor de todos,
provindo das mãos de tão grande Rei e acompanhado dum amor infinito, adquire um
preço infinito e nos obriga a um reconhecimento também infinito. Infelizes que
somos! Se não podemos suportar o peso de um só benefício, como poderemos arcar
com o fardo de graças inumeráveis?

Sendo assim, portanto, estaremos destinados à triste contingência de viver e morrer


ingratos para com nosso Benfeitor.

Consolai-vos, pois o meio de dar ações de graças suficientes ao boníssimo Deus nos é
ensinado pelo rei Davi, que, contemplando com espírito profético o divino sacrifício,
confessava que só ele bastava para dar a Deus ações de graças adequadas. Quid
retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? Perguntava. “Que retribuirei ao
Senhor por todos os benefícios que me tem feito?”

E responde: Calicem salutaris, ou, segundo outra versão:

Calicem levabo. “Elevarei ao céu o cálice do Senhor”, isto é, “Oferecer-Lhe-ei um


sacrifício que será infinitamente agradável, e com o qual, somente, satisfarei a minha
dívida por tantos e tão grandes benefícios.”

Acresce que este Sacrifício foi instituído pelo nosso Redentor, principalmente para
este fim, quero dizer, para reconhecer a divina munificência e agradecer-Lhe, e por
isso chama-se Eucaristia por excelência, o que significa “ação de graças”. Ele mesmo
nos deu o exemplo, quando na Última Ceia, antes de pronunciar nessa Missa as
palavras da consagração, elevou os olhos ao céu e deu graças a seu Pai: Elevatis
oculis in caelum, tibi gratias apens fregit.

Ó divina ação de graças, que nos descobre o fim sublime para que foi instituído este
augusto Sacrifício, e nos convida a conformar-nos a nosso Chefe, a fim de que
sempre, ao assistir à Santa Missa, saibamos servir-nos de tão grande tesouro,
oferecendo-o em ação de graças a nosso soberano Benfeitor, e associando-nos ao
Paraíso todo, à Santíssima Virgem, aos Anjos e Santos, que se enchem de alegria ao
ver-nos render a nosso adorável Deus, este tributo de reconhecimento!

A venerável irmã Francisca Farnese vivia em contínuos tormentos de amor, por se


ver inteiramente cumulada de benefícios divinos, sem encontrar o meio de depor tão
pesado fardo, dando ao Senhor um reconhecimento suficiente. Certo dia apareceu-lhe
a Santíssima Virgem e, depondo-lhe nos braços o divino infante, disse-lhe: “Toma-O,
Ele é teu, e saibas dele servir-te, pois com Ele pagarás todas as tuas dívidas.”

Ó bem aventurada Santa Missa, graças à qual o Filho de Deus é depositado, não em
nossos braços, mas em nossas mãos e em nosso coração! Uma criancinha nos é dada,
a fim de que dela nos sirvamos, e não há dúvida de que com ela possamos solver
completamente a dívida de reconhecimento que temos com Deus. Mais ainda: se bem
refletirmos, na Santa Missa damos, de certo modo, a Deus algo mais do que Ele nos
deu: pois Deus Pai nos deu somente uma vez o seu divino Filho, na Encarnação,
enquanto nós lho damos sem cessar neste santo Sacrifício. De modo que parece o
sobrepujamos, por assim dizer, se não no próprio dom, pois maior não pode haver
que o Filho de Deus, mas ao menos em aparência, renovando tantas vezes o mesmo
dom.

Ó grandessíssimo Deus! Ó Deus fonte do Amor! Deus todo Amor!

Quem dera, pudéssemos ter uma infinidade de línguas para agradecer-vos pelo
incalculável tesouro que nos destes, instituindo a Santa Missa!

E vós, que fazeis? Abristes enfim os olhos para reconhecer tão preciosíssimo tesouro?
Se, no passado, ele foi para vós como um Tesouro Oculto, agora que começais a
conhecê-lo, não exclamais transportados de admiração: Oh! Que admirável tesouro!
Que imenso tesouro!

Pela Santa Missa podemos obter todas as graças que necessitamos

Não termina, porém, aí a soberana utilidade da Santa Missa, pois ela nos permite
ainda cumprir a quarta obrigação que temos para com Deus: orar e pedir-lhe novos
favores.

Já sabeis quão grande são vossas misérias, tanto de corpo como de alma, e. pro
consequência, a necessidade que tendes de recorrer a Deus, a fim de que a todo
momento Ele vos assista e vos socorra, pois só Ele é o autor e o princípio de todos os
nossos bens temporais e eternos. Mas, doutra parte, ousaríeis pedir-Lhe novos
benefícios, vendo s suprema ingratidão com que tendes correspondido às suas graças
anteriores? Não vos servistes, talvez, mesmo dessas graças para ofendê-Lo? Todavia,
tende confiança; pois se não mereceis essas graças, Jesus mereceu-as pro vós, e para
este fim. Ele quis ser na Santa Missa uma hóstia pacífica, isto é, um sacrifício
impetratório para obter-nos de Seu Pai tudo aquilo de que temos necessidade. Sim,
sim, na Santa Missa, nosso adorável Jesus, o primeiro e Sumo Pontífice, recomenda a
Seu Pai a nossa causa, intercede por nós constituindo-se nosso amoroso advogado.

Se soubéssemos que a augusta Virgem unia suas preces às nossas, para nos alcançar a
graça que desejamos; que confiança não teríamos, de ser atendidos? Que confiança,
portanto, que segurança não devemos ter, sabendo que na Santa Missa o próprio Jesus
ora por nós, e se faz nosso advogado? Ó bem aventurada Missa, que nos proporciona
todos os bens!

É preciso, porém cavar bem fundo nesta mina para descobrir os grandes tesouros que
ela contém.
Oh! Que riquezas de graças, bênçãos, virtudes e de socorros nos obtém a Santa Missa!
Em primeiro lugar, ela nos alcança todas as graças espirituais e os bens que se
relacionam com a alma, como a contrição por nossos pecados, a vitória sobre as
tentações, sejam vindas de fora, das más companhias e do demônio, sejam produzidas
no interior pelas revoltas da carne.

Obtém os socorros de graça, tão necessários para nos levantarmos depois de uma
queda, para permanecermos de pé e avançarmos nos caminhos de Deus. Por ela nos
veem muitas inspirações boas e santas e movimentos interiores que nos dispõem a
sacudir a tibieza e nos excitam a agir com mais fervor, com uma vontade mais
generosa e uma intenção mais pura e reta; e por isso mesmo, proporciona-nos um
tesouro inestimável, pois todos esses meios são eficacíssimos para alcançar de Deus a
graça da perseverança e penitência final, de que depende a nossa salvação eterna, e
nos dão a certeza moral tanto quanto é possível tê-la aqui na Terra, de chegar à
bem-aventurança eterna.

Além disso, a Santa Missa nos obtém todos os bens temporais, contanto que
concorram à salvação da alma, por exemplo, a saúde, a abundância, a paz, e nos
preserva dos males que se lhe opõem, como seja: epidemias, terremotos, guerras,
fomes, perseguições, processos, inimizades, miséria, calúnias, injustiças, etc.

Em suma, ela nos proporciona todos os bens. E para dizer tudo em só frase:

A Santa Missa é a chave de ouro do Paraíso

E já que, Deus infinitamente Santo, nos deu esta chave, qual de todos os seus bens irá
nos recusar! “Aquele que não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou por nós,
como por meio d´Ele não nos dará tudo de bom! (Rom 8,32)”

Vede, portanto, se não tinha toda a razão aquele bom sacerdote que costumava dizer
que, ao pedir algumas grandes graças para si, ou para outrem, ao celebrar o santo
Sacrifício, parecia-lhe pouco pedir, quando comparava aquilo que de Deus solicitava
com a oferenda que Lhe fazia.

Assim argumentava ele: “Todas as graças que peço a Deus na Santa Missa são bens
criados e finitos, enquanto que os dons que Lhe ofereço são dons incriados e infinitos.
Feitas, portanto, as contas, sou eu o credor e Ele o devedor.” E com este argumento,
pedia e recebia grandes graças.

E vós, por que não despertais, por que não pedis graças importantes? Se quiserdes
confirmação, pedi a Deus em cada Santa Missa, que faça de vós um grande santo.
Achareis, talvez, que é pedir demais! Não, de modo algum. Não é o nosso boníssimo
Mestre Jesus quem promete no Santo Evangelho que, por um copo d´água dada em
Seu nome, terá a sua recompensa?
Quando Lhe oferecemos, portanto todo o Sangue de Seu Divino Filho, ainda que
tivesse uma centena de paraísos, não no-los daria todos?

Como podeis duvidar de que Ele esteja disposto a conceder-vos todas as virtudes,
todas as perfeições necessárias para fazer de vós um grande santo no Céu? Ó
bem-aventurada Missa! Abri vosso coração e pedi grandes graças, pensando que as
pedis a um Deus que não se empobrece, e que quanto mais pedirdes mais vos será
dado.

A Santa Missa nos livra duma multidão de males

Acreditai que, além dos favores que solicitamos na Santa Missa, nosso boníssimo
Deus nos concede muitos outros sem que o peçamos.

É o que ensina claramente São Jerônimo: absque dúbio dat nobis Dominus quod in
Missa petimus; et, quod magis est, saepe dat quaod non petimus.

“Sem dúvida alguma, o Senhor nos dá todas as graças que pedimos na Santa Missa,
contanto que nos sejam de vantagem; mas, o que é mais admirável, muitas vezes nos
dá o que não pedimos.”

Podemos dizer, por isso, que a Santa Missa é o sol do gênero humano espalhando
seus raios sobre os bons e sobre os maus, e alma não há tão pérfida sobre a terra, que
assistindo à Santa Missa, dela não aufira qualquer grande bem, e muitas vezes mesmo
sem nele pensar ou pedi-lo. Santo Antonino conta que um dia dois jovens libertinos
passeavam numa floresta. Um deles havia assistido à Santa Missa e o outro não.
Levantou-se subitamente furiosa tempestade, e no meio dos trovões e relâmpagos
ouviram eles uma voz que clamava: “Mata! Mata!” No mesmo instante o raio
esbraseou o ar e feriu aquele que não assistira à Santa Missa.

O companheiro apavorado, prosseguiu o caminho buscando um refúgio, quando


ouviu novamente a mesma voz, que repetia. “Mata! Mata!” O pobre rapaz nada mais
esperava senão a morte. Uma outra voz, porém, respondeu: “Não posso, pois ele
assistiu à Santa Missa. A Santa Missa a que ele assistiu impede-me de feri-lo.”

Oh! Quantas vezes Deus não vos livrou da morte, ou, pelo menos, de numerosos e
graves perigos, graças às Santas Missas a que tiverdes assistido! Disso nos assegura
São Gregório no quarto de seus Diálogos: Per auditionem Missae homo liberatur a
miltis malis at periculis, diz o santo Doutor. “Sim, é verdade que aquele que assiste
devotamente à Santa Missa será preservado de muitos males e perigos, se bem que
disto não se aperceba.”

Santo Agostinho chega a afirmar a preservação da morte súbita, o golpe mais terrível
com que a Justiça Divina fere os pecadores.
Qui! Missam devote audierit subitânea morte nom peribit. Eis, diz-nos este santo
Bispo, um preservativo admirável para evitar a morte imprevista: assistir todos os
dias à Santa Missa e com toda a devoção possível. Quem se munir de tão eficaz
salvaguarda viverá sem temor dessa terrível desgraça.

Existe certa crença, por alguns atribuída a Santo Agostinho, de que durante o tempo
em que se assiste à Santa Missa não se envelhece, mas a força e o vigor do fiel se
ocupa saber se isto é ou não verdade, mas digo sem receio que, mesmo envelhecendo
em idade, não se envelhece me malícia, pois, na expressão de São Gregório, uma
pessoa que assiste com devoção à Santa Missa conserva sua alma no caminho reto:
Justus audiens Missam in via rectitudinis conservaturt.

Cresce sempre em mérito e em graça, e faz na virtude novos progressos, que o tornam
agradável a seu Deus.

E muito mais, ajunta São Bernardo, se ganha assistindo a uma única Santa Missa (se
considerar seu valor intrínseco), do que distribuindo a fortuna aos pobres e
peregrinando a todos os santuários mais famosos da Terra. Audiesn devote Missam
aut celebrans multo magis meretur, quam si substantiam suam pauperibus, erogaret,
et totam terram peregrinando transiret. Ó tesouro incalculável da Santa Missa!
Compreendei bem esta verdade: podemos merecer mais assistindo ou celebrando uma
só Santa Missa, se a considerarmos em si mesma e em todo o seu valor intrínseco, do
que se distribuíssemos nossa fortuna aos pobres, e em seguida partíssemos a percorrer
o Mundo como peregrinos, visitando com a maior das devoções os santuários de
Jerusalém, Roma, Compostela, Loreto, etc; São Tomás de Aquino, nos garante que na
Santa Missa está encerrado todos os frutos, todas as graças e todos os imensos
tesouros tão abundantemente espalhados pelo Filho de Deus sobre a Igreja, sua
Esposa, no Sacrifício cruento da Cruz. In qualibet Missa inventur omnis fructus et
utilitas quam CHRISTUS in die parasceve operatus est in Cruce.

Detende-vos aqui, um instante: fechai o livro, interrompei a leitura, e reuni todas


estas vantagens, tão abundantes, que proporciona a Santa Missa. Ponderai-as bem em
silêncio e, depois, dizei-me se tendes ainda dificuldade de crer que uma única Missa,
considerada em si, e em relação a seu preço e valor intrínseco, tenha uma eficácia tão
grande que baste, como ensinam os diversos doutores, para alcançar a salvação de
todo o gênero humano.

Suponde que Nosso Senhor Jesus Cristo não tivesse sido crucificado no Calvário e
que, em lugar do Sacrifício cruento da Cruz, houvesse instituído somente a Santa
Missa, com a ordem formal de não se celebrar senão uma sobre a Terra. Pois bem,
admitindo esta suposição, sabei que essa única Missa, celebrada pelo sacerdote mais
humilde do Mundo, teria sido mais que suficiente, considerado o seu valor intrínseco,
para obter de Deus a salvação de todos os homens.
Sim, uma única Missa bastaria, no sentido que acabamos de explicar, para obter a
conversão de todos os hereges e cismáticos, de todos os infiéis e de todos os maus
cristãos; para fechar a porta do Inferno a todos os pecadores, e para esvaziar o
Purgatório de todas as almas que lá se purificam. E nós, miseráveis, com nossa
tibieza, nossa falta de devoção, e as escandalosas distrações com que assistimos à
Santa Missa, quantas barreiras lhe opomos à ação e restringimos a eficácia de seu
poder!

Quisera subir ao cume das mais altas montanhas e de lá bradar com voz retumbante:
Povo insensato, povo transviado, que fazeis? Por que não acorreis às Igrejas para aí
assistir a todas as Santas Missas que puderdes? Por que não imitais os santos Anjos,
que, no dizer de São Crisóstomo, descem do Céu em legiões, quando se celebra a
Santa Missa, e se mantêm diante de nossos altares, velando-se com as asas em sinal
de profundo respeito? Esperam o momento bendito da Santa Missa a fim de, com
mais sucesso, intercederem por nós, pois sabem muito bem que é essa a ocasião mais
propícia para nos alcançarem as graças celestes.

E vós! que confusão para vós terdes até agora pouco apreciado a Santa Missa; e mais,
de ter tantas vezes profanado uma ação tão santa, sobretudo se for do número
daqueles que se atrevem a dizer temerariamente: “Uma missa a mais, uma missa a
menos, isto é ninharia!.”

