TAYLOR, Charles - Hegel PP 155 - 396 PDF
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A dialética da consciência
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A /U, escrita no final do período de lena (1 806-1 807), pode ser concebida como um
tipo de introdução ao sistemade Hegel, cuja função seria tirar o leitor de onde ele está,
mergulhado nos preconceitos da consciência comum, e leva-lo até o limiar da verdadeira
ciência. Porém, isso não pode ser a história toda. A natureza mesma do sistemade pen-
samento de Hegel é que ele apresentatoda a realidade parcial como dependente de um
absoluto que, por seu turno, necessariamentegera essarealidade parcial. Desseponto de
vista, não há realidade, por mais baixa e fragmentária que seja, que possaser concebida
como excluída do sistema, e não há transição entre níveis da realidade, cuja explicitação
pudesseser consideradacomo uma espéciede óozl z/bewz,re,um aperitivo.
E isso se aplica .z#orüor/ aos modos de consciência, num sistema em que o absoluto é
espírito. O espírito chegaa conhecer a si mesmo, e os veículos desseautoconhecimento
são espíritos finitos. O curso do desenvolvimento do Geüf rumo ao autoconhecimento
passapelas conhsóes iniciais, pelas concepções equivocadas e visões truncadas dos seres
humanos. Por isso, estas não podem estar situadas cora do sistema. Ao contrário, essaobs-
curidade inicial reflete algo essencial a respeito do absoluto, a saber, que ele precisa crescer
lutando pelo autoconhecimento. Em consequência,não pode facilmente haver uma intro-
dução à ciência do absoluto que já não seja também parte dessaciência, não pode haver
mera preparaçãodo terreno que já não seja também uma construção parcial do ediHcio.
Issojá é meio caminho andado para explicar por que houve tanto debatee incerteza
sobre o siafzíi da /;E Hegel parece tê-la concebido como maneira de aceder à Lógica
e, nessesentido, como introdutória. Porém, ao mesmo tempo, ele descreveua obra na
página de rosto como a "primeira parte" de um "Sistema da Ciência". Este incluiria a Ló-
gica e aquilo que mais tarde 6oi desenvolvido como asfilosofias da natureza e do espírito,
cujas primeiras variantes ele já havia elaborado em lena. Quando ele deu a estas a sua
forma final, certascoisastratadasna /E foram retomadasna filosofia do espírito; e isso
Goiinevitável, visto que uma explicação do desenvolvimento do espírito não pode deixar
de tratar das formas da consciência. E, para aumentar a confusão, há uma seçãona parte
da Encic/cp(%áadedicada ao espírito subjetivo que foi chamada de "Fenomenologia'
Mas isso nos confiindirá somente se concebermos o sistema hegeliano como um siste-
ma per6eitamenrearrumado de acordo com uma ordem necessáriaem que tudo tem o seu
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lugar certo. Hegel de Eito encorajou isso com sua apresentaçãoda Lógica e das filosofias
da natureza e do espírito em forma de uma grande tríade na Enc/cZapc%&azZn Cyé/zci.u
[email protected], justifica-se de alguma maneira apresentar essascomo uma tríade,
mas não setrata da ordem única e exclusivaque é consistentecom a sua posiçãofilosófica.
O ponto nevrálgicoé, antes,como descrito por nós no último capítulo, que deveríamosser
capazesde partir de qualquer lugar e recuperar o ponto de partida original. [)ependendo
de onde separte, há diferentes modos de expor o sistemada conexão necessária.
11.
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A /;Z' propõe-se a partir de nossa consciência comum das coisas (.Zn für#cór BemzeK/-
se/n), e conduzir-nos desta para a verdadeira perspectiva do Ge/íf. A obra é chamada de
enfatiza que isso seria prejulgar a questão, a última coisa que ele estaria disposto a fazer
nessecaso,visto que ele quer chegara uma conclusãodiametralmenteopostaao que
comumente se assume.
necessidade racional; mas ao cancelar dessemodo o que ele mesmo pâs, o espírito acaba
dizendo o que ele queria com isso. O que náo podia ser expressona existência exterior é
expresso no movimento pelo qual essesexistentes vêm a ser e perecem. A "distorção" que
a realidade exterior impôs à mensagem do espírito é corrigida por seu necessário Edeci-
mento. O espírito jamais chega a uma expressãoimutável que diz tudo, mas, no jogo de
afirmação e negação,ele manifesta do que se trata.
Logo, em última análise,é porque vemos a realidade com basena teoria de Hegel
como posta visandodizer ou manifestar algo, que podemosdizer com certezaque
suas caractensticas pervasivas e inescapáveis -- como a existência partes fxfxu .par/eJ--
sáo "distorções", que dizem algo diferente do que deviam dizer e, em consequência,
que "se contradizem"
Porém, essanoção não nos ajudará numa dialética ascendentecomo aquela, em que
estamosprestesa embarcar.Pois concordamos que a consciência comum não poderia ser
instruídaa partir de Gera;ao contrário,que teríamosde partir da consciênciacomum e
acompanharseupróprio movimento. Ao invés de mostrar como todas asrealidadesparciais
têm de ser contraditórias uma vez que aceitamos o mundo como corporificação/expressão
do Geisr,temos de começar destacando a contradição nos existentes finitos e, partindo dali,
mostrar como só se pode conferir sentido a essacontradição se virmos essascoisasfinitas
como parte da corporificação do GeísF.E, como vimos no capítulo anterior, uma dialética
ascendentedessaespécieé essencialpara a posição de Hegel, não só porque ele quer con-
vencer aspessoas,mas também porque se pressupõeque a visão racional do Geüf constitua
um tecido inteiriço de argumento racional. Não basta mostrar que o Geüf requer existentes
finitos; também temos de mostrar que estes requerem o Geisf. Examinados devidamente,
elestêm de evidenciar a sua dependência do todo. Não sendo assim, a concepção de Hegel,
que também é autoconhecimento do Geü/, figurada apenas como outra visão baseadana &
ou na plausibilidade oniabrangente; e isso é inaceitável caso o Grlst seja Razão.
Porém, como podemos descobrir contradição em coisas finitas? Tomados apenas em
si mesmos, que é como a consciência comum os vê, os objetos materiais ou os espíritos
finitos são simplesmente dados. Acabamos de constatar que, para vê-los como contradi-
tórios, temos de considera-los como postos. Porém, é justamente isso que não podemos
fazer no início sem incorrer na petição de princípio e violar nosso método. Pareceque
estamospresos num círculo vicioso. Como podemos começar?
Hegel aârmará que toda e qualquer realidadeque considerarmos,não importando
quão circunscrita e aparentemente independente ela seja, manifestará a articulação inte-
rior necessária
à contradição.Essaarticulaçãointerior, como vimos no último capítulo,
é tal que podemosdistinguir, de um lado, onde a coisacm questãoquer chegarou o
que se pretende que ela seja e, de outro, o que ela é efetivamente. Sendoassim, pode
haver discrepânciaentre a existência e6etivae o objetivo ou o padrão almejado e, em
consequência, a coisa é passívelde contradição. Por conseguinte, o objetivo que discerni-
mos não precisa necessariamente ser, em primeira linha, o de expressar o Geüf. Podemos
A DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA
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i6o PARTE ll l FENOMENOLOGIA
De modo similar, a diabética da consciência na /;E' nos conduzirá por uma crítica das
concepçõesinadequadasdo conhecimento tidas como padrão realizado. Porém, ao mes-
mo tempo, todas asdefinições que examinámos, até mesmo as mais inadequadas,coram
consideradas verdadeiras por alguém em alguma época (incluindo a presente, no caso
de algumas pessoas).Elas, por conseguinte, necessariamentemoldaram a prática. E isso
quer dizer que a perfeição do conhecimento, onde o conhecimento do mundo coincide
com o autoconhecimento, nem sempre 6oi realizada.A prática do conhecimento, dife-
rentemente, digamos, da prática de jogar hóquei, não pode ser divorciada da concepção
que temos dela. O conhecimento é zpso#acroimperfeito se estiver errado sobre sua pró-
pria natureza. Consequentemente, o conhecimento perfeito só pode ser obtido quando
os sereshumanos alcançam uma concepção adequada dele.:
Por conseguinte,a diabéticadas teorias do conhecimento está em conexão com a
dialética das formas históricas da consciência.
Em contrapartida, quando as dialéticashistóricas tratam da contradição entre certas
formas históricas e os propósitos básicosque se buscam por meio delas,isso também está
ligado a uma contradição nas ideia humanas. De Eito, o modo como os sereshumanos
concebem os propósitos básicos da humanidade é essencial para a caracterização de qual-
quer forma histórica dada e de sua inadequação. O fato de, nos primórdios da história, os
sereshumanos não terem sido capazesde realizar o potencial humano estávinculado com
sua incapacidadede conceberadequadamente os objetivos do ser humano (e do Ge/fr).
E por serinadequadaa concepçãodos propósitos humanos básicosassociadosa uma
dada forma histórica de vida, os sereshumanos, nesse estágio, tendem a frustrar esses
propósitos. Essaconcepção inadequada, por conseguinte, é essencialpara a contradição,
porque esta não se origina do fato de que os propósitos humanos malogram, mas do
batode que os sereshumanosos frustram ao tentar cumpri-los. Assim, pode-sedizer
que, em qualquer sociedadeou civilização histórica, a contradição consiste nisto: que
os propósitos humanos básicos, concebidos nos termos dessa sociedade, estão fadados
à autofrustração. Por conseguinte, o papel desempenhado pelas concepções cambiantes
é tão essencialpara a dialética histórica quanto a mudança da realidadehistórica, e, de
Fato, uma está vinculada com a outra.
A partir disso,podemos ver quão estreitamente os dois tipos de diabéticaestão relacio-
nados na obra de Hegel. Cada um deles figura na explicação do outro A filosofia hegeliana
da história remete-nos à sua ontologia; e sua oncologia requer o desenvolvimento histórico.
z Isso não quer dizer que haja um cerco número de formas históricas do conhecimento que sãoforrei zmf/z/e
caracterizadascomo certeza,percepção, etc., sensíveis.Com efeito, as propriedades básicasdessasconcep'
ções iniciais inadequadas são que elas estão erradas a respeito delas mesmas. Ê essadiscrepância entre a
ideia que Errem de si mesmas e sua realidade eâetiva que constitui o motor da diabética. Porém, na mesma
proporção em que estão erradas,elas são distorções do conhecimento, as quais não podem ser explicadas
adequadamente nem pela imagem que têm de si mesmas nem pela concepção do conhecimento perfeito.
A DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA
um modo como paderümoi olhar para ascoisas.Um ponto de partida tão problemático
poderia produzir, mediante o argumento diabético,uma visão das coisasque até pode
nos convencer por sua plausibilidade, mas não seria um argumento concludente, não
exigiria o nosso assentimentocom todo o rigor. Para ter o efeito que Hegel quer, esse
ponto de partida deveser irrefutável. E issopareceser uma tarefa difícil.
Porém,é uma tarefaque Hegel sepropõe a cumprir. Veremosmais tarde que é justa-
mente a diâculdade de sustentar essaafirmação que solapa todo o sistema. (quando seus
argumentos não funcionam, issocostuma ocorrer porque dependem de um propósito
ou padrão intrínseco putativo que não está irrefiitavelmente estabelecido.E mais adiante
perceberemosuma importante distinção a ser feita entre diferentes dialéticas em Hegel
que dependem da natureza do ponto de partida.
Entretanto, no que concerneà FZ?,Hegel pode sustentare sustentao seu ponto de
partida. Com efeito, estamos tratando da consciência. E nosso ponto de partida será o
sujeito cognoscente.Este,porém,diferentementede uma pedraou de um rio, já é algo
que tem de serdefinido em termosde propósito realizado,em termos de realização até
mesmo aos olhos da consciência "natural". "Conhecer", como também se pode dizer, é um
verbo de realização. Nesse caso, porém, nossas concepções rudimentares, ordinárias dessa
consciência podem ser os pontos de partida da dialética. Com efeito, pressupondo que
pudéssemosmostrar que o conhecimento,como elaso interpretam, é de Eito irrealizável
(por necessidade),aquilo que preencheu suasfórmulas não poderia ser chamado de conhe-
cimento nem com base em seuspróprios critérios. Teríamos desvelado,nessecaso, uma
profiinda contradição ou incoerência na visão ordinária, a qual exigiria seu melhoramento.
De bato é assim que Hegel apresentaas coisas na introdução à /;E' (p. 78-80; P»G, P 70-
73). Para testar a validade das afirmações do conhecimento, necessitamosde um parâmetro
ou padrão(714:?6zaó).Porém, violada o princípio do nosso presente procedimento se ele
viessede cora, de alguém que alegasseum conhecimento superior de como são as coisas.
No entanto, Hegel argumenta que isso não é necessário nessecaso. A consciência cognos-
cente distingue(wníezKcÉe/d'í)dentro de si mesma entre o nosso conhecer e o objeto conhe-
cido. A consciência é bipolar: ela é consciência z& algo; e isso quer dizer que seusconteúdos
não são meramente inertes, mas têm ligação com algo fora deles. Como sujeito cognoscen-
te, meus pensamentos,minhas percepções,etc. também são a@zmózfóes
do conhecimento.
Ora, não podemoscomparar o mundo-como-eu-o-vejo ou o mundo-como-eu-afir-
mo-que-o-conheçocom o mundo-em-si-mesmo,tendo estecomo parâmetro. Porém,o
que pode servir de parâmetro é a concepção que formamos sobre o que é uma afirmação
bem-sucedida, isto é, o que é conhecimento verídico. E isso implica em não apelar para
um padrão situado cora da consciência. Nós apelamos, antes, para sua própria concepção
de verdade. ' no que a consciência dec]ara dentro de si como o .4n dirá [em si] ou o
verdadeiro, temos o padrão que ela mesma estabelece para medir o seu saber" (/;E. p. 78;
/'óG, p. 71). O que nós comparamoscom ele é seu sabereEetivo.Sepudermos mostrar
que estenão conseguiriasatisÊmero seu próprio padrão, se pudermos mostrar que, ao
i64 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
tentar satisemeressepadrão, nada podemos fazer senão produzir algo incompatível com
ele, então teremos posto a descoberto uma contradição que não tem como não mudar a
nossaconcepção do conhecimento.
Ao mostrar que o nosso saber eGetivo não consegue satisfazer o padrão estabelecido,
pode parecerque estamosmostrando uma inadequaçãodessesaber.Porém, de fato, a
crítica mais fundamental é deita ao padrão. Com efeito, se mostrarmos que ele não pode
ser satisfeito, ou o entendemoserrado ou jamais poderá haver qualquer saber.Porém,
essasegunda alternativa não pode ser acolhida por nós; estaríamos refutando essa tese
Já pelo simples Eito de formula-la. Há saber, e ele constitui uma realização,a realização
de um padrão. Se o padrão que concebemos 6or irrealizável, temos de voltar a concebê-
lo. Logo, como diz Hegel, "o exame não é só um exame do saber, mas também do seu
padrão de medida" (/U, p. 80; PÉG, P. 73).
Consequentemente, Hegel conseguiu aqui agarrar um ponto de partida que tem de
ser visto como um padrão realizado e, assim, ele é capaz de iniciar uma diabética ascen-
dente a partir da concepção mais natural e não sofisticada do sujeito cognoscente, a qual
ele chama de "certeza sensível". Ele consegue cumprir a sua promessa, pelo menos nas
partes inaugurais da obra, de não importar qualquer conhecimento ou noção de fora,
mas acompanhar unicamente o movimento da própria consciência comum. Essemovi-
mento emergira das contradições na consciência comum, que virão à tona à medida que
seus padrões forem confrontados com seu ser e6etivo.
Porém, podemos ainda estar intrigados com essaalegação de que se está Emenda uma
crítica imanente. Os filósofos que escrevem e que leem a .IZ' seguramente estão vendo
coisas que muitas pessoascomuns não veem. .4/gama coisa os diferencia da consciência
comum. O que seria isso senão alguma noção ou algum conhecimento adicional? A
respostade Hegel é que os filósofos só se distinguem nesseponto da pesco; comum
por trazerem claramenteà luz aquilo que já estáimplícito no que a consciênciacomum
reconhece. Eles não trazem nenhuma contribuição (Z#íaf, literalmente "achega", "acrés-
cimo" [/W, p. 79; PÉG,p. 72]) própria. Ou, casose prefira,suacontribuição(Zúiaf
[.fU, p. 8 1; PBG, p. 74]) é apenasmanter e interconectar, em contínuo observar,o que a
consciência comum experimenta sem interconectar.
Com efeito, essa diabética é vivida e experimentada pela consciência comum. De bato, é
algumas das transições cruciais se darão entre formas da organização do Estado e, em con-
sequênciadisso, acompanhando estas,passaremospara o terreno da filosofia da história.
Em princípio, issonão nos deveria causarsurpresa,uma vez que, como vimos com Hlegel,
não há modo de isola a fenomenologia enquanto propedêutica do corpo principal de sua
filosofia; a única coisaque pode nos surpreenderé o escopo,que torna a .IU' uma versão
abreviada de algumas das partes principais do sistema de Hegel.
Porém, issonão é tudo. Hegel tece a sua teia numa amplitude maior do que consi-
deraríamos necessário. Muitos leitores ficaram impressionados com a tendência presente
aí, como em todas as obras sistemáticas de Hegel, de aparentemente começar tudo de
novo desde o início a cada nova seção. Essaé uma das coisas que torna as transições hege-
lianas mais difíceis de acompanhar e mais questionáveis do que elas precisam ser.Tendo
l mostrado a necessidade de passar a um novo modo de encarar a questão, Hegel não per-
manece no nível de sofisticação conceptual que atingiu, mas começa apresentando esse
novo modo de abordagem em sua forma mais primitiva, apreciando refazer lentamente a
escaladae gerar uma vez mais, nessenovo domínio, a linguagem sofisticadacujo direito
de usar ele já havia conquistado.
Por conseguinte,Hegel termina a primeira seção,sobrea consciência,com um fio-
reio mostrando que a consciência seconverte necessariamenteem consciência de si. No
processo,ele havia implementado alguma coisa da linguagem de sua teoria especulativa
avançada, como, por exemplo, "infinitude", a divisão do autoidêntico, e assim por dian-
te. Contudo, ele inicia a seçãosobre a consciência de si sem se valer dessaparafernália
avançada; ele parte do começo, ou seja, com um estudo sobre a vida e o desejo. A uni-
versalidade, que se revelou como uma parte necessáriada bagagem da consciência, tem
de ser mostrada mais uma vez e de maneira nova em conexão com a consciência de si.
Ou, então, Hegel termina o capítulo sobre a razão com o conceito do indivíduo
autolegisladore transita para o espírito (objetivo) ou a vida do ser humano na comu-
nidade política. Podemos pensar que isso justiâcaria lidar com essedomínio num nível
bastante avançado. Porém, Hegel escolhe recomeçar com os gregos. No capítulo sobre a
religião, ele recua até os persas-
Pode parecer que essehábito muitos exemplos podem ser encontrados em todas
as demais obras sistemáticasde Hegel denuncie uma espéciede enciclopedismo com-
h
pulsivo. E estecertamente Eazcom que as transições de Hegel sejam menos rigorosas do
que ele àsvezespretende que sejam. Porém, há método nessespercursos aparentemente
meândricos. Não se pode perder de vista que o alvo dessesexercíciosé demonstrar, a
partir da nossaconsciência comum ou das nossascategorias cotidianas ou da existência
dascoisasfinitas (dependendoda obra em questão),que devemosterminar na noção
hegeliana do Geíff autocognoscente mediante o argumento puramente imanente, isto é,
seguindo uma dialética isenta de pressupostos.
Porém, de eito, o ponto de partida de tal demonstração é aquela coisa arbitrária
bem determinada.No final dascontas,tudo se revelarácomo emanandodo absoluto,
i68 PARTEll l FENOMENOLOGIA
mas ao dar a partida no argumento é preciso tomar algo como dado e prosseguir a par-
tir dali. Hegel escolhe como pontos de partida realidades ou categorias ou ideias tão
distantes quanto possíve[do seu ponto final como forma de reforçar o seu argumento.
Porém, essejuízo da "distância" é, antes, aproximado e intuitivo, pelo menos antes de
o sistema ter sido derivado.
Visando tornar suasdemonstraçõesconvincentes, Hegel é levado a cobrir todos os
ângulos; em vez de prosseguir pelo caminho mais curto até o objetivo, ele tende a tentar
mostrar que por qualquer ponto de partida dado é possível chegarlá. Isso é tanto mais
importante pelo fato de essademonstraçãoservir não só ao propósito de estabelecera
noção hegeliana básica, mas também de mostrar como tudo constitui parte dela. Há, por
conseguinte, uma propensão à inclusividade total nas principais obras demonstrativas de
Hegel. [)aí os frequentes e surpreendentes rodeios para aco]her a]guma ideia ou a]gum
Henõmeno de maior expressãoe, consequentemente,
a tendênciade começartudo do
princípio ao ingressarnum novo domínio.
A imagem para representar o sistema de Hegel não é um curso d'água simples, mas,
antes, um sistema Huvial; partindo da fonte, ele viaja até o primeiro afluente e, então,
em vez de continuar para a corrente principal, ele insiste em explorar essebraço de rio
desde as suas nascentes, e, assim por diante, rio abaixo, até conseguir mostrar que todas
as águasdo vasto sistemafluem para o estuário do espírito absoluto.
Porém, é claro que nenhuma obra é capazde incluir tudo. Semprehá algum prin-
cípio de seleção.E a maioria dos leitores achou desconcertantea coleção de assuntos
acolhidos na /:lF, incluindo, como é o caso, teorias do conhecimento e civilizações his-
tóricas, visões do ser humano de importância formativa para a nossacivilização, como o
estoicismo,e modismos contemporâneosum tanto absurdos,como a frenologia. Houve
quem sugerisseque o princípio de seleçãotenha sido autobiográfico: essesestágiosrepre-
sentam asteorias, as atitudes, as aspiraçõesou os períodos da história que Hegel adotou
ou sobre os quais refietiu e que o habilitaram a chegar exitosamente à sua visão madura.
Obviamente, há algum fiindamento nisso. Porém, a interpretação autobiográficapode
facilmente ser extrapolada. Não há evidência de que Hegel alguma vez tenha sido adepto
da frenologia. E, de outro lado, os ricos estudos sobre o judaísmo e a vida de Cristo estão
ausentesna FE, deixando vestígios unicamente no tema da consciência infeliz.
Uma interpretaçãomuito mais plausível seria que Hegel 6oi influenciado, quanto ao
que incluir em suas obras, pelas correntes, convicções e aspirações da época. Isso daria
sentido em relaçãoa uma obra concebida para tirar as pessoasde onde elas estavame
leva-las à perspectiva da ciência absoluta. E isso explicaria a sua preocupação com certas
posiçõesromânticase com a questãoda teoria moral kantiana.
De fato, a /U' é demasiadorica paraque a percorramosde modo sistemático,mesmo
que deixemosos detalhesde lado. Ademais, muitas seçóestocam matérias que Hegel
retomou depois. O que eu gostaria de Emeré examinar somente certasseçóesque lançam
luz sobre a sua posição e simplesmente dar a direção geral do argumento nas demais,
A DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA x69
2
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Os argumentos iniciais da FE são uma boa ilustração da crítica imanente de Hegel.
A noção de consciênciacom a qual Hegel inicia sua crítica diabéticaé denominadapor
ele de "certeza sensível". Esta é uma visão da nossa consciência do mundo segundo a qual
l ela se encontra em seu estado mais pleno e rico quando, por assim dizer, simplesmente
abrimos nossos sentidos para o mundo e recebemos toda e qualquer impressão que cruza o
nosso caminho, antes de qualquer atividade da mente, em particular da atividade concep-
tual. "Devemos proceder também de forma /me21aznou x?ce?ffz/a,isto é, nada mudando
assim[nessa consciência] na maneira como e]a se (Z#rrrcee apreendendo as coisas ]ivres
de conceitualização" (z,andem .4ze#ãsirm .Z:zli;
.B«x?dân ózzí&aZI'rn)
(/;& p. 85 [traduzido
a partir da versão inglesas;PÉG, p. 79). Ora, de acordo com a visão chamada de certeza
sensível,supõe-seque essapura receptividade nos proporcione o conhecimento mais rico
e mais verdadeiro possível, e as duas coisas pela mesma razão, a saber, porque "do objeto
nada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude diante de si" (ibidem).
Essavisão evidentemente guarda certa semelhança com o empirismo. Não é idêntica
ao empirismo, uma vez que não é de modo algum tão plenamente especificada.Porém,
a ideia da consciência como sendo primordialmente receptividade, anterior a qualquer
atividade intelectual (isto é, conceitual), é um tema reconhecidamente empirista, assim
como é a visão de que às declaraçõesdessareceptividade adere um grau de certezamaior
do que a quaisquer juízos feitos com base nela.
Ora, o modo como Hegel ingressano movimento dialético aqui é pedindo que o
sujeito da certeza sensível ziCgao que está experimentando. Podemos ver em operação a
mesma ideia básica esposadapor Herder, a de que a consciência reflexiva humana é ne-
cessariamente consciência linguística, a de que ela tem de ser expressaem signos. Porém,
sequisermos Emervaler uma tesedessetipo, não estaremosviolando o nosso método e
importando ideias, informação, teorias vindas de cora da consciência comum?
Hegel claramente não pensa assim, nesseponto. Antes, ele trata a capacidade de dizer
como uma das propriedades que servem de critério para o conhecimento. E é difícil não
concordar com ele, porque estáclaramente implícito no conhecimento, no sentido rele-
vante aqui, uma certa consciência do que se conhece. No final das contas, não estamos
lidando com Ênom-Aam,nem com perspicácia inconsciente, nem com qualquer coisa do
tipo, mas com o conhecimento que temos na experiência desperta. Se conhecemosalgo
nessesentido, devemos ser capazesde dizer o que conhecemos, e isto, mesmo que não te-
nhamos aspalavras (adequadas)para isso, mesmo que o Eormulemos de modo vacilante
e sofrível e sejamos forçados a usar palavras como "inefável". O xis da questão é apenas
que aquilo que se conhece de um objeto da consciência seja suficiente para que possamos
i7o PARTEll l FENOMENOLOGIA
encetar a tarefa de descrevê-lo. Uma experiência sobre a qual não se pudesse dizer abso-
lutamente nada, nem mesmo que foi muito difícil ou até impossível descrevê-la,estaria
abaixo do limiar de consciência que consideramos essencial para o conhecimento (no
sentido relevanteaqui, isto é, o conhecimento do que é experimentado no momento).
Ela teria sido, ou vivida, inconscientemente ou então teria sido tão periHrica que não
teríamos nem poderíamos recuperar qualquer ponto de apoio nela.
Assim, ao pedir que o sujeito da certezasensível diga o que conhece, estamospe-
dindo que ele produza uma porção de conhecimento e6etivo obtido nessemodo de
consciência.E é aqui que aflora a contradição. Supõe-seque a certezasensívelseja in-
comensuravelmente rica se comparada com a consciência conceptual porque nada ainda
foi selecionado nem abstraído nem posto numa categoria com outros fenómenos não
momentaneamente presentes. Toda a cena está presente em sua riqueza e particularida-
de. Porém, vemos, então, que, para conhecer algo, temos de ser capazesde dizer algo
sobre isso; e para dizer algo sobre isso temos de focar em uma ou outra dimensão da
realidade que temos diante de nós. A grande riqueza dessaforma da consciência revela-se
como puramente aparente: ao "apreender" a cena diante de nós, podemos erroneamente
acreditar que estamosapreendendouma riqueza inesgotável de detalhes, porque, de
fato, um número inesgotável de detalhes poderia ser dito sobre essacena. Porém, a exi-
gência de dizer o que conhecemos revela que de Eito apenastemos consciência de uma
seleção desseacervo inesgotável, porque, ao captar coisas sob algumas descrições, exclu-
ímos (naquele momento) a possibilidade de estar conscientes das que estão sob outras.
Olhando para os objetos em meu escritório sob suasdescriçõescomuns como objetos
de uso (máquina de escrever,escrivaninha, cadeiras, etc.), não sou capazde vê-los como
puras formas; ou olhando para eles como puras formas, não sou capaz de vê-los como a
Justaposiçãode diferentes materiais, e assim por diante.
Em outras palavras, asexigênciasda consciência são que toquemos em certasdimen-
sõesdos objetos diante de nós e façamos prevalecer certos modos de vê-los. A consciên-
cia que está cânscia é seletiva. Não há como isso não chorar tão logo sejamos solicitados
a dizer o que conhecemos.
Por conseguinte, diz Hegel, a certeza sensível, longe de ser a forma mais rica da cons-
ciência, seria de Fato a mais pobre, porque a sua própria Efta de seletividade a condena à
vacuidade.Ir além da seleçãonuma tentativa de "apreendertudo" só pode significar in-
correr novamentena inconsciência,num olhar fixo semelhanteao transe.(As referências
ao "puro Ser" evocam argumentos paralelos na Z,OKfca.)Por conseguinte, a tentativa de
realizar o conhecimento efetivo da certeza sensível colide com suas condições básicas. Se
houver tal estado de consciência imediata e não seletiva, então temos de pular fora dela
para chegar ao conhecimento. Consequentemente, a certeza sensívelcomo concepção
ou "parâmetro" do conhecimento é presa de contradição. Tão logo tentarmos realiza-la,
seremosforçados a ver que ela colide com certas propriedades que servemde critério
para o conhecimento. Ela é, em princípio, irrealizável.
A DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA r71
Temos de fmer com que nos i/zZlgz/e [o objeto], pois a verdade dessa re]ação
imediata é a verdade 2rsif Eu, que serestringe a um agnxnou a um ag /. A verdade
desseEu não teria a mínima signiâcaçãose a captássemos pofieriarme fe ou se
ficássemos22fía z?sdela; pois Ihe teríamos retirado a imediatidadeque Ihe é
essencial.(/U, p. 90; PÉG, p. 85.)
3 Uma discussão da argumentação do segundo capítulo e da relação dessaseção da /E com certas argumen
taçóes contemporâneas pode ser conferida em meu ensaio "The Opening Aigumencs ofthe P%enomfn / '
In: AlasdairMaclntyre(ed.),.f;lixe/.NovaYork, 1972, p. 151-87.
A DIALÉTICA DA CONSCIÊNCIA i75
consciência de si. Ao Édar do idêntico que divide a si próprio ou da ideia que necessaria-
mente é corporificada, estamosusando fórmulas que são próprias do sujeito.
O que descobrimosem função disso foi que a estrutura do objeto conhecido e a
do sujeito sãouma só e a mesma. Nossaconsciêncianão é, por conseguinte,a de uma
realidade 6orânea, mas, antes, "a consciência de um Outro, de um objeto em geral, é
necessariamente
co iczénr/ade s/, ser refletido em si, consciênciade si mesmaem seu
ser-outro"(FE, p. 132).'
Por conseguinte,levantadaa cortina que ocultava o trans6enomênico,descobrimos
que o que havia atrás dela é idêntico ao que havia diante dela (da consciência). "Fica
patente que, por trás da assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para
ver; a não serque /zófentremos lá dentro tanto para ver como para que haja algo ali
l
atrásque possaservisto" (.IU, p. 132).s
Esta, obviamente, é uma importante transição para Hegel. Porém, não proponho
abordar a fundo a argumentaçãoaqui por duas razões.Em primeiro lugar, porque essa
l
transição é mais bem e mais plenamente elaborada na Z(kfca, que transita dos conceitos
em dois planos da Essênciapara o Conceito. E, em segundo lugar, porque a argumen-
tação,qualquer que sejasua validade última na obra de Hegel como um todo, é apre-
sentadanesteponto de modo menosconvincente. Por conseguinte,nossavisão comum
l (influenciada por Hume) das leis naturais como correlaçõescontingentes é tida como
insatisfatória, e issodesempenha um papel importante na argumentação. Isso contradiz
o "conceito de lei" que exige uma conexão interior entre os termos conectados. As razões
de Hegel para essavisão são de que a lei, expressanum relacionamento entre diferentes
termos, deve também ser vista como a emanação de uma corça ou necessidadesingular
que está na sua base.Porém, isso de modo algum Êoi demonstrado de modo convin-
cente, e o leitor tem a sensaçãode que, nesseponto, o argumento é circular, de que a
necessidadeinterior aparecenas conclusões de Hegel a respeito da natureza do objeto
apenas porque eoi assumida como um requisito.
l Nesseponto, Hegel pareceter sido presade um dos perigos que espreitamos argu-
mentos dialéticos, o de imputar ao objeto em estudo um parâmetro ou padrão que de
Eito está aberto ao questionamento, o que nos leva inEdivelmente à nossa conclusão à
custa de prejudicar a credibilidade do ponto de partida. Nessecaso, a exigência de que
nossaconcepçãoda lei natural encontre um lugar para a noção da necessidadeinterior
parece constituir uma imputação desse tipo.
Passemos, agora, à segunda seção da FE.
\ " chs Bewu$tsein eines Anckm, eines Gegemtandes {lberhaupt, ist amar seLbstnotwendig Seibsthewuç\\se\n,
Reliektiensein in sicb, BewusJitsein seiner seLbstin seinem Anciassein' ÇPbG, p. 'tZ8h.
" Es zeigt sicb, daÍlhinter üm sogenannten Vorbange,wehber desInfere uer&cken sola,nicbts zu sebesist, menu
wü nicbt selbstdahintergellen,ebensosebr
ddmit gesebenwerü. als da$enoas dahinter sei, (hs gesehenwerün
êann" (PÓG,p. 129)
CAPÍTULO V
A consciênciade si
um outro. Pelo fato de o serhumano iniciar com uma noção de si mesmoenquanto ser
finito e com uma forma de vida rudimentar e pouco desenvolvidaque remeteisso, seu
anseio por integridade está fadado à frustração até que ele possa passarpelas trans6orma-
çóesque o alçarão a uma apreensãodo universal.
A noção hegeliana do fieis/, por conseguinte, é essencial nesseponto O espírito é
necessariamente corporificado. A integridade, por conseguinte, não pode ser alcançada
medianteum recolhimentointerior, no qual a consciênciade si se desconectariado
corporal. Porém, uma vez admitindo que não sou nada à parte do meu corpo, tenho
de contar também com o Eito de que meu corpo é dependentedo mundo circundante,
que a minha vida dependede uma sériede intercâmbios com esseambiente. Ora, a in-
tegridade que Hegel póe como objetivo é a negação da dependência de algum outro, é
o reconhecimento do si-mesmo em tudo o que é essencialpara mim. Disso decorre que
não há estratégiade recolhimento que possanos proporcionar integridade; não há defi-
nição circunscrita de nós mesmos, nem apenascomo a raça humana, nem apenascomo
sereshumanos individuais, e sobretudo não como mentes puramente espirituais, dentro
da qual podemos nos sentir em plena possede nós mesmos. Ou melhor, sefizermos isso,
a sensação necessariamente será ilusória. Com efeito, como fato real, nós, definidos nes-
sestermos, somos ontológica ou factualmente dependentes de algum outro; estamosà
mercê da realidade 6orânea.Todas as soluções históricas que implicam um recolhimento
dessetipo são estigmatizadaspor Hegel como ilusões; isso seráconsiderado mais adiante
em relação ao estoicismo, por exemplo.
O que sublinha essanoção de alcance extremamente amplo de integridade é a preo-
cupação hegeliana com o destino. A oposição aparentemente mais intransponível de
todas é a que existe entre ação e destino, entre aquilo que os sereshumanos fazem deles
mesmose que tem um certo significado para eles, de um lado, e, de outro, as coisas
aparentemente sem sentido que acontecem com eles, dentre as quais a morte é a culmi-
nância última. Hegel não sedará por satisfeito enquanto essedualismo não for superado,
c é essaaspiração que o empenho pela integridade reflete.
Tendo em mente esseobjetivo e a noção hegeliana do Geüf, já podemos vislumbrar
o tipo de inadequaçõesde que podem padecer os estágios iniciais da certeza de si. Há,
em primeiro lugar, a situação complicada em que dependemos de uma realidade exterior
que não reflete o Gefff. Em segundolugar, há a situação em que estamostemporaria-
mente felizes nessaoutra dependência por não estarmos cônscios dela; temos uma visão
muito rudimentar e pouco desenvolvidade nós mesmosque não nos permite ver a
disparidade. Essaé a situação complicada do senhor na relação "senhor-escravo", o qual
refez o seu mundo para refletir a si próprio por meio do trabalho do escravo, mas que
permanece limitado em sua certezade si. Numa outra maneira, aspessoasse sentem em
casano estágio feliz da cidade-Estado grega porque ainda não viram a si mesmascomo
universais. Cedo ou tarde, essesestágiostendem a esfacelar-sedevido à contradição in-
terna de que o serhumano se senteem casacomo um ser que ele não é.
i78 PARTEll l FENOMENOLOGIA
evidente até mesmo em formas inferiores de vida, pelo Eito de escolherem o que preci-
sam do mundo externo e devora-lo, isto é, incorpora-lo em si mesmos. Fazendo isso, eles
;anu]am scu ser-outro". Esseprocesso é essencial (em termos causais) para a continuação
de sua existência. Porém, Hegel equipara essanecessidade causal à situação complicada
ontológica de todos os sujeitos que, para existirem, têm de cancelar o ser-outro de uma
corporificaçáo exterior. E, uma vez que tenhamos assumido a integridade total como
objetivo, essaequiparação estácarreta porque não se pode dizer que estou realmente em
casa em minha existência corporal, se esta, por sua vez, 6or dependente de uma realidade
6orânea. Por conseguinte, o desejo não reflete só a necessidade Factual de um objeto, mas
também a busca fundamental pela integridade.
A consciência de si tem, por conseguinte, dois objetos: sua corporificação e o objeto
do desejo.A continuaçãode suaexistênciaimplica a suasuperaçãoou o "retorno a si
mesma a partir de" ambos. Porém, essasduas formas do retorno estão relacionadas pelo
Eito de o retorno a partir da primeira implicar a superaçãodo segundo.Ê issoque Hegel
pareceestar dizendo na seguinte passagem:
assim sendo, o mundo circundante, do qual ele continua a depender, não pode repetir
para ele um rosto humano. Por conseguinte, a sua integridade é radicalmente solapada
justamente quando parecia assegurada.
Porém, se para o senhor esseresultado, no final das contas, é um fracasso,para o
escravoele prepara o terreno para um êxito em última instância e, no âmbito do rela-
cionamento, lentamente tem lugar uma inversão. O escravopelo menos tem diante de
sl um ser que existepor si mesmo na figura do senhor, mesmo que essesenhor não o
reconheça.Seuentorno náo é reduzido ao sub-humano, como é o casocom o senhor.
Porém, as contesimportantes da transformação do escravosão o medo da morte e o
trabalho disciplinado. A breve passagemde três páginas (/;Z. p. 149-5 1; PÉG, P. 148-50)
em que Hegel trata disso é uma das mais importantes da .ltE, porque os temasnão só são
essenciaispara a filosofia de Hegel, mas também têm uma longa carreira no marxismo,
de forma modificada. A ideia subjacente, de que a servidão, em última análise, prepara a
liberação dos escravose, na verdade, a libertação geral, é reconhecidamente preservada no
mamismo. Porém, a noção marxista do papel do trabalho também é prenunciada aqui.
Porém, o tema hegeliano que não Eoi retomado na filosofia que Ihe sucedeu é o do
papel do medo da morte. A relação deformada entre senhor e escravoorigina-se da lura
entre os sereshumanos de horizontes limitados que estão num degrau inferior da escala
do desenvolvimento. Eles ainda não têm qualquer noção de sua ligação com o universal;
com efeito, por toda a sua disposição de arriscar a sua existência exterior para impor seu
sentido de si-mesmos, essesi-mesmo que lhes é próprio ainda é o do indivíduo particu-
lar, ou seja, um si-mesmo limitado. Porém, para que cheguem a uma solução real para
essabusca de reconhecimento, os sereshumanos têm de enxergar a si próprios como
universais, como já vimos.
Para Hegel, um favor crucial na educação dos seres humanos, na transEormaçáo que
os leva ao universal,é o medo da morte. A perspectivada morte como que os livra de
todas as particularidades de suasvidas. Hegel usa aqui a imagem de uma vida que Êoi
temperada de certa forma. A ameaçada morte, então, leva a que a consciência "se dissol-
veu interiormente; em si mesma tremeu em sua totalidade; e tudo que havia de fixo nela
vacilou" (/;E, p. 149; PÉG, P 148).
A mesma ideia volta a ocorrer numa passagemda /#Zoi(Z#ado Z)ix?/fa, na qual Hegel
Edada necessidadeda guerra de tempos em tempos para Emercom que os sereshumanos
retornem ao universal.Na vida comum, eles estão táo imersos nas suaspreocupações
particulares do dia a dia, que perdem contato com a ideia universal representadapelo
Estado. A guerra e o risco de morte livram-nos dessas preocupações menores e trazem-
nos de volta ao universal. Desnecessário dizer que a passagem em nada contribuiu para
melhorar a reputação de Hegel entre os liberais seuscontemporâneos.
Porém, o papel do medo da morte não deveria causar surpresa à luz do que vimos
da filosofia de Hegel. O retorno para o Ge/íf universal implica uma superaçãoda exis-
tência exterior particular na qual ele é corporificado. É por isso que, como já vimos,
i84 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
a morte sobrevém necessariamente às coisas vivas. E claro que a mais elevada negação
dessaexistênciaexterior é alcançadapelo ser humano em pensamento, isto é, enquan-
to ele ainda está vivo. Porém, ele é levado a essanegação interior ao defrontar-se com
l a morte, a negaçãoexterior final, porque esta revela o verdadeiro iíafwi de toda parti-
cularidade exterior em sua vida; ela a mostra como necessariamentepassageira,coma
destinada a ser negada e, por conseguinte, convida à negação em pensamento, que é o
retorno ao universal. Não se trata apenas de que a perspectiva de ser enforcado, como
disseo Dr. Johnson, eaza mente seconcentrar maravilhosamente.Trata-setambém de
que ela a boca no universal.
Ora, o início da inversãoresideaqui. É o escravoque realmentesofreo medo da
morte, porque ele estevee ainda está à mercê de outro. Assim, é ele que é liberto do
seu sentido particular do si-mesmo, ao passoque o senhor vitorioso nada mais é que
consolidado no seu. Porém, essemedo não seria suficiente, ele teria um efeito apenas
passageiro, se o escravo não transformasse a si mesmo pelo trabalho que ele é forçado a
Emer a serviço do senhor.
E isso nos traz ao tema que mais tarde se torna uma das ideias centrais do marxismo.
Vimos anteriormente que o senhor tem a vantagem de que a sua relaçãocom as coisasé
a da simples fruição (Gemi/Ó);é o escravo que experimenta a resistência e a independên-
cia das coisas. Porém, com o tempo, as vantagens se invertem. O senhor, deparando-se
com um mundo que não Ihe oferece resistência efetiva, tende a submergir novamente no
estupor da coincidência consigo mesmo. Ele seacerca do polo de estagnaçãoem que eu
: eu. Ele é simplesmente um consumidor.
O escravo,no entanto, tem de lutar com ascoisaspara transeormá-lu e, cedo ou tarde,
ele obtém o domínio sobre elas. E, Emendo isso, ele imprime suas próprias ideias nelas.
O entorno deitopelo serhumano, por conseguinte,passaa remeti-lo,é Éditode suascriações-
Por conseguinte,o trabalho desempenhaum papel crucial na luta do ser humano
por integridade. Vimos anteriormente que o problema central é que o sujeito está sem-
pre "fora de si mesmo", ele sempre depende de um universo circundante; por isso, ele
deve chegar ao ponto de reconhecer a si mesmo nessemeio que o cerca. E por isso que
a trilha principal até a integridade passapelo reconhecimento por parte do outro; no
entorno humano, um serhumano pode reconhecer-seem outros. Porém, agoravislum-
bramos outra trilha importante; o serhumano pode chegar a ver-seno entorno natural,
reEmendo-oem conformidadecom o seu próprio projeto. Com efeito, ao fazer isso,
conseguimos outra negaçãoconstante, um reflexo de nós mesmos que dura.
Conseguir a integridade implica percorrer essasduas trilhas. Em última análise, o
mais essencial é o reconhecimento mútuo. Porém, para consegui-lo, precisamos trans-
formar a nós mesmosde indivíduos limitados em corporificaçóesautoconscientes
do
universal. E isso nos traz a uma segunda importante função do trabalho: ao transformar
coisas,mudamos a nós mesmos.Criando um reflexo constante de nós mesmoscomo
seresuniversais, tornamo-nos tais seres.
A CONSCIENCIA DESI i8S
mesmo. Enquanto isso, o escravo, que está sujeito à existência refratária da matéria,
gradualmente vira o jogo, converte essaresistência a seu favor, fazendo dela um reflexo
constante de si mesmo como consciência universal. A inversão é tanto mais completa
porque ele deve a sua transformaçãoà sua sujeição; só sob a disciplina do serviço ele
empreenderia uma obra que o elevou acima dos seus limites originais.
A dialética do senhor e do escravo resulta num estágio mais elevado, que Hegel identifi-
ca com a filosofia do estoicismo.Através do trabalho, da disciplina e do medo da morte, os
escravoschegaram ao reconhecimento do universal, do poder do pensamento conceptual.
E issojá é ter conseguidouma certa liberdade. Porque,em primeiro lugar, o serhuma-
no como ser espiritual alcançauma maior autorrealização ao tornar-se capaz de reflexão
universal.E, em segundolugar, visto que o pensamentoé a basede tudo, o serhumano
chega mais perto de superar a natureza estranha das coisas quando pensa cm categorias
universais. O pensamento conceptual, em contraposição à representação por meio de ima-
gens (WorlirZZwz(g),
é um meio que ocupamosde bom grado porque verdadeiramenteo
dominamos ("o conceito é para mim, imediatamente, mezíconceito" [/W, p. 152; PÉG,
p. 152]). Ao mesmo tempo, ele estáverdadeiramente na raiz das coisas.Por conseguinte=
"No pensar,Eu iozl#z'rr, porque não estou em um Outro, maspura e simplesmentefico
em mim mesmo(iró&cólÁÍz óei mlr se/ói/),e o objeto, que paramim é a essência,é meu
ser-para-mim(mean/ürmicóse/n),em unidade indivisa" (/U, p. 152; PÉG,P' 152).
Porém, a liberdade estoica é radicalmente incompleta, porque ainda estamostratan-
do de uma âlosofia de escravos.Através do seu intercâmbio com a matéria, eles chega-
ram à intuição de que o pensamentoé a base de tudo. Porém, exatamentedo mesmo
modo que não são capazesde remodelar seu entorno e, particularmente, a sua sociedade
1.
visando expressaressaintuição -- porque uma estrutura política racionJ e leis racionais
só surgem num estágio posterior na história --, elesainda são incapazesde elaborar a sua
ideia visando mostrar que as determinações particulares do seu mundo são manifestação
do universal, necessidade conceptual (no sentido hegeliano) .
Essasduas incapacidades, a prática e a teórica, andam de mãos dadas na âlosofia he-
gelianada história. Os sereshumanos só conseguemver o mundo como Gelsfou como
necessidaderacional manifestada na realidade quando se tornam capazesde moldar a sua
própria realidade humana de acordo com essanecessidade,isto é, com a razão prática.
A experiênciaprática de conseguir a reflexão do eu no outro é essencialpara a noção
teórica. Uma vez mais, vemos como a tesede que o Ge/if é necessariamentecorporificado
leva a uma convergência parcial com o materialismo histórico.
Hegel, por conseguinte,identifica o estoicismo com um estágiode impotência polí-
tica que se refiete no caráter abstrato do pensamento. Sua crítica a ele é que se trata de
uma estratégia de recolhimento, para usar a expressãoque empregamos anteriormente.
A CONSCIÊNCIA DESI l87
Porém, isso apenasserve para tornar mais aguda a contradição subjacente. Porque,
como sujeitos corporificados, continuamos vivendo na realidade exterior. Por mais que
a decíaremos como não existente, ela retorna de modo incessante e inescapável. Assim,
o que temos de Eito é uma oscilaçãoentre um sensode nossaidentidade com nós mes-
mos e um senso igualmente agudo de nossa dependência de uma realidade exterior em
mutação e variação. Com a mesma rapidez com que questionamos essarealidade em
mutação visando experimentar a nós mesmos como imutáveis e idênticos a nós mesmos,
nossopróprio vazio interior nos corçaa aceitar que nos encontramoscorporificados no
mutável e exterior a nós mesmos.
Porém, essaoscilação ocorre numa consciência singular e, juntando essesdois mo-
mentos, derivamos uma nova fase dialética, em que o sujeito tem de aceitar o fato da
divisão interior (Enzzme/wng),
na qual o próprio eu interior estádolorosamentedividido
entre um ser ideal imutável e idêntico consigo mesmo, de um lado, e, de outro, um ser
mergulhado num mundo de confissãoe mudança.É o estágioda consciênciainfeliz, no
qual reaparecea relaçãode senhor e escravode que o estoicismo alegou ter escapado,só
que agoradentro do sujeito, na relaçãoentre essesdois lados mutuamente incompatíveis.
As páginassobrea consciênciainfeliz nos introduzem em algumasdas ideiasfunda-
mentais da filosofia hegeliana da religião. Reconhecemos os temas dos escritos de Hegel
sobre a religião da década de 1790, em particular o tema da separação, na qual o ser
humano profeta sua unidade perdida num espírito transcendente, ao qual ele sujeita a si
mesmo de modo absoluto, como ocorre na religião de Abraço.
