Modelagem Ecológica em Ecossistemas Aquáticos, 2009 Fragoso JR Et
Modelagem Ecológica em Ecossistemas Aquáticos, 2009 Fragoso JR Et
Modelagem Ecológica em Ecossistemas Aquáticos, 2009 Fragoso JR Et
CAPA E PROJETO GRÁFICO Malu Vallim
DIAGRAMAÇÃO Casa Editorial Maluhy & Co.
PREPARAÇÃO DE FIGURAS Resolvo Ponto Com.
PREPARAÇÃO DE TEXTOS Gerson Silva
REVISÃO DE TEXTOS Rena Signer e Paula Marcele Sousa Martins
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Fragoso, Júnior, Carlos Ruberto
Modelagem ecológica em ecossistemas aquáticos /
Carlos Ruberto Fragoso Júnior, David da Motta Marques,
Tiago Finkler Ferreira. – São Paulo : Oficina de Textos, 2009.
Bibliografia
ISBN 9788586238888
eISBN 9788579752681
1. Ecossistemas 2. Gestão ambiental 3. Limnologia
4. Modelos ecológicos 5. Modelos matemáticos 6. Recursos hídricos 7. Recursos hídricos – Desenvolvimento
I. Marques, David de Motta. II. Ferreira, Tiago Finkler III. Título.
0906549 CDD551.48
Índices para catálogo sistemático:
1. Ecossistemas aquáticos : Modelagem ecológica : Limnologia
: Ciência da terra 551.48
Todos os direitos reservados à Oficina de Textos
R. Cubatão, 798
CEP 04013003 São PauloSP Brasil
tel. (11) 3085 7933
site: www.ofitexto.com.br email: [email protected]
“A natureza deve ser considerada como um
todo, mas deve ser estudada em detalhe.”
Mário Bunge
AGRADECIMENTOS
Aqui seguem nossos agradecimentos a todos que colaboraram para que esta obra fosse realizada.
Gostaríamos de agradecer o apoio do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) para a publicação deste
livro. Colaboradores importantes também merecem destaque, como o Prof. Carlos E. M. Tucci, Prof. Walter
Collischonn, a Engenheira Regina Camara Lins e a Bióloga Maria Betânia Gonçalves de Souza, que
contribuíram com sugestões e informações adicionais. Os autores também agradecem o apoio incondicional
de suas respectivas famílias que, sempre presentes, nos incentivaram e nos encorajaram a realizar mais um
desafio.
SUMÁRIO
Apresentação,
Prefácio,
Capítulo 1 — Introdução à gestão do ambiente,
1.1 Desenvolvimento sustentável
1.2 Água como recurso
1.3 Ecossistemas aquáticos
1.4 Gestão ambiental
1.5 Modelos e indicadores
1.6 Histórico de desenvolvimento de modelos
1.7 Os modelos ecológicos
Parte I FUNDAMENTOS DA MODELAGEM
Capítulo 2 — Modelagem matemática,
2.1 Por que modelos matemáticos?
2.2 Elementos da modelagem
2.3 Tipos de modelos
2.4 Etapas da modelagem
2.5 Modelos no gerenciamento hídrico e ambiental
2.6 Tendências da modelagem ecológica
Capítulo 3 — Equações diferenciais,
3.1 Identificação dos processos
3.2 Fundamentos de uma equação diferencial
3.3 Métodos numéricos
3.4 Consistência e convergência
3.5 Estabilidade e precisão
Parte II PROCESSOS AMBIENTAIS
Capítulo 4 — Processos hidrológicos,
4.1 Escoamento
4.2 Evaporação e Evapotranspiração
4.3 Infiltração
4.4 Interceptação
Capítulo 5 — Escoamentos,
5.1 Equações do escoamento
5.2 Simplificação das equações
Capítulo 6 — Transporte de massa,
6.1 Processos químicos de ciclagem de nutrientes
6.2 Escala espaçotemporal
6.3 Transporte de poluentes
Capítulo 7 — Ciclos químicos,
7.1 Carbono
7.2 Nitrogênio
7.3 Fósforo
7.4 Oxigênio dissolvido
Capítulo 8 — Processos abióticos,
8.1 Componentes orgânicos e inorgânicos na água
8.2 Componentes no sedimento
8.3 Ressuspensão e sedimentação
8.4 Mineralização e oxigênio utilizado
8.5 Nitrificação, desnitrificação e condições de oxigênio
8.6 Adsorção do fósforo
8.7 Imobilização do fósforo
8.8 Liberação de nutrientes (Difusão)
8.9 Reaeração
8.10 Temperatura na água
Capítulo 9 — Fitoplâncton,
9.1 Aspectos gerais para a modelagem
9.2 Produção
9.3 Respiração e excreção de nutrientes
9.4 Sedimentação, ressuspensão e mortalidade
9.5 Parâmetros
Capítulo 10 — Macrófitas aquáticas,
10.1 Produção
10.2 Respiração e excreção
10.3 Mortalidade
10.4 Consumo por aves
Capítulo 11 — Micro e macrofauna aquática,
11.1 Aspectos gerais para a modelagem
11.2 Zooplâncton e zoobentos
11.3 Peixes
Parte III MODELOS CONCEITUAIS
Capítulo 12 — Modelagem da bacia de drenagem,
12.1 Método racional
12.2 Método racional modificado
12.3 Método do SCS
Capítulo 13 — Modelos de rios,
13.1 Escoamentos em rios e canais
13.2 Regime permanente
13.3 Regime não permanente
Capítulo 14 — Modelos de lagos e estuários,
14.1 Equações governantes
14.2 Solução numérica
14.3 Condições iniciais e de contorno
Capítulo 15 — Modelos de reservatórios,
15.1 Aspectos gerais
15.2 Tipos de modelos
15.3 Modelo de balanço hídrico
15.4 Modelagem hidrodinâmica tridimensional
Capítulo 16 — Modelos de qualidade da água,
16.1 Modelos unidimensionais
16.2 Modelos bidimensionais
16.3 Modelos tridimensionais
Capítulo 17 — Modelos ecológicos simples,
17.1 Modelo fitoplâncton × zooplâncton
17.2 Modelo fitoplâncton × zooplâncton com heterogeneidade espacial
Parte IV TÓPICOS ESPECIAIS
Capítulo 18 — Estados alternativos,
18.1 Determinação dos estados de equilíbrio
18.2 Avaliação de estados alternativos: um exemplo ecológico
Capítulo 19 — Parametrização de modelos ecológicos,
19.1 A parametrização experimental para modelagem ecológica
19.2 A parametrização experimental para teste de hipóteses
19.3 Como o limnólogo pode atuar e contribuir para a modelagem ecológica?
Capítulo 20 — Estudo de casos,
20.1 Avaliação hidrodinâmica do Sistema Hidrológico do Taim
20.2 Simulações de fitoplâncton
20.3 Deriva de estados alternativos
20.4 Biomanipulação em lagos
20.5 Interações tróficas em cascata
Apêndice A – Nomenclatura,
Apêndice B – Funções de Hill e de Monod,
Apêndice C – Disponível em <www.ofitexto.com.br/modelagemecologica>
Referências Bibliográficas,
APRESENTAÇÃO
A atual fase da Limnologia proporciona um conhecimento científico aprofundado dos ecossistemas
aquáticos continentais, seus mecanismos de funcionamento e suas interações. Ao longo dos últimos 100 anos,
houve uma evolução contínua desse conhecimento, com particular destaque, nos últimos 30 anos, da
Limnologia Tropical (limnologia da região neotropical e da África).
Para que esse conjunto de informações seja utilizado de forma consistente e significativa, é necessário um
processo de modelagem ecológica e matemática que possibilite avançar conceitos, promover cenários e
desenvolver alternativas de gerenciamento integrado. Modelagem Ecológica em Ecossistemas
Aquáticos preenche perfeitamente as atuais necessidades científicas e tecnológicas da Limnologia e do
gerenciamento de recursos hídricos. A obra detalha, em seus três primeiros capítulos, os fundamentos de
gestão do ambiente, a modelagem matemática e equações diferenciais, e descreve, com detalhes, processos
hidrológicos, escoamento, ciclos biogeoquímicos, processos biológicos e o funcionamento da biota aquática.
Apresenta nos capítulos posteriores (Parte II), a modelagem conceitual de bacias hidrográficas, de rios, da
água e modelos ecológicos simples.
Um conjunto de estudos de caso e de parametrização é apresentado nos capítulos finais, que mostram as
aplicações. Atualmente, gerenciamento de recursos hídricos, como todo o gerenciamento ambiental, não pode
prescindir de modelos matemáticos e ecológicos, pois a integração de processos e a elaboração de cenários
são alternativas que dependem da quantificação e da parametrização experimental, que orientarão tomadores
de decisão e especialistas na escolha das melhores oportunidades de gerenciamento.
Portanto, esta obra é muito oportuna para o atual estágio de desenvolvimento do gerenciamento de
recursos hídricos no Brasil. Não há dúvida de que estimulará a aplicação a muitos ecossistemas aquáticos do
Brasil e da região neotropical; portanto, podese esperar um estímulo e a consolidação de dados existentes e
de estudos de caso em represas, lagos e rios. Os autores estão de parabéns pelo trabalho realizado, e a obra
reflete um esforço de trabalho executado pelos autores e sua equipe.
A obra, como enfatizado, será extremamente útil para graduandos e pósgraduandos de Biologia, Ecologia,
Engenharia Ambiental, consultores e tomadores de decisão que necessitam aprimorar seus conhecimentos e
aplicálos na gestão de recursos hídricos.
Cumprimentos à Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) pelo apoio à publicação e à Oficina
de Textos por mais esta excelente produção.
São Carlos (SP), 16 de junho de 2009.
Prof. Dr. José Galizia Tundisi
Instituto Internacional de Ecologia
Professor Titular Feevale
PREFÁCIO
A gestão compartilhada de recursos naturais fundamentada em conhecimento específico é a melhor forma
de promover a conservação desses recursos. Essa gestão deve ser vivenciada por todos os componentes de
uma sociedade moderna, por meio de ferramentas computacionais adequadas, que permitam analisar a
resposta de um determinado ecossistema aquático diante de diferentes entradas. Uma dessas ferramentas é a
modelagem matemática ecológica. Este livro apresenta uma abordagem geral sobre modelagem ecológica em
ecossistemas aquáticos, tais como rios, canais, lagos, estuários e reservatórios.
Um modelo é a representação de algum objeto ou sistema em uma linguagem computacional de fácil
acesso e uso, com o objetivo de entendêlo. Com esse propósito, apresentamse textos elucidativos sobre a
representação matemática dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem nesses ambientes. A
utilização de modelos simples ou complexos, que podem ser estabelecidos a partir dessas informações, serve
como plataforma cientifica para investigar, testar e elucidar conceitos ecológicos. Consequentemente, essa
aproximação também possibilita a descoberta de novas propriedades emergentes em ecossistemas aquáticos.
O estudo e o entendimento de um ecossistema aquático implica o uso da Hidrologia, da Ecologia e da
Hidrodinâmica para verificar como comunidades se relacionam com o meio físico, com a água, em sua
quantidade e movimento, e como o ecossistema responde a agentes diretos e indiretos, naturais e antrópicos,
e está conectado a outros sistemas, considerando diferentes escalas.
A integração dessa aproximação somente é possível por meio da modelagem ecológica, a qual permite
verificar interações, conectividades, dinâmica do sistema e prognósticos de estados. Essa capacidade de
entender a dinâmica e prever os estados também é uma ferramenta na definição de políticas e na gestão dos
ecossistemas similares. A conservação e o uso dos recursos podem, dessa forma, coexistir e ser
parametrizados.
Modelagem Ecológica em Ecossistemas Aquáticos encaminha o leitor, passo a passo, no processo da
modelagem ecológica em ecossistemas aquáticos, integrando Ecologia, Hidrologia e Hidrodinâmica. A obra
destinase primordialmente a alunos de graduação e pósgraduação das áreas de Engenharia (civil, hídrica,
ambiental), Biologia, Ecologia, Limnologia, usuários envolvidos em gestão, consultores e gestores.
Carlos Ruberto Fragoso Jr.
Tiago Finkler Ferreira
David da Motta Marques
INTRODUÇÃO À GESTÃO DO
AMBIENTE 1
1.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
De acordo com a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações
Unidas, o desenvolvimento sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. Em outras palavras, é o
desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro nem compromete o desenvolvimento econômico e
a conservação ambiental.
No entanto, para ser alcançado, o desenvolvimento sustentável depende muito de ações sustentáveis
definidas a partir de um planejamento integrado e, principalmente, da consciência geral de que os recursos
naturais são finitos.
Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o crescimento econômico vem causando enormes
desequilíbrios. Por um lado, o progresso de uma nação depende do desenvolvimento crescente da agricultura
e dos bens extrativos – denominados primários –, bem como da indústria, onde ocorre a transformação de
bens – denominados secundários – e do comércio. Por outro lado, a degradação ambiental e a poluição
aparecem em decorrência desse desenvolvimento, o que leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais
a humanidade depende. Esse tipo de modelo tende a ser insustentável, uma vez que os recursos não atendem
mais às demandas impostas pelo desenvolvimento.
Dessa forma, o desenvolvimento sustentável sugere mecanismos de gestão que visem minimizar o uso e a
degradação dos recursos naturais, sem comprometer o desenvolvimento e a prosperidade da nação. Isso só é
possível quando abrimos mão de nossos arcabouços atuais de pensamento, que enfatizam a quantidade em
vez da qualidade.