A Santa Missa é de grande auxílio para as almas do Purgatório

Para concluir esta instrução, refleti que não foi premeditado desígnio que disse
anteriormente que uma única Santa Missa, tomada em si e em relação ao seu valor
intrínseco, basta para esvaziar inteiramente o Purgatório e abrir a todas as almas, que
lá se acham, as portas do Paraíso. Com efeito, este Divino Sacrifício vai em auxílio
das lamas dos falecidos, não só satisfazendo por suas dívidas como propiciatório, mas
ainda obtendo-lhes a libertação, como impetratório. Isto decorrente claramente da
conduta da Igreja, que não somente oferece a Santa Missa pelas almas sofredoras,
como também insere orações para libertá-las.

Ora, a fim de excitar vossa compaixão por essas santas almas, sabei que o fogo em
que estão mergulhados é tão devorador quanto o do próprio Inferno. Tal é a opinião
de São Gregório. Instrumento da Justiça Divina, ele age sobre as almas com tão
grande ardor, que lhes causa dores intoleráveis e superiores a todos os suplícios que
jamais se pode ver, experimentar ou sequer imaginar aqui na Terra. Muito mais,
porém, sofrem elas pela pena de dano, e é, a privação da bem-aventurada visão de
Deus. Elas experimentam, diz São Tomás, uma insuportável angústia, causada pelo
desejo que têm de ver o Soberano Bem, desejo que não pode ser satisfeito.

Pois bem, consulta-vos intimamente e respondei à pergunta: Se vísseis vosso pai e


vossa mãe a ponto de afogar-se num lago e que para salvá-los vos bastasse estender a
mão, não seríeis levados, pela caridade e pela Justiça, a socorrê-los!?
E então! vedes com os olhos da Fé tantas pobres almas de vossos parentes próximos,
queimando vivas num lago de fogo, e não quereis impor-vos um pequeno incômodo
para assistir devotamente à uma Santa Missa em seu sufrágio. De que é feito o vosso
coração? Pois quem pode duvidar que a Santa Missa leve um grande auxílio a essas
pobres almas? Quanto a isto, ouvi São Jerônimo. Ele vos dirá claramente que, ao
celebrar-se a Santa Missa por uma alma do Purgatório, o fogo tão devorante que
ordinariamente a consome, suspende sua ação e ela não sofre pena alguma enquanto
dura o Sacrifício. Animae quae sunt in Purgatorio pro quibus solet sacerdos in Missa
orare, ínterim nullum tormentum sentiunt dum Missa celebratur.

Além disso, afirma que, a cada Santa Missa, muitas almas ficam livres do Purgatório
e voam para o Paraíso? Missa celebrata, plures animae exeunt de Purgatório.

Acresce que esta caridade, exercida em favor das pobres almas, redundará
inteiramente em vosso proveito. Infinidade de exemplos poderia eu apresentar-vos
em apoio desta afirmação. Contentar-me-ei com um fato perfeitamente autêntico,
acontecido com São Pedro Damião. Criança ainda, ele perdeu o pai e foi recolhido na
casa de um dos irmãos, que o tratava com muita desumanidade a ponto de deixá-lo
andar descalço, em andrajos e lhe faltando tudo. Sucedeu que um dia o menino achou,
na rua, uma moeda qualquer. Imaginai a sua alegria e como lhe pareceu ter achado
um tesouro. Mas em que empregá-lo! A pobreza sugeria-lhe mil projetos. Por fim,
depois de refletir longamente, decidiu dar o dinheiro a um sacerdote para que
celebrasse uma Santa Missa pelas santas almas do Purgatório. Podeis acreditar: desde
então a fortuna mudou para ele. Recolheu-o outro dos irmãos, mais compassivo, que
o amou como um filho deu-lhe roupas convenientes, enviou-o à escola, contribuindo
assim para que ele se tornasse esse grande homem e grande Santo, ornamento
púrpuro e forte sustentáculo da Igreja. Vede como uma única Santa Missa,
encomendada com ligeiro sacrifício, se tornou para ele a origem de tão grande bem.

Ó bem-aventurada Santa Missa! Que ajuda ao mesmo tempo os mortos e os vivos,


que alcança graças para o tempo presente e para a eternidade. Essas santas almas são
tão gratas a seus benfeitores, que chegando ao Céu, elas se constituem seus
advogados e jamais os abandonam até que os vejam de posse da glória.

Foi o que verificou uma mulher de má vida em Roma. Inteiramente esquecida de sua
salvação, não pensava senão em satisfazer suas paixões, e servia de agente de Satanás
para corromper a mocidade.

Já não fazia nenhuma boa ação, a não se encomendar quase todos os dias uma Santa
Missa pelas almas do Purgatório.

Oh! Essas almas, como se pode crer piedosamente, oraram tão bem por sua benfeitora,
que um belo dia, tomada de profunda contrição de suas faltas, ela abandonou sua casa
infame, foi prostrar-se aos pés de um zeloso confessor, fez sua confissão geral e
pouco tempo depois morreu em consoladoras disposições que todos ficaram
persuadidos de sua salvação eterna. Esta graça tão admirável foi atribuída à eficácia
das Santas Missas que ela encomendava pelas lamas do Purgatório.

Despertemos também nós, e não deixemos que os publicanos e as mulheres da má


vida nos precedam no Reino de Deus (Mt 21,31)

-Se fôsseis dessa raça de ingratos que não só faltam à caridade, que se esquecem de
rezar por seus falecidos, e não participam nunca de uma Santa Missa por esses pobres
afligidos, mas ainda, violando toda justiça, recusam aplicar os legados piedosos de
Missas, indicados no testamento de seus parentes.

-Oh! Então eu me inflamaria a vos diria em face: “Retira-vos, sois piores que um
demônio, pois, realmente, os demônios só torturam as almas dos réprobos, mas vós,
vós atormentais as almas dos eleitos; os demônios exercem sua raiva sobre os
condenados, mas vós sois cruéis com os predestinados, os amigos de Deus. Não, não
há para vós, nem confissão que valha, nem padre que vos possa absolver se não
fizerdes penitência de tão grande pecado e não solverdes inteiramente as dívidas que
tendes com os mortos.”

-Mas, direis, não tenho meios de encomendar essas missas, não é possível.

- Não tendes meios? Não é possível? E para manter essa casa confortável, para andar
suntuosamente vestido, para gastar loucamente em festins, em recepções de prazer, e,
às vezes, em, divertimentos criminosos, tendes meios.

Depois quando se trata de pagar vossas dívidas, aos pobres defuntos; não possuís
nada! Não é possível?! Ah! compreendo: não há ninguém na Terra para cobrar essas
contas. Mas tereis que prestá-las a Deus. Continuai, portanto, a comer os bens dos
mortos, os legados piedosos, os sacrifícios, mas sabei que é para vós que está escrito
nos Profetas uma ameaça de desgraças, de calamidades, de tribulações, de ruína
irreparável para vossos bens, vossa honra e vossa vida. Eis a palavra de Deus que não
poderá ficar sem efeito: Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis
ruína – “Comeram os sacrifícios dos mortos e multiplicou-se neles a ruína” (Sl 102,
28-29). Sim, ruínas, infortúnios, perdas irreparáveis às casas que não se desobrigaram
de seus deveres para com os mortos.

Vede quantas famílias extintas, quantas casas arruinadas, lojas fechadas, comércio em
apuros, falências, quantos males, quantos lamentos! Mas qual é a causa? Um exame
atento revelaria que uma das causas principais é a crueldade para com os pobres
mortos, recusando-lhes os sufrágios devidos, negligenciando o cumprimento dos
legados piedosos. Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis ruín.

Entretanto, não consiste ainda nisto todo o castigo de Deus àqueles sem amor a seus
falecidos: outro maior lhes está reservado na outra vida. São Tiago assegura que eles
serão julgados por Deus com todo o rigor da justiça, sem misericórdia, pois que eles
mesmos foram impiedosos com os pobres mortos. Judicium sine misericordia illi qui
non fecit misericordiam. (Tg 2, 13). Permitirá Deus que seus herdeiros lhes paguem
na mesma moeda, e é, que suas últimas disposições não sejam cumpridas, as Missas
deixadas em testamento não sejam realizadas: e, se forem celebradas, Deus não as
aplicará a eles, mas a outras almas que nesta vida tiveram compaixão dos mortos.

Isto nos ensinam, outrossim, nossas crônicas, a respeito de um irmão que, após a
morte, apareceu a um de seus companheiros, revelando-lhe que no Purgatório sofria
dores extremas, especialmente por ter sido muito negligente em rezar por seus irmãos
falecidos. Até aquele momento ele não recebera nenhum alívio dos sufrágios e
Missas oferecidos em seu favor. Como punição por sua negligência, Deus os aplicava
a outras almas que em vida tinham sido devotas das almas sofredoras.

Ante de terminar esta instrução, permiti-me caro leitor, suplicar-vos de joelhos e


mãos postas de não fechar este livro sem tomar a firme resolução de fazer, no futuro,
todo o esforço para assistir ou encomendar todas as Santas Missas que vossas
ocupações e vossa condição vos permitirem, não só pelas almas dos falecidos, mas
também pela vossa, e isto por dois motivos. Em primeiro lugar, para alcançardes uma
boa e santa morte, pois é opinião constante dos teólogos que não há meio mais eficaz
para se chegar a um bom fim, do que a Santa Missa. Ainda mais, Nosso Senhor Jesus
Cristo revelou a Santa Mectilde que aquele que, durante a vida, tiver tido o hábito de
assistir devotamente à Santa Missa, será consolado na morte pela presença dos Anjos
e dos Santos protetores, que o defenderão poderosamente contra todos os ataques dos
demônios. Ah! De que bela morte será coroada a vossa vida, se a tiverdes empregado
em assistir a todas as Santas Missas que puderdes.

Em segundo lugar, par sair prontamente do Purgatório e voar à glória eterna. Já


provamos suficientemente a eficácia da Santa Missa para apressar a remissão das
penas do Purgatório. Contentai-vos aqui com o exemplo e autoridade do grande servo
de Deus, João d´Ávila, oráculo da Espanha. Encontra-se em artigo de morte e alguém
lhe perguntou o que mais queria depois da morte, e ele respondeu: Missas, Missas,
Missas!

Mas se me permite, eu quisera dar-vos, sobre este ponto, um conselho de grande


importância: cuidai de mandar celebrar durante vossa vida todas as Santas Missas que
desejaríeis que fossem celebradas depois de vossa morte, e não encarregueis disto os
que ficarem no mundo depois de vós.

Tanto mais que Santo Anselmo vos ensina que uma única Santa Missa assistida ou
celebrada por vossa intenção durante vossa vida, vos será talvez mais útil que mil
depois de morrerdes. Audire devote unicam Missam in vita vel dare eleemosynam pro
ea, pordest magis quam relinquere ad celebrandum mille post obitum.
Bem compreendera esta verdade aquele rico mercador de Gênova que ao morrer, não
deixou nenhuma disposição para assegura-se sufrágios.

Todos se admiravam de que um homem tão rico, tão piedoso e generoso para com
todo mundo, tivesse sido tão cruel consigo. Mas, terminados os funerais,
encontraram-se lançadas, em um de seus livros de contas, as grandes caridades que
fizera por sua alma durante a vida.

“Missas celebradas por minha alma, dois mil escudos; para o casamento das jovens,
dez mil; para tal santuário, duzentos, etc.”

E no fim lá estava escrito: “Porque quem deseja o próprio bem, faça-o a si durante a
vida, e não conte com os outros para que lho façam depois de morto.”

É provérbio bastante conhecido que uma vela à frente clareia mais que uma tocha
atrás.

Aproveitai tão belo exemplo e pesai bem a utilidade e as vantagens da Santa Missa.
Deplorai a cegueira em que tendes vivido até agora, desestimando o valor de tão
grande tesouro, que por longo tempo tem sido para vós um tesouro oculto.

Agora, portanto, que lhe conheceis o preço, bani de vosso espírito e mais ainda de
vossos lábios estas expressões escandalosas: “Uma missa a mais, uma missa a menos,
pouco importa. Já basta assistir à Santa Missa nos dias de preceito! A Missa daquele
padre é uma Missa de semana santa: quando ele sobe ao altar, eu fujo da Igreja.” E
tomai novamente a resolução de assistir, de hoje em diante, a todas as Santas Missas
que puderes, e assistir com a devida devoção: e, para que assim seja, servi-vos, com a
graça de Deus do método piedoso e fácil que segue.
Método curto e devoto, para assistir com
fruto à Santa Missa
Era opinião de São João Crisóstomo, opinião aprovada e confirmada por Gregório, no
quarto de seus Diálogos, que, no momento em que o padre celebra a Missa, os céus se
abrem, e multidões de Anjos descem do Paraíso para assistir ao santo Sacrifício. São
Nilo abade, discípulo do mesmo São Crisóstomo, afirma que via, quando este santo
doutor celebrava, uma grande multidão daqueles espíritos celestes assistindo os
ministros sagrados em suas augustas funções.

Eis o meio mais adequado para assistir com fruto à Santa Missa: consiste em irdes à
Igreja como se fôsseis ao Calvário, e de vos comportardes, diante do altar, como o
faríeis diante do trono de Deus, em companhia dos Santos Anjos. Vede, por
conseguinte, que modéstia, que respeito, que recolhimento são necessários para
receber o fruto e as graças que Deus costuma conceder àqueles que honram, com sua
piedosa atitude, mistérios tão santos.

Entre os hebreus, enquanto se celebravam os sacrifícios da antiga Lei, nos quais se


ofereciam apenas touros, cordeiros e outros animais, era coisa digna de admiração ver
com quanto recolhimento, modéstia e silêncio o povo todo acompanhava. E, se bem
que o número de assistentes fosse incalculável, além dos setecentos ministros que
sacrificavam, parecia, no entanto, que o templo estava vazio, pois não se ouvia o
menor ruído, nem um sopro. Ora, se havia tanto respeito e veneração por esses
sacrifícios que afinal, não eram mais que uma sombra e figura do nosso, que silêncio,
que atenção, que devoção não merece a Santa Missa, na qual o próprio Cordeiro
Imaculado, o Verbo de Deus, se imola por nós?!

Bem o compreendia Santo Ambrósio. No testemunho de Cesário, quando ele


celebrava a Santa Missa, após o Evangelho virava-se para o povo e o exortava a um
piedoso recolhimento e impunha a todos guardar o mais rigoroso silêncio, não só
proibindo a menor palavra, mas ainda abstendo-se de tossir ou fazer qualquer ruído. E
era obedecido. Quem quer que assistisse à Santa Missa do santo Bispo, sentia-se
tomado de profundo respeito e comovido até ao fundo da alma, tirando assim grande
proveito e acréscimo de graças.

Vários métodos para assistir à Santa Missa

O desígnio exclusivo do presente opúsculo é levar aqueles que o quiserem ler, a


adotar com fervo um método de assistir à Santa Missa, conforme vou expor.

Como, porém, muitas maneiras de assistir à Missa, todas louváveis e santas, têm sido
ensinadas até hoje, não tenho a intenção de impor-vos a minha.
Deixo-vos, portanto, a liberdade de escolher aquele modo que mais vos agradar e vos
parecer mais conforme a vossa devoção e capacidade, e farei junto de vós apenas o
ofício de Anjo da guarda, propondo-vos o método mais frutuoso, quero dizer, o que, a
meu humilde julgamento, poderá ser para vós mais vantajoso e fácil. Neste fim,
distinguimos três classes de métodos.

O primeiro é o das pessoas que, de livro à mão, seguem atentamente todas as ações
do sacerdote, a cada um recitam outra prece vocal que leem no livro, e assim passam
todo o tempo da Missa a ler. Não há dúvida que, se a essa leitura se junta a meditação
dos grandes mistérios, é uma excelente maneira de assistir ao santo Sacrifício; e
produz também grandes frutos.