Na FE, Hegel apresentaa consciênciainfeliz como consciênciaprofiindamente di-
vidida porque ela é tanto o sujeito imutável e idêntico consigo mesmodo pensamento
quanto o indivíduo que está sujeito ao mundo mutável. Porém, essasituação vivida
pelo sujeito é tal que ele identifica a si mesmo enquanto particular com o inessenciale
mutável. O imutável é projetado para um além. Suaunidade com ele é sentida unica-
mente em termos de perda, da sensação de que ele precisa de algum modo ir além do seu
presenteestadoe alcançara unidade com esseimutável. Porém, visto que, no presente
estágio,o particular e o imutável são definidos como incompatíveis, essatentativa está
perpetuamente fadada ao fracasso.Já que não posso parar de ser um indivíduo particu-
lar, jamais poderei alcançar a unidade com o imutável.
Sendo um relacionamento com uma realidade transcendente, à qual não posso ser
indiferente, tendo, porém, de almejar unir-me a ela, a consciência infeliz pode ser vista
como consciência religiosa.' E na base desseestudo hegeliano encontra-se a copiosidade
de suasreflexõessobre o desenvolvimento histórico do judaísmo e do cristianismo, tanto
de uma realidade mais ampla, cuja corporificação total Eoio universo. Assim sendo, até mesmo no ápice do
seudesenvolvimento, o serhumano permanecena presençade algo maior que ele próprio.
l9o PARTEll l FENOMENOLOGIA
particular oposto a outros até a realização de sua natureza universal, que é o mesmo que
o pensamento universal subjacente ao mundo. A foraneidade mútua de agente e mundo,
por conseguinte, foi superada. Porém, a exemplo da primeira, esta seção apenas estabe-
leceu o princípio da unidade. Restatraçar seu desenvolvimento, nas seçóesseguintes.
l
O capítulo subdivide-seem três seções.A primeira delasé análoga à parte inaugu-
ral sobre"consciência"ao tratar dasdiferentesteorias da ciência.E seumotivo básico
é a tentativa de cumprir a promessada razão, de que podemos obter uma visão das
coisascomo determinadas de modo p]enamente racional. A busca por uma ciência ra-
cionalmente necessáriacompreende a "razão observadora" mediante diferentes modos
do pensamento científico, desde a simples observaçãode regularidades até a busca por
leis naturais. Ela leva a razão a desviar sua atenção da naturezainanimada e 6ocá-lana
natureza animada, onde seu instinto Ihe diz -- corretamente, pensaHegel -- que chegará
mais perto de ver uma forma que mantém a si própria. Porém, aténessecaso,ela é mal-
sucedida em encontrar a necessidade racional consumada.
Hegel deixa claro que isso não se deve a qualquer inadequação nas ciências da
natureza animada ou inanimada. A contingência é uma característica necessáriadelas,
como eiedeixa muito claro (especialmente
/U, p 191-93). Essasciênciassão,por
conseguinte, formas perfeitamente válidas do conhecimento no seu próprio plano,
investigando regularidadese leis sem tentar justifica-las em última instância pela ra-
zão. O desejo da razão observadora, nessecaso, de fato só será satisfeito pela filosofia
especulativaque mostra por que o mundo deve ter a estrutura que tem, incluindo o
grau de contingência que ele comporta.
r A CONSCIÊNCIA DESI i9i
Por fim, a razãoobservadoraé levada a examinar o ser humano, como o lugar mais
provável em que a necessidaderacional pode ser vista enquanto obra. Porém, isso ma-
logra devido à natureza da própria razão observadora, que tenta entender o ser humano
olhando para ele como objeto, não sendo capaz de captar sua naturezacomo um ser
que também Ez a si mesmo. A razão observadora não está realmente à altura da trama
composta da realidade dada e da realidade construída pelo ser humano, a ".É7/zóeifzóu
vorhandenen z//zZz&sgemachten Se/mf"[unidade do ser enquanto züzü e do ser enquan-
to conifrzíZ2Zo]
(.fU, p. 22 1), mas tenta separar essesdois aspectos um do outro. Ela trata o
ser humano como uma coisa, e é por isso que Hegel considera de certo modo apropriado
Emerculminar a discussãodessaseçãonuma investigaçãoda frenologia, que esteveem
voga por determinado tempo no final do século XVIII. Na frenologia, as qualidades
tipicamente humanas do ser humano são relacionadascom a matéria inerte, com as
\
)
11
: Quanto à relação da discussão deita por Hegel nesse ponto, com questões da explicação contemporânea, cC
Alasdair Maclntyre, "Hegel on Facesand Skulls". In: Maclntyre(ed.), .fjng?/.Nova York, 1972, p. 219-36.
i9z PARTE ll l FENOMENOLOGIA
do mesmo Gelff universal, com o qual ele identifica a si mesmo. Por conseguinte, ele
é duplamente reconciliado com ela.
O fim subjacente,a reconciliação entre ser humano e destino, é descrito aqui bre-
vemente como a condição em que a consciência reconheceria "o seu fim e o seu agir no
destino, e o seu destino no seu fim e agir", em que reconheceria "a sua essência própria
nessanecessidade"(/{E, p. 259; P»G, p. 265). Parao serhumano que define a suacon-
cretização como o prazer do particular, há, no entanto, só "um puro salto no oposto" (ei#
rr! e SPrz/nK ín d© En«?ng?seízír)(ibidem).
Por essarazão,essafigura se contradiz. .AJmejandoa concretizaçãodo prazer, o ser
humano depara-secom a mais absoluta não concretização.A certezade encontrar a si
mesmo na realidade é aniquilada. A consciência de si, por conseguinte, é imposta; e o
próximo passo,obviamente,é incorporar essanecessidade externaem si. Já que essa
necessidade
é a de vincular o particular com o universal, issosignifica incorporar o uni-
versal na própria noção de concretização, de modo que, em vez de simplesmente desejar
o próprio prazer, o desejo espontâneo passa a ser visto como direcionado para o bem
universal. Por conseguinte, temos a imagem do serhumano que espontaneamentedeseja
o bem, que possui a lei da moralidade em seu coração.
Como quer que concebamoso rigor dessatransição,deparamo-nos aqui, obvia-
mente, com outra corrente muito importante do pensamento iluminista (a qual,
como todas dessetipo, tem sido reeditadaem diferentesformas desdeentão). Com
efeito, canto paralela quanto posteriormente, suplantando amplamente a ideia utili-
tarista do ser humano como naturalmente bom em seu egoísmo ingênuo, visto que
ela se enquadravanuma harmonia natural ou atingível de interesses,veio a ideia do
ser humano como naturalmente bom sendo espontaneamentealtruísta. Certamente,
é isso que muitas pessoas extraíram dos escritos de Rousseau, e doutrinas dessa espécie
eram amplamente difundidas no final do séculoXVlll, embora o impacto da Revolu-
ção Francesaas tenha prejudicado um pouco. Obviamente, é esseamplo movimento
que Hegel tem em mente, embora haja uma certa quantidade de referências(ainda
implícitas) a Os SaZíe.azares,
de Schiller.
Nessafigura, o ser humano, por conseguinte, crê na bondade de seussentimentos es-
pontâneos. Ele seencontra em oposição a um mundo repleto de sofrimento e maldade.
Isso tem de ser atribuído às restrições falsas e injustificadas impostas aos sereshumanos
pela sociedadeou civilização,visto que o ser humano é naturalmente bom. A soluçãoé
livrar os sereshumanos dessas restrições, trazê-los de volta ao que realmente são e, por
conseguinte, realizar, na ordem mundial, a lei do coração.
Porém, isso tampouco filncionará. O ser humano tem de ser alçado à universalidade,
de tal modo que suasaspiraçõescorrespondam ao bem universal; mas isso requer longo
tempo de formação e disciplina, requer uma transformação duramente conquistada.
E tolice pensar que nosso sentimento espontâneonão reconstituído seráuma coisa só
com o universal.A unidade, como posta aqui por Hegel, ainda não é mediada.
i94 PARTE ll Ê FENOMENOLOGIA
l
A expressão particular do indivíduo tem de ser suprimida; é preciso que ele chegue a ser
nada além da expressãodo universal.
A característicapeculiar dessetipo de faseé o senso que o ser humano tem de sua
própria indignidade, o desculpar-sepor sua existência e sua tentativa de suprimir
sua particularidade e de tornar-se nada mais que a vontade universal. A issoé dada certa
importância na ]%', porque aparecetrês vezes:a primeira, na consciênciainfeliz; a se-
gunda vez, neste ponto; e, em terceiro, no final do capítulo VI, na seção sobre o mal e o
seu perdão. Este último constitui um importante estágio da diabética porque é invocado
novamente na transição para o conhecimento absoluto.
Porém, a tentativa de suprimir a particularidade do indivíduo está fadada ao fracasso;
e isso pela simples razãode que o universal não pode ser realizado, a não ser nos atos de
sereshumanos particulares, e estes,agindo dessemodo, não podem abstrair do que são
como sereshumanos com necessidades e desejosparticulares. Em outras palavras,o ser
humano não pode suprimir suaparticularidade e agir apenascomo um veículo do uni-
versal; com efeito, ele não pode simplesmente agir baseado na motivação de conformar
sua ação a máximas universais,colocando de lado todos os demais motivos. Rejeitar
todas as demais formas de ação é não Emer nada. E é por isso que podemos ver essainsis-
tência na supressãoda particularidade como uma forma de recolhimento, uma rejeição
das condições mesmas da existência particular, exterior.
Em contraposiçãoà filosofia da virtude que seabnegade si mesma, a filosofia de Hegel
é uma filosofia da realizaçãode si mesmo; tornar-se o veículo do universal é também para
o ser humano uma concretização -- ou pelo menos será quando ele estiver plenamente
formado. Porém, obviamente, no trajeto até a plena formação, sua natureza"inferior
estaráem conflito com essavocação universal. As filosofias dualistas refletem isso. Mas não
só: elas justificam a disciplina e o treinamento necessáriospara alcançar a integração mais
elevada. Vimos isso ao Edar da piedade da consciência infeliz, por exemplo.
No cenário contemporâneoa Hegel, no entanto, não mais se justifica a filosofia da
virtude que nega a si mesma,e Hegel é ferido e irónico no tratamento dessaquestão.
Seuargumento é que o universal não pode encontrar expressãoreal (Wzré#cóÉeir)exceto
pelasvidas e pelos fitos de indivíduos particulares. Porém, isso é deito numa imagem
elaboradaem que a consciência da virtude é descrita como um cavaleiro, uma espéciede
Dom Quixote, que não é capazde combater efetivamenteo mundo dos agentesegoístas,
precisamente porque essemundo prevê as condições únicas de realização do universal
em nome do qual ele luta. Suaprincipal preocupação,diz Hegel zombeteiramente,é
manter sua espadaimaculada. Em pouco tempo, o cavaleiroda virtude é condenadoà
inatividade por sua noção demasiado pura da virtude. Ele não pode intervir e6etivamen-
te na história visando realizar o bem, porque estenão pode ser separado da afirmação de
sua particularidade.
O desfecho dessacontradição será uma nova case, a terceira principal casedesse ca-
pítulo sobre a razão.No item anterior, aprendemos a ver o curso das coisascomo o
t96 PARTEll l FENOMENOLOGIA
11]
razão prática. A forma do nosso dever moral emerge da natureza da realidade social
que deve ganhar existência para que o Gffsf seja plenamente realizado; e a plena reali-
zaçãodo Gelaré para nós um dever moral, porque nossanatureza é precisamenteisto:
Gfis/, ou, para usar um termo mais antigo, vida racional.
Por isso, no final das contas, um ser humano verdadeiramente moral é aquele que não
esperadar a si mesmo suaspróprias leis puramente a partir de sua própria consciência in-
terior, mas, pelo contrário, ele sente o impulso do dever que parte de sua sociedade.Tentar
raciocinar puramente com baseem si mesmo é raciocinar sem critérios, ou seja,arbitraria-
mente. "Esse legislar imediato é também a insolência tirânica que Eazdo arbítrio a lei...'
(.l;E, p. 301; PÉG, p. 309). Consequentemente, Hegel pareceinverter totalmente a opinião
de Kant, que Eezda autonomia a própria pedra de toque de toda moralidade.
Porém, a verdade de fato é mais complexa. Há um primeiro sensoirrefletido do
dever que tem de ser expugnado pelo indivíduo universal raciocinando por si mesmo;
e, na subsequenteluta entre autoridade externa e autonomia, Hegel não se posiciona
semressalvasem nenhum dos lados. A autonomia é carreta porque constitui um estágio
necessário
na formaçãodo ser humano.Em última instância,no entanto,as duasse
Juntam no Catade que o ser humano plenamente racional verá sua própria concretização
remetidanum Estado de direito, a cujas instituições ele é fiel. Nessecaso, porém, ele
chegaráa considerara visão kantiana como unilateral; ele a verá como uma dasprede-
cessorasda sua própria, mas somente como um dos desenvolvimentos que preparou o
caminho para a presente realização. A outra condição necessária dessa realização reside
no lento desenvolvimento das próprias instituições às quais a vasta maioria das pessoas,
a despeito dos âlóso6osiluministas, jamais cessoude mostrar fidelidade absoluta, sejam
essasinstituições religiosas,sejam elas políticas.
A ruptura com Kant, por conseguinte, é profiinda até mesmo onde Hegel afirma
que o está"completando".E há outra diferençaque anda de mãosdadascom aquela
entre pura autonomia e moralidade social: visto que a ética mais plena é aquelaque se
vive numa sociedade,nada sendo além do dever da pessoapara com a sociedade,a ética
mais elevada é também a ética plenamente realizada. Isso não é meramente um "deve'
alguma coisa que deveria ser: as normas que seguimos são aquelas plenamente vividas
nas instituições que existem em nossasociedadee que mantemos mediante a nossafi-
delidade. Uma ética que nos apresenta um modelo que apenas deve ser sempre recebe o
desdém de Hegel. Esseé o motivo básico de sua rejeição da âlosofia moral tanto de Kant
como de Fichte: eles nos apresentam uma ética do puro SaZZem.
Hegel, por suavez, diz que o espírito que vive em um povo mostra-nos leis que sãosi-
multaneamente Se/n, existência real. Não temos espaço aqui nem para a H; a consciência
de si vive dentro da realidadeespiritual do Geíç/,que os sereshumanos perderamcom
o desaparecimento da cidade-Estado grega e que andam por reaver. Estamos agora a
ponto de recupera-lanuma forma consoantecom a razãouniversal,mas primeiro reto-
maremospara vê-la em sua beleza inconsciente original.
CAPITULO VI
A formação do Espírito
Ao ingressar agora no domínio do Gemi, que Hegel chamará mais tarde de "espírito ob-
jetivo", estamos tratando pela primeira vez de formas históricas reais.Antes disso, estávamos
tratando unicamente de aspectosabstraídos dessasformas: vimos o estoicismo, por exemplo,
no desenvolvimento da consciência de si; retomaremos agora à forma histórica plena, da qual
elaé um apecto. Neste capítulo, temos, como nossos estágios,comunidades política em sua
totalidade ou Êles na vida da civilização como um todo, e não apenas uma ideia, visão ou
ideal dados(que, em última análise, só podem ser entendidos à luz do Geúr).
Sendo uma dialética não histórica, a /Z', por conseguinte, tem uma espéciede efeito
espiralado. Retomamos aos mesmos 6enâmenos num nível mais elevado (ou mais pro-
fundo, casose prefira esta metáfora). Se da dialética do senhor e do escravoaté o fim da
Razãoas referênciasimplícitas possuemuma ordem rudimentarmente histórica, reto-
mamos agora aos primórdios. E, no final deste capítulo, teremos chegado novamente ao
capítulo sobre a Religião.
O capítulo sobre o Espírito nos conduz atravésde algumas passagenscruciais da
filosofia da história. Começaremos com os gregos, com aquela sociedade do perfeito
Z?eificóseZ»file/n
[estar-consigo-mesmo], que Hege], a exemplo de muitos dos seuscon-
temporâneos, não podia recordar sem nostalgia. Essasociedade, como bem lembramos,
6oi caracterizada pela perfeita unidade entre cidadão e sociedade.As aspiraçõesmorais
e espirituais mais plenas dos cidadãos eram respondidas na vida comum da sociedade.
Essavida comum, por conseguinte,era como uma substânciacomum; enquanto parte
dela, o indivíduo encontravasignificado e propósito para a suavida; desvinculadodela,
ele definhava. Porém, essadependência da substância comum não faia desta algo to-
talmente outro, como única coisa à qual ele poderia estar subordinado; com efeito, a
vida comum era também "o fazer de todos e de cada um" (.úK Z## a/ZerzlnZjeder) (FZ',
P-305; PÉG, p. 3 14), era a obra dos cidadãos.Se,por um lado, a substânciamantinha o
indivíduo, por outro, a atividadedo indivíduo também mantinha a substância.
Porém, 6oi preciso que essaunidade inicial ruísse,' e este capítulo segue essadialética.
O indivíduo plenamente universal deve ganhar existência e só consegueissoderrubando
' Como Hegel já tinha observado na EF: "Z)/f Uerm ## mu#.zui 22esrmG/üfÉf ófxa s/re/flz" [A razão tem de
sair dessa eelicidade] (FE. p. 252; PÓG, p 258).
PARTEll l FENOMENOLOGIA
2 Também foi dada a explicação(cf. F. Rosenzweig,.f11?g?/zí z/ 2er Sfn/zf.Munique e Berlim, 1920, vol. l,
p. 217-20, n. 1-5) de que, sob o impacto da conquista napoleónica, Hegel abandonou por algum tempo
a convicção de que o Gflsf pode retornar à plena reconciliação consigo mesmo num Estado moderno, o
que foi uma de suas aspirações mais antigas e certamente fez parte do seu sistema maduro após 18 15. Com
basenessainterpretação,para Hegel, nesseperíodo, a história chegariaà sua culminância, e o Espírito,
à sua reconciliação tão somente na religião e na filosofia. Porém, não há como estabelecerisso de modo
convincente.
A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO
esta última sobreviveria a ela, já estaria além dela; ela permaneceria ela mesma através da
destruição dessaexpressãodela mesma. Porém, sendo uma consciência paroquial, a vida
da cidade-Estado desaparecejunto com esta, ou seja, ela "encontra sua suprassunção em
uma outra" Wn2er [. . .] !Áx?.4ze»eZ'z/nK
ame/ fr andem) (FE, P. 331; PÉG, P. 342).
Porém, Hegel usa a maior parte dessecapítulo para fazer uma leitura da diabéticada
vida ética da sociedadeou da Sya#có,ée/f,como ele a chama, em outro nível, mais deta-
lhado, cujo vocabulário é tomado de empréstimo dos tragediógrafos gregos. O conflito
entreos dois universaispassaa servisto como conflito entre a lei humana e a lei divina.
A lei humana é ética consciente e pública do Estado, na qual os cidadãos se encontram
refletidos. A lei divina refiete o verdadeiramente universal e, nesseestágio, por conse-
guinte, ela aparececomo lei irreHetida, como lei não escrita, não deita pelo ser humano,
que sempre existiu.s A lei divina, como a lei verdadeiramente universal, concerne ao
indivíduo como tal, não apenasem suarelaçãocom o Estado.A instituição posta como
guardiã dessalei, por conseguinte, é a família, que é também a esfera da unidade imedia-
ta. As duas leis têm sua expressão paradigmática nessasduas instituições, e Hegel tira a
conclusão daí decorrente que concerne aos papéis dos sexos: os homens estão relaciona-
dosem primeira linha com o humano e político; as mulheres,com o divino e familial.
A lei divina diz respeitoao indivíduo como tal, não a quaisquerparticularidadesde
sua existência. Porém, visto que, nesse estágio, é o seu papel no Estado que detém o mo-
nopólio de suavida exterior e6etiva,sua existência verdadeiramente universal só pode ser
visualizadapara além dessavida, encontrando expressãoem sua sombra, onde ela deixou
a contingência da vida em favor da "quietude da simples universalidade" (/{F, p. 3 11).
Em seguida,Hegel Eazuma interpretação surpreendente dos ritos funerários da Gré-
cia antiga. A morte é uma negaçãonatural, algo que sucedeao serhumano, um golpe
desferido contra ele pela natureza. Porém, também vimos que a morte, entendida em
termos especulativos, é uma necessidade,uma expressãoda verdadeira universalidade
do espírito humano que, por conseguinte,náo pode permitir que perdure qualquer
exp'estãoexterior. O propósito dos ritos é alçar a morte dessaprimeira realidadepara
a segunda, reinterpretá-la, por assim dizer, de algo que sucede ao ser humano para algo
deito por ele. Os ritos preservam o corpo que de outro modo seria presa de todas as forças
cegasda natureza, seria espalhado sobre a terra por chacais e abutres, e encomenda-lo à
terra torna sua partida um ato significativo. Desse modo, até mesmo a morte é recupe-
rada para a consciência de si.
E claro que, encontrando-senum estágioprimitivo, a consciênciade si recuperada
não é a mesmaque a que 6oi negada.Nesseestágio,uma existênciado indivíduo para
além de sua morte dependede que a sua família promova o seu sepultamento. Num
estágio mais elevado, em que o verdadeiramente universal é expresso na vida Pública
da sociedade, todos nós estamosalém de nossa morte como consciência universal, até
mesmo antesde sofrê-la. Porém, o sepultamento é a expressãoque deve ter, nesseestá-
gio, a verdadeira universalidade do ser humano e, por conseguinte, ele é sagrado. Está
montado o palco para a tragédia de Antígona.
Com efeito, Estado e família, lei divina e lei humana necessariamenteentram em
conflito. Porém, antes de evidenciar isso, Hegel mostra como ambos estão ligados e
requerem um ao outro. O Estado preserva a sociedade e, consequentemente, defende
a família; a Família,por sua vez, forma cidadãos para o Estado. Assim, as corçasdivinas
subjacentesà família têm de ser cultivadas para o bem do Estado e, ao mesmo tem-
po, é o Estadoque se encarregadessecultivo e, por conseguinte,do culto aos Deuses.
Os sereshumanos, por conseguinte, provêm de uma família que se nutre de forças telú-
ricas e saem à luz do dia da atividade política; e são convocados a pâr em risco suasvidas
em defesado Estado e, em consequência, dessasfamílias, e, ao tombarem, a retornar à
terra, à pura individualidade da sombra, a repousarno mundo inferior, do qual a Família
continua a extrair a sua corça.E, reciprocamente, a família, particularmente as mulhe-
res, ao cumprirem os ritos, trazem a lei telúrica à luz do dia e conferem-lhe expressão
pública, preservando, por conseguinte, a ÍàmÍlia para fazer a sua parte na preservação do
Estado. As duas leis deveriam, portanto, estar em perfeita harmonia.
Mas não estão.No íiindo, elas se encontram em conflito, porque a lei humana não
é verdadeiramenteuniversal. E esseconflito vem à tona na ação histórica. Acercamo-
nos, aqui, de outro tema hegeliano básico. Agir, no sentido de efetuar alguma mudança
importante no mundo exterior, necessariamenteé incorrer em culpa. Com efeito, nossa
ação torna real, confere expressãoe6etivaà nossa particularidade. Porém, isso constitui
uma espéciede desafio ao universal e, em consequência, incorre em culpa. Vem daí a
interpretação dada por Hegel à doutrina do pecadooriginal. O pecadoé "origina!", na
versão filosoficamente reinterpretada, unicamente no sentido de ser fundamentalmen-
te necessárioao ser humano; e é necessárioporque o ser humano é um espírito finito
corporificado em algum ponto do espaçoe do tempo e, consequentemente,não tem
como não agir como um particular; e isso, por sua vez, é necessáriopara que ele possa
existir, como já vimos. Ainda assim, devemos ver essaautoafirmação do particular como
'pecaminosa" porque, embora seja essencialà existência do espírito, eia se atravessano
caminho de sua realizaçãoplena. Ela precisa, por conseguinte, ser superada; e já vimos
que a morte é um modo como ela é suplantada, ao passo que a realização da consciência
plenamenteuniversalé o modo exigido pelo Ge/rf.
Por conseguinte, na visão de Hegel, o pecado é necessárioà salvação.Esseé apenas
outro modo de colocar a tesebásicade que o espírito só pode existir retornando a si
próprio a partir de suacorporificação,que a exterioridadeou alienaçãoé um estágioes-
sencial na sua realização.Disso decorre que qualquer tentativa de alcançarsantidade ou
r A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO zo3
unidade com o espírito é um ato autodestrutivo que implica retrair-se da ação no mun-
do e da correspondente afirmação da particularidade. Estamos condenados à existência
particular como espíritosfinitos. Tudo que podemosfazeré operar atravésde nossaexis-
tência particular visando realizar a forma de vida capaz de portar a consciência universal.
Temos de passarpelo pecado para chegar à expiação; o pecado em si é inevitável.
Retrair-se da ação, por conseguinte, é ser rejeitado; é outra dessasestratégias de reco-
lhimento que temos de pâr de lado. E esseponto já foi abordado no capítulo anterior,
em que a alma virtuosa tentou isentar a sua própria ação egoísta do curso das coisas. Nós
o encontraremosde novo no final destecapítulo, na seçãosobreo erro e seuperdão.
A /{Ê' retorna a essetema diversas vezes.Aqui, Hegel repete que "inocente, portanto, é só
o não agir como o ser de uma pedra; nem mesmo o ser de uma criança [é inocente]
(.IU, P. 323; PÉG, P- 334).
Porém, nesseponto, ainda não chegamos à reconciliação plena; a ação no mundo
por parte da comunidade ainda estádeEasadaem relação ao verdadeiramente universal.
Por conseguinte, ao tornar efetivo o particular, a ação deflagra uma luta no interior da
própria ética. Essaluta é trágica. Nós que nos encontramos cora dela, somos capazesde
ver o conHito; vemos a .4nfikp/zzzde Sófocles, e somos capazes de entender tanto os argu-
mentos de Antígona quanto os de Creonte. Se tivéssemos estado lá, poderíamos muito
bem ter hesitado quanto a qual dos lados apoiar.
Porém, esseé para nós um conflito de valores. Encontramo-nos, em última análise, no
domínio da comédia, porque náo nos envolvemos no conflito. Nós mesmos sofremos tais
conflitos quando dois bens se chocam; mas não estamos envolvidos em nenhum dos dois,
por possuirmos a consciência universal capaz de abranger ambos, capaz de aprecia o peso
e asdemandasdos dois protagonistas. No entanto, optando por arbitrar a disputa, retemos
essaconsciência universal e con6erimos expressãoa ela em nossos fitos.
Totalmente diferente é o casodo protagonista trágico. Ele estáidentificado com um
dos lados em luta, com a lei humana ou com a lei divina, a ponto de não ver o outro, de
vê-lo unicamente como uma "realidade carente de direito" (rrcó/ZoarW7réZiicóêeif)
(.l;E,
p 321 ; PÓG, p. 332). E isso se dá porque, no estágio primitivo em que nos encontramos,
os sereshumanos não podem alcançar essetipo de consciência; elestêm uma identidade
acríticaimediata com a lei; e visto que, nessecaso,a lei é dupla, temos dois tipos de
'caráter"; as duas leis ganham expressão em diferentes tipos de gente (quer dizer, em
homens e mulheres), cada um dos quais está total e acriticamente identificado com o seu
partido. Consequentemente,Antígona e Creonte debatem a questão do sepultamento
de Polinice, cada um convicto de estar totalmente certo.
O caráter trágico inerente a esseestágioda SÍ #cóÉe/firrefletida é do tipo que age
apenas semiconsciente do que está em jogo. Ele vê apenas uma lei; não vê a outra, que
estáligada àquela, cuja violação resideno cumprimento da primeira. Ele é cego, mesmo
estandode posseda visão,como Édipo, que não conseguever seu pai no estranhocom
quem luta, nem suamãe na rainha que toma por esposa(/U, p. 324 ss).
zo4 PARTE li l FENOMENOLOGIA
Não obstante, a conexão está aí. O protagonista, tendo ofendido os Deuses, não
pode mais negar a sua própria ação. Realmente, é dele, e é ele quem sofre todas as
consequência; ele é plenamente responsávelpor sua ação porque a 6ezcom plena deter-
minação, mesmo que não pudessevislumbrar todo o seu significado. Porém, visto que
essasconsequências Ihe eram inesperadas, ele experimenta o seu z#moz/emenr,seu desen-
lace, como destino. Constatamos uma vez mais a ideia que Hegel tem do destino como
necessidade incompreendida, assim como foi pensada na discussão sobre o prazer, no
último capítulo. A JUo/xadesempenhaum papel importante no pensamento grego, pre-
cisamente porque os sereshumanos não alcançaram a consciência universal, e seu escopo
não é capaz de abarcar toda a amplitude da necessidade, que aparece, por conseguinte,
como algo disposto por uma vontade externa.
Na filosofia da religião, Hegel usao mesmoargumento de outro modo. O Deus gre-
go é um casamento perfeito do divino com a forma humana, exatamente como a cidade-
-Estado gregaune o indivíduo com o político. Porém, o preço a serpago é o mesmonos
dois casos;o serhumano não estápronto para a reconciliaçãocom o verdadeiramente
universal, de modo que os deuses são humanos à custa de serem múltiplos e particulares,
assim como as cidades são substâncias éticas verdadeiras, ao mesmo preço. Inversamente,
na mesmaépoca, o povo que realmente captou a plena universalidadedo espírito, os
judeus, são os que mais sentem a alienação do divino. Porém, o Gr/íf universal precisa
encontrar alguma expressão;e visto que os Deuses sãoparticulares, o universal reaparece
como uma necessidade
do destino, à qual até mesmoos deusesestãosujeitos.
Porém, é precisamente essaexperiência da necessidade que, em última instância, aca-
ba com o protagonista que está acriticamente identificado com uma das leis. Ele perece,
destruído por suaspróprias contradições; e os sereshumanos obtêm dessaexperiênciado-
lorosa a consciência que pode surtir efeito em todo o conflito. Porém, essaé a consciência
universal, isto é, uma que náo mais estáacriticamente identificada com uma sociedade par-
ticular e sua ética, mas que pensa em termos universais. Em outras palavras, a experiência
da contradição liberta os sereshumanos de sua fidelidade incontestada e espontâneaà sua
cidade particular. Porém, isso necessariamente representa o declínio da própria cidade, pois
toda a sua corça repousa na perfeita unidade de cidadão e substância ética. Em vez disso, os
indivíduos passama ver a si próprios como universais, mas, na mesma medida, como alie-
nados de sua sociedade. A cidade desamparada sucumbe diante do império universal que
se coaduna com essanova Eme.Porém, essaé a Eue da alienação: o novo império náo pode
expressarnas instituições e nos costumes citadinos os mais profiindos valores e aspirações
do seupovo; ele é demasiadovasto e diversiâcado. Ele apenasune aspessoasexteriormente,
sujeitando todas elas ao mesmo poder. O declínio da cidade-Estado não deixa em seu lugar
nada que Ihe seja comparável; deserdada,ela sucumbe diante do ataque violento do impé-
rio universal; mas isso prenuncia uma era de alienação em que o indivíduo da consciência
universal se encontra em oposição ao Estado que de modo algum o reflete, o qual é expe-
rimentado simplesmente como poder e coerção externos.
A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO zo5
' Num dos seusmanuscritos iniciais inéditos da década de 1790, Hegel deu uma explicação ao estilo de
Montesquieu para o colapso da pcí/ü, em termos do aumento da polarização entre ricos e pobres (Nohl,
P. 214-31)
zo6
PARTE ll l FENOMENOLOGIA
expensasda ética política; a anterior desapareceu,e a nova ainda teria de ser peno-
samente desenvolvida.Encontramo-nos, por conseguinte, no reino do poder puro e
simples; a autodeíinição dos sujeitos como puros indivíduos em oposição ao Estado é
equilibrada pela força bruta do Estado que os mantêm na linha pela coerção e frequen-
temente os destrói no processo.
Logo, a consciênciade si só conseguemanter o seu sensode integridade mediante
um recolhimentoestratégico;
e essaé, por conseguinte,a erado estoicismo,que ve-
mos agora como uma forma histórica plena. Isto é, a consciência de si só conseguever
a si própria como universal e livre, definindo-se como realidadeespiritual puramente
voltada para dentro; a liberdade do estoicismo é a do pensamento que se abstrai das
condiçõesexteriores.Porém, exatamentecomo vimos anteriormente no capítulo sobre
a consciência de si, essaposição de recolhimento é insustentável e deve passar pela evo-
lução correspondente, pelo equivalente ao ceticismo, para chegar à consciência infeliz.
A época romana presenciou o desenvolvimento dos direitos de propriedade indivi-
duais: no plano legal,estamosdiante dos primórdios do reconhecimentodos direitos
como inerentes à pessoa.Porém, essapessoa,como sujeito, estavaà mercê do Estado.
Consequentemente,o conteúdo externo que ela conferiu à suavida, à sua propriedade,
estavainteiramente à mercêda vontade arbitrária. Assim, a pessoaexperimenta, como
íez a consciência cética, sua total dependência em relação ao contingente e mutável, sua
inteira carênciade integridade.
E o resultadoé, como foi visto atravésde cada dialética, que o sujeito passaa situar
suaintegridadeem algo Geradelepróprio, ao qual sesente subordinadoe ao qual ele
aspira. Em outras palavras, ele "aliena" a sua integridade. Sob a disciplina dessa aliena-
ção (Ene#'fm2ang), ele experimenta a formação (B/&/a/zg) que lançará os alicercespara a
recuperação da liberdade num nível mais elevado.
dos gregos, por conseguinte, não se expressa numa consciência explícita de unidade com
a sociedade;ela se externa, muito antes, em que eles devem aspirar o encobrimento da
fenda que existe entre eles e essarea]idade social, em que precisam renunciar à sua par-
ticularidade individual e acercar-seda substância essencialde suasvidas, servindo a uma
causamais ampla, que é o Estado. Essasensação de que a substância de suasvidas se situa
além deles é a essência da alienação, e a servidão, a disciplina e a autotrans6ormação que
ela inspira é o que forma os sereshumanos para o próximo estágio.
Com efeito, essaalienaçãoé um estágionecessáriona rota para a realizaçãofinal do
espírito; e, como tal, constitui uma mistura do real e do ilusório. De bato, os sereshuma-
nos dependem de algo maior, de um espírito que não seja meramente o do ser humano,
ao qual elesdevem, antes, dar sua confirmação. Porém, ao mesmo tempo, nesseGeirf o
ser humano deveria reconhecer-seplenamente, ele deveria sentir-se plenamente em casa,
uma vez que considera a si próprio, enquanto espírito finito, como emanação e veículo
do Geiff. Na faseda alienação, a relaçãode dependênciaé algo claro, ao passo que o
reconhecimento de si mesmo é turvo e obscuro. A sensação de estar ór/ /có no Absoluto
está presente unicamente de forma velada, na consciência religiosa, e é deslocada para
cora deste mundo, para um além.
A fasecom que estamos nos ocupando, por conseguinte, é a mesma que descrevemos
anteriormente como o período da consciência infeliz. Ela possui o sensopara a reconci-
liação, que é sentida como ausente, em outro mundo ou presente em tempos e lugares
remotos; é uma reconciliação obtida de outro lugar e da qual dependemos essencialmen-
te. Isso é parte da consciência de alienação.
Podemosconceber essaconsciênciacomo falsaporque não logra ver nossaunidade
com o absoluto. Porém, ao mesmo tempo, é correto negar isso, porque, nesseestágio,
os sereshumanos ainda não estão prontos; eles ainda não alcançaram a consciência
universalque reflete plenamente sua unidade como o Grisf. Por isso, a consciênciada
unidade como projetada em outro mundo constitui uma imagem distorcida do fato
verdadeirode que os sereshumanos,não obstante,têm de transformar a si próprios
pararealizarplenamente essaunidade. E a função da alienaçãoé prover o motivo para
essatransformação; é uma espéciede tute]a, durante a qual os sereshumanos são for-
mados para supera-la.
Na atitude básicada alienação,os sereshumanos sentem que suasubstânciareside
em algo fora deles e, em consequência, só conseguirão realizar a si próprios superando
a sua particularidade e conformando-se a essarealidade. Essa necessidadeé sentida
tanto por aquelesque voluntariamentea aceitam e tentam agir de acordo com ela,
quanto por aquelesque se ressentemdela e se opõem a ela, que são chamados por
Hegel, respectivamente, de consciência "nobre" (ede/müfk) e consciência "vil" (n/e-
der/z2cÓrik)[/U, p. 347 ss]. Dentre as realidades externas com as quais o ser humano
pode estar relacionado dessamaneira, Hegel menciona o poder do Estado c as "rique-
zas",o que é expandido para incluir a operação da economia como um todo; mas da
zo8 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
expressão francesa "é#? i#p me"), ao qual nenhuma descrição subsequente é aplicável.
Com efeito, toda a realidade particular passaa ser vista como meramente material e sen-
sível, e todas asdescriçõesparticulares só ganham significado quando interpretadas à luz
dessarealidade. De modo que qualquer tentativa de conferir conteúdo à noção de Deus,
descrevendo-o como pai, criador, atribuindo-lhe fitos na história, etc., tem de evidenciar-
-secomo totalmente incongruente, porque dependede que vejamosas relaçõesou os
aros em questão como corporificação de alguma significação espiritual. Temos de ver a
paternidade natural como trazendo consigo (de modo ideal) uma relação de amor e cui-
dado espiritual para aplicar essaimagem a Deus; temos de ver os fitos de Deus na história
também como sinais,como uma linguagem, e não exatamentecomo um conjunto de
mudanças materiais. Porém, a consciência iluminista vê o mundo como uma junção de
coisassensíveispuramente materiais; por isso, ele não consegueencontrar uma linguagem
para Edar de Deus nem conceber que Deus possa intervir na história. Se ela conceber
Deus de alguma maneira, é forçada a uma espéciede deísmo, a um culto do Ser supremo.
Ê claro que muitos -4z@'ürfr não creram em Deus de modo algum, mas para He-
gel não havia muita coisa separandoessesmaterialistas daqueles que acreditavam numa
suprarrealidade sensível.Com efeito, eles concebiam que alguma abstração, como, por
exemplo, a natureza ou a matéria, estariam na base da realidade em transformação do
mundo sensível.Porém, uma abstraçãoenquanto matéria, que não traz nenhuma das
descriçõesparticulares das coisasno mundo, é indistinguível de um substrato espiritual;
e um substrato espiritual sem descriçãoparticular é indistinguível do puro ser. Temos
aqui um eco da famosa dialética de abertura da Z(Üícízde Hegel, a do ser e nada; e a men-
sagem é a mesma: no final, todas as abstraçóes são iguais. Espiritualidade real é também
espiritualidade material.
A segunda noção ideológica do Iluminismo que Hegel converte em um dos temas cen-
trais dessecapítulo é a do útil, o conceito subjacenteao utilitarismo. Conceber dgo como
útil é concebê-lo como sem signiâcado intrínseco, residindo o seu significado, antes, em
servir aos fins de algo distinto. Essanoção do útil Hui naturalmente da visão iluminista;
de Eito, estevê o mundo como evito de coisasmateriais sem qualquer significado ulterior.
Essemundo neutro não possui significado para o ser humano, seja como expressãode algo
mais elevado, seja como corporificação da forma à qual ele deve se conformar para realizar
a si mesmo. Sendo neutras, ascoisasno mundo só ganham signiâcado servindo a algum
propósito humano. A única categoriaem que elaspodem ser enquadradas,no que concer-
ne ao seu significado para o ser humano, é a categoria do útil.
Por isso, o utilitarismo é a ética do Iluminismo. O utilitarismo é uma ética em que
os atos são julgados de acordo com suasconsequências, isto é, com sua relevância para
algum fim externo, daí de acordo com sua utilidade. Essaética é oposta a uma ética que
julga um ato por alguma qualidade intrínseca, como, por exemplo, sua corporificação
de uma dada virtude ou conformação a alguma lei moral. Tais propriedades intrínsecas
são postas de lado como algo sem sentido pelo Iluminismo, que aceita unicamente a
PARTE ll l FENOMENOLOGIA
realidade material e suasconexões regidas por leis e no qual náo há lugar para proprie-
dadesnormativas, como, por exemplo, virtudes, ou para uma ordem normativa, como a
que supostamente está na baseda ]ei natural.
Porém, para Hegel, a contradição oculta nisso é que a categoria do útil não tem
ponto de parada, sendo de aplicação universal. Algumas coisas podem ser julgadas úteis
para os meus propósitos, mas eu também sou uma realidade particular no mundo, não
havendo razãopara que meus propósitos sejam considerados fins definitivos. Eu e meus
propósitos, por sua vez, podem ser vistos como servindo ou desservindoaos fins de
outros, talvezaos da sociedadeem geral; e essesoutros ou a sociedadeem geral podem
ser vistos como servindo ou não aos propósitos de outros, digamos, dos membros dessa
sociedade,e assimpor diante. Estamosdiante de um mau infinito.
Hegel expressaisso ao dizer que cada coisa pode ser vista como em si, mas também
como para outro, isto é, como tendo apenasum significado instrumental. Não há es-
trutura da realidadesignificante que nos force a parar em algum lugar que expresseo
propósito final; ou, como formula Hegel, essacadeia de justificações extrínsecasnão
retorna para um ie/6 isto é, a uma subjetividade que abrangessetodo o desenvolvimento.
Cada entidade serve a um outro, e assim por diante aZ /nÚn/fzlm; e já sabemos que para
Hegel essasituação é profundamente insatisfatória. Deve haver uma ordem final de
coisas à qual servem todos os fins parciais, que abranja todos eles e com a qual podemos
nos identificar. Com efeito, só assim podemos realmente estar óe/ zznino universo. Na
cadeia sem fim dos propósitos parciais do utilitarismo, cada um de nós Eaza sua parte,
masacabamosservindo a um propósito externo com o qual não podemosnos identificar
como podemoscom uma ordem espiritual do universo do qual somosemanações-- e,
por conseguinte, permanecemos confrontados com um universo 6orâneo.
O erro básicodo Iluminismo é ter captado só meia verdade.Ele estácorreio em ter
desmascarado as pretensões de reis e igrejas, em ter constatado que a consciência cien-
tífica universal é capaz de interpenetrar plenamente a realidade exterior e que, por con-
seguinte, essaconsciência deveria ser considerada de grande relevância. Ele estácorreio
em perceber que, em última instância, a subjetividade racional é dominante. Porém. está
errado em pensarque essasubjetividade é simplesmente humana, em não deixar lugar
para um Ge/rf cósmico, exceto o encaixe vazio de um ser supremo. Com efeito, a sub-
jetividade humana só adquire dominância como o veículo dessesujeito maior. Os seres
humanostêm de aceitarque há realidadesigniâcantefora delese, em contrapartida,
eles podem sentir-se plenamente óe/ i/có, à medida que pararem de identificar a si pró-
prios apenascomo sereshumanos, vendo-se, antes, como veículos do sujeito absoluto.
O erro básicodo Iluminismo é rejeitar essatranscendênciae tentar alcançaressameta
unicamente a partir do ser humano; ele tenta tornar a subjetividade humana dominante
de modo exclusivo,em vez de torna-la participante da dominância do sujeito absoluto.
O Iluminismo passaa serigualado por outra visão que Ihe é simétrica,e que Hegel
chama de fé (GózaZ'e).Esta é uma forma da consciência religiosa que projeta a verdadeira
A FORMAÇÃODO ESPÍRITO
reconciliação entre espírito e realidade, só que para outro mundo. Essavisão captou o
Gatode que espírito e pensamento estão na base de toda a realidade (é claro que Hegel
estáEdandoaqui da fé cristã), mas não tem consciênciado seuobjeto como pensa-
mento. Antes, a K entende o Absoluto por meio de metáforas e imagens, um modo de
consciência que Hegel chama de representação ( Wox3/eZZang),
e, em consequência, ela vê
como outro mundo de realidadecontingentementerelacionadaaquilo que realmente
deveria ser visto como uma estrutura necessária deste.
O bato de que, na raiz, elas são as mesmas, facilitou a impregnação da fé pelo Iluminismo;
e, uma vez que este não só impregna pacificamente a fé, mas também a combate, essasua
identidade básicaÊmcom que seusgolpes sejam certeiros. Porém, ao mesmo tempo, isso
abre o ]]uminismo para uma rép]ica que começa com um l# gzfagz/e[tu também].
Não reconhecendo a si mesmo no seu adversário, o Iluminismo tanto compreende
como entende mal a fé. O efeito básico disso é dissociar aquilo que para a & está es-
sencialmenteunido. O símbolo religioso, a estátua, a hóstia, o altar ou o que quer que
sejavisto pela & tanto como um objeto material quanto como o portador de algo mais
elevado são reduzidos pelo Iluminismo à sua dimensão sensível material. Ele acusaa
h de adorar apenaspedras ou pão. Ora, isso obviamente é absurdo; e, não obstante, a
acusaçãoé procedente; com efeito, quando a fé tenta examinar a naturezadessauni-
dade entre o divino e o meramente externo, ela descobreque não pode compreendê-
la, e particularmente que não pode compreendê-la com as estruturas intelectuais do
Iluminismo que ela gradualmente passou a aceitar.Por conseguinte, ela foi forçada a
constituir uma religião ainda mais "espiritual", em que as coisasde Deus estão mais
claramente separadas deste mundo.
De modo similar, o Iluminismo reduz o testemunho das Escrituras à condição de
documentos históricos; e mostra que, como tais, elas têm pouco valor comprobató-
rio. Porém, ele não vê que o seu valor reside no Fato de elas serem reconhecidas pela
consciência religiosa espontaneamentecomo válidas, mais do que pela força de sua
evidênciahistórica. Porém, essetestemunho do próprio espírito torna-se problemático
e, em consequência, incerto sob o embate das categorias do Iluminismo. Do mesmo
modo, o Iluminismo entende mal e, fazendo isso, transforma a ideia que a fZ tem do
sacrifício e da mortificação.
O ponto cortedo Iluminismo em sualuta contra a & consisteem que elejunta ideias
que a R mantém separadasem sua consciência. Hegel diz que, quando ele acusa a H de
inventar o seu objeto, ele assinalaque o ser humano reconhece a si próprio no Absoluto,
estáem casanele e, em consequência,pode-sedizer, em certo sentido, que provém de
suaprópria subjetividade.Essefato torna difícil para a R rebater a acusaçãodo Iluminis-
mo, rejeitando-ai//mp#fiffr. Porém, obviamente também é verdadeiro que o Absoluto
estáalém do serhumano; esseé o complemento essencialsemo qual temos só meia ver-
dade. É muito estranho que Iluminismo igualmente caçaalusão a isso quando Eda da &
como algo impingido às pessoaspor um sacerdóciointrigante. Porém, essameia verdade
por si só é ainda mais absurda, diz Hegel. Uma pessoa não pode de Fato ser enganada
numa matéria tão fundamental (,fU, p. 380). Ê absurdo concebera religião como pura
invenção em que as pessoasirão crer; a não serque a religião tenha evocadoalgo nessas
pessoas,elas jamais a teriam aceito. Na visão de Hegel, a religião deve sempre ser vista
como uma representaçãovelada e obscura da verdade.
Porém, agora é o Iluminismo que não logra compor suas ideias sobre religião. Ao de-
nunciar a unilateralidade da religião, ele não conseguever a sua própria unilateralidade.
A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO zi3
[)isso resu]ta para a re]igiáo uma teo]ogia "i]uminada", na qual Deus se converteu
num ser supremo nebuloso, mas que, diferentemente do Iluminismo descrente, anseia
por descobrir a Deus e unir-se com ele. Hegel obviamente estáse referindo à teologia
de pensadorescontemporâneos como Jacobi e Schleiermacher, que sentiram o peso da
crítica do Iluminismo e tentaram encontrar outra trilha até Deus atravésdo sentimento
e daintuição.
Entretanto, Hegel também parece estar afirmando uma espéciede sínteseentre os
dois na forma de um Iluminismo maduro que está pronto para passar à ação na forma da
Revolução Francesa. Porém, é difícil distinguir essaforma supostamente mais madura da
anterior. Ela tem diante de si o mundo como entendido na categoria do útil, e isso, diz
Hegel, providencia a realidade exterior independente que estavaEstando anteriormente
(/W, p. 400); masvisto que o Iluminismo premiêre ma iêre também era caracterizado
nos termos do útil, é difícil ver o que poderia ter mudado.
O ponto alto da passagempode ficar mais claro se ignorarmos essesuposto passo
adiante e enfocarmos a transição do Iluminismo para a ação revolucionária. Com efeito,
issopode ser compreendidode imediato: essaconsciênciavê o mundo como neutro,
como capaz de ser formado para adequar-se aos propósitos humanos. Nada há nele que
tenha significação intrínseca, que exija ser tratado com respeito e preservado; tudo pode
ser alterado e reformado de acordo com as necessidadese os objetivos humanos.
Ademais, essaconsciência não é a de indivíduos particulares, é a consciência universal
racional que obteve a primazia através dessaconcepção; por isso, seu propósito de refor-
mar o mundo será singular, racional e universal; não há razão por que o mundo devesse
ser o campo de batalha de diferentes propósitos; razão e universalidade prevalecerão.
E daí que se origina a ideia de criar uma sociedadehumana perfeita e definitiva
mediante um ato de vontade comum, de baixar o Céu para a Terra (.llF, p. 401) e es-
tabelecero absoluto no aqui e agora. Ora, Hegel pensa que essatentativa estábaseada
no mesmoerro mencionado anteriormente, a saber,que o Iluminismo não reconhece
qualquer realidade significante cora do ser humano, e a consequência disso evidenciará
quão desastrosa se revela essacontradição.
haver representação,mas tudo deveria querer em conjunto. Hegel está se referindo cla-
ramente à doutrina rousseaunianada vontade universal.
Acontece que essesonho de liberdade absoluta é impossível; e já vimos que a razão
fundamental disso é que ele não reconhece uma realidade significante independen-
te fora de sua própria vontade e, em consequência, está fadado à autodestruição. O
modo como essa diabética é elaborada nessa passagem sobre a Revolução Francesa é
extremamenteinteressantepelo fato de mostrar a articulaçãoentre a ontologia de
Hegei e a sua filosofia política.