1.2 ÁGUA COMO RECURSO
A água é o recurso natural mais precioso do planeta. Embora 70% da superfície do planeta seja coberta por
água, apenas 3% desse volume é constituído de água doce. Dessa parcela de água doce, 67% podem ser
encontrados nas geleiras, 3% estão no solo e menos do que isso se encontra na atmosfera, restando 17% de
água subterrânea estocada nos aquíferos do subsolo e apenas 6% são águas superficiais, incluindo rios,
córregos, lagos, poços e reservatórios artificiais. Uma significativa parcela dessa água não é própria
para consumo, como resultado crescente da poluição. Em contrapartida, cada vez mais a demanda por água
potável cresce (e.g. com o aumento da população nas últimas duas décadas, o consumo per capita no Brasil
dobrou), e milhões de pessoas no mundo já não têm acesso a água de boa qualidade, resultando em diversos
problemas relacionados à água (escassez, saúde etc.). A escassez de água não é somente resultado de uma
carência física de recursos hídricos, mas um fenômeno que se agrava por causa de problemas relativos à
gestão desses recursos e ao governo.
Diante desse quadro, confirmamse as projeções da ONU de que a água será a causa da maior crise deste
século.
Dessa forma, ressaltase a necessidade de implementar mecanismos que disciplinem o manejo da água
para uma gestão inovadora e sustentável dos recursos hídricos, visando à conservação da biodiversidade
aquática e ao não comprometimento do desenvolvimento econômico e das gerações futuras.
1.3 ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS
Ecossistemas aquáticos continentais têm uma importância histórica confirmada quantitativamente. Sabe
se, por exemplo, que aproximadamente dois terços das grandes cidades distribuídas em todo o mundo
(e.g. Xangai, Londres e Nova Iorque) estão localizadas próximas, ou em sua vizinhança imediata, a lagos
e estuários (Souza; Kjerve, 1997). Esses sistemas são especialmente encontrados em paisagens planas de
inundação e em áreas costeiras.
Ao mesmo tempo que a diversidade física e a produtividade biológica são características desses sistemas,
também é reconhecida sua fragilidade às agressões antrópicas (despejos de efluentes, captação de água para
abastecimento, irrigação, pesca, biomanipulação etc.) (Fragoso Jr.; Souza, 2003), as quais provocam fortes
alterações na fauna e flora aquáticas (fitoplâncton, zooplâncton, macrobentos, macrófitas aquáticas, peixes
etc.), e nos padrões de qualidade da água.
Existem muitos registros, nos últimos 200 anos, de ecossistemas aquáticos que sofreram contínuas
mudanças em sua estrutura trófica (Wetzel, 1975). A maioria desses relatos diz respeito ao processo
de eutrofização causado pela adição de matéria orgânica e carga de nutrientes provenientes de fontes de
poluição pontuais e difusas (Jeppesen et al., 1998a, 1999, 2000a, 2000b, 2002; Jeppesen; Jensen;
Sondergaard, 2002; Jakobsen et al., 2003, 2004; Scheffer; De Redelijkheid; Noppert, 1992; Scheffer et al.,
1994a, 1994b; Van Den Berg et al., 1997; Moss, 1990; Moss et al., 1996; Perrow; Moss; Stansfield, 1994).
Esse processo, na maioria das vezes, resulta em um aumento da biomassa fitoplanctônica seguido por: (a)
florações de cianobactérias ou, diatomáceas ou clorofíceas (algas verdes); (b) desaparecimento da
vegetação aquática submersa; (c) predominância de peixes planctívoros e piscívoros; e (d) redução da
transparência da água (Moss, 1998). Uma vez que o ecossistema aquático tenha passado para um estado de
águas túrbidas, para retornar ao estado inicial, a concentração de nutrientes deve ser reduzida a um nível
muito abaixo do limiar crítico em que o sistema colapsou (Van Nes et al., 2002a, 2003). Portanto, a
disponibilidade de nutrientes determina a produtividade potencial dos organismos aquáticos por meio
de interações tróficas em cascata, ou seja, alterações na base da cadeia alimentar geram impactos
ascendentes (bottomup effects) sobre níveis tróficos mais altos (Scheffer, 1998).
Assim como a dinâmica de nutrientes, outros fatores abióticos também têm um importante papel nas
interações tróficas em cascata. Em lagos temperados, por exemplo, com ciclo sazonal bem definido, fatores
como luz e temperatura governam o ciclo reprodutivo de algumas comunidades aquáticas, tais como
fitoplâncton (Fragoso Jr., 2005), macrófitas aquáticas (Van Nes et al., 1999, 2002a, 2002b) e peixes (Werner
et al., 1983; Persson; Eklov, 1995). Em lagos subtropicais, com menores amplitudes climáticas, as interações
tróficas têm um comportamento particular e sua influência sobre a estrutura trófica ainda é pouco conhecida.
Portanto, luz e temperatura continuam sendo fatores condicionantes de produção primária desses
ecossistemas (Esteves, 1998). Isso sugere que mudanças no regime climático também podem afetar
diretamente a dinâmica da estrutura trófica em ecossistemas aquáticos.
Distúrbios no topo na cadeia alimentar, tais como biomanipulação, pesca e migração de peixes, também
são responsáveis por mudanças na estrutura trófica da cadeia alimentar aquática. A biomanipulação (técnica
muito utilizada para restauração de ecossistemas temperados), por exemplo, produz profundos impactos na
estrutura Trófica, pela redução de peixes planctívoros e/ou bentívoros, levando a um aumento da comunidade
zooplanctônica e à redução da ressuspensão de material de fundo e da população de fitoplâncton no sistema
(Carpenter; Kitchell, 1993; Hansson et al., 1998; Meijer et al., 1994; Shapiro; Lamarra; Lynch, 1975;
Shapiro; Wright, 1984; Van Donk et al., 1990). A pressão da pesca predatória sobre uma específica
comunidade de peixes pode levar à dominância de outras comunidades aquáticas, tais como zooplâncton e
fitoplâncton (Magnuson, 1991; Lévêque, 1995; Reid et al., 2000). Portanto, essas alterações sugerem efeitos
tróficos em cascata descendentes (topdown effects), atingindo comunidades aquáticas de níveis tróficos mais
baixos.
É essencial um esforço para otimizar as aptidões do meio ambiente (e.g. medidas de mitigação de impactos
e a exploração humana) por meio de uma gestão ambiental racional (Coutinho, 1986). Toda interferência
externa, assim como o comportamento hidrodinâmico e ecológico devem ser cuidadosamente investigados,
no intuito de prevenir mudanças significativas da estrutura trófica e, principalmente, uma troca brusca de um
estado estável de equilíbrio dominado por vegetação aquática com alta biodiversidade e boa transparência da
água, para um estado de águas túrbidas com alta densidade de fitoplâncton, baixa biodiversidade e vários
problemas de qualidade da água (Jeppesen, 1998; Moss, 1998; Scheffer, 1998).
1.4 GESTÃO AMBIENTAL
A gestão ambiental é uma prática muito recente, que vem ganhando espaço nas instituições públicas e
privadas, na mobilização das organizações para a promoção de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Seu objetivo é a melhoria constante dos produtos, serviços e do ambiente de trabalho, em toda
organização, levandose em conta o fator ambiental.
Atualmente, ela começa a ser encarada como um assunto estratégico porque, além de estimular a qualidade
ambiental, também possibilita a redução de custos diretos (redução de desperdícios com água, energia e
matériasprimas) e indiretos (e.g. indenizações por danos ambientais).
Uma gestão ambiental requer a reformulação e evolução da política ambiental, dando ênfase ao:
• desenvolvimento sustentável como objetivo prioritário;
• reconhecimento da relevância dos fatores (e atores) socioeconômicos na evolução dos problemas
ambientais;
• reconhecimento da complexidade e da incerteza associadas a muitos problemas ambientais – ciência pós
normal; integração de diferentes tipos de conhecimento;
• envolvimento do público e das partes interessadas na formulação e implementação de políticas;
• reconhecimento da necessidade de adotar abordagens integradas, contemplando diferentes instrumentos
para diferentes objetivos.
A prática corrente dessa política está condicionada à implementação de medidas e instrumentos que dão
suporte ao desenvolvimento de atividades antrópicas e avaliam seus impactos no meio ambiente (Fig. 1.1).
FIG. 1.1 Medidas e instrumentos em diferentes setores
Os princípios e objetivos dessa política são:
1. identificar e avaliar os problemas ambientais;
2. formular cenários de evolução;
3. definir prioridades e metas;
4. medidas e instrumentos de política;
5. implementação e controle.
Para desenvolver uma gestão mais sustentável, foram criados novos conceitos de Avaliação Ambiental
denominados Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e Avaliação Ambiental Integrada (AAI). A AAE é
um processo contínuo de avaliação da qualidade do meio ambiente e das eventuais consequências ambientais
do desenvolvimento de uma área, região ou sistema. Ela define os procedimentos que devem ser
incorporados a políticas públicas, planos e programas governamentais para assegurar a integração efetiva dos
aspectos físicos, bióticos, econômicos, sociais e políticos. A AAI tem como objetivo avaliar a situação
ambiental de uma área, região ou sistema, considerando as atividades antrópicas implantadas, seus efeitos
cumulativos e sinérgicos sobre os recursos naturais e as populações humanas, e os usos atuais e potenciais
dos recursos hídricos nos horizontes atual e futuro de planejamento. A AAI leva em conta a necessidade de
compatibilizar as aptidões do meio ambiente com a conservação da biodiversidade e manutenção das
espécies, a sociodiversidade e a tendência de desenvolvimento socioeconômico da região.
A AAI é realizada por meio de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), preconizado pela Resolução
Conama nº 001/1986, um instrumento técnicocientífico de caráter multidisciplinar, capaz de definir,
mensurar, monitorar, mitigar e corrigir as possíveis causas e efeitos de determinada atividade sobre
determinado ambiente. Desse estudo resulta um documento direcionado ao público leigo, denominado
Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).
O desenvolvimento desse estudo requer uma abordagem interdisciplinar e sistemática, visando à prevenção
ou eliminação de danos causados por uma determinada atividade no meio ambiente. No entanto, existe ainda
um falta de ferramentas integradoras apropriadas que avaliem e antecipem os impactos dessas atividades, o
que leva a um cenário de ineficiência nesse processo. Novas abordagens integradas são fundamentais, se
desejarmos caminhar rumo a um gerenciamento integrado dos recursos hídricos.
1.5 MODELOS E INDICADORES
A vasta gama de fatores e processos físicos, químicos e biológicos dificulta a análise quantitativa em
ecossistemas aquáticos. Além disso, o gerenciamento desses ecossistemas aquáticos é um campo de
ação multidisciplinar, com um grande número de alternativas no planejamento, considerando seus usos,
disponibilidades e preservação (Tucci, 1998). Em razão dessa diversidade de alternativas, é necessário
utilizar metodologias que melhor quantifiquem os processos, auxiliando nas etapas de análise e tomada de
decisão. Uma dessas metodologias é a modelagem matemática aplicada nesses ecossistemas.
A aplicação de modelos a questões científicas é quase compulsória, se quisermos entender um sistema
complexo como é o caso de um ecossistema aquático. Não é simples investigar todos os componentes e suas
interações no ecossistema sem o uso de modelos como ferramenta de síntese. As reações no sistema podem
não ser necessariamente a soma de todas as reações individuais. Isso implica que propriedades do
ecossistema não serão reveladas sem o uso de um modelo para todo sistema. O uso da modelagem como
ferramenta para entender propriedades do sistema demonstra vantagens e revela lacunas no nosso
conhecimento. Talvez a principal contribuição fornecida por um modelo seja o estabelecimento de
prioridades de pesquisa, as quais podem revelar propriedades do sistema a partir de hipóteses científicas
geradas pelo próprio modelo. Assim, os modelos, ao simular as interações no ecossistema aquático, não
somente geram resultados que podem ser comparados com observações in situ ou experimentais, como
também podem servir de plataforma de pensamento para importantes questões científicas.
1.6 HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DE MODELOS
A evolução da modelagem pode ser dividida em quatro grandes fases (Fig. 1.2), relacionadas ao interesse
social e à capacidade computacional da época. Os primeiros trabalhos de modelagem apareceram em meados
da década de 1920, com o problema de alocação do lixo urbano. O trabalho precursor foi o de Streeter e
Phelps (1925), no rio Ohio. Este e subsequentes trabalhos focavam a avaliação dos níveis
de oxigênio dissolvido em rios e estuários. Ainda sem computadores, essas aplicações limitavamse a
soluções lineares, com geometria simples e considerando um estado permanente no tempo.
Na década de 1960, os computadores apareciam como uma ferramenta amplamente disponível, o que
levou a um maior avanço dos modelos e de seu potencial de aplicação. O oxigênio ainda era o foco, mas os
computadores permitiram aos analistas resolver problemas mais complicados, como complexas geometrias,
maior detalhamento das reações cinéticas e simulações não permanentes no tempo (simulações dinâmicas).
FIG. 1.2 Quatro períodos de desenvolvimento de modelos para limnologia
Fonte: adaptado de Chapra, 1997.
Em 1970, outra marcante fase ocorreu, movida pela consciência ambiental da época. Os problemas de
oxigênio dissolvido e de fontes pontuais davam espaço para o problema da eutrofização em ecossistemas
aquáticos. Nessa época foram desenvolvidos os primeiros modelos que representariam a dinâmica da cadeia
alimentar aquática, tais como os de Chen (1970), Chen e Orlob (1975) e Di Toro, Thomann e O’Connor
(1971). Com o avanço computacional, poderiam ser empregadas soluções não lineares, retroativas, em
sistemas com geometrias complicadas.
O mais recente estágio do desenvolvimento de modelos voltouse a problemas envolvendo substâncias
tóxicas, patogênicos e metais pesados, que representam uma grande ameaça para a saúde humana e para os
ecossistemas aquáticos. Esse problema também é marcado efetivamente pelos debates políticos gerados.
Entretanto, os problemas passados ainda perduram nos dias atuais, uma vez que o progresso computacional
propiciou soluções mais próximas da realidade.