Visto, porém, exigir atenção excessiva, pois é necessário seguir todas as cerimônias
que o sacerdote efetua, e em seguida dirigir os olhos ao livro para aí ler a oração
correspondente, torna-se uma prática algo fatigante, na qual poucas pessoas, creio,
hão de persistir, dada a fraqueza do nosso espírito que se enfada facilmente de refletir
sobre tantas ações diversas que o sacerdote executa no altar. Enfim, aquele que se
acha bem assim e tira proveito espiritual, continue a seguir este sistema; pois à prática
tão laboriosa não faltará uma recompensa da parte de Deus.

A segunda maneira de assistir à Santa Missa é a das pessoas que não se servem de
livros e não leem absolutamente nada durante todo o tempo do santo Sacrifício, mas
que, com viva fé, fixam os olhos da alma em Jesus crucificado, e, apoiados na árvore
da Cruz, dela recolhem os frutos por meio de doce contemplação. Passam todo esse
tempo em piedoso recolhimento interior e na consideração dos sagrados mistérios da
Paixão de Jesus Cristo, que são não somente representados, mas misticamente
reproduzidos na Santa Missa.

É certo que estas pessoas, mantendo suas almas assim recolhidas em Deus, exercem
atos heroicos de Fé, de Esperança e de Caridade e de outras virtudes, e não há duvida
que esta maneira de assistir à Santa Missa é muito mais perfeita que a primeira, e
também mais doce e mais suave, como o atesta a experiência de um bom irmão
converso.

Costuma ele dizer que, ao assistir à Santa Missa, não lia mais que três letras: a
primeira, negra, era a consideração de seus pecados que lhe produziam confusão e
arrependimento, e ocupava-o desde o começo até ao ofertório. A segunda era
vermelha: a meditação da Paixão de Cristo, na qual considerava o preciosíssimo
Sangue que Jesus derramou por nós no Calvário, sofrendo morte tão cruel; nisto se
entretinha até à Comunhão.

A terceira letra era branca pois quando o sacerdote comungava, ele se unia a Jesus
pela comunhão espiritual, ficando, em seguida, todo absorto em Deus, contemplando
a glória eterna que esperava como fruto do divino Sacrifício. Esse homem simples
assistia à Santa Missa com grande perfeição e quisera eu que todos aprendessem dele
tão alta sabedoria.

Método de São Leonardo de Porto-Maurício

O terceiro método para assistir com fruto à Santa Missa, é como que a média dos dois
precedentes. Não exige a leitura de inúmeras preces vocais do primeiro, nem obriga a
um espírito de contemplação tão elevado como o segundo. Bem compreendido,
porém, é o mais conforme ao espírito da santa Igreja, que almeja ver-vos unidos aos
sentimentos do sacerdote que celebra.

Ora, o sacerdote deve oferecer o sacrifício pelos quatro fins explicados na instrução
precedente, pois que a Missa, no dizer de São Tomás, é o meio mais eficaz de
cumprir os quatro grandes deveres que temos para com Deus. Por conseguinte, já que
exerceis de certo modo o ofício do sacerdote, ao assistir à Missa, deveis aplicar-vos
quanto possível à consideração dos ditos quatro fins, que atingis muito facilmente se,
durante a Missa fizerdes as quatro ofertas indicadas a seguir. Tomai convosco,
durante algum tempo, este livrinho, até que tenhais aprendido bem estes atos, ou ao
menos até lhes terdes penetrado bastante o sentido, pois não tenho em mira que
estejais ligados demais às palavras.

Logo que a Santa Missa começa, enquanto o sacerdote se humilha ao pé do altar,


dizendo o Confiteor, fazei também um pequeno exame, excitai em vosso coração um
ato de contrição sincera, pedindo a Deus perdão de vossos pecados.

Implorai, ao mesmo tempo, o auxílio do Espírito Santo e da Santíssima Virgem Maria,


a fim de assistir à Santa Missa com todo o respeito e devoção possíveis. Em seguida,
dividi em quatro partes o tempo da Missa, para, nessas quatro partes, vos
desobrigardes dos quatro grandes deveres, e isso do modo que segue:

Na primeira parte, que irá desde o começo até ao Evangelho, cumpris o primeiro
dever de honrar e louvar a majestade de Deus, digno de receber honras e louvores
infinitos. Para isso humilhai-vos com Jesus, abaixando-vos na consideração do vosso
nada, e confessai sinceramente que nada sois absolutamente diante da imensa
Majestade divina. Dize-lho, humilhando-vos não só em vosso coração, como também
exteriormente, pois importa assistir à Santa Missa com uma atitude recolhida e
modesta:

“Ó meu Deus, adoro-vos e reconheço-vos como meu Senhor e o Mestre de minha


alma. Tudo que sou, tudo que tenho reconheço dever a vós. E, como vossa soberana
Majestade merece homenagem e adoração infinitas, e eu sou a mais pobre das
criaturas, absolutamente incapaz de pagar-vos esta grande dívida, ofereço-vos os
méritos das humilhações e homenagens que Jesus vos tributa sobre o altar. O que
Ele faz, eu tenho a mesma intenção de fazer. Humilho-me e prostro-me com Ele
diante de vossa Majestade, e vos adoro pelas próprias humilhações que Jesus vos
oferece. Regozijo-me e felicito-me de vosso Filho bem amado Vos preste por mim
uma homenagem e uma honra infinitas.” Amém.

Fechai agora o livro; continuai a fazer muitos atos interiores, comprazendo-vos de


que Deus seja infinitamente honrado, e repeti muitas vezes:

“Sim, meu Deus, regozijo-me da honra infinita que resulta deste Santo Sacrifício,
para Vossa Majestade; felicito-me e regozijo-me quanto posso.”

Não vos preocupeis em observar à risca as palavras que vos indico, mas usai aquelas
que vos inspirar vossa piedade, mantendo-vos recolhido e unido a Deus. Deste modo
tereis saldado bem a primeira dívida.

Durante a segunda parte da Santa Missa, do Evangelho à elevação, desobrigar-vos-eis


do segundo dever. Lançando um rápido olhar aos vossos pecados, e vendo a dívida
imensa que por eles contraístes com a Justiça Divina, dizei, com o coração
humilhado:

Eis aqui, ó meu Deus, este traidor que tantas vezes se revoltou contra vós. Infeliz que
sou! Cheio de dor, detesto, odeio, com a mais viva contrição, meus enormes pecados,
e ofereço-vos em reparação a própria satisfação que Jesus vos dá sobre o altar.

Ofereço-vos o Cristo total, com seu preciosíssimo Sangue, e todos os Seus méritos,
Deus e Homem, que na qualidade de vítima, de novo se sacrifica por mim. Pois que o
Senhor Jesus se faz, sobre este altar, meu mediador, meu advogado, e por seu
Sangue implora o perdão para mim, eu me uno à voz deste Senhor tão amante, e vos
peço misericórdia por tantos pecados tão graves, que tenho cometido. Misericórdia!
Clama-vos o Sangue de Jesus. Misericórdia! Clama-vos meu coração desolado.

Ah! Meu adorável Senhor, se minhas lágrimas não vos comovem, deixai-vos tocar
pelos gemidos de Jesus. Por que não obteria Ele para mim, sobre este altar, o perdão
que, na Cruz, mereceu para todo o gênero humano? Em virtude deste preciosíssimo
Sangue, espero que me perdoeis, também todos os meus pecados, os quais não
cessarei de chorar até meu último suspiro. Amém.

Fechai o livro e repeti muitos destes atos de profunda e sincera contrição. Daí livre
curso a vossos sentimentos e, com confusão de palavras, mas do fundo do coração
dizei a Jesus:

Jesus adorável, dai-me as lágrimas de São Pedro, a contrição de Madalena, e a dor


daqueles santos que, depois de terem sido grandes pecadores, se tornaram
verdadeiros penitentes, a fim de que, por esta Santa Missa, eu obtenha o mais
completo perdão de meus pecados. Amém.
Fazei muitos destes atos, todo recolhido em Deus, e ficai certo de que assim pagareis
completamente todas as dívidas que, por vossos pecados, contraístes com Deus.

Na terceira parte, isto é, depois da elevação até a Comunhão, considerai os imensos


benefícios de que fostes cumulados e, em troca oferecei a Deus um presente de valor
infinito: O Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Convidai mesmo todos os Anjos e
Santos a render graças a Deus, por vós, da maneira seguinte, ou de outra qualquer
equivalente:

Eis-me aqui, meu amado Senhor cumulado de benefícios, tanto gerais como
particulares, que me concedestes e quereis conceder-me no tempo e na eternidade.
Reconheço que vossas misericórdias para comigo foram e são infinitas. Eis aqui
portanto, em reconhecimento e em paga, este Sangue Divino, este Corpo
Sacratíssimo, que vos apresento pela mão do sacerdote. Estou certo de que esta
oferenda é suficiente para vos pagar por todos os bens que me tendes concedido.

Este dom de valor infinito vale por si todos os dons que recebi, que recebo, e que
ainda receberei de vós. Ah! Santos Anjos e vós todos os habitantes do Céu, ajudai-me
a agradecer a Deus, e oferecei-Lhe em ação de graças não só esta Santa Missa, mas
todas as que se celebram neste momento no Mundo inteiro, a fim de que sua bondade
tão cheia de amor seja dignamente agradecida, por tantas graças que me concedeu e
que quer conceder-me agora e nos séculos dos séculos. Amém.

Ah! Quanto agradará a nosso boníssimo Deus tão afetuoso reconhecimento! Como
não ficará pago com esta única oferta que vale mais que tudo, porque é de valor
infinito! E, para mais excitar estes piedosos sentimentos, convidai o Céu a cooperar
convosco. Invocai os Santos aos quais tendes devoção e dizei-lhes do fundo do
coração:

Ó queridos Santos, meus advogados, agradecei por mim a Deus de infinita bondade,
não viva e morra eu como ingrato.

Peço-vos, suplicai-lhe aceitar minha boa vontade e levar em conta o agradecimento


cheio de amor, que, por esta Santa Missa, Lhe oferece, por mim, o adorável Jesus.
Amém.

Não vos contenteis me dizer isto uma vez, mas repeti-o, e ficai certo de que assim
chegareis a pagar completamente esta grande dívida. Maior sucesso ainda tereis se
cada manhã fizerdes o ato de oferecimento que começa com as palavras Deus Eterno1,
1
ATO DE OFERECIMENTO - Para ser feito todas as manhãs:
Deus eterno, eis me prostrado diante de vossa infinita Majestade; adoro-vos humildemente e vos ofereço todos os meus pensamentos,
todas as palavras e ações deste dia. Tenho a intenção de tudo fazer por vosso amor, para vossa maior glória, para cumprir vossa
divina vontade, para vos servir, louvar, bendizer e adorar, para me instruir nos mistérios da Fé, assegurar minha salvação e alcançar
vossa misericórdia; para satisfazer a vossa divina justiça por tantos pecados que cometi, para aliviar as santas almas do Purgatório e
para obter a todos os pecadores a graça duma verdadeira conversão. Em uma palavra, tenho a intenção de executar hoje todas as
minhas ações, em união com as intenções perfeitíssimas que tiveram nesta vida JESUS e Maria, e todos os santos que estão no Céu, e
todos os justos da Terra. Quisera assinar com meu próprio sangue esta resolução e repeti-la a todo momento, tantas vezes quantos
a fim de com este intuito oferecer todas as Santas Missas celebradas no Mundo
inteiro. {A oração DEUS Eterno está incompleta, pois não a conseguimos por
inteiro}

Na quarta parte, depois da Comunhão até o fim da Santa Missa, enquanto o sacerdote
comunga sacramentalmente, fareis a comunhão espiritual como indico no capítulo
seguinte. Em seguida, contemplando a Deus no íntimo de vosso coração, não receeis
pedir-Lhe muitas graças, pois neste momento Jesus une-se todo a vós e Ele mesmo
ora por vós.

Expandi, portanto, vosso coração, pedindo, não coisas de pouca importância, mas
grandes graças. Já que tão grande é a oferenda que Lhe fazeis, o deu Divino Filho.
Dizei-Lhe, então, com o coração repleto de humildade:

Ó meu Deus, reconheço-me por demais indigno de vossos favores; confesso minha
suma indignidade, e que, tendo cometido tantos e tão grandes pecados, não mereço
ser atendido. Como poderíeis, porém, deixar de escutar vosso Divino Filho, que
sobre este altar, pede pro mim, oferecendo-vos sua vida e seu Sangue? Ó meu Deus
fonte do Amor, ouvi as súplicas deste poderoso advogado, e, em consideração a Ele,
concedei-me todas as graças que sabeis que necessito para realizar o grande
trabalho de minha salvação eterna. É agora que ouso pedi-vos o perdão geral de
todos os meus pecados e a graça da perseverança no bem.

Mais ainda, confiante nas preces de Jesus peço-vos meu Deus, todas as virtudes num
grau heroico, e todas as graças eficazes para tornar-me um verdadeiro santo.
Peço-vos a conversão de todos os infiéis e de todos os pecadores e particularmente
daqueles a quem estou unido pelos laços do sangue ou por um parentesco espiritual.

Imploro-vos a libertação não só de uma, mas de todas as almas do Purgatório:


libertai-as todas e que, pela eficácia deste Divino Sacrifício, fique vazia aquela
prisão. Peço-vos, humildemente, a conversão de todos os vivos, a fim de que este
miserável Mundo se transforme num paraíso de delícias onde sejais amado,
reverenciado, adorado pro todos no tempo, para depois irmos louvar-vos e
bendizer-vos por toda a eternidade. Amém.

Pedi ainda, graças para vós, para as crianças, para vossos amigos, parentes e
conhecidos; implorai socorro para todas as vossas necessidades espirituais e
temporais; rogai para a santa Igreja Católica Apostólica Romana, pedindo a plenitude
de todos os bens, e o fim de todos os males.

“Rezai muito especialmente pelo Sacerdote que celebrou a Santa Missa, mais do que
todos, ele merece sua gratidão. Peça ao boníssimo Deus a perseverança para ele e

instantes houver na eternidade. Recebei, meu DEUS, minha vontade, dai-me vossa santa bênção, com a graça eficaz de não cometer
pecado mortal, em todo o tempo de minha vida, muito especialmente neste dia... A vós toda a glória, honra, amor, louvor e adoração,
no mais alto grau de perfeição. Amém.
muito especialmente que faça dele um grande santo.” E não façais com negligência,
mas com grande confiança, seguros de que vossas orações, unidas às de Jesus, serão
atendidas.

Terminada a Santa Missa, fazei um ato de agradecimento a Deus, dizendo-Lhe:


Agimus tibi gratias, etc., Se puderdes, ficai uns quinze minutos em Ação de graças,
depois saí da Igreja com o coração compungido, como se descêsseis do Calvário.

Dizei-me agora: se tivésseis assistido deste modo a todas as Santas Missas, do


passado até ao presente, de quantos tesouros não teríeis enriquecido vossa alma? Oh!
Que enormes prejuízos vos causastes, quando assistia à Santa Missa, olhando para
um e outro lado, observando os que entravam e saíam da igreja e, muitas vezes até,
conversando ou cochilando, ou, sobretudo, enrolando de qualquer jeito algumas
preces vocais, sem o menor recolhimento interior. Tomais, portanto, a resolução de
adotar este método tão fácil, tão suave, de assistir com fruto à Santa Missa, e que
consiste me cumprirdes os quatro grandes deveres para com Deus: não tenhais dúvida
que em pouco tempo reunireis um grande tesouro de graças especiais, e nunca mais
vos virá à ideia dizer: “Uma missa a mais, uma missa a menos, que importa!”

Da comunhão espiritual

Quanto à maneira de fazer a comunhão espiritual de que falei antes, é preciso


conhecer a doutrina do santo Concílio de Trento, o qual ensina que se pode receber o
Santíssimo Sacramento de três modos: sacramentalmente, espiritualmente, ou
sacramentalmente e espiritualmente ao mesmo tempo.