O sonho da liberdade absoluta não pode tolerar quaisquer estruturas nem qualquer
diferenciação na sociedade em que as pessoasteriam diferentes funções em relação ao
Estadoou em que o Estadoseriadividido em estamentos.E de fato vemos,no Con-
frnro Soc/ / de Rousseau,a demanda de que não haja distinção entre cidadãosno que
concerne ao processolegislativo, que todos possam participar juntos e por igual. No
Estado de Rousseau,não há estruturas legislativas (embora estruturas executivas sejam
permitidas). Porém,para Hegel, isso quer dizer que não é possívelcriar um Estado
operante, porque um Estado operante requer que as pessoasocupem diferentes fun-
ções; e ele acredita, ademais, que, para que asdiferentes funções sejam apropriadamen-
te preenchidas,deve haver mesmo uma diferenciação em estamentos (Sande), isto é,
em classescom funções e papéis particulares dentro do todo. Em outras palavras, para
existir realmente na história, uma comunidade política humana, mesmo que tenha se
originado de uma vontade universal, tem de ser corporificada em algumas instituições;
mas instituições significam di6erenciaçáo,a inter-relação dos sereshumanos que estão
diferentemente relacionadoscom o poder.
E isso, por seu turno, significa que cada ser humano deve aceitar essaestrutura e
oferecer-lhe a sua lealdade, mesmo que ela exista independentemente dele, uma vez
que outras pessoas,outras vontades sobre as quais ele não tem controle, estão cum-
prindo outras funções igualmente essenciaispara o todo e que afetam a sua vida do
mesmo modo. Nem tudo que ele vivenda pode resultar de sua vontade; algumas coisas
devem seraceitascomo dadas,e aceitas com a mesmalealdadee identificação que ele
daria às suas próprias criações.
Porém, essaé a negação da ideia de liberdade absoluta; porque, de acordo com isso,
cada ser humano quereria tudo o que o Estado fez; criaria, por conseguinte, mediante
a sua vontade, a totalidade das condições políticas e sociais em que ele viveria; e isso é
incompatível com o tipo de estrutura continuamente diferenciadora que indica a cada
ser humano seu lugar e sua hnçáo.
É óbvio que aqui estamosa ponto de adentrar um debate vital dos tempos moder-
nos que ainda está longe de terminar. O ideal rousseaunianoretorna em nossosdias
em forma de uma demanda por democracia radicalmente participativa, pela "discussão
não estruturada", pela ação espontânea das massas.O lado hegeliano do argumento
não precisaser vinculado com as opiniões particulares de Hegel, como a convicção da
r zl5
A FORMAÇÃODO ESPÍRITO
necessidade
dos estamentos,que sãoclaramente insustentáveishoje em dia.ó Discutire-
mos isso mais plenamente na Parte IV O que deveria ser assinalado aqui, no entanto,
é que a visão de Hegel está profundamente enraizada em sua oncologia. A necessidade
que tem a comunidade política humana enquanto vontade universal de ser corporificada
numa estrutura estatal diferenciadaconstitui uma necessidadeontológica fundamental
do ser humano como veículo do Geir/.
Como resultado dessanoção fiindamental, Hegel constata que a aspiraçãoà liberdade
absoluta necessariamente engendra o Terror. Já que ela não consegue chegar a nenhuma
realizaçãopositiva, sua única ação pode ser a de destruir: destruir primeiro a constituição
e os estamentosexistentese, em seguida,quando nada do antigo restar para destruir,
sobra apenas a oposição entre a vontade universal e a vontade de indivíduos particulares
que não estão alinhados com ela. Como a sua ação só pode ser destrutiva, ela é impeli-
da a suprimir essasvontades. Porém, visto que não sobrou nenhuma estrutura, não há
mediação entre essasvontades errantes e a vontade do Estado, há somente uma oposição
absoluta; e a negação dessasvontades por parte do Estado só pode ser a da simples nega-
ção não mediada da liquidação. E, ademais, essaliquidação é privada até mesmo do seu
poder dramático de chocar,visto que o que estásendo suprimido (supostamente)não
é nada além da vontade particular completamente náo essencial."E assim a morte mais
fria, mais rasteira: sem mais significação do que cortar uma cabeçade couve ou beber um
gole de água" (/U, p. 406; PÓG, p. 418-19).'
Ademais, a existência do material a ser liquidado é virtualmente uma necessidade.
Com efeito, a vontade absolutamente universal é uma abstração; o governo de fato
é gerido por algum grupo, alguma facção,que é uma parte do todo, que tem uma
visão particular e que sofre a oposição de outros. Enquanto essafacção rege, todas as
demais são declaradas como veículos de vontades particulares. E mesmo quando não
há oposição declarada, a teoria da vontade universal requer que todos gz/e/xnmos aros
do Estado. Por conseguinte, torna-se crime até mesmo estar alienado da república em
seu próprio íntimo. Contudo, essaalienação pode ser ocultada, de modo que o regime
é impelido a tomar medidas contra as pessoasmesmo sem oposição declarada, ou seja,
apenascom base na suspeita. (É daí que Hegel tenta derivar a famosa Zo/Zri iz/sprcis
[[ei dos suspeitosa.)
O estudo de Hegel sobreo Terror também toca numa questãoque adquire relevância
para além do seu tempo. O terror stalinista possui algumas das mesmas propriedades que
Hegel destacouno terror jacobino: a liquidação que se tornou banal, a prisão com base
em intençõese outros desviossubjetivos,a destrutividade que seautoalimenta.
6Nem deveríamos identifica-lo com asformulações barrocas referentes ao fim do governo britânico na Índia
(Xd), de autoria de Bradley,adepto britânico de Hegel, com sua noção de "meu posto e seusdeveres".
r " Er ist abo der kiilteste,pbtteste Tod, abre mebr Bedeutungals chs Durchhauen einesKobLbauptsodor ein
Scbluck Wasenl
zl6 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
moral enquanto essêncianegativa, para cujo dever puro a sensibilidade tem apenas
uma significação negativa, é só "/záa ra/Z#prme".(.f;E, p. 4 1 5; PÉG, P. 428)
9 Por exemplo, no ensaio do período inicial em lona, intitulado "Über die wissenschaftlichenBehandlung-
sarten des Naturrechts". In: Sc#r Pf/z z r Bo#//É /zz/Rfcóíp&/Zasopóír. Ed. Lasson, p. 349 ss; também /;Z)
$ 258, e S\Z vol. XIX, p. 588-96.
A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO
ontológica das coisas e isso proverá a orientação que necessitamos para dar forma à nossa
ação moral. Porém, para Kant, a razão é completamente distinta da natureza das coisas,
exatamente como a vontade moral o é da natureza. Ela, por conseguinte, é puramente
formal, e exatamente por isso a razão não pode prover qualquer orientação substantiva.
Nós, por conseguinte,incorremos numa segundacontradição, a do dever moral, a
qual Hegel passaa delinear.O serhumano é compelido pelo puro princípio do devera
agir de acordo com uma regra universal. Porém, para agir, tenho de ver esseprincípio
geral do dever exemplificado em deveres particulares, ates particulares que tenho de pra-
ticar. Porém, essaé a fenda que não pode ser transposta. Nenhum ato particular jamais
pode ser evidenciado como obrigatório, porque o princípio da universalizabilidade pode
de Eito ser satisfeito por qualquer coisa. Hegel constata que os protagonistas da visão
de mundo moral são forçadosa introduzir, nesseponto, outro postulado para lançar a
ponte sobre essafenda, são forçados a recorrer novamente a Deus, dessavez para conferir
a nossos deveres particulares a qualidade da santidade que pertence ao puro dever.
Esseúltimo postulado é mais dubiamente atribuível a Kant. Porém, Hegel não está
interpretando estritamente Kart nesseponto (cujo nome nunca aparece), mas, antes, o
que ele percebe como a lógica interna da visão de mundo moral, a qual ganhou expres'
sãocom Kant e, mais tarde, com Fichte. E o ponto que ele quer demonstrar aqui e em
outras passagensé que essavisão está varada de contradição, por estar fundada numa
divisão que ela não pode aceitar nem superar. E essacontradição sempre aparece em dois
lugares:quando consideramosa realizaçãoda moralidade e quando tentamos conferir
um determinado conteúdo à obrigação moral.
O resultado dessacontradição é que essamoralidade, que teve início com o prin-
cípio da autonomia como sua ideia central, é forçada a recorrer ao 2ezóiex macói/za.
A sua concretização é localizada num fiituro distante em outro mundo. A sua presente
experiênciaé a da divisão. E outra forma da consciênciainfeliz. Como formula Hegel
aqui, iniciamos com a aârmação de que há consciência moral. Porém, quando vemos
que essaconsciência moral em princípio não está reconciliada com a natureza e é incapaz
de aârmar de cada ato particular que ele realmente constitui um dever, temos de admitir
que entre os sereshumanos, que entre seressensíveisque devem realizara si mesmos
em fitos particulares, não há consciênciamoral. Ou que há uma, mas só em forma de
representação, e, ademais, uma representação taJ que não consegue se converter em um
pensamento conceptualclaro sem evidenciar suascontradições.
Esseé o destino de qualquer visão moral que separa moralidade e natureza, que
concerne meramente ao que deveria ser e não está fundada naquilo que é. Como Hegel
propõe ir além disso será examinado mais detidamente na Parte IV
Após uma devastadora passagem de dez páginas (/U, p. 421-30), na qual ele elabora
sistematicamente as contradições da visão de mundo moral e as dissimulações (W?r!-
fe#zózzge/z)
pelas quais ela passapara evitar vê-las, Hegel enceta uma teoria romântica da
consciênciaque em parte brotou de Kant. Essaimagem pode ser situada nesseponto
PARTEll l FENOMENOLOGIA
porque ela brota pelo menos em parte de um sensodaquilo que Hegel acha objetável
na teoria moral de Kant. Os românticos abandonaram a austera divisão kantiana entre
inclinação e moralidade e chegaram a uma visão da intuição moral espontânea em que a
lei do coração e a lei ética são uma coisa só.
Porém, isso não é apenasum retorno à caseanterior da certeza moral subjetiva des-
crita no capítulo sobrea Razão.Com efeito, aqui o sujeito tem certezade suasintuições
não exatamentecomo um indivíduo, mascomo alguém que estáem contadocom o
universal, com Deus. Porque a consciência romântica é uma consciência religiosa. Ela se
regozija de ter superado não só a fenda entre inclinação e moralidade, mastambém entre
ser humano e Deus. A comunidade dessasconsciênciasé o /aczzída vida de Deus (/;E,
p. 446). Nós, por conseguinte, temos uma visão próxima da de Hegel.
Porém, vimos no primeiro capítulo o modo categórico como Hegel difere dos ro-
mânticos, a despeitode toda a similaridade em suasaspirações.Ele não pede aceitara
noção romântica de uma unidade imediata com o universal ou a crença na intuição que
aspira a uma espéciede encontro inefável com Deus. Essaunidade só poderia ser produ-
zida peia Razão, que é capaz de comportar negação e separação dentro de uma unidade
e, em consequência, manter uma visão clara.
A crítica que Hegel faz a essateoria parte de seu caráter inspirativo individual, que
permite à consciência ter todo e qualquer conteúdo, desde que alguém sinta a inspiração
correspondente. Porém, isso é incompatível com a suposta natureza dessaconsciência
como porta-voz do universal, cujas inspirações são universalmente reconhecidas e, por
conseguinte,produzem o reconhecimento universal do se/fque se identifica com elas.
Pelo contrário, as açõesque procedem dessasinspirações colidem.
O resultado é uma mudança diabética. Não vemos mais a expressãoda pura consciência
na ação externa, a qual pode ser uma Gente de conflito e que, enquanto realidade exterior,
sempre pode ser vista de muitas perspectivas e julgada a partir de muitos pontos de vista. Por
exemplo, há quem possavê-la como ação moral por causade algum de seusaspectose há
outros que podem vê-la como o cúmulo do egocentrismo em virtude de outro aspecto Em
vez disso,a expressãoparadigmática da consciência muda para a linguagem, que -- Hegel
repete aqui é uma forma de existência exterior do Ge&f, a qual, não obstante, permanece
transparente,não possuindo a natureza multifacetada e obstrusiva da realidadeexterior e
permitindo que vejamos algo bem diferente e não pretendido pela última. E a expressão
transparentedo se6 pura identidade com o ir6 mas posto na objetividade(/;E. p. 443 ss).
Em consequência, a consciência espontaneamente pura passada ação para a con-
versação, à expressão literária de suas próprias convicções interiores, as quais ela jamais
poderá expressarem atos por medo de perder essesensode sua pureza e universalidade.
Essaé a figura da bela alma. Ela obviamente representaapenasmais uma estratégiade
recolhimento, e Hegel não gastoumuito tempo com ela. Ela produz a sua própria ani-
quilação e desaparece"como um nevoeiro informe que no ar sedissolve" (zà e/n g?i/a/-
tLoserDunst, der sicbin Lu#auljtõstbÇFE,p. 448\ PbG, p. 4óSh.
r A FORMAÇÃODO ESPÍRITO zz3
finito, e espíritos finitos terem de existir para que o espírito exista; e, não obstante, a sua
finitude é o que cria a divisão que tem de ser superada; é a essênciado pecado que separa
o serhumano de Deus.A unidade de Deus com o serhumano, por conseguinte,só pode
ser alcançada mediante a reconciliação que emerge do estado de pecado; deve haver o
ma], a existência particular, mas ele é superado quando o ser humano o nega, quando
vive para além dele, ou, em termos teológicos,quando pede perdão por ele; e, emendo
isso, ele volta a ligar-se à vida universal do Gelsf, estando, consequentemente, perdoado.
Essa necessidaderecíproca é apresentada no diálogo das duas consciências: a que
representao universal começa censurando a consciência particular atavapor sua traição
do universal. Ela a acusade dobrar o universal aos seus próprios propósitos porque
sempre é capaz de vislumbrar algum interesse individual em qualquer ato empreendido
pela consciência atava.Por conseguinte, ela acusasua interlocutora de hipocrisia, de ser
moral só em palavras.Essavisão obviamente é bastante desagradávela Hegel, e ele re-
truca imediatamente: visto que a bela alma não é capaz de corporificar a lei universal em
aros,demandados por sua natureza para que ela exista, é dessaconsciência que podemos
melhor dizer que seuserviço à moralidade é puramente verbal e que é hipócrita. Hegel
deixa clara a sua desaprovação em relação a essaposição proferindo alguns insultos extras
-- citando o dito napoleónico:"i/ /z.7 paJ 2e ÓeroJPOr jo ua&f zü cóamóre"lninguém
é herói para seucriado de quartos; e acrescenta:não porque o herói não sejaum herói,
masporque o criado de quarto é um z,.zZef de cóamZ're(/W,P 452 ss).
A solução é que ambos os lados admitam o seu erro e que necessitam um do outro.
O agenteparticular deve pedir perdão,isto é, deixar de ter apreço por suaparticularida-
de. Porém, ao mesmo tempo, o universal deve dar esseperdão, isto é, aceitar que ele não
pode existir exceto mediante esseagente particular e, em consequência, que ele é obri-
gado a perdoar. O resultado é uma nova consciência, a suprema unidade na oposição do
particu[ar e do universal. Estamos prestes a passar para o conhecimento absoluto; com
efeito, temos um sujeito particular pronto para renunciar à sua particularidade e viver
para além dela, e um universal que pensaa ser visto não como existindo totalmente além,
mas como necessitado do particular.
O que restaa ser feito é expor essavisão ontológica do Geiíf que tem de ser corpo'
rificado e tem de retornar a si mesmo. Isso nos será proporcionado pela filosofa espe'
culativa. Porém, essavisão também está contida numa forma menos transparente, qual
seja, a religião. O autoconhecimento do absoluto desenvolveu-sena evolução religiosa
da humanidade. Consequentemente, o último capítulo antes da conclusão será sobre a
religião; e para manter a prática usadaem toda a obra, começaremos da base,do início,
com a religião da natureza.
CAPITULO Vll
l
Com a religião ingressamos numa nova perspectiva, a partir da qual o desenvolvi-
mento do Ge/ff pode ser interpretado, junto com aquelasque vimos anteriormente:
consciência, consciência de si, razão e espírito (objetivo). Porém, essa perspectiva não
estásimplesmente no mesmo nível das outras. Pelo contrário, a religião é a perspectiva
da consciência de si do Geisf ou do absoluto.
Já vimos que, para Hegel, a realidade última que deve chegar à realizaçãoe plena
revelaçãode si mesmaatravésda história é Deus ou o Ge/íf cósmico, cuja corporifi-
caçãoé o universo, com o qual ele é, por isso mesmo, idêntico e, não obstante, não
idêntico. A plenitude dessaautorrevelação será alcançada na filosofia especulativa. Po-
rém, à semelhança de outros aspectos da realização última do Gelar, essaconsciência de
si do absoluto existe e tem de ser encontrada através da história numa Forma obscura
mais rudimentar.
Essaforma é a religião. Essaconsciência de si do absoluto, assimcomo a sua concreti-
zaçãoúltima na filosofia especulativa,devem ser corporificadas na consciência humana.
Porém, Hegel dá a entender que devemos ver a evolução da religião na sociedadehuma-
na como algo mais que apenas a evolução da consciência humana. Isto ela obviamente
também é, e temos registrado vários estágios dessa consciência humana religiosa em
nossapesquisasobre a consciência de si e o Ge/sf -- por exemplo, a consciência infeliz
ou o mundo suprassensível.Porém, também temos de perceber essaevolução como o
desenvolvimento de uma consciência mais ampla que a humana. A justificativa para isso
obviamente vem com a validação da realidade ontológica da noção hegeliana do Geisf.
A consciência de si do Ge/íf é inevitavelmente a consciência do absoluto que está na
basede toda a realidade. Porém, nas suasimperfeitas formas mais antigas, esseabsoluto
não é visto como em unidade com a realidade. E, em certo sentido, isso estácorreto,
porque essarealidadeainda não conferiu forma a si própria como faria atravésdo de-
senvolvimento humano na história a fim de tornar-se um reflexo adequado do absolu-
to. Consequentemente, a consciência religiosa mantém a distinção entre o sagrado e
o secular,bem como a tensão entre estes. E, da mesma maneira, essaconsciência de si
permanece inconsciente de si mesma enquanto ral, visto que a consciência humana, seu
veícujo, é vista como algo separado do objeto da religião e infinitamente inferior a ele.
zz6 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
' Essadistinção entre religião como uma forma total de vida e teologia desempenhaum papel importante
no pensamento de Hegel desde o início, corno vimos no capítulo 11, na discussão dos manuscritos fragmen-
tários do seuperíodo em Tübingen.
zz8
PARTE ll l FENOMENOLOGIA
Começamos com a religião natural, isto é, a religião para a qual o absoluto é simples-
mente ser.Como ser absoluto, ele estáseparado de todas ascoisasparticulares; ele é o re.
u.. de tudo e, não obstante, intocado pela particularidade das coisas.Por conseguinte,
: : li :l:lS$1X ll;&tG
expressa a sua natureza interna.
No entanto, como poder (M/zrór) negativo que destrói toda particularidade, essa
substânciajá é em essênciaum ir6 e, por conseguinte, nós nos desenvolvemosnormal.
mente rumo a uma religião do /;ãxl/Case/ [ser-para-si].Porém, ainda não chegamosà
ideia de um se/funiversal;encontramo-nosno estágiodos muitos seresdivinos; e estes.
ademais, são sujeitos muito imperfeitos: os sereshumanos tomam imagens de plantas e
animais como seus deuses. ' '
Porém, a batalha resultante entre povos que seguem essesdiferentes deusesnão t.az
nada; subjetivamente, sendo um poder negativo, ela só é capaz de destruir. Por isso, de-
vemos mover-nos para um estágio mais elevado, em que o poder transformador da sub.
jetividade alcança expressão duradoura através de suas criações. Temos, assim, a religião
do artesão. Essa transição lembra muito a que o escravo experimenta em seu trabalho
disciplinado.Com efeito, sob um impulso externo, o escravoembarca numa rota que o
leva à sua própria transformação. -'--' "a -v-d q
meio,o artesão,sob o impulso que ele não entende, é como o escravoe, de maneira se-
melhanteao que sucede com este, a transformação que ele provoca na matéria é também
a transformação do if/6 de modo que ele acaba chegando à religião superior, à religião da
arte,na qual os sereshumanos cultuam com clareza uma imagem plenamente adequada
da espiritualidade. Em outras palavras, ao transformarem o seu material, tanto o escravo
quanto o artesãoalcançam uma consciência superior que os capacita a entender retros-
pectivamente a significação do que estavam fazendo, e a trabalhar com consciência clara,
onde antes eles operavam somente por instinto ou por imposição de fora.
Essanova religião é a dos gregos,e é a religião da arte. Retomamos aqui a uma das
interpretaçõesmais apreciadasde Hegel. O período dos gregos é o único período feliz
emque os sereshumanoschegamà reconciliaçãocom o absoluto, com a naturezae com
a sociedade. Essestrês níveis estão obviamente interligados. Os sereshumanos veem o
absoluto sob o aspecto de um ser antropomórfico, como eminentemente representável
por uma estátuacom forma humana.Isso serefiete no fato de sentiremo divino não
comoalgo completamente diferente e fundamentalmente misterioso e incompreensível.
Essasensaçãodo estranho e imperscrutável é refletida, antes, pelas monstruosas formas
metadeanimais apresentadascomo [)ouses em outras cu]turas mais antigas. Hege] diz
que com os gregos essasformas animais são postas de lado ou claramente degradadas a
simplessignos (/;E, p. 483). Porém, isso ao mesmo tempo reflete uma sensaçãode estar
em casano mundo natural; de que o divino em forma humana deteve as imagens mais
antigasdo numinoso que seinspirou em outras formas naturais para expressaro seu ser-
.outro. Tudo isso está refletido na vitória sobre os Titãs:
paroquialidade da cidade; com efeito, é só na cidade baseada na lei universal que essas
duas contes do direito cessam de conflitar e são reconciliadas.
a A reconciliação da civilização grega, por conseguinte, está fadada a estilhaçar-se: e,
lo não obstante, ela possui para Hegel uma beleza e Emanação especiais. Porque, di6erente-
Hente da soluçãosuperior que a sucederá, ela não é dependente do pensamento racional
plenamente explícito. As normas universais da razão só podem ser levadas à realização
plena nas vidas humanas mediante a penosa conquista da consciência racional. E verda-
de que a reconciliação também existe em forma de representaçãona religião cristã que
sucede à grega; mas ela não tem como chegar à plena expressão na história ou mesmo na
consciência sem os recursosdo pensamento racional explícito.
Em contraste, a reconciliação temporária da Grécia antiga poderia ser e Goicorpori-
ficada completamente no sentimento espontâneo. [)i6erentemente da nossa civi]ização
superior, cujas ideias básicastêm de ser expressasna religião e na filosofia, a base da
civilização grega [oi expressa na arte. A arte é a ideia em forma sensível; e essaé a Forma
mais adequada à civilização grega, a reconciliação do Geííf consigo mesmo, baseadano
sentimento não refletido. A religião dos gregosGoi,por conseguinte, uma religião da arte.
Antes disso, a religião ainda contivera um profiindo mistério que não podia ser plena-
mente expressoem suasformas artísticas, e, depois, a religião mais elevada foi expressa
de modo bem mais adequado na teologia e, de fato, na filosofia. Os gregos foram os
únicos que tiveram uma religião cuja expressãoparadigmáticaconsistiu na arte. [)aí o
charme imperecível da era da "religião da arte"(XümifreZ@lon).
A análisede Hegel percorreos estágiosem que essareligião da arte desmoronae
suasimagens do divino perdem sua substância e são absorvidas pelo fieis/ universal, de
um lado, e pela consciência de si universal, de outro. Trata-se de dois desenvolvimentos
relacionados, mas, nesseponto, Hegel os separa: o desenvolvimento da religião grega é
visto como o crescimento da consciência de si, que 6oi constatado atravésde todas asde-
mandas do divino e das demandas éticas correspondentes da vida pública (Sí##cAêeir),
chegando a ver que essaconsciência humana reside por trás de todos essespoderes su-
postamente superiores. Ela chega a uma concepção um tanto parecida com aquela a que
o Iluminismo chegoureferenteà origem humana dos deuses.Na opinião de Hegel, essa
consciência é a da comédia da era de AristóEanes, que trata com ironia as demandas dos
deusese dos plebeus, que antes eram tidos como última instância.
O Ge/íf universal, em contrapartida, é exaltado na religião judaica. E nesta ele tam-
bém demanda uma reconciliação com a subjetividade, que ocorre na Encarnação. Esseé
o segundo passo, que é necessário após o primeiro, representado pelo desenvolvimento
acima descrito da religião grega. Com efeito, não basta desmascararos fusos deusespa'
roquiais em nome da livre consciência de si; sozinha, esta é vazia, a não ser que consiga
encontrar uma realidadeexterior que refeitaplenamente o que ela veio a ser e na qual
ela pode, por conseguinte,reconhecera si mesma.Abandonada à própria sorte, ela só
pode naufragar no sentimento infinito de perda deixado por um mundo dessacralizado.
PARTE ll l FENOMENOLOGIA
Porém, a única realidade exterior que ela pode aceitar é aquela que reflete o espírito
universal e, ademais, o espírito universal em unidade com a consciência de si. Esta ela
rra n a TI n r'n-pn annA
h.llb\JA [ LI a lla L=]]\HCLX ] ]a.\.a.\J.
Porém, essepasso está reservado para a próxima seção, sobre a religião revelada.
Acompanhemos, primeiro, os estágiosda religião da arte. A primeira realidade posta é a
expressãodo divino, dessavez em forma humana, ou seja,por uma estátua.Trata-seda
imagem do divino enquanto subjetividade livre, com a qual o ser humano sente afinida-
de. Porém, assimcomo ela está não basta, porque se trata simplesmente de um objeto em
oposição aos sereshumanos para quem ela é Deus. Os sereshumanos aspiram tornar-se
um com o [)eus por meio da oração -- e aqui, uma vez mais, Hege] ressa]taa ]inguagem
como o meio de existência exterior da alma; não no sentido de traduzir alguma realidade
já existente interiormente, mas, antes, no sentido de corporificar uma realidade inter-
subjetiva que de outro modo não existiria. A unidade da forma divina e do hino de seus
adoradoresperfazem uma nova realidade, uma "obra de arte viva"(óesee/feiM# i/mero)
(.l;E, p. 488), que está mais próxima de representar Deus enquanto autossubjetividade
consciente. Podemos ver aqui, como já 6oi observado anteriormente, que para Hegel a
religião trata das concepçõesde Deus na teologia e mais do que isso; nela, estamostra-
tando do Deus que vive na comunidade, do Deus a quem se dirigem seusadoradores,e
não apenasde uma imagem estática.
Essefato de que a religião é mais que teologia torna-se ainda mais evidente quando
chegamosao cu]to, que é uma dimensão essencialda religião aos olhos de Hegel.: O cul-
to é aquela dimensão em que os sereshumanos buscam tornar-se unos com Deus. Com
efeito, toda religião contém alguma vaga noção de ser a consciência de si do Geifr uni-
versal, daí que a consciência finita está tanto separadaquanto unida com a consciência
infinita que ela cultua. Disso advém a necessidadede superar a separaçãoe retornar à
unidade subjacente. Esseé o papel do culto.
Hegel cita como culto, nesseponto, os sacrifícios da religião grega.O sacrifício os-
tenta a convergênciadupla de todo culto; o espírito finito póe de lado sua finitude para
seruno com o infinito; mas o infinito também desceda sua existênciameramenteuni-
versztl e, em consequência, irreal, e aceita a sua corporificaçáo no Gí'iff finito. Esses dois
movimentos são necessáriosporque o espírito finito só pode se tornar a corporificaçãa
adequada do Geiff infinito superando a sua particularidade. O nosso sacrifício aos deuses
é nosso ato de renunciar à nossa particularidade; mas a descida do deus para dentro da
vítima e o retorno da vítima até nós para que a consumamosé o passodo infinito para
a corporificação finita.
A religião, por conseguinte, vai além das concepções do divino em busca de formas
de experimentar nossa unidade com o divino, de fruir a nossa afinidade com o espírito
infinito (Gf/zzt# .fW, p. 484). Porém, simplesmente desfrutar os sacrifícios não basta,
porque o sacrifício consumido desaparece.Uma vez mais, procuramos por algo dura-
douro; e encontramos isso no culto incipiente de todo o povo. Chegamos aqui ao que
Hegel chama de obra de arte viva, como, por exemplo, no festival do povo inteiro ou no
frenesi das mênadespossessasou no atletismo.
Porém, isso muito rapidamente abriu caminho para o terceiro estágio; com e6ei-
[o, a obra de arte viva ainda carecede consciênciaplena, consciênciainterior; ou, na
medida em que há interioridade, trata-se da profundeza selvagem confilsa e misteriosa
das bacanais.Consequentemente, avançamos para o terceiro estágio, o da "obra de arte
espiritual", representadopela literatura.
Nesta, finalmente, obtemos o resultado que estávamos buscando, porque os três está-
gios da literatura, a saber, a epopeia, a tragédia e a comédia, elaboram a visão e a diabética
do que denominamos anteriormente de universais paroquiais até seu resultado inevitável.
Na epopeiade Homero, deparamo-noscom deusescuja individualidade é em gran-
de parte irreal, visto que não podem realmente afetar uns aos outros, sendo imortais.
A ideia subjacentede que a sua universalidadesó pode tornar-se real quando corpori-
ficada na ação humana vem à tona no entrelaçamento estreito da ação humana com a
ação divina na epopeia, assim que muitos resultados parecem originar-se de ambas, de
maneira tal que uma ou outra vai parecer supérflua. Nesse caso, os deuses são universais
paroquiais, carecendo da realidade concreta do ie/findividual; e o mesmo se dá com os
heróis, que são pintados aqui em tons exagerados. Porém, ao mesmo tempo, eles não
sáoidênticos a um ie/fverdadeiramente universal; eles estão,por conseguinte, sujeitos ao
poder do destino, pela razãoque vimos anteriormente.
Ao mesmotempo, o indivíduo realmenteconcreto, o bardo que entoa o poema épi-
co, encontra-se cora da história. O próximo estágio é, por isso mesmo, aquele em que
sejuntam essesdois extremos,a necessidadee o indivíduo concreto. Isso acontece na
tragédia,em que o personagemindividual encontra o destino não como algo contingen-
te e exterior, mas como algo que necessariamente flui de sua ação. Nesse ponto, Hegel
retoma a análise da tragédia que vimos no capítulo sobre o espírito. Cada personagem
corporifica um valor básico, o da cidade ou da Família, que não tem como não entrar
em conflito com o outro pelo qual ele é acionado. Uma vez mais, o princípio geral
subjacente é que ser corporificado e, em consequência, ativo na história significa sofrer
a dissolução definitiva; mas, quando se age com base em princípios verdadeiramente
universais,essadissolução é algo que flui como que da ação, e não algo que a nega.
O que, no entanto, não é o casoaqui: a ação, por conseguinte, não só leva à destruição
definitiva, masa uma destruição que não é consoante com os princípios da ação, que
não está reconciliado com a ação. A ação leva, antes, ao crime ao transgredir outra lei
diferente daquela a serviço da qual ela se encontra.
Formulado com outras palavras, poder-se-ia dizer que toda ação é em algum sentido
geradora de culpa por ser afirmação do particular e, em consequência, por separa-lo do
universal. Porém, no caso da ação que segue algum princípio universal, esseelemento
z34 PARTEli l FENOMENOLOGIA
O problema básico nessacase,como quer que seja descrito, é que o ser humano
alcançou a certeza de si, mas só à custa do recolhimento em si mesmo. Porém. visto
que o ser humano enquanto Ge/ff deve ter uma corporificação exterior para existir,
a certezade si que não é expressaem formas sociais e políticas exteriores não tem
nenhumvalor. O indivíduo universallivre é de fato o foguete da fortuna e dasforças
desencadeadas
pela selvageriapolítica. Sua certeza de si constitui o recolhimento a
umacidadelainterior, a do eu = eu, que não pode, no fundo, ser defendidae que, em
consequência, leva a uma consciência infeliz.
Por isso, temos de retornar a um sentido renovado do divino como algo mais que
apenasa nossa consciência de nós mesmos. Temos de redescobrir um espírito cósmico
com o qual podemos nos relacionar. Porém, não estaremos simplesmente retornando
aonossoponto de partida na religião natural; algo foi ganho, e issoé o elemento da ver-
dadepor trás da consciência cósmica, a saber, que esseespírito cósmico não possui ou-
tro Zocz/ida consciência de si, não possui outro veículo, a não ser nós mesmos enquanto
espíritos finitos. Ele vive em e através de nós. Nós somos a sua corporificação. E verdade
que, como indivíduos particulares, também estamos em oposição a Deus ou ao espírito
cósmico; somos uma corporificação que constitui também uma negação. Porém, essa
.Oposição
é vencida pelo fato de sermos mortais, de que cada um de nós faz a sua parte
e depoismorre, enquanto o Ge/ff continua. Deus repara a imperfeição de sua corpori6-
cação,que consiste no fato de que essacorporiâcação se encontra em seresparticulares
finitos,descartandoessesseresem seupercurso e, em consequência,vivendo a suavida
Em contraste, na Encarnação cristã, Deus está realmente presente num sujeito particu-
lar, que é "um real homem singular,sensivelmenteintuído" (/;& p. 509; PÉG, p 528).
Os crentes podem "ver e sentir e ouvir" a divindade.'
De início, é possível surpreender-se quanto a como Hegel pode Emer tal distinção en-
tre os termos de sua própria teoria. Porque a i/có Deus estáencarnadodesdeo início
em todos os sereshumanos, no sentido de que o ser humano é o veículo da consciência
de si de [)eus. O que muda na história entre as re]igióes mais primitivas da naturezae o
entendimento final na filosofia é que os sereshumanos tomam consciência disso ou que
Deus toma consciência disso através do ser humano. Mm, então, como se pode distinguir
uma Encarnaçãomeramente imaginada (nas religiões de mistério) de uma que realmente
aconteceu?Como bato, iicó, a Encarnação não aconteceu, pois ela é sempre verdadeira,
e não especialmenteverdadeirade um serhumano, Cristo. Como a realização,.@rí/có, de
que issoé assim, a Encarnação é de fato um evento na história humana. Como podemos
então distinguir o "imaginar como sendo assim" do "realmente sendo assim"?
Porém, Hegel insiste em que o peculiar a respeito da Encarnação é que os sereshumanos
não apenaspassam a vê-la dessemodo, mas que a própria substância "se exteriorizou de si
mesma(iicÉ/órrrieZ&sfe üze/í:?m)
e setornou consciênciade si" (FE.p. 506; P»G, p. 526).
A Encarnaçãoé única nessemodo: enquanto, para religiõesmais antigas,o divino era
visto com frequência como em certo sentido presente no mundo, habitando de algum
modo misterioso diferentes avatares,para o cristianismo Jesusé Deus, havendo uma
identidadeentre esseser humano e Deus refletida na proposiçãoteológica de que essa
uma pessoapossui duas naturezas. Consequentemente, o que as religiões de mistério
imaginaram náo é a mesmacoisa que os discípulos viram. Essasreligiõesmais antigas
jamais chegaram à noção crucial de que Deus enquanto espírito é ser humano; elas nun-
ca passaram do ponto de ver o divino aparecendo em várias epifanias -- e estas ocorriam
em animais, lugares,etc., tanto quanto em sereshumanos. Consequentemente,para o
cristianismo, Deus realmente "é .zz"',como um ser humano real, em certo sentido, sem
precedentes(FE, p. 511).
Ora, esseponto só poderia serdemonstrado atravésda apariçãode um único homem-
-Deus. Na plenitude do pensamento especulativo, podemos, então, captar a verdade de
que Deus é idêntico a cada ser humano e, não obstante, não idêntico a ele, uma vez que
a suaparticularidade não consegueigualar a natureza universal de Deus. Porém, no es-
tágio em que os sereshumanos então seencontravam, a unidade de Deus e ser humano
tinha de estar presentena intuição sensívelimediata. E esseponto da identidade de ser
humano e Deus só podia serdemonstrado, no que se refereà intuição sensível,por um
único homem-Deus, no qual a singularidade da subjetividade divina é representadana
unicidade do Filho de Deus. Ver o Deus uno em muitas encarnações,nesseestágio, seria
' Cf. .4ÓsRf/,p 133, 141, onde Hegel também insiste em que Deus deve assumira forma da intuição ime
dieta, sensível" para os sereshumanos, que ele tem de ser "visto e experimentado no mundo'
z38 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
lO
A Encarnação nessesentido é um evento real e também um estágio crucial em nossa
história religiosa. Porém, temos de ir além disso. Porque, sendo verdadeiro que Deus é
idêntico ao ser humano, enquanto espírito finito, também é verdadeiro que ele é não
Ido idêntico a ele.E, ademais,[)eus é idêntico/não idêntico a todos os sereshumanos,e não
se só a esseindivíduo singular.
Essanecessidadede transcendera Encarnaçãoestárefletida na própria doutrina
cristã. Com efeito, Cristo morre, é ressuscitado,ascendeao céu e envia o Espírito
Santo. Para Hegel, todos esseseventos formam um conjunto. O que eles refletem é
:ia
que a unidade de Deus e ser humano não pode ser consumada num só indivíduo.
Ll-
Porque sempre deverá haver oposição entre o espírito universal e qualquer corpori-
.e
Porém, como uma religião que finalmente expressoua verdadeira naturezade Deus e
sua verdadeira relação com o ser humano, mesmo que de forma obscura, o cristianismo
pode ser chamado de "religião revelada", porque sc trata da religião em que o Ge/írverda-
deiramente revela a si mesmo, e, ademais, revela a si mesmo como um ser cuja natureza
essencial é a autorrevelação.4 Por conseguinte, Hegel vê na teologia cristã toda a verdade
da filosofia especulativa exposta em imagens.
Nessaseçãodo capítulo, Hegel dá uma de suas interpretações da teologia cristã nes-
se sentido. As noções básicasda filosofia especulativasão, como já vimos, que a ideia
necessariamente corporifica a si mesmae então retorna a si mesmaa partir desseestra-
nhamento, reconhecendo a si mesma nessa corporificação exterior. Porém, é isso mesmo
que a teologia cristã expressa, e o expressa, ademais, em três níveis, cada um deles corres-
pondendo aostrês estágiosdessemovimento da filosofia especulativa.
Ora, isso é duplamente auspicioso, porque o próprio Hlegel expõe o seu sistema
nessestrês estágios: o primeiro trará da ideia como relação de categorias puras abstraí-
das de sua corporiÊcação (a Lógica), o segundo estuda a necessidadeinterior visível na
realidade exterior (filosofia da natureza) e o terceiro investiga o retorno da natureza à
plena consciênciade si atravésdo espírito (filosofa do espírito). Em correspondência
com esses,Hegel discernetrês níveis da teologia,que ele identifica com a linguagem
messiânicajoaquimita, mais tarde retomada por Bõhme, a respeito dos reinos do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, respectivamente.
No primeiro nível, temos a doutrina da trindade, representando,
por assimdizer, a
relação de Deus consigo mesmo; e isso remete o movimento tripartite especulativo: [)eus
Pai, que gera o Filho como seu outro, e que é unido com ele em amor pelo Espírito Santo.
l Porém, essenível demanda outro; a exteriorização representada pela geração do Filho
l demanda uma contrapartida real, a criação de uma exterioridade real, e isso se dá na
criaçãodo mundo. Estainclui a criaçãodo espírito finito. Porém,o espíritofinito, a fim
de tornar-se verdadeiramente espírito, tem de chegar à consciência de si(/n-f/có'g?óen;
/;& p. 518). E, ao Fazerisso, ele se torna consciente de um ieZfem oposição ao resto do
mundo e ao espírito infinito. Essaafirmação do ie/fé o pecado original, é o nascimento
do mal. Porém, ao mesmo tempo, ela é inevitável, pois de outro modo não poderia haver
espírito finito. E ela está, por conseguinte, no plano de Deus, porque sem espírito finito
não poderia haver espírito infinito. Ela é necessáriapara o espírito finito, visto que o
espírito é necessariamenteconsciência do ie#; e, visto que ela é corporificada na particu-
laridade, sua consciência de si inevitavelmente será um levante para separar a consciência
da particularidade. O único modo de evitar isso seria que o ser humano permanecesse
imerso na natureza, inconsciente do ie/fcomo um animal e, em consequência,abaixo do
4 Aqui, novamente, a distinção entre religião e fé torna-se relevante.Como forma de vida total, a religião
cristã vivida na Igreja é, aqui, a unidade de Deus e ser humano. Porém, a consciência da H ainda vê Deus
como separado.
r A ROTA ATÉ A RELIGIÃO MANIFESTA
bem e do mal (inocente, diz Hegel, masnão bom; /W, p- 5 18). É por issoque a queda
z4t
expressocom a plena clareza do pensamento especulativo. Ter alcançado issoé ter alcan-
çado o conhecimento absoluto.
CAPÍTULO Vlll
lll em relação aos outros, então isso deveria poder ser verificado por uma investigação dos
próprios conceitos em questão.
E, obviamente, é isso que a Zckfcn tentará fazer.Nessesentido, a /;E pode ser vista
como uma espéciede introdução à ZI({gca.Clomeçaremosexaminando essesconceitos
categoriais, iniciando com "ser", e veremos que cada um deles nos remete para além de si
mesmoa outros conceitos,até que, por fim, elesformam um sistemaque expressaa uni-
dade na oposiçãodo Geiíf com o seumundo. Essesistemaé denominado a Ideia. Hegel
anuncia isso (.IW,p. 542 ss) nos seguintes termos: não continuaremos a estudar o drama
da separaçãoe da unidade de sujeito e mundo; muito antes, o tema que trataremos
doravante será constituído de conceitos que já são unidades de ser e se/Ü e justamente
por conter o se/fe, em consequência,a negatividade,cada conceito particular padeceda
;a
'inquietude [...] de suprassumir-se a si mesmo" (iei e [/nrzzóe, iicó ir/óif aztAw&eóezz).
pÍ
Porém, essaLógica não pode ser a totalidade da ciência. A intuição básica do Geiff
acarreta que ele tenha de ser exteriorizado na natureza, razão pela qual deve haver a
realidadeexterior, física, extensa.E esseGeiff também deve retornar parasi mesmodei-
xando para trás a sua alienação; e esseretorno pressupõe outra exteriorização, a do tem-
po Ademais, esseretorno para o ie/fno tempo, o que significa atravésde um conjunto
10
de estágiosexternosuns aosoutros por virem um apóso outro e constituíremformas
reais de vida coletiva na história, é, ele próprio, uma precondição da ciência pura sendo
r
a[cançada;essaciência pura é a p ise2e co frio re [tomada de consciência] interior do
Ge/ff acerca do retorno para si mesmo.
Mas, nessecaso, essaconsciência de si do Gefsf tem de ser mais que a ciência pura dos
0
conceitos. O fieis/ estáretornando de sua alienação na natureza por meio de uma série
de estágios históricos. Para poder completar esse retorno, ele precisa apreender a si pró-
é
prio na naturezae na história. E issoquer dizer que ele precisaver a necessidade
interior
da natureza e da história, ver a necessidadesubjacente às formas de exterioridade e, em
consequência, a contingência recíproca, constituídas por espaço e tempo
No inglês, a expressão"zür zZzúf" 6oi traduzida por "que determinou a existência".(N. T.)
z44 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
: A palavra alemã "Erín/zer#ng" ]recordação, ]embrança] permite a Hegel esse jogo de palavras que para ele
é muito significativo. ENo original alemão, o jogo de palavras é entre "/n-rirá'geóen" [ir para dentro de si
mesmose "Er-i/znrrz/ng"[interiorização]
. (N. T.)]
A FTNO1VE.MOZOG/H
COMO DIALÉTICA INTERPRETATIVA 2,45
3 C)bviamente,estou aqui tomando partido no debate sobre a explicação na história, a favor de uma visão
interpretativa e contra o modelo da "lei encobridora". Em razãoda brevidade, aqui não possoargumentar
em favor da minha posição,embora eu tenha tentado Emeralgo assim no meu ensaio "lnterpretation and
the Sciencesof Man", Rfz,ifw afJUeíap/yK/CT,
vol. XXXV; p. 3-51, #l, set. 1971. Porémé provávelque o
mesmo argumento referente à explicação histórica de Hegel pudesse ser formulado igualmente a partir de
outra perspectiva
z46 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
Quer dizer, pode-se atribuir sentido ao que sabemos sobre um dado período, pode-
-se fazercom que se coadunesem implausibilidadenessaexplicação,ou, em todo
caso, com menos implausibilidade que em outras explicações rivais. Porém, a questão
a respeitodessasexplicaçõesinterpretativasé que elasnão têm um ponto de partida
absolutamentecerto. A imputação original de um certo propósito aosatires ou uma
certa propensão a eventos ou uma certa lógica da situação é totalmente infundada por
si mesma.Ela precisater sido levada a cabo e conectadacom todas as demaisamputa-
çõesque a acompanham, e, além disso, precisa ficar evidenciado que estasse coadu-
nam com os fatos com plausibilidade e que fazem sentido em toda linha; só então é
que sentimos confiança em aceita-la.
Por conseguinte, a explicação de Hegel para o colapso da cidade-Estado gregadepen-
de do propósito subjacente de realizar uma consciência e um modo de vida universais.
A pó#í tanto cumpre essepropósito quanto, ao mesmo tempo, frustra-o devido à sua
naturezaparoquial. Porém, o que nos convenceraa aceitar essaimputação de um pro-
pósito ao ser humano (ou ao Ge/sr) enquanto motivo principal dos eventos? Somente
o sentido que ela nos permite dar aoseventosdaquele período, o modo como eía esta-
belecea relaçãoentre a popularidadedos sofistas,o desenvolvimentoda literatura e da
cultura gregas, as mudanças na religião grega, o declínio da cidade-Estado, e assim por
diante, num todo que tanto é plausível quanto dá sentido ao que aconteceu. O interesse
duradouro de muitas das interpretaçõeshistóricas de Hegel residejustamente no fato
de elas esclarecerema interconexão de eventos o suficiente para induzir-nos a leva-los a
sério, mesmo que tenhamos de transpâ-los (como mais notoriamente fez Marx). Porém,
a imputação de um propósito jamais poderá autenticar por si só um ponto de partida.
Esseproblema rondou a dialética histórica de Hege] de modo geral.A dialética onto-
lógica principia com um objetivo ou padrão realizados.A tarefa inicial é mostrar que o
objeto em questão tem de ser entendido em termos da realizaçãode um objetivo. Uma
vez que issofoi assegurado,a diabéticapode prosseguir na definição do objetivo. Sabe-
dores de que padrão 6oi atingido, podemos pâr de lado qualquer concepção do objetivo
que se evidenciacomo irrealizável.Podemostomar como ponto de partida qualquer
definição e, mostrando como ela confiita com sua própria concretização, seguir adiante
para concepções mais adequadasaté alcançar aquela que é plenamente adequada. Ou,
formulando o ponto de outro modo, a partir da naturezado objeto sobestudo,toma-
mos conhecimento de certaspropriedades que Ihe servem de critério. A única coisa que
temos de aprenderé qual a especificaçãomais exala do propósito que de Eito ostentará
essaspropriedades.
Porém, não pode ser esseo casocom a nossadiabéticahistórica. Antes de dar-seo de-
senrolar completo da história, não temos exZ7@afÉes/
nenhum propósito realizado diante
de nós. Portanto, não podemos tratar como concretização nenhum período da história,
cujo padrão operativo ainda temos de descobrir. Nem podemos depreender de nenhum
período da história com certezasequer uma descriçãogeral do que o ser humano está
A FENO]WENOZOG/H
COMO DIALÉTICA INTERPRETATIVA z47
alvejando em última análise. Nem mesmo podemos estar certos de que reunimos sequer
algumaspropriedades que servem de critério para a concretização última do ser humano.
Por conseguinte, pareceque, exatamente como distinguimos a dialética ontológica da
dialéticahistórica enquanto dois tipos de desenvolvimento dialético, assim temos de dis-
tinguir dois modos de como uma exposiçãodiabéticapode demandar nossoassentimento.
Há dialéticas estritas, cujo ponto de partida é inegável ou pode razoavelmente pretender
sê-lo. E há então também as dialéticas interpretativas ou hermenêuticas, que nos con-
vencempela total plausibilidade da interpretação que fornecem. Pareceriaque, enquanto
Hegel possui candidatas para a primeira categoria -- mais destacadamente, como ainda ve-
remos, a Zcl@ca--, a sua didética histórica enquadra-se na segunda categoria. Ela não con-
vencepela argumentaçãoestrita, mas pela plausibilidade da interpretação que propicia.
O que Hegel diria disso?Ele admitiria uma distinção dessetipo? Certamente, não
na forma apresentadaaqui. E Hegel jamais teria concordado que qualquer parte do seu
sistemarepousa sobre interpretações plausíveis em confronto com a argumentação es-
trita, porque isso significaria abandonar a concepção do Ge/sf como raciona]idade total.
Porém,sob outra forma, acredito que essadistinção tem lugar no sistemade Hegel.
Deixando de lado a .f;E neste momento, o sistema fina! da .EncicZ9p%áaprincipia com
uma diabéticaestrita, a Lógica. Ela estabeleceque não há ser finito independente, mas
que tudo se mantém coeso na Ideia, a fórmula da necessidaderacional que cria a sua
própria manifestaçãoexterior. Essaconclusão fica, então, disponível para as dialéticas
subsequentesda filosofia da naturezae da filosofia do espírito. E Hegel de fato se baseia
nelanessasdialéticas.