1.7 OS MODELOS ECOLÓGICOS
Um modelo ecológico é aquele que considera em sua estrutura conceitual processos relacionados à biota
do ecossistema. Em ecossistemas aquáticos, um modelo ecológico tenta reproduzir os processos relativos à
cadeia alimentar aquática, para avaliar a dinâmica dos organismos e a sua influência nos aspectos físicos e
químicos do meio ambiente. Esses modelos podem ser considerados como ferramentas de planejamento
integradas usadas para identificar: (a) os estressores antrópicos em sistemas naturais, (b) os efeitos ecológicos
desses estressores e (c) os atributos biológicos relevantes ou indicadores dessas respostas ecológicas. Dessa
forma, modelos ecológicos representam uma boa alternativa para avaliações integradas de ecossistemas
aquáticos, uma vez que eles possuem uma abordagem mais interdisciplinar e sistemática, e podem fornecer
uma aproximação mais fiel dos danos causados por uma determinada atividade no meio ambiente.
A Fig. 1.3 mostra um esquema simplificado clássico de uma teia alimentar aquática, que poderia ser
representada por um modelo ecológico. Como os componentes abióticos e bióticos no meio aquático
possuem diferentes processos de desenvolvimento, diferentes aproximações são atribuídas para a modelagem
de cada processo. Esses processos podem ser aproximados por funções empíricas ou determinísticas. A
representação matemática de processos, tais como produção primária, secundária e outros ecofisiológicos, é
resultado de experimentos em campo ou em laboratório e encontrase disponível na literatura. Entretanto,
muitos desses processos retratam a realidade de ecossistemas temperados.
Poucos modelos conseguiam distinguir classes de grupos como fitoplâncton, macrófitas e peixes, e assim,
generalizavam os principais processos dos grandes grupos como uma variável de estado para todos.
Atualmente, existem modelos capazes de distinguir classes de fitoplâncton (cianobactérias, clorofíceas,
diatomáceas etc.), macrófitas (submersas, emergentes e flutuantes) e peixes (piscívoros, onívoros e
planctívoros), considerando seus estágios de vida (juvenil e adulta) (e.g. Janse, 2005; Fragoso Jr et al., 2007).
Para retratar o alto nível de diversidade funcional dos organismos aquáticos, os modelos ecológicos devem
incluir os principais processos de cada grupo, na forma de módulos que contêm um conjunto de equações
diferenciais, os quais retratam as funções ecológicas e os coeficientes metabólicos referentes aos processos
biológicos. Esses coeficientes são encontrados in situ ou experimentalmente, tais como (a) taxas
de respiração, produções primária e secundária; (b) capacidade limite de suporte (carrying capacity) de
biomassa ou densidade de espécie por área ou volume da água; (c) assimilação de nutrientes (fósforo, por
produtores primários); (d) competição por nutrientes disponíveis na massa da água; (e) absorção de radiação
fotossinteticamente ativa (PAR), taxas de crescimento, reprodução e mortalidade; (f) excreção, perda de
biomassa e decomposição. Com a disponibilidade computacional atualmente oferecida, as aproximações
tendem a incluir, com um maior nível de detalhamento, todos os elementos da cadeia aquática
(i.e. comunidades aquáticas, ciclo completo do fósforo, nitrogênio, sílica, carbono e suas interações entre os
organismos), e são essenciais para a avaliação de estoques, por exemplo, dos compartimentos do plâncton,
macrófitas aquáticas, peixes e bentos.
FIG. 1.3 Simplificação da cadeia alimentar aquática. A espessura das setas indica a força da interação
Fonte: adaptado de Carpenter e Kitchell, 1993.
Parte I
FUNDAMENTOS DA MODELAGEM
2 MODELAGEM MATEMÁTICA
2.1 POR QUE MODELOS MATEMÁTICOS?
A vasta gama de fatores e processos físicos, químicos e biológicos dificulta a análise quantitativa de
ecossistemas aquáticos. Além disso, o gerenciamento desses ecossistemas aquáticos é um campo de ação
multidisciplinar, com um grande número de alternativas de planejamento, considerando usos,
disponibilidades e preservação (Tucci, 1998). Em razão dessa diversidade de alternativas, utilizamse
metodologias que melhor quantifiquem os processos, auxiliando nas etapas de análise e na tomada de
decisão, como a modelagem matemática aplicada a esses ecossistemas.
Um modelo é a representação de algum objeto ou sistema em uma linguagem de fácil acesso e uso, com o
objetivo de entendêlo e buscar suas respostas perante diferentes entradas. Quanto maior o número de
interações envolvidas, mais complexos os sistemas e, consequentemente, mais desafiadores e necessários os
modelos. Em Limnologia, o modelo é uma ferramenta desenvolvida para auxiliar o entendimento
comportamental de um determinado ecossistema aquático, avaliando os efeitos de diferentes ações
antrópicas, naturais, climáticas, bióticas e a interação entre essas forçantes.
Quanto mais complexos os sistemas, mais desafiadores e necessários são os modelos. Um projeto de
estrutura de um edifício ou um circuito elétrico são exemplos em que o homem dimensiona o seu sistema
especificando todos os condicionantes sobre os quais tem total controle, diferentemente de ecossistemas
aquáticos, nos quais o comportamento do sistema é resultado de processos naturais. Nesse caso, o homem
deve adaptarse aos seus condicionantes, para entender o comportamento do ecossistema e utilizar seus
recursos, protegendo suas diferentes características.
O modelo não pode ser tratado como um objetivo, mas como uma ferramenta para atingir um determinado
objetivo. Ele pode ser utilizado para fins de previsão, entendimento dos processos, preenchimento das
variáveis de interesse em um período sem levantamentos e geração de hipóteses, as quais podem ser testadas
experimentalmente ou in situ. A modelagem deve ser utilizada em parceria com trabalhos experimentais,
laboratoriais e de monitoramento; caso contrário, sua potencialidade de aplicação será comprometida.
Um modelo matemático pode ser utilizado para entender melhor o comportamento do sistema e antecipar
os eventos, quantificando os impactos de um determinado distúrbio no sistema antes mesmo que ele ocorra,
para que todas as medidas preventivas possam ser tomadas. Dessa forma, mesmo monitorando todas as
variáveis de interesse de um sistema, o uso de modelos pode ser imprescindível se os objetivos do estudo
forem mais amplos. No entanto, nenhuma metodologia poderá aumentar as informações existentes nos dados,
mas poderá melhor extrair e interpretar as informações já existentes. Quanto menores as informações
disponíveis, maiores serão as incertezas dos prognósticos resultantes dos modelos. Os dados permitem aferir
os modelos matemáticos e reduzir as incertezas desses modelos na estimativa das variáveis de interesse. Isso
significa que a modelagem e o monitoramento devem caminhar de mãos dadas rumo a um diagnóstico mais
preciso dos efeitos sobre um sistema de um determinado fenômeno.
As metodologias apresentadas neste livro são baseadas na representação do sistema físico por meio de
modelos estabelecidos por funções matemáticas, empíricas e conceituais. Parte dos ciclos hidrológico,
hidrodinâmico, químico e biológico é assim modelada. Com a utilização de um modelo para análise das
condições específicas de um projeto, o analista fica mais próximo da realidade física, resultando em uma
solução mais econômica e segura. O julgamento do processo físico é indispensável ao analista em qualquer
fase da utilização do modelo, pois a análise das alternativas de uso e a conclusão dos resultados devem ser
elaboradas para que o modelo tenha real utilidade.
2.2 ELEMENTOS DA MODELAGEM
Uma modelagem matemática consiste basicamente de quatro componentes, visando representar um
determinado fenômeno de interesse: (a) funções governantes ou variáveis externas; (b) variável de estado;
(c) equações matemáticas; e (d) parâmetros (Fig. 2.1). Esses componentes auxiliam a tradução, em
linguagem matemática, de um determinado fenômeno encontrado na natureza. Neste capítulo, descrevemos
em detalhes cada componente da modelagem matemática e suas interrelações.
FIG. 2.1 Elementos da modelagem e suas interrelações para explicar um determinado fenômeno
2.2.1 FENÔMENO DE INTERESSE
Os fenômenos são padrões encontrados na natureza que podem ser observados ou constatados
(e.g. precipitação, escoamento de rios, eutrofização, alteração da estrutura trófica aquática promovida por um
distúrbio). Tipicamente, os fenômenos são descritos a partir de suposições preestabelecidas quanto à
homogeneidade, uniformidade e universalidade das propriedades de seus principais componentes, que
incluem o espaço e as relações espaciais, o tempo e o modelo matemático que descreve o fenômeno.
Entretanto, para modelar os fenômenos com o nível necessário de realismo, essas suposições rígidas são
simplificadas e aproximadas de forma que o sistema seja capaz de representar (Couclelis, 1997):
• o espaço como uma entidade não homogênea tanto nas suas propriedades quanto na sua estrutura;
• as vizinhanças como relações não estacionárias;
• as regras de transição como regras não universais;
• a variação do tempo como um processo regular ou irregular;
• o sistema como um ambiente aberto a influências externas.
Para implementar ecossistemas espacialmente dinâmicos com as características mencionadas
anteriormente, alguns princípios básicos relativos aos principais elementos desses sistemas devem ser
considerados, entre os quais destacamse: (a) a questão da representação do espaço e do tempo; (b) a
estrutura do próprio modelo a ser utilizado para a representação do fenômeno espacial; e (c) a abordagem
computacional para implementar esses princípios de forma integrada e consistente. Nas próximas seções,
discutiremos os elementos da modelagem matemática utilizados para a representação de um fenômeno de
interesse.
2.2.2 FUNÇÕES GOVERNANTES OU VARIÁVEIS EXTERNAS
São funções ou variáveis da natureza que influenciam o estado do ecossistema aquático. Em um contexto
de gerenciamento, o problema pode ser formulado da seguinte maneira: se certos fenômenos são variáveis,
qual será a influência no estado do ecossistema? O modelo é usado para prever a mudança no ecossistema
quando variáveis externas são alteradas no tempo e no espaço. Entrada de carga de poluente, pesca,
temperatura, radiação solar, precipitação, evaporação, fluxos da água de entrada e saída no sistema, por
exemplo, podem ser considerados variáveis externas ou funções governantes.
2.2.3 VARIÁVEL DE ESTADO
A variável de estado ou de interesse descreve, como o nome indica, o estado do ecossistema. A seleção
das variáveis de estado é crucial para a estrutura do modelo, mas na maior parte dos casos essa seleção é
trivial. Podese, por exemplo, optar por modelar o estado de eutrofização no lago, onde a escolha da
concentração de fitoplâncton e de nutrientes como variáveis de estado é intuitiva. As variáveis de estado
estão em função das variáveis externas e podem ser consideradas como a saída do modelo matemático.
Dependendo do propósito de emprego do modelo, este poderá conter mais variáveis de estado do que
realmente precisa, uma vez que uma variável de estado pode explicar outras. Por exemplo, em modelos de
eutrofização, a concentração de fitoplâncton é diretamente controlada pela população de zooplâncton, a qual
também poderia ser uma variável de estado.
2.2.4 EQUAÇÕES MATEMÁTICAS
Os processos físicos, químicos e biológicos (e.g. nitrificação, produção primária, mortalidade) são
representados no modelo por meio de equações matemáticas, que são as relações entre as variáveis externas e
as variáveis de estado. Um mesmo processo pode ser encontrado em diferentes ecossistemas aquáticos,
sugerindo que a mesma equação pode ser usada em diferentes modelos. As relações para cada processo
podem ser encontradas na literatura ou desenvolvidas a partir de trabalhos de campo e experimentais
(e.g. Jorgensen, 1986; Scheffer, 1998; Chapra, 1997). Um determinado processo pode apresentar inúmeras
equações matemáticas, cabendo ao modelador decidir qual equação melhor representa um processo com o
menor número de simplificações.
2.2.5 PARÂMETROS
O parâmetro é um valor que caracteriza um determinado processo no ecossistema. Ele pode ser
considerado constante para todo um sistema em particular ou para uma parte do sistema, o que indica que um
parâmetro também pode ser variável no tempo e no espaço. Em modelos ecológicos, os parâmetros têm uma
definição científica, como, por exemplo, a taxa máxima de crescimento do fitoplâncton ou a taxa de consumo
do fitoplâncton pelo zooplâncton. A complexidade de um modelo é representada pela quantidade de
parâmetros empregados. Os modelos simples têm uma quantidade menor de parâmetros, enquanto nos
modelos complexos o número de parâmetros é grande. Alguns livros apresentam faixas de valores
conhecidos ou sugeridos para alguns parâmetros; contudo, a maioria dos parâmetros está sujeita a ajustes no
intuito de aproximar ao máximo a saída do modelo aos valores observados em campo.
2.3 TIPOS DE MODELOS
Um ecossistema aquático pode ser classificado segundo vários critérios. Os modelos matemáticos que
representam os sistemas também se enquadram nessas mesmas classificações, que dependem das variáveis
externas e de estado, das aproximações matemáticas utilizadas e do comportamento do ecossistema aquático.
Neste capítulo apresentamse as mais comuns e importantes classificações de modelos matemáticos.
2.3.1 LINEAR E NÃO LINEAR
Quando uma equação matemática, representativa de um processo, contém apenas uma variável em cada
termo, e cada variável aparece elevada à potência de ordem 1 (um), a equação é denominada linear; caso
contrário, ela é conhecida como não linear. A condição necessária para um sistema possuir um
comportamento linear é quando for validado o princípio da superposição (Fig. 2.2), ou seja, duas diferentes
entradas produzem duas diferentes saídas no modelo. Se o princípio da superposição for válido, a soma das
duas entradas produz a soma das duas saídas (Cheng, 1959). Em um lago, por exemplo, se as reações de um
poluente são assumidas como de primeira ordem, então a linearidade do resultado do modelo permite que a
superposição seja aplicada.