Não se fala aqui do primeiro modo, que se verifica também nos que comungam em
estado de pecado mortal, como fez Judas; nem do terceiro, comum a todos os que
comungam em estado de graça; mas trata-se aqui e do segundo, adequado àqueles
que, tomando as palavras do santo Concílio, impossibilitados de receber
sacramentalmente o Corpo de Nosso Senhor, “o recebem em espírito, fazendo, atos
de fé viva e ardente caridade, e com um grande desejo de se unirem ao soberano bem,
e, por meio, se põem em estado de obter os frutos do Divino Sacramento.”

“Qui voto propositum illum caslestem panem edentes fide viva quae per
dilectionewm operatur, fructum ejus et utilitatem sentium”. (Sess. XIII, c.8.)

Para facilitar-vos prática tão excelente, pesai bem o que vou dizer-vos. No momento
em que o sacerdote se dispõe a comungar, na Santa Missa, recolhei-vos no vosso
íntimo, tomando a mais modesta posição; formulai, em seguida, em vosso coração
um ato de sincera contrição e, batendo humildemente no peito, em sinal de que vos
reconheceis indignos de tão grande graça, fazei todos os atos de amor, oferecimento,
humildade e os demais que costumais fazer quando comungais sacramentalmente:
Desejai, então, vivamente receber o adorável Jesus, oculto por vosso amor, no
Santíssimo Sacramento.
Para excitar em vós o fervor, imaginai que a Santíssima Virgem ou um de vossos
santos padroeiros vos dá a santa comunhão: suponde recebê-la realmente e,
estreitando Jesus em vosso coração, repeti-Lhe muitas e muitas vezes com ardente
amor: “Vinde, Jesus adorável, vinde ao meu pobre coração; vinde saciar meu desejo;
vinde meu adorado Jesus, vinde ó dulcíssimo Jesus!” E depois ficai em silêncio,
contemplando vosso Deus dentro de vós, e, como se tivésseis todos os atos que
habitualmente fazeis depois da comunhão sacramental.

Ora, sabei que esta santa e bendita comunhão espiritual, tão pouco praticada pelos
cristãos de nossos dias, é um tesouro que cumula a alma de bens incalculáveis; e, no
sentir de muitos autores, é de tal modo eficaz que pode produzir as mesmas graças
que a comunhão sacramental, e maiores ainda.

Com efeito, se vem que a comunhão sacramental, na qual se recebe a santa Hóstia,
seja por sua natureza de maior proveito, porque como sacramento, age ex operare
operato, é possível, no entanto, que uma alma faça a comunhão espiritual com tanta
humildade, amor e fervor, que obtenha mais graças que não obteria outra,
comungando sacramentalmente, mas com disposição menos perfeita.

Nosso Senhor, outrossim, ama tanto este modo de fazer a comunhão espiritual, que
muitas vezes se dignou atender com milagres visíveis os piedosos desejos de seus
servos, dando-lhes a comunhão ou por sua própria mão, como fez à bem-aventurada
Clara de Montefalco, a Santa Catarina de Sena, e a Santa Lidvina; ou pela mão dos
Anjos, como aconteceu a São Boaventura e aos santos bispos Honorato e Firmino; ou
ainda, mais frequentemente, por meio da augusta Mãe de Deus, que se dignou dar a
comunhão ao bem aventurado Silvestre.

Não vos admireis desta condescendência tão terna, pois a comunhão espiritual abrasa
a alma no amor a Deus, une-a Ele, e dispõe-na a receber as graças mais insignes.

Se refletísseis, portanto, nestas coisas, seria possível permanecerdes, frios e


insensíveis? Que desculpa poderíeis invocar para isentar-vos de tão devota prática?
Tomai a resolução de vos habituardes a ela; e notai que a comunhão espiritual tem
sobre a sacramental esta vantagem, que esta só se pode fazer uma vez ao dia,
enquanto aquela podeis fazê-la em todas as Missas que quiserdes, e ainda, de manhã,
à tarde, o dia todo ou de noite, em casa como na igreja, sem necessitar permissão de
vosso confessor.

Em resumo, quantas vezes fizerdes a comunhão espiritual, outras tantas vos


enriquecereis de graças, de méritos e de toda sorte de bens.

Ora o fim deste livrinho é despertar no coração de todos os que o lerem um santo
ardor para que se introduza entre os fiéis o costume de assistir todo dia piedosamente
à Santa Missa e de fazer ai a comunhão espiritual. Oh! Que felicidade se, se obtivesse
este resultado! Teria, então, a esperança de ver refletir em toda a Terra este santo
fervor que se admirava na Idade de ouro da primitiva Igreja. Nesse tempo os fiéis
assistiam diariamente ao Santo Sacrifício, e diariamente recebiam a Comunhão
sacramental. Se dignos não sois de imitá-los, ao menos assisti a todas as Santas
Missas que puderdes e comungai espiritualmente. Se eu tivesse a dita de
persuadir-vos, creria ter ganho o Mundo inteiro, e daria por bem recompensados os
meus débeis esforços. Enfim, para desfazer todos os pretextos que se apresentam
ordinariamente, a fim de não assistir à Santa Missa, darei nos capítulos seguintes
diversos exemplos que interessam a toda sorte de pessoas. Por aí cada um
compreenderá que, se, se priva de tão grande bem, é por sua culpa, por sua preguiça e
seu pouco zelo pelas coisas santas, e que assim se prepara amargo arrependimento na
hora da morte.
Exemplos próprios para excitar os fiéis de
todos os estados e condições a assistir todos
os dias à Santa Missa
Aqueles que não têm gosto para assistir à Santa Missa, invocam inúmeros pretextos
para escusar sua tibieza. Podeis vê-los absolvidos por seus negócios. Cheios de
solicitude e zelo pelo progresso de seus miseráveis interesses.

Para isso toda fadiga é leve e não há dificuldade que os retenha. Ao contrário, para
assistir à Santa Missa, que é o mais importante dos tesouros, ei-los cheios de frieza e
preguiça, invocando centenas de escusas frívolas: sues números cuidados, sua saúde
delicada, os embaraços da família, a falta de tempo, o excesso de ocupações. Em
suma, se a Santa Madre Igreja não os obrigasse sob pena de pecado a assistir à Santa
Missa ao menos, aos domingos e dias santificados, sabe Deus se visitariam jamais
uma igreja ou dobrariam o joelho ante um altar.

Ó vergonha ó profunda miséria de nossos tempos infelizes, que estamos longe do


fervor dos primeiros cristãos, os quais, como já disse, assistiam todo dia à Santa
Missa e recebiam o pão dos Anjos.

No entanto não lhes faltavam afazeres, cuidados, ocupações. Mas a própria Santa
Missa era para eles um auxílio para bem dirigir seus negócios e interesses espirituais
e temporais. Mundo obcecado! Quando abrirás os olhos para reconhecer tão palpável
ilusão? Vamos! Despertemos todos! E que nossa devoção preferida, a mais amada,
seja assistir diariamente à Santa Missa e nela comungar, pelo menos espiritualmente.

Para alcançar tão santo resultado, não sei de meio mais eficaz que o exemplo, pois é
uma máxima indiscutível que todos vivimus ab exemplo: isto é, que tudo que vemos
feito por nossos semelhantes se nos torna acessível e fácil. Não poderás fazer, dizia a
si próprio Santo Agostinho, o que fazem estes e aqueles? Tu non poteris qudo isti et
istae?

Apresentarei, portanto, alguns exemplos interessantes de pessoas diversas, e por este


meio espero convencer todo o mundo.

Exemplos para excitar os padres a celebrar todo dia salvo caso de


legítimo impedimento

Ó Sacerdote de Cristo, procedei de tal modo que, antes de tudo, seja simples e pura a
vossa intenção, e que só tenhais a Deus em vista.
Com esta finalidade, renovai ao menos mentalmente antes de começar a Santa Missa,
as quatro intenções ensinadas anteriormente, e em vosso memento, depois de feita a
aplicação devida, oferecei brevemente o Sacrifício ao altíssimo, para os fins a que foi
instituído, Isto é, para honra a Deus, agradecer-Lhe dar-Lhe reparação, e obter de sua
bondade todos os bens.

Ponde em seguida todo o cuidado, a fim de celebrar com o máximo de modéstia,


recolhimento, e atenção possível, calmamente, sem vos apressardes, mas empregando
todo o tempo necessário para pronunciar bem todas as palavras, para executar
integralmente todas as cerimônias com a gravidade e dignidade convenientes.

Pois, se as palavras não são bem articuladas e as cerimônias bem feitas, ao invés de
excitar a piedade e devoção tornam-se para os assistentes motivo de escândalo.

Isto posto, todo sacerdote deve tomar a firme e constante resolução de celebrar todos
os dias a Santa Missa.

Se na Igreja primitiva, os leigos comungavam diariamente, é de crer com mais forte


razão que os padres celebravam todos os dias.

Santo André dizia a seu perseguidor: Quotidie Emmolo DEO Agnum immaculatum.
“Ofereço diariamente a Deus, o Cordeiro Imaculado.” E São Cipriano, em uma de
suas cartas: Sacerdotes que Sacrificium DEO quotidie immolamus. “Nós sacerdotes,
que cada dia oferecemos a Deus o Sacrifício.”

São Gregório Magno conta que São Cassiano, Bispo de Narni, tinha o costume de
celebrar a Santa Missa todos os dias, e que seu capelão recebeu de Deus a ordem de
dizer-lhe que fazia muito bem, e quão agradável lhe era a devoção do santo Bispo,
estando-lhe reservada grande recompensa no Paraíso.

Ao contrário, os padres que, por negligência, omitem a celebração da Santa Missa,


prejudicam imensamente a Igreja, de um modo que ninguém pode calcular.

É bem conhecida a sentença do venerável Beda: Sacerdos que absque legitimo


impedimento Missae celebrationem omittit, quantum in ipso est sanctissima
Trintatem privat laude et gloria, angelos laetitia, Peccatores vênia, justos asuxilio et
gratia, existente in Purgatório subsidio et refrigério, Ecclesiam ipsam ingenti
beneficio, et seipsum medicina ey remédio.
“O Sacerdote que, sem um legítimo impedimento, omite a celebração da Santa Missa,
em quanto lhe é dado, priva os pecadores, de perdão; os justos, de graça; as almas do
Purgatório, de refrigério e socorro; toda a igreja, de imenso beneficio, e enfim a si
próprio de medicina e remédio.”

“Onde encontrareis ladrão tão audacioso que, duma vez, cometa um roubo de tal
importância, como este padre que, omitindo sem motivo, a Santa Missa, subtrai tão
grandes bens aos vivos, aos mortos e a toda a Igreja? Múltiplas ocupações não
constituem desculpa.”

O bem-aventurado Fernando, arcebispo de Granada, e ao mesmo tempo primeiro


ministro do reino e, portanto, assoberbado de afazeres, celebrava, ainda assim,
diariamente. O Cardeal de Toledo comunicou-lhe que a corte lamentava que, com
tantos negócios a atender, celebrasse diariamente. “É justamente por isso, respondeu
o servo de Deus. Já que suas altezas impuseram-me aos ombros fardo tão pesado, não
acho, para manter-me, melhor sustentáculo, que o santo Sacrifício da Missa, no qual
vou haurir força e coragem para desempenhar minhas funções.”

Muito menos vale para escusar-me uma espécie de humildade como a de São Pedro
Celestino. A ideia sublime que ele fazia deste Mistério leva-o a abster-se de celebrar
diariamente. Apareceu-lhe, porém, um santo abade e lhe disse severamente: “E que
Serafim digno de celebrar encontrareis no Céu? A escolha de Deus para ministros do
Santo Sacrifício não recaiu sobre os Anjos, mas sobre os homens, como tais sujeitos a
mil imperfeições. Está bem que vos humilheis; mas celebrai diariamente, que tal é a
vontade de Deus.”

No entanto, para que a frequência não diminua o respeito, esforçai-vos por imitar
estes Santos que se salientaram especialmente pela modéstia e devoção nos santos
Mistérios.

O grande e ilustre arcebispo São Herberto celebrava com tão extraordinário fervor,
que parecia um Anjo do Paraíso. São Lourenço Justiniano ficava imóvel no altar, seus
olhos pareciam rios de lágrimas, e seu espírito se empolgava todo em Deus. Entre
todos, porém, distingue-se São Francisco de Sales; jamais se viu um padre subir ao
altar com mais majestade, respeito e recolhimento. Quando se revestia dos
ornamentos sagrados, depunha e afastava todo pensamento estranho, e, apenas punha
o pé no primeiro degrau do altar, sua fisionomia, em que as refletia o recolhimento de
sua alma, assumia uma expressão toda Angélica que deixava encantados os
assistentes.

Mas como encontravam estes Santos tantas delícias espirituais na celebração da Santa
Missa! É que celebravam como se estivessem em presença de toda a corte celeste.
Assim acontecia realmente a São Bonet, Bispo de Clermont. Uma noite em que ficara
sozinho na Igreja, apareceu-lhe a Santíssima Virgem rodeada de uma multidão de
Santos. Alguns dentre eles perguntaram à augusta Rainha quem devia celebrar a
Santa Missa. “Bonet, o meu servo bemamado”, respondeu ela. O santo Bispo,
ouvindo pronunciar seu nome, recuou assustado, buscando esconder-se, e a parede de
pedra, sobre a qual se apoiou, por um grande milagre, amoleceu; a forma de seu
corpo aí ficou impressa e ainda se pode ver. Sua humildade só lhe serviu para o tornar
mais digno. Teve de celebrar em presença da Santíssima Virgem, com assistência de
todos aqueles cidadãos do Céu. Depois da Santa Missa a Santíssima Virgem Maria,
deu lhe uma alva de fulgente brancura e de estofo tão fino como não se pode
encontrar nenhum comparável.

Ainda hoje se venera esta alva como preciosa relíquia. Com que modéstia,
pergunto-vos, com que recolhimento e amor não terá ele celebrado aquela Santa
Missa?

Se este exemplo, entretanto, vos parece por demais extraordinário, imitai então a
conduta do glorioso São Vicente Ferre. Diariamente ele celebrava a Santa Missa,
antes de pregar a um inumerável auditório.

Ora, duas coisas ele levava ao santo altar: uma soberana pureza de alma e uma
extremada compostura exterior. Para conseguir a primeira, confessava-se cada manhã;
e eis o que quisera de vós, ó sacerdote que buscai a maior honra de Deus, ao celebrar
os santos Mistérios.

É espantoso que alguns empreguem meia hora lendo livrinhos em preparação ao


santo Sacrifício, enquanto que um curto exame e um ato de viva contrição sobre
qualquer pecado da vida passada se não houver outra matéria, bastar-lhe-ia para
adquirir grande pureza de coração. Esta é a preparação mais perfeita que poderíeis
fazer para a Santa Missa: confessar-vos, o mais que puderdes, todas as manhãs.

Bani todo escrúpulo e não desprezeis o conselho que vos dou. Oh! Que messe
abundante de méritos amontoaríeis então! Como me agradeceríeis ao encontrar-nos
na bem-aventurança eterna!

Para alcançar a segunda, o Santo queria que o altar fosse ornamentado com
magnificência; exigia extremo asseio nos paramentos e vasos sagrados. Confesso que
a pobreza de muitas igrejas escusa-as de possuir paramentos ricos, bordados a ouro e
seda; quem pode, porém, dispensar o asseio e a decência convenientes? Zelo tão
ardente pelos Santos Mistérios animava o seráfico São Francisco, que, apesar de seu
amor à santa pobreza, queria os altares mantidos em perfeita limpeza, e mais ainda os
sagrados paramentos que diretamente servem ao Divino Sacramento. Ele mesmo
punha-se muitas vezes a varrer as igrejas.

São Calos, em suas ordenações, mostra-se tão exigente em coisas que podem parecer
mesquinhas minúcias, que, na verdade é de admirar.