Consequentemente, poderíamos dizer que, para Hegel, a certezaquanto aos propósi-
tos da história, que não poderia ser extraída de forma alguma de seus períodos anteriores
e que só poderia ser reunida com maior ou menor plausibilidade a partir da totalidade
do drama, não obstante pode ser obtida inclusive para a nossainvestigaçãodos seus
primórdios porque essespropósitos foram estabelecidospreviamente pela dialética es-
trita. Elesestão,por conseguinte,disponíveis como certo ponto de partida parao nosso
entendimento da história, e pode-se dizer que a diabética subsequente decorre deles com
certezaabsoluta.
Por conseguinte, nas suas preleçóes introdutórias à filosofa da história, Hegel Eda
dosprincípios "de que a Razãogovernao mundo" (],ZG,p. 28) e de que o propósito final
do mundo é a atualização da liberdade (yG, p. 63), os quais tiveram de ser pressupostos
no estudo da história, mas que coram "comprovados na filosofia" (yG, p. 28). Está claro
que Hegel se refere aqui à Lógica, visto que as teses, das quais disse que coram provadas,
concernemà Ideia, o conceito culminante dessaobra. Seusresultadossão, por conse-
guinte, um "/npwf" [insumo] na filosofa da história. Eles são os pressupostos que Ihe
permitem começar.
Porém, imediatamente após essapassagem,Hegel diz o seguinte da crença de que há
Razão na história: "Ela não é simplesmente um pressuposto de estudo; é um res á 2o
z48 PARTE ll l FENOMENOLOGIA
que chegou ao meu conhecimento pelo fato de eu já ter conhecimento do todo. Logo,
só o estudo da própria história do mundo pode mostrar que ela procedeu racionalmente,
que ela representao curso racionalmentenecessáriodo Espírito Universal" (UG, p. 30).'
E ele prossegue:"A história mesma tem de ser tomada como ela é; temos de proceder
historicamente, empiricamente'
Essapassagem implica que há outro modo de mostrar que a Razãoestáoperando
na história acémda prova estritamenteconceitua]da Lógica.E é pelo examedo toda
da história, "como e]a é; [...] empiricamente". Seria esse,talvez, um reconhecimento
parcial de que há dois tipos diferentes de prova de uma tese: um tipo que consiste numa
prova estrita construída a partir de um ponto de partida inegável, e o outro, numa prova
'empírica" que o depreendede uma investigaçãodo todo como a única conclusãoque
dá sentido a essetodo?s
Porém, uma vez que olhamos para ela dessemodo, dispomos de coerência, de uma
explicação convincente do curso da história, que proporciona uma prova independente
da tesede que a Razão governa o mundo.
Se eu estiver certo ao afirmar que Hegel se baseia nas conclusões da Lógica para for-
mular a dialética que vem "depois" dela no sistema, então ainda temos de distinguir, na
suaobra, entre argumentosdiabéticosque se autenticam e subsistempor si mesmospor
partirem de um ponto inicial inegávele aquelesque sãodependentesde outros, que têm
de Emer uso das conclusões de outros para autenticar suasleituras. A que chamamos de
diabética "estrita" seria a que se autentica por si mesma nessesentido, e a que chamamos
de diabética "interpretativa" seria a dependente. E o que chamamos de dialética "históri-
ca" (assim como a filosofia da natureza) se enquadraria na categoria dependente.
4 Rf/zian /z Hfsfar7.Trad. Robert Hartmann. Nova York, 1953, p. 30. [Ed. bus. da trad. ing]esa:
,4 Razão /z.z//fr/ór/a. (/mz /lzrrodKf.ío Gera/ ,à /:í/aios da /üsfór/a. Trad. Beatriz Sidou. 2. ed. São
Paulo, Centauro, 2001 .]
5Tâjvez esseseja o sentido da sentença que consta na introdução à filosofia da história ( yG, p. 29), dizendo
que a presençada razãona história do mundo é uma verdadeque possui sua "prova apropriada (eÜf l/fróer
Brwf/i) no conhecimento da própria razão", ao passo que "a história mundial somente Em uma exposição
convincentedela" (í# óür IW?Z2?ícófcórf
frwelsf ilf iffó /zzír).Porém, não podemosconstruir muita coisa
em cima dessapassagem. Ela não é extraída das anotações do próprio Hegel, mas das anotações deitaspor
ouvintes de suas preleções
H
A FEN07WENOZOG7H
COMO DIALÉTICA INTERPRETATIVA z49
lo, O que isso nos diz sobre o argumento da /U? A maior parte do livro é tomada pela
dialética histórica, logo, por argumentos que não se autenticam por si mesmos. Porém,
de fato, estessó têm início depois da dialética estrita com que a obra principia, ou seja,
a da consciência. A diabéticada consciência de si, com suasnoções subjacentes de vida,
consciênciade si humana e o desejode reconhecimento, supostamenteconstrói sobre
.0
os resultados da primeira parte. Nesse tocante, a /Z' é semelhante ao sistema proposto
.0
na Enciclopédia.
tto Porém, quando olhamos para ela à luz disso, podemos ver que os primeiros três capí-
.a
tulos são demasiadofrágeise esquemáticospara sustentara rica superestruturada inter-
pretaçãohistórica e antropológica erigida por Hegel. Obviamente, são essasinterpretações
Le
que pexTZ/acém, que conferem à obra seu poder e sua Emanação enquanto enunciado da
visão de Hegel. Porém, como argumento estrito, seu sucessodeve depender em primeira
LO
linha da solidez da primeira sequênciade argumentos, na qual a consciência seconverte
lo
em consciência de si, isto é, na qual nossapercepção de um mundo, que a princípio parecia
outro, converte-seem conhecimento do ie/@Ou, na formulação de Hegel:
0 Sem dúvida, a consciência de um Outro, de um objeto em geral, é necessariamente
e co icié/zri Zr ii, ser refietido em si, consciência de si mesma em seu ser-outro.
(/;F, p. 132; PÉG, p. 128, itálico no original)
Diabética de categorias
A Lógica existe em duas versões:a (]êzzc/úzü Zogzca,que Hegel publicou pela pri-
meira
vez em 1812-1816 e revisou parcialmente para uma segunda edição pouco antes
suamorte; e a primeira parte do sistema da Ciência, muitas vezeschamado de .Êbc/-
pédyzz,
publicada pela primeira vez em 1817 e igualmente revisada depois disso. No
lue segue,tomarei por base as duas versões (respectivamente WZ e -ÊZ,).
A ]lóX/caé o segundo grande resultado derivado da visão de Hegel, e trata-se de
.a derivaçãocrucial, como já vimos, porque é a única candidata real ao papel de
,rovadiabéticaestrita. Se o real existee tem a estrutura que tem por necessidadecon-
Itual, então a tarefa da Zog/cóz
é mostrar essaestrutura conceitual por meio do puro
.mento conceitual.
Issopode parecer maluquice para a consciência comum e, de fato, até para a maioria
los filósofos. Com efeito, concebemos nossos conceitos como instrumentos do nosso
lsamentoque podem ou não seaplicar adequadamente à realidade. Partimos de uma
loçãode pensamento em oposição ao mundo sobre o qual pensamos. Esse dualismo
;távinculado com outro; visco que um conceito ou uma categoria é concebido/a como
universalque pode aplicar-sea muitos conteúdos, estamostentadosa concebê-lo/a
imo uma forma abstrata em oposição aos conteúdos sensíveis,aos quais se aplica.
Essedualismo duplo naturalmente nos leva a pensar que um estudo de conceitos é
)talmentedistinto de um estudo da realidade, e, mais particularmente, que as relações
necessárias
entre conceitos que podemos descobrir a partir de tal estudo de modo algum
permitem concluir que haja relações necessárias entre as coisas às quais eles se apli-
A Lógica, enquanto estudo dessas relações, é, por conseguinte, necessariamente
}rmal,atinente à nossamaneira de pensar e não aosconteúdos sobreos quais pensamos.
Porém,Hegel, como podemos ver, não aceita essanoção do conceito e os dois du-
;mosque ele acarreta. O pensamento e as determinações através das quais ele opera
Z)en&Ófsffmma/{grnou categorias)não são o apanágio de um sujeito em oposição ao
fundo, mas residem na raiz mesma das coisas. Com efeito, a realidade que percebemos
lquantosujeitos finitos é a corporificação do Ge/sf ou do sujeito infinito. Porém, a vida
Geüf é pensamento racional, uma vida transportada pelo nosso próprio pensamen-
i, isto é, o pensamento de sujeitos finitos, e é adequadamente expresso na medida em
pensamosraciona]mente. O pensamento racional, verdadeiramente universal, que
:pressaem nossascategorias,é, por conseguinte,o conhecimento do espírito sobre
z54 PARTElll l LÓGICA
1. Kant, Crú/c z óózR.züa / #xn.São Pau]o, Nova Cu]tura], 1996. (N. T.)
DIALÊTICA DE CATEGORIAS z55
Assim,começamos
com um único conceito,por exemplo,"ser", e nossatarefaé
mostrar que, tomado em si mesmo, ele gera uma contradição. Isso obviamente nos
levará para algum lugar; sendo uma contradição específica,ela exigirá alguma mudang
específicaou algum enriquecimento do conceito, e chegaremos, por conseguinte, a uma
nova categoria.E, a partir desseponto, uma nova dialética pode ter início. Já estamos
familiarizados com esseaspecto da diabéticahegeliana em que cada contradição tem um
resultadodefinido (WZ,vol. 1,P. 36-37).
Porém, como se mostra uma contradição num único conceito categorias?Como
mostramos que, por exemplo, "ser" ou "qualidade" ou "causa" são incoerentes? Está
claro que não estamosfalando de algum conflito empírico com os fatos. Nem estamos
fiando sobre uma contradição simples no interior do significado de certa expressão,
como temos, por exemplo, com "quadrados redondos". Em vez disso, estamosàs voltas
com uma contradição que aparecequando usamoso conceito como categorias,isto é,
como um conceito que se aplica à realidadeem geral.
Uma vez mais, vemos em Kant um precedente para o que estamostentando definir.
Nas antinomias kantianas, descobrimos contradições que emergem quando tentamos
aplicar certos conceitos de modo abrangente, isto é, com o alcance total de sua possível
aplicação.A lógica dessesconceitos parece permitir duas asserçõescontraditórias. Por
conseguinte, ao aplicar as noções de divisão do espaço e do tempo de modo sistemático
ou ao aplicar a noção de limite ao todo ou ao usar as noções correlativas de causaçãoe
liberdade em seu alcance plenamente legitimado, parecemos levados pelo nosso enten-
dimento dessesconceitos a fazer duas asserçõescompletamente irreconciliáveis, ambas
parecendo igualmente bem fundamentadas.
Hegel diz que Kant merecenossagratidão por ter reveladoessasantinomias, masque
tirou delasconclusõestotalmente erradas.Com efeito, ele ainda compartilhou o erro de
entender pensamento em oposição a realidade e, partindo de uma "ternura p'ra com
as coisas do mundo" (.Ê.[, S 48) tota]mente cora de propósito, procurou a base dessas
antinomias nos limites do nossoentendimento e não na real naturezadas coisas.Hegel
acrescentaque Kant apenasarranhou a superfície ao designar quatro antinomias (.EZ,
S 48; também WZ, vol. 1, p. 183-84). Na verdade, nosso pensamentocategoriasestá
permeado delas. "Devir, Ser Determinado, etc., e cada um dos demais conceitos poderia
prover a sua antinomia particular, e poderiam ser estabelecidastantas antinomias quan-
tos forem os conceitos que propusermos" (WZ, vol. 1, p. 184).
Por conseguinte, as antinomias kantianas são, aos olhos de Hegel, apenasexemplos
de algo mais generalizado. Quando consideramos nossos conceitos categoriais como
descrições da realidade como um todo ou de aspectos generalizados dessa realidade,
eles revelam uma inadequação crucial. E isso acaba nos levando a uma contradição
Com efeito, essesconceitos categoriais sáo inescapáveis; seu propósito é designar aspec'
tos indispensáveisda realidade, seé que afinal se pretende que haja uma realidade para
nós. Mas, então, quando essesconceitos retratam uma realidadeque é impossívelou
DIALÉTICA DE CATEGORIAS z57
das transições de Hegel parecem estar baseadasna simples inadequação, como, por
exemplo, aquela que ocupa o primeiro capítulo da Z,agirá,do Ser ao Ser Determinado.
A contradição se dá entre a pretensão de adequação por parte do conceito e sua inade-
quação de#acfa(ou é usam que se poderia argumentar plausivelmente; Hegel vê aí mais
do que isso).Não se afirma que o conceito deva ser realizadoprecisamenteno aspecto
em que ele é inadequado,isto é, que deva haver uma realidadeconflitante com asCon-
dições adequadas de sua existência, isto é, que deva haver uma realidade contraditória.
Porém,essaafirmaçãoé feita de modo mais incisivo em outras transições,como,
por exemplo, entre o Ser [)eterminado e a ]nfinitude, no capítulo ll da Z,ogzca,
que de-
sempenha um papel-chave no argumento da obra toda. Nesse local, não só ocorre que
o Ser Determinado enquanto ser limitado é inadequado como conceito da realidade e
requer ser completado por uma noção do todo. Hegel também tentará mostrar que essa
inadequação constitui um conflito interno, no qual a realidade determinada não aceitará
a sua inadequação, seuslimites deânitórios, e, ao lutar contra eles, luta contra si mesma.
Podemos dizer que, nessecaso, as propriedades que servem de critérios da realidade estão
em conflito umas com as outras. A realidade estáem contradição.
Porém, como pode a realidade estar em contradição? Em outras palavras, como po'
dem os conceitos ser tanto incoerentes como exemplificados?
Já estamos cientes de que, para Hegel, isso não representa um problema. Com efeito,
a realidade é incoerente, isto é, é presa de contradição. As categorias inadequadas apenas
correspondem à rea]idade parcial, inadequada; ambas necessariamenteexistem (logo,
as categorias são indispensáveis) e, não obstante, sendo contraditórias, necessariamente
sucumbem (logo, as categoriassão incoerentes). Por conseguinte, não estamos lidando
com uma dialética da ilusão, em que passamos por falsas concepções que estão Justa'
mente destinadasao esquecimento assim que alcançarmos a verdade; estamoslidando,
antes. com uma dialética da realidade. Disso decorre que a categoria adequada, à qual
finalmente chegaremos e que Hegel chama de Ideia, não estará situada além das catego-
rias anteriores, sem fazer qualquer referência a elas, mas as incorporará. Essacategoria
ostentará, em vez disso, a necessáriaconexão de toda a cadeia ascendentede categorias,
sendo que as mais baixas,enquanto indispensáveis e incoerentes, só podem ter aplicação
em relação às mais elevadas, porque a realidade que elas designam só pode existir como
corporificação necessária,mas autocanceladora da Ideia.
Esse é, então, o modo como expomos uma estrutura conceptual necessáriadas coisas.
Mostramos que nossosconceitos categoriaisindispensáveissão contraditórios. Porém,
enquanto contraditórios, cada um deles está necessariamente relacionado com outro que
resolve a contradição no seu nível. Consequentemente, temos uma relação necessária
fundada numa contradição. E isso combina perfeitamente com a oncologiade Hegel.
IJm dado conceito categorial é indispensável, ainda que incoerente. Isso quer dizer que a
realidadeparcial que ele designatanto tem de existir como, não obstante, destrói a si mes-
ma. Porém, isso só pode ocorrer porque a realidade mais elevada, designada pela categoria
DIALETICA DE CATEGORIAS ZS9
Lo. por
mais elevadaque resolvea contradição nessenível, também existe, e essarealidadeparcial
m tdo
continua existindo por ser inerente a essarealidade mais elevada.A realidade parcial que
continuamente destrói a si mesmasó pode continuar existindo se 6orcontinuamente pos-
p'' ,e-
ta pela ordem mais ampla da qual é parte. Por conseguinte, o Eito de avançarmosatravés
lm' S
L" Die DarsteLtung Genes [. .. ], tomeer in seinem ewige7t Wesen uor ókr Erscbajhttgc]er Natur Lnd eines erLdLicben
Geistesise
CAPÍTULO X
Ser
\:DASEIN
DASZIN
É claro que se tomarmos a liberdade de usar asconclusõesda FE, de que o conhecimento é uma coisa só
com o seu objeto, não há problema com essaderivação. Porém, com isso, roda a Zqgzra se converteria de
prova estrita em mera exposiçãode um princípio já estabelecido.Ela ficaria no mesmo nível dasdialéticas
dependentesque Ihe seguiram. Tendo em vista as lacunas presentesna /Z' enquanto diabéticaestrita, isso
seria fatal para o sistema de Hegel.
A despeito de certasreferênciasàs conclusõesda /;E' como ponto de partida da Zc@ra (por exemplo, IX;Z,
vol. 1, p. 30, 53), é duvidosoque Hegel de fato tenha pretendido tirar proveito dessasconclusões,emvez
de apenasvê-las como definidoras da íar(Éada Zcl©c.z.Porém, é possívelque ele não tenha esclarecidople-
namente ó seu pensamento sobre esseponto, o que pode explicar por que tomou a liberdade de emer passar
como argumentosessaspassagensde interpretação propositiva.
SER z63
ser do
Podemosconcebero serdeterminado como casamentoda realidadecom a negação,
;a e primeiropor causado princípio espinosianomencionadoanteriormente,ou seja,de que
estro- toda determinação requer negação. É essencial para o significado dos nossos conceitos
lhos descritivos que eles sejam contrastados com outros. Não podemos ter o conceito de forma
ir na quadrado" sem ter outros conceitos de forma, como "redondo", que possam ser contras-
essas tados com ele; não podemos ter "vermelho" sem "amarelo", "verde" ou "azul«, ou similar.
luals, Enriquecer nosso vocabulário de cores é acrescentar distinções ao nosso acervo de cores
a disponíveis. Isso é assim porque todos os termos indicativos de propriedades com os quais
su- podemos caracterizar o ser determinado são essencialmente contrastados com outros e por-
uma que só podemos apreender o ser como determinado, isto é, como tendo esta propriedade
.aro ou aquela, pois, de outro modo, caímos no vazio do puro ser; a caracterizaçãodo Z)me/m
como possuidor de uma qualidade é, ao mesmo tempo, sua caracterizaçãoem termos ne-
os gativos como não possuidor de outras. O objeto vermelho é também essencialmentenão
:; 0 azul; ele só pode ser apreendido como vermelho seÉorapreendido como não azul.
de Até aqui, tudo bem. O que pode nos incomodar é que Hegel parecedeslocar-sedesse
'tas ponto não excepcionávelde que toda a realidade tem de ser caracterizadacontrastiva-
.do mente, que nessesentido os seresdeterminados negam outros, para a noção de que os
:er- seresdeterminados se encontram envolvidos numa espéciede luta para manter-seem
face de outros e, em consequência, estão "negando" cada um dos outros num sentido ati-
re é vo. E essaconexão é essencialpara o seu argumento, como ainda veremos. O raciocínio
de Hegel não estáinteiramente claro nesseponto, e o argumento é exposto de modos
diferentes, com muito mais estágios na WZ do que na .EZ,.Porém, penso que podemos
tentar uma interpretação do argumento subjacente.
Mesmo que a qualidade com que caracterizamos um dado Z)aie/n possa ser definida
em contraste com propriedades imaginárias, isto é, propriedades que não estão exem-
plificadas, alguns dos contrastes em que baseamos nossas descrições têm de ser exempli-
ficados. Nesses casos, o contraste entre os D e/ e enquanto qualidades é um contraste
entre coisasdistintas: Hegel usa aqui a palavra "algo" (Efmzzi) a palavra "Z)/ng" [coisa]
é reservadapara um estágioposterior. Porém, quando Edamosde "algo", e não apenas
de qualidades, podemos ver que essesalgos não só estão relacionados contrastivamente
em nossa caracterização deles, mas que eles também incorrem numa multiplicidade de
relaçõescausaisuns com os outros, relaçõesque compõem o pano de fundo causalde
sua preservação,sua alteração ou seu eventual desaparecimento. Por estar em interação
causal com outras coisas, algumas das quais potencialmente destrutivas, um "algo" pode
serconcebido, antes, figuradamente como mantendo a si mesmo contra a pressãodo seu
entorno, como, por exemplo, um corpo rígido mantém suaforma contra (certo grau de)
le.
pressãoe impacto dos corposque o rodeiam.
Pode-sepensar,no entanto, que o argumento estáse tornando um pouco mais flexí-
vel aqui, pois pareceque estamosintroduzindo fatos que podem até ser bem atestados
pelo senso comum, mas a respeito dos quais não se comprovou que são características
z64 PARTErll l LÓGICA
necessáriasdo ser. Todos sabem que, no mundo, as coisas estão em interação causal, mas
não podemos afirmar ter derivado issojá no presente estágio. E o que é mais embaraço-
so, náo poderíamos afirmar ter deito isso explicitamente, porque as categorias vinculadas
com a causasáo reservadaspor Hegel para um ponto posterior na Lógica, ou seja,na
parte sobre a Essência.De Fato, no entanto, parece haver um conjunto implícito de
considerações aqui, que, estando implícitas, não foram claramente expressas.Elas talvez
possam ser explicitadas da seguinte maneira:
As propriedades com que caracterizamos as coisas não apenas são definidas contrasti-
vamente, mas também é parte essencialdo seu significado que elas caracterizemaquilo a
que se aplicam parcialmente em termos de suaspotenciais interaçõescausaiscom outras
coisas.Qualificar algo como duro é dizer algo sobre suapenetrabilidade,maleabilidade,
etc. em contadocom outrascoisas;qualifica-lo como quadrado é dizer algo sobreaquilo
que pode custar-se comodamentejunto dele e assim por diante. Essanoção da nossa
linguagem empírica baseadaem propriedades contrapõe-se à tradição empirista-cartesiana
que, a partir de uma imagem basicamente contemplativa da percepção, derivou o modelo
das propriedades puramente Êenomênicas. Os paradigma que melhor pareceram se ajus-
ta- a essemodelo foram as propriedadesacessíveisa um único sentido, dentre as quaiso
exemplo citado com mais frequência foi o nosso conjunto de termos que designam cores.
Ora, é bastante duvidoso se podemos abstrair termos puramente Eenomênicos designando
cores da trama de propriedades com as quais descrevemoso que percebemos. Pode-seargu-
mentar plausivelmente,por exemplo, que o vermelho tem uma aparênciadiferente quando
é visto como a cor de um tapete persa ou de um vaso, que, no espaço realmente percebido,
o visual não pode ser desintrincado do tátii. Porém, mesmo que esseponto seja deixado de
lado, estáclaro que não podemos tomar nossostermos abstratos designando corescomo mo-
delo para os termos que designam propriedades em geral, e que pelo menos a grande massa
destasé entendida em parte pelo tipo de interaçóes que atribuem àquilo a que se aplicam.
Partindo desseponto, podemos ver outro sentido no qual a qualidade do ser determinado
implica uma negação de outros seres.Ele não só é definido contrastivamente, mas também
é definido em partepelo tipo de interaçóescausaiscom outros em que os seresdessetipo
incorrem, entre asquais sempre estão em jogo a preservação, alteração ou destruição da coisa
concernida. Por isso, com uma pitada de licença poética, podemos dizer que a sua qualidade
defineo modo como uma coisapreservaa si própria ou, no final dascontas,sucumbe em seu
entorno, o modo como ela "nega" as potenciais "negações" de outras.
Acredito que Hegel tenha os dois pontos em mente, tanto o contrastivoquanto
a "negação"interativa, talvez sem distinguir ambos quando ele eda do Algo como "a
primeira negação da negação" (WZ, vol. 1, p. 102); desse modo, ele já prefigura com o
simples adie/m o princípio do retorno ao ff/fno outro, que chega à sua realização mais
plena no sujeito. Obviamente, isto é central para a ontologia de Hegel: a forma mais
t)aixa do ser tem de ser entendida como uma proto6orma imperfeita da mais elevada,
que é o sujeito (ibidem).
SER
Quando dizemos que as coisassão finitas, temos em mente não só que elas
possuem determinidade, que qualidade é realidade e determinação existentes .z/z
s/rA, que elas são meramente limitadas e, em consequência, ainda têm o ser
determinado para além do seu limite e do seu ser. As coisas finitas são; mas sua
relação consigo mesmas é esta: sendo negativas, elas estão relacionadas consigo
mesmase, nessaautorrelação, remetem a si próprias para além de si mesmase de
seu ser. Elas são, mas a verdade desseser é seu fim. O finito não só muda, como
o Algo (E/wm) em geral, mas ele também parece; e seu perecer não é meramente
contingente, de modo que ele poderia ser sem perecer.Antes, faz parte do ser
mesmo das coisas finitas que elas contenham as sementes do perecer como o seu
próprio ser-em-si(/nf/cose/n):a hora do seu nascimentoé a hora de sua morte.
(WZ,vol. 1,P.116-17)'
3Traduzido a partir da tradução inglesa (levemente modificada pelo autor) de W H. Johnston e L. G. Stru
thers. ]n: ]=/eXf/tSr/f zreofZoWr. Londres, 1929, vol. 1, p. 142.
SER 2,67
comque aquela corresponda a esta, para colocar o mundo e a sua própria sensibilidade
ernconformidade com a ]ei moral e os ditames da consciência, mas que elesnão podem
ser bem-sucedidos nisso sob pena de derrubarem a distinção entre as duas e, em conse-
quência, eliminarem a lei moral e o dever.4 Esse dilema da moralidade kantiana é muito
comentado por Hegel, e ele obviamente prevê o modelo para a descrição da contradição
entre SaZ&'ne Sróxn7zÉrnesseponto, um "dever" que necessariamente destrói a distinção
sobrea qual está fiindado visando à sua própria realização.
INFINITUDE
aindanão chegamosao termo final dessemovimento. Com efeito, a finitude que está
vinculada ao "dever" é do tipo que gera como termo correspondente o "mau" infinito,
f
X
como qual Hegel tem em mente uma forma de infinitude que não é abarcável,que r
nãoé mantida numa estrutura coerente,sendo,em consequência,sem limites em outro
sentido.Podemos recordar-nos aqui de que a noção hegeliana de infinitude é a de uma
totalidade que não é condicionada nem limitada por outra coisa; mas isso não quer dizer
queo infinito não tenha estrutura ou forma; isso quer dizer apenas que ele não tem re-
laçãocom nada cora dele. Um universo infinito, por conseguinte, não é necessariamente
ilimitado; ele pode ser, antes, um todo ordenado, cujos elementos estão relacionados
exclusivamente entre si. Essa de fato é, para Hegel, a verdadeira noção do infinito, uma
noçãoontologicamente fiindada na natureza do espírito inânito. E oposta ao infinito
como o meramente sem limites, a extensão indefinida que não possui unidade interna.
Por conseguinte, para Hegel, o verdadeiro infinito une o finito e o infinito, e isto de
dois modos. Primeiro, ele se recusa a ver o finito e o infinito como separados e em oposi-
ção um ao outro, pois, nessecaso, visto que eles não podem deixar de estar relacionados,
o infinito estaria relacionado com algo que não era ele próprio e, em consequência, não
seriainfinito. O infinito deve,portanto, englobar o finito. No seu nível maisbásico, isso
remetea opção de Hegel por um absoluto que não estáseparado do mundo ou além dele,
mas que o inclui como a sua corporificação.
Porém,em segundolugar, o infinito não pode apenasincluir o finito assim como
progressosem fim inclui os termos individuais que o perfazem. No sentido de Hegel,
issoigualmenterepresentariaum fracassoem unir o finito e o infinito, visto que a unida-
dejamais poderia ser consumada. Por mais que se estenda um progressocomo infinito,
semprehá mais alguma coisa pela frente. Com base nessemodelo, o infinito jamais po-
deráser um rodo ordenado em que os vários elementos anitos têm um lugar necessário.
Por isso, a noção hegelianade infinito é a de uma vida infinita corporificada num
círculo de entes anitos, cada um dos quais é inadequado a ela e por isso sucumbe, mas
é substituído por outro numa ordem necessária,sendo que a série toda não é ilimitada,
mas fechada em si mesma dentro de um círculo. Desse tipo é o círculo de categorias que
perfazem a lógica, o círculo de níveis do ser que perfazem as filosofias da natureza e do
espírito, o círculo de papéisque perfazem o Estado. Tais totalidades ordenadas não estão
relacionadas com nada cora delas mesmas. Os elementos de Fato são finitos e perecíveis
ao passo que o todo é infinito e eterno. Porém, não há separaçãoentre os dois porque o
infinito só existe dentro da ordem necessária do finito.
Essaé a concepção do infinito à qual Hegel quer nos conduzir agora. O Z)aie/n
enquanto ser determinado que necessariamentesucumbe é finitude. A coisa deter-
minada está relacionada com outras fora dela, tanto estaticamente, em contraste e
inreração com outras coisasfinitas, quanto dinamicamente, pelo fato de sucumbir e
ser substituída por outras. Isso, porém, requer outra categoria.O finito assimdefinido
não pode subsistir por si mesmo, porque o ente finito sempre nos remete para além
dele próprio. Necessitamos de outra categoria para englobar o todo da realidade ou a
realidade enquanto autossubsistente.
Denominemos essanova categoria "infinitude". Concordaremos, então, que ela não
pode ser concebida como algo que existepara além do finito. Em primeiro lugar, por-
que já vimos que o ser não finito, o ser náo determinado, é equivalentea nada,e assim
tal infinito seria vazio. Em segundolugar, esseinfinito vazio teria algo fora dele, como
acabamosde argumentar e, em consequência, não seria o verdadeiro infinito nem um
conceito do todo. Esseinfinito seria finito. Porém, nós tampouco podemos concebê-lo
como meramente ilimitado. Com efeito, isso também Edharia em proporcionar-nos um
conceito para um todo autossubsistente. O finito é dependente de outras coisas, tanto
em cada momento do tempo como também pelo fato de provir de outras coisasfinitas.
Porém, relaçõesde dependência não podem ser alongadas infinitamente porque senão
nada jamais viria a ser.À medida que delineamos as relaçõesde dependência temos de
chegar consequentemente a um todo que é autossubsistente, que não é dependente de
nenhuma outra coisa cora dele.
Tomo isso como o ponto essencialdo argumento de Hegel, embora ele não seja
exposto nessestermos nem estejainteiramente claro o que ele quer dizer. O argumen-
to contra o infinito vazio por trás está suficientemente claro, mas a transição crucial
nas duas versõesda lógica é a do mau infinito do progressoinfinito para o verdadeiro
infinito. O mau infinito nos apresentauma sérieinterminável de coisasfinitas, cada
uma dasquais desaparececomo tem de ser e é substituída por outra. A passagempara
o verdadeiro inânito se dá quando vemos que cada algo que desapareceé substituí-
do por outro algo finito. Há identidade na mudança: "e assimAlgo (Ermas),em seu
passarpara outro, só vem a coincidir coniilgomesmo"(io g?óf ó/erm/f Etm / ie/ em
SER z71
ZI f/lgrÓr i# .,4m2erei/z r mit sich selbst z i mera) (.EZ, S 95).S Esta é a "verdadeira
\nhn\tuàeu (die wabrba$e Unendlicbkeità.
Entendo essatransição da seguinte maneira: se conremplarmos a sucessãode coisas
finitas em que cada uma passae é sucedida por outra, somos consequentemente forçados
a mudar o nosso ponto de referência central das coisas finitas efémeras particulares para
o processo contínuo que prossegue através do seu devir e perecer. Essa é a identidade na
diferença. Porém, o Zocz/idesseprocesso não é qualquer coisa finita particular, mas todo
o sistema de coisas efémeras, limitadas.
Essapassagem
de uma noção de realidadelimitada, dependente,para uma noção
complementar de uin todo autossubsistente é um passoque Hegel dará muitas vezesno
decorrer da Z(eira. E uma arma crucial no seu arsenal. E ele a usa aqui de modo eficaz.
Porém,a categoriada infinitude que Hegel deriva aqui é consideravelmente mais rica do
quepodemos estar dispostos a atestar com base no seu argumento. Que uma noção do
finito e do dependenterequer uma noção complementar do todo pode até ser pronta-
mente atestado.Porém, a "infinitude" de Hegel não é meramente a noção de um todo,
mas de um todo cuja articulação interna e cujo processo se desenrolam por necessidade.
Porconseguinte, Hegel Eda dessaconcepção de unidade de finito e infinito como da
descoberta
da "ldealidade"(.ÉZ,,S 95 [ed. bus. p. 193]). Chegamosao entendimento
mais pleno possível das coisas quando as relacionamos com a necessidade, cuja fórmula
estáexpressana Ideia, em algo que seaproxima do sentido platónico. Consequentemen-
te, "a verdade do infinito é [...] sua idea]idade" e "toda verdadeira fi]osofia é por isso um
àeahsmd' pede wabrba$e Pbilosopbie ist deswegenlckalismusb (Tb\&emÕ
.
O que permite essaconclusãomais corte é o argumento anterior que examinámos
acimae que mostra o finito como o Zacz/ida contradição. Seo infinito Gortodo o sistema
de mudanças que o finito experimenta e se essasmudanças forem impulsionadas pela
contradição, então o processointerno do infinito é governado pela necessidade.
Examinemos isso um pouco mais de perto Uma coisa finita sucumbe por necessi-
dade. Porém, ao sucumbir, ela não simplesmente desaparece. A própria negação da qual
ela padeceé determinada e, em consequência,ao romper-se, é substituída por outra
coisadeterminada -- por exemplo, madeira queimada se converte em fiimaça e cinzas.
De qualquer modo, não podemos conceber que as coisasdeterminadassimplesmente
desaparecem,porque, como vimos, o ser tem de ser determinado e, visto que Ser é um
conceito indispensável, ele é Z)afe/n.ó
Por conseguinte, a morte de uma coisa finita é o nascimento de outra. É aqui que o
pensamento não especulativo comum tenta evadir-se da questão. Quando ele se eleva a
uma intuição da mortalidade inescapáveldas coisasfinitas (mesmo que não vislumbre
nisso uma contradição), ele naturalmente pensa o finito como sustentado por um ser
infinito que estáalém da finitude. Esseser substituiria as coisasfinitas à medida que elas
perecem. Porém, essetipo de ser infinito é impossível com base no argumento de Hegel.
Em primeiríssimo lugar, porque ele não poderia ser sem ser anito, isto é, determinado.
E, em segundo lugar, ele de fato é sub-repticiamente definido como determinado, visto
que ele é co/z/zas/adacom o finito. A noção de tal ser infinito constitui uma contradição.
Consequentemente, a infinitude, o todo autossubsistente que somos forçados a assu-
mir uma vez que captamos a mortalidade do finito, só pode ser todo o sistema de seres
determinados mutáveis. Não há fundamento para coisasânitas cora do sistemado finito.
Consequentemente, não há conte cora do sistema na qual podemos nos basearpara explicar
o devir de novas coisas finitas. O seu devir é apenas o perecimento dos seus predecessores.
Porém,o predecessor
sucumbepor necessidade
conceitual. Com efeito, a suamorte é
a resolução da contradição. Consequentemente, o sucessor vem a ser por necessidade con-
ceitual. Porém, todas as coisas finitas são as sucessorasde algumas outras. Assim sendo, não
só o perecimento, mas também o devir de coisasfinitas acontece por necessidade.
Por conseguinte, o infinito enquanto todo o sistema de mudança das coisasfinitas é
o desdobramento por necessidade conceitual, porque essascoisas mudam e se mobilizam
numa tentativa perpétua de resolveralguma contradição. A contradição é o motor das
coisas.E elaa6etatudo, de modo que tudo é atingido ao longo de um Devir perpétuo
(WZ, vol. 1, p. 138). O infinito só pode ser o todo, e o que permaneceidêntico é a 6r-
mula "por necessidade" que percorre todo o ciclo de mudanças.
Devido a essanecessidade
interior, o infinito náo é meramenteo todo no sentido de
uma coletâneade coisasfinitas em que nenhuma foi deixada de cora ou de um grupo
de coisasfinitas que estãoem interaçãocausalcontingente. É uma totalidade, um todo
cujas partes estão intrinsecamente relacionadas umas com as outras, isto é, em que cada
uma delas só pode ser entendida por meio de suas relações com as outras. Porque essas
partes ou coisas finitas surgem e se sucedem por necessidade conceptual. Por conseguin-
te, a concepçãohegelianade contradiçãodo finito vimos que elavai alémdo que
seu argumento poderia sustentar já está tendo importantes consequências.Faz toda a
diferença ver o todo como um agrupamento contingente de coisasfinitas ou vê-lo como
uma totalidade que merece ser chamada de "infinito" no sentido hegeliano do termo e
na qual se considera que o finito tem a sua verdade na Ideia.
Por causa disso, a noção hegeliana de infinitude já contém o caráter essencial de sua
visão ontológica e da categoria final da Z,(Ü/ca,a Ideia. É um sistema autossubsistente,
ele gera o Ser Determinado uma vez mais. Por conseguinte, o Z)asf//znão pode desaparecer.CE WZ, vol l
p- 118-19, onde Hegel eazalusãoao paralelo entre a diabéticado Nada e a do anito.
SER
e
11 QUANTIDADE
Isso parece ser o casoaqui, pois o que emergiu do Z)mr/n eoi, como vimos, Uma
noção de vida infinita que [em continuidade no devir e perecer do Z)mei/z,da realidade
enquanto relacionada com "idealidade". Consequentemente, temos a ideia de um ser
que sobrevive à morte dessaqualidade. Usando uma linguagem mais hegeliana, temos
um ser que negaas suasdeterminações particulares ou que retorna a si mesmo vindo do
outro pejo qual é determinado ("zí r 2ZzcÓe
.RÜc&#eÓr! j/cÓ" [WZ, vo]. ], P. 147]) ou
que é "simplesrelação.consigomesmo" (r//eÁacÓe
.Bez/rZ'wng
'zz#'sjcÓ)
( WZ, vol. 1, P. 147).
Essaé a noção hegeliana do /%z3icÁir/, Ser-para-si, o estágio que agora alcançámos, e não
surpreende que Hegel cite o "eu" da subjetividade como exemplo paradigmático. Com efei-
to, o sujeito enquanto consciência tem um certo objeto diante dele e, enquanto consciência
de si, tem um certo conjunto de características,mu ele "retorna a si mesmo" a partir dessas
característicasno sentido de que ele não pode ser identificado com elas,de que objetos e
característicasmudam ao longo da vida dessapessoaidêntica. É claro que o próprio sujeito
humano acaba sucumbindo, e o exemplo supremo de /Un/cose/ é o sujeito absoluto'''a
vida tem continuidade através de toda a série de mudanças na realidade exterior. '
isso pode estar suficientemente claro em termos hegelianos: parece que, no
/ zsjcóse/n,derivamosa noção do sujeito enquanto vida veiculadapelo devir e pelo pe-
recer de sua corpori6cação exterior. Porém, não é aí que queremos chegar nesse estágio
da /lqgzca;issoseráfeito no lugar apropriado,no terceirolivro. O que queremosderivar
nesse estágio é simplesmente a Quantidade.
Por isso, Hegel intervém para orientar o tráfego. Ele nos lembra de que ainda estamos
no nível do Ser,ou seja,aindaestamosexaminandoa realidadeenquantosersimples
unidimensional, não como emanação ou manifestação de algo. Isso se dará só no segun-
do livro, sobre Essência.Consequentemente, a questão a ser tratada aqui não pode ser a
noção de sujeito. Porém, se transpusermos essanoção mais plena para o contexto mais
pobre do simples ser, derivamos uma nova forma que pode ser o ponto de partida de
uma nova dialética.
Essanova forma é o simples ser, mas o que ela retém do sujeito, o que justifica
chama-la de "/Uxi/cóíe/m", é a negação, por parte dela, de sua determinação especifica.
serseparado como tal sem qualquer qualidade específica.Porém, Hegel afirma que
isso não é um retorno à indeterminação do puro Serdo qual partiu a Lógica, porque essa
indeterminação é posta pela autorrelação do EãxK/cose//z,
emergindo da diabética.E claro
que com issoHegel pareceobter o melhor resultado possível,retendo aquelasprerroga-
tivas do sujeito de que necessita para o seu argumento, enquanto permanece na esfera do
Ser; mas abramos mão dessaobjeção para acompanhar o seu argumento.:
Ora, Hegel chama esseser de "o uno"; e podemos vislumbrar a lógica subjacen-
te a isso, mesmo que a derivaçãoEditapor Hegel pareça muito mais fantasiosa.Com
l ZgZq@güeÓ .f;êgr/comi'sse pon'o, expressapor Jean Wãhl, "Les Cours de Sorbonne". In: Commf zn/x?fdr
SER z75
h ü" .a
efeito, um ser dessetipo só pode ser isolado, isto é, distinguido de outros, por algum
P'' .e
procedimento do tipo enumerativo. Em outras palavras, só podemos identificar um
ser serparticular dessetipo atribuindo-lhe algum número numa série ou alguma posição
LOS ordinal. Porque todos os seresdessetipo são idênticos pelo fato de não terem qualidade
.0
determinada; eles só podem ser distinguidos numericamente.
É claro que, nesseargumento, dou por assentadoque identiâcar "o uno" é o mes-
mo que distingui-lo de outros, que um ser dessetipo só é concebívelcomo um entre
muitos. Ou como um ser sem diferenciação interna poderia ser identificado a não ser
em contraste com outros? O espírito absoluto em sua manifestação plena de fato tem
de ser identificado sem contraste, mas sua vida é a enter-relação necessária de realidades
ricas e variadas, cuja identificação em contraste com cada outro não apresenta problema.
e
Porém,aquilo que não possuidiferenciaçãointerna não pode ser identificado pelo que
contém ou inclui: por conseguinte, ele só pode ser isolado por aquilo que "nega". Esse
ía 6oi o caso com o Z).zse/n,que, sendo identificado com uma qualidade simples, era indife-
renciado e, em consequência,teve de ser contrastado com outros para ser determinado.
Porém,aqui o uno não só é indiferenciado, mastambém sem qualidade específica;ele
não pode ser contrastado qualitativamente com outros, só numericamente. "0 uno" tem
de existir como um entre muitos.
Esseargumento nos traz até a Quantidade. Porém, embora ele possa ser concebido
como embasamento do raciocínio de Hegel neste ponto, sua derivação da Quantidade
assume uma forma bem diferente. Ela passa, antes, pelas noções de repulsão e atraçáo,
que Hegel, seguindo Kant, pensavaserem essenciaisà física (logo, dignas de serem deri-
vadas como estágios na ZlóKic.z).
Esseé outro exemplode um desvio a ser tomado no que Hegel julga seremnoções
essenciais.A derivação da repulsão, que não podemos abordar aqui, depende da ideia de
que o uno, ao negar a sua própria determinação qualitativa, possui uma "relação negativa
consigo mesmo". Consequentemente, o uno tem de tornar-se muitos. Porém, ao mesmo
tempo, os muitos que se originam do uno são, no final das contas, idênticos, homogê-
neos.A relaçãode cada um com os outros é também uma autorrelação- Por conseguinte,
há igualmente atração.
Antes de derivar a repulsão(na WZ), Hegel associaa ideia do uno com a âlosoâado
atomismo, como formulada por Demócrito. Os átomos de Fatosão "unos" nessesentido,
porque são internamente indiferenciados e totalmente sem qualidades, por não oferece-
rem absolutamentenenhum contrastequalitativo uns em relaçãoaosoutros. Hegel tenta
explicar a ideia de que os átomos seencontram num vácuo, nos termos de sua noção do
uno: o uno é desprovido de qualidades, é vazio, sendo ele próprio vácuo nessesentido;
ele só permanece para separar os dois momentos do uno, seu ser aârmativo e sua vacui-
dade,visando pâr átomos num vácuo circundante.
Porém, o atomismo oferece-nosuma noção inadequada dos unos, porque ele con-
cebe sua relação entre si, sua combinação, como puramente contingente; como um
z76
PARTEill l LÓGICA
SER z77
99? Essas razões, os critérios para "'4" e ".B", não podem ser estipuladas/os em termos de
números de unidades, porque a questão diz respeito ao agrupamento de unidades eU
agregadoscom um certo número, a saber, 100 ou 50. Temos de introduzir alguma Outra
ordem de conceitos descritivos a fim de expressaros critérios; vamos dizer que essegrupo
de 100 seja rezaziZoàparir do resto ou que 50 resultam numa certa#orma.
Esseponto não é afetadopela consideraçãode que podemoscaracterizaro mun-
do numa quantidade indefinida de modos diferenciados e, em consequência,na nossa
situação imaginária, agrupar unidades numa quantidade indefinida de modos: o nosso
'4, por exemplo, pode também ser descrito como um .A/ e um ]V agrupando, respecti-
vamente, 88 e 12 unidades; e assim por diante. Porque, em todo caso, havendo razões
para seccionaro mundo de um determinado modo qualquer, elassó podem ser dadas
mediante a introdução de outras ordens de conceitos descritivos, diferentes daquelas
das unidades e dos agregados de unidades. Antes, esseponto da pluralidade dos modos
de caracterizar coisas reforça o argumento. Com efeito, a distinção entre dois diferentes
modos de caracterizar coisassó pode ser dado em termos de diferentes ordens - apro-
priadas a cada uma.
E por isso que qualquer atomismo conceptual acabado-- estou dando um nome
para a visão que estamosconsiderando aqui precisa sufocar a questão referente a
como caracterizamosas coisas,isto é, como agrupámos unidades. Ele precisa imagi-
nar um mundo fenomênicoem que não há nenhum tipo de agrupamentoou, o que
dá no mesmo, em que quaisquer agrupamentos que fizermos serão completamente
arbitrários no sentido de que absolutamente nada pode ser dito no que concerne ao
princípio de tal agrupamento -- uma espécie de doutrina supranominalista. Porém,
isso é claramente impossível. Com efeito, a não ser que as únicas coisasque admitimos
nesse estranho mundo fenomênico imaginário do atomista conceptual sejam aquelas
que consistem de unidades singulares nessecaso, haveria uma única espéciede coisa,
logo, não haveriaabsolutamente nenhum conceito qualitativo (por falta de contraste)
e, em consequência, e/zózímz espéciede coisa (isto é, recaímos na vacuidade do puro
Ser) --, teríamos de admitir entidades que são agregados de unidades. Nesse caso, po-
rém, deveria haver alguns critérios para isolar agregadosde # unidades que constituem
dada espéciede coisa, em vez de ela simplesmente [er # unidades. Porque não daria
sentido reconhecer, digamos, uma coisa de 100 unidades e dizer "aqui temos um '4", a
menos que .4 tenha outras propriedades além daquela de ter como agregados 100 uni-
dades, como, por exemplo, de que .4 agrupa essasunidades de certo modo ou em certa
forma. Com efeito, em qualquer campo a qualquer tempo, indubitavelmente haveria
l
]
centenas, se não milhares de tais unidades, em qualquer interpretação plausível de um
elemento atómico universal e, em consequência,se .4 apenassignifica 100 unidades,
ele jamais poderia ser erroneamente dado.
E claro que essemundo 6enomênicoimaginário é bastantebizarro, tão distante está
do nosso mundo anual, o qual está repleto de diversidade qualitativa, de modo que
SER z79 ]
achamosmuito difícil imaginartal reduçãode todasas coisasa um tipo singularde
de
elemento. Até mesmo as reduções obtidas pelas ciências mais bem-sucedidas, digamos,
o atomismo real da física, não têm qualquer relação com um atomismo da agregação
à parte de unidades homogêneas, mesmo que reduzam fenómenos aparentemente di-
IPO
versosa uma única baseexplicativa. O objetivo do excursoacima foi apenasmostrar a
impossibilidade de caracterizar ascoisasem termos puramente quantitativos, isto é, sem
introduzir quaisquer distinções qualitativas ou uma pluralidade de conceitos descritivos.
E o motivo que me levou a essademonstraçãobastanteimplausívelé que, na minha
opinião, alguma coisa dele estána base do anualargumento hegeliano. Como vimos, no a
argumento, Hegel avança da tesede que a realidade quantitativamente considerada(em Ü
l
suma, o gw.znfwm)pode alterar os seuslimites arbitrariamente para a tesede que ela deve
Emerisso; e nisso ele vislumbra uma contradição. "Por isso, de acordo com a sua qualida- C
pS
de, um gz/a/zrz/mé posto em continuidade absoluta com sua exterioridade e seu ser-outro. r
Por conseguinte, ele não sópozü ir além de toda e qualquer magnitude determinada, esta
não sÓ.Fazeser alterada, mas está posto que ela Zez,ealterar-se" (WZ, vol. 1, p. 221 , itálicos
no original). E um pouco antes disso, Hegel EHa de "contradição" (W?2erlPmcó).
Ora, essemovimento do "pode" para o "deve" é compreensível seentendermos que o
que estamos procurando aqui é um conjunto de categorias que nos permitirá apreender
ascoisascoerentemente e se, como já vimos, uma caracterizaçãopuramente quantitativa
não puder nos dar uma especificaçãoadequada de uma coisa. Em termos puram:nte
quantitativos, não há razãopara fazer uma delimitação em qualquer parte. Ora, pode-
mos estipular isso, dizendo que os g a la podem ter sua "determinação de tamanho'
alterada, no sentido de que não há razão para interromper isso. Porém, exatamente do
mesmo modo, podemos dizer que não há base para se EHar de absolutamente nenhum
gz/.zmfwm
já fixado; qualquer dado de tamanho que atribuirmos a um ga'z /zlm é to-
talmente arbitrário. Exatamente do mesmo modo, podemos selecionar outro. Conse-
quentemente, dizer que os gzó.zmza
.podemmudar induz a erro; porque isso implica que
há gzlanfaque talvez também possam permanecercomo estão; enquanto de Eito não
há absolutamente nenhuma razão para isolar quaisquer gz/amua
já fixados, a i2ria de
que um ga z /z m permanece o mesmo n'ío ffm ienfida. E esseponto pode ser expresso
(dando margem a mal-entendidos, é verdade, mas não mais do que na 6rmula "pode"),
F
dizendo-se que o g a/zfzímdeve mudar, que "ele é posto em si mesmo para ir além de si
mesmoe tornar-se
outro"(WZ,vol. 1,p. 222).'