FIG. 2.2 Princípio da superposição aplicada à linearidade de modelos
2.3.2 CONTÍNUO E DISCRETO
Quando as variáveis são funções contínuas no tempo, então o modelo é classificado como contínuo. Se as
mudanças nas variáveis ocorrem aleatória ou periodicamente em intervalos discretos, o modelo é chamado
discreto (Fig. 2.3). Em sistemas contínuos, mudanças ocorrem continuamente com o avanço do tempo; já em
sistemas discretos, mudanças ocorrem apenas quando os eventos discretos ocorrem, independentemente da
passagem do tempo. Exemplo do registro de uma variável contínua no tempo é o uso do linígrafo gráfico
para registrar níveis da água. O registro discreto dessa mesma variável é efetuado por réguas linimétricas,
com o auxílio de um observador em determinadas horas do dia. Os ecossistemas aquáticos, em sua maioria,
são contínuos, mas são representados por modelos discretos.
FIG. 2.3 Diferenciação entre a resposta de modelos contínuos (linha contínua) e discretos (barras)
2.3.3 ESTÁTICO E DINÂMICO
Quando o sistema é estático ou tem um estado estável (permanente), suas entradas e saídas não variam
com a passagem do tempo. Os resultados de um modelo estático são obtidos por um simples modelo
matemático com poucas equações. Quando o sistema depende do tempo, ele é chamado de dinâmico ou não
permanente. Assim, a saída de um modelo em qualquer tempo depende do resultado do modelo no tempo
anterior e das entradas do modelo no tempo atual. Por exemplo, se as entradas e saídas de poluentes em um
ecossistema permanecessem constantes ao longo do tempo, resultando em um valor constante invariável de
concentração de poluente dentro do sistema, poderia ser utilizado um modelo do tipo estático. Caso contrário,
apenas um modelo dinâmico poderia explicar melhor o fenômeno.
2.3.4 CONCENTRADO E DISTRIBUÍDO
Um modelo é concentrado (lumped model) quando não leva em conta a heterogeneidade espacial; caso
contrário, é distribuído (distributed model). Em ecossistemas aquáticos que apresentam grandes dimensões, é
aconselhável o uso de um modelo distribuído, em razão da variabilidade espacial das variáveis físicas,
químicas e biológicas. Entretanto, para ecossistemas aquáticos de pequenas dimensões, bem misturados, o
uso de modelos concentrados pode ser uma alternativa viável em termos computacionais, de análise e de
simplicidade (Fig. 2.4A). Vale lembrar que todo modelo distribuído trabalha localmente como um modelo
concentrado, uma vez que o domínio de sistema é discretizado por um número finito de elementos, em cada
um dos quais as variáveis de estado são calculadas de forma homogênea (Fig. 2.4B, C e D). Quanto maior o
nível de discretização (número de elementos), melhor será a representação da heterogeneidade espacial das
variáveis de estado e, por outro lado, maiores serão os custos computacionais para a solução do problema.
Em modelos unidimensionais, o sistema caracterizase por variações em uma direção das variáveis de
estado (Fig. 2.4B). Rios são os sistemas mais comumentes simulados com um modelo unidimensional na
horizontal. Em ecossistemas profundos, termicamente estratificados, sem variação horizontal das variáveis de
estado, geralmente se utiliza uma aproximação unidimensional na vertical. Quando o sistema apresenta
grande heterogeneidade espacial tanto na direção vertical como na direção horizontal, modelos bi ou
tridimensionais são mais apropriados (Fig. 2.4C, D).
FIG. 2.4 Representação espacial do domínio de um ecossistema aquático com o aumento da complexidade
morfológica
2.3.5 ESTOCÁSTICO E DETERMINÍSTICO
Quando as variáveis de estado ou suas mudanças são bem definidas, as relações entre as funções
governantes e as variáveis de estado são fixadas e as saídas são únicas, então o modelo desse sistema é
chamado de determinístico. Porém, se alguma aleatoriedade ou probabilidade é associada com, no mínimo,
uma das variáveis de saída do modelo, então o modelo é chamado de estocástico (Fig. 2.5). Os modelos
determinísticos são construídos a partir de equações diferenciais, enquanto os modelos estocásticos incluem
características estatísticas. Dessa forma, quando, para uma mesma entrada o sistema produz sempre a mesma
saída, é chamado de determinístico; caso contrário, é chamado de estocástico.
FIG. 2.5 Esquema de um modelo estocástico, o qual, para duas idênticas entradas, pode gerar duas diferentes
saídas
Porém, um sistema com um comportamento aparentemente aleatório também pode ser determinístico.
Quando o sistema é altamente não linear e dependente de suas condições iniciais, sua solução pode
apresentar características de uma variável aleatória e passar pelos testes estatísticos e estocásticos.
Esse processo é denominado de caos determinístico.
2.3.6 CONCEITUAL E EMPÍRICO
Quando as funções utilizadas na elaboração de um modelo levam em consideração os processos físicos, o
modelo é denominado conceitual. Os modelos empíricos ajustam os valores calculados aos dados
observados por meio de funções que não têm nenhuma relação, nem compromisso, com os processos físicos
envolvidos. As diferenças entre esses modelos podem ser observadas na Fig. 2.6.
FIG. 2.6 Diferença entre modelos baseados em (A) sistemas conceituais e (B) em ajuste das variáveis
observadas (modelos empíricos)
2.4 ETAPAS DA MODELAGEM
Como método de pesquisa, a modelagem utilizada para construir um modelo quantitativo tem uma
orientação metodológica a ser seguida. Nesse sentido, foram elaborados diferentes esquemas visando
descrever as etapas pertinentes a um processo de modelagem matemática. Existem inúmeros métodos com
diferente número de etapas; entretanto, o importante é que cada método contemple os objetivos específicos
do problema. Diferentes objetivos necessitam de diferentes escalas espaciais e temporais. Um esquema geral
é composto por oito etapas (Fig. 2.7), das quais algumas são bastante genéricas e podem ser tratadas
particularmente por cada modelador. Outras, porém, são consideradas normativas (padrão) e merecem maior
detalhamento, descritas brevemente a seguir.
FIG. 2.7 Uma aproximação do procedimento de modelagem
Fonte: adaptado de Jorgensen, 1986.
2.4.1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
Partindo de uma situação real, identificase o problema a ser estudado, ou seja, o fenômeno observado que
se deseja representar matematicamente. Em seguida, obtêmse os elementos da modelagem necessários para
sua solução.
Vários são os problemas encontrados em Limnologia, para os quais um modelo matemático poderia
contribuir, de alguma forma, no entendimento dos processos, na previsão, na geração de hipóteses ou, até
mesmo, no comportamento das variáveis de interesse em períodos sem observação (Fig. 2.8).
FIG. 2.8 Problemas encontrados em Limnologia que podem ser avaliados com o uso de modelos matemáticos
2.4.2 SIMPLIFICAÇÃO E FORMULAÇÃO DE HIPÓTESES
Nesta etapa, os elementos da modelagem são examinados e selecionados para que preservem as
características do problema, ou seja, é feita uma simplificação da realidade e definemse as funções
governantes, os processos e as variáveis de estado representativas do fenômeno de interesse. Aqui, emprega
se o princípio da parcimônia, que preconiza a representação adequada do comportamento de um processo
e/ou sistema por um modelo com o menor número possível de variáveis e/ou parâmetros. Por exemplo, em
estuários, onde a ação das marés governa a hidrodinâmica do sistema e, consequentemente, o transporte de
poluentes, o efeito do vento poderia ser desprezado ou simplificado. Em reservatórios, os processos verticais
são mais importantes do que os processos horizontais. Já em lagos rasos, onde não há estratificação, os
processos horizontais são mais importantes. Em resumo, é uma fase decisiva para a modelagem, na qual o
modelador conceberá o chamado modelo conceitual.
O modelo conceitual é um esquema simplificado, que utiliza blocos e setas, apresentando as variáveis de
estado envolvidas, os processos e as interações entre as variáveis de interesse. Por exemplo, para explorar
algumas propriedades básicas de interações entre fitoplâncton e zooplâncton, muitas vezes é utilizado um
modelo simples, como o modelo presapredador de LotkaVolterra (Scheffer, 1998), adotado aqui para
elaborar seu esquema conceitual. Esse modelo considera a biomassa de fitoplâncton e zooplâncton como
variáveis de interesse (blocos), e os processos de interações entre os organismos como fluxos (setas) (Fig.
2.9).
Os processos ou interações entre as variáveis de interesse são matematicamente representados por
equações. Cabe ao modelador escolher a aproximação que será adotada em cada processo. Por exemplo, a
produção de biomassa do fitoplâncton é um processo biológico que depende de vários fatores, tais como
distribuição da luz na coluna d’água, temperatura na água e disponibilidade de nutrientes. O modelador
poderia escolher uma equação que envolvesse todos esses fatores, combinações desses fatores ou,
simplesmente, escolher uma taxa constante de produção diária que simplificaria todos os fatores governantes
da produção do fitoplâncton em um único coeficiente (Fig. 2.10). Quanto maior o número de parâmetros e de
variáveis externas envolvidas no cálculo de um processo, melhor é a aproximação com a realidade e maior é
a dificuldade de suas estimativas em campo ou experimentalmente. A representação de um processo por meio
de um valor constante pode ser uma simplificação grosseira da realidade, mas condensa todo o processo por
meio de um único parâmetro (taxa constante), o que facilita o entendimento e o controle desse processo.
FIG. 2.9 Esquema do modelo presapredador de LotkaVolterra, cuja variável de interesse é a biomassa algal
e zooplanctônica
FIG. 2.10 Possíveis representações matemáticas da produção de biomassa fitoplanctônica
A dúvida é saber qual a melhor alternativa. Existe um valor ótimo entre a aproximação com a realidade e a
complexidade do modelo (número de parâmetros envolvidos) (Fig. 2.11). Nessa hora, vale o emprego do
princípio da parcimônia, que é a representação adequada do comportamento de um processo ou sistema por
um modelo com o menor número possível de parâmetros.
FIG. 2.11 Complexidade do modelo versus aproximação da solução (diferença entre a solução real e a
modelada). O encontro das duas curvas representa o ponto ótimo de número de parâmetros utilizados para
representar um determinado processo ou fenômeno
2.4.3 DEDUÇÃO DO MODELO MATEMÁTICO
Nesta etapa, substituise a linguagem conceitual em que se encontra o problema por uma linguagem
matemática coerente, ou seja, as variáveis de estado e os fluxos são escritos em termos matemáticos. Para
cada variável de estado, realizase um balanço de fluxo, com o objetivo de representar a continuidade em
um intervalo de tempo infinitesimal (dt) (Fig. 2.12).
FIG. 2.12 Representação dos fluxos de entrada e saída (processos) para uma determinada variável de estado
(A)
Dessa forma, a equação da continuidade para uma variável de estado, A, pode ser escrita como:
2.1
O diferencial de A em relação a t representa o balanço da variável de interesse em um certo intervalo de
tempo ou a variação interna de seu valor naquele intervalo. Por outro lado, o diferencial tem unidade de fluxo
e, dessa forma, o balanço de uma variável de interesse deve ser também em termos de fluxos. Por exemplo, o
modelo presapredador poderia ser representado pelas seguintes equações diferenciais:
2.2
2.3
O primeiro termo do lado direito da Eq. 2.2 representa a quantidade de biomassa fixada por meio
da fotossíntese no intervalo de tempo. O segundo termo descreve as perdas de biomassa fitoplanctônica
(fluxo negativo) resultantes do consumo pelo zooplâncton. A população de zooplâncton converte o alimento
ingerido em crescimento com uma certa eficiência (ez) e sofre perdas devido à respiração e à mortalidade por
outros organismos. A biomassa de fitoplâncton (F) e zooplâncton (Z) são as variáveis de estado ou de
interesse desse modelo.
Vale ressaltar que é da responsabilidade do modelador decidir os fatores que serão incluídos em cada termo
para representar melhor um determinado processo. Por exemplo, a produção primária está associada a vários
fatores, tais como temperatura, luz, nutrientes, concentração do próprio fitoplâncton, entre outros. Nesse
modelo simplificado, admitiuse que a produção primária só dependeria da concentração do fitoplâncton, e os
outros fatores seriam negligenciados. Essa falsa suposição pode não representar bem esse processo, mas, por
outro lado, fezse uso de apenas um parâmetro (r) para minimizar a complexidade do modelo (princípio da
parcimônia). Na seção 17.2 há mais detalhes desse modelo.
2.4.4 RESOLUÇÃO DO PROBLEMA MATEMÁTICO
Nesta fase, com recursos matemáticos e computacionais, procurase uma solução do problema matemático
formulado. Os métodos matemáticos para solucionar as equações diferenciais podem ser analíticos ou
numéricos. No Cap. 5, apresentamse alguns desses métodos, com a finalidade de resolver um determinado
sistema de equações diferenciais, seja ele simples ou complexo.
Após a resolução das equações, o passo seguinte é a escolha de uma linguagem computacional apropriada
para implementar as equações diferenciais do modelo (Fig. 2.13). Diversos softwares disponíveis no mercado
tratam desse assunto, tais como Excel, Maple, Matlab, Fortran, C++, Delphi e Turbo Pascal. A escolha
do software matemático está diretamente relacionada à intimidade do modelador com o programa, como
também à complexidade do problema a ser resolvido. Alguns programas matemáticos levam vantagens em
relação a outros em termos de velocidade de processamento e disponibilidade de funções préembutidas neles
escritas.
FIG. 2.13 Programas matemáticos computacionais que processam as informações e geram os resultados
2.4.5 CALIBRAÇÃO E VALIDAÇÃO DO MODELO
Aqui, analisase a aceitação do modelo encontrado. Os parâmetros do modelo são ajustados de forma que a
saída do modelo se aproxime dos dados observados (Fig. 2.14). A calibração do modelo pode ser realizada
por tentativa e erro ou pelo uso de algoritmos que calibram automaticamente os parâmetros, utilizando
funções objetivas que minimizam a diferença entre os valores calculados e observados. Para validar o
modelo, testamse os parâmetros calibrados em um outro período com dados observados. Caso o modelo seja
considerado não válido, ou seja, sua solução não foi próxima à realidade, devese retornar à formulação de
hipóteses, simplificações e reiniciar o processo.