Para terminar, a augusta Mãe de Jesus, nosso Deus, quis pessoalmente fazer-nos
compreender esta necessidade, quando em uma aparição a Santa Brígida, disse:
“Missa dicinon, debet nisi in ornamentis mundis.” “Não se deve celebrar a Santa
Missa senão com paramentos convenientes, que inspirem devoção por seu asseio e
decência.”
Antes de terminar este parágrafo, resta dizer algo a respeito do ministro que serve à
Santa Missa. Em nossa época dá-se aos meninos e a ignorantes este encargo, de que
nem os próprios reis seriam dignos.

Diz São Boaventura que é um mister angélico, pois muitos Anjos assistem ao Santo
Sacrifício e servem a Deus neste santo mistério.

A gloriosa Santa Mectilde viu a alma de um irmão leigo envolta em deslumbrante


claridade por ter-se empregado com extremo fervor em servir em todas as Santas
Missas que pudera.

São Tomás de Aquino, o sol da Escolástica, conhecia bem o valor inestimável deste
ofício de servir no divino Sacrifício, e não se dava por satisfeito se, depois de ter
celebrado a Santa Missa, não ajudava outra.

São Tomás More, chanceler da Inglaterra, punha suas delícias nesta santa função; e
certo dia, admoestado por um grande do reino que lhe avisava de que o rei Henrique
veria com desprazer ação tão pouco digna dum primeiro ministro, respondeu: “Não
pode segredar a meu senhor, o rei, que eu sirva o Senhor de meu rei, o qual é o Rei
dos reis e o Senhor dos senhores.”

Aí está o bastante parta confundir essas pessoas, às vezes até piedosas, a quem é
preciso pedir d suplicar para que ajudem à Santa Missa, quando deveriam porfiar e
apoderarse do missal a fim de ter a honra de desempenhar emprego tão santo que faz
inveja aos próprios Anjos e Santos do Paraíso.

Importa, evidentemente, velar com cuidado para que os que ajudam à Santa Missa
sejam bem instruídos quanto a seu papel.

Devem manter os olhos baixos, uma atitude modesta e piedosa; cumpre-lhes


pronunciar as palavras, distintamente, docemente, em voz não baixa demais, que o
sacerdote não os ouça, nem por demais alta, que incomode os que celebram nos
altares próximos.

Dever-se-ia, outrossim, excluir certos meninos muito levianos, que brincam e fazem
barulho e perturbam o recolhimento do sacerdote. Rogo a Deus que inspira aos
homens prudentes dedicarem-se a este ofício tão santo e louvável. Competiria aos
mais nobres a aos mais instruídos dar este belo exemplo.

Exemplos de vários príncipes reis e imperadores

Os exemplos dos grandes causam ordinariamente muito mais impressão que a


piedade mesmo singular de simples particulares, conforme o axioma vulgar:
“Conforme-se a terra ao exemplo do rei.” “Regis ad exemplum totus componitu
orbis.”
Ora, longa seria a lista que eu poderia desenrolar, para animar a seguir o exemplo
daqueles que assistiam todos os dias à Santa Missa.

Citaremos rapidamente alguns: Constantino Magno não só assistia todos os dias à


Santa Missa, mas, quando partia em qualquer expedição, em pleno fragor da guerra e
ruído das armas, fazia-se acompanhar dum altar portátil no qual mandava celebrar
diariamente a Santa Missa, e por este meio alcançou retumbantes vitórias. O
Imperador Lotário observava sempre a mesma prática. Em tempos de paz como de
guerra, fazia questão de assistir, todos os dias, a três Santas Missas. O piedoso
Henrique III, rei da Inglaterra, assistia, do mesmo modo, a três Santas Missas diárias,
para grande edificação de sua corte.

Singulis diebus três Missas cum nota audire soletat, et piures audire cupiens privatim
celebrantibus assidue assistebat. O Senhor recompensou-o, ainda neste mundo, com
um feliz reinado de cinquenta e seis anos.

Mas, para expor à luz a piedade dos monarcas ingleses e sua assiduidade em assistir à
Santa Missa, não é preciso remontar aos séculos passados; basta considerar a grande
alma de Maria Clementina, a piedosa rainha cuja perda Roma ainda chora. Como ele
se dignou dizer-me muitas vezes, punha todas as suas delícias em assistir ao Divino
Sacrifício e todos os dias assistia a todas as Santas Missas que podia. Mantinha-se
imóvel, sem almofadas, sem apoio, como uma estátua.

E por esta devota assistência à Santa Missa, acendeu-se em seu coração amor tão
ardente a Jesus-Hóstia, que se esforçava por assistir diariamente a três ou quatro
bênçãos do Santíssimo Sacramento.

Sua carruagem percorria a toda a velocidade as ruas de Roma, a fim de permitir-lhe


chegar a tempo nas diversas igrejas. E quantas lágrimas derramou esta santa mulher
para mitigar a fome que tinha de pão dos Anjos, fome tão veemente que lhe causava
enlanguescimento noite e dia, porque seu coração se achava a todo instante
transportado aonde estava seu tesouro.

Deus permitiu, entretanto, que tão prementes instâncias não fossem atendidas;
permitiu-o para tornar mais heroico o seu amor, mais ainda, para torná-la mártir de
amor. Assim, a meu ver, isto lhe acelerou a morte, como posso julgar pela última
carta que me escreveu já no leito de morte. É certo que, se lhe foi negada a comunhão
frequente, não perdeu ela o mérito, pois, não podendo satisfazer seu amor pela
comunhão sacramental, buscava consolo na comunhão espiritual, que fazia não só na
Santa Missa, mas renovava-a muitas vezes durante o dia, com grande contentamento
de seu coração, seguindo o método indicado no capítulo anterior.

Ora, dizei-me, este exemplo sublime não basta para rechaçar todas as desculpas dos
que demonstram tanta preguiça em assistir, todos os dias à Santa Missa e nela fazer a
comunhão espiritual? Não me satisfaz, entretanto, que imiteis esta boa rainha com o
fervor do vosso coração em desejar receber Jesus-Hóstia; mas quisera que a
imitásseis, ocupando vossas mãos nos trabalhos que tão frequentemente ela efetuava,
a fim de prover de objetos do culto às igrejas pobres, exemplo seguido em Roma por
muitas damas nobres, que se consideravam felizes em trabalhar com suas mãos nos
vários paramentos destinados ás igrejas. E fora de Roma, conheço uma grande
princesa, ilustre tanto por sua piedade como pelo nascimento, que assistia, todas as
manhãs, a várias Santas Missas, e ocupa suas damas nos trabalhos destinados ao altar,
a ponto de enviar caixas cheias de corporais, manutérgios e outras peças semelhantes
aos missionários e pregadores, para que distribuam ás igrejas pobres e a fim de que o
Divino Sacrifício seja oferecido a Deus com toda a pompa, decência e solenidade
adequadas.

Terminamos este parágrafo com o exemplo da São Venceslau, rei da Boêmia, que
todos devem imitar, se não em tudo, ao menos na medida do possível.

Este Santo rei, não contente em assistir diariamente a muitas Santas Missas, de
joelhos sobre o chão duro, e de servir aos padres no altar, com mais humildade que
um seminarista, presenteava, ainda, as igrejas com as joias mais preciosas de seu
tesouro e as mais ricas tapeçarias de seu palácio.

Costumava, além disso, confeccionar, com suas próprias mãos, as hóstias destinadas
ao santo Sacrifício.

Para este fim e sem receio de diminuir sua dignidade real, com suas mãos feitas para
empunhar o cetro, cultivava um campo, conduzindo a charrua, semeava o trigo, fazia
a colheita, depois moia os grãos, peneirava a farinha, preparava e cortava as hóstias e
as apresentava com o mais profundo respeito aos sacerdotes, para que as
convertessem no Corpo do Salvador.

Ó mãos dignas, de São Venceslau, de empunhar o cetro da Terra inteira! Qual foi,
porém, a recompensa de tão terna piedade?

Permitiu Deus que o imperador Oto I concebesse pelo santo rei tal benevolência que
lhe concedeu o privilégio de gravar em seu brasão as armas do império: a águia negra
sobre fundo branco, favor nunca obtido por nenhum outro príncipe.

Deste modo, por intermédio do imperador, quis Deus recompensar a grande devoção
de São Venceslau ao Sacrifício da Eucaristia. Magnífica, porém foi sua recompensa
no Céu, quando, por um glorioso martírio, obteve uma bela coroa de glória eterna.

E assim, graças a essa afeição profunda à Santa Missa, ele foi duplamente coroado,
neste mundo e no outro.
Exemplos para as pessoas de categoria

Uma mulher, que entra na Igreja com um traje espaventoso, atrai todos os olhares, e
queira Deus não atraia também os corações, arrebatando ao Senhor as devidas
adorações. Não é preciso excitar estas pessoas a assistir todos os dias à Santa Missa;
já são demais levadas a frequentar as igrejas. O importante será fazer-lhes
compreender com que modéstia e respeito devem portar-se na casa de Deus,
especialmente quando se celebra a Santa Missa. Tanto mais me edificam senhoras da
nobreza e princesas que só aparecem ante aos altares vestidas simplesmente, sem
luxo nem elegâncias refinadas, quanto me escandalizam certas pretensiosas que, com
seus penteados ridículos e ares de atrizes, assumem poses de deusas no lugar santo.

A bem-aventurada Ivete teve, certo dia, uma visão, que devia inspirar a essas pessoas
o temor respeitoso devida à Santa Missa.

Ao assistir à Santa Missa viu essa nobre flamenga um espetáculo terrível. Perto dela
estava uma dama distinta, cujo olhar se fixava aparentemente no altar; mas não era
para seguir o Santo Sacrifício, nem para adorar o Santíssimo Sacramento que ia
receber, e sim, para satisfazer uma paixão impura. Em volta dela estavam um grande
número de demônios que dançavam e se expandiam em demonstrações de regozijo.
Quando ela se levantou para se dirigir à mesa sagrada, uns lhe seguraram a cauda do
vestido, outro lhe ofereceu o braço enquanto outros lhe faziam cortejo e serviam-lhe
como a sua senhora. No momento em que o sacerdote descia do altar com a Santa
Hóstia na mão a fim de dar a comunhão àquela infeliz, pareceu a Ivete que o Salvador
abandonava as santas espécies e volvia ao Céu, repugnando-Lhe entrar num coração
assim rodeado de espíritos das trevas.

Aterrorizada por semelhante cena, a bem-aventurada Ivete dirigia humildes preces a


Nosso Senhor. E Ele revelou-lhe a causa, fazendo-lhe ver que aquela mulher
alimentava uma paixão desordenada por uma pessoa que se achava próxima do altar,
e que durante toda a Santa Missa, ao invés de se ocupar dos Santos Mistérios,
contemplava-a com olhares impuros, desejando antes lhe agradar que agradar a Deus.
Por isso rodeavam-na os demônios e faziam-lhe o cortejo.

Dir-me-eis que não sois do número dessas infelizes criaturas, e eu creio de boa
vontade. Se, entretanto, ides à Igreja com certos trajes escandalosos, mereceis todas
as censuras.

Transformeis o templo sagrado em covil de ladrões, pois roubais a Deus a honra,


pelas distrações que provocais aos sacerdotes, aos ministros, a todo o povo.

Por favor, considerai e tomai a resolução de imitar Santa Isabel da Hungria. Para
assistir à Santa Missa, ela se dirigia com grande pompa à Igreja. Mas, para assistir ao
Santo Sacrifício retirava da cabeça a coroa, os anéis dos dedos, depunha seus
ornamentos e cobria-se com um véu, ficando em atitude tão modesta que nunca foi
vista desviar sequer os olhos. Tudo isso agradou de tal modo a Deus, que Ele quis
manifestá-lo a todos: durante a Santa Missa a Santa aparecia envolta de tal claridade
que se velavam de deslumbramento os olhos dos assistentes; parecia-lhes contemplar
um anjo do Paraíso. Imitai exemplo tão ilustre, certos de que agradareis a Deus e aos
homens, e que a Santa Missa será para vós de imenso proveito para esta vida e para a
outra.

Exemplo para as mulheres do povo

Grande é a utilidade que se aufere da assistência à Santa Missa, o que acaba de ser
demonstrado.

Muitas vezes, porém há impossibilidade para certas pessoas, ou mesmo


inconveniência de ir à Igreja todos os dias. Vós que tendes filhos pequenos, ou que
por obrigação ou caridade cuidais de um doente, ou que tendes um marido difícil que
vos proíbe sair, não deveis inquietar-vos, ou, o que é pior, desobedecer.

Pois, ainda que a Santa Missa seja um santo tesouro e de valor infinito, apesar de
tudo, é sempre ainda melhor obedecer e renunciar à própria vontade, pois a
obediência é imensamente valiosa.

Que sucederia, no entanto, se fôsseis à Santa Missa para vos entregardes à tagarelice,
à curiosidade, às distrações voluntárias, e voltásseis com as mãos vazias? Foi o que
sucedeu a uma camponesa, que morava em uma aldeia m pouco afastada da Igreja.

Querendo alcançar uma graça importante, ela prometeu assistir à Santa Missa durante
um ano. Com esta intenção, todas as vezes que ouvia repicar o sino anunciando a
Santa Missa, em alguma Igreja dos arredores, largava imediatamente seu trabalho e
punha-se a caminho sem atender sequer às inclemências do tempo. De volta a casa,
para não perder a conta das Santas Missas assistidas, que tencionava completar
exatamente conforme se impusera, depositava cada vez uma fava em uma caixa
cuidadosamente guardada. Passou-se o ano, e ela, certa de ter cumprido a promessa e
alcançado muitos méritos, foi abrir a caixa. Ora, de tantas favas que ajuntara, só
encontrou uma. Surpreendida e consternada, invadiu-a um grande pesar, e dirigiu-se a
Deus, dizendo-lhe lacrimosa: Ó Senhor, como é possível que, de tantas Santas Missas
que participei, só uma se encontre de sobra? Nunca faltei, a despeito do esforço a
fazer, do mau tempo, da chuva, do frio e do caminho ruim!

Deus então lhe inspirou a ideia de contar sua infelicidade a um piedoso sacerdote
muito prudente.

Este lhe perguntou de que modo ia ela à igreja, e com que devoção assistia ao santo
Sacrifício.
Então ela disse-lhe que, no caminho só falava de negócios ou de diversões e passava
o tempo dos divinos Mistérios a tagarelar com um e outro, tendo o espírito ocupado
exclusivamente com sua casa e seus campos. “Aí está, lhe disse o padre, o motivo de
nada restar dessas Missas. A tagarelice, a curiosidade, as distrações voluntárias vos
roubaram todo o mérito. Satanás vo-lo roubou. Por isso vosso Anjo fez desaparecer
as favas, para vos mostrar que as obras mal feitas, ficam perdidas. Dai graças a Deus
porque, pelo menos, uma das Santas Missas, foi bem assistida e vos trouxe frutos.”

Fazei agora uma reflexão bem séria e dizei: Quem sabe, de tantas Santas Missas a
que tenho assistido em minha vida, quantas foram agradáveis a Deus? Que vos
responde a consciência! Se vos parece que bem poucas dessas Santas Missas são
dignas de mérito aos olhos de Deus, remediai esta situação e emendai-vos
sinceramente para o futuro.

Mas se, o que não queira Deus, sois do número dessas infelizes, asseclas dos
demônios, que vão à igreja ajudá-los a arrastar ao inferno, ouvi uma história
apavorante e tremei!

Conta-se que certa mulher, tendo caído em grande miséria, errava em extremo
desespero, num lugar solitário. Apareceu-lhe Satanás e disse-lhe que se ela quisesse
distrair as pessoas na igreja, por meio de conversinhas e falatório inútil e
inconveniente, ele a tornaria rica como nunca. A miserável mulher aceitou a proposta
e pôs-se a executar o diabólico ofício, alcançando plenos resultados: agia e falava de
tal maneira que ninguém perto dela podia assistir atentamente à Santa Missa, nem a
outras cerimônias.