A contradição também pode ser entendida se situarmos essadiscussãono contexto
básico da Z,clgíca,que recobramos há pouco: nosso objetivo é apreender algo da realida-
de, conferir uma especificaçãoadequadaa alguma coisa, nessecaso,em termos quanti-
tativos; e a especificaçãoque con6erimos,o gz/.zmrzzm,
acabanão sendo una, acabasendo
totalmente indeterminada em seus limites. Pretendido como especificação, o gz/anfzzm
jamais pode ser bem-sucedido e, em consequência, está fadado a frustrar o seu próprio
p'opósito. A exemplo de "ser" (e, em última análise, por algumas das mesmas razões),
os conceitos quantitativos precisam ser suplementados por outras categorias para que
possam ser aplicados à realidade.
Pode parecerque a minha interpretação tenha passadolonge do alvo. Com eleita
Hegel usa um idioma bem diferente para tratar dessatransição.Ele eda que o gzíaa/am
é impelido para além dos seus limites rumo a outro gK/zmrzzm,e que este gz/amam, por
sua vez, está sujeito ao mesmo destino, de modo que é envolvido num progresso infi-
nito. Penso,porém, que essaimagem (Hegel não teria gostado nem um pouco desta
palavra, mas nenhuma outra parece apropriada) mesma pode ser entendida à luz da
seguinte interpretação: o que impele o gzzamfwmpara suas alteraçõesinânitas é a busca
par uma especificação
adequadaem termospuramente quantitativos,uma buscacujo
objeto sempre Ihe escapa e que, por essarazão, é infinito.
O fato de formular a contradição na forma de um progressoinfinito permite a
Hegel apresentar a sua solução num molde já Familiar. Após lançar um ataque violenta
contra aqueles que veem algo sublime no quantitativamente infinito, como, por exeH-
plo, os astrónomos que contemplam os céus (e é claro que Kant se junta a eles para
ser punido por uma passagem
sobre os céusna Crú/ra 2a .Raz.ío
Pn#fícae maisainda
pela aplicaçãoda ideia do progressoinfinito à esferada moral), e após uma crítica da
primeira antinomia kantiana, Hegel chegaa uma solução similar à do uno que ele
encontrou para o progressosem fim do Z).zir/n: com efeito, o gz/.z/zrzím
estásemprese
deslocando para dentro de outro gzlamíz/m;por isso, ele deve encontrar um modo de
retornar a si mesmo nesseoutro; e ele pode fazer issose o concebermoscomo o termo
de uma relação entre dois gzl.zmza.
Hegel chega aqui à solução que desenvolve no decorrer do terceiro capítulo dessa
seçãoe que, plenamente desenvolvida,é o objeto da terceira parte do capítulo sobreo
Ser,ou seja,a Medida. A Medida é o retorno da quantidade para dentro da qualidade
num nível superior, um nível que implica a síntese das duas. A ideia é que, embora uma
coisa não possa ser especificadaem termos de um gz/a/zfz/msingular, ela pode sê-lo em
termos de uma relação entre gz/zz/zía.
Hegel está pensando, como fica evidente na dis-
cussãoposterior sobrea medida, nas leis fiincionais da ciência natural, ligando duas ou
l
mais variáveis. Poderemos retornar, de uma forma bem mais plena e rica, à especificação
da qualidade ou natureza de uma coisa, se pudermos caracteriza-la em termos de alguma
lei ou relação funcionais. Obteremos, dessemodo, a síntese de qualidade e quantidade;
obteremos a qualidade quantitativamente definida.
Porém, o ponto a ser ressaltado em relação à interpretação acima é que, ao introduzir
a relaçãoentre gz/ama, fomos além do universo homogêneo do atomismo conceitual.
Os dois ou mais gz/amua que estão relacionadossão medições de duas ou mais coisas,
propriedadesou dimensõesdiferentes, isto é, o que os distingue é mais que o fato de
terem um número diferente de unidades (se de Eito tiverem um número diferente de
z8i
SER
cqo
C
nalidade -- operar com mais de uma dimensão que responde pela solução encontrada r
como
.te a
por Hegel para o progressoinfinito aqui: "0 gz/.zmrz/m,
por conseguinte, é posto
:nto autorrepelente; há, portanto, dois gzlanía, que, no entanto, são suprassumidos (azeÜeóo-
ex :m- óe/z)e só existem como momentos de uma unidade, e essaunidade é a determinidade
fs para do gwamrzlm"(WZ, vol. 1, P. 239). Mas é claro que tenho de repetir incisivamente que
ainda essenão é o seu argumento, como o vemos no texto: antes, ele chegalá por meio do
da
ugumento já bem conhecido de que o gwanrz/mretorna a si mesmo e, em consequencia
1«'i' disso,encontrao seupróprio momentoem seualém, isto é, no outro gz/zznza
em que
se constantementeestá se transformando: e essaidentidade consigo mesmo em outros
de
gzóa/zíaé rapidamente reinterpr:cada como unidade de dois g a /a relacionados, men-
lera 0 cionada anteriormente, a qual compõe a base do terceiro capítulo e toda a síntese entre
quantidade e qualidade que encontramos na seçãosobre a Medida.
0
111: MEDIDA
.e
medida" (.4ZZef
mm zZz/í/, óa/ e/mMa@ (\yZ, vol. 1, P. 343). Isso nos traz à lembram.
a preocupaçãogrega com a medida, mas também a física e a química modernas,que
revelaramnum grande número de campos os limites dentro dos quais as coisastêm d.
permanecer para manter o mesmo caráter qualitativo.
gzlan/íz particulares que definem os limites, ao passo que esses gz/a7z/a são responsáveis
pelo Eito de as coisasterem a qualidade que têm. Porém, Hegel parece dizer que os
gWÚ/zza,por conseguinte, associadoscom qualidades na medida, são eles próprios impe-
lidos para além de si mesmos exatamente como ocorre com os gz/.zelasimples. Como
devemos entender isso?
Mais ou menos do mesmo modo, sugeriria eu: a caracterização em termos de Me-
dida também é, em certo sentido, inadequada, não exatamente nos mesmos termos da
anterior, de que ela fica aquém da complexidade mínima requerida para ter um mundo
qualquer do qual podemos estar conscientes, mas, antes, de ta] modo que a caracteriza-
ção em termos de Medida necessariamenteacompanha outra, mais profunda, que vai
além da Medida. Porque estamos falando de coisas que possuem uma certa qualidade
enquanto permanecerem dentro de certos limites quantitativos; mas isso quer dizer que
não estamosfalando só de entidades que são identificadas por uma certa propriedade tal
que, se essapropriedade deixar de perdurar, elas deixam de existir; estamos Edando tam-
bém de entidades das quais podemos dizer que perdem aquilo que até agora havíamos
concebido como propriedades definidoras e adquirem outras. A categoria da Medida é a
que fm a transição: porque nela vemos o que até aquele momento era uma propriedade
definidora enquanto fundada no Eito de a entidade concernida estar dentro de certos
limites. Vemos, por exemplo, a água (H:O em seu estado líquido) com base no fato de
astemperaturas estarementre 0'C e 100'C. Porém, uma vez que concebemosa entidade
como obrigada a permanecer dentro de certos limites, introduzimos uma nova noção da
entidade, a saber, a noção de uma entidade da qual se pode dizer que ela existe dentro
de certos limites e da qual, por isso mesmo, se pode dizer também que ela existe além
desseslimites. Introduzimos a noção de uma entidade que é mais profilnda do que qua!-
quer uma das propriedades até aqui definidas, a noção de um substrato subjacente que
pode existir num certo número de estados (ZzziMmZe), os quais são definidos por essas
propriedades. Por conseguinte, para seguir com o nosso exemplo, uma vez que dizemos
da água na percepção cotidiana que ela precisa permanecer entre 0'C e 100'C, senão ela
se converte em gelo ou vapor, estamosintroduzindo uma entidade mais fiindamental
z84 PARTElll l LÓGICA
vamos chama-la de H:O que se encontra num estado que chamamos de água en-
quanto estiver dentro desseslimites e que, quando estáalém desseslimites, encontram
em estadosque chamamos de gelo ou vapor.
Por conseguinte, a caracterização das coisas em termos de Medida nos remete adiante
para uma caracterizaçãoda realidade em termos de entidades-substratos que pode con-
sistir num certo número de estados,isto é, a caracterizaçãocomo medida só Eazsentido
se essacaracterizaçãomais profiinda também fizer. É assim que proponho interpretar o
argumento hegeliano de que a caracterizaçãoquantitativa em termos de medida "como
tal é em geral o ultrapassara si mesma" (2ai J:?7maznicórr//fn
úóeri/có seZ&ír)(EZ, S 109,
adendo), que é a teseda necessidadeinerente de ultrapassaro limite. E seessainterpreta-
ção âor correta, conseguiremosentender, ao mesmo tempo, por que esseato de ultrapas-
saro limite constitui também uma identidade na diferença, um 'cessar
conforme consigo
mesma" (zz/s'zmme/zg?Z'ra m/f J/cóseZBsr);
porque a entidade-substratomais profunda é
justamente aquela que permanece idêntica através das mudanças de estado.
Q.uando fomos levados a introduzir a entidade-substrato quc é capaz de assumir
e deixar muitos estados, demos o passo principal que leva do Ser à Essência. Todas as
categorias que Hegel agrupa no primeiro livro, sobre o Ser, caracterizam as coisas de
modo simples, em conceitos unidimensionais: o Ermas é identificado com sua qualidade
com seugrau. Na Essência,em contrapartida, teremos de lidar
definidora; o gzían/zzm,
do começo ao fim com os conceitos bidimensionais de uma realidade subjacente e suas
maniEestaçóes.Ao pensar a realidade como um substrato que pode assumir muitos esta-
dos,já abandonamoso domínio do unidimensional.
Obviamente que, se pretendermos chegar ao destino último de Hegel, é essencial
que abandonemoso reino do unidimensional, porque, ao sofrerem transformação
os conceitos do Ser só podem perecer e dar lugar a outros o E/maí desapareceeé
substituído por outro, o gz/.z/zfz/mconverte-se incessantemente em outro. Somente
com os conceitos bidimensionais da Essência é que podemos considerar a preservação
da identidade na mudança,essencialpara a onto]ogia de Hege].As categorias da Es-
sência não sáo conceitos singulares, mas essencialmente pares em relação (ÉZ, S l l l,
adendo), aparência e realidade, coisa e propriedades, etc. E mesmo que um dos termos
possa ser deânido como o mais "essencial", ambos são necessários para caracterizar a
realidade, e.um não pode ser posto sem o outro. Consequentemente, ao pâr um deles,
somos levados necessariamente a pâr o outro, mas sem que o primeiro seja suprimido,
como acontece nas categorias do Ser.
Infinitude. À medida que nos movemos para além do progresso sem fim da Medida,
.manos a categoria que nos levou para além do progresso sem fim do Ser determina-
In Nele, como vimos, estávamosprontos a passaralém do Ser. O centro de gravidade
locos-se das coisas determinadas para todo o sistema, do qual aquelas são partes ou
passageiras.Por conseguinte, estávamos prontos a passar para as categorias da Es-
pia, isto é, para os conceitos bidimensionais relacionados com o todo subjacente e a
eue passageira.Adiamos dar essepassovisando incluir a Quantidade, mas agora que
os prontos para transitar para a Essência, temos uma concepção muito mais rica
desse
todo. Mostrando que todas asqualidades estão fundadas em relaçõesde quantida-
de,a Mledidanos proporcionou uma linguagem em que podemos falar dos limites das
diferentesqualidades e do processo subjacente que nos leva de uma para a outra.
Porém, ao mover-nos para além da Medida, ainda estamoslidando com a Infinitu-
de, isto é, com um sistema autossubsistente de coisas finitas mutáveis, com a ordem e
as mutações sucessivasem que incorrem por necessidade, impulsionadas por sua con-
tradiçãointerna. Assim sendo, ao ir além da Medida, não só estamosmostrando que
ascoisasdevem ser inerentes a um substrato, mas também que elas estão relacionadas
nessesubstrato por negação, isto é, por exclusão mútua (porque cada uma é definida por
seuoutro). E mostramos ademais que essanegação pelo outro é interna a cada uma, de
modo que cada uma deve necessariamente perece' e ser sucedida pela outra.
Porconseguinte, o substrato ou o todo ao qual as coisasinerem é tal que a sua expli-
citaçãonecessária
é impulsionada pela contradição. Suaestrutura e sua explicitação no
decursodo tempo sãodeterminadas pela negaçãoou autoexclusão. Hegel fala dele como
deuma"totalidade negativa" (WZ, vol. 1, p. 397). Ê uma totalidade porque não é mera-
mente uma coletânea, cujas partes são indiferentes umas à outras, mas em que cada uma
é o que é apenas em virtude de sua relação necessária com o todo. E negativa porque "é
uma autorrelação negativa simples e infinita, a incompatibilidade de si consigo mesmo,
a repulsão de si diante de si mesmo" (ibidem),9 porque essarelação necessária,em outras
palavras, decorre da contradição.
Na -EZ,Hegel simplesmente estabelecea identidade da presente categoria com a Infi-
nitude decorrente do Z)aieizz(S 111). Na IVZ, ele empreende uma derivação da Essência
quecompõe o último capítulo da Medida. Ele começa com a noção de mero substrato
queé "indiferente" aosdiferentes estadosem que seencontra, cuja mudança de um esta-
do para outro tem de ser explicada, portanto, com base em Estores externos.
A palavra que Hegel usa aqui, "/nzi/zWre/zz",não tem como não nos remeter ao
Schelling
do início da décadade 1800,do qual Hegelsedistanciou.A /nzlr!#ãrenz
de
Schellingconstituiu o supostoponto de unidade de sujeito e objeto, que Hegel passou
a considerarcomo insustentávelprecisamenteporque fazia com que a diferença fosse
' Traduzido com base na tradução para o inglês de Johnston e Struthers, vol. 1, p. 403, emendada pelo
autor.(N. T.)
z86
PARTElll l LÓGICA
engolida pela unidade. E há uma referência na Ardia 4 .Rede/íoZe Esp/ oia (WZ, vol. l
p' 396), cujo absolutoseria como um abismo em que desaparecemasdiferenças.
Essassoluções todas padecem da mesma deficiência: elas não conseguem explicar
como surgem as diferenças. Enquanto as mudanças nos seusestados não puderem se.
explicadas por meio do substrato, mas apenas por meio de Eatoresexternos, ainda não
teremos chegado a um sistema autossustentado. Quando chegarmos a tal sistema autos.
subsistente, as suas mudanças terão de ser explicadas a partir dele mesmo, e seusdi6eren.
[es estadosnão poderão ser concebidos como afetando-o apenas exteriormente. A ideia
de um substratoindiferente é uma contradição em si mesma.
Consequentemente, deslocamo-nos das categorias do Ser para as da Essência. Vemos
seresdeterminados como necessariamenteinerentes a um todo ou substrato que persiste
através do seu devir e perecer. Porém, graças à categoria da Infinitude, vemos essesuba.
trato não como alguma realidade autossuficiente situada além do finito, mas como uma
realidadeque necessariamente
resulta em entes finitos, que implementa entesfinitos de
acordo com uma necessidadeque está, ela própria, fundada na contradição mesmado
finito. O que até agora vimos apenas como um ser-aí (Z)me/n), devemos passar a ver
como "posto" (gele/z/), como implementado por um processo de necessidade.
eço ao fim da Lógica estamos tratando de categorias pelas quais o mundo pode ser
nhecido.Encontramo-nos totalmente no domínio da lógica transcendental.Porém,
. Ser,temos categorias que não fornecem qualquer traço de referência a um sujeito do
nhecimento; elas caracterizam a realidade de modo simples. Na Essência, no entanto,
distinções feitas entre os dois termos, como, por exemplo, num par de categorias
acionadascomo Aparição e Realidade, remetem-nos implicitamente a um sujeito do
nhecimento; elas são feitas como que do ponto de vista de tal sujeito.
Portanto, as categorias da Essência são determinações de reflexão porque se trata de
tegoriasde relação e mediação, e também de categorias do entendimento reflexivo.
porém,em terceiro lugar e mais fundamentalmente, eles merecem essenome porque são
duas coisas a um só tempo; por estarem fiindadas na necessidade conceitual, as estru-
turasinternas que medeiam a realidade exterior são, em última instância, compreensíveis
mo estruturasde pensamento(e, em consequência,como em unidade com o nosso
pensamentoreflexivo). Consequentemente, o que acompanharemos na diabéticada Es-
sêncianão é a reflexão externa do sujeito tentando entender, mas as articulações internas
daprópria Essência,que, no entanto, será expressaem conceitos do entendimento re-
flexivo. Ou melhor, estaremos acompanhando ambos a um só tempo, porque, à medida
que nos movemos rumo a concepções cada vez mais adequadas da articulação interna da
essência,estaremos nos distanciando de noções inadequadas da relação da Essência com
o sujeito do conhecimento, como relação meramente externa. O movimento nessasduas
frentesé inseparável,visto que, como vimos anteriormente, todas as categoriasda Es-
sênciaremetemimplicitamente ao sujeito do conhecimento e, em consequência,põem
uma certa relação para essesujeito.
Em outraspalavras,a reflexãodo Ser de volta para a realidadesubjacenteda Essên-
cia só pode existir para o sujeito reflexivo que distingue aparência e realidade; essência e
manifestação exterior. Acompanhar as contradições da e as transEormaçóes na Essência é
acompanhar as contradições da e as transformações na relação do sujeito com a realidade
conhecida. Logo, as duas reflexões são de início simétricas, cada uma delas seguindo o seu
próprio caminho. Porém, no fim, elas setornarão uma só, quando virmos que a estrutura
última da realidadeé a estrutura de pensamento e, em consequência,que o espírito cog-
noscente está perfeitamente em casa no núcleo das coisas, não estando mais separado dele.
CAPÍTULO XI
Essência
l:DAREFLEXAOAOFUNDAAIENTO
Traduzido com basena tradução para o inglês deJohnston e Struthers, vol. 11,p. 15.(N. T.)
ESSÊNCIA z89
Ora, Hegel pensa ter razões suficientes para começar o livro sobre a Essência cona
essaconcepçãoda Essência,definida por essesdois movimentos relacionados.Ele o Ea
porque, como vimos, a derivação da Essênciaé deitaa partir da morte do Ser, uma morte
que constitui o pâr necessáriode outro ser particular; é por isso que as noções de neces-
sidade e pâr estão presentes desde o começo. De fato, elas nos acompanharam em certo
sentidodesdea categoriada Infinitude, que mostrou que os seresdeterminadosestão
conectados num processo em que eles vêm a ser e perecem por necessidade. Por conse-
guinte, o livro da Essêncianão trata da derivaçãodessanecessidadeinterior, masdo de-
senvolvimento de conceitos cada vez mais ricos dela até chegarmos à plena adequação da
manifestação exterior à necessidadeinterior que nos permitirá transitar para o Conceito.
Por isso, na E.[, Hege] parte diretamente da Essênciacomo Fundamento, sendo esta
a primeira tríade do livro. Na versãoda WZ, no entanto, que é anterior à .ÊZ,Hegel dis-
corre sobre a dualidade do movimento sem, no entanto, realmente deriva-la, visto que,
do começoao fim, apoia-senaquilo que já demonstrou.Isto preliminarmenteocupao
primeiro capítulo da tríade, a Aparição (Scóeizz)
.
Nesseprimeiro capítulo da WZ, Hegel demonstra de duas maneiraso ponto básico
da bidirecionalidade da Essência. Primeiro, numa discussão sobre a ideia da realidade
exterior como simplesAparição, isto é, como algo simplesmenteinessencia],como uma
cortina do não real pela qual é preciso passar para chegar à realidade realmente autos-
subsistente (quer creiamos ou não que essarealidade pode ser observada ou alcançada --
podemos talvezcrer com Kant que a coisa em si é incognoscível). Essavisão não pode
ser mantida ao constatarmos que esseexternamente observado não é meramente dado,
mas emana da Essência,não sendo meramente uma barreira, uma cortina diante da rea-
lidade, mas algo que é necessariamente posto pela realidade, logo, não está separado da,
masintegra a Essênciamesma. Isso mostra que a realidade exterior não é mera Aparição,
masa palavraque Hege] usa aqui, "ScAe//z"[aparição], possibilita que ele mantenha o
mesmo termo, pois essapalavra lembra o termo "reflexão"; assim sendo, ele pode edar da
Essência como um "Sf#ei/zf/z / //pm ir/óff" [reflexão sobre si; ]it. 'aparecer em si mesmo'].
IDENTIDADE E DIFERENÇA
interior que, primeiro, põe uma propriedade, em seguidaa suprime em favor de outra
e depoisde mais outra, e assimpor diante. Logo, em termos hegelianos,a identida- C
r
de subjacente é a diferença, a autodiferenciação, aquela que implementa as diferentes
propriedades em sua relação necessáriaumas com as outras. A natureza da Essênciaé
manifestar a si mesma nessaspropriedades enquanto propriedades necessariamentere-
lacionadas.E a "repulsão" (.4óif(:6en)de si para longe de si mesmo, que ao mesmo tem-
po é a reflexãode volta para dentro de si mesmo. Consequentemente,a identidade de
uma coisa consigo mesma enquanto náo estivermos Edando de uma entidade definida
em termos de propriedade singular, mas de algo que pode portar muitas propriedades:
-- apropriadamente entendida depende do substrato subjacente que não só pode passar
por mudanças,masque é a conte necessáriada própria mudança. Essaidentidade, por
conseguinte, tem na diferença um momento essencial,e a diferença enquanto refletida
de volta para denso de si mesma (através da relação necessária dos dois termos) também
é uma coisa só com a identidade.
: E isso e só isso que prevê a base para enunciados identitários informativos, como ressalta Hegel na segunda
nota à seçãoA dessecapítulo (IUZ, vol. 11, p. 30)
z9z PARTEili l LÓGICA
Porém, não é a intenção de Hegel afirmar que a noção de diversidade não tem aplica-
ção. E claro que há uma diversidade de coisasno mundo. O que ele tem de afirmar, no
entanto, é que ver ascoisasno mundo como simplesmentediversas,implicando, como
de Eito implica, vê-las como relacionadasumas com as outras no plano meramente con.
tangente,constitui uma visãosuperficial. Entendida num p]ano mais ftindamenta], Cada
coisa é o que é apenasem relaçãoà oposiçãocontrastante e interativa com outra Coisa
que é, por conseguinte,"o seuoutro" (ÉZ, S 1 19).
Tendo extraído a oposição polar da diversidade, Hegel passaentão a extrair dela a
Contradição, que, obviamente, estevelá o tempo todo. Com efeito, aquilo que estáem
oposiçãoestáfundado naquilo que o nega e está, portanto, em contradiçãoconsigo
mesmoe deve perecer.Ele dependede excluir o que constitui uma parte essencialde si
mesmo, o seu oposto. Ele não tem como subsistir; os dois lados "vão assim ao.@/zzZzme#-
:o" (geben biermit zu Grundeà tEL, S tZOb.
FUNDAMENTO
Com essetrocadilho,' damosuma guinadapara um novo desenvolvimentodiabéti-
co. A discussãosobreidentidade e contradição leva-nosa olhar para a Essênciacomo a
necessidadesubjacente que determina o desdobramento da realidade exterior. Por con-
seguinte, passamosa olhar a Essênciacomo o fiindamento dessarealidade.Mais tarde,
veremos que Eaz parte da essência dessa necessidade interior manifestar a si mesma na-
quilo que ela explicita, de modo que a divisão entre Essênciae realidadeexterior será
novamente superada. Porém, no momento, a divisão está aí e o foco do nosso interesse
sedeslocou para o fundamento interno.
Em certo sentido, só agora chegamos à dialética da Essência, após extensa introdu-
ção. Após nos aproximarmos da Essência através do Ser e, portanto, ver a Essência como
postulado, completamos,enfim, a reversão,em que concebemosa Essênciacomo pri-
mária, e a realidade exterior como simples emanação dela.4Tendo assumido a Essência
como nosso tema no Fundamento, podemos então dirigir o foco para o propósito real
destelivro, que é mostrar que a realidade subjacente nada mais é que o pensamento que
manifesta a si mesmo como necessidade.
' A expressão alemã "zw Grz//z2e geóf " significa literalmente "ir ao fundamento", mas na acepção normal
significa"perecer,
acabar-se,
serdestruído".
(N. T.)
4 Esse é o tipo de reversãoque veremos mais adiante nas provas da existência de Deus, onde o que é secun-
dário na znF/aei;en22é primário na znf/o ragnoicfaz&.
ESSÊNCIA z93
5Estou seguindo, neste ponto, a linha de pensamentoda WZ, que na .ÉZé um tarro diferente, masdepende
da mesma contradição básica.
l
de
Porém, essainterpretação moderna dos requisitos da suficiência e da infonnacividade
com
náo é de Hegel. Se isso já náo estivesseevidente, certamente se tornaria na discussãoda
.os,
relaçãoentre condição e fundamento, que é um tanto similar à relaçãoentre condição
particular e correlação geral na explicação canónica e que provê a transição para Horado
lente
Fundamento. Com efeito, a explicação canónica da anual filosofia da ciência ainda é ra- 4
dicalmente incompleta aos olhos de Hegel; e isto precisamente porque ela é contingente.
7
',4 resulta em #' é contingente e por isso exige ainda outra explicação: por que '4 resulta
em B? E uma explicação canónica disso exigirá uma explicação subsequente, e assim por
]
diante #z/ ín# ifz/m; e um regressoinfinito similar escancara-sepor trás da condição H,
t.
ser
uma vez que perguntemos por que ela ocorreu (cf WZ, vol. 11,p. 96). 1.1
bvazias, ''.-l
Como já vimos, Hegel estáà procura de uma explicaçãoque é completa num sentido
jtiva]
considerado impossível pela filosofia da ciência contemporânea, ou seja, uma dedução
Laica q
da necessidadeque náo estáfiindada no que são, em última instância, premissascon-
que
tingentes, mas que é necessáriado início ao fim. Vimos essaideia como a de um círculo
In6ci.
c( bISa
de conexõesnecessárias,
em que o ponto de partida, que no início é apenasposto e,
em consequência, não embasado, acabasendo derivado. Obviamente, essaé a visão de
bjie- te
realidade enquanto necessidade consumada que é forjada a partir das transições dialéti-
não é
casda Zí&fca, e é issoque fornecea Hegel o seu critério de suficiência. E claro que isso
B.
enfraqueceseriamente o seu argumento do ponto de vista de um leitor contemporâneo,
m.to
.to porque isso equivale a presumir um aspectocrucial daquilo que eie quer provar, mas
.n
parecedifícil negar que aqui Hegel estáprocedendo com base nessecritério, assim como
ele lãz em outras passagens similares.Ó
.te,
Porém, ao passoque pode parecer gratuito assumir um critério dessesse levantarmos
.vo
repentinamente, por assim dizer, a questão da explicação científica, há alguma justi-
a ficação para ela no contexto em que Hegel traz o argumento na ZI({@rú.Com efeito,
as supostamente, já estabelecemosque a realidade forma um sistema de mudanças que
são impulsionadas por necessidade. Porém, se as mudanças advêm por necessidade,
uma explicação plenamente adequada de suas razões deve mostrar a conexão necessária.
,0
É isso que justifica que demandemos da teoria canónica da explicação algo mais que a
dedutibilidade de uma lei geral.
E, uma vez asseguradaa legitimidade dessademanda, já podemos apreciar o dilema;
sea explicação completa deve ser completa no sentido de que não sepode mais pergun-
tar por que, c se isso, como é evidente, for incompatível com o Eito de nos basearmos
em premissascontingentes não explicadas, então parece que os dois critérios, o da sufi-
LS-
ciência e o da inGormatividade, colidem frontalmente.
De bato, o único modo de resolver essedilema, se é que ele pode mesmo ser resolvido,
é encontrando alguma solução na linha do que Hegel está propondo: é possívelobser-
.e
var que relaçõescontingentes perduram entre coisasparticulares e eventos,sendo que
algumas podem ser selecionadas como razões para as outras, mas todo o sistema do qual
estas Ezem parte é estruturado por relações necessárias.
A contingência pode ser concebida como existente nos interstícios da necessidade
em uma destas duas maneiras. Ou concebemos a contingência como apenas aparente, o
resultado de olharmos para exatamente essasduas coisas ou essesdois eventos, sendo que
quando vemos o todo podemos ver por que elas ou eles têm de estar relacionadosdesse
modo -- analogamente, a correlação das duas características em um organismo pode ser
apenasum Eito bruto, à medida que nos concentramos exclusivamente nessasduas ca.
racterísticas, mas pode receber uma explicação mais completa (mesmo que obviamente
ainda não uma na linha da completa necessidade)se olharmos para elas no contexto
do organismo como um todo. Por conseguinte, afirmaríamos que o Fato de que seres
animados são mortais pode parecer apenas uma correlação contingente se centrarmos o
coco simplesmente nessesseres,mas pode ser visto como decorrente por necessidadeda
natureza das coisas, uma vez que captemos a visão ontológica carreta.
Ou então a contingência pode ser concebida como sendo real, mas contida: a
composição geral do mundo, o fato de haver matéria, corpo, gravidade, de haver dife-
rentes tipos de seresanimados, de existirem sereshumanos, de que a história humana
assume as linhas gerais que ela assume; tudo isso é assim por necessidade. Mas os fatos
particulares: de que há ilhas no meio do Atlântico ou que o valor de g [= ace]eração
da gravidade] é 32 péspor segundo ao quadrado [g = 9,80665 m/s:]; essasquestõesde
detalhe poderiam ser diferentes.
Hegel pareceter defendido a existência dos dois tipos de contingência intersticial.
Os dois podem ser reunidos sob a formula geral que consideraria como sendo necessá-
rias asestruturas básicasdo universo, aquilo que é descrito mediante conceitos catego-
riais e suas conexões; ao passo que descrições expressas em outros termos menos gerais
estão relacionadas com características dessa estrutura de um modo que obscurecem
sua necessidadeou se aplicam a aspectosdetalhados da realidade que podem variar
relativamente à estrutura.
Porém, não obstante, essaexplicação não possui nenhum dos vícios das explicações
lo tiPO z'irfz/i 2orm/r/z,.z [força dormitiva], pois compreender essanecessidade global
compreender um sistema de elementos diferenciados que estão inter-relacionados.
EmEZ (S121, adendo), Hegel diz que, na vida comum, com frequência, usamosexplicaçõesque não con-
fiem distinguir er?#fandam e ex?#rani,como, por exemplo, quando explicamos algum fenómeno elétri-
Eazendoreferência à eletricidade. Não há nada errado com essasexplicações no contexto da vida comum.
)rém,essetipo de razão é insatisfatório para a filosofia, porque a razãoainda não 6oi articulada dentro de
todo, cuja estrutura é necessária. O Fundamento ainda não [em um "an z//z2..8r i/ró óeí//mmrf/z ZnAd/f"
)nteúdo determinado em si e para si] . Ainda não chegamos realmente ao que é ativo(/óãfÜ) e produtivo
rón/lgz/zd (cf. S 122). Consequentemente,nessenível comum, vale qualquer coisa. Uma razãopode
encontrada para qualquer coisa.
argumento usado na EZ difere do usado na IXZZ,e a transição depende mais do caráter insatisfatório desse
to comum de apresentar razõesem que boas razõespodem ser encontradas tanto a favor como contra
uaiquercoisa, dependendo de que descrição dela você escolhe.
2,98 PARTElll l LÓGICA
:l
.. 1.-- m-.
l H;ll:€1;Ç)HF
brmulando o ponto de modo diferente, a baseinterna das coisasnão é alguma entidade
" n.,...;H.HP '---P ''n,..t., ---, ''vn"--â"
Hã
nlpnn e única na realidade
por trás dela, mas a necessidadeque encontra sua expressãoplena e única na realidade
poi dor, precisamente nas conexões necessáriasdessa realidade enquanto sistema. O ple-
no entendimentodo Fundamentorevela-nosque não há nada por trás da realidade
exterior.Porém, issonão quer dizer que nos encontramos no ponto de partida em que
nosdefrontamos com o simples ser.Pelo fato de termos compreendido a generalidade da
necessidade,
passamosa perceber o que há do lado de fora como posto, como produzido
por ess' necessidade.Consequentemente, vemos as coisas não só como realidade exte-
rior, mascomo advindas para a realidade exterior, como desdobramento, como devir em
sua exterioridade em conformidade com a fórmula interna da necessidade. E é isso que
reforça a noção de Ex/sfêmc!'z.
Consequentemente, com a transição para a existência, Hegel deu o passocrucial na
tarefa assumida nesselivro, que é fazer-nos ver a Essência como aquilo que está na base
da realidade exterior, não como algo oculto por trás dela, mas como necessidade plena-
mente manifesta. Ela permanecerá presente nas seçóesseguintes deste livro para enrique-
ceressanoção da necessidadesistemática, mas o problema foi posto aqui. Nessesentido,
a diabéticado Fundamento representa um avanço. É verdade que essanoção da relação
necessáriaentre os elementos estava presente antes e 6oi essencial para argumentos an-
teriores deste livro, especialmente para a derivação do Fundamento. Porém, nesta seção
emergiu mais claramente a ideia de um todo composto de elementos sistematicamente
relacionadose a ideia a ela associadade uma base interna, cuja naturezaé manifestar-
-se plenamente no plano externo. Trata-se de temas cruciais que necessitam e ainda
terão uma explicitação mais detalhada, mas que nesseponto se encontram obscurecidos.
Consequentemente, a Existência é
Porém, essamassa de existentes, apesar de relacionados uns com os outros num todo,
ainda não é a manifestação plena da necessidade,o único fiindamento adequado das
coisas.É o que tem de serderivado agora.
' Traduzido com basena tradução para o inglêsde William Wallace, utilizada aqui pelo autor. (N. T.)
3oo PARTElll l LÓGICA
"""'+'+
COISA
) Traduzido com basena tradução para o inglês de William Wallace, utilizada e modificada aqui pelo
autor.(N. T.)
' ParaEmir jus a essesentido mais ativo em português, o termo "/zppe'zrenre"não é traduzido por "aparên-
cia", mas por "ap'lição", como proposto pelo tradutor da Et para o português, Paulo Meneses (cf G. WI
F. Hegel, E zf/cá2p(üfa zZa Cyé#rlm .f?Zos(@c em Ca/npé ó&a. Volume 1: A Ciência da Lógica. São Paulo,
Loyola, 1995, p. 250 ss)e já aplicado nasseçóesprecedentesdeste capítulo. (N. T)
(ÉZ i 125) Hegel não conseguedeixar de comentar aqui que, em muitas línguas europeias,"ter" é
usadopara formar o tempo verbal pretérito, estando, portanto, conectada com o "azt&róoófneiSfj/z
jser suprassumido] e, em consequência, com Wêsen,que, como vimos, também está relacionado com o
particípio passado de ser.
ESSENCIA 3ol
estável,que não é capazde captar as coisasem seu movimento essência!,e que paraos
marxistas chegou ao auge na era burguesa, a era da "reificação" máxima. THvez haja,
no final das contas, mais que um mau trocadilho no Eito de essacategoria Emertal uso
da relação entre o ter e a noção de "propriedade".': Porém, o idealismo que está sendo
defendido aqui claramente não é do tipo dualista, não o que solucionada o dualismo
afirmando unicamente o espírito, mas, antes,o idealismo absoluto de Hegel. Estáclaro
que essaforma de idealismo não pode consorciar-se com uma concepção de totalidade
implicada na coisacom propriedadesenquanto conjunto autossubsistentee estável.
A segunda razão pela qual Hegel precisou atacar essanoção é que ela tende a resolver
o problema da unidade do objeto diante de suas múltiplas propriedades encarando essa
unidade como um substrato e, ademais, como um substrato incognoscível.Pareceser
um argumento p]ausíve]da fi]osofia tradicional que, o que quer que observemos,esta-
mos sempre observando propriedades. A unidade que as reúne num conjunto é um je-
-zze-Sais-gwo/
[não sei o quê] que está na sua basee que não pode ser observado como tal.
Essanoção de um substrato desconhecido evolui para o Z)/ngzz i/có na filosofia de Kant,
e é nessaforma que Hegel a retoma nessaseção.Porém, o que todas as demais formas
do conceito de substratotêm em comum com o de Kart e contra o que Hegel levanta
objeção é o aspecto da incognoscibilidade, que póe algo da realidade e6etivamentecora
do alcancedo espírito e, em consequência,aceita um dualismo não dissipado.Ê clara
que issose contrapõe às motivaçõesmais básicasde todo o empreendimento filosófico
de Hegel. Daí a crítica um tanto excessiva(como se poderia pensar)contra Kant (WZ,
vo[. ]], p. ] 1 1-12), afirmando que essanoção da distinção entre coisaem si e fenómeno
l contradiz a consciência da liberdade.
Porém, Hegel parecepensarque esserecurso ao substrato incognoscível advém natu-
ralmente da concepçãoda coisa, como tentativa de resolver o problema de sua unidade
coerente. Para Hegel existe esse problema, como vimos anteriormente nas discussões
sobre o segundo capítulo da .f;E, sendo, na verdade, um problema insolúvel. E essaé
exatamentea essênciado seu argumento, pois, na visão de Hegel, essacontradição in-
solúvel se mantém precisamenteentre os elementosque estãounidos numa totalidade,
como acabamosde ver. A afirmação de Hegel de que há uma contradição inevitável na
noção de uma coisa com propriedades não é mais sólida que sua tesede que coisasfinitas
em geralsãocontraditórias. Não podemosacompanhar todo o seuargumentoaqui, que
percorre o mesmo trecho que o segundo capítulo da .f;E e se apoia em parte em certas
[1
noções correntes da época, como, por exemplo, a da física fundada sobre a noção dos
vários tipos de "matérias'
Hegel descobrecontradição nos vários modos como a unidade da coisa Goiconcebida
na tradição epistemológicamoderna que tem início com Descartes,continua com os
empiricistas e da qua! Kant selibertou apenasparcialmente. Nessatradição, que também
é contemplativa em que o sujeito não Goivisto como alguém que estálidando ativa-
com o mundo, mas justamente como alguém que é aGetadopor ele, a unidade da
mente
poisasempre correu o risco de esfacelar-senuma quantidade de dados sensíveisisolados.
sendo, ela 6oi concebida ou como um substrato desconhecido, ou como algo
0 masjamais como algo realmente experimentado.
F.. démarcbe básicade Hegel em ambas as versõesé tirar proveito das incoerências
das noções da coisa derivadas dessa epistemologia moderna, de modo muito seme-
Ihante ar que fez na /Z'. O Z)JnK/z sicó é considerado em primeiro lugar; ele é a uni-
e íefletida para dentro de uma multiplicidade de propriedades em sua relação com
outras coisas,principalmente com a mente cognoscente. Porém, as suaspropriedades
nãopodem ser separadasda coisa em si, porque sem propriedades ela é indistinguível
asdemais. Por isso, podemos dizer que há uma única coisa em si, mas, nesse
ela não tem nada com que interagir, sendo que foi essainteração com outros que
deuorigemà multiplicidade de propriedades.Sehouver uma única coisaem si, ela
devea partir de si mesmase converter na multiplicidade das propriedadesexternas.
No entanto, se retivermos a noção dos muitos, chegaremos ao mesmo resultado, por-
queos muitos só podem ser distinguidos por alguma diferença de propriedades, logo,
aspropriedadesde cada um não podem ser separadasdele, não podendo ser vistas
como simples identidade.
Porconseguinte,a noção do /)/nK zz#íicó como incognoscível, como simples substra-
to, separadodas propriedades visíveis que só emergem em sua interação com outras, não
podesersustentada.As propriedades são essenciaisà coisa, quer a visualizemos como
umasóou como muitas.E, assim,Hegel passaa considerara visão que Eazda coisa
nadaalém dessaspropriedades, que a vê como a simples coexistência das propriedades.
E nesse
ponto que as teoriasda realidadeque consiste de "matérias" naturalmente pas-
sama figurar na discussãode Hegel.
Porém,a coisaparticular não pode ser reduzida à mera coexistência de propriedades.
Porque
cadauma dessaspropriedadesexisteem muitas coisas.Visando isolar um exem-
ploparticular de qualquer propriedade, temos de evocar outra dimensão de propriedade.
Sequisermosisolar elff azul temos de distingui-lo de outros, identifica-lo por meio de
suaforma ou por sua posição no tempo e no espaço ou por sua relação com outras coisas.
Porém,
Emerissoé introduzir a noção do particular com muitas propriedades,porque
agoratemosalgo que é azul e redondo ou que é azul à esquerda do cinza ou que é azul
hoje, ou algo desse tipo.
O particular necessariamentetem muitas propriedades, e esseparticular com muitas
propriedades
é essencialà nossaexperiência.Com efeito, se não fosseassim, as únicas
entidadesque poderiam ser distinguidas seriam as próprias propriedades, que de fato se
tornariam as coisas do nosso universo. Porém, as propriedades não podem ser distingui-
dassemincorrer em contraste, e incorrer em contraste significa ocorrer em particulares;
usamcomo o azul e o verde ocorrem em diferentes remendos ou como forma e cor
3o4 PARTElll l LÓGICA
11: ML\RIÇAO
I' Isso já Eoi deito na WZ, onde Z)/nK é a primeira parte da segunda tríade, e não a última parte da primeira
tríade, com na Et outro sinal da frouxidão essencial nas conexões da Zckfrú.
ESSÊNCIA 3o5
,áo é dizer que ela dez,eaparecer, "que a essência não fica atrás ou além da aparição",
sd paraa 'xistência.(EZ, S 131 adendo.) . . .
) uso que Hegel Eazde "aparição" expressa, por conseguinte, o exato oposto.do de
Ao invés de apontar por contraste para o caráter essencialmente oculto do real
:ndente, ele expressa, muito antes, o caráter essencialmente manifesto de toda a
M de. Para Hegel, ver a realidade como Aparição é vê-la como o aparecer por necessi-
interior, como implementada visando manifestar uma necessidadeque é destinada
naturezaa tornar-se plenamente manifesta. Por conseguinte, essacategoria indica
nto central para Hegel, a saber, que o real não está "simplesmente aí", mas é posto,
im
emendado
como concretizaçãode uma fórmula racional. Por conseguinte,o que
est: em curso aqui é o desenvolvimento de uma noção de Essência como necessidade
qu
devechegarà plena manifestaçãona realidade exterior. Isso virá triunEdmente à
ton na terceira seção da Essência, que Hegel intitula "Realidade" (W7ré#cóêei/). Neste
[o, assentaremosa base para isso através da ideia da relaciondidade necessária.
PO
relacionalidade
sob discussãoé entre dois tipos de termos:primeiro, a relacio-
m lde entre os diferentes elementos da totalidade, que, no final das contas, virão a
ost içara necessidade;e, em segundo lugar, a relaçãoentre a realidadesubjacentee a
tot idade externa dos elementos. Essasduas formas de relação desenvolvem-se juntas do
antemodo: quanto menos a necessidade aparece na totalidade da realidade exterior,
taD maisdevemos distinguir essarealidade exterior da essênciasubjacente, na qual to-
da nscoisasse encontram em unidade. Em outras palavras, visto que, em última análise,
est ios lidando com uma totalidade necessariamenterelacionada,a não manifestação
des necessidade
na realidade exterior estará acompanhada da distinção entre essareali-
zeexterior e a essência subjacente. Inversamente, a maior manifestação da necessidade
est acompanhadade uma identificação mais plena da realidadee da essência.Esses
do desenvolvimentos ocorrerão concomitantemente nesta seção.
Com a Aparição, começamosde novo com uma suposta distinção entre essência
e i6estação,
e a superamos.Porém, diferentemente de fasesanteriores, estamosli-
da moagoracom a realidadecomo totalidade, e ademaiscomo totalidade relacionada,
e
da como uma totalidade que não significa simplesmente coexistênciaestávelde
ele
lentos,mas que experimenta mudança, desenvolvimento, possui oposição interna.
h Imsendo.a essênciainterior não é mais uma realidadecom caráter de coisa,como
nc casoda coisa em si. E, antes, uma fórmula interior de relacionalidade. Porém, sendo
in dor, ainda estáseparadada realidadeexterior e, em consequência,é uma fórmula
lar, ainda não a manifestaçãoda essênciano sistema da realidade,a qual veremos
en
IUZré#cóêeif.Temos de superar essaoposição de interior e exterior, que de fato será a
ÚI
la oposiçãoda seção,mas tudo o mais é construído em cima dela.
Visando montar o cenário para a apreciação da relacionalidade necessária,Hegel nos
co
lduzatravésda dialética precedente,que é diferente na WZ e na EZ. Nesta última,
el(
preparao caminho para ela por meio de uma discussão sobre conteúdo e forma, cujo
3o6 PARTElll l LÓGICA
Exatamente como na .f;E (capítulo 111), podemos notar que esse tipo de necessidade
l é aquilo que demandamosdas nossasleis científicas,e não se Emobjeçãoà lei dos
.voOS
em queda por não alcançar isso. Porém, Hegel tem aqui outra coisa em vista. Com
Ito,já deduzimosa relacionalidade necessáriana casep'ecedente. Consequentemente, a
évista contra essepano de fiando como um modo de conceber a relacionalidade neces-
subjacente aos fenómenos. Como tal, ela Edha. É claro que ela pode ser peúeitamente
da como um instrumento da ciência empírica. Tudo o que sabemos é que ela não pode
a palavra final e o ponto de chegada da nossabusca por uma oncologia válida.
O que emergedessadialética na WZ é a unidade da relacionalidadesubjacenteex-
-ressâna lei e a realidade exterior da qual a lei é expressão fiel. E isso nos dá a ideia de
.a totalidade de elementos que, mesmo separados uns dos outros, estão essencialmen-
relacionados.A distinção entre essênciae exterioridade, por conseguinte, converte-se,
antes,numa distinção entre os elementos dessarealidade exterior e a sua relacionalidade.
diabéticada Relação (UerÉã/mif) permite a Hegel percorrer a série de concepções dessa
relacionalidade,mostrar sua inadequação e, ao mesmo tempo, 'eforçar a unidade entre
oselementos e a relacionalidade que é também a unidade entre interior e exterior.
Por isso, essaseçãoalterna dualismos que contrastam interior e exterior e dualis-
mosque contrastam os elementos e a necessidadeque vincula os elementos. No início,
tivemosambos, na forma de um dualismo entre o mundo externo do múltiplo e a lei
interior, que é a conexão entre os elementos do múltiplo. Agora, a ênfase muda para o
dualismo"elementos-necessidade",somente para terminar uma vez mais na pura oposi-
çãoentreinterior e exterior, que não tem como não entrar em colapso-
TODO E PARTE
Assim, todo e partes enquanto termos estão cada qual relacionados essencialmente
um com o outro. Cada qual é ele mesmo só em relaçãoao outro que é a sua negação
Cada qual nos remete ao outro. Essarelação íntima dos dois leva-nos para além de Uma
simplesconcepçãoda relaçãoentre parte e todo, em que pensamoso todo e o conjun-
to das partes coexistindo pacificamente como dois modos de encarar a mesma coisa
Olhando para qualquerdos dois modos, temos uma contradição, diz Hegel, em que os
dois termos estão implicados. A ideia de que há dois modos opcionais de olhar para a
mesma realidade de bato pressupõe que essarealidade seja estável e pura e simplesmen.
te admita duas descrições;enquanto isso, as contradições que há nela, que vemos ao
considerar parte e todo, mostram que ela está em movimento, isto é, constantemente
passandoda unidade para a multiplicidade e vice-versa. Porém, essarelação de exterio-
rização é a da força e de sua manifestação.É o todo visto dinamicamente como corça
interior que produz a realidadeexterior como suamanifestação.
Essatransiçãopara a corça nos lembra daquela na .l;F que também procedeude
uma tentativa de unificar dois opostos numa visão estável do objeto. O argumento de
Hegel é que, se os todos forem rea]mente feitos de partes subsistentes,então o todo
é meramente a nossaleitura do conjunto de partes, não havendo, nessecaso,partes
reais.E, de modo similar, se pensarmoso todo como real, então as partes são apenas
nossaabstração, não havendo, nessecaso, um todo real. Para que haja por aí todos
reais que não obstante possuem partes, é preciso que haja elementos que estejam liga-
dos uns aosoutros por interação.A interação propriamente só aparecerámais adiante,
na próxima seção,mas o que estáem jogo aqui é a ideia de uma realidade dinâmica,
na qual diferentes elementos exteriores estão realmente ligados numa unidade à parte
do nossopróprio agrupamentosubjetivo.
Isso nos traz até a corça e suas manifestações, sendo que podemos ver o múltiplo
exterior como procedente de alguma corça subjacente, de modo que ele não só é inques-
tionavelmente múltiplo, mas também estáinquestionavelmente ligado numa totalidade.
Porém, a noção de corça,por sua vez, é inadequada à visão de totalidade que estamos
buscando.A Garça,como Hegel nos lembra enEaticamente,é inadequada como modo de
representaro Ge/if (issoé dirigido, /nffr a#a, contra Herder). Ela procedecegamente,e
não como Eazo propósito, que estávoltado para um fim racional. E associadoa issoestá
o Eito de que corçassãolimitadas, tendo conteúdos particulares e condições particulares.