FIG. 2.14 Processo de calibração e validação do modelo
A eficiência da estimativa dos modelos é medida por meio de técnicas estatísticas que avaliam
características particulares das séries calculadas. Exemplos dessas técnicas são apresentados na Tab. 2.1. O
coeficiente de determinação de NashSutcliffe (R2) prioriza a comparação de valores com a média dos
valores observados, o erro médio padrão (RMSE) dá um maior peso aos valores de maior magnitude, e no
erro médio padrão invertido (RMSEI) prevalece o ajuste de valores de pequena ordem.
TAB. 2.1 Coeficientes utilizados para descrever a eficiência do ajuste dos modelos
Coeficientes Equação1
Coeficiente de determinação de
NashSutcliffe (R2)
Erro médio padrão (RMSE)
Erro médio padrão invertido
(RMSEI)
1Y
Obs é o valor observado, YCal é o valor calculado pelo
modelo, YObs é a média dos valores observados e N é o número
total de valores.
Essas técnicas de análise da eficiência do modelo podem revelar aspectos interessantes para a compreensão
das restrições, limitações e vantagens dos modelos.
2.4.6 APLICAÇÃO DO MODELO
Caso o modelo seja considerado válido, ele pode ser utilizado em aplicações com objetivos diversos, tais
como gerar hipóteses, compreender melhor o problema, explicar o fenômeno, analisar o comportamento das
variáveis de estado, fazer previsões e tomar decisões a partir dos resultados observados. Esta última é uma
das aplicações da modelagem que possibilita o manejo de situações associadas ao problema (i.e. cenários de
estudo).
Ao se considerar o modelo presapredador proposto pelas Eqs. 2.2 e 2.3, os dois organismos interagem, um
servindo de fonte de alimento primário para o outro. Nessa aplicação, utilizouse a modelagem matemática
com a finalidade de entender melhor os processos relacionados à competição entres os dois organismos. O
fitoplâncton funciona como presa e o zooplâncton como predador (Fig. 2.15). Com uma população inicial de
zooplâncton (predador) pequena, a produção de fitoplâncton na água (presa) começa a aumentar. Em um
certo ponto, a população de presa tornase tão numerosa que a população de predador começa a crescer.
Eventualmente, o aumento de predadores causa o declínio da disponibilidade de fitoplâncton, levando a um
decaimento da população de zooplâncton pela falta de alimento. O processo então se torna sazonalmente
cíclico.
FIG. 2.15 Simulação dos processos presa versus predador na água e no sedimento, em um lago hipotético,
envolvendo zooplâncton e fitoplâncton
Vale ressaltar que essas etapas não representam uma prescrição rigorosa, mas uma sequência de
procedimentos norteadores que podem proporcionar maior êxito no estudo de problemas por meio da
modelagem matemática.
2.5 MODELOS NO GERENCIAMENTO HÍDRICO E AMBIENTAL
Os modelos utilizados no gerenciamento hídrico e ambiental geralmente descrevem o comportamento de
um sistema, ou seja, são utilizados para reproduzir um fenômeno de interesse sujeito a diferentes entradas.
No entanto, eles também podem ser utilizados para examinar melhores soluções quando o interesse é
otimizar aspectos econômicos, sociais ou ambientais (e.g. metas de qualidade da água, otimização de geração
de energia e custos).
A aplicação de modelos está presente em diferentes fases do gerenciamento de recursos hídricos,
dependendo dos propósitos do estudo. Como exemplo, um esquema geral é apresentado na Fig. 2.16,
mostrando as etapas de um projeto de recursos hídricos, assim como a aplicação de modelos em diferentes
etapas no projeto. Essas etapas não representam uma regra geral, mas um clássico exemplo de como, cada
vez mais, a modelagem matemática é uma prática corrente e indispensável em estudos de recursos hídricos.
Na sequência, cada etapa é descrita com mais detalhes:
FIG. 2.16 Modelos em projetos para gerenciamento dos recursos hídricos
1. Identificação do estado atual da bacia: avaliação da ocupação urbana atual, estimativa da geração de
esgoto doméstico e industrial, e de eventos chuvosos críticos.
2. Quantificação de volumes e cargas geradas pela bacia: levantamento das características físicas das bacias
(área, rede de drenagem, uso do solo, declividade média etc.), e de modelo chuvavazão para quantificar
o escoamento sub e superficial produzido pelas bacias, e de modelos de qualidade da água para a
estimativa do aporte de nutrientes gerado para o ecossistema aquático, o monitoramento de vazão e a
amostragem de indicadores de qualidade da água.
3. Estado atual do ecossistema aquático: utilização de modelagem ecológica para identificar e quantificar o
retrato atual do ecossistema, uso de monitoramento de níveis, velocidade, qualidade da água e
comunidades aquáticas para a calibração do modelo.
4. Teste de alternativas: projeção dinâmica do crescimento populacional, uso do solo e cargas de nutrientes
(previsão de cenários futuros otimistas e pessimistas, isto é, com e sem tratamento de esgoto, implantação
de medidas mitigadoras) para utilização conjunta com a simulação ecológica de várias alternativas,
visando ao retorno para um estado de referência em uma projeção de futuro.
5. Seleção do cenário: determinação do cenário que promove menores impactos no ecossistema aquático e
que maximize os benefícios socioambientais e econômicos. Nessa etapa, critérios como custo do projeto,
benefícios para o controle de cheias, diluição da poluição, redução dos custos de tratamento de água,
comportamento das comunidades aquáticas e utilidade da água mais limpa aumentada para a irrigação e a
indústria devem ser levados em consideração.
6. Aplicação, monitoramento e manejo na bacia: monitoramento das variáveis ecológicas no ecossistema
aquático e nas bacias de contribuição durante a aplicação da alternativa escolhida, emprego de medidas
corretivas na bacia, visando reduzir a geração de cargas pontuais de nutrientes, bem como o reflexo
dessas melhorias no ecossistema aquático.
2.6 TENDÊNCIAS DA MODELAGEM ECOLÓGICA
A Limnologia evoluiu, de uma ciência preponderamente descritiva e qualitativa, para uma área de
conhecimento cujos métodos quantitativos são explorados por meio de metodologias matemáticas e
estatísticas.
Apesar de a modelagem ecológica ter começado na década de 1920, o uso compreensivo de modelos no
gerenciamento de ecossistemas apenas começou na década de 1970, com a acessibilidade e disseminação dos
computadores. Recentes estimativas indicam que mais de 4.000 diferentes modelos ecológicos foram
utilizados como ferramentas de pesquisa e gerenciamento ambiental. Aprendemos que o desenvolvimento de
modelos requer um conhecimento compreensivo da funcionalidade do ecossistema, sendo extremamente
importante encontrar um equilíquio entre complexidade e foco do problema. Apesar da larga experiência
obtida com a modelagem ecológica, ainda há muitos problemas no desenvolvimento de modelos
matemáticos, entre os quais podemos citar:
A. frequentemente não se tem informação suficiente para desenvolver ou aplicar um modelo;
B. a estimativa dos valores dos parâmetros ainda requer muito esforço computacional, de campo e
experimental;
C. nem sempre os modelos refletem as reais propriedades dos ecossistemas, em particular suas
adaptabilidades e habilidades de reconhecer uma mudança de estado do ecossistema quando submetido a
fortes distúrbios (e.g. mudança na composição de espécies pelo aumento de carga de nutrientes ou
biomanipulação).
A complexidade de um ecossistema não é apenas formada por um grande número de interações entre
organismos e variáveis químicas e físicas. Ecossistemas pertencem a uma classe de sistemas denominada
“sistemas adaptativos” (Brown, 1995). O número de feedbacks e processos é tão grande que torna possível
um organismo, ou uma população, sobreviver e reproduzir mesmo sob fortes mudanças das condições
externas ou internas (também chamadas de condições prevalecentes do ecossistema). Um dos grandes
desafios da modelagem ecológica futura é o desenvolvimento de modelos adaptativos a mudanças das
condições prevalecentes, chamados modelos conceituais de estrutura dinâmica, os quais possuem uma
estrutura adaptativa a essas mudanças, ou seja, os parâmetros estão em função das condições externas e
internas do ambiente (Jorgensen, 1999). Entretanto, uma precisa representação das condições do ecossistema
após um distúrbio pode não ser garantida, a menos que as interações tróficas sejam mais bem entendidas
durante tais mudanças. Devese realizar um esforço nesse sentido, também deverá ser realizado se quisermos
obter um prognóstico mais preciso dos modelos ecológicos.
EQUAÇÕES DIFERENCIAIS
3
3.1 IDENTIFICAÇÃO DOS PROCESSOS
As equações diferenciais derivadas na formulação de modelos são simplificações matemáticas de
comportamentos reais. Elas expressam os mais importantes processos, com a finalidade de representar um
determinado fenômeno (e.g. comportamento de uma determinada comunidade aquática, a variação de um
componente químico da água, um escoamento superficial). Em modelos ecológicos, geralmente essas
equações estão em função do espaço e do tempo (variáveis independentes). Existem dois métodos para
resolver uma equação diferencial: analíticos e numéricos. Quando todas as equações em um modelo podem
ser resolvidas algebricamente, o modelo é classificado como analítico. Como os problemas ecológicos são,
com frequência, altamente não lineares, uma solução analítica nem sempre é possível (e.g. equação
de NavierStokes), tornando esse método um pouco limitado em problemas complexos. Nesses casos, são
utilizados métodos numéricos, que dão uma aproximação da solução verdadeira (dependendo de critérios
de convergência, consistência e estabilidade). Neste capítulo descrevemos, de forma simplificada, alguns
dos métodos analíticos e numéricos mais comuns, visando solucionar algumas equações diferenciais de
modelos ecológicos simples/complexos e as equações de escoamento.
3.2 FUNDAMENTOS DE UMA EQUAÇÃO DIFERENCIAL
As equações diferenciais podem ser classificadas como ordinárias ou parciais. Uma Equação Diferencial
Ordinária (EDO) caracterizase pela presença de uma única variável independente; caso contrário, ela pode
ser denominada Equação Diferencial Parcial (EDP), que possui diversas variáveis independentes.
Apresentamse a seguir as soluções de casos particulares de equações diferenciais de 1ª ordem e de sistemas
de equações diferenciais amplamente encontrados em problemas ecológicos simples, que descrevem o
comportamento de uma variável de estado ou interações entre duas ou mais variáveis de interesse.
3.2.1 EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE 1ª ORDEM
Sob muitos aspectos, as mais simples equações diferenciais encontradas em problemas ecológicos são as
equações diferenciais ordinárias de 1a ordem, cuja forma é:
3.1
onde y é a variável dependente, x é a variável independente e a1, a0e h são funções contínuas de x, com a1 ≠
0. Dividindo todos os termos
EXEMPLO 3.1 Ache a solução geral de
onde t é a variável independente e y é a variável dependente.
Nesse caso, p (t) = 2t e h (t) = t, a solução geral é:
integrando
por partes, temse:
Solução geral:
para y = y0 em t = t0.
por a1, podemos reescrever a Eq. 3.1 de forma simplificada:
3.2
onde p(x) = a0(x)/a1(x) e q(x) = h(x)/a1(x). A solução geral dessa equação em um intervalo contínuo I pode
ser obtida por:
3.3
onde C é uma constante arbitrária. O conjunto de soluções acima faz parte da solução geral da equação
diferencial de 1ª ordem, a qual depende do valor da constante C. Uma solução particular pode ser
determinada a partir de um ponto conhecido que pertence a essa solução. Dessa forma, o valor de C pode ser
determinado.
Na Fig. 3.1 traçamos algumas soluções particulares, considerando diferentes valores de C. Note que para
cada valor de C existe uma curva correspondente no plano xy. Isso significa que, dependendo do ponto
conhecido, existirá uma única solução para a equação diferencial. Esse comportamento das soluções
particulares é característico das equações diferenciais de 1ª ordem.
FIG. 3.1 Conjunto de soluções particulares do Exemplo 3.1
3.2.2 SISTEMA DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE 1ª ORDEM
Muitos problemas ecológicos simples destacam as interações entre duas ou mais variáveis de estado, as
quais resultam em um sistema de equações diferenciais de 1ª ordem, no qual cada operador aparece com
ordem menor ou igual a 1. Esse sistema tem a seguinte forma:
3.4
onde a11, …, ann são constantes; x1, x2, …, xn são as variáveis dependentes e t é a variável independente. Em
forma matricial, a Eq. 3.4 pode ser escrita como:
3.5
onde A é a matriz de coeficientes e X é o vetor de incógnitas. Com a finalidade de solucionar o vetor X, são
propostas combinações lineares da forma:
X = eλt ꞏ T 3.6
onde T é um vetor constante e λ é um valor a determinar. Substituindo no sistema de equações diferenciais
apresentado na Eq. 3.5, temse:
λ ꞏ eλt ꞏ T = A ꞏ eλt ꞏ T, ou eλt (AT – AT) = 0 3.7
resultando em:
eλt (A − λI) T = 0 3.8
onde I é a matriz identidade composta por 0 fora da diagonal principal e por 1 na diagonal principal.