Não durou muito, porém, que não pesasse sobre ela a mão de Deus.

Certa manhã desencadeou-se terrível tempestade e um raio certeiro fulminou-a,


reduzindo-a a cinzas.

Ó mulheres, aprendei à custa de outrem, e fugi das pessoas que por suas tagarelices e
irreverências nas igrejas exercem o ofício de ministros de Satanás, se não quereis
incorrer também na cólera de Deus.

Exemplos para os negociantes e artífices

Infelizmente o deus dos nossos tempos é o dinheiro. Quão numerosos são os que se
prostram diante dele e lhe oferecem adoração em todo tempo e lugar!

O resultado é que, correndo atrás deste ídolo, esquecem o verdadeiro Deus, e, por
consequência, precipitam-se num abismo de desgraças e perdem toda a felicidade,
enquanto que, na afirmação do profeta e rei, aqueles que buscam a Deus antes de tudo,
não caem em nenhum verdadeiro mal e têm acréscimo de todos os bens, Inquirentes
Dominum non minuentur omni bono (Sl 33,11). Esta palavra se verifica ainda mais
naqueles que, antes de se entregarem a seu trabalho ou a seus negócios, têm o
cuidado de assistir ativa e atentamente à Santa Missa.

É o que prova a história dos três negociantes de Gúbio. Dirigiram-se a uma feira que
se realizava num burgo chamado Cisterno. Depois de vender suas mercadorias, dois
deles começaram a pensar na volta e resolveram partir no dia seguinte de madrugada,
a fim de estarem em casa ao cair da tarde. O terceiro discordou desta resolução e
declarou que, sendo o dia seguinte um domingo, não se punha a caminho se antes ter
assistido à Santa Missa.

E exortou os outros, se queriam voltar como tinham vindo, teriam primeiro que
assistir à Santa Missa; em seguida fariam uma refeição e partiriam abençoados. Além
disso, se não pudessem chegar naquela mesma noite a Gúbio, não faltariam albergues
confortáveis no caminho.

Os companheiros não se renderam aos conselhos salutares e sensatos; mas, decididos


a chegar naquela mesma noite a seus lares, responderam que Deus havia de
perdoar-lhes se pro aquela vez faltassem à Santa Missa. Assim, no domingo, antes da
aurora, sem entrar sequer na igreja, montaram a cavalo e tomaram a estrada para sua
terra.

Em breve chegaram à torrente de Corfuone, que a chuva torrencial da noite anterior


engrossara a ponto de fazer transbordar. A água, em corrente impetuosa, sacudira e
deslocara bastante a ponte de madeira.

Os dois negociantes meteram-se por ela com suas alimárias, mas, bem não tinham
chegado ao meio, rompeu-se o madeirame à pressão da água e os dois cavaleiros
precipitaram-se no rio onde se afogaram, perdendo assim dinheiro, mercadorias e a
vida.

Ao fragor desta catástrofe, acorreram os camponeses, e por meio de ganchos e


varapaus conseguiram retirar os cadáveres que deixaram estendidos na margem, para
que fossem identificados e se lhes pudesse dar sepultura.

O terceiro, entretanto, que se deixara ficar para cumprir o preceito de assistir à Santa
Missa, pôs-se a caminho alegre e animado. Ao chegar à mesma torrente, viu na
margem os dois mortos, e por curiosidade se deteve para olhá-los. Reconheceu
imediatamente seus dois amigos e ouviu emocionado a descrição da tragédia.

Levantou, então, as mãos ao céu, agradecendo a Deus que tão misericordiosamente o


preservara de semelhante desgraça, e abençoou mil vezes, a hora que consagrara à
Santa Missa, à qual devia estar são e salvo.

Ao chegar a sua cidade, comunicou a triste notícia e excitou em todos os corações um


vivo desejo de assistir todos os dias à Santa Missa.
Permita-me escrever aqui: Maldita avareza, que afasta Deus de nosso coração e tira
de certo modo a liberdade de pensar no grande negócio da salvação eterna! A fim de
fazer compenetrarem-se de seu mal os negociantes avaros, tomarei um exemplo da
Sagrada Escritura.

Sansão, todos o sabem, foi amarrado com nervos de boi, com cordas novas que nunca
tinham servido; por fim ele revelou á pérfida Dalila que sua força residia em seus
cabelos: e apenas lhe foram cortados, perdeu Sansão todo o vigor e caiu me poder dos
filisteus que lhe vazaram os olhos e condenaram a girar a mó.

Pois, bem, dizei-me: qual foi a falta maior de Sansão? Deixar-se amarrar com tantos
laços? Não. Ele sabia perfeitamente que toda a força do país não poderia detê-lo.
Todo o seu mal constituiu em revelar o que lhe dava força, e deixar que lhe cortassem
os cabelos, sem os quais Sansão não era mais Sansão.

Ora, suponhamos que um comerciante se deixe ligar por centenas de ocupações de


balcão, de tráfico, de contas, de bancos: é uma avareza culpável? Não, não representa
isso avareza. Todo o mal consiste em deixar-se cortar os cabelos. Explico-me. Este
negociante está assoberbado de negócios. Mas, de manhã, cedinho, ouve o sino
chamando para a Santa Missa, e diz: “Meus negócios, um momento de paciência: o
primeiro ganho está na assistência a Santa Missa.” Ai tendes Sansão atado, mas com
a cabeleira intacta.

Outro comerciante está ligado e apertado por sete cordas e mais: trabalhos a realizar,
contas a saldar, cartas a escrever, sócios a atender. Este espera uma resposta, aquele
um pagamento. Que labirinto! Quantos laços!

Mas qual! Chega o domingo, ele se desembaraça de suas ocupações, e vai


fervorosamente assistir a muitas Santas Missas e fazer suas devoções. Eis ainda
Sansão amarrado, mas não despojado dos cabelos, pois com todos os afazeres ele não
perde de vista o máximo dos negócios, sua salvação eterna. Atendei, porém, a isto:
quando estais sobrecarregados de mil cuidados interesseiros e não tendes tempo de
frequentar os Sacramentos e assistir à Santa Missa, ah! Pobres Sansões! Então estais
amarrados e com os cabelos totalmente cortados!

Ainda que lícitos sejam vossos ganhos, não o é vossa paixão do lucro. É uma avareza
vergonhosa que atrairá sobre voos a desgraça de Sansão, e, como aconteceu a ele, a
casa ruirá sobre vossa cabeça. E então, as coisas que ajuntastes, de quem serão? (Lc
12, 20)

Mas como bem se pode imaginar, esses avarentos não se renderão nunca, se não os
pegarmos pelo ponto fraco. Pois bem, seja. Que pretendeis?
Enriquecer, acumular, ganhar sem cessar? Ora, qual o meio mais seguro? Ei-lo:
assistir, ativa e devotamente à Santa Missa todos os dias.

Aprendei-o daqueles dois artesãos que Surius menciona.

Exerciam ambos a mesma profissão; um tinha encargo de família, mulher, filhos e


sobrinhos; o outro vivia só com sua mulher. O primeiro mantinha a casa
decentemente e os negócios andavam às maravilhas.

Não lhe faltavam nem fregueses em sua loja, nem encomendas de trabalhos; e todos
os anos ainda punha de lado boas economias para o casamento das filhas. O segundo
nunca tinha trabalho, passava fome, e caminhava para a ruína. Um dia disse
confessadamente ao vizinho: mas o que é que fazes! As bênçãos de Deus chovem
sobre a tua família, enquanto eu, infeliz de mim, vivo embaraçado nos negócios e
todas as desgraças caem sobre a minha casa.

O amigo replicou, vou ensinar-te. Amanhã de manhã estarei em tua casa, e te


mostrarei onde encontro tantos bens.

Na manhã seguinte levou o amigo á Igreja para assistir à Santa Missa, e reconduziu-o,
após, à oficina. Fez a mesma coisa duas ou três vezes. Disse então o outro: Não
precisas mais dar-te o trabalho de levar-me à Santa Missa: já sei o caminho, se está
nela o teu segredo. Concordo respondeu o amigo. Vá todos os dias assistir à Santa
Missa, e verás que tua sorte há de mudar.

Aconteceu, com efeito, que, desde que ele começou a assistir diariamente à Santa
Missa, começou a aparecer-lhe trabalho, e em pouco tempo pagou suas dívidas e
repôs sua casa em excelente estado.

Credes no Evangelho? Ora, se credes, como podeis por em dúvida esta verdade que
ele claramente:

“Buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus e sua justiça, e todas estas coisas vos
serão acrescentadas. Querite primum regnum DEI, et haec omnia adjicientur vobis”
(Mt 6,33)

Se duvidais ainda, fazei a experiência: assisti, com devoção e ativamente, à Santa


Missa, durante um ano, e se vossos interesses temporais não tomarem melhor
andamento, aceitarei todas as censuras. Não será, porém assim. Pelo contrário tereis
amplos motivos para agradecer-me.

Exemplos para os servos e trabalhadores rurais

O apóstolo São Paulo diz que aquele que não cuida de seus servos é pior que um
infiel: Si quis suorum et máxime domesticorum curam non habet, fidem negavit, et est
infideli deterior (I Tim 5,8). Estende-se este cuidado não só ao corpo, como também,
e muito mais, à alma.

Se, portanto, seria grande injustiça deixar faltar aos próprios servos o alimento
corporal, seria trair mais gravemente ainda o seu dever, privá-los de alimentos
espirituais, e especialmente não lhes facilitar a assistência diária à Santa Missa, cuja
privação é uma perda que patrão nenhum, por poderoso e rico que seja, conseguiria,
jamais compensar. Quando Deus fez aliança com Abraão, ordenou-lhe circuncidar
não só a si, mas ainda todos os servos e escravos: Tam vernaculus quam empititius
circuncidetur (Gn 1,12). É evidente que um bom cristão não deve contentar-se de ser
fiel, só ele, ao culto divino, principalmente assistindo ao Sacrifício da Santa Missa,
mas deve cuidar que seus servos e os outros membros da família também o sejam.
Era este o piedoso costume de São Elzéar, conde de Arian. Entre as boas regras que
deu á sua casa, a primeira era que cada manhã todos assistissem à Santa Missa:
servos, servas, lacaios, todos, queria ele ver na Igreja à hora da Santa Missa.

É costume santo, que muitos fidalgos praticam em Roma, cardeais e prelados que
diariamente assistem à Santa Missa e fazem questão de ver ao seu redor todos os
componentes de sua casa.

E não creiais que o tempo assim empregado pelos servidores seja perdido para vós.
Deus vos há de computá-lo.

Santo Isidoro não passava de um pobre lavrador, mas tomava cuidado, de nunca faltar
à Santa Missa pela manhã. Deus então, para demonstrar-lhe quanto prezava esta
devoção, mandava aos Anjos lavrar o campo de Isidoro enquanto ele estava na Igreja.
Não é de esperar que Deus faça para vós milagres tão sensíveis, mas de muitas
maneiras irá Ele recompensar-vos por vossa piedade! Podeis conjeturá-lo pelo que
sucedeu a um pobre operário. Era um vinhateiro que mantinha sua família com o suro
de seu rosto, e que tinha o hábito de assistir, cada dia à Santa Missa, antes de ir para o
trabalho. Dirigindo-se uma manhã bem cedo ao local onde se tratava trabalho,
esperava que algum patrão viesse contratá-lo para aquele dia. Ouviu, porém o repicar
do sino, e, conforme o costume, foi à igreja fazer suas orações.

Terminada aquela Santa Missa, foi celebrada outra, e ele, levado por sua devoção,
deteve-se para assisti-la. De volta, enfim, ao lugar costumado, encontrou-o deserto,
pois todos os trabalhadores tinham sido já contratados e haviam partido para o
trabalho nos campos. O pobre homem encaminhava-se muito triste para a casa,
quando encontrou um cidadão muito rico, o qual, notando-lhe o ar preocupado,
perguntou-lhe o motivo daquele pesar.

- Que se há de fazer? Hoje de manhã, para não perder a Santa Missa, perdi minha
diária, respondeu.
“Não se aflija, replicou o rico, vá a igreja, assista à outra Missa, em minha intenção, e
logo a tarde pagar-lhe-ei sua diária. O operário obedeceu e assistiu a todas as Santas
Missas celebradas naquele dia. A tarde, foi receber sue salário, idêntico ao que se
costuma pagar na região. Voltava ele muito satisfeito, quando lhe veio ao encontro
um desconhecido (era o próprio Jesus), que lhe perguntou qual o salário recebido por
um dia tão bem empregado”.

E ao ficar informado da quantia, exclamou: “Tão pouco, por trabalho de tão grande
mérito?! Volta a esse rico e dize-lhe que se não aumentar tua recompensa, seus
negócios irão muito mal.” O homem com toda simplicidade deu o recado ao rico, e
este lhe deu mais cinco moedas, despedindo-o em paz. O vinhateiro deu-se pro muito
satisfeito com o aumento, mas Jesus não se contentou. Ao saber que o aumento fora
somente de cinco moedinhas, disse: “Não basta, volta a esse ricaço e adverte-o que se
não der melhor retribuição, pode esperar terrível desgraça.” Foi-se novamente o
trabalhador, e um tanto embaraçado fez sua comunicação em meias palavras. O rico
ouvi-o, e, tocado interiormente por Deus, deu-lhe uma boa quantia para comprar uma
roupa nova.

Admirais, sem dúvida, a atenção da Divina Providência socorrendo esse pobre


vinhateiro, em retribuição à sua terna piedade de assistir diariamente à Santa Missa, e
tender razão. Mais admirável ainda foi, porém, a graça que a soberana Misericórdia
concedeu ao rico. Com efeito, na noite seguinte Jesus apareceu-lhe em sonho, e lhe
revelou que, em consideração ás Santas Missas assistidas por aquele pobre
trabalhador, poupava-o de uma morte súbita que naquela mesma noite devia
precipitá-lo no Inferno.

A esta revelação espantosa, o rico despertou, arrependeu-se de sua vida pecaminosa,


e tornou-se devotíssimo da Santa Missa que, daí em diante, passou a assistir ao Santo
Sacrifício, todas as manhãs.

Mais ainda, começou a encomendar diariamente muitas Santas Missas em diversas


igrejas, e, enfim, depois de uma vida virtuosa, findou seu dia em feliz morte.

Por aí vedes como é liberal a bondade de Deus para aqueles que se mostram devotos
da Santa Missa.

Portanto, à Santa Missa, meus queridos amigos, à Santa Missa; e ficai certíssimos de
que nesta maravilhosa devoção encontrareis o que há de melhor para todos.

Exemplo terrível para aqueles que não apreciam o grande tesouro da


Santa Missa

São Tomás e São Boaventura, os dois doutores da Igreja, ensinam, como dissemos
anteriormente, que o Santo Sacrifício da Missa é de valor infinito, tanto pela Vítima
que é ai oferecida, que é o Corpo e Sangue, a alma e Divindade de Nossa Senhor
Jesus Cristo que principalmente o oferece. No entanto, muitos há que o têm em tão
pouca estima que colocam este tesouro sacratíssimo, abaixo do mínimo interesse.
Outra finalidade não tem este livrinho, da primeira á última página, senão dar uma
ideia justa desta preciosidade tão grande que não tem preço.

E se, até aqui, este santo Sacrifício era para eles um tesouro oculto, agora que lhe
conhecem o valor infinito, tomem a resolução de aproveitá-lo, assistindo à Santa
Missa, todos os dias! Para a isso mais incitá-lo, vou contar uma história apavorante,
que será a conclusão desta obra.