Por conseguinte,podemos conceber uma força dada, como o magnetismo, mas este
pressupõetipos específicosde substrato,como o cerro (-EZ,,S 136, aderido 1). E o berro
possui outras propriedadesem quantidade que não estão essencialmenterelacionadas
com o magnetismo. De modo similar, ascorçasrequerem certascondições para se mani-
festar. Hegel chama issode requisição de outra corça para "solicitar" a primeira; e temos
uma dialética que, uma vez mais, lembra o capítulo 111da .f;Z:
Por conseguinte,ver o mundo como a manifestaçãode corçasé vê-lo como o pro-
duto conjunto de muitas forças, que estão complexamente relacionadasno sentido de
ESSÊNCIA 3o9
"sojicitarem" ou acionarem umas às outras. Como 6ezna J%', Hegel executa uma dança
} '"'' intrincada com ascorçasque são solicitadas e, não obstante, solicitantes ao mesmo tem-
hão.
oo. O pano de flindo dessadiabéticaé a terminologia que tem alguma atualidade na sua
}un''
un- época.Porém, a base da transição é mais fiindamentalmente o fato de que chegamosa
5a.
um estágioem que não podemosmais permitir uma multiplicidade tão diversificada
os de corças, assim como anteriormente não pudemos permitir uma diversidade de qua-
lra a lidades, nas fases inaugurais da Essência. Chegamos a um ponto em que estamos tra-
En- tando de uma totalidade essencialmenterelacionada, e qualquer categoria que não está
ao à altura disso tem de ser deixada para trás. Consequentemente, a relação entre força e
corça"solicitante", que é sua precondição, é essencialmenteque, para Hegel, a própria
D- corça,enquanto impulso para alguma manifestação exterior, pode ser vista, por sua vez,
P comodeterminante de suaspróprias condições de acionamento. Em vez de serapenas
o impulso por trás de dada manifestação, ela tem de ser vista como aquilo que Eazessa
de manifestação acontecer a partir das condições que a determinam; ela é a conexão interior
de entre condições e manifestação.
Porém, juntando essaideia de totalidade e a noção recém-obtida de força, temos um
ncs novo modo de encarar a totalidade, a saber, como a manifestação, a expressão exterior de
Das uma conexão interior. Foi essanoção de implementação da realidade para cora que esteve
DS
presenteem Existência e Aparição, mas que agora ganha uma exp'estão muito mais ade-
P' quada na categoria que incorpora a noção de corça. A realidade exterior é a expressão, a
e. manifestaçãode uma conexão essencial.
2
te INTERIOREEXTER10R
Isso e6etivamente póe fim à dualidade posta em termos de elementos e sua ligação,
porque agora os elementos só existem como expressão da ligação. Porém, resta eliminar a
última impressão possível de dualidade, entre a necessidade interior e sua manifestação.
Essaseria uma pura distinção entre interior e exterior porque, diferentemente do casoda
lei tratado anteriormente, agora não há absolutamente nenhuma diferença de conteúdo
le
entreinterior e exterior, porque estenada mais é que uma expressãodo primeiro. Eles
têm o mesmo conteúdo.
Porém, essetipo de dualidade é insustentável nos termos de Hegel, e agora chegamos
ao ponto em que ele pode nos mostrar isso. Como vimos no capítulo Tll, a concepção
da realidadecomo necessidademanifesta Eazisso de tal modo que existe um elo de equi-
valênciaentre o estadoem que a realidadeé puramente interior, no sentido de oculta,
e o estadoem que a realidadeé puramente exterior, no sentido de exterior a si mesma,
não interiormente relacionada por necessidade mediante alguma ligação. Quanto mais
oculta (interior) 6or a essência, tanto mais puramente a realidade é relacionada exterior-
mente (exterior). Isso é o que Hegel chama de. unidade imediata de interior e exterior.
Inversamente, quanto mais essencialmentea realidade Gorexteriorizada no sentido de
expressa,
tanto mais desenvolvidaseráa relacionalidadeda realidadee tanto maior será
3io PARTElll l LÓGICA
uma vez que seu conteúdo e sua forma são completamente idênticos, .zn z/mZ./br
rirá nada mais é que o bato de sua autoexteriorizaçáo (slró áz®rrzz). É a revelação
de sua essência, de modo que essaessência simplesmente consiste nisso, isto é, no
querevelaasi próprio.(WZ,vol. 11,p. 155)
lll:REAL,IDADE
Apesar da explicação dada anteriormente, em que opta pelo termo "afr#.z/!g : eeetividade" para traduzir
o termo técnico hegeliano " \X%ré#fóêf/r", o autor só poucas vezes segue essa definido na prática, preferindo
traduzir essetermo por "re'z/fg". Mantém-seaqui a terminologia de Fatousadapelo autor.(N. T.)
ióTraduzido segundo a tradução inglesa de William WHlace. Wallace conseguiu captar o jogo de palavras de
Hegel aqui: "zz/ Gr /zzú'gróem"comumente significa entrar em colapso ou arruinar-se. Porém, em termos
ESSENCIA
aluiu até a identidade consigo mesma (Z#i m/f i/ró /de flfcZ' gemo/zZe/zr Ueró,2/fn/s).
la está,portanto, eximida da transição (Zfm [/ófrXfAe rnr/zommr#), e sua exteriori-
.de é sua energização (.Emergir). Nessa energização, e]a está ref]etida sobre si mesma;
existência determinada (Z)aie/n) é a manifestação só de si mesma e não de alguma
7
hegelianos,a morte de alguma coisa é também seu retorno da particularidade para a vida da totalidade que
asustenta, isto é, para o seu fundamento.
" Traduzido segundo a tradução inglesa de William Wd laje.
" CÊ, nap. 321 [da crad.deWi]]iam Wa]Eace],a famosacitação sobreo racional e o rea] [ed. bus., p. 267].
PARTElli l LÓGICA
zi Isso também noslembra da discussãosobre o Fundamento, na qual Hegel ressaltaque sepode apresentar
uma razão para qualquer coisa apenas considerando-a sob algum aspecto abstrato.
ES S ENCIA 3l 5
a relaçãoda fundação, ainda que não nos mesmos termos. Portanto, o possível
sentido não é simp]esmente oposto ao real, mas estárelacionado com ele. Ademais, l
erros dizer que o real e o possível são uma coisa só, pois o que torna o conteúdo .4
:ível é um estado de coisas B, que pode permitir que ele aconteça, que pode embasá-
aueestálatente na potencialidade para H Por conseguinte, com a possibilidade real, }
.tão ele não é contingente. À luz da mera possibilidade, tudo é contingente. Porém, quan-
começamosa considerar a possibilidade real, nem tudo é contingente. Pelo contrário, i.
1,,unsresultados são excluídos e outros sáo inevitáveis, dadas as condições circunjacentes. ./'
Porém, também sabemos que as coisas estão ligadas por uma espécie de necessidade
que é absoluta ou incondicionada. "0 absolutamente necessárioé apenas porque é; ele
não tem por trás dele nem condição nem fundamento" (WZ, vol. 11,p. 182). Ele é caz,,.
sz//. Com efeito, o sistema de mudanças necessárias como um todo não repousa Sobre
nada fora dele próprio, não há fundamento que estaria cora da teia da necessidade.
(dual é, então, a relação entre essesdois tipos de necessidade? É absurdo negar à con.
tingência qualquer lugar e considera-la como mera "representaçãosubjetiva" (.EZ,S 145.
adendo). Nesse parágrafo, Hegel admoesta os filósofos que poderiam tentar descarta-la
totalmente e deduzir todas as coisas.As ciências que tentam fazer isso não passamde
brincadeira vazia ou pedantismo vetado" (eímr Zrerr SP/eZerr/ z/ Ze/ ilrzÓrr P?2a/zfümwS)
(ibidem). Mas issobasta a respeito de um procedimento que com frequência é atribuído
a Hegel por seuscríticosl
Pelo contrário, como vimos anteriormente, a contingência tem o seu lugar por ne-
É"
cessidade. A sua relação com a necessidade é o que anteriormente, na discussão sobre
o Fundamento, descrevemos como "intersticial". Porém, poderíamos descrevê-la tam-
bém como "superficial".:: A estrutura caregorial básica do mundo é a da necessidade.
Porém, pelo próprio fato de ter de corporificar-se (ascategoriasda corporificaçáoe da
exterioridadetambém precisamter sua aplicação), ela precisaexistir numa forma que é
'exterior", isto é, nem todos os seusaspectosostentam perfeitamente a conexão interior
da necessidade.A superílcie ou os aspectos detalhados das coisas são, portanto, contin-
gentes, e de fato lêm Ze ié-Zo.
Ora, as coisas ostentam conexões por mera necessidade real quando as isolamos
com base nessa superfície ou nos aspectos detalhados. Meu carro colidiu porque
dirigi na rodovia cobertade gelo. Isso de fato é um evento contingente. Poderiater
sido outro, se não fossepor certos favoresdiferenciais (por exemplo, minha decisão
de sair nessedia). Porém,essacontingência é evidente porque eu isolo a entidade
concernida como "um carro" ou até mais particularmente como "meu carro". S. eu o
considero como uma coisa finita, então reconheço que ele [em Ze sucumbir, embora
o dia e a maneira de seu passamento seja contingente. Ou, na eornlulação de Hegel,
vemos condições e realidade condicionada como se existissem separadas,indepen-
dentes (íf/óirã/zzlCeg),
umas em oposição às outras, por causa do "conteúdo limitado
da matéria que estamosconsiderando (.ÊZ, S 148). Porém, num nível mais profundo,
condições e condicionado estão interiormente ligados, sendo tanto idênticos como
diferentes. A forma que fica evidente nessenível mais profundo é a da conexão neces-
sária: o carro como coisa finita tem de quebrar algum dia. Porém, no nível superficial
ou detalhado, o conteúdo não ostenta a forma. Consequentemente, há a contingên-
cia: esse acidente ocorre hoje.
:: O próprio Hegel usaessaimagem quando diz que a contingência tem livre curso "na superfície da natu-
reza" (ibidem).
ESSÊNCIA 3i7
Portanto, a necessidade
real de fato a/z i/cà também é contingência. Isso fica
evidente, em primeiro lugar, do seguinte modo: o realmente necessárioé de fato
necessárioem sua forma, mas limitado em seu conteúdo, tendo sua contingência
atravésdesseconteúdo. (WZ, vo]. ]], P. ] 80)
.!
Umavez que o conteúdo é exterior à forma, ele é "exterior" a si mesmo, isto é, con- /
.e (EZ, S 148).
ig' '' ''eção, Hegel não está realmente derivando a necessidadeabsoluta da ne-
:cidade real. Antes, a necessidade incondicionada já havia sido estabelecida, pois )
assim
.ue ele mostra é a relaçãoentre as duas, a maneira de sua coexistência,necessida-
por t
=r.E aqui há um ponto crucial na transição da necessidadereal para a
absoluta.A necessidadereal estavaligada à contingência, mas apenasde modo (
-pdiâto. Nesse estágio, "a necessidade ainda não se determinou a partir de si própria .f
o contingência"
(WZ,vol. 11,P. 179).
E a isso que chega a necessidadeabsoluta. Ela mostra como a contingência deve
star,ela como que a produz a partir de si mesma. Mas então as duas não apenas
mstem. A necessidadedetém o posto mais elevado. A necessidadereal revela-nos as
nsequênciasnecessáriasde condições contingentes. A necessidade é uma ilha num
iar de contingência. Porém, na categoria da necessidade absoluta a posição é invertida.
contingência é, antes, o ornamento gerado por uma estrutura necessária das coisas.
Por conseguinte, a necessidade revela-se como autocondicionada, como dependente
tnicamentede si mesma. Porém, isso quer dizer que a necessidadeé, em última ins-
cia, o mesmo que liberdade. Ordinariamente, nos queixamos de que a necessidade
o oposto da ação livre e proposital. A necessidade é cega, ao passo que a ação livre e
proposital discerne sua finalidade (ÉZ, S 147, aderido) :: Porém, a necessidade só é cega
quando está associada à contingência de modo tal que não podemos ver a conexão entre
ostermosque ela une. Vimos, no entanto, que essacontingência é a mera superfície da
necessidade.
Propriamente entendida, essanecessidadesubjacente,vista como de Fato
repousandosobre si mesma, é plenamente transparente. Além do mais, não queremos
dizerapenasque ela é transparentepara nós ou para alguma consciênciaobservadora,
mastransparente como a emanação da razão que produz a totalidade do real. Conse-
quentemente, ela será transparente para uma razão subjacente. Porém, essa é a brmula
da consciênciade si, da açãoproposital: aquilo que existe é transparentepara aquilo
que o põe. Consequentemente, a verdade da necessidade, aquilo que ela é basicamente,
constitui o que Hegel chama de Conceito (.EZ,S 147, adendo). E a estrutura do mundo
e da história deve servista como o resultado do propósito.
23Cf. também "die absolute Notwendigkeit ist daher blind" [a necessidadeabsoluta, po' conseguinte, é
cega]
(WZ,vol.11,p. 183)
3i8 PARTE 111 LÓGICA
z'erma//@Zoie/z
W7#ézZr)
(EZ, S 147, adendo). Para Hegel, Deus é Ge/rf. Ele é o sujeito que
é ao mesmo tempo a estrutura racional do todo. Consequentemente, a necessidadeé a
sua marca registrada, não uma limitação que pesa sobre ele.
Hegel aproveita o ensejo para fazer uma comparação com a ideia de destino dos anti-
gos.Tratava-seaí realmente de necessidadeexterior, que parecia contradizer a liberdade.
Porém, a Providência não pode sercontrastada com o destino por não mais compartilhar
da necessidade.A diferença é, antes, que o destino não leva em conta os sereshumanos
H nem mesmo os Deuses-- como sujeitos, ao passo que, na religião cristã, há a ideia de
que o absoluto é sujeito e que, ao passarpara algo diferente na morte, somos unidos,
como 6oi durante a vida, com a vida do sujeito absoluto. Consequentemente, toda a ad-
d'
versidade tem o consolo de que sempre somos, em certo sentido, unos com nós mesmos,
uma vez que vemos a nós mesmos como emanações e veículos do sujeito absoluto. Esse
é o "consolo" da religião cristã e é como consolo que a Providência deve ser distinguida
do destino, não pela ausência da necessidade. Nosso destino, por conseguinte, tem parte
na necessidade, porém não de uma necessidade Gorânea ou inescrutável, mas, antes,
de uma necessidadeque expressaa subjetividade racional que compartilhamos, e, em
consequência, nunca estamos no exílio, mas sempre Z'e/í/có.
SUBSTÂNC]A
Da necessidade
absolutaHegel passapara a última e culminante tríade do livro sobre
a Essência, que ele chama de relação absoluta. Já vimos na relação entre necessidade
absolutae liberdade que estamosprestesa entrar nas categoriasdo Conceito. Porém,
primeiro Hegel quer desenvolverainda mais a relaçãoentre a totalidade e os seusele-
l mentos e, fazendo isso, deduzir e incorporar no seu sistemaas analogiaskantianas da
experiência, com os conceitos de substância, causalidade e interação.
Abrimos o livro da Essência com a concepção de um sistema autossubsistente de
mudanças necessáriasque estabelecemos basicamente com a Infinitude. No decorrer
desselivro, Hegel foi explicando as implicações dessanoção. Ele mostrou, em primei-
ro lugar, que um sistema desse tipo constitui uma totalidade de conexões necessárias
em que cada elemento tem de ser explicado a partir de toda a cadeia. Com efeito,
ESSÊNCIA 3i9
@ .É/fc#Ée!/.
A necessidade emana das próprias coisas e, portanto, está manifesta nelas.
Porém,ao mesmotempo, justamente porque a unidade interior não estáseparada
do elementosexteriores, ela pode ser concebida como oniabrangente, onipotente. A
talponto que, se fossem separados,o poder de unir exercido por ela não seria total,
PO ue algum aspecto dos elementos exteriores Ihe escaparia. Se ela moldasse a reali-
da zeexterior a partir de fora, a existência original dessarealidade seria pressuposta,
nã derivadada necessidade.
Porém,seo poder de unir for plenamenteimanenteàs
co ;as,elas estarão inteiramente sob seu controle; seu desdobramento é simplesmente
ar lifestação desse poder.
Além disso, a necessidadeque é oniabrangente também é absoluta ou incondicio-
no sentido de não se apoiar em nenhuma premissa meramente dada. E, de fato,
:aterabsolutoda necessidade
resultado fato de estarmostratando de um sistema
)is#óíüff/zfede mudanças, impulsionado pela contradição e, em consequência,acon-
ldo por necessidade.
A realidadeé, portanto, implementada por uma necessidadeoniabrangente e in-
.dicional. Essanecessidadepode ser vista como uma substância subjacente aos "aci-
ltes"da realidadeexterior, e não só isso: como uma substânciaque implementa
acidentes.Ela é um poder substancial (.A/arar). Chegamos, portanto, à visão de
-incisa,que de Fatoé a basesobre a qual Hegel constrói aqui para escrevera con-
.o da Essência.A substância, que é a totalidade dos seus acidentese que é essa
cidadeenquanto implementada numa certa ordem ou estrutura, é o poder que
na base dessaimplementação. A totalidade, que está presente em nossa dialética
leque saímosdo Fundamento, passaa ter agora a qualidade da arividade, passaa
vistacomo aquilo que ativamente póe a realidade exterior, uma característicaque
implícita nela o tempo todo.
Essasubstância já foi mencionada no Absoluto que abre essaúltima subdivisão da Es-
tana WZ. Porém, em ambas aslógicas, a substância aparececlaramente no primeiro
.o da última tríade.
32,0 PARTElll l LÓGICA
Tendo chegado à E6etividade, Hegel agora precisa deixar mais claro a que correspon-
de essaunidade entre a coesão interior da totalidade e sua multiplicidade exterior. Ele 6U
isso, em primeiro lugar, expondo as relações de contingência e necessidade e mostrando
que a própria contingência emana da estrutura necessáriadas coisas,náo estandocora
dela. Porém, essarelação foi apresentada na abstração da modalidade, qual seja, na Êae
discutida anteriormente. Ainda Efta justifica-la na forma concreta que deveria ser evj-
dente nos nossos termos mais concretos para a relacionalidade, a saber, a causalidade.
Consequentemente, a última fase é concernente em primeira linha à causalidade.
Porém, a causalidade é considerada no contexto de uma visão da unidade de tudo na
substância.Hegel interpõe a interação e, em consequência,pode compor essaúltima
tríade como uma espécie de reminiscência/comentário sobre as analogias kantianas.
Porém, essepasso mostrou-se, antes, equivocado e infeliz. A interação acabou se revelan-
do um termo um tanto inexato, como Hegel é forçado a dizer na ÉZ (S 156, adendo).
O ponto de partida na substâncianão é de todo artificial, no entanto. Dispomos
da visão, derivada de Espinosa, de que todas as coisas são postas pelo poder substan-
cial. Necessidadeabsoluta é relaçãoabsoluta (WZ, vol. 11,p. 185). Esta é o ser que é
porque é, que é mediação absoluta de si consigo mesmo. Os "acidentes" são realidades
independentes, que, não obstante, estão interiormente relacionadas; eles são a poten-
cialidade da efetividade uns dos outros e por isso estão determinados para se converte-
rem uns nos outros. O interior passaa ser não uma entidade separada,masum poder
acima deles, que é também o poder deles mesmos. É o poder de criar e destruir e de,
destruindo, criar tudo novo. A substânciaé, portanto, o poder que implemente e, em
consequência, acaba com as entidades subsistentes exteriores reais, que são, por isso
mesmo, vistas como seus "acidentes:
Porém, a substânciaé a necessidade,o poder plenamente manifesto. Consequen-
temente, este está inteiramente mobilizado na criação e na destruição dos acidentes; e
esses "acidentes" são entidades subsistentes. Assim, esse mesmo poder também tem de
ser visto como o fluxo da compulsão que se dá entre as entidades; mas esteconstitui a
rala pnA an rrA pa] ] c'a n nc lta
l\.la.\,a.v \.l ILX\, \,a LIDA \, \.L\,Alvo
CAUSALIDADE
(quando examinámos essa relação, aparece novamente a relação básica que estamos
tentando entender, põe-sede novo o problema a ser resolvido; como juntar necessidade
interior com a diferença subsistente real?Tomando essarelação básica como uma relação
entre substância e acidentes, acentuámos a unidade processual. Porém, imediatamente
somos lembrados de que os acidentes são autossubsistentes; e, em consequência, de que
elestêm de servistos em relaçãocausaluns caiu os outros. E, por conseguinte,surgeo
problema de encontrar o caminho de volta: de mostrar atravésda própria relação causal,
isto é, da relação entre os próprios acidentes, a sua inerência na totalidade que gera a si
mesma,que é definida como cd#izziz/i, ser que é porque é.
ESSÊNCIA 3zi
Isso náo é fácil, e não está claro como Hegel pensa ter deito isso. A natureza do
lacionamentotalvez esteja um pouco mais clara que a transição. De fato, a causali-
e é vista como uma dessasmaniGestaçóesimperfeitas da necessidadesubjacente das
pisas,
a mani6estaçáoque é afetadapela exterioridade. Essacausalidadeexterior, por
Pnseguinte,
é vista como remetendo para além de si mesma para a sua inclusão numa
.cionalidade mais profunda, mais essencial, da totalidade.
A causalidadeé exterior no sentido de que ela se situa entre termos que só estão
intingentemente relacionados. Não há relação necessáriaentre causa e efeito, como
.rendemoscom Hume. Porém, enquanto para a consciência empiricista esseé o fim da
matéria,
para Hegel a exterioridade da causalidadeé apenaso reHexode uma conexão
leisprofunda da necessidade que é fiindamental para as coisas.Esseser fiindamental
as coisas consiste no fato de que a estrutura mesma das coisas segue uma ordem
necessária
de implementação. As coisas estão conectadas por necessidade, mas essa ne-
idadetambém exige uma exterioridade em que essaconexãoé mais solta, em que
não é totalmente transparente nem está inteiramente refletida nas coisas. E isso que
os na causalidade.
Nas duas lógicas, Hegel começa expondo dois aspectos da causalidade que pare-
:m refletir a sua natureza como vestígio de alguma unidade mais profunda. Por um
udo,causae efeito são concebidos como associados na necessidade e, certamente. são
:rmoscorrelatos: não existe causasem efeito e vice-versa. Podemos até identificar um
conteúdoque os associa,que é o ponto em que se encontram. Por conseguinte,
tandodizemos que a chuva umedecea grama, a umidade aparecenos dois termos.
o refietea unidade interior dos dois. Porém, isso obviamente não é tudo o que há
sedizer. O termo idêntico, que nestecaso é umidade, está embutido, em ambos os
los, em diferentes termos, cada qual com outras propriedades, náo relacionadas
lteriormentecom a umidade ou uns com os outros. O fato de a chuva umedecer a
:amanos diz que a umidade na forma de água que cai do céu é a responsávelpor esse
do de umidade do gramado. É esteo seu aspectoinformativo, e não a referência
tutológicaà umidade. A explicação pela causa,por conseguinte, deve ir além dessa
tologia, e isso constitui a sua exterioridade.
Consequentemente,temos na relação entre causa e efeito uma relação que reflete
a identidadeinterior, ainda que projetada para dentro da exterioridade mútua. Essa
atura da causalidade está, ademais, refletida no modo como Hegel trata do regresso
nito potencial das causase do progresso dos efeitos. Por jamais ser Completa, a cau-
eficiente exige sempre novos termos, tanto para explicar a transição entre causa e
ito como para explicar a ocorrência da causa mesma. Consequentemente, todo efeito
também,sob outro aspecto,uma causa,e cada causa, um efeito. Hegel comenta que
mostra a identidade de causa e efeito. Porém, por ser aâetada aqui pela exterioridade,
identidade ocorre na forma de uma série infinita. Cada causa é efeito, mas só de algo
ente, não de si mesma; e, de maneira similar, cada efeito é causa.
PARTElll l LÓGICA
Tendo chegado ao progresso infinito, percebemos que, no que concerne Hegel, é hora
de passarpara um novo plano, e é isso que Hegel Euá através do termo um tanto inadequa-
do da interação. O argumento é que cada efeito também ajuda a determinar a si mesmoe
ajuda a determinar igualmente a causa;dessemodo, há não só ação, mas também reação.
Porém, a ação e reação de Newton não é realmente o que Hegel tem em mente como sín-
tesenesteponto. Ele deixa issoclaro na ÉZ (adendo ao S 156), onde aponta par' o batode
que a reflexão comum recorreu com frequência a essacategoria da interação quando quis
explicar uma espéciede causaçãoa partir da totalidade que é muito mais profunda.
Os exemplos que ele usa revelam, antes, o que é essacausaçãoa partir da totalidade.
P Trata-sedas relaçõesentre os órgãos e suasfunções num organismo e da relaçãoentre
#
nenhuma sombra de alguma realidade mais verdadeira por trás dela, mas realmente
possui a solidez que parece ter. Consequentemente, alcançámos aqui a mais plena so-
lidez possíveldo ser exterior. E estaé necessáriapara o sistema, desde que vimos que
se trata de um sistemaem que o interior, o Ge/ir, só pode existir na realidadeexterior;
logo, a realidade do interior depende da solidez do exterior.
Porém, pela mesmarazão,a necessidadeinterior e a realidade exterior náo podem
ser reconciliadas àsexpensasda última. A realidade da exterioridade tem de ser mantida.
Assim sendo, por essarazão,a totalidade do Fundamento, no qual se podia encontrar
a razãosuficiente para todas as coisas, teve de acompanhar a diferença real entre funda-
[
mento particular e fiindado particular; o sistemada necessidade
absolutanão só tevede
H
substância passiva. Porém, a substância passiva que sofre uma corça exterior de fato é de
tiPOque sua natureza tem de ser posta por alguma outra coisa. 'IA substância passiva
éPofiapela corçacomo aquilo que ela a z,ezzZade
/" (p. 200 da ed. inglesa). Assim sen-
, os efeitos acabam sendo algo que ela opera por si mesma. Mas, então, há uma reação
lue atinge a primeira substância, que não pode mais ser vista como simples substância l
r'B
exclusivamente como causa. Chegamos, portanto, à ação e reação; e, a partir daí,
legelmove-se pa'a a totalidade. Desse modo, o progresso sem fim da causação finita é
curvado" sobre si mesmo numa "interação infinita" (p. 202 da ed. inglesa).:4
i
\
..i
A discussão implícita nessa passagem (lyZ, vol. 11, P. 198-205) fica bem mais fácil se a le.mos tendo em
€
lente um dos exemplos paradigmáticos usados por Hegel para ilustrar a causação a partir da totalidade,
mo o dasrelações entre os costumes e a constituição de um povo; e também se a lermos em conexão com
:capitulação
feitano início do livro IJI (ll;Z, vol. 11,p. 214-16). é
substânciareparte'se em duas, em articulação. Assim, o espírito de um povo tem de ser corporificado num /
o articulado por constituição, costumes, modo de vida, etc. Consequentemente, os espartanos têm leis
lumese uma constituição. Tomamos o exemplo da causalidadeentre costumese constituição. Temos
lui dois termos, e é preciso que haja essadualidade. É preciso que haja urna lei coerciva exterior, para
restara necessidadede um certo Ge2sfcontra a fraqueza e o capricho dos indivíduos. Porém, ao mesma
po, semum certo espírito expressonos costumes,essalei seria deturpada, tornando-se uma cascaexte-
it. Porconseguinte,há dualidade, mas também uma profunda unidade entre os dois
passarmosagora a considerar essesdois numa re]ação causal, perceberemos que a constituição afeta os
ese vice-versa. Cada qual é exterior ao outro. Consequentemente, temos o que Hegel chama de
adição
ou pré-suposiçãoda causação(p. 198-99 da ed. inglesa),que a causapressupõealgumaoutra
eânciafora dela mesma que ela pode influenciar. Ela só se torna realmente uma causa ao influenciar
a substância.Há uma substânciaatiça, como, por exemplo, a constituição, e uma substânciapassiva,
)r exemplo, os costumes. Assim sendo, os costumes devem ser pressupostos, eles Játêm de estar aí, para
a constituição opere neles.
m, num segundo momento, percebemos que os costumes são constituídos de tal modo que só podem
costumesde um povo que estáorganizado por uma constituição desseHeirio;não poderia haver tais com-
esentre povos que, por exemplo, estão organizados sob um despotismo oriental ou num sistema tribal
solto.Assim, o que parece estar sendo pressuposto na verdade também é posto por sua relação com a
intuição (e, obviamente, como todos os demais aspectos da vida da sociedade na causalidade, apenas
af cerroselementos). Por conseguinte,
substânciapassiva só é paio.zpela corça como aquilo que ela nzz z,frzZzdeé, ou seja, justamente por ser
itivo simples ou a substância imediata, ela é apenasalgo posto; o pré que ela é como condição (.üs
IZ í/e & Bed2zzgzíng
if/) é a aparência de imediatidade da qual a causalidade aviva a despe." rWZ,
n, p. 200)
tamente antes disso, Hegel diz que "aquilo que tem poder sobre o outro só o tem porque é o poder
último, que nele manifesta a si mesmo e ao outro"
conseguinte, em vez dc encarar a substância passiva, isto é, os costumes, como simplesmente aí, espe-
paraseremtrabalhados, o que ocorreu no primeiro momento, passamosa vê-los como emanações
rias dessainfluência, realmente o espírito interior que flui tanto atravésda constituição como dos
mesnassuasrelaçõesmútuas. Passamosa vê-los como a manifestaçãode algo mais profundo, isto é,
G&is/.Consequentemente, os vemos pela primeira vez na sua verdade, a saber, asemanações dessealgo
profundo, porque essaé a sua natureza, serem postos por essarealidade mais profunda, que atum através
ESSENCIA 3z7
A z,fz2dzdr
da Swósz2/orla
é o Cobre/ro
-- a independência
queé o repelir-se
de
si mesmo na direção de unidades distintas e independentes, e que, como essa
repulsão,é idêntica a si mesma; uin movimento recíproco que permanece junto de
si mesmo (óe/ siró ie/&rf ÓZr/órm4 e incerage consigo mesmo. (EZ, S 158):'
1,0 Conceito como uma fórmula conceitual interior que produz um mundo
com a sua própria necessidade interior levou-nos para além do domínio da
le cegae introduziu-nos no reino da subjetividade, da liberdade. Temos uma
[e que é oniabrangentee absoluta, que repousaunicamente sobre si mesma,
lamentetransparente; ela produz uma ordem a partir de si mesma, a partir de
idade que é sua própria natureza; o que pode ser isso senão liberda(ie? Co-
mente,
"a verdade da necessidade é [...] a ]iberdade" (ibidem).
0 Conceito
/'
A questão entre Kant e Hegel é esta: Hegel assume a ideia de Kan{ de que a realidade
ou a objetividade é apenaso lugar onde o material da intuição sensívelé estruturado
pelo pensamento.Porém,ao passoque para Kant esseprincípio era válido só parao
nosso conhecimento do mundo, isto é, para os fenómenos, e não para as coisas em si,
para Hegel isso é válido ontologicamente, porque a verdade interior das coisasé que elas
fluem do pensamento,que elassão estruturadas por necessidaderacional. O que para
Kant é verdadeiro apenaspara a nossafaculdade de conhecimento, para Hegel é um Fato
ontológico que tem sua reflexão em nossafaculdade do conhecimento. Ele tem a impres-
são de ter demonstrado tudo isso nas partes precedentes da Lógica. Com efeito, nelas se
t demonstrou que as concepções da realidade enquanto separadas do pensamento, acima
P
dele e contrárias a ele, enquanto simples ser, enquanto essênciaoculta, enquanto simples
ET'
dado, etc., são todas inadequadase todas se convertem em substância,cuja verdadeé
Í
('
necessidademanifesta ou liberdade, logo, conceito.
Mas, sendo assim, o outro lado do conhecimento paralelo ao conceito, a saber, seu
preenchimento intuitivo, não está dado separadamente, é produzido a partir do Concei-
to, posto por ele. E nesseponto que Kant errou. Porém, tudo o que ele dissea respeito
da objetividade, da sua dependência em relação ao pensamento e da unidade do "eu",
que ele destinou unicamente para a objetividade fenomênica, resulta correto quanto à
realidade como tal.
Assim, obviamente, estamos tratando do Conceito num sentido muito diferente do
l
que ele tem na filosofia kantiana ou mesmo no sensocomum. Paraesteúltimo, o con-
ceito é uma ferramente do nosso conhecimento, uma maneira que temos de apreender a
realidade. O uso que fazemos dele, por assim dizer, não vem em detrimento da natureza
da própria realidade. Para Hegel, em contrapartida, o Conceito é um princípio ativo que
está na base da realidade, Emendo dela o que ela é.
A segunda diferença ligada à primeira é esta: para o senso comum, o conceito é uma
abstraçáo.Suauniversalidadeestá ligada a essefato. Descobrimos uma palavraque se
aplica a uma grande quantidade de instâncias similares, e o conceito Eazisso abstraindo
de suasparticularidades. Porém, na visão de Hegel, o Conceito é do tipo que desenvolve
a partir de si mesmo a realidade que Ihe corresponde. Com efeito, ele não é meramente
um conteúdo em nossasmentes, mas o princípio que está na base do real. Consequente-
mente ete é um universal, mas do tipo que tem a diferença dentro dele. Na formulação
de Hegel, ele produz a partir de si mesmo as particularidades que são assuasmanifes-
tações. "0 conceito é fundamento e fonte de toda a determinidade e multiplicidade
finitas" (WZ, vol. 11,p. 227).
Consequentemente, para Hegel, a melhor representaçãodo Conceito na composição
do mundo é o "eu". O eu pode até ter conceitosparticulares,"mas o 'eu' é o próprio Con-
ceito puro que ganhouexistência(Z)me/n)como Conceito" (WZ, vo]. ]], p. 220). [)e Eito,
11
Hegel explica que o "eu" é a unidade que é idêntica consigo mesmae pode abstrair de
toda determinação particular, visando concentrar-se em sua identidade consigo mesma.
O CONCEITO 33 l
necessariamente
relacionados com particulares que, náo obstante, os negam. E, re-
velandoessasrelações interiormente contraditórias, eles estão realmente revelando a
natureza das coisas, pois nossos conceitos se comportam dessa maneira por serem os
veículosda consciência de si da necessidade interior do cosmo. Consequentemente,
um estudodos conceitos como puras formas gera a estrutura básica das coisas ou o
conteúdo.Reciprocamente,é óbvio que um estudo do conteúdo, um estudo das coi-
sas,revela a necessidade conceptual interior ou a forma.
Consequentemente, a lógica puramente Eorma] é uma quimera. Numa passagem
crucial(WZ, vol. 11,p. 229-34, também /l.[, S 162), Hege] expressaesseponto através
da discussãode sua noção de verdade. A ideia usual (e kantiana) de lógica formal é que
trata dos conceitos e das proposições abstraindo da sua verdade (substancial). Isto é,
elespodem conter verdade lógica, mas não verdade no sentido ordinário de adequação
,os fatos.A verdade exige dois termos. Porém, se o nosso estudo das formas asmostra
desembocandonum desenvolvimento interior que refiete a estrutura das coisas, então
aquestãoda verdade substantiva surgedentro da própria assim chamada lógica formal.
Em outras palavras, não há domínio separado de formas que podem ser julgadas unica-
mentecomo coerentes ou incoerentes, assim como julgamos se uma proposição Em sen-
tido ou não, abstraindo de todas as questões da verdade como concernindo somente à
concordância
dessaforma com um conteúdo empírico totalmente independente.Antes,
devido ao Eito de suas próprias formas estarem sujeitas a um desenvolvimento interior a
partir de suascontradições interiores até que cheguem a refletir apropriadamente a estru-
tura das coisas, a questão de sua verdade necessariamente surge. Elas estão no âmbito da
verdadesomente em sua forma plenamente desenvolvida. Em qualquer forma anterior,
elassão inadequadas, não verdadeiras.
A verdade substantiva, por conseguinte, não pode ser excluída do domínio da
lógicaformal, o que é outra maneira de dizer que a lógica formal se enquadra na
lógicatranscendental, a qual é, ela própria, ontologia. A verdade de algo estádentro
daquelacoisa ou dentro do conceito da coisa. Pelo fato de todas as coisasserem
emanação do Conceito, elasestãoem acordoou em desacordocom ele, logo, ou são
verdadeirasou são falsas.No sentido do idealismo absoluto de Hegel, a verdade é a
forma de algo quando está plenamente desenvolvido, porque, nesse caso, concorda
plenamente com o seu conceito.
Por fim, o que Hegel censuraem Kant não é o fato de ter se apegadoa uma noção
de intuição intelectual que ele próprio inventou. Esseseria um entendimento que, di-
ferentemente do nosso, não dependeria da recepção exterior, de ser vetado a partir de
cora,porque seusconteúdos seriam criados unicamente com o seu pensamento.Kant
atribuiu esseintelecto arquetípico a Deus; ele estaria totalmente além de nós. Porém
para Hegel, o intelecto de Deus é, em última instância, revelado a nós; ele só vive no nos-
so pensamento.Clonsequentemente,
podemosparticipar de uma intuição intelectual.
O pensamento de Deus é o nosso.
l:SUBJETIVIDADE
CONCZiTO
Acompanho, nesta passagem do livro, a terminologia inglesa "íprri#r" e "púrfi áz ", embora os dois ter-
sejamsinónimos exacostambém na língua inglesa. O tradutor de Hegel para o português distinguiu
or os dois termos, falando de "particular" e "singular". Melhor seria,como o próprio autor sugere
Imãslinhas adiante: "específico" e "individual". (N. T)
A palavraalemã "Brio züxz!", cognara do termo inglês "fK/zdn", carrega essesentido de autorrompimento
[o quanto o seu significado lógico comum, propiciando a Hegel essejogo especulativo de palavras que
tanto apreciava
Cf: por exemplo, .EZ, S 164.
336 PARTElll l LÓGICA
Contraste-se novamente o absoluto e o gênero das aves, caso isso não soe demasiada-
menteridículo. O primeiro é uma divisão articulada numa totalidade que é também um
existenteexterior real, que se move por si mesmo, ou um indivíduo. Os espíritos finitos
aproximam-se disso, mas não bastam a si mesmos; antes, o espírito subjacente a eles é
corporificado também numa sociedade ordenada de espíritos dessetipo Porém, nesse
nto, ingressaum elemento de contingência, porque o número de sereshumanos não é
6xado por necessidade; só a sociedade é um todo autossubsistente cujo número é fixado
de acordo (para cada estágio dado). Os particulares contingentemente quantificados
enquadram-sedentro de um particular mais amplo e necessariamentearticulado.
Porém, no que serefere às diferentes espécies de aves, nem mesmo esseé o caso. Há uma
'quantidadeindeterminada"(wmZ'eifímmíeMenu?) delas,isto é, tanto de espéciescomo de
apécimes,e, não obstante, o todo que é o Gênero nem mesmo perEm uma totalidade
articulada. Como particular, o gênero das aves é uma entidade completamente canhestra.
De modo que o existente unitário, articulado, fica excluído da estreita relação interior com
o universalno qual seinclui: toda a extensãodo universal não qualifica mais, e aquilo que
qualifica existe em quantidade indeterminada e com muita articulação contingente.
Ora, como vimos anteriormente, Hegel paraleliza a corporificação imperfeita da
Conceito na natureza com as representações contingentes da mente. E, como veremos
agora,o conceito puramente subjetivo padece das mesmas deficiências que o Conceito
imper6eitamente
corporificado. Nessesentido, e]e possui uma certa justificação, a qual
eleperde,no entanto, quando alega ser toda a verdade do Conceito, que é o que acon-
tececom o sensocomum e com asfilosofias do entendimento.
Vejamos isso examinando agora o conceito subjetivo em relação aos três termos aci-
ma.O conceito subjetivo é um universal, num sentido não problemático: de Eito, Eoi
paraisso que se cunhou o termo "universal". Porém, ele também possui especificação,
istoé, há critérios pelos quais ele é aplicado e, nessesentido, ele possui algum conteúdo.
Hegelrejeita peremptoriamente a ideia de um conceito simples, de um conceito sem
critérios adicionais. Isso é confundir representação com concepção. Pode haver represen-
taçõessimples que Hutuam diante de nossasmentes. Até mesmo as realidadesmais ricas,
o espírito, a natureza, o mundo, até Deus, podem ser representadasna mente de um
modo completamente simples; isto é, podemos evitar adentrar a sua articulação (IPZ,
vol. 11,p. 255, também EZ,, S 164). Porém, se Edarmos seriamente de conceber, então
seguramentenão podemos aceitar essasrepresentações como camreifai.Trata-se de repre-
sentações simples em que a universalidade é concebida em abstração da especificidade e
da particularidade (ibidem).
TraduzindoHegel a partir de suaprópria linguagem, chegamosa uma teseque seria
amplamente aceita hoje em dia:4 um conceito está necessariamente ligado a outros con-
' O ponto foi antecipado por Herder, em seuE /a lacre a OTÜrm zúzLingwólg?m.Ter consciêncialinguísti
cadealgoé identifica-lo por meio de uma característica(.A4erémaÕ
que servede critério.
338 PARTElll l LÓGICA
ceitos; nenhum conceito pode ser introduzido por si mesmo. Não podemos dizer que
temos um fo ceira de alguma coisa, senáo pudermos dizer nada sobreessacoisa a nãosa
aplicar a ela esseconceito. Esseé o ponto por trás do argumento de Wittgenstein contra
a linguagem privada:Sa sensação"S" teria de ser tal que pelo menospudéssemosdizer
111.,.1B.l que ela 6oi uma ie iúfáo e, em consequência, liga-la ao restante da nossalinguagem. Nãa
a /
não possade alguma maneira ser explicado por outros.
Dar crédito ao conceito simples Eazparte de outra teoria do significado, aquela em
que palavras recebem significação simplesmente por serem ligadas a conteúdos sensíveis.
Nesse caso, a palavra que 6oi ligada a um conteúdo sensível completamente simples não
}
#
seria mais passívelde nenhuma outra articulação. Porém, Hegel indica que essetiPO de
distinção confunde psicologia com lógica. THvez possa haver apresentações sensíveis
t simples, inclusive representaçõesna mente: considerando a questão como fato autobio-
d'
gráfico, posso ver que náo percebi antes a articulação de uma cena dada ou mesmo de
uma ideia dada. Porém, quando se chega a conceitos, essanoção de simplicidade está
totalmente cora de lugar.
Por conseguinte, o universal (conceito) deve ter uma especificação(a explicação
que Ihe servede critério). Porém, como ocorreu anteriormente com as corporificaçóes
imperfeitas, o conceito meramente subjetivo será do tipo em que não há conexão
necessáriaentre os dois. E claro que haverá uma conexãopuramente analítica, porque
o significado que é dado a esseconceito é o da explicação que Ihe serve de critério.
Porém, nada de necessáriohaverá no que se refere à articulação dessaexplicação; seus
elementos estarãoconectadosde modo totalmente contingente. Ao explicar o teima
:papagaio",EHaremosde uma ave que possui certascores, um certo tipo de bico, que
pode "Falar", etc. Porém, todas essascaracterísticas estão conectadas de modo total-
mente contingente. Não há necessidadede elas constituírem as articulações de uma só
coisa; elasnão formam uma totalidade.
Em terceiro lugar, o conceito universal com a sua especificaçãoé usado para designar
particulares.Como na exposiçãodo Conceito ontológico, o momento da particulari-
dade é aquele em que chegamos à existência exterior, real. Porém, no caso do conceito
subjetivo, essepassopara dentro da realidade transcende o plano subjetivo, constituindo
a referência a coisas no mundo.
5/npelf fóeJFIZajc#rm,
vol. 1,S 258ss
O CONCEITO 339
6 Discutiremos mais adiante por que Hegel sesente no direito de pressupor isso
O CONCEITO 34í
Juízo
Porconseguinte, o conceito subJetivo, ao íàzer referência a particulares que não são
produzidosa partir dele, essencialmentenos remete ao juízo. Um conceito pode não
outro uso a não sero de Emerum juízo. Esseé o caminho curto até essaconclusão,
qual torna dispensáveltodo o argumento desta seção,exceto obviamente pelo fato de
;seargumentoser essencialpara o propósito hegeliano que é ver o conceito subjetivo
norao pano de fundo dos requisitos postos pelo Conceito ontológico. A partir desse
nto de vista, é importante não só que não poderíamos ter conceitos sem juízos, que
)nceitossão essencialmente o que usamos para fazer juízos, que eles não são entidades
)mo pedras que possuem uma realidade à parte do seu uso. Antes, também é importan-
que o juízo nascede uma divisão, de uma disjunção, na qual os dois ladosnão estão
)lenamentede acordo, porque é isso que fornecerá a energia para o desenvolvimento do
uizo,como veremos na próxima seção.
ParaHegel, o juízo estáassociadoà ideia de divisão, de uma cisão dos dois termos
ueestão ligados. E isso é facilitado por outro jogo de palavras que a língua alemã Ihe
}6erece
de bandeja. O movimento da particularidade é a separação original de si mesmo
"'Õe #pVMng&cóe Ze//umg se//zer"), e isso é juízo (UrfelÕ. O movimento de disjunção
u Enzzme/zlzeg,
que estána base tudo, e que mais tarde é compensadopelo retorno à
dade, é o que está na base do juízo, no qual coisas diferentes são declaradas como a
lesma.Acompanharemos issoem detalhe na dialética que sesegue.
' Essaseçãode Eito possui muita coisaem comum com a Essência,visto que temos uma relaçãode dois momentos
ue não são realmente mostrados como idênticos até rranscendern)os esta parte e chegámos ao Silogismo.
PARTElll l LÓGICA
r:="ll; Py&nze"[o juízo da p]anta] (p. 366). O Juízoé, portanto, primeiro, a realidadeontológica
hl'-'i#ll em que o Conceito divide a si mesmo e desemboca em realidades particulares.
Ê isso que está na base do juízo em nossas mentes e na Eda. Por essavia, podemos
conceber o juízo como a ligação (Weró/ndKng)de dois conceitos separados,mas issoestá
totalmente errado; Êaer isso é não levar em conta o Eito de que o juízo é, no íündo,
separação, partição de uma unidade.
Há, obviamente, outra visão de juízo como separaçãoda unidade que também é cor-
rente no senso comum. Quando julgamos que a rosa é vermelha, apartamos em nossas
mentes mediante abstração o que, na realidade, é a realidade indivisível "rosa vermelha"
e a concebemos em duas partes ou dois aspectos que juntamos mediante o juízo. Porém,
essavisão também comete um erro por sua subjetividade. Ela não estátotalmente errada,
mas não se dá conta da dimensão crucial, que fazemos esseato de separação como reHexo
interior do ato ontológico que é original (wrxprü/zg#có).
l"H .:l Porém, obviamente, nem todos os juízos são realmente fiéis a esseato ontológico.
Consequentemente, há diferentes tipos de juízo. Porém, é importante perceber que não
são meramente várias formas de juízo subjetivo que não são fiéis ao juízo ontológico; a
118 11iilll Realidadetambém,
x\b,«lllLAclLl\. Lallll/çtll) \como já vimos,
vllxv Ja v lii \J ) é LAnl
um reflexo
x\-xxb mais ou menos fiel da divisão ontoló-
lÊIB $ ,$K
$.!
11111 .1RI Ricabásicado conceito. Quanto mais exterior ele 6or, quanto mais aproximado, inexato,
Bica
canto mais mesclado com a contingência. Consequentemente, haverá juízos imperfeitos,
lill ll i 1111 "inverídicos", que correspondem a realidades inverídicas.
Inverídica" é a palavra a ser usada aqui, porque já vimos que, em Hegel, a verdade é
correspondênciacom a ideia. Consequentemente deveremospreocupar-nos, no decorrer
desta seção, com algo bem diferente daquilo que comumente é chamado de verdade
do juízo, a saber,a sua correspondência com os fatos (com frequência, totalmente con-
tingentes). Hegel denomina essacorrespondênciade ".RlrófegÉe/í",exatidão, correção
Um juízo pode, por conseguinte,ser exato, mas aquilo a que se aplica é inverídico: por
l ii lil exemplo, que alguém estádoente ou que alguém roubou algo (.EZ,S 172, adendo): Esse
1 81 .11 conteúdo é inverídico, porque, nos dois casos,a realidade não estáem conformidade
com o seuconceito; ela é como não deveriaser.
O CONCEITO 343
iuÍzos serão declarados inverídicos porque, a despeito de sua correção, eles não
"»
usual
anui a forma básica'S é P', que Hegel especificaainda mais dizendo que ela conecta
h termoindividual a um termo universal,logo, significando "o (particular) é (univer-
nll".O motor da diabéticaé a falta de comensurabilidade dessesdois termos.
Comefeito,claramente não é verdadeiro que o individual é o universal. Consequen-
cmente,
háalgo contraditório no juízo e ele tem de ser transformado. Essemovimento
dialédco,
que foi retomado em sua essência pelos hegelianos britânicos, eoi muitas vezes
louvode zombaria, sendo tido como o resultado de um equívoco banal: a confusão
gere
diÉcrentes
espéciesde "é", ou seja, entre o "é" da predicação, o "é" da existência e
'é"daidentidade.
Paraque se possa ver como pede surgir a acusação de confusão trivial e também
)aca
respondera ela, deveríamos dar início ao movimento desta seção. Começamos
omo tipo mais baixo e simples de juízo, o que atribui um universal a um particular,
nmo,por exemplo, a rosa é vermelha. Podemos conceber essejuízo enEaticamente, por
imdizer,com uma ênfase de cada lado: ou a rosa como algo rico que contém muitas
determinações,
umas das quais é o Eito de ser vermelha; ou o ser-vermelho como extre-
mamente
rico, exemplificado inúmeras vezes, sendo essarosa apenas um dos exemplos-
Porém,
em ambos os casos, há uma incomensurabilidade entre os dois termos; eles não
úoequivalentes;
trata-se de duas realidades incomensuráveis que se tocam unicamente
Deste
ponto: a rosa é vermelha.