Como eλt é sempre diferente de zero, podemos reescrever a Eq. 3.8 na forma:
(A − λI) T = 0 3.9
A Eq. 3.9 é denominada a transformação linear do sistema de equações diferenciais, que fornece soluções
particulares da forma eλtꞏT ou combinações lineares dessa solução. Em linguagem matemática, λ são
os autovalores e T são os autovetores associados a A, responsáveis pela transformação de X
′ = A ꞏ X em X = eλt ꞏ T
Se os elementos da matriz A, de n × n, são funções contínuas de t em um intervalo qualquer, então
existem n vetores linearmente independentes, x1, x2, …, xn, que satisfazem o sistema apresentado na Eq. 3.4,
e qualquer outra solução pode ser expressa como uma combinação linear de x1, x2, …, xn. Dessa forma,
podemos escrever uma solução geral da forma:
X = C1X1 + C2X2 + …. + CnXn 3.10
onde cada elemento CiXi é uma solução particular do sistema de equações, e as soluções são da forma:
Xi = eλit ꞏ Ti 3.11
EXEMPLO 3.2 Ache a solução geral do sistema de equações diferenciais
Em forma matricial:
onde
Os autovalores podem então ser determinados utilizandose a Eq. 3.9:
Os autovetores são:
Resolvendo AT1 = λ1T1, temse:
Se s1 = 1, temse:
Resolvendo AT2 = λ2T2, temse:
Se r1= 1, temse:
Solução geral:
ou
Assim como no caso das equações diferenciais de 1ª ordem, existe uma solução particular para cada
combinação dos valores de C1 e C2 (Fig. 3.2). Os valores desses coeficientes são determinados por meio do
conhecimento de pontos que pertencem a uma determinada solução particular de x1 e x2.
FIG. 3.2 Conjunto de soluções particulares do Exemplo 3.2
Para o caso de os autovalores serem iguais, são propostas soluções da forma:
3.12
onde k = 0, 1, …, n − 1 é um fator de multiplicidade do autovalor λi. Dessa forma, podemos escrever a
solução geral da seguinte forma:
X = C1 ꞏ eλ1t ꞏ T1 + C2t1 ꞏ eλit ꞏ T2 + …. + Cntn–1 ꞏ 3.13
eλnt ꞏ Tn
EXEMPLO 3.3 Ache a solução geral do sistema de equações diferenciais
Os autovalores podem então ser determinados utilizandose a Eq. 3.9:
Propomos as soluções particulares:
X1 = eλ1t ꞏ T1 e X2 = eλ2t ꞏ T2 + t ꞏ eλ2t ꞏ T3 = eλ2t (T2 + t ꞏ T3)
Resolvendo AT1 = λ1T1 ⇒ AT1 = 2T1, temse:
Se s1 = 1, temse:
A segunda solução pode ser obtida substituindo
2e2t (T2 + t ꞏ T3) + e2tT3 = Ae2t (T2 + t ꞏ T3).
Simplificando a equação por e2t, temse: (2T2 + T3) + 2tT3 = AT2 + tAT3.
Igualando os coeficientes, resulta em:
Da equação (1) obtémse:
Se
logo a solução geral do sistema é:
3.3 MÉTODOS NUMÉRICOS
Algumas equações diferenciais ou sistemas de equações diferenciais são tão complexos que não podem ser
resolvidos analiticamente. É possível, contudo, encontrar soluções aproximadas ao se desmembrar o domínio
no tempo e no espaço em intervalos discretos, em um número finito de pontos, com a finalidade de
representar um determinado fenômeno da melhor forma possível. Os principais métodos numéricos
encontrados na literatura são: o Método das Diferenças Finitas (MDF) e o Método dos Elementos
Finitos (MEF). Cada um desses métodos apresenta variações quanto ao seu esquema de discretização.
Descrever em detalhes todas essas variações não é o propósito deste livro. Assim, será apresentado o Método
das Diferenças Finitas e algumas variações quanto à forma de aproximação das derivadas, uma vez que é o
método mais aplicado atualmente em modelos ecológicos, por questões de simplicidade em sua formulação.
A base do MDF é que funções de variáveis contínuas que descrevem um determinado comportamento são
substituídas por funções definidas em um número finito de pontos em uma grade dentro de um domínio de
interesse (Fig. 3.3).
Essa grade pode ser regular (Δxi = Δxi−1) ou irregular (Δxi ≠ Δxi−1) no espaço e/ou no tempo. Geralmente,
a discretização no espaço é denotada pelo símbolo i, onde xi =
para i = 1, 2, …, N. Da mesma maneira, a discretização no tempo é definida por um conjunto de pontos
denotados pelo símbolo n, onde tn
para n = 1, 2, …, M. Esse conjunto de pontos define a grade computacional de interesse.
Por definição, a derivada de uma função contínua f(x, t) pode ser escrita como:
FIG. 3.3 Grade computacional de Diferenças Finitas
3.14
Em diferenças finitas, uma derivada real é aproximada numericamente se Δx ou Δt for suficientemente
pequeno para representar o valor real das derivadas (Fig. 3.4):
3.15
FIG. 3.4 Escolha do elemento diferencial para representar a derivada real da função f em um ponto t (reta
tangente)
O fato é que Δx e Δt nunca são infinitesimalmente pequenos e, por isso, existe sempre um resíduo
resultante dessa aproximação, associado à estabilidade da solução numérica. Esse erro pode ser estimado
utilizandose a série de Taylor:
3.16
Os esquemas numéricos são classificados quanto ao nível de discretização no espaço e/ou no tempo. No
espaço, existem três tipos de aproximações:
A. central, que utiliza informações das abscissas x + Δx e x − Δx, ou nos pontos x + Δx/2 e x − Δx/2, para o
cálculo da derivada em x;
B. progressiva, que utiliza informações das abscissas x + Δx e xpara o cálculo da derivada em x; e
C. regressiva, que utiliza informações nos pontos x e x − Δx para o cálculo da derivada em x.
Matematicamente, esses esquemas no espaço podem ser expressos por:
3.17
Por fim, a forma semiimplícita das derivadas do espaço pode ser escrita como:
3.19
O ponderador temporal θ pode assumir valores entre 0 e 1. Observe que, para θ = 1, o esquema
numérico fica completamente implícito, enquanto que, para θ = 0, o esquema fica totalmente explícito.
Aplicações comprovam que esse procedimento melhora a precisão e assegura a estabilidade da predição de
modelos (e.g. Wang et al., 1998).
Pelo seu grau de simplicidade (apenas uma incógnita por equação), os esquemas explícitos no tempo são
os mais utilizados. Já os esquemas implícitos e semiimplícitos necessitam do emprego de técnicas matriciais
para a solução da variável de interesse (apresentam mais de uma incógnita por equação) (ver Press et al.,
1992 para a solução de sistema de equações).
Alguns esquemas numéricos são apresentados na sequência, os quais são simplesmente casos particulares
dos esquemas apresentados anteriormente.
Esquema de Lax
O esquema de diferenças finitas de Lax é baseado nas seguintes aproximações das derivadas.
3.20
3.21
O esquema de Lax utiliza um esquema centrado explícito para a derivada no espaço e uma ponderação
espacial nos elementos do tempo n para a derivada no tempo (Fig. 3.5).
O valor de α pode variar de 0 a 1. Para α = 1, o esquema de diferenças no tempo dá um maior peso ao
termo fi,n, e para α = 0, o esquema dá um maior peso aos termos fi+1,n e fi−1,n.
FIG. 3.5 Elementos utilizados no esquema de Lax
EXEMPLO 3.4 Utilizando diferentes esquemas numéricos, ache a solução numérica para a equação
diferencial
sendo Y uma função de x e t.
Solução:
1) Esquema central explícito para a derivada do espaço:
Nesse caso, haveria apenas uma incógnita no tempo n+1. Explicitando a incógnita, temse:
2) Esquema central implícito para a derivada do espaço:
Nesse caso, haveria três incógnitas no tempo n + 1 por equação. Organizando a equação acima,
obtémse:
3) Esquema central semiimplícito para a derivada do espaço:
Arrumando os termos da equação acima, temse:
Esquema de Leapflog
O esquema de diferenças finitas de Leapflog utiliza um esquema centrado explícito para a derivada no
espaço e no tempo (Fig. 3.6).
3.22
3.23
FIG. 3.6 Elementos utilizados no esquema de Leapflog
Esquema de Preissman
O esquema de diferenças finitas de Preissman utiliza um esquema centrado semiimplícito para a derivada
no espaço e um esquema centrado no tempo, utilizando elementos médios localizados entre os nós (Fig. 3.7).
3.24
3.25
onde
Para θ = 0, a derivada no espaço fica completamente explícita.
FIG. 3.7 Elementos do esquema de Preissman
3.4 CONSISTÊNCIA E CONVERGÊNCIA
A simples escolha de um esquema numérico não é suficiente para obter a solução correta; é necessário
conhecer algumas condições dos esquemas que permitem uma solução compatível para a equação diferencial.
A solução numérica sempre envolve algum erro com relação a sua solução analítica verdadeira. Para que
esses erros sejam minimizados, é necessário verificar a consistência, a convergência, a estabilidade e a
precisão numérica do esquema utilizado, com relação à equação diferencial representada.
Os erros envolvidos na solução numérica são de truncamento da série, o de arredondamento e o de
discretização. O erro de truncamento referese ao truncamento da expansão da série de Taylor dos termos
envolvidos. O erro de arredondamento referese ao arredondamento de um número nas suas operações,
relacionado à característica do programa computacional matemático utilizado (e.g. Fortran, C++, Matlab),
enquanto o erro de discretização depende de como o esquema numérico discretiza a equação diferencial.
Com a evolução dos programas computacionais, o erro de arredondamento é praticamente desprezível
quando as variáveis são declaradas em formato de dupla precisão (double precision).
Para um esquema numérico ser considerado consistente na solução de uma equação diferencial, a diferença
(w) entre a equação diferencial e a equação diferencial numérica tende para zero quando Δx → 0 e Δt → 0.
Um esquema numérico é convergente quando a(s) diferença(s) entre a solução obtida por meio do esquema
numérico e a solução verdadeira converge(m) para zero quando Δx → 0 e Δt → 0.
Conforme a solução numérica se aproxima da solução analítica, o sistema é convergente. Por sua vez,
quando toda a equação numérica converge para a equação diferencial, o sistema é consistente.
3.5 ESTABILIDADE E PRECISÃO
Mesmo com critérios de consistência e convergência, os modelos matemáticos podem apresentar soluções
numéricas inaceitáveis, por não atender a critérios de estabilidade e precisão. Um modelo é chamado estável
quando os erros numéricos acumulados não são significativos a ponto de amplificar os valores da solução
numérica para o infinito. A estabilidade está relacionada aos erros de truncamento da série de Taylor, os quais
são intrínsecos ao esquema numérico adotado. A condição de estabilidade numérica pode ser obtida pelo
método de Von Neumann, desenvolvido para equações diferenciais lineares.
FIG. 3.8 Erros de amplitude e defasagem referentes à precisão numérica
A precisão numérica está relacionada com a escolha de um Δx e um Δt adequados, de forma que a
aproximação numérica possa representar razoavelmente a variabilidade da solução verdadeira. Os erros
decorrentes da precisão são denominados erros de amplitude e defasagem (Fig. 3.8).
Parte II
PROCESSOS AMBIENTAIS
4 PROCESSOS HIDROLÓGICOS
Ecossistemas aquáticos e terrestres estão conectados pelo movimento da água, transportando materiais
orgânicos e inorgânicos através de bacias de drenagem ou hidrográficas. Características geológicas da
paisagem governam as direções do movimento e, particularmente, o tempo de residência da água durante o
movimento na superfície e no subsolo da bacia. A duração do contato com o solo e a microbiota influencia o
conteúdo de sais dissolvidos e de compostos orgânicos presentes na água. A bacia de drenagem regula a
característica de lagos e rios (Hynes, 1975; Likens, 1984), e a geomorfologia determina a composição do
solo, o declive e, em combinação com o clima, o tipo de vegetação. O tipo de vegetação e a composição do
solo influenciam não apenas a quantidade do escoamento, mas a composição e a quantidade de matéria
orgânica que entra nos lagos e rios.
FIG. 4.1 Representação dos processos hidrológicos em uma bacia de drenagem
Fonte: adaptado de EPA, 1998.
Os processos hidrológicos fazem parte do ciclo hidrológico, considerado um intercâmbio de água entre
grandes reservatórios, tais como oceanos, geleiras, rios, lagos, vapor d’água da atmosfera, águas subterrâneas
e água retida nos seres vivos. A Fig. 4.1 mostra um resumo dos processos hidrológicos que ocorrem nas
bacias de drenagem. Neste capítulo são apresentados os mais importantes processos hidrológicos do ciclo,
que determinam o equilíbrio entre entrada e saída da água em uma bacia hidrográfica.
4.1 ESCOAMENTO
Em bacias hidrográficas, o escoamento é definido como o movimento das águas na superfície do solo, na
interface entre a superfície e o interior do solo e no lençol subterrâneo. Os escoamentos são governados
fundamentalmente pela ação da gravidade e caracterizamse quantitativamente por variáveis hidrológicas
como velocidade, vazão ou lâmina d’água equivalente. A estimativa do escoamento é feita por equações de
conservação de massa, energia e quantidade de movimento. Os escoamentos em bacias hidrográficas são
divididos em três categorias (Fig. 4.2): (a) escoamento superficial; (b) escoamento subsuperficial; e
(c) escoamento de base ou subterrâneo.
FIG. 4.2 Tipos de escoamento em bacias hidrográficas. Qs – escoamento superficial; Qss – escoamento
subsuperficial; Qb – escoamento de base
O escoamento superficial acontece na superfície do solo e é mais efetivo em calhas de rios. Ele é de grande
importância, pois define importantes elementos hidrológicos, tais como o volume escoado e a vazão de
enchente (cheia máxima). O primeiro é importante na determinação do armazenamento superficial e o
segundo é utilizado para dimensionar obras de drenagem. O escoamento superficial só acontece quando
existe uma combinação de fatores que influi sobre o fluxo da água em uma seção de um rio. São eles:
A. área e forma da bacia;
B. conformação topográfica da bacia (declividade, depressões acumuladoras e represamentos naturais);
C. condições de superfície do solo (cobertura vegetal, áreas impermeáveis etc.) e constituição geológica do
solo (tipo e textura, capacidade de infiltração, porosidade, condutividade hidráulica etc., natureza e
disposição das camadas do solo);
D. obras de utilização e controle da água a montante (irrigação, drenagem artificial, canalização e
retificação dos cursos de água).