Enéias Silvio Piccolomini, mais tarde Pio II, refere que em certa região da Alemanha
havia um fidalgo de grande linhagem que, tendo caído na pobreza, vivia retirado em
uma de suas terras. Aí acabrunhado pela melancolia, estava prestes deixar-se dominar
pelo desespero, e Satanás o impelia, cada dia, a pôr uma corda ao pescoço a fim de
dar cabo da vida. Nesse combate contra a tristeza e a tentação, recorreu a um santo
confessor, que lhe deu o excelente conselho de não passar, nem um dia, sem assistir à
Santa Missa.

O fidalgo aceitou o conselho e logo o colocou em prática; e fez mais, para ficar
seguro de nunca faltar à Santa Missa, tomou um capelão que devia estar pronto a
oferecer, cada manhã, o Santo Sacrifício, a que ele assistia com grande fervor e
devoção. Um dia, porém, o capelão dirigiu-se bem cedo a uma aldeia pouco afastada
para assistir um padre recém-ordenado, que lá celebrava sua primeira Missa. O
fidalgo, receoso de ficar privado da Santa Missa naquele dia, dirigiu-se
apressadamente para a tal aldeia. No caminho, porém, encontrou um camponês e este
lhe disse que podia voltar dali, pois a Santa Missa do novo sacerdote já havia
terminado, e que na aldeia não se celebraria outra. A esta notícia, o fidalgo
perturbou-se e exclamou entre lágrimas: “Que vai ser de mim hoje?” O camponês,
que nada podia entender de tão pungente aflição, replicou num tom de gracejo e
ímpio ao mesmo tempo: “Não choreis, senhor, eu vos venderei a Missa que acabo de
assistir. Dai-me o manto que trazeis e eu vo-la cedo.”

O gentil-homem aceitou a estranha proposta do camponês, e, entregando-lhe o manto,


encaminho-se para a Igreja. Fez uma curta oração no lugar santo, e voltou em seguida
para casa. Mas, ao chegar ao sítio em que se detivera pouco antes, qual não foi seu
espanto ao ver enforcado num carvalho, morto como Judas, o desgraçado camponês
que lhe vendera sua Missa.

A tentação de suicídio passara do fidalgo ao camponês, que, privado do socorra que a


Santa Missa lhe alcançara, não soubera resistir ao diabo. O fato acabou de convencer
o bom fidalgo de quão eficaz era o remédio sugerido pelo confessor, e mais se firmou
em sua resolução de assistir, todos os dias, à Santa Missa.
Duas coisas de grande importância eu quisera que notásseis neste terrível caso.
Primeiro a grosseira ignorância de grande número de cristãos que, não sabendo
apreciar as riquezas imensas na Santa Missa, vão a ponto de taxá-la por um preço
material.

Daí vem a linguagem inconveniente de algumas pessoas que falam em pagar ao


sacerdote a sua Missa. Pagar a Missa! E onde encontrareis fortuna capaz de igualar o
valor de uma única Santa Missa, já que ela vale mais que todo o Paraíso! Ó
ignorância revoltante.

Esse pouco de dinheiro que dais ao sacerdote, vós lho dais para seu sustento, mas não
como pagamento, pois a Santa Missa é um tesouro sem preço.

Porque vos exortei, neste livrinho, a assistir, todos os dias, à Santa Missa e
encomendar quantas puderdes, é possível que Satanás vos coloque no espírito esta
ideia: “Os padres nos exortam a encomendar muitas Missas, por motivos muito
bonitos e especiais. Mas nem tudo que brilha é ouro. Sob esta aparência de zelo eles
escondem seu proveito e no fim de contas vê-se que o interesse é que lhes inspira a
conduta e as palavras.” Que erro o vosso, se pensais assim!

Dou graças a Deus de me ter inspirado abraçar uma ordem na qual se professa a mais
estrita pobreza, e não se recebem espórtulas pelas Missas. Se nos oferecessem cem
escudos por uma só Missa, jamais os aceitaríamos, pois dizemos todas as nossas
Missas na intenção que tinha Cristo na Cruz, quando ofereceu ao Eterno Pai o
primeiro Sacrifício do Calvário. Se, portanto, alguém há que possa elevar a voz sem
receio de censura, sou eu que só busco o vosso interesse.

Ora, tudo que vos aconselhei neste opúsculo vo-lo repito novamente, rogo-vos assisti
a muitas Santas Missas e encomendai o mais que puderdes.

Tereis amontoado um grande tesouro que vos aproveitará neste Mundo e no outro.

A segunda verdade que deveis depreender da história precedente é a eficácia da Santa


Missa, para alcançar todo bem e preservar-se de todo mal, e em particular para
adquirir forças espirituais, a fim de vencer todas as tentações. Deixai-me, portanto,
dizer-vos ainda: À Santa Missa! À Santa Missa! Se quereis a vitória sobre vossos
inimigos e ver todo o inferno vencido e dominado.

Resta-me ainda dar-vos um aviso, que se dirige também tanto aos sacerdotes, aos
religiosos, como aos leigos: é que, para receber com grande abundância os frutos da
Santa Missa, importa ir a ele com a máxima devoção. Vós, leigos, portanto, assisti
com toda a devoção, à da Santa Missa, e para isto, se quiserdes, utilizai-vos deste
livrinho e ponha em prática, cuidadosamente, tudo o que nele vai indicado.
Em pouco tempo, posso assegurar-vos pela experiência, verificareis uma mudança
sensível em vosso coração, e tocareis com o dedo o grande bem que daí há de auferir
a vossa alma.

E vós, sacerdotes, deveis temer a justiça de Deus, quando, por uma pressa exagerada
ou por negligência irreverente, executardes mal as santas cerimônias, precipitardes as
palavras, confundirdes os movimentos, numa palavra, despachardes a Missa. Refleti
que consagrais, que tocais e recebeis o Filho do Altíssimo, e que não podeis, sem
falta, omitir a menor cerimônia ou fazê-la de modo negligente ou defeituoso, como a
ensina o sábio Suarez: Vei unius caeremoniae omissio culpae reatum inducit!

Por isso, João d´Avila, o oráculo da Espanha, não punha em dúvida que o Soberano
Juiz pedirá aos sacerdotes uma conta mais rigorosa de todas as Missas que tiverem
celebrado, do que qualquer outra obrigação.

Por este motivo, tendo ouvido dizer que um jovem sacerdote passara à outra vida, ao
terminar sua primeira Missa, aquele santo homem soltou um suspiro e disse:

“Ele celebrou, então, a Santa Missa?” E como lhe respondessem que o neo-sacerdote
tivera a felicidade de morrer logo depois de celebrá-la, replicou: “Ah! Grande conta
tem ele de dar a Deus, se celebrou uma Missa!”

E vós e eu, que tantas temos celebrado. Como nos arranjaremos no tribunal de Deus?
Tomemos por tanto a salutar resolução de rever, ao menos no próximo retiro que
fizermos, todas as rubricas do Missal e todas as cerimônias sacras, a fim de celebrar
com a máxima perfeição possível. E estou certo de que se nós, sacerdotes,
celebramos com um exterior grave e recolhido, e, sobretudo com grande fervor, os
leigos, de sua parte, hão de decidir-se a assistir diariamente à Santa Missa. E teremos
a consolação de ver renascer entre os cristãos de nossos dias o fervor dos primeiros
fiéis da Igreja.

E vós, que é que estais fazendo? Por que é que não ides correndo para as igrejas
para lá assistirdes fervorosamente a todas as Santas Missas que puderdes? Por que é
que não quereis imitar os Anjos que, quando se celebra a Santa Missa, descem do
Paraíso em grande número e vêm ficar ao redor do altar em adoração, intercedendo
por nós? E Deus será soberanamente honrado e glorificado: é esta a única
finalidade desta pequena obra.

Orai por mim, rezando uma Ave Maria.

TERMINA AQUI “TESOURO OCULTO” DE SÃO LEONARDO DE


PORTO-MAURÍCIO
Outras considerações sobre a Santa Missa
Após término das páginas de São Leonardo de Porto-Maurício, ter-se-á caro leitor
adiante outras considerações sobre a Santa Missa e a Sagrada Comunhão

A participação ativa do Santo Sacrifício produz muitos frutos

A grandeza infinita da Santa Missa deve fazer-nos compreender a exigência de uma


assistência atenta e devota do santo Sacrifício de Jesus. Amor e adoração devem ser
os sentimentos dominantes.

O estado de alma, na hora da celebração, deve ser o mesmo em que se achava o nosso
divino Redentor, quando fez o sacrifício de si mesmo: uma humilde submissão do
espírito, isto é, a adoração, o amor, o louvor e ao agradecimento à Suma Majestade de
Deus...

Verdadeira assistência à Santa Missa é aquela que nos torna vítimas imoladas como
Jesus, que consegue o escopo de “reproduzir em nós os sofrimentos de Jesus”,
dando-nos “uma união comum com Cristo em seus sofrimentos e a conformidade
com Ele e sua morte” (Fl 3,10).

Tudo o mais é somente rito litúrgico, uma veste exterior. São Gregório Magno
ensinava: “O santo Sacrifício do altar será para nós uma Hóstia (vítima)
verdadeiramente aceita por Deus, quando nós mesmos nos fizermos vítimas.”

Por isso, nas antigas comunidades cristãs os fiéis, para a celebração da Santa Missa,
tendo à frente o Papa, iam em procissão até o altar, vestidos com vestes de penitência
e cantando a Ladainha dos Santos.

Na verdade, quando vamos à Santa Missa, devemos ir, repetindo com São Tomé:
“Vamos, nós também, para morrermos com Ele!” (Jô 11, 16)

Quando Santa Margarida Maria Alacoque assistia à Santa Missa, e ficava olhando o
altar, não deixava nunca de lançar um olhar para o crucifixo e para as velas acesas.

Para que?

Para que se imprimissem bem duas coisas na mente e no coração: o crucifixo


fazia-lhe lembrar o que Jesus tinha feito por ela; e as velas acesas lhe recordavam o
que ela devia fazer por Jesus, isto é, sacrificar-se e imolar-se por Ele e pelas almas.
Nunca refletimos bastante sobre o mistério inefável da Santa Missa que renova sobre
os nossos altares o Sacrifício do Calvário. Nunca amaremos demais esta suprema
maravilha do Amor divino.

O Sangue de Cristo corre na Santa Missa

Nosso Senhor Jesus disse a Santa Matilde: “Pelo meu Sangue, venço a cólera de meu
Pai e reconcilio o homem com o seu Deus.” Isso se realiza principal e especialmente
no Sacrifício da Santa Missa. O Seu Sacrifício na Cruz torna-se presente pela Santa
Missa. Por isso, o preciosíssimo Sangue de Cristo corre na Santa Missa como se
saísse das Chagas de Jesus na Cruz.

Todos os exercícios, todas as devoções e todas as homenagens, não podem igualar o


sublime Sacrifício eucarístico, que atualiza, duma maneira não cruenta, mas com o
mesmo valor real, o Sacrifício de Cristo na Cruz.

Na Santa Missa, Deus Pai é honrado, solicitado a perdoar, e obtém-se a reconciliação,


pelo Sangue preciosíssimo do Cordeiro, porque o Cordeiro possui uma dignidade e
um poder infinitos.

Se o ateísmo, o esquecimento e desprezo a Deus são cruéis ultrajes que pesam sobre
o nosso século e provocam a ira divina, podemos reparar este horrível sacrilégio pela
fonte de Sangue redentor que encerra o cálice da Nova e Eterna Aliança.

Assistamos todos os dias, se possível, à Santa Missa, e, unindo-nos ao sacerdote, ao


Cordeiro imolado e à Mãe Dolorosa, ofereçamo-nos com Eles ao Eterno Pai,
suplicando-Lhe “graça e misericórdia” para com os pecadores e para o Mundo em
geral.

Podemos também oferecer todos os dias, logo pela manhã, a Deus Pai, todas as
Santas Missas bem celebradas em todo o Mundo, nesse dia, e unir-nos aos sacerdotes
celebrantes, para que o Sangue redentor de Jesus desça abundantemente sobre as
nossas almas e as almas dos pecadores e aflitos, como um banho salvador,
justificador e santificador.

São as seguintes as palavras de Jesus a Maria GrafSutter: “Aqueles que se unem, sem
cessar, ao meu Sacrifício na Cruz e oferecem a Deus Pai, o meu Preciosíssimo
Sangue pela salvação das almas, podem, de certo modo, explorar o meu Coração,
porque têm poder sobre Ele. Eu purificarei as suas almas, lavando-as no meu
Sangue.”

“Se uma alma oferece ao meu Pai Celeste o Santo Sacrifício, com o sacerdote e
através dele, com verdadeiro espírito de imolação, ela participa de todas as graças
deste Sacrifício.”
“Se assiste a uma Santa Missa, mas tendo no seu coração o desejo de oferecer muitas
vezes a Deus o Santo Sacrifício e, com esta pura intenção, se une a todos os
sacerdotes da Santa Igreja, para oferecer com eles os meus sofrimentos, e a minha
Morte, com esta perpétua oferta ela obterá perpetuamente graças. Com a minha Graça,
esta alma unir-se-á a todas as Santas Missas celebradas no Mundo inteiro, e a sua
vida tornar-se-á uma perpétua união de sacrifício comigo e em Mim.” (11 de Março
de 1957).

Somente no Céu iremos compreender que divina maravilha é a Santa Missa. Por mais
que nos esforcemos, e, por santos inspirados que sejamos, nada mais podemos fazer,
a não ser balbuciar pobres palavras como as crianças, se quisermos falar sobre esta
obra divina, que está acima da compreensão dos homens e dos Anjos.

Segundo São Lourenço Justiniano, “Nenhuma língua humana, pode contar os favores,
que nascem, como de uma fonte, do Sacrifício da Santa Missa: o pecador que se
reconcilia com Deus, o justo que se torna mais justo, as culpas que são canceladas, os
vícios que são erradicados, as virtudes e os méritos que crescem, as insídias de
Satanás que são confundidas.”

Os efeitos salutares, pois que cada Santa Missa produz na alma de quem dela
participa, são admiráveis: obtém o arrependimento e o perdão das culpas, diminui a
pena temporal devida por causa dos pecados, desarma o império de Satanás e abranda
os furores da concupiscência.

A Santa Missa também reforma os vínculos de nossa incorporação com Jesus Cristo,
preserva de perigos e desgraças, abrevia a duração do Purgatório e aumente o grau de
glória no Céu.

Santa Teresa de Jesus dizia às suas filhas: “Sem a Santa Missa, que seria de nós?
Tudo pereceria neste Mundo, pois somente ela pode deter o braço de Deus.”

Sem a Santa Missa, certamente a Igreja não teria durado até agora, e o Mundo já se
teria perdido sem remédio. “Sem a Santa Missa, a Terra já teria sido aniquilada, há
muito tempo, por causa dos pecados dos homens.”, ensinava Santo Afonso de
Ligório.

Segundo São Boaventura, “A Santa Missa, é a obra na qual Deus coloca sob nossos
olhos todo o amor que Ele nos tem; é, de certo modo, a síntese de todos os benefícios
que Ele nos faz.”

São João Bosco recomendava vivamente: “Tende o máximo cuidado em assistir à


Santa Missa, mesmo nos dias de semana, ainda que para isso tenhais que sofrer
algum incômodo. Pois com isso obtereis do Senhor toda espécie de bênçãos.”
“São João Berchmans, quando ainda jovem, saia bem cedo de casa para ir à igreja.
Um dia a avó lhe perguntou porquê é que saia tão cedo. O santo respondeu-lhe: Para
atrair as bênçãos de Deus, eu consigo ajudar a celebrar três Santas Missas, antes de ir
para a escola.”

São Pedro Julião Eymard assim exortava a cada um dos cristãos:

“Fica sabendo, ó cristão, que a Santa Missa é o ato mais santo da Religião cristã; tu
não poderias fazer mais nada de gloriosos em honra de Deus, e nada mais vantajoso
para a tua alma do que assistir piedosamente à Santa Missa, quanto mais vezes te for
possível.”