B
/
r.t.}llptt
eles conectam a partir do ponto de vista de sua comensurabilidade. Na raiz de tudo está
uma ideia que divide a si própria em realidade exterior, cuja realidade,não obstante.
permaneceidêntica à ideia. A subjetividade tem de ser corporificada de tal modo que
F
ela é e não é sua corporificação exterior. Juízos realmente verdadeiros são os capazesde
l captar essaverdade. Mas então elestêm de ser do tipo em que os termos que elesconec-
i
tam são candidatosa essetipo de relaçãode identidade. Em outras palavras,à medida
t,.,ii...,iilli
que o juízo é capaz de captar a base ontológica das coisas (e um juízo í/ngzlZar não pode
I'"' .üP'
realmente fazer isso), é preciso que ele seja /nfer .z/fa um juízo de identidade, um juízo
em que os termos que ele conecta são idênticos num sentido relevante. Cllaramente, não
temos isso em juízos de qualidade como "a rosa é vermelha". Consequentemente, eles
ainda padecemde incomensurabilidade.
Isso signiâca que Hegel estariapressupondo a sua oncologia em função do argumento
nessesegmento, possivelmente porque ele pensa que ela já Êoi estabelecida nos livros an-
teriores da Z,OWca?
Pode até soar assim, às vezes, visto que a discussãoque Hegel Emdo
conceito subjetivo é permeada com termos que ele desenvolveu nos livros anteriores. Não
há como ter certezado que Hegel pretendeu emprestar, seé que pretendeu, do argumento
que precede estelivra. Porém, não parece provável que ele estivessesimplesmente suprindo
a conclusão a partir do seu argumento anterior e trazendo-a para a dialética do Conceito.
Antes, o que parece estar na base do motor dessadiabética é a tentativa de alcançar
um padrão de pensamentorealmente adequado sobre o objeto. O pensamentoreal-
mente adequado não relacionada apenas algum aspecto superficial do scu objeto, mas
revelaria a sua estrutura essencial.E em virtude desserequisito que podemoscensurar
juízos de qualidade correios, perfeitamente comuns, de serem inverídicos por causada
impossibi[idade de situarem seus termos numa re]açãode identidade ("Tã] qualidade
singu[ar não corresponde à natureza concreta do sujeito" [/[.[, S 172]).
Para Hegel, a propriedade básica do pensamento realmente adequado é a necessidade
cabal. Esserequisito será a base real da incomensurabilidade, como ainda veremosde
modo mais claro. É certo que esserequisito igualmente estávinculado com a ontologia
de Hegel e é improvável que seja sustentado por alguém que não compartilha dela.
Porém, Hegel provavelmente não o viu tanto como um corolário a ser deduzido de sua
visão das coisas, mas mais como um requisito inescapável do pensamento sobre qualquer
teoria. Retomaremos a isso mais adiante.
Hegel inicia a seção sobre o Juízo qualitativo com enunciados como "a rosa é
vermelha", os quais ele chama de positivos. Porém, a incomensurabilidade força-nos
O CONCEITO 345
SILOGISMO
OSilogismo
une Conceito e Juízo.E ele também tem de ser visto primeiro como
itologicamente
fundado. Como diz Hegel na nota a .Elt, S 181: "Tudo é silogismo".
0JuÍzoé ontológico porque o conceito sempre se externa ein corporificação exterior.
f)rém,chegamosa um quadro mais verdadeiro, mais completo da realidade com a ver-
loontológicado Silogismo.
Pormeio de sua divisão, o universal é conectada com o exterior plenamente exig-
ente,com a realidade plena do particular. Por conseguinte, realmente necessitamos de
xstermosparaapreendera realidade.Há (1) a unidade interior das coisas,que pode
tr tomadacomo o universal;há (2) a divisão, que é sempre em dois termos opostos,
hjarelaçãoconstitui(3) uma totalidade que é a exteriorização do universal inicialmente
346
PARTElll í LÓGICA
indiferenciado. Cada um dessestermos pode ser tomado, então, como nosso ponto de
partida e, como tal, relaciona-secom o outro termo por meio do terceiro.
ÜF"
\l.Pdrr r'
...f'q»il iF#l
tlHi!! F..h":
í IÍ:it.
'..::::
.lk:
são um sistema de três silogismos ou dizer que tudo que é m/ré#có reflete
o conceito.'
Veremosexemplos disso adiante, na próxima subdivisão, como a nota a EZ,, S 198: o indivíduo (particu-
larlestáconectadapor meio do sistemade necessidades,
da sociedadecivil(especificidade)com o Estado
luniversal).Porém, ao mesmo tempo, a vontade individual é o que de fato póe as duas coisas em relação,
quesatisfazasnecessidadesna sociedade e confere o Direito à realidade dessasociedade. Porém, em terceiro
lugu, o Estado é o termo médio substancial que mantém tanto os indivíduos como a sua sociedade civil
num todo coerente
348 PARTElll LÓGICA
t '.. ...ith
F.
' llliP::lí
«i' serventia para nós. "
Í'"ÍI .iUI
,Agora, obviamente, já vimos essanecessidadeontológica, manifestada no desenvolvi.
mento das nossas categorias indispensáveis do Ser e da Essência. O que estivemos Emendo
nessepnmetro segmento da Lógica do Clonceito eoi mostrar como a mesmavisão surgea
pa'tir de uma investigação das categorias nas quais descrevemos o pensamento. Exatamen.
te como as categorias da realidade sob investigação se movem na direção de uma manifes-
tação da necessidadeinterior, assim também as categorias do pensamento sob investigação
rumam para a culminância correspondente da necessidade autossuficiente.
Por conseguinte,desde o estágio em que o Conceito se divide no Juízo, fazendo
referência a particulares no mundo, estivemos acompanhando o desenvolvimento do
pensamento sobre a realidade. E essedesenvolvimento 6oi sustentado pelo objetivo de
egar à necessidade autossuficiente. Essaâoi, então, a base real da ncomensurabilidade
que Hoio motor da diabética.É por isso que a não identidade de sujeito e predicadono
juízo simplesda qualidadeos tornou incomensuráveis(já que a identidade em certo
sentKlo e concebidapor Hegel como implicada na conexãonecessária).Foi issoque nos
forçou a avançarpelos diferentes níveis (io juízo e para além dele até o silogismo
Consequentemente,essedesenvolvimento pode ser visto como impuo'nado pela
contradição. Com efeito, sepensarmosque o objetivo ou o padrão " jade pelo l -
samento é a necessidadeabsoluta, então todos os juízos e raciocínioscontingentes são
autofrustrantes. Sem dúvida, é assim que Hegel os concebe. A essência do pensamento
é a racionalidade, e a racionalidade chega à sua expressão plena na necessidade. Uma ve:
que issoé aceito, a dialética de Conceito, Juízo e Silogismo tem alguma chancede se
manter em pé como diabéticaestrita. '
possui
nesseprimeiro segmento do terceiro livro, cujo título é "Subjetividade
Esse segundosentido, no qual o subJetivoé menos do que o real, é inadequadoao
real, possu um uso perfeitamentelegítimo. Ao longo desseprimeiro segmentoestive-
m.- examinando modos de pensamentoque são subjetivos nessesentido inadequado.
Correspondendo
a essepensamentoimperfeito há, como também vimos, a realidade
impeúeita,que igualmente EHha em ostentar a necessidade completa. Porém, quando o
pensamentoestá à altura da necessidade perfeita e, em consequência, de uma visão do
fundamento
ontológico das coisas,ele deixa de ser unilateralmente oposto à realidade.
Elesetorna uno com a subjetividade cósmica que está tão longe de ser destituída do real
equeé menos que o real, que ela de Eito produz o mundo a partir de si mesma.
O pensamentosubjetivo passaa ser a sua perfeição na obJetividade não só por deixar
deserdistinto da realidadepelo fato de ser inadequado a ela, mas também no senti-
do forte de que ele volta a conectar-se com a subjetividade absoluta que "passa a ser"
realidade
no sentido de pâr a realidade.
Issolembra fortemente o argumento ontológico. E Hegel é o primeiro a reconhecer
e saudaressareaproximação que cle evoca no texto. Porque é óbvio que o argumento
ontológico,
de fato, tem fundamentose Ihe conGerirmosa forma carreta.Temosaqui
aformacarreta. O absoluto, enquanto Conceito não só na mente de alguém; neste
ponto,Anselmo ainda é inadequado --, deve passarpara a existência. Porque o Concei-
to, apropriadamente entendido, é uma necessidade conceptual autossubsistente, e isso
requerconcretizaçãona realidade. E entender o Conceito é entender que ele só pode ser
esse
tiPO de necessidadeconceitua]. Porém, obviamente isso só se aplica ao Conceito,
aoabsoluto,ao conceito do todo ou à ideia de Deus na linguagem tradicional. Essane-
cessidade
de existência não cancela a contingência, como já vimos, e, em consequência,
grandes
quantidadesde coisassão totalmente contingentes e sua existência não está
PARTElll l LÓGICA
contida em seu conceito, como os cem dólaresna minha carteira, que obviamente -:
possuem conexão necessáriacom os cem dólares na minha menu( "' "aa
:=,::='.:::1
==1=:';:1:;=:
:e=':,==:'::á:E:;T
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universo,como o ser humano: a sua necessidadesó decorredo todo não -----w qO
fe# conceito, se o concebermos coma .-nnrPit,- ....;H.l.. .. .'J' J. ' pçuU aO
ll :
lll l ll ==
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:=1=:'==::,1='!:=':;::::T:.=:::?,';j:
iin
= ::!:!y'.p::.:«=
mundo comor., do ordenado, e essenão.:o Deus cultuado pelos cristãos. Porém, Hegel
especificamenteaponta que todo o centro comprobató'-- r''ar' '' omitido, ea
conclusão acabou de ser dnd, n, n...i... ,...-m:... J- .... . ...:..'. : .
conclusão acabou de ser dada na premissa anselmiana de que a existência tem de per-
tencer ao mais perfeito. Ou, caso se argumente em favor dele, isso é deito baseadoem
que a existênciaé de modo geral a perfeição, o que convida à réplica kantiana. O que
se necessita é formular o conceito do infi b ',v"--"- d t':Piit-'t Kauuuld. \.J que
de um mndn mil:. nãn ep ami-, .. Gn;.-. T.. no qual ele.deve existir necessariamente
um modo.que não seaplica ao finito. Isso estáconectada com a outra Edhada pro-
va tradicional que consisteem começar com um conceito em nossasmentes.A prova
ll:OBJETIVID,âDE
O Conceito, por conseguinte, passaa existir como objetividade. A busca pela necessi-
autossubsistente só chega ao seu término numa visão da realidade como totalidade
pária.Retomamos, portanto, em certo sentido, à visão das coisasque tínhamos no
daSubstância.Agora, porém, estamosem condiçõesde retrata-lade modo bem
rico e completo.
O que aprendemos por meio do Ser e da Essência foi que a realidade constitui
totalidade governada pela necessidade e que manifestou essanecessidade. Porém,
O que obtivemos disso, no entanto, foi que essa realidade, enquanto necessidade
absoluta ou incondicionada, é estruturada por conceitos. Isso nos levou a examinar
o pensamento subjetivo conceitual, e descobrimos que este também era conduzido
/
por .um padrão interior para o que passoua ser autoconscientementea visão de uma
h
totalidade necessáriaautossuficiente. Porém, sabendo agora que essepensamento sub.
F jetivo chega à mesmaculminância que a realidade, que o conceito na mente é funda.
l
mentalmente idêntico ao conceito ontológico, somos capazesde tirar proveito do que
/:.
Os estágios pelos quais passamos são chamados por Hegel de "Mecanicismo", "Qui-
mismo" e "Teleologia". Porém, não devemos supor, a partir dessestítulos, que estaremos
envolvidos numa investigação de teorias mecânicas e químicas. Estassão tratadas na fi-
losofia da natureza. Estamos lidando, antes, com certos modos muito gerais de conceber
a objetividade, que têm aplicação, respectivamente, nas esferasmecânica e química, mas
também cora delas. Por conseguinte, o modo mecanicista também se aplica a certasfiin-
çóesda mente, como quando aprendemos de cor; e o "químico" nessesentido é visível
na atração entre os sexos.ii
'' Faz parte dessecontexto a noção de afinidade, que desempenhou certo papel na vida literária daquele
período. Cf a novela de Goethe intitulada HIPpzlcZzzÜx
Eb//z, [ed. bus.: São Pau]o, Nova A]exandria. 2.
ed., 2008].
O CONCEITO 353
MECANICISMO
Esseé o nível do mecanicismo.Nessenível de imediatidade e exterioridade, a
coisaéindiferente às suaspróprias característicasou, formulado de outra maneira,
suas característicasocorremjuntas nela semqualquer necessidade interior. É por
essarazãoque temos de explicar essascaracterísticas por meio de algo diferente; as
relaçõesde causaçãoque explicam o que existe são exteriores, forâneas a ela (WZ,
vol.11,p. 360). Consequentemente, o mecanicismo reconhece só a causaçãoefi-
ciente,que ê sempre a causaçãoentre termos que estão apenascontingentemente
conectadose identificados, como demonstrou Hume. Até mesmo a causaçáo"den-
tro"deum objeto acabasendo, quando investigada, uma relaçãocausal entre partes
separáveisdesse objeto.
Issoproduz a visão do determinismo, no qual as características de um objeto são
explicadas
por outro, e este,por seuturno, por outro, e assimpor diante, até o infini-
to, no mau sentido.
[ELKOLOGtA
Chegamos aqui ao nível mais elevado de realidade que o mundo deve ostentar. Com
efeito, na teleologia temos a mais plena corporificação da necessidadeinterior. Estamos
pensando obviamente na noção de teleologia interna, derivada de Aristóteles.:s Porque
essaé a noção de sentido ou propósito que é inerente ao próprio obJeto. O propósito é
a sua essência,a sua caracterizaçãomais profiinda. A Teleologia Interna é, portanto, a
categoria de que necessitamospara caracterizar o sistema da necessidadeabsoluta que
temos diante de nós desdeo final da Essência.
} No domínio humano, isso toma a forma do destino: cf. WZ, vol. 11,p. 370, onde Hegel ressaltaque os
H H ll objetos naturais sucumbem de maneiraexterior e contingente, porque exterioridade e contingência sãoa sua
liberdadepara eles.
.g
<
formuladas
em termos de causaeficiente. Ela relaciona essebato com um propósito; ela
dáuma razão p'ra ele. Ela confere o sentido que está por trás das coisas.
l Explicação teleológica é explicação a partir da totalidade. Os processos parciais são
jcplicados por seu papel no todo. E, por essavia, também o e:r?#caaZam e o e=?#canJ
náosãorealmente distintos, visto que o processo explicado Êazparte do que o explica.
Teleologia é, portanto, uma categoria com a qual podemos explicar o tipo de totali-
dadeque Hegel tem em vista. Porque ela é constituída de realidades exteriores, indepen-
dentes,cuja implementação não obstante segue uma necessidade, a qual, porém, náo é
imposta
a partir de cora, mas é inerente à própria realidade exterior. Essanecessidade
jcomo que a forma de vida do todo. A teleologia interna é, portanto, a forma mais
jvaaa de conectividadeinterior que a realidadeexterior pode ostentar. É, por isso, o
termoculminante dessedesenvolvimento que começou com a indiferença puramente
Cxecanicismo
formal até a AJgamade níveis do ser que o universo deve conter vai desse
ascoisas como a concretização de fins que lhes são exteriores. A teleologia externa tem
seu lugar, por exemplo, nos arteEatose feitos do ser humano. Construímos casaspara
morar, cultivamos alimentos para comer e assim por diante. A "teleologia" de uma casa.
de um carro, de um campo de cereal (a sua Zzaecêm.@;lg#e/r)reside fora deles; ela tem d.
ser posta em relação com outro agente.
Como sempre, Hegel acredita que os princípios básicosde sua ontologia estiveram
por longo tempo presentes de forma confusa nas mentes das pessoas.E uma das Visões
:: ':$1:: confiisas, que reúne tanto o sentido de que a teleologia é uma importante categoria com
(,.
..rKptrr} tipplll a qual se pode entender o todo como a visão própria do senso comum, compartilhada
FI.l.ii..ilb
pelafilosofia do entendimento, de que forma e conteúdo têm de serseparados,é a visão
!,:::: ..llL:
do mundo como o produto de uma teleologia externa, a de Deus.
Hegel recrimina essanoção de Providência, particularmente as suasvariantes cor-
rentesnum certo deísmofácil, otimista, do séculoXVlll, e prefere tomar o partido do
mecanicismo contra ele. Ele explica que, no plano do Eito real, essanoção leva à atri-
buição de toda sorte de propósitos particulares totalmente ridículos a Deus na tentativa
de explicar o mundo em seusdetalhes. Isso acaba gerando todo um conjunto ou uma
grande quantidade de fins desconexos atribuídos à divindade, ao passo que as demandas
da razão estão voltadas para um rodo conexo. O mecanicismo pelo menos tenta nos
oferecer isso (WZ, vol. 11, p. 385-86). .Além do mais, a Teleologia Externa não leva de
fato a uma explicação plenamente necessária mediante razões, porque as razõesde Deus
permanecemdesconhecidas.Consequentemente,a contingência tem a última palavra.
Nesse tocante, o mecanicismo náo se sai melhor, mas ele tampouco pretende oferecer
uma exp]icaçãoreal mediante a razão.Assim, a Teleologia Externa é pior do que ele,
porque se porta como se pretendesse fazer isso, ocupando o lugar da razão sem ser capaz
de manter a palavrae fazer melhor que o mecanicismo ou pelo menos igual a ele. 'IA
teleologia externa é o estágio imediatamente anterior à Ideia, mas o que se encontra no
limiar é, com frequência, precisamenteo menos adequado"(.ÊZ,S 205, adendo).''
Hegel quer, portanto, transcender a Teleologia Externa e chegar à Teleologia Interna.
A Teleologia Externa ainda mantém a separaçãode conteúdo e forma (,ÉZ,S 205). Todo
o interessedespertado pelaTeleologia Interna Goiporque ela realmente une a necessidade
com aquilo em que ela opera, porque a forma era inerente à matéria, como vimos na
análise da coisa viva. Porém, essacaracterística que Ihe proporcionou um lugar na ex-
plicação hegeliana do absoluto perde-se na Teleologia Externa. Nessavisão, eu me vejo
contrapontoa um mundo exterior. Tenho, em primeiro lugar, um objetivo puramente
subjetivo, e o torno efetivo. Assim, a Teleologia Externa pressupõedesdeo início uma
separaçãoentre matéria e a forma a ser preenchida. E essaseparaçãonão é realmente
superada,visto que a forma é apenasalgo que imponho a uma matéria preexistente;ela
não provém daquela matéria mesma. Digamos, portanto, que eu construo uma casa.
no mundo, o próprio agente precisa ser um corpo. Porém, não podemos entender esse
nessesentido, nossa interação com o meio-objeto que estamos empregando não pode ser
t
concebida como apenas mecânica.
Í. Por conseguinte, a primeira "premissa" do nosso silogismo pode ser vista como me-
#.
diada. Porém, a segundaainda parecetotalmente exterior. (quando trabalho com um
machado numa árvore, a relação entre mim e o machado tem de ser entendida em ter-
mos de desempenhohábil; o machado está integrado no meu desempenhohábil. Porém,
o relacionamento entre machado e árvore é completamente mecânico. Entretanto, diz
Hegel, esses processos mecânicos "retornam deles mesmos, como foi mostrado, para o
objetivo" (WZ, vol. 11,p. 397). Em outras palavras,todo o movimento deste capítulo,
mais que qualquer investigação do fenómeno particular da atividade-fim subjetiva, re-
quer que cheguemos a um ponto de vista mais elevado. Podemos até vislumbrar alguma
unidade entre agente e meios ao examinar a produção propositada exterior. Porém, do
que seprecisa é uma mudança de ponto de vista de modo geral, pelo qual passamosaves
o todo como dotado de propósito.
A mudança de perspectiva para o todo nos traz de volta à Teleologia Interna. Deve-
mos olhar agora para a atividade do ser humano e para o curso do mundo, que é o pano
de fundo para ela e o qual ela aeeta,como um grande curso da vida e que forma a si
mesmo. Nessa visão, porém, todas as oposições são excluídas. Aquilo sobre o que se atum
não está mais separado do agente. IJm agente formador é interno ao formado.
Consequentemente, na Teleologia Interna, todos os termos que se encontram sepa'
nadosna Teleologia Externa se juntam. No organismo, para retomar esseexemplo, tudo
é meio para a sua vida, mas o seu bom funcionamento, do fígado, do coração,etc.,é
também o fim, porque é parte do organismo. O organismo, por sua vez, em seu estado
adulto saudável, é o fim realizado, o que, no entanto, não o impede de estar sempreem
processo de realização. Consequentemente, ele é como se fosse uma intenção perma'
nente ou um ímpeto rumo à sua própria realização.Consequentemente,ímpeto, meio,
fim realizado, tudo sejunta. Porém, todos essesaspectosnão entraram simplesmente em
colapso. Eles permanecem como aspectos reais do objeto. Para entender isso, temos de
vê-lo como realizadoe realizando,ver as relaçõesfim-meio presentesnele.
Por isso. nessadialética ascendente,o mecanicismo e a buscade fins finitos por es'
píritos finitos aponta para a uma teleologiamais plena, oniabrangente,do curso do
O CONCEITO 359
mundo; uma teleologia que sempre é realizada tanto quanto está sendo realizada, que se
ericontr2 sempreno final e no início; na qual tudo é meio e, não obstante, é parte do fim.
porém relações mecânicas e atividade finita dotada de propósito não são canceladas ou
idas Elas permanecem reais; só a sua ação é de alguma maneira absorvida e é água
Na Essência,vimos como a necessidade de uma estrutura das coisas veio junto com,
edebatoaté exigiu, a contingência em suasuperfície. Agora o relacionamentoentre as
duasé detalhado na visão de um universo que ostenta diferentes níveis do ser.A estrutu-
ranecessáriadas coisasmanifesta a si mesma numa visão do universo como o desdobra-
mentode um propósito interior. Porém, o desdobramento dessepropósito exigea sua
corporificaçãona realidade material, exterior, e esta está sujeita a forças e leis mecânicas
equímicas.A contingência intersticial ou superficial das coisas,que sempre permanece
.a
assim como a minha vida, expressa a estrutura necessária das coisas pela qual o Ge/fr teu
de ser corporificado em espíritos finitos que, sendo finitos, contradizem a sua infinitude
e, em consequência, devem morrer. Acabo morrendo por causa de alguma Edha mecâ-
nica trivial: por exemplo, meu coração falha em sua fiinção de bombear. Mas, então, é
da naturezado sujeito finito, enquanto ente materialmente corporiâcado, estarsujeito
ao jogo das forças mecânicas e, em consequência, exposto a tais falhas. Se não for essa,
será alguma outra.
/''
Porém, a imagem hegeliana da astúcia da Razão está também e especialmente rela-
b
cionada com a história (cf. referência em .E.[, S 209, adendo). Nessesentido, a Provi-
t dência divina é a astúcia absoluta porque deixa os sereshumanos seguir suaspróprias
',..]:l
:.l!: paixões e seus próprios interesses, mas o que, não obstante, acaba acontecendo é a
Í:: concretização das intenções 2e Z)ez/i.Podemos achar mais difícil de entender e dar
il .:.l:í#
f"' :i:#p
crédito a essarelaçãodo que à relaçãoentre Mecanicismo e Teleologia Interna. Ainda
retomaremos a isso na próxima parte.
Portanto, o universo possui muitos níveis porque é o desdobramento de uma neces-
sidadeinterior em realidadeexterior. O fim infinito é realizadopor meio de fins finitos.
E é por issoque podemos ver o fim da Razão tanto como sempre realizado quanto como
sempre a ser realizado.'' A experiência dos sujeitos finitos é que o plano da Razãoainda
deve ser cumprido. Eles se esforçam por isso. Porém, se chegarmos a uma visão do todo,
poderemos ver que esseesforço é, de bato, parte do plano e que, como um todo, ele já
estárealizado(EZ, S 212, adendo). A aparênciada irrealizaçãoé um erro, uma ilusão;
e, não obstante, essailusão mesma é produzida pela Ideia, assim como o é a superação
desse erro por nós mesmos.
Por conseguinte, a necessidade que acompanhamos através do livro da Essência
emerge aqui como propósito. A necessidade inerente à realidade é incondicionada, coma
vimos. Isso quer dizer que o curso das coisas não é determinado pelos antecedentesme-
ramente dados, ele não ostenta as consequências inelutáveis de certas premissas dadas.
Pelo contrário, nada é meramente dado no sistemada necessidadeincondicionada. Tudo
que acontece emana da necessidade.Consequentemente, o que decorre da concepção
do universo como o Zocz/ida necessidadeincondicionada é uma visão das coisasem que
o propósito é o ápice.
PodemosEdar de um propósito quando, por alguma razão,um objetivo pode ser
concebido como em ação em eventos anteriores à sua concretização, produzindo esses
eventos, para que ocorram, como se diz, "em prol" desseobjetivo. Porém, isso quer dizer
7Essa noção de um objetivo que sempre já está realizado e, não obstante, sempre deve ser realizado é a base
do conceito crucial da filosofia política de Hegel, como ainda veremos na próxima parte. Trata-seda noção
de vida ética (Sfa/ifóÊe/r). É o que nos Em transcender a mera moralidade daquilo que deve ser, cuja busca
jamais logra êxito porque não está fundada na natureza das coisas e constitui, portanto, o objetivo particular
da Teleologia Externa.
O CONCEITO 361
!nta "por que eles acontecem?". Porém, normalmente concebemos a busca por razões
,mo chegando a um termo em algum lugar, num objetivo que apenas precisa ser tido
,mo dado. Tendo descrito a forma de vida de uma coisa viva finita, termos em que
plicamosaspectosde sua estrutura e atividade, não há respostaadicional à pergunta
"por quê?". A forma de vida simplesmente é como é.
Porém, a necessidade absoluta não repousa sobre alguma premissa dada que estaria
lémde qualquer explicação A necessidadeé absoluta porque tudo pode ser derivado da
co.Consequentemente, a pergunta "por quê?" jamais se depara com uma barreira no
meramente
dado. Ou, casose prefira estaformulação, o objetivo último é simplesmente
lueo Grifo ou a Razão existam, isto é, que exista uma estrutura racional, da qual todos
aspectosgeram uma respostaà pergunta "por quê?", na qual nada é dado como fato
eramente "positivo". Neste mundo, o propósito é supremo ou absoluto, a explicação
-roposiradaé instância última num sentido radical.
Consequentemente,o universo tem de ser visto como o desdobramento de um
-ropósito.Ademais,o propósito tem de ser interno. Com efeito, tem de haver nas
;ousas
uma necessidadeincondicional, como vimos no final da Subjetividade. Se es-
:ivéssemos lidando com teleologiaexterna,com um propósito imposto por um [)eus
nscendente, a necessidade não seria absoluta. A forma das coisas repousada, em
rima instância, no Xaf divino.
O todo deve, portanto, ser visto mediante a categoriada TeleologiaInterna. O
ropósito oniabrangente é inerente ao próprio universo. E isso que está na base da
substância,da Causa, da Interação das últimas fasesda Essência. Com efeito, explicar
partir do propósito interior do todo é o que chamamos naquela ocasião de explica-
o a partir da totalidade. O universo que se desdobra de acordo com o seu próprio
propósito é Cansaiz/i. O propósito é a causa,mas não mais uma causaexterior. O
)ropósjto permanece no seu resultado ("em sua atuação não passa [para outra coisas,
12s
seconserva"
[.ÊZ,S204]).
Consequentemente, no final da Objetividade, chegamos a uma visão do universo
imo desdobrando-sena concretizaçãode um propósito intrínseco. Porém, não :sta-
iosapenastratando de uma coisa viva. Sabemosque essaobjetividade 6oi posta pelo
nceito, pelo pensamento que busca a necessidade,que busca o plenamente racional.
PARTElli l LÓGICA
Assim, ele passapara uma nova categoria ontológica, a da realidade que só existepara
completar uma brmula da Razão,cuja existência se resume a completar uma Ideia. Esta
é a unidade do objetivo e do subjetivo. Porém, estes não são simples identidade. Antes,
elestambém têm de ser, em certo sentido, distintos, visto que um põe o outro e deter.
mina que ele seja o que é. Eles são uma coisa só, mas também estão em relação. Como
ocorre em um sujeito, sua unidade é não só n iicó, mas também./àr iicó (.EZ,S 212).
A Objetividade não só completa a formula ideal do pensamento, mas também é levada
a fazer isso por essa formula. Consequentemente, os dois estão ligados e, não Obstante,
(
para sempre em oposição um ao outro (assim como o propósito na teleologia interna
F .....Ltb
sempre já está cumprido e ainda sendo cumprido). Para essarelação, o termo que vem
1.,:!i: «.iiki irresistivelmente à mente é a Ideia de Platão. Kant foi o primeiro a tomar emprestadoo
Í: termo. Agora, Hegel segueo exemplo.
:ll =!#
lll:ALDEIA
A Ideia é, portanto, um processo de pâr seu outro e, em seguida, recuperar sua uni-
dade consigo mesma no seu outro (.EZ, S 215; WZ, vol. 11,p. 412). Esseé um processo
dialético. É uma luta, e qualquer concepção da Ideia que omite issoé radicalmente Edha.
(.
mzzü#rme & opoifÉúo dentro de si; seu repouso consiste na segurança e certeza com
que ela eternamente gera e eternamente supera essa oposição e nela coincide consigo
F
Essadivisão articulara o que significa ver a realidade enquanto posta pela Ideia, por
um propósito. Em primeiro lugar, obviamente, significa ver o todo como análogoa um
grande processo de vida, como vimos na última subdivisão. Por isso, a primeira categoria
a ser tratada seráVida.
Porém, se pensarmos que o todo emana da necessidade conceitual, então essaneces-
sidadetem de serem prol de um sujeito. Hegel acrescenta,agora, uma dimensãocrucial
ao quadro que ele está pintando da realidade. É claro que a existência do sujeito esteve
implícita o tempo todo, porque estivemostratando de conceitos categoriais,conceitos
com os quais o sujeito pensa o seu mundo. Porém, isso foi apenas uma parte do nosso
ponto de partida. Agora, Hegel mostra que o Eito de o mundo aparecera um sujeitoé
uma característica necessáriado universo.
O raciocínio que está na base disso parece ser este: a necessidade conceitua] represen-
taumanecessidadede pensamento e isso pressupõe um pensador. Dizer que o mundo é
Posto
peianecessidadeconceitua] é dizer que o pensamento está no seu fundamento. E o
kRÊiÜÜÜS $X HIEHHil1l
náopoderia permanecer meramente implícita e semiconsciente, porque o pensamento
estána base de tudo é necessidade conceitual, e esta só pode ser ostentada na clare:a
apjÍcita do.pensar conceitua]. A verdadeira necessidade só pode estar apropriadamen te
consciente
de.si mesmaem conceitos.De modo que, se o processodo pensamentoque
estána base das coisas permanecesse meramente implícito, ele paradoxalmente perma-
neceriacora do sistema da necessidade completa que o põe. Isso violada o seu próprio
Kquisito essencial.
visando retornar para si mesma. Porém, seu retorno é apenaso ato de tornar manifesta
essanecessidadena realidade. Consequentemente, o retorno estácompleto quando essa
necessidadeÊor plenamente apreendida pelo sujeito. Porém, a subjetividade é necessa-
riamente finita e, em consequência, a luta para retornar pode ser vista como a luta para
i.««««.. superar essafinitude e chegar à apreensão do infinito, do todo, do absoluto.
;...p''.::;::
N Por isso, além da Vida, a Ideia deve gerar a categoriado Conhecimento. Porém,o
conhecimento também, sendo a consciência de sujeitos finitos, tem de ser transcendido.
r llIHCI.:
:Í::::1111 Sendo esta uma luta do sujeito finito para transcender a si próprio, ele se envolve não SÓ
(l- «-''.'l conhecendo, mas também querendo. E o transcender do conhecimento finito nos leva ,
b ll JIL-
"«-..«. um conhecimentoinfinito, ao conhecimento do todo pelo todo, que é a Ideia Absoluta.
b=.:JL::illiiiii:iii Esseserá,então, o plano do último segmento.Ele nos levaráda Vida ao Conheci-
Éll .l=i:;::::=:1 mento que, por seu turno, será dividido numa discussão sobre o conhecer e sobre o
ÉI :ll#l;::::;:; querer -- e à Ideia Absoluta.
f l it Começaremoscom a Vida, tanto por ser a unidade imediata de Ideia e realidade,
como também porque o conhecimento pressupõea vida. Com efeito, o tipo de unidade
entre Ideia e realidade representadapelo conhecimento pressupõeuma unidade imedia-
ta, na qual a realidade estáde Eito em conformidade com a Ideia. A consciência, como
vimos, só pode surgir em seresvivos. Portanto, essaunidade imediata é derivada na
1 1HI Lógica
1;: . 11 1
li!J H . l
l:!::.ir'::KI,:l,===::',!i:'l'.'E=:='TJ:=1='1:ei:',:::= T=",:T',r::-
tanto para si mesma,a partir aa categoria üa ieieoiogia, quanto como uma pres-
suposiçãodo Conhecimento, que é a categorianecessáriaseguinte(IVZ, vol. 11,p. 414).
UloA
Hege] entende vida de modo muito semelhante a Aristóteles. O ser vivo é o Zaczzi
da teleologia interna; ele é tanto meio como fim. Ele não pode ser entendido apenas
como composto de partes, mas de membros, isto é, as suas partes estão essencialmente
relacionadas entre si em seu papel no todo do processo "vida". Cada uma delas é tanto
meio como fim. Por conseguinte, Hegel cita Aristóteles com aprovaçãoquando estediz
que uma mão que é separadado corpo ainda é uma mão apenaspelo nome (ÉZ, S 216,
adendo). A Vida realizaa verdade imediata da Ideia porque ilustra a unidade à qual o
propósito ou a forma são intrínsecos ao conteúdo, à matéria mesma. Um servivo é uma
totalidade objetiva, intrinsecamente interligada num só processo de vida que sempre Já
está realizado e sempre ainda está sendo realizado. A Vida, portanto, transcende o meca-
nicismo e o quimismo que permanecemsubordinadosenquanto a vida continuar. Eles
começam a tomar conta assim que a morte ocorre; "as potências elementaresda objeti-
vidade [...] estão, por assimdizer, permanentemente armando o bote (aad2em Sprz/ngr)
para dar início ao seu processo no corpo orgânico; e vida é o combate constante contra
isso" (EZ, S 2] 9, adendo).
Porém,o dia do objetivo chegará,porque a morte é essencialao que vive. Aqui, He-
gel estatui novamente uma de suastesesbásicas(EZ, S 216). Sendo a unidade de Ideia e
objetividade, a Vida tem de sercorporificada, logo, tem de ser corporificada em algum
O CONCEITO 367
tem de ser coisa viva particular. Porém, como coisa viva particular ela jamais
realmente estarem conformidade com a ideia universal, é contraditória e, assim,
Ela tem de perecer.
portal-
porém sendocoisaviva particular,ela se contrapõeà naturezainorgânica(.ÉZ,
Esse é o "UTÍri/' do conceito; isto é, o conceito da vida necessariamente se
S 219)
ein coisaviva e mundo que se contrapõe a ela. Ele tem de manter a suavida em
Por conseguinte, Hegel vê as coisas vivas como uma realização imperfeita da Ideia.
Elas sãovida, propósito intrínseco à matéria. Porém, elas não logram manter a unida-
de ou a eternidade que buscam. Aqui, unidade e eternidade estão vinculadas,já que
eternidade é unidade no decorrer do tempo. Elas só chegam lá, portanto, de um modo
capenga, por um regressoinânito de geraçõessucessivas.Temos primeiro a coisa Viva
deduzidado Conceito, depoisa vemosproduzindo a si própria a partir do inorgânico.
Assim, vemos que a Ideia que a produziu está realmente nela; ela é Conceito, Gênero.
Como tal, ela divide a si mesmae confere a si mesma uma existênciadiferenciada no
(. mundo. Porém, ela não pode retornar a partir daí e manter a sua unidade; ou ela só pode
t Gazesisso do jeito capenga de reproduzir sua espécie e, então, submeter-se à morte, sendo
sucedida por outros.
C Porém, essaunidade é capenga porque é apenas a iicó. Ela aponta para além de si
€ mesma para a necessidade da unidade./ãr iicó. [)eve haver um caminho pe]o qua] po-
f
demos escaparda separaçãoem seresparticulares, de ser espalhados na exterioridade,
e chegar à interioridade e unidade. Esse para além do finito, que é realizado a s/c&
pela morte dos particulares,pelo cancelamentode sua exterioridade,é realizado./ür
fica pela consciênciade si, pelo conhecimento. Consequentemente,o despontarda
consciência está relacionado com a morte; ela é a forma dialeticamente mais elevada
da qual a morte é a mais baixa.:' Ela é a imortalidade real do vivo no Ge/if. E constitui
o próximo estágio inelutavelmente apontado pela consumação da vida no Gênero.
A ideia da vida [...] ]ibertou-se, assim, não só de qualquer "este aí" particular
imediato, mas, em geral, dessa imediatidade primeira: com isso, ela vem para
si mesma, para a sua verdade; entra assim na existência como gênero livre para
si mesmo.A morte da vitalidade singular meramenteimediataé o emergirdo
espírito.
(ÉZ,S222):'
CONHECIMENTO
Assim, a Vida como unidade imediata converte-seno que Hegel chama de Conhe-
cimento. Este é realmente a subjetividade da Ideia, aquilo em que ela se revelanáo só
como a fórmula racional interior de todas as coisas, mas também como um sujeito que
conhecea sua própria realidadeexterior; e que pode, portanto, ser concebido como
pondo-a, como faz um sujeito. É por isso que estaseçãotratará náo só do conhecimento
no sentido estrito, mas também da vontade.
Em suma, estamos mostrando como a categoria da consciência ou consciência de si
possui uma aplicação necessáriapor integrar a Ideia. E, em razão de a consciência ser
zoA morte é a negação natural /med2arízdo particular. Precisamos de uma negação fins/ /ZFf,a consciência
de si. Cf. a diabética do senhor e do escravo em FE, p. 147; PÓG, p. 145.
Traduzido a partir da tradução inglesa. (N. T.)
O CONCEITO 369
com uma mescla de aplauso e condenação. Kant com certeza tinha razão ao voltar-se
contra a metafísicaanterior a ele, que pretendia entender a consciência de si como uma
alma que
era necessariamentesimples. Pelo contrário, vemos que a consciência é ne-
cessariamente disjunção, a qual contrapõe a abjetividade a ela; e que se encontra numa
relação
essencialcom a objetividade.
E ponto básico,portanto, é a polaridadeentre sujeito e objeto. Kart viu issoe fez
um aspecto básico. Porém, ele tirou daí a conclusão de que a subjetividade ja-
poderia ser entendida, que ela seria meramente a unidade da apercepção presente
crntoda pote que jamais poderia ser um objeto do conhecimento. A "inconveniência"
UnÓegfm#fZ'.êe//)do "eu penso" é que ele é sempre sujeito e nunca objeto; de modo que
somos
objetospara nós mesmossó como ie/fempírico, não como o sujeito original; Kant
assume
issocomo uma barreira para o conhecimento da consciência de si. Porém, para
Hegelessaatitude era indesculpável. Porque, no ato de ver essesujeito, necessariamente
hápolarização,pois ele necessariamentetem de ser sujeito confrontado com um objeto;
longede ter uma barreira ao conhecimento, temos uma apreensão básica de sua natureza
.eal.É issoque o distingue de uma pedra (WZ, vol. 11,p. 432). SÓpodemos nos consi-
derarimpedidosde conhecê-lo se assumirmos a atitude basicamente humana de que o
;ujeitoé aquilo que tem de serconhecido na intuição interior. Nessecaso,obviamente, o
'eupenso"escapaà caracterização
porque é a pressuposiçãode todo o conteúdo. Porém,
se,emvez disso,tentarmos camrrZ'ero sujeito, temos aqui a indicação básica para a sua
natureza;
autodisjunção, o que dá a si mesmo um conteúdo; aquilo que se torna para si.
Porém,essaautodistinção deve ser tomada de duas formas. A Ideia é tanto autoco-
nhecimento
no outro como autocriação no outro. Consequentemente, sua subjetividade
[emdeser concebida de dois modos. Ela é tanto conhecimento de si mesma como outro,
comotambém realização de si mesma como algo independente de si mesmo. Na Ideia
absoluta,
essesdois aspectos são um só. Porém, essavida tem de ser vivida por sujeitos
anitos,
porqueo sujeito infinito s(5pode ser real mediante a corporificaçáo em sujeitos
anitos.Essanecessidadede corporificação é o que introduz oposição, opacidade no su-
jeitoabsoluto.Com efeito, os sujeitos finitos têm de lutar para recuperar a transparência
daautoidentidadeda Ideia. Ou, em outras palavras, a opacidade que procede da corpo-
ri6cação exterior necessáriapode ser vista como a opacidade inseparável do pensar dos
Kijeitos corporificados, finitos.
C com a Ideia, que é também o bem. Agora, os sereshumanos têm uma leve noção disso
também, assimcomo têm a ideia do conhecimento. Porém, nesseponto, eles também
} li .ilb
p,.!:".hl
o interpretam mal como um fim meramente finito; um fim absolutamentejustificado.
mas, não obstante,o fim de um sujeito finito, a ser forjado .zóexfxuno mundo (WZ, vol
11,p. 479); "aquilo conteúdo] é de fato finito, mas, como tal, também é um conteúdo
r' ..../' absolutamente válido". Consequentemente, eles contrapõem a sua atividade ao mundo
exterior por enquanto não transformado.
Em outras palavras, a Ideia produz a necessidadede uma unidade na diferença que
é tanto uma produção da corporificação exterior como um conhecimento do fe/fnessa
corporificaçãoexterior. De modo que o espírito finito, como seuveículo, deveconhecer
e almejar; ele tem um Ideal do conhecimento e um Ideal do Bem (que Hegel chama, res-
pectivamente, de "Ideias" do conhecimento e "Ideias" do Bem na WZ). Porém, sendofi-
nito, ele tem essesdois como ideaisperpetuamente irrealizados. Conhecimento não pode
chegar à necessidadeplena; e, por almejar, ele sempre vê a si mesmo como inacabado.
Hegel formula isso também da seguinte maneira: para o conhecimento, o aspecto
importante é o aspectoobjetivo; o ponto em questão é conformar nossoconhecimento
à realidadeexterna. Parao almejar, a realidadeque importa é a subjetiva; é o bem que
tem de ser realizado no mundo. A realidade externa ainda não transformada é conhecida
pelo sujeito almejantecomo "'z/zi/có nula" (m/córik)(EZ, S 225).
Isso leva a contradições nos dois lados, que assumem a forma de uma infinita inca-
pacidade de alcançar o objetivo. No domínio teórico, jamais chegamos à necessidade
das coisassem transcendero ponto de vista parcial, finito. Na prática, a contradição
é até mais nítida.
Enquanto permanecermoscomo agentesfinitos do bem, o bem que alcançámosestá
sujeito a todos os acidentes da sorte. É um conteúdo finito, que pode ser destruído por
uma contingência externa ou pe]o ma]. E, pior ainda, suascondições de realizaçãopo-
dem entrar em conflito umas com asoutras (WZ, vol. 11,p. 479-80).
Isso, porém, ainda não é contradição. Esta assomaquando vemos que a boa vontade
finita não pode obter êxito pleno. Com efeito, se o mundo fossetotalm.nte transfor-
mado para estarem conformidade com o bem, então não haveriamais almejar. Porque
a boa vontade, por sua própria definição como vontade finita contraposta a um mundo
sobre o qual deve atuar, náo existiria (.ÊZ, S 234, adendo).
O CONCEITO 37i
Aqui, Hegel está, uma vez mais, criticando Kant e Fichte, como ele deixa explícito
,lendo ao parágrafo recém-citado. A noção de moralidade como simples So/&n,
co o incapazde concretização porque, nessecaso, ela cessariade existir como mo-
H dade, é uma das oposições básicas que Hegel se empenhou por superar. Porém,
ele vê essacontradição do progresso infinito de um "dever" que jamais chega à
ag
co cretizaçãocomo intrínseca à noção de uma boa vontade finita como tal, visto que
a :ia de uma boa vontade finita é a de uma vontade contraposta à realidadeexterior
se pFea qual ela tem de ser exercida. O que seria da moralidade se todo o bem fosse
in !ra] e definitivamente realizado?
A resposta só pode ser uma concepção do objetivo realizado da moralidade que in-
co )ra como elemento essenciala nossaação moral. Isso significa um curso do mundo
constitui a bondade realizada, mas que não existe abstraído da nossaação, incluin-
qt
d antes,essaação e sendo proclamado nela. Porém, isso significa uma visão do bem em
qt a ação moral não é necessariamente a luta contra a realidade imoral ou amoral que
es ra sertransformada; mas pode ser a respostaque completa um contexto de bondade
re ida. Trata-se, obviamente, de uma visão de moralidade que precisa romper com a
cc ltraposiçáokantiana entre a boa vontade e a inclinação-
Porém,essavisão pode ser considerada como a síntese dialética entre a postura
d cogniçãoe a posturada vontade. Como vimos anteriormente,a primeira é a
vl em que o mundo externo é o essencial,ao passo que nós temos de conformar
as lassasmentes a ele no conhecimento; a última é a visão em que nosso projeto é
es :ncial,ao qual devese conformar o mundo como o inessencial,como o "nulo'
;Ófe).A verdadeirasoluçãoque resolvea contradição é a que une essasduas
VI :s, que retém a essencialidade
do nossoprojeto e não incorre novamenteno
ei do conhecimento, que foi o de sentir que estamos longe da verdade, enquanto
scentaa verdadedo conhecimento,ou seja,que o objeto ou o mundo também
é
)rporificação essencial da Ideia.
'amos,então, uma noção de um curso do mundo que consiste no bem plenamente
azado
-- o que obtemos do conhecimento --, mas nós não concebemos a nós mesmos
lo separadosdele, de modo que apenas temos de tentar conformar-nos no conhe-
tto Parte integrante da bondade do mundo, de ele ser o bem realizado, é que ele
}rporanossaaçãopelo bem, nossoalmejar.A ideia do bem como vontade finita
a inadequação básica da cognição finita que mantinha sujeito e mundo separados.
:quentemente,o sujeito só poderia ser a boa vontade contrapondo-se ao mundo
regenerado e aquando nele. Esse é o sujeito definido pela contraposição irreconciliá-
objeto, pela diferença em relaçãoa ele -- o pecado constante da filosofia kantiana.
tem de ser superado.
sabemos
que isso tem de ser superadoporque entendemosque essarealidade
emanarde uma necessidadeconceptualque é um sujeito, que, por isso, tudo tem
;tar em sua verdade, isto é, em conformidade com a Ideia; e, em consequência,
37z PARTElll l LÓGICA
que tal separaçãoé um absurdo, um absurdo cego e obstinado. É isso que medeiaas
transições aqui. Para Hegel, a vontade finita só precisa chegar a ver que estáaquando
em um mundo em que o bem foi realizado. Na WZ, Hegel faz uso da conclusãodialé.
tecada fase da Teleologia Externa, a de que o meio é o fim, para mostrar, nesseponto
E.
que a atividade-meio, que é o almejar do agente finito pelo bem, não estáseparadada
bem, mas é idêntica a ele. Essaunidade estáaí ## sicó, mas ela simplesmente tem de
vir a ser.@r /&/z apara e]e]. É preciso ver esse a]mejar nas causas perpetuamente irreali.
fadas, essaimperfeição constantemente tentando alçar-se acima de si mesma, como o
(, objetivo realizado da própria bondade.
Com efeito, como já vimos, a partir do ponto de vista mais elevado, a imperfeição, o
F
quepromove a transição para o querer. Vimos como este, por sua vez, leva a uma síntese
entre osdois; e assimgalgamos até a Ideia especulativa ou absoluta (ZIZ, S 235).
Nadiscussão
sobreo conhecimentoanalítico na WZ, Hegel retoma a discussãoda famosaafirmação
kandana
de que proposições matemáticas como 7 + 5 12 são sintéticas (p. 446-49). Para HegeJ, elas são
analíticas;
e não tem como não ser,porque elas não envolvem nenhum elemento "conceptual";elas são
puramente abstratas,
como o é toda quantidade.Logo, é totalmente inapropriado perguntar se"7 + 5" e
.2" possuemo mesmo conteúdo ou conteúdos diferentes. Porém, Hegel não está meramente deduzindo
essa
suaconclusão a partir de seu preconceito comeraa filosofia matemática. Scu argumento é interessante.
Quandodizemos que 7 + 5 = 12, estamos dizendo que, sevocê tomar sete e acrescentar o um cinco vezes, a
resposta
é doze;"7 + 5" não é, portanto, uma descriçãoque poderia conter " 12" ou não, mas simplesmente
anconjunto de instruções (uma Hze&aóe)para acrescentar cinco a sete. Essas instruções pressupõem um
conjuntode operaçõesaceitas pelas quais elas terão de ser executadas, que são simplesmente aquelas impli-
cadas
no ato de contar; seguir essasinstruções corretamente é chegar ao 12. Não há nada de sintético aqui,
nosentidokantiano, porque não há predicação, nem mesmo descrição no sentido normal. Não temos aqui
nenhumteorema, só u ma.4zÜKaóf.
374 PARTElil l LÓGICA
IDEIAABSOLUIA
Chegamos,portanto, à Ideia absoluta que pode ser vista como a síntesede conhe.
cimento e vida, a unidade./ãr s/có e a unidade amf/có do Conceito com o seuobjeto
Ela é alma, Conceito subjetivo livre. "Tudo o mais é erro, confusão ( 7}üÓÓe/r),opinião
aspiração, capricho e transitoriedade; só a Ideia absoluta é ser,vida imperecível, verdade
,.#' autocognoscente e é verdade por inteiro" (WZ, vol. 11, P. 484).
E a autodeterminação (Se/óffófJ//mmz/nK)que se divide e retorna à unidade consigo
..PP'
mesma. Arte e religião são modos com que ela apreende a si mesma e dá a si mesma Uma
existênciaadequada.Porém, a filosofia é o modo mais elevado,mais puro; porque é o
tl.
modo do próprio Conceito. A Lógica captura a Ideia de um modo puro e transparente
Por conseguinte, a Lógica apresenta o automovimento da Ideia absoluta somente
como Ea&z,xa original, que é exteriorização ou rZofzffáa í2z #rrz//zg), mas do ripa
que desaparec'imediatamentecomo algo exterior (ize#eres)assim que ganha
existência; por isso, a Ideia só existe nessa autodeterminação de apree z&r a ÍI
mesa/z;ela existe no p ra pe i/zmrnfa, no qual a diferença ainda não é ier-az/ün.
masé e permanece totalmente transparente para si mesma. (WZ, vol. 11,p. 485)23
realidade. Porém, vemos que ele procede do próprio universal, que o próprio universal
passapara o seu outro. Esseé o movimento dialético presentenele. Vimos que o Ser
passapara a diferenciação do Z).zie/n, que o Dmeim passapara o seu outro, e que ele é
contraditório, e assimpor diante, em perpétuo devir e em perpétua mudança.
Ora, essadiabética usualmente foi usada para mostrar a nulidade seja dos objetos úe.
fados por ela (como no caso dos eleitas, por exemplo), seja do pensamento que se depara
lm-lt p.}.l#' com ela (como sustentou Kant, por exemplo). Porém, ambas as visões são equivocadas.
:::: 8::: O resultado da diabética não é meramente negativo, náo é igual a nada, o que nos obri-
c. garia a retornar à estacazero. Por se tratar de uma contradição determinada, o resultado
F i.;.lb .Fln l é uma nova forma. Consequentemente, o Ser se converte em Ser Determinado, que, por
illi..Ih sua vez, sendo contraditório, remete-nos a outros que têm de seguir a este devido à sua
natureza inerentemente contraditória. Não faz sentido simplesmente desistir e concluir
t:: .:.:l pelo Nada. Ademais, o próprio Nada, como vimos, não é um ponto de chegadaestável,
r'Í l./ 'l'rTll
lpulsionado pela contradição. Porém, enquanto fazemos isso, descobrimos que tudo é
)moé por necessidade,seguindo uma fórmula necessáriaou a Ideia. E, assim, podemos
lbémcomeçar com a Ideia. Podemosvê-la passarpara a objetividade, logo, para a
:erioridadee indiferença; e, então, ver o retorno como a recuperaçãoda unidade com
subjetividade, em que a conexão interior, não obstante, torna-se manifesta.
Essesdois modos de formular a questão correspondem, respectivamente,à via da
;cobertae à ordem ontológica real (21Z,S 242). Em outras palavras, a inversãoda
)reposiçãopela qual conversemos a própria contradição em sujeito leva-nos à verdadeira
)rdem das coisas. Essa contradição apropriadamente entendida acabará sendo a necessi-
tdeinterior, que é o Conceito, a Ideia, o sujeito absoluto.
Essacontradição ou negatividade é
.Traduzidoa partir da tradução inglesa. Mantém-se aqui o termo "r fe/alia/z = cancelamento, anulação",
do paraverter o termo alemão ".4le/beóu ', que seconvencionou traduzir para o vernáculo por "supras-
ção",dando a entender que não se trata de anulação pura e simples, mas de supressão+assunção
num
-elmais elevado. (N. T.)
378 PARTElll l LÓGICA
A necessidade
básicade retorno ao ie/fou a inversão é o motor de toda dialética,é
sua fórmula interior. Porém, a ciência da Lógica não é alcançadacom um passosó. Essa
necessidade
Hoidescobertabem no início, como vimos,com a Infinitude do Z)a./e.
Porém,embora naquelemomento soubéssemosque a realidadedeveriaconsistir de tal
ciclo que retorna a si mesmo, que ele teria de ser necessidadeinterior do movimento que
concorda com o ser, ainda não tínhamos conseguido um modo adequado de conceber
essarealidade. As categorias do Ser de um só plano não eram suficientes; tampouco o
eram ascategoriasnão apropriadamente uniâcadas da reflexão. Sabíamosque estávamos
tratando da realidade exterior, que também está sujeita à necessidade,mas ainda tínha-
mos de conectar essasduas num conceito adequado. Em outras palavras, só tínhamos a
fórmula de uma antologia adequada; ainda necessitávamos elabora-la.
Foi essadialética que seguimos atravésdos vários estágios da Lógica, particularmente
da Essência e do Conceito. No final, descobrimos que só um sujeito, uma necessidade
racional autopensante que póe necessariamenteum mundo exterior que ele governae no
qual ele reconhecea si mesmo, que só essesujeito dá conta do recado; e essaé a Ideia. Po-
rém, nessemeio-tempo, descobriremos que todas as várias outras maneiras de concebê-
.la -- como fundamento e fiindado, aparição e lei, causa e efeito, corça e expressão, todo
e parte, interior e exterior mostram-se inadequadas. Elas não chegam à altura do seu
próprio conceito e têm de perecer.
Porém, cada um desses estágios é, em certo sentido, o absoluto. É a manifestação
de todo o sistema.É uma tentativade apreendertodo o sistemaque revertesobresi
mesmo. E, porque a coesãointerior da Ideia também requer exterioridade e divisão,
cada um dessesestágiosimperfeitos possui uma certa verdade relativa. Cada um deles"é
uma imagem do absoluto; mas, de início, só de maneira limitada, e assim propele para
o todo..." (EZ, S 237, adendo).
Assim, o progresso de estágio em estágio é um progresso de totalidade em totalidade,
em que cada versãosubsequenteé mais rica e mais concreta, chegandomais perto de
uma imagem real do que é a totalidade. Ê um enriquecimento do nosso conceito, no
qual a maior extensãosignifica maior intensidade (WZ, vol. 11,p. 502). Começamos
com o simp]es Ser, no qual temos, em certo sentido, uma imagem da totalidade, porque
ele é autorrelacionado. Ele sofre disfunção no Z)aie/zz,mas retorna a si mesmo na Infi-
nitude e no .1%xK/cASe/n.
Este é interiormente mais rico. No final, chegamosà Ideia que
é a mais rica de todas. Porém, ao alcançar essecomplexidade interior, também alcançá-
mos maior interioridade, maior intensidade da unidade interior, logo, em certo sentido,
maior interpenetraçãoe, em consequência,maior simplicidade. (quando chegamosao
fim, temos subjetividade, consciência de si, que é a mais complexa de todas asunidades,
mas, ao mesmo tempo, a mais simples delas, porque é totalmente transparente.E a
unidade em que a separaçãodas partes,a exterioridade mútua (Hz/ieiz dexle/n)é total-
mente superada. Chegamos à maior articulação possível do nosso conceito, mas também
à sua unidade mais intensa e, em consequência, à clareza e simplicidade.
O CONCEITO 379
Esse
é o ponto em que retomamos,mediante essagrande simplicidade, ao Ser.Con-
que cada um dos estágiosé um retorno, no sentido de que é um modelo do
.0
.de retorno necessário,é com a Ideia que realmente chegamosao objetivo. Temos um
il.deão adequadodesseretorno e, em consequência, uma derivação real dessasimplici-
dado do Ser. Com isso, realmente fechamos o ciclo. Não só mostramos a necessidade de
üm retorno que decorre do postulado do Ser e da descoberta da contradição, mas alcan-
hunos essereton)o com a ideia da necessidade que tem de pâr sua própria existência, de
.m sujeito que tem de pâr sua própria corporificação.
SÓalcançámoso retomo do Ser a si mesmocom a Ideia, isto é, com o entendimen-
todeque a realidadeé o Zocwi
de um movimento duplo, do qual só um parte do Ser.
O outro, que é o mais fiindamental, parte da própria necessidadeinterior, da Ideia. Por
conseguinte,
o ser só retorna a si mesmo à custa de ser destronado ou removido como o
oontode partida real das coisas.
O ser se fragmenta na complexa multiplicidade das coisas determinadas. O que
chamamos de seu retorno a si mesmo é a recuperação da simplicidade e unidade
da categoria "ser" a despeito de ou através dessa complexidade. Porém, isso se dá
porvermosque a multiplicidade dos seres determinados está interconectadapor
necessidade.
O retorno real à unidade se dá quando vemosessanecessidadecomo
absoluta.Porém, se a necessidadeé absoluta, então tudo o que existe, todo ser, existe
porum propósito. Assim, o ponto de partida é realmente essepropósito mesmo, a
fórmulainterior da necessidadeou a Ideia. Todo o terceiro livro da Lógica mostra
queessainversão está essencialmente implicada na noção de necessidade absoluta e,
emconsequência, culmina na Ideia.
Dessemodo, Hegel estabeleceua sua antologia. Primordial é o sujeito ou a ra-
zãoou a necessidadeconceitual. Estes termos estão inseparavelmente conectados.
A essência
da subjetividade é pensamento concebido racional, e a essênciado pen-
samentoracional é a necessidadeconceitual. Ou, alternativamente, a razão requer
a necessidade
conceptual.E, assim, a razão soberana requer a necessidadeabsoluta.
Porém,se a necessidadeé absoluta, então ela tem de pâr toda a realidade em con-
formidadecom ela. Ela, por conseguinte, é propósito. E como propósito pensante
jconceitualizado) ela é sujeito.
Essetermo primordial, que também pode ser chamado de Conceito ou Ideia, produz
apartir de si mesmo um mundo real. E ele Eazisso por necessidade, visto que a subjetivi-
dade,logo, o pensamento, a razão ou a necessidade conceitual, só podem existir corpo-
[ilicados.Essa corporificação possui uma estrutura necessária, isto é, a estrutura que ela
deveter para poder corporificar o conceito. Consequentemente, tanto o#2fo Zeo mundo
ehstir quanto o modo como ele é são necessários, dado que razão, sqeito, necessidade
lêm de existir. Essa corporificação, sendo exterior, nega o conceito e, em consequência,
negaa si mesma, visto que ela só existe enquanto posta pelo conceito. E por isso que ela
é mortal, está em movimento perpétuo e, nesse movimento, retorna à Ideia.
38o PARTElli LÓGICA
Por conseguinte, o que emerge da Z,agirá é a visão de Hegel em que toda a estrutur&
das coisas (incluindo o que é contingente) decorre necessariamente de um só ponto de
partida, a saber, que a Razão (ou o espírito ou o conceito) tem de existir.
Porém, já vimos que, visando fechar o ciclo da necessidade, visando mostrar que essa
tl
ontologia não 6oi só uma interpretação interessante e talvez persuasiva das coisas (outro
Slil'' argumento a partir do projeto: as coisassão exatamente como deveriam ser,se...), Hegel
...N'
.#'
teve de demonstrar essemesmo ponto de partida, mostrar que ele desponta inescapa-
velmente do exame minucioso do finito. E essaprova era duplamente necessária:não só
;: ]=::
c. para convenceroutros, mas para preencher um dos requisitos dessaontologia mesma,
.,#' que preconiza que o Espírito retorna ao pleno conhecimento racional de si mesmo me.
F H...[b diante o ser humano.
L!::...h
C Foi essaa tarefatitânica, incrível, com que Hegel estevesc debatendona Lógica,
í:i::l: e que ele pensou ter realizado. Com efeito, ao tomar como ponto de partida o Ser,o
r' lll.#r'
postulado mais simples, mais vazio, mais inescapável,o de que há (um tipo ou outro de)
realidade, ele alega ter mostrado que disso se segue inescapavelmente que tudo está na
dependência da razão ou da Ideia. Consequentemente, o ciclo 6oi fechado. O Ser, nosso
postulado inicial, é completamente engolido, no sentido de que se revela que ele existe
necessariamente. Com essainversão, Hegel estabeleceu o ciclo da necessidade integral,
do qual falamos no capítulo lll.
E claro que esseconceito da existência necessáriaseráacaloradamentecontesta-
do, e é impossível dar-lhe uma justificação que seja distinta do argumento inteiro da
Z,(k/ca. Porém, agora talvez seu significado esteja um pouco mais claro do que esteve
no capítulo 111.Existência necessáriasignifica, em primeiro lugar, existência para um
propó.sito, visando realizar um plano. Dizer que as coisas existem necessariamente
significa começardizendo que elassãopostas. Porém, isso requer também que o plano
ou o propósito seja,ele próprio, necessário,e isto significa, para Hegel, que ele seja
derivado de uma noção de necessidade,junto com as noções relativas a ela da razão,
do conceito e da subjetividade. Devemos adicionar a isso uma terceira condição, a de
que o plano ou propósito não é o de um sujeito que existe separadamentedo mundo
governado por ele. A teleologia é interna.
Ora, a ontologia da existência necessária é do tipo em que nada está meramente
dado, exceto que a necessidadetem de existir. Não há ser que estejadado, visto que tudo
que existe é derivado do plano necessário.O conteúdo do plano não estásimplesmente
dado, visto que ele é derivado da natureza da necessidade.Pode-sedizer que tudo isto
existe em fiinção da necessidade (ou do Espírito ou da razão). E assim, na base de tudo
11
está um requisito, a saber, que a necessidade conceitual ou o sujeito ou a razão existam.
Por conseguinte, essanecessidadeé inerente às coisas. E o propósito intrínseco do todo.
Náo só a realidadeexiste por necessidade,mas também o próprio movimento as-
cendentepelo qual nos elevámosde um entendimento exterior das coisaspara uma
visão da Ideia Eazparte do plano. Um mundo emanado da necessidaderacional tem de
O CONCEITO 38i
capítulo IV), segundo a qual cada termo revela estar em contradição e a tentativa d.
resolvo-la gera um novo termo que revela uma nova contradição e, em consequênci,.
gera mais outro termo, e assim por diante. As passagens inaugurais de fato seguem essa
} «...ib
:c " .iP
ilt»lrtn
iln.llPll
impedidos para a infinitude, para o sistema imortal, autossubsistente, dos seresfinit(is
[ .l.l4 }11l
mortais dependentes.Porém, com a Infinitude alcançámos um termo que não sofre (em-
l:.l l::l: bora contenha) contradição; ela é, antes, uma fórmula, cujas implicações só necessitam
r ./' ser plenamente deduzidas para [evar-nos à síntese reconci]iadora final.:s
Nesseponto, já há muita coisa a fazer: há muita coisa implícita que precisaserdita
com todas as letras, e uma grande quantidade de termos categoriais ainda têm de ser
considerados. Porém, o procedimento a partir de agora não é realmente que cada um
dessesnovos termos, uma vez gerado, revele uma contradição /zoz'óz
que nos impele para
um novo termo, como Hegel parece ter pensado. O que ocorre é, muito antes, que essas
25De modo similar, no capítulo l da /{F, Hegel mostrou que não há pura consciênciade particulares, mas
que nós sempre designamosmediante universais. Mas, depois, na diabéticada Percepção,ele mostra que a
universal i)ão pode ser designado independentemerl [e do mu ndo dos particulares. A dificuldade de combi-
nar essesdois requisitos, isto é, de combinar a coisa particular e suaspropriedades, é o que nos impele atéa
força e, consequentemente, à autorrepulsão do idêntico e, em consequência, à consciência de si. O restante
da FE, sendouma dialética amplamente interpretativa, "costela" esseconj unto inicial de transições.
Comparando asduas obras, podemos ver que a debilidade dos argumentos de abertu ra da .fU, mencionados
no final do capítulo IVI de que eles parecem pressupor o requisito da explicaçãonecessária,é, pelo menos
pretensamente, corrigida na Z( /r pela transição capital à Infinitude.
o r' (l 'NÍ (' F TÍI
T
383
Silogismo no item da Subjetividade. Porém, pode ter sido igualmente que muitas
ç6es,como, por exemplo, da Medida para a Essência,da Causapara a Interação,
ssibilidade e Realidade para a Necessidade, tenham sido entendidas por ele como
.independentes
dessaconclusãoprincipal da totalidade necessária,
que foram in-
ldasnela sem se apoiarem nela. Porém, seria muito difícil sustentar essaindepen-
i,. De bato, a maioria dessesargumentos entra vergonhosamente em colapso sem a
lassa
subjacenteda necessidadeontológica.
le essainterpretação estiver corneta, o suporte crucial de todo o edifício do sistema
legelrepousa sobre o argumento em D e/ referente à contradição do finito. Para
lesque, como eu, acham que esseargumento não Eoibem-sucedido, a demonstra-
@' que Hegel Eazde sua antologia só pode ter a força de uma interpretação mais ou
me] :osplausível dos fatos da finitude, dos níveis do ser, da existência da vida e dos seres
con ;cientes,da história do ser humano, constituindo "vestígios e indícios" da vida de um
sul( Ito absoluto, implementada no mundo.:'
lo decorrerda Lógica, Hegel enfrenta a dificuldade de que a estrutura ontológica básicaque ele supõe
teceré mais facilmente visível "no alto" da escalado ser por exemplo, nos seresvivos ou nossujeitos
lentes ao passoque sua empresademanda que ele estabeleçaessaoncologia primeiro no nível mais
no simples Ser Determinado. Assim, os exemplos que ele precisa para dar plausibilidade à sua tese,
certosentido, não sãoapropriados quando ele realmente precisadeles.
conseguinte,
Hegel vez ou outra se descobreilustrando uma categoriacom um exemplo de alguma
muito superior. Ao discutir o Ser-para'si, ele nos remete ao "eu"; ao edar da oposição polar, ele não
Itaos exemplosdo magneto e da eletricidade, mas também da virtude e do vício, da verdadee do erro,
lturezae do espírito.
lemaem que o próprio Hegel seencontra pode serformulado da seguinte maneira. De um lado, ele de-
que asformas inferiores da realidade simplesmente material são manifestações imperfeitas da realidade
on }gicabásica cuja expressãomais clara é o espírito. Consequen temente, a centralização do sistema solar
em
Fornodo sol é um reflexo da centralizaçãoda subjetividade, que, contudo, é imperfeita no sentido de
qu setrata de uma centralização no espaçoexterior, náo consciente do sf/6 De modo similar, podemos
c01
:bera luta entre ergo e águacomo a manifestação imperfeita no seu nível da luta entre opostos cuja
me lor expressãose dá no domínio espiritual.
Dc
outrolado, porém, não basta apenasapresentarum indício da verdade à guisa de uma hermenêutica
da
iêncianatural, na qual apontamos para os "sinais" nascoisas naturais de sua relação ontológica com a
Ide
Antes, temos de Zenzonsnnr essaoncologia. E a demonstração tem de ser deita no nível das categorias
lares, daquelas que se aplicam a tudo e não só a animais, seres humanos, sociedade. Se não for assim,
de
lto não teremosdemonstrado que as categoriasque Hegel deduz da vida de sujeitos têm aplicaçãover-
da( ienceuniversal, cósmica
Da
que,por exemplo, com oposições materiais como entre fogo e água, temos manifestações imperfeitas,
OPê
nas quais a estrutura ontológica básica não é transparente. E essaopacidade é que torna difícil, se
nã(
impossível,demonstrar essaestrutura nas coisas materiais, inferiores. E, não obstante, ela tem de ser
der
)nstradaaqui, se quisermos provar que a natureza é uma emanaçãodo espírito e, em consequência,
qut
los xuaía/#fl Pr zzZzparaexplicar virtude e vício ou corpo e alma Ol} nascimento e mordenos termos
des
estrutura,como EazHegel. É Hcil repor a ontologia hegeliana em relação aosseresespirituais, mas ela
384 PARTElll l LÓGICA
Porém, embora issopossa ser satisfatório para uma visão romântica, era radicalmente
insuficiente para Hegel. O Espírito tem de chegar ao pleno autoconhecimento racionalDn
ser humano. E issoquer dizer que o ser humano tem de chegar à certezaracional Sobreo
absoluto. Se essetipo de certeza, fiindada sobre a argumentação rigorosa, não 6or possível
se 6or possível apenas uma visão interpretativa, então a síntese de Hegel se rompe.
Ou Deus não chegaao pleno autoconhecimento racional, mas só a uma intuição
i::.pi':=1
: profunda e não plenamente articulável de sua naturezae deslizamosna direção de UU
p'nteísmo romântico, ou Deus chegaà autoclarezaracional, maspara além do serhu.
ã
/'
:lisa
""
l «...b""«
mano e, em consequência,para além do mundo (uma vez que o serhumano é a cona.
ciência de si mundana), e deslizamos na direção do teísmo ortodoxo. Num dos casos
sacrificamos o princípio da racionalidade; no outro, o princípio da corporificação. Eles
não podem mais ser coadunados.
Porém, até mesmo aquelesque chegarem a essaconclusão desalentadora encontrarão
na Z(eira uma trama imensa de argumentação incessante, que, embora não chegando
à conclusãovisada, não deixa intocado, inexplorado, inabalado nenhum ponto de re-
ferência da tradição filosófica europeia. A enorme energia do pensamento, batendo-se
com a matéria-prima do argumento, para fazê-lo produzir uma conclusão impossível,
gerou uma profissãode linhas de raciocínio imprevistas que, não obstante, têm de ser
apropriadamente exploradas.
tem de serpraz,a2a p'imeiro numa diabéticaascendente que começa com meros seresdeterminados, em que.
segundo a teoria do próprio Hegel, ela é manifestada imperfeita e obscuramente.
Isso coloca a emp'esa de Hegel diante de um dilema, que ele esperaevitar mediante a prova da concradiçáo
no ser finito. Se essaprova 6or inconvincente, então há uma lacuna em seu argumento que ele só pode
preencher tomando emprestadas,por assim dizer, as suas últimas conclusõesantológicas. Porém, esseem-
préstimo é tomado de um banco adido, porque essasconclusões mesmasestão baseadasno suposto caráter
generalizado da contradição no ente finito.
CAPÍTULO Xlll
A Ideia na natureza
atente
é completamente livre a exterioridade de espaço e tempo existindo absoluta-
por si mesma sem subjetividade" rtm,, vol. 11, P. 505).
A
imagemsubjacenteaqui é que a subjetividade anterior a um mundo semnecessi-
Jade
interior
só pode reter a ordem necessáriapensando ela própria o mundo. Ela tem
devigiá-lo
perpetuamente e mantê-lo sob a tutela do seu pensamento, para que não caia
386
PARTElll l LÓGICA
},..b expõe seu sistema inteiro de forma compacta. A Z,(Üfcaé seguida pela Filosofia da Natu-
i,l; l: rezae esta, por seu turno, pela Filosofia do Espírito, que, em certo sentido, completa a
[ tríade mediando Ideia e Natureza.
r.ll:l= A própria Filosofia do Espírito é dividida em trêspartes' A primeira, Espírito Subjetivo,
r' ./'
trata daquilo que grassa modo pode ser chamado de psicologia e os poderes humanos como
ser pensante (individual). A segunda, Espírito Objetivo, trata do espírito enquanto cor-
porificado na sociedadehumana, e constitui a filosofia hegelianada história e da política.
A terceira, Espírito Absoluto, toca no conhecimento que o absoluto [em de si mesmo,na
forma como estáexpressonos três grandesmeios da arte, da religião e da filosofia.
As últimas duas partes obviamente são o objeto de outras obras da maturidadede
Hegel, a J%/oio@ado l)/grifo, que ele próprio publicou, e as preleçóes sobre a filosofia da
história, a estética,a filosofia da religião e a história da filosofia, cujas anotaçõescoram
publicadas pouco depois de sua morte. Estescoram os domínios das mais ricas dialéticas
interpretativas de Hegel, sobreas quais ele pensou mais profundamente e nas quais a sua
originalidade mais se destacou. Abordaremos as duas nas próximas duas partes'
A filosofia da naturezade Hegel foi uma obra um tanto mais derivativa. Ele seins-
pirou em grande medida nas especulaçõesanteriores de Schelling e dos românticos;
Vimos, no primeiro capítulo, que a ideia de uma física poética, que mostraria traçosdo
divino na natureza, entusiasmava bastante os românticos. E essafoi uma preocupação
que eles compartilharam com Goethe. Hegel, ausente e fazendo seu próprio trajeto ex-
cêntrico na década de 1790, parece ter chegado tarde a essa preocupação ' Ele estava
10 único sinal do interessede Hegel por essaárea, na décadade 1790, é o manuscrito inédito que íoi jnti;
tulado O .A4afs.4/zrÜa
Pragxnm.z
Sfs fm,íljfo do J ü /limo ,4/empa,em que Hegel Edade "dar asasà nossafísica
que avançamorosa e laboriosamente mediante exp:rimentos" (Mexe/}Wêrée.Frankfurt, Suhrkamp, 1971,
vol. 1, p. 234). Essetexto foi por muito tempo atribuído a Schelling.
ALDEIA NA NATUREZA 387
emanada Ideia e deve ser possível mostrar isso pelo exame da realidade em todos os
.,.isníveis.A filosofia da natureza final de Hegel é, portanto, a transposição da filosofia
& naturezade Schelling, que mostra as estruturas da Ideia, como Hegel as entendeu,
comocorpori6cadas no mundo natural.:
' Porisso, a âlosofia da natureza é realmente o que chamamos de dialética hermenêu-
tica.Hegel provavelmente não iria gostar dessetermo, com a sua implicação de que a
certeza
final sempre nos elude. Porém, em todo caso, estáclaro que se trata de uma diabé-
ticadependente. Ela não [em início num ponto de partida inegável e move-se a partir daí
medianteargumentação estrita. Antes, ela pressupõe o que eoi provado na Z,clgfcae tam-
bémo que Eoidemonstrado pela ciência natural, e mostra como uma se reflete na outra.
Maisdo que uma prova, ela provê uma exposição do acordo entre a natureza e a Ideia.
A fijosofiada natureza, por conseguinte, segueà ciência natural e deve concordar
comela.Ou, como formula Hegel:
Porém,ao mesmo tempo, ela precisa captar a necessidade interior da natureza. Ela vê
anaturezaem "sua própria necessidade interior, de acordo com a autodeterminação do
Conceito" (.ÊW. S 246).
A necessidadefaz parte do Conceito. Temos de mostrar seusvestígios na natureza, e
issopressupõeos resultados empíricos da ciência natural. Porém, isso não é um apelo à
experiência, porque a estrutura da necessidade provém do Conceito. Deduzimos os seus
estágios
e então os reconhecemos na natureza empírica. Hegel nos lembra o seguinte:
Maisadiante, ele diz que a filosofia natural acolhe o material que a física prepara para
elaapartir da experiência no ponto até onde a física o trouxe, "e o reconstitui" (zl#Z ó//-
&ffÓ/z /eder zím) (ENI, S 246, adendo; cf ed. bus. p. 22). Ele confere aos achados da
Éclaroque Hegel quer nitidamente diferenciar a sua filosofia da naturezada dos românticos, que ele con-
ideraamplamente arbitrária e gratuita, por estar baseada na intuição, que realmente é apenas um " Ur@aórf/z
n/e# ng /zZPÉa/zías/e Óaz/ródrr ])ga/z/ fere zzdcó.4/z.z/PWen.- "lprocedimento da imaginação e da
ia (também da Eantastiquice)baseadoem ana]ogias...] (ENI, S 246, nota).
lido com basena tradução inglesade M. J. Peuy, /]rgf/} PfZaiopZyafJVarurf. Londres, 1970.
388 PARTElll l LÓGICA
física a sua forma de necessidadecomo algo que, "na condição de todo intrinsecamente
necessário, procede do conceito" (ibidem).4
O problema com os achadosda física assim como estão é que lhes falta essanecessi-
dade. Os universais são meramente formais, abstratos, isto é, sem relação interior coH a
sua corporificação particular. O que significa que eles também sãocontingentes, porque
,.1113) coram descobertosmediante o exame dessacorporificação que não possui relação inte-
rior com eles. E, assim, o conteúdo determinado está Hora do universal, "estilhaçado,
desmembrado, particularizado, separado e carecendo de qualquer conexão necessária
c. dentro de si, sendo, assim, apenas finito" (-E/V.,S 246, adendo; cf. ed. bus. p. 23).S
..# Nossatarefa é reconduzir isso tudo à unidade. Porém, é nesseponto que encontra-
l ...,,!b
mos muita resistência.Há quem penseque o universal,o pensamento,o sujeito estão
l:.l!:
para sempre apartados da existência particular, da realidade, do objeto. Jamais pode-
remos rasgaro véu. De Eito, porém, essadivisão absoluta é negadatodo dia em nossa
r ..# atividade prática. Até mesmo os animais possuem essaintuição da nulidade do que se
contrapõe a nós. Contra aqueles metafísicos que alegam que não podemos conhecer as
coisas, "porque elas são absolutamente fixas diante de nós", poderíamos dizer "que nem
os animais são tão estúpidos como esses metafísicos, porque eles vão à luta e cavam,
apanham e consomem coisas" (ibidem; cf ed. liras. p. 21).
E, de bato, o que está na base das coisas é a Ideia, a Ideia no sentido platónico, o pensa-
mento, o Universal. Porque esseuniversal tem de vir à existência; Deus tem de criar o mundo.
Há os que sentem isso. Eles veem o mundo dos absrratos universais da física como não
satisfatório. Eles, porém, descreem da razão e Eram de reconstituir a unidade das coisas
através da simples intuição. Hegel está se referindo aqui aos românticos. Eles têm a pre-
monição do universal, diz ele, mas o apelo à intuição é um "impasse" (HómeK= caminho
que Jasta] (ibidem; cf ed. bus., p. 24). Porque temos de captar o pensamento com o pen-
samento. Essetipo de fisga também está relacionado com o 6enâmeno do primitivismo.
A vocação da filosofia natural é realizar o objetivo do Ge/rf de reconhecer a si mesmo
na natureza, de encontrar nela a sua "contraparte" ((l;«f#ó/Za . O Geisr tem a certeza de
Adio diante de Eva: "isto é carne da minha carne; isto é osso dos meus ossos" (ibidem;
cf. ed. bus., p. 25).
Mais adiante, Hegel diz de novo que devemos empreender uma comparação para ver
se nossadefinição da naturezaa partir do conceito "correspondeao nosso pensamento
comum sobre a natureza" (Zer WorsfeZZzínK
e/zlpr/cÃr) (E7\CS 247, adendo; cf. ed. bus., p
27), porque, de modo geral, os dois têm de concordar.
A Natureza é a Ideia na forma do ser-outro. Ela não só é exterior à ideia, mas é a própria
exterioridade (EW. S 247). Deus tem de sair de si e tornar-se outro: como Ideia, esteé o
Traduzido com basena tradução inglesa modiâcada pelo autor de M. J. Peüy, i'írKf/} PÍ/aiaPAyofJUamrf.
Londres,1970.
q
Ibidem.
ALDEIA NA NATUREZA 389
liaHJ,o eterno filho de [)eus. E]e também sai para o Espírito finito, que também é Grisf
jqumto "ser-outro"(HndrzKie/n). Porém, a Natureza é a Ideia, o filho de Deus, como
persistir no ser-outro a Ideia divina como retida Horado amor por um momento.
A natureza
é o espíritoalienadode si; o espírito,um deusbacantelivre de
comedimento e reflexão, 6oi meramente ioZtadentro dela; na natureza oculta-se a
unidade do conceito. (.E7V.S 247, adendo, p. 50; cf. ed. bus., p. 27y
elementos superiores são produzidos a partir dos inferiores recursivamente por alguma hr.
mula. A Natureza não dá saltos, porque o Conceito se move mediante diferenças qualitativa.
Por conseguinte, Hegel também exclui a tabela periódica, Mendeleiev junto com Darwin.
Por ser apenas necessidade interior, a natureza possui grandes quantidades de contin-
gência dentro dela. Para Hegel, contingência é o mesmo que determinação a partir de
[.7 Gota. As coisas concretas particulares estão repletas dessa contingência e determinação a
partir de fora. É "a impotência da natureza manter as determinações do Conceito só de
maneira abstrata e expor a realizaçãodo particular à determinação externa" (-E/V,S 250;
1... iF
cf. ed. bus. p. 36). Isso impõe limites ao que a filosofia pode deduzir; e essa é a resposta
./d'tP'
}li..b. ao Sr. Krug, que desafioua filosofia natural a deduzir sua pena de escrever.Vemosno
b:lib particular apenas"rastrosda determinação conceitual" (SPZ/re/z der BeP @Z'elfímmng)
(.E]V,S 250, nota). É por issoque as classesnaturais contêm muita arbitrariedadee de-
sordem; para não Edar dos problemas criados por monstros, etc.
r' ./
Há três grandes estágios (E7V, S 252). Estes já coram esboçados na seção da ZaKíca
sobre Objetividade. Em primeiro lugar, temos a natureza concebida como massa.Essa
é a esfera da mecânica, e sua realização suprema é o sistema solar. Ela revela a forma do
Ser-para-si(/ürs/casei/z), que nessa esfera recebe a forma de um impulso (nr/eZ') na dire-
ção do centro. O sistema é ordenado e gira em torno de um ponto central. Porém, essa
forma ainda é matéria exterior; os diferentes corpos que desempenhamdiferentes papéis
são indistinguíveis na sua substância, sendo diferenciados só em seu papel-
Passamos,
então, para próximo estágio,em que as diferençasde forma se tornam
internas à matéria; e, nesseponto, temos a matéria diferenciada em diferentestipos de
substância.Os diferentes papéis requeridos pelo Conceito para compor uma unidade
ordenada estão na própria matéria. Porém, esseestágio ainda é o da unidade imediata da
forma com a sua matéria. Elas estão unidas apenas positivamente. A matéria estáiden-
tificada com a sua qualidade. Não é uma identidade interior que póe essapropriedade.
Ela deixa de ser ela mesma quando perde essapropriedade. Desse modo, ela é como o
Z)zziei/zdo primeiro livro da lógica.
Porém, com o mundo orgânico temos a Totalidade./brlirÁíei zz2e [existente par' si],
que se desenvolve por si mesma nas suas diferenças. A vida dessasdiferenças passaa ser
reunida num indivíduo natural e torna-se uma coisa só com a sua natureza mais intima.
[)esse modo, essanecessidade interior passa a ser expressa exteriormente e é intrínseca
a um ser natural. A vida passa a multiplicar-se em tonalidades separadas, não open's em
propriedades separadas. Essastotalidades são espécimes e também membros. Porém, eles
são produzidos e enter-relacionados por um só processo de vida.
Fi;=E?=.?;n=B!;ri=:
Oespaçonão é apenasuma propriedade das coisas, porque ele estápresente mesmo que
alassejamtiradas. Porém, ele tampouco é uma realidade substancial; ele não possui rea-
lidadepor si mesmo (E7\CS 254, adendo). Kant está carreto à sua maneira quando diz
.ue eleé uma forma simples. Porém, ele está equivocado, como de hábito, ao concebê-lo
demaneirasubjetiva. O espaço não é meramente subjetivo, mas é a forma no sentido
daabstração
pura, a pura realidadeabstratado natural, do exterior; logo, ele tem de ser
cuido (.E/V,S 254, nota). Ele é uma "sensibilidade insensível e uma insensibilidade
vel. As coisas naturais estão no espaço, e o espaço, sendo natureza sujeita à condição
daexterioridade,permanece como o fundamento da natureza" (.ÊW,S 254, adendo).'
Hegel também deduz do Conceito a triplicidade das dimensões e deduz a sua Efta de
diferenciação
daexterioridade
dessa
realização
(.Ê.Ar,
S 225).
Porém,essaexistência exterior imediata contém negatividadeporque ela não pode
existirsó como exterior, logo, ela estáem contradição. Hegel vê negaçãoprimeiro no
ponto(/IN S 256), na tentativa de chegar, a pa'tir da exterioridade, à identidade singu-
larconsigomesmo. Porém, para a natureza do espaço isso significa a sua própria nega-
ça, ou seja,o Eito de não ter extensão,de modo que o ponto passaa constituir a linha,
alinha, a superHcie, e esta, todo o espaço
Porém,essanegatividade possui existência real enquanto tempo. Neste, o espaço náo
estámais em repouso, condição em que suas partes apenas coexistem. Ele passa a estar
emmovimento. O tempo é a facedo Nada, do devir. Ele é a negaçãoda exterioridade do
espaço,
maso é também de um modo puramente exterior (ZIW.S 257). Assim, o tempo
tambémé uma forma pura de sensibilidade, uma "sensibilidade insensível" (wnf//z/zacóe
Sf/z/z#cóêel/).
Ele é o princípio da subjetividade, logo, do movimento, maspermanecen-
doexteriore, em consequência,como simples devir (.EI/V.$ 258). Ele tampouco é um
recipiente.
Não deveríamosdizer que tudo devém e passano tempo, mas,antes, que o
própriotempo é o devir, o que devém e passa,"o Cronos que para tudo e que destrói
tudoo que Em nascer" (.ÊW.S 258, nota; cf. ed. bus., p. 55). O natural enquadra-se
nesse
devir porque ele não concorda plenamente com o seu conceito.
Assimsendo, espaçoe tempo não são recipientes, mas também não são apenas
propriedadesdas coisas; eles são condições das coisas, visto que constituem as formas
exteriores
sem as quais as coisas não existiriam. "0 tempo é meramente essaabstra-
çãodo destruir [...]. As próprias coisassão o que é temporal. A tempora]idadeé a sua
Traduzidocom base na tradução inglesa de M. J. Petry, /]Qlgf/ PíbsopA7 ofJyar&re. Londres, 1970
39z PARTElll l LÓGICA
determinação objetiva. Por isso, é o processo das coisas eeetivasque constitui o tempo"
(.ÊI/V.S 258, adendo;cf. ed. liras. p. 56).9
Porém, a negaçãodo espaçopelo tempo não é satisfatória, pois ainda não temos nada
além de um Ruir que se esvai. Assim como a sua unidade no Devir, o tempo e o espaço
tl
devem ter uma unidade subsistente, análoga ao Z).zie/n. Hegel deriva esta por meio do
lugar, do movimento e, por íim, da matéria. O ponto eoi uma primeira tentativa de
chegara algum centro subsistente; essatentativa Edhou. Agora, porém, a partir do movj-
mento do espaçopara o tempo e de volta, temos o ponto que alcançamaior concretude
l.... como o lugar. Em outras palavras,o tempo não pode ser só a negaçãodo espaçonem
..d'i+''
tl.,b o espaçoa do tempo, maselestêm de unir-se. E essaunidade é lugar. Este é a duração
L..+ (E)az/en zZmZ)az/rende); aquilo que permanece através do tempo. Deve haver algo du-
C radouro. Não pode tudo simplesmente fluir e esvair-se; isso não produziria nenhuma
1:.1
=í: existência.A duraçãoé o lugar como o aqui e o agora (-Ê7\C
S 260).
Porém, o lugar passapela mesmadiabéticapor que passao ponto. Ele é negativoeu
si. Portanto, ele é indiferente a si mesmo; não há nada que o distinga de todos os demais;
ou ele só pode ser distinguido a partir de cora. Como o espaço e o tempo, ele é ilimitado,
continuando em outro. Ele requer um sistema de referência cora de si mesmo para ser de-
terminado. Assim, ele é exterior a si mesmo; e encontramo-nos, uma vez mais, em processo
de mudança. Porém, agora temos o lugar em mudança, e isso é movimento (.E7vlS 261).
Porém, não podemos apenas dar meia-volta; movimento não é apenas a negação abs-
trata do espaço;é mudança eEetivade lugar, e isso requer que haja alguma unidade entre
os dois lugares. Paraque haja movimento, deve haver matéria (-ÊW,S 261).
Assim sendo, para que haja unidade real de tempo e espaço deve haver matéria, uma
realidade que é .p.zr/eiexlzaparref e, não obstante, possui alguma unidade. Ela é identi-
dade e, não obstante, diferença. Porém, visto que ela não é simples identidade consigo
mesma,ela tem de estarem movimento. Matéria e movimento sãocorrelativos.Ambos
devemservistos como a unidade de espaçoe tempo. O movimento relaciona o espaço
com o tempo. "Sua essência é ser a unidade imediata de espaço e tempo; ela é tempo rea-
lizando a si mesmo e subsistindo no espaço ou espaço pela primeira vez verdadeiramente
diferenciado pelo tempo" (/IZ, S 261, adendo; cf. ed. bus., p. 64). O tempo só se torna
real quando há algo em mudança; e o espaçosó é realmente diferenciado quando algo se
move daqui paralá. Em outras palavras,a negaçãodo espaçopelo tempo só setorna real
através da matéria em movimento; porque a matéria congele realidade, e seu movimento
é o cancelamentode suaexterioridadeque o tempo estavatentando ser.
Hegel parte, então (ZIW,S 262), para a dedução da gravidade. A matéria é tanto
atração quanto repulsão, pelos mesmos tipos de razõesque vimos na seçãosobre Quan-
tidade. Sendo a unidade negativa dessesmomentos, ela é um particular, um centro, mas
9Traduzido com basena tradução inglesa de M. J. Perry, /]rg?/} P/ZoiapÁyofJUal#rr. Londres, 1970; moda
ficado pelo autor.
ALDEIA NA NATUREZA 393
que
aindaestá separado da exterioridade da matéria. Isso é a gravidade. Temos aí o início
dasubl
etividade mas ela ainda continua sempre cora de si mesma. O ponto central para
ruma sempre está Gola dela.
.qud'l'
Assim seguimos naturalmente até o sistema total dessescorpos; neste, temos a me-
Ibidem
394 PARTElli l LÓGICA
quer dizer que se considera que eles têm unidade interior e processointerior, ou que têm
vida distinta de sua relaçãocom outros na gravidade. Não se trata de qualidadesHsicu
simples, mas de objetos que constituem o brz/i de atividade interior ou energia interior.
A explicaçãodesseestágioé dada em quatro partes Em primeiro lugar, vemosa "si-
-mesmidade" ["se@çA/zeif"]na propriedade da gravidade específica. Desse modo, o corpo
confere a si mesmo o seu "ser-dentro-de-si" (/nsicóie/n) específico. Em outras palavras,
..PH -#'
-':' «.:ll começamos a explicar as propriedades do corpo por seus parâmetros internos. Passa-
mos, então, para a coesão. Mas chegamos a uma interioridade mais elevadacom o Som
C (JklZzag)
. Este é uma espéciede cancelamento ideal da exterioridade da coisa em diferen-
.ir+'l BP
1 .. Jb: tes partes; é a expressãode sua vibração interior. Ele é, portanto, uma espéciede reco-
l,.l: lhimento na idealidade de sua existência material, da espacialidade na temporalidade. É
algo como a alma do seu corpo. Ele estrêla quando sofre violência e estremece(erzi erf)
dentro de si mesmo; ou também quando, triunfante, conseguese manter. Em quarto
lugar, o tipo de unidade que o JilZa/zgrepresentano plano ideal se dá materialmente com
o calor, que derrete e dissolve a diferença interna.
Assim, em terceiro lugar, isso nos leva a uma forma mais elevadade interioridade,
em que os objetos possuem não só uma unidade interior, mas aparecemproduzindo a si
próprios a partir de um processointerno. Não só nos deslocamosda qualidade simples
para uma articulação interna que está na sua base, mas estamos nos encaminhando para
ver a forma como plenamente corporificada nela; o objeto com sua qualidade específica
é produzido pela forma. Por conseguinte, embora, na segunda fase, o objeto tenha a sua
própria individualidade em contraposiçãoà relação com um centro (gravidade),agora
ele se desloca diretamente para Gerada relação, porque o vemos como um processo inte-
rior com um centro próprio (como todo processodeve ter). Não é precisodizer que ele
se desloca para o limiar da vida.
Nessecapítulo, Hege! tenta derivar, /moerzz#a,o magnetismo e a eletricidade, e guia-
nos através da transição para o quimismo. O quimismo revela-nos a relatividade das
substânciase propriedades imediatas. Vê-las implementadas numa forma de vida visível,
unificada, é o próximo estágio: vida.
Dada
com o Conceito, masque também pode ser entendida mediante leis que não fazem
deferência
a essamesma unidade interior. O que os viventes fazem e são só pode mesmo
gr explicado em função de sua forma.
Assim,deve haver organismos vivos. O orgânico está relacionado de três modos com
suabaseinorgânica(.E7\rjS 342). Em primeiro lugu, ele é uno com o inorgânico, porque
oservivo, em certo sentido, tem o seu próprio inorgânico em si. Ele está constantemente
fazendode si mesmo uma só vida, através de um processo de digestão de si mesmo, por
assim
dizer (.EA/lS 342, adendo;cf ed. bus., p. 384). Ele se articula em membros e os
mantémno mesmo processode vida. Em segundo lugar, o indivíduo orgânico [em de estar
emcontraposiçãoao inorgânico pois se alimenta dele. Ele sabe que o inorgânico é ines-
sencial;
mas isso representa uma inversão, porque ele também é sustentado pelo todo que
éamplamenteinorgânico. Então, em terceiro lugar, temos o processo de reprodução, do
qualjá Chamas.O indivíduo torna-sedois e sucumbe na produção de um novo indivíduo.
O segundocapítulo trata, então, da forma mais baixa da vida orgânica real das plan-
tas.Hegel diz que estas brotam e se desdobram, mas carecem do elemento de retorno a
si mesmas.Elas crescem indefinidamente. Elas crescem até o múltiplo, mas não podem
reunirissonuma unidade. Elas não possuem diferenciação interna real, como, por exem-
plo,entranhas. Sem essadiferenciação e sem o momento de unidade que a acompanha,
elas
nãopodem se mover, não têm sensaçãode si(SeZ»f«(@óÕ,e estãorelacionadassó
comelementos,não com coisas.O seu if'/anão é realmente objetivo. Elas são interiores e,
assim,
sãoexteriores. Hegel, então, aborda as plantas em três processosdefinidos acima: o
processo
de formação, o processo de assimilação e o processo genérico ou de reprodução.
O animal, em contrapartida, é um iefrefletido em si mesmo, a unidade chega à univer-
salidade
subjetiva(.EI/\( S 350). O organismo animal retém a unidade na articulação dos seus
membros.Assim, os animais possuem automovimento (.Én/l S 351). Um animal tem uma
vozqueexpressaa sua alma e apresentaum livre "estremecer em si mesmo"(.É)ziü?m i slcÉ
Íf/6ü).Ele possui calor animal, como processo contínuo de dissolução de sua própria coesão
enovaprodução dos seusmembros. Ele pode parar de alimentar-se;e, acima de tudo, ele
temsensação,
que é a sua individualidade simples. Ademais, ele serelaciona com objetos, não
comelementos.Assim, a besta também tem uma relação teórica com coisas,bem como uma
Unidade
de teoria e prática em seu impulso de dar forma a coisas(.Bica/{gs/üeó).
Em seguida,Hegel percorre três processosreferentes aos animais. Como de hábito,
sensibilidade,
irritabilidade e reproduçãotêm seulugar. Porém,um dos temasimpor-
tantesé a relação estreita entre o processo de reprodução e a morte. O que os animais
buscamno outro sexo é o Gênero (GaazínK); eles sentem a sua insuficiência e é isso que
396 PARTElll l LÓGICA
/'i: -'=l corporificar o universal em si, mas só pode Emerisso de modo abstrato, como simples
hábito, como o descambar para a regularidade. Porém, a vida requer que superemos
C constantemente a diferença. O desaparecimento da diversidade na regularidade estáas-
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sociado ao fim da tensão que sustém a vida, do que decorrem envelhecimento e morte. A
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L..t própria enfermidade (-ÉI/V, S 371) é de Eito uma parte do sistemaque, acionadapor um
conflito com o exterior, fixa-seem suaprópria atividade e opera contra o todo. Assim,a
enfermidade nada mais é que a primeira Honreda morte, porque a morte de que falamos
a':.../ nada mais é que esseenrijecimento contra a tensão da vida.
O Espírito, portanto, provém da natureza. O animal afastou-se da gravidade ao mo-
ver a si mesmo, na sensaçãoque ele próprio teve, na voz que ele próprio ouve. Mas o
processo pleno, o Gênero, só existe no progresso infinito dos indivíduos. Assim, "a ideia
deve romper essaesferae tomar 6âlego,lavrando-sedessaexistênciainadequada"(.EN S
376, adendo).:: O próximo passoé o Espírito, como consciênciaque pode transportar
a ideia toda para a unidade. O objetivo da natureza é morrer, queimar a si mesma como
fénix, de modo que o Espírito possasurgir.
O Espírito provém da natureza. Ele também é anterior a ela, mas faz a si mesmo
provir da natureza. A sua liberdade infinita deixa a natureza livre para operar por sua
necessidadeinterior (ibidem), como vimos no final da Zck/c.z.
Porém, o Ge/rf deseja chegar à liberdade reconhecendo a si mesmo na natureza. E
issoé obra da filosofia da natureza. Nosso alvo é forçar o Proteu da naturezaa revelar
na exterioridade só o espelho de nós mesmos, a ser um reflexo livre do Ge2sf.Isso não
Eoifácil, porque o Conceito estáimerso numa grande quantidade de detalhesrefratários
(a,/2exspr/zsrik).
Porém, a razãodeve confiar em si mesma.Não podemosdeduzir todas
ascoisas;"portanto, não precisamosprocurar determinações do Conceito em toda parte,
mesmo que rastrosdelasestejampresentesem toda parte" (ZIW.S 368, adendo; cf. ed.
liras., p 522). Porém, podemos ter esperançade encontrar "a figura real do Conceito
que seencontra oculta sob a exterioridade recíproca das formas infinitamente numero-
sas" (ÉW. S 376, adendo; cf ed. bus., p. 556).
Com essaderivaçãodo Espírito, termina a filosofia da natureza.Voltemo-nos, agora,
para domínios em que a obra do espírito se evidencia com mais transparência;e, em
primeiro lugar, para a história, que é o desdobramento do espírito no tempo-
ti Traduzido com base na tradução inglesa de M. J. Petry, //eXf/} Pi/aiopÁy ofAbr re. Londres, 1970
Ibidem.