Além das condições fisiográficas, condições climáticas podem ou não ser suficientes para o escoamento
superficial. Isso significa que o escoamento superficial também pode ser produzido pelo excesso de chuva ou
pela chuva sobre um solo saturado (Fig. 4.3). O escoamento superficial ocorre, na maioria dos casos, pelo
excesso de chuva sobre a capacidade de infiltração do solo. Quanto maior a intensidade da chuva, mais
rapidamente a capacidade de infiltração do solo é atingida, provocando um excesso de precipitação
denominado Precipitação Efetiva (Pe). Em solos com maior capacidade de infiltração, o escoamento demora
mais a iniciar.
FIG. 4.3 Geração do escoamento superficial pelo excesso de chuva
O escoamento subsuperficial é definido como o fluxo de água que escoa em subsuperfície (embaixo da
terra), proveniente de zonas de saturação temporárias, que circula nos estratos superiores a uma velocidade
superior à velocidade do escoamento de base. Ele é de grande importância para a manutenção da umidade na
zona de saturação (relacionada ao processo de evapotranspiração) e para o processo de percolação de água
para o lençol (relacionado à recarga do lençol subterrâneo). Os fatores que mais influenciam a geração do
escoamento subsuperficial são as características de infiltração do solo e o gradiente topográfico da região.
O escoamento de base ocorre abaixo da região subsuperficial e é de grande importância para a manutenção
do volume subterrâneo e a integração do aquífero com o rio. Essa integração define o tipo de escoamento no
rio em: (a) Efêmero; (b) Intermitente; e (c) Perene (Fig. 4.4).
FIG. 4.4 Tipos de rios: (a) Efêmero; (b) Intermitente; e (c) Perene
O escoamento é efêmero quando o nível do lençol freático sempre fica abaixo da calha do rio. Esse
escoamento só acontece após a precipitação, com contribuição apenas do escoamento superficial. Rios de
regiões bastante secas, com solo sem capacidade de armazenamento, podem ser considerados efêmeros
(e.g. solos rochosos, leitos impermeáveis etc.). O escoamento intermitente ocorre logo após as chuvas, porém
o nível do lençol freático pode variar (subindo ou descendo) e contribuir para o escoamento total na seção do
rio (e.g. os rios do Nordeste em geral). O escoamento é perene quando o nível do lençol freático fica sempre
acima do leito do rio, mesmo durante o período de estiagem. Grandes rios como Amazonas, Nilo, Danúbio,
Reno podem ser considerados perenes.
4.2 EVAPORAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO
Evaporação é o processo pelo qual as moléculas de água na superfície líquida ou na umidade do solo
adquirem energia suficiente (por meio da radiação solar e outros fatores climáticos) e passam do estado
líquido para o estado de vapor. Esse processo pode ocorrer de forma indireta na água contida no solo
(chamada de evaporação real) ou de forma direta na água de rios, lagos, reservatórios e oceanos (evaporação
potencial). Os fatores que influenciam a evaporação são: (a) temperatura; (b) pressão atmosférica; (c) pressão
de vapor; (d) umidade relativa; (e) vento; (f) natureza da superfície; e (g) radiação solar.
A estimativa da evaporação é fundamental para a contabilidade do balanço hídrico de um determinado
sistema. Essa estimativa pode ser realizada por medição direta de aparelhos (e.g. evaporímetros ou tanques),
computada por fórmulas empíricas ou baseada na física da atmosfera estabelecida, que permite uma melhor
aproximação das condições reais. A determinação da evaporação pelo Tanque Classe A ainda é o principal
método usado (Fig. 4.5). Tratase de tanques que expõem à atmosfera uma superfície líquida de água,
permitindo a determinação direta da evaporação potencial, diariamente. Nesse caso, a evaporação potencial é
calculada pela seguinte expressão:
FIG. 4.5 Tanque Classe A utilizado para a estimativa da evaporação
Ep = E × Kt 4.1
onde Ep é a evaporação potencial; E é a evaporação do Tanque Classe A; e Kt é o coeficiente do tanque (para
a região Nordeste, Kt varia entre 0,6 e 1,0; no semiárido é comum adotarse Kt = 0, 75).
Em regiões sem equipamentos de medição direta da evaporação, uma estimativa empírica pode ser uma
boa alternativa. Os métodos mais utilizados são: (a) método do balanço de energia; (b) método aerodinâmico;
e (c) método combinado ou de Penmam.
O método do balanço de energia utiliza a equação:
4.2
onde Ep é a evaporação potencial diária (mm dia−1); Rl = (1 − α) R é a radiação solar líquida (W m−2),
descontando o albedo (α); lv é o calor latente de vaporização (J kg−1) (lv da água = 2, 501ꞏ 106 − 2370×Tar);
ρw é a massa específica da água (kg m−3) (ρw = 977 kg m−3); e Tar é a temperatura do ar (°C).
No método aerodinâmico, a evaporação potencial (Ea), em mm/dia, é estimada pela expressão:
Ea = B ꞏ (es − ea) 4.3
onde es é a pressão de vapor saturado (Pa); ea é a pressão de vapor do ar (Pa); e B é um coeficiente, em geral
em função da velocidade do vento e do tipo de superfície. A pressão de vapor saturado pode ser escrita:
4.4
onde T é a temperatura do ar (°C). O coeficiente B pode ser obtido pela equação:
4.5
onde u é a velocidade do vento (m/s) na altura z2, que corresponde à altura de medição da velocidade do
vento (geralmente é adotada como 2 m acima da superfície); e z1 é a altura da rugosidade da superfície
natural (Tab. 4.1).
O método combinado ou método de Penmam calcula a evaporação considerando os efeitos da radiação e
do vento. Ele combina as equações do método do balanço de energia e do método aerodinâmico.
TAB. 4.1 Altura da rugosidade para diferentes condições de superfície
Tipo de Superfície Altura da Rugosidade z1 (cm)
Gelo, lama 0,001
Água 0,01 a 0,06
Grama (acima de 10 cm de 0,1 a 2,0
altura)
Grama (de 10 a 50 cm de altura) 2 a 5
Vegetação (de 1 a 2 m de altura) 20
Árvores (de 10 a 15 m de altura) 40 a 70
Fonte: Chow, Maidment e Mays, 1988.
Essa combinação resulta na seguinte expressão:
4.6
onde E é a evaporação potencial (mm dia−1); Er é a evaporação calculada pelo método do balanço de energia
(mm dia−1); Ea é a evaporação calculada pelo método aerodinâmico (mm dia−1); Δ é o gradiente da curva de
pressão de saturação de vapor (Pa/°C); e γ é uma constante psicrométrica (66,8 Pa/°C). O gradiente da curva
de pressão de saturação de vapor é uma função da temperatura do ar e da pressão de saturação de vapor:
4.7
A evapotranspiração é o processo conjunto da evaporação do solo mais a transpiração das plantas. A
transpiração é a evaporação resultante da ação fisiológica dos vegetais, isto é, as plantas, por meio de suas
raízes, retiram do solo a água para suas atividades vitais, e parte dessa água é cedida à atmosfera sob a forma
de vapor (dependendo do meio ambiente e dos fatores climáticos), na superfície das folhas. Existem dois
tipos de evapotranspiração: potencial e real. A evapotranspiração potencial é a perda de água por evaporação
e transpiração de uma superfície totalmente coberta por vegetação de porte baixo. A evapotranspiração real é
a perda de água por evaporação e transpiração em condições reais de atmosfera e umidade do solo. A
evapotranspiração pode ser obtida por métodos diretos de medição ou por métodos empíricos.
O lisímetro é o método direto mais utilizado para medir a evapotranspiração. Ele consiste em um tanque
enterrado no solo com as dimensões mínimas de 1,5 m de diâmetro por 1,0 m de altura, com sua borda
superior 5 cm acima da superfície do solo. O tanque deve estar cheio de solo do local, mantendo a mesma
ordem dos horizontes. No fundo do tanque, colocase uma camada de brita coberta com uma camada de areia
grossa, com a finalidade de facilitar a drenagem da água que percolou através do tanque. Após instalado,
plantase grama no tanque e na sua área externa. Medese a EVT pelo balanço hídrico, isto é, P − Q − EVT =
ΔS.
O Tanque Classe A também poderia ser utilizado para estimar a evapotranspiração, corrigindo a estimativa
de evaporação com o coeficiente de cultura (Kc):
ETP = E × Kt × Kc 4.8
onde os valores de Kc são tabelados para diferentes culturas nos seus vários estágios de desenvolvimento
(ver Tab. 4.2).
TAB. 4.2 Valores para o coeficiente de cultura para estimar a evapotranspiração pelo método do Tanque
Classe A
A evapotranspiração também pode ser estimada por alguns métodos empíricos, utilizandose: (a) equações
com base na temperatura do ar (e.g. método de Thornthwaite e método de BlaneyCriddle); e (b) equações
com base na evaporação potencial (e.g. método do Balanço de Energia, método Aerodinâmico e método
Combinado).
O método de Thornthwaite foi desenvolvido com base em dados de evapotranspiração medidos e dados de
temperatura média mensal, para dias com 12 horas de brilho solar e mês com 30 dias. Nesse método, a
evapotranspiração é calculada pela seguinte expressão:
4.9
onde ETP é a evapotranspiração mensal (mm/mês);Fc é um fator de correção em função da latitude e do mês
do ano; I é o índice anual de calor, correspondente à soma de 12 índices mensais; e T é a temperatura média
mensal (°C). O índice anual de calor e o coeficiente a podem ser estimados da seguinte forma:
4.10
a = 67, 5 ꞏ 10−8 ꞏ I3 − 7, 71 ꞏ 10−6 ꞏ I2 + 0, 01791 4.11
ꞏ I + 0, 492
onde Ti é a temperatura média mensal do mês i (°C). Para corrigir os valores de evapotranspiração calculados
pelo método Thornthwaite (Eq. 4.9) para diferentes culturas, basta multiplicálos pelo coeficiente de cultura
da Tab. 4.2.
O método de BlaneyCriddle foi desenvolvido originalmente para estimativas de uso consuntivo em
regiões semiáridas, e utiliza a equação:
ETP = 0, 457 ꞏ T + 8, 13 ꞏ p 4.12
onde ETP é a evapotranspiração mensal (mm/mês); T é a temperatura média anual (°C); e p é a porcentagem
de horas diurnas do mês sobre o total de horas diurnas do ano. A mesma correção para diferentes culturas
aplicada no método de Thornthwaite também pode ser aplicada para o método de BlaneyCriddle (Tab. 4.3).
TAB. 4.3 Valores para o fator de correção Fc do método de Thornthwaite
Fonte: Unesco, 1982.
Para estimar os valores da evapotranspiração potencial por meio da evaporação potencial (EP), basta
multiplicar a EP pelo coeficiente de cultura Kc.
4.3 INFILTRAÇÃO
Infiltração é o processo hidrológico pelo qual a água penetra nas camadas superficiais do solo e se move
para baixo, em direção ao lençol d’água. A ocorrência de infiltração depende de vários fatores, a saber: (a)
água disponível para infiltrar; (b) constituição e declividade do solo; (c) cobertura vegetal; e (d) quantidades
de água e ar inicialmente presentes no interior do solo (teor de umidade). A infiltração no solo é computada
por meio de duas grandezas principais: a capacidade e a velocidade de infiltração. A capacidade de
infiltração, geralmente expressa em mm/h, é a medida mais utilizada. Ela pode ser definida como a razão
máxima com que um solo, em uma dada condição, é capaz de absorver água e atenuar essa taxa de absorção
com o tempo. A velocidade de infiltração, por sua vez, é definida como a velocidade média com que a água
atravessa o solo, ou ainda, como a vazão dividida pela área da seção transversal do escoamento.
A velocidade de infiltração depende da permeabilidade e do gradiente horizontal hidráulico. Ela pode ser
estimada pela lei de Darcy, que descreve o escoamento da água para solos saturados:
4.13
onde V é a velocidade de infiltração; K é a condutividade hidráulica (pode ser medida com
permeâmetros); h é a Carga Piezométrica ou Altura Piezométrica (altura da água de um aquífero confinado
medida num piezômetro).
A capacidade de infiltração é medida por meio de métodos de determinação em campo. O principal
método de medida é o Infiltrômetro de Anel, que consiste em dois anéis concêntricos (o menor com 25 cm de
diâmetro e o maior com 50 cm de diâmetro, ambos com 30 cm de altura) fixados no solo com o auxílio de
uma marreta. Colocase água ao mesmo tempo nos dois anéis e medese, com o auxílio de uma régua
graduada, a infiltração vertical no cilindro interno para vários intervalos de tempo. A capacidade de
infiltração instantânea é calculada por:
FIG. 4.6 Método dos anéis concêntricos para estimativa da capacidade de infiltração
4.14
onde It é a capacidade de infiltração instantânea (mm/h); Δh é a variação da lâmina d’água (mm); e Δt é o
intervalo de tempo (h).
4.4 INTERCEPTAÇÃO
Interceptação é a parte da precipitação retida acima da superfície do solo, em razão da presença de
vegetação ou outra obstrução ao escoamento vertical. A interceptação é eventual, isto é, ela só ocorre quando
há chuva e vegetação para interceptála. O volume interceptado retorna para a atmosfera por evaporação,
após a ocorrência da chuva. A interceptação também influencia na vazão ao longo do ano. Ela pode retardar
e/ou atenuar o pico de cheias, assim como favorecer a infiltração da água no solo.
ESCOAMENTOS
5
A movimentação das águas em ecossistemas aquáticos continentais ocorre em resposta a diversas forças,
especialmente o vento, que transfere energia para a água. Os movimentos rítmicos gerados na superfície da
água (oscilações) resultam na dispersão de compostos químicos e organismos aquáticos no sistema. As
correntes levam, predominantemente, a heterogeneidade espacial desses compostos e das comunidades
biológicas, o que pode afetar também a rede de interações tróficas em ecossistemas aquáticos. Portanto, a
hidrodinâmica é a responsável pela alta mistura horizontal e vertical das águas em lagos, estuários e
reservatórios. Pelo fato de a hidrodinâmica ser determinante para explicar padrões de funcionamento do
sistema, para a modelagem biogeoquímica de muitos ecossistemas aquáticos é absolutamente necessária a
inclusão de processos hidrodinâmicos em modelos ecológicos (Jorgensen, 1986). Modelos hidrodinâmicos
são baseados no princípio de conservação de massa e do momento, assim como modelos biogeoquímicos,
porém os primeiros combinam processos de transferência para obter o balanço de massa em vez de
outros processos químicos, físicos e biológicos (Scavia; Robertson, 1979).
O movimento das águas em lagos é bem entendido teoricamente; entretanto, a simulação desse movimento
em uma fina escala espacial e uma escala temporal estendida tem gerado dificuldades (Chapra, 1997). Para
aumentar o entendimento sobre o controle do sistema, assim como a habilidade de simular e predizer sua
dinâmica, é necessário acoplar a dinâmica dos movimentos da água com os modelos ecológicos.
Adicionalmente, levantamentos de campo são necessários para prover dados aos modelos, com a finalidade
de calibrar os parâmetros hidrodinâmicos. Os dados devem ser coletados com uma resolução espacial fina e
de acordo com a sazonalidade. Desse modo, as características salientes de ambos os modelos (ecológico e
hidrodinâmico) podem ser testadas.
5.1 EQUAÇÕES DO ESCOAMENTO
As equações de NavierStokes descrevem o escoamento geral de fluidos. Elas permitem determinar os
campos de velocidade, densidade e pressão, sendo descritas da seguinte forma:
Eq. da continuidade:
5.1
Eq. da quantidade de movimento:
5.2
5.3
5.4
onde u(x, y, z, t), v(x, y, z, t) e w(x, y, z, t) são as componentes da velocidade na direção horizontal x, y e
vertical z; t é o tempo; p(x, y, z, t) é a pressão medida de um referencial conhecido; g é a aceleração da
gravidade; ρw é a densidade da água;
é o tensor de tensões.
As equações da continuidade e da quantidade de movimento podem ser obtidas a partir de um balanço de
massa e de força, respectivamente, sobre um elemento infinitesimal de água (Fig. 5.1).
A equação de continuidade expressa a conservação de massa de um volume de água. O primeiro termo é a
variação relativa da densidade do fluido seguindo o escoamento, e o segundo é a divergência do escoamento.
Segundo a equação de quantidade de movimento, três tipos de força atuam sobre o volume infinitesimal de
água: (a) forças gravitacionais; (b) forças perpendiculares às superfícies; e (c) forças tangentes às
superfícies. Além da conhecida força peso que atua verticalmente (orientada para baixo) em todos os corpos,
a força de Coriolis é outra força que pertence ao grupo das forças gravitacionais. Ela é produto da rotação do
globo relativo a um sistema de referência em movimento (no caso da Terra, girando), sendo é essencial para o
entendimento da dinâmica da atmosfera e dos oceanos, mas sem um papel importante em ecossistemas
aquáticos continentais de pequenas dimensões.
FIG. 5.1 Balanço de força em um elemento infinitesimal de água com dimensão Δx, Δy e Δz
A força de pressão enquadrase no grupo das forças perpendiculares que atuam sobre um volume de água.
Como a pressão é a mesma em faces opostas de um volume, apenas os gradientes de pressão são capazes de
produzir a aceleração da água. Por exemplo, tendo por base a Fig. 5.1, se a pressão na superfície
perpendicular ao eixo x, p(x), for maior do que a pressão na face oposta, p(x + Δx), a força resultante gerada
no volume ΔxΔyΔz resultante desse gradiente de pressão será Fx = ΔyΔz [p (x) − p (x + Δx)]. De acordo com
a 2ª lei de Newton, essa força produz uma aceleração, ∂u/∂t = Fx/m, no sentido positivo do eixo x.
Substituindo Fx na expressão anterior e fazendo Δx→ 0, resulta em:
5.5
Observe que a aceleração aponta para um gradiente de pressão negativo (o sentido do escoamento é de um
ponto de maior pressão para um ponto de menor pressão).
O terceiro grupo de forças atua na direção tangente às superfícies de um volume de água. São as chamadas
forças de tensão. No nível molecular, as forças de tensão que atuam em um volume de água são produzidas
pela viscosidade do fluido (atrito interno das moléculas de água), que seria uma força intrínseca do fluido.
Por exemplo, a força de tensão entre dois volumes de água separados verticalmente pode ser expressa por:
5.6
5.7
onde:
ρ0 (T, S) = 0, 9998395 + 6,
7914 ꞏ 10−5T − 9,0894 ꞏ 10−6T2 + 1, 5.8
0171 ꞏ 10−7T3 − 1, 2846 ꞏ 10−9T4 + 1,
1592 ꞏ 10−11T5 − 5, 0125 ꞏ 10−14 ꞏ T6 + ρ1 (T, S)
ρ1 (T, S) = S ꞏ (8, 181 ꞏ 10−4 − 3, 85 ꞏ 10−6T + 4, 96 ꞏ 5.9
10−8T2)
onde T é a temperatura da água (°C); S é a salinidade da água ( ‰ ); p é a pressão (bar); e Km é
a compressibilidade da água dada por:
5.10
O efeito combinado de todas as forças sobre um volume infinitesimal de água resulta na equação da
quantidade de movimento, apresentada anteriormente.
A seguir, apresentamos casos particulares das equações de NavierStokes, os quais são simplificações
desenvolvidas para determinados tipos de escoamentos.
5.2 SIMPLIFICAÇÃO DAS EQUAÇÕES
A equação de quantidade de movimento pode ser simplificada dependendo dos propósitos do estudo. Se
forem desprezados os termos de derivada no tempo, o escoamento é chamado de permanente, quando não
existe gradiente de velocidade e de pressão ao longo do tempo. O escoamento permanente pode ser uniforme
ou não uniforme. O escoamento uniforme ocorre quando não existe variação de pressão e de velocidade no
espaço (desprezando os termos de gravidade, pressão e tensão); caso contrário, o escoamento é considerado
não uniforme.
Quando os termos do lado esquerdo da equação da quantidade de movimento (também chamados de
termos de inércia) e o termo de pressão são desprezados, o modelo é chamado de modelo de onda
cinemática (regime permanente, sem efeito de jusante). Ao se adicionar o termo de pressão no modelo de
onda cinemática, o modelo é conhecido como modelo de difusão, que também não representa sistemas
em regime não permanente, mas oferece uma boa solução para os sistemas com efeito de jusante e de
regime permanente. O modelo só é chamado de hidrodinâmico quando os termos de inércia são levados em
consideração no modelo de difusão (equação da quantidade de movimento completa).
Também é conveniente simplificar as equações de escoamento, de acordo com a direção de preferência do
escoamento. Por exemplo, usualmente, modelos de rios consideram os gradientes espaciais apenas em uma
direção, geralmente a longitudinal. Os modelos longitudinais também são aplicáveis para estudar variações
do escoamento ao longo do eixo do reservatório, desprezando a estratificação vertical, que é marcante, por
exemplo, em reservatórios com grandes profundidades. Nesses casos, é comum o uso de modelos
bidimensionais integrados lateralmente, uma vez que a maior parte dos reservatórios são bem encaixados no
eixo longitudinal do rio, apresentando grande profundidade com dimensões verticais e longitudinais bem
maiores do que as dimensões transversais. Entretanto, nem sempre essa aproximação é suficiente, sobretudo
nos casos com uma grande variabilidade das velocidades e das concentrações no sentido transversal do
reservatório, que sugerem a utilização de uma aproximação tridimensional.
TRANSPORTE DE MASSA
6
Para a modelagem de qualidade da água, é necessária a simulação limnológica dos processos: (a) químicos
de ciclagem de nutrientes; (b) biológicos e sua escala espaçotemporal; e (c) interações tróficas em cascata.
Atualmente, dáse especial enfoque para aspectos espaçotemporais dos organismos, pois estes determinam a
dinâmica das interações tróficas entre as comunidades aquáticas (Janse, 2005). Os tipos e números de
interações exercem efeitos diretos ou indiretos em cascata sobre a estrutura trófica do sistema (Jeppesen et
al., 1997; Moss, 1998; Scheffer, 1998). Em modelos complexos recentes, esses efeitos incluem processos de
retroalimentação positiva ou negativa dos organismos sobre a qualidade da água (Van Nes et al., 2002a,
2003; Janse, 2005; Fragoso et al., 2007), os quais têm sido utilizados para a teoria de estados alternativos de
equilíbrio em lagos rasos (Cap. 18). Para o melhor entendimento da relação de todos esses processos e de sua
importância para a dinâmica da qualidade da água, apresentamos a seguir uma descrição resumida desses
temas.
6.1 PROCESSOS QUÍMICOS DE CICLAGEM DE NUTRIENTES
A modelagem da ciclagem de nutrientes compreende o ciclo biogeoquímico dos principais nutrientes
separadamente, como caixas componentes de um sistema integrado. Na Fig. 6.1 apresentamos uma
simplificação dos principais processos no ciclo do N na água, como ilustração da sua complexidade. Os
principais ciclos que podem ser modelados são: (a) fósforo total e sua forma reativa
(b) nitrogênio total e nas formas oxidada (NO3), reduzida (NO2) e íon de amônio
e (c) sílica. Outro compartimento essencial ao metabolismo do ecossistema aquático corresponde
ao carbono inorgânico e sua configuração molecular determinada pelo pH, como bicarbonato
e carbonato
ambos utilizados para a produção primária de algas e macrófitas. O carbono orgânico, em suas formas
orgânicas, também é considerado um elemento fundamental no processo de mineralização do sistema. Na
modelagem, o carbono é incluído na massa da água como detrital (particulado em suspensão) e recalcitrantes
(substâncias húmicas dissolvidas), bem como a porção de detritos no sedimento. A troca de matéria
inorgânica e detritos entre a água e o sedimento é simulada por meio da sedimentação e da ressuspensão.
Oxigênio dissolvido e pH também devem ser modelados dinamicamente, dependendo da demanda
bioquímica de oxigênio (DBO) da água e do sedimento, sólidos dissolvidos, da reaeração e da produção
primária (Janse, 2005). O processo de liberação de fósforo do sedimento também deve ser modelado,
podendo seguir um ciclo sazonal, conforme a temperatura, o pH e a quantidade de detritos no sistema. A
modelagem dos principais ciclos será descrita de forma mais detalhada na sequência.
FIG. 6.1 Dinâmica e transformação do nitrogênio em um ecossistema aquático Fonte: adaptado de EPA,
1998.
6.2 ESCALA ESPAÇOTEMPORAL
A escala espaçotemporal das variáveis de interesse do sistema deve ser conhecida, para determinar a taxa
com a qual importantes processos fisiológicos e comportamentais ocorrem (McNaught, 1979). As taxas de
consumo de nutrientes pelo fitoplâncton e a herbivoria do zooplâncton são exemplos claros dos processos
dependentes da concentração de recursos no espaço e no tempo. Isso se deve, basicamente ao fato de o
consumo desses vários substratos ser não linear no espaço e no tempo, independentemente se o substrato é
uma substância bioquímica (como um aminoácido, que interessa a bactérias) ou um organismo inteiro (como
o zooplâncton, que interessa a peixes planctívoros).
Medir apenas as concentrações médias dos constituintes químicos e biológicos dificulta a calibração e a
validação de modelos baseados em processos, porque a escala espaçotemporal de alguns processos é
diferente da escala monitorada. Alguns objetivos específicos para a síntese desses processos na modelagem
ecológica podem ser citados: (a) a descrição da escala espaçotemporal do fitoplâncton, macrófitas aquáticas,
zooplâncton e distribuição de peixes em lagos, incluindo seus extremos de concentrações de biomassa e taxas
de funções, tais como herbivoria e excreção, que levam diretamente ao padrão de distribuição de fitoplâncton
(patchiness) e nutrientes; (b) a identificação de interações espaçotemporais que sustentam o funcionamento
de um determinado fenômeno de interesse; (c) a procura por padrões na escala espaçotemporal da relação
presapredador, necessária para uma eficiente modelagem dinâmica do sistema; (d) a constatação de
heterogeneidade na distribuição da biomassa planctônica e dos fluxos associados.
A consideração de escalas espaçotemporais por modelos é fundamental para uma boa representação da
heterogeneidade e das interrelações funcionais entre os organismos aquáticos. Esse tipo de informação,
relacionada aos componentes tróficos do sistema, é vital para a calibração de modelos e para a descrição
adequada de um determinado fenômeno de interesse. A densidade média do zooplâncton, por exemplo, deve
ser usada na calibração das taxas de funções como herbivoria e excreção. Entretanto, quando a densidade do
zooplâncton é considerada determinante para a disponibilidade de alimento para peixes, a densidade máxima
observada pode ser usada para determinar as taxas de consumo por peixes. Devido à seletividade alimentar
dos peixes planctívoros pela ingestão de diferentes grupos funcionais de zooplâncton, a tendência é
geralmente subestimar o consumo nessa relação presapredador.
6.3 TRANSPORTE DE POLUENTES
As condições de escoamento do sistema, em geral, determinam o tipo de estrutura computacional do
modelo hidrodinâmico e do modelo de qualidade da água a serem utilizados. As condições químicas e
biológicas das cargas de poluentes determinam o tipo de constituinte que deve ser simulado para melhor
identificar o nível de qualidade da água do sistema. A equação do transporte de massa geral é tridimensional,
definida a partir de um elemento diferencial infinitesimal (Fig. 6.2), e pode ser aplicada para a simulação de
cada variável de qualidade da água sujeita ao transporte por advecção e difusão. A expressão geral dessa
equação é:
6.1
onde Cϕ é a concentração do poluente ϕ; H é a profundidade total; Kx, Ky e Kz são os coeficientes de
difusividade nas direções x, y e z, respectivamente; Sϕ é