Um anjo vai contando os passos

Por tudo isso devemos julgar-nos felizes toda vez que se nos oferece a possibilidade
de assistir à Santa Missa, e façamos todos os Sacrifício possíveis a fim de assistir a
todas que pudermos, principalmente nos domingos e dias de festas, nos quais a
obrigação de assistência à Santa Missa é preciso e, portanto, quem deixa de assistir
comete pecado mortal.

Santo Agostinho dizia aos cristãos do seu tempo: “Todo os passos que alguém dá
para ir assistir à Santa Missa são contados por um Anjo e por eles Deus lhe concederá
um prêmio muito grande nesta vida e na eternidade.” Segundo o Santo Cura d´Ars O
Anjo da Guarda fica feliz quando acompanha uma alma que vai assistir à Santa
Missa.

Se é verdade que todos nós temos necessidade das graças de Deus para esta vida e
para a outra, nada no-las pode melhor obter de Deus como à Santa Missa. Segundo
São Felipe Néri “Com a oração pedimos mais graças a Deus; mas na Santa Missa
obrigamos a Deus a no-las conceder.”

O Santo Cura d´Ars dizia: “Todas as obras tomadas juntas, não têm o valor de uma
única Santa Missa, porque as obras dos homens, enquanto que a Santa Missa é obra
de Deus.”

São Francisco de Paula ia cada manhã para a igreja e se ocupava lá dentro em assistir
a todas as Missas que eram celebradas. São Luís Gonzaga, S. Afonso Rodrigues, São
Geraldo Magela cada manhã ajudavam tantas Missas quantas podiam, e o faziam de
um modo tão cheio de devoção, que atraíam muitos fiéis à igreja.

São Francisco de Assis tinha por costume assistir a duas Missas cada dia; e, quando
estava doente, pedia a algum dos co-irmãos sacerdotes que lhe celebrasse a Santa
Missa na cela, contando que não ficasse sem o Santo Sacrifício!
São Tomás de Aquino, cada manhã, depois de ter celebrado sua Santa Missa, ajudava
a uma outra Missa, em ação de graças pela que celebrava antes. Também ele escreveu:
“Tanto vale a celebração da Santa Missa quanto vale a Morte de Jesus na Cruz.”

São José Cottolengo garante que terá uma santa morte aquele que assiste muitas
vezes à Santa Missa. Também São João Bosco considera um sinal de predestinação a
participação de muitas Santas Missas.

Jesus disse a Santa Gertrudes: “Fica certa de que quem assiste devotamente à Santa
Missa, eu lhe mandarei, nos últimos instantes de sua vida tantos dos meus Santos
para confortá-lo e protege-lo, quantas tiverem sido as Missas por ele assistidas.”

O venerável Francisco do Menino Jesus, carmelita, ajudava, cada dia, a dez Missas.

Jesus Eucarístico, suprema aspiração

Eucaristia significa Ação de Graças. A Eucaristia não é só participação na graça, mas


é participação na própria fonte de graças. Na Sagrada Eucaristia, não temos apenas
um instrumento que nos comunica as graças divinas, pois, nos é dado o próprio Dator
da graça, Jesus Cristo Nosso Senhor, real e verdadeiramente presente.

Se conhecêssemos o dom de Deus, que é Amor, e que dando-se a nós, nos dá todo o
Amor, compreenderíamos, então, que segundo São Bernardo: “A Eucaristia é o amor
que supera todos os outros amores no Céu e na Terra.”

Segundo São Tomás de Aquino: “A Eucaristia é o sacramento do Amor, significa


amor, produz amor.”

Certo dia, um árabe, o emir Abd-el-Kader, ia andando pelas ruas de Marselha em


companhia de um oficial francês, quando se encontrou com um sacerdote que ia
levando o Santo Viático a um moribundo. O oficial francês parou, descobriu a cabeça
e dobrou os joelhos. Então, o amigo perguntou-lhe a razão daquela saudação. “Estou
adorando meu Deus, que o Sacerdote vai levando para um doente.”, respondeu o
bravo oficial. Então o emir reagiu: “Como acreditar que Deus sendo tão grande, se
faça tão pequeno, a ponto de ir até à habitação dos pobres? Nós, maometanos,
fazemos uma ideia bem mais alta de Deus.”

Então o oficial respondeu: “È porque vós tendes só uma ideia da imensa grandeza de
Deus, mas não conheceis o Seu Amor.”

A Sagrada Comunhão

A sagrada comunhão nos é necessária, porque dela depende a vida da alma.


È o que se segue das palavras de Jesus: “Se não comerdes a carne do Filho do
Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.” A sagrada
Comunhão, por conseguinte, é o alimento da alma. Assim como o corpo morre sem
alimentação, assim também a alma.

A sagrada Comunhão, une-nos intimamente a Jesus Cristo. Conserva e aumenta a


vida da alma. Purifica-nos dos pecados veniais e enfraquece as nossas más
inclinações. Esclarece-nos a inteligência e nos dá força para a prática do bem.
Santifica-nos o corpo e deposita nele o germe da ressurreição gloriosa.

A sagrada Comunhão produz na alma um efeito semelhante ao alimento no corpo. O


alimento une-se muito intimamente ao corpo, conserva-lhe a vida e contribui para o
seu desenvolvimento. O alimento também faz desaparecer a fadiga, fortificando o
corpo.

A sagrada Comunhão une-nos a Cristo; pois Jesus diz: “Aquele que comer a minha
carne e beber o meu Sangue permanece em mim e eu nele.”

A sagrada Comunhão conserva a vida da alma: preservando-a do pecado mortal. Eis


porque Nosso Senhor diz: “Quem comer deste pão viverá eternamente.”

A sagrada Comunhão também aumenta a vida da alma, e é a graça santificante e


simultaneamente a eterna bem-aventurança. Purifica-nos como um fogo: sobretudo
enfraquece as más inclinações, por exemplo: a inveja, a avareza, a deslealdade, etc.

A sagrada Comunhão também apaga os pecados veniais, de sorte que, se, se tiver
cometido um pecado venial, depois da Confissão, não é preciso reconciliar-se
novamente antes de comungar.

A sagrada Comunhão é como o Sol ao nascer. Espalha luz e calor.

Traz-nos graças atuais. A sagrada Comunhão diária fortalecia, sobretudo os primeiros


cristãos a ponto de sofrerem valorosamente o martírio.

Para receber as graças anteriormente mencionadas é necessário preparar-se


convenientemente antes da sagrada Comunhão por meio de uma santa confissão
jejuar no mínimo, uma hora antes da Comunhão; vestir-nos com decência e asseio e
rezar com muita devoção.

Quando um soberano ou político proeminente vai a uma cidade, logo ali se apressam
em limpá-la e ornamentá-la; assim também devemos fazer quando o Reio do Céu e
da Terra vem até nós; cumpre que purifiquemos o nosso coração pelo sacramento da
penitência e o ornamento com boas obras.
Em lavando os pés doa apóstolos, Jesus deu-nos a entender que devemos receber a
sagrada Comunhão com o coração puro.

Somente um coração purificado por Cristo, por meio da confissão, pode ser a morada
digna de Deus. Aquele que comunga sabendo que está em pecado mortal, como Judas,
comete o crime do sacrilégio.

Santo Agostinho nos adverte: “Ninguém se atreva a comer a carne de Jesus Cristo
antes de havê-La adorado!” Por isso é bom assistir à Santa Missa antes de comungar,
fazer os atos de fé, esperança, caridade e contrição. O melhor seria receber ajoelhados,
em sinal de adoração, a sagrada Comunhão.

A união com Deus

Jesus Cristo não pôde contentar o seu amor apenas dando-se todo ao gênero humano
pela encarnação e paixão, morrendo por todos os homens. Quis ainda encontrar o
meio de dar-se todo a cada um. Instituiu, por isso, o sacramento do altar a fim de
unir-se todo a cada um de nós. “Quem come a minha carne permanece m mim e eu
nele.”

Na sagrada Comunhão, Jesus une-se à pessoa e a pessoa a Jesus. Esta união não é
apenas de simples afeto, mas real e verdadeira. Por isso São Francisco de Sales diz:
“Em nenhuma outra ação se pode considerar o Salvador mais carinhoso, mais
amoroso do que nesta. Aniquila-se, por assim dizer, e se reduz a alimento para
penetrar nossas almas e se unir ao coração de seus fiéis.”

Diz São João Crisóstomo: Jesus Cristo quer de tal modo unir-se conosco, pelo amor
ardente que nos tem, que nos tornemos um só coração com Ele.

São Lourenço Justiniano diz: Ó Deus, que tanto nos amais, com este sacramento
quisestes fazer com que nosso coração se tornasse um só com o vosso,
inseparavelmente unidos.

Acrescenta São Bernardino de Sena: O dar-se Jesus Cristo a nós como alimento foi o
último grau de amor. Deu-se a nós para unir-se totalmente conosco como se une o
alimento diário com quem o toma. Oh! Quanto Jesus Cristo se alegra em estar unido
conosco.

Disposições e efeitos

Primeiramente, como ensina o Concílio de Trento, a comunhão é o remédio que nos


livra dos pecados veniais, e nos preserva dos mortais: “Remédio pelo qual somos
livres das falhas cotidianas e preservados dos pecados mortais.”
Diz-se que somos livres das falhas de cada dia porque, segundo São Tomás, por meio
deste sacramento, o homem é estimulado a fazer atos de amor e por eles se apagam os
pecados veniais. Somos preservados dos pecados mortais, porque a sagrada
comunhão confere o aumento da graça que nos preserva das culpas graves.

Por isso escreveu Inocêncio III: “Jesus Cristo com sua Paixão nos livrou do poder do
pecado, mas com a Eucaristia nos livra do poder de pecar.”

Além disso este sacramento inflama de modo especial as pessoas no amor de Deus:
“Deus é amor. É fogo que consome todos os afetos terrenos em nossos corações: É
fogo devorador.” Jesus Cristo veio precisamente acender este fogo de amor na Terra.
Não tinha outro desejo senão ver aceso este santo fogo em cada um de nós.

Santa Catarina de Sena imaginava Jesus Sacramentado nas mãos do sacerdote como
se fosse um globo de fogo e a Santa admirava-se de não ficarem abrasados e
consumidos todos os corações dos homens. Santa Rosa de Lima, depois da comunhão,
impressionava a todos que dela se aproximavam pro sua grande piedade e
recolhimento.

Para as almas do Purgatório, a Santa Comunhão é o dom pessoal que elas podem
receber de nós. Quem pode dizer quanto ajudam para a sua libertação as Santas
Comunhões?

São Boaventura se fez Apóstolo desta verdade, e dela falava em termos vibrantes: “Ó
almas cristãs, quereis dar provas de verdadeiro amor aos vossos defuntos? Quereis
enviar-lhes os mais preciosos socorros e as chaves de ouro do Céu? Fazei
frequentemente a Santa Comunhão pelo descanso de suas almas.”

Reflitamos, também, que na Santa Comunhão, não nos unimos somente a Jesus
Cristo, mas também a todos os membros do Seu Corpo Místico, especialmente às
almas mais caras a Jesus e mais caras ao seu Coração. “Visto que não temos mais do
que um só pão, nós, mesmo sendo muitos, formamos um só corpo: todos, com efeito,
participamos do mesmo pão.” (I Cor 10, 17)

Sempre que, com o coração puro comungamos, realiza-se plenamente aquela palavra
de Jesus: “Eu neles...a fim de que sejam perfeitos na Unidade.” (Jo 17, 23)

Com a Eucaristia, sim, não só tudo podemos, mas até obtemos o que deveria
encher-nos de espanto e comover-nos, a saber, a nossa identificação com Jesus, como
nos diz Santo Agostinho:

“Não somos quem transformamos Jesus Cristo em nós, como fazemos com os outros
alimentos que comemos, mas é Jesus Cristo que nos transforma Nele.”
Portanto devemos estar certos de que uma pessoa não pode fazer nem pensar fazer
coisa mais agradável a Jesus Cristo, do que assistir à Santa Missa e comungar com as
disposições convenientes a tão grande hóspede. Assim se une a Cristo, pois esta é a
intenção deste adorável Senhor.

Prestem atenção no que eu disse: com as disposições convenientes; não disse


“dignas” porque se estas fosses exigidas, quem poderia comungar? Só um outro Deus
seria digno de receber um Deus.

Entendo como “convenientes” aquelas disposições que convêm a uma miserável


criatura vestida de pecadora carne de Adão.

Basta, ordinariamente falando, comungar em estado de graça e com vivo desejo de


crescer no amor a Jesus Cristo.

Dizia São Francisco de Sales: “Só por amor se deve receber Jesus Cristo na
comunhão já que só por amor ele se dá a nós.”

Entendamos, pois, que não existe coisa tão proveitosa a nós como a comunhão. O Pai
Eterno pôs nas mãos de Jesus Cristo todas as suas riquezas divinas: “O Pai tudo lhe
colocou nas mãos”. Por isso, quando Cristo vem até a uma pessoa pela comunhão,
traz consigo imensos tesouros de graças. Uma pessoa que recebeu bem a comunhão,
pode dizer: “Com ela me vieram todos os bens”. São Dionízio diz que o sacramento
da Eucaristia tem poder de santificar as pessoas mais do que todos os outros meios
espirituais.

São Vicente Ferrer escreveu que maior proveito se tira da comunhão, do que de uma
semana de jejum a pão e água.

São Cristóvão dizia: “Vós invejais a sorte da mulher que tocou nas vestes de Jesus,
ou da pecadora que banhou os pés dEle com suas lágrimas, ou das mulheres da
Galiléia que tiveram a felicidade de acompanhá-lo em suas peregrinações, ou dos
Apóstolos com os quais ele conversava familiarmente; da população daquele tempo
que podia ouvir as palavras de graças e salvação, que saiam dos seus lábios adoráveis.
Vós chamais felizes aqueles que O viram... Mas, vinde ao altar, e O vereis, e tocareis
nEle, e Lhe darei beijos santos, e O banhareis com as vossas lágrimas, e O levareis
dentro de vós, como Maria Santíssima!”

Por isso os Santos desejavam ardentemente a Santa Comunhão com um amor que os
inflamava. São Pascoal Baylon, Santa Verônica, São Geraldo Majela, Santa
Margarida Maria Alacoque, São Domingos Sávio, Santa Gema Galgani...; impossível
continuar, pois seria preciso colocar o nome de todos eles!

Conta-se que São Venceslau, ao visitar as igrejas onde estava o Santíssimo


Sacramento, transformava-se exteriormente a ponto de chamar a atenção de quem o
seguia. Por isso, diz São João Crisóstomo; O Santíssimo Sacramento é fogo que nos
inflama de modo que, comungando sacramentalmente, espargimos tais chamas de
amor que tornam terríveis ao inferno.

Na Santa Comunhão Jesus se dá todo à pessoa que comunga, e o comungante é todo


dEle. Ele penetra no coração e permanece corporalmente presente, enquanto durarem
as espécies do pão, ou seja, por uns quinze minutos. Durante esse tempo, como
ensinam os Santos Padres, os Anjos circundam o comungante, para continuarem a
adora a Jesus, num amor incessante.

São Bernardo escreve: “Quando comungamos sacramentalmente, os Santos Anjos


montam guarda, ao redor de nós, em honra de Jesus”.

Jesus é vínculo de união

Quando um adorador de Deus, comunga Jesus, toda a Igreja exulta, a dos Céus, a do
Purgatório e a da Terra.

Quem poderá exprimir a alegria dos Anjos e dos Santos a cada Comunhão bem feita?
Uma nova corrente de amor chega ao Paraíso e faz vibrar os espíritos
bem-aventurados, cada vez que uma criatura se une a Jesus. Vale muito mais uma
santa Comunhão do que um êxtase, um arrebatamento, uma visão.

A Santa Comunhão transporta o Paraíso inteiro para o coração do comungante.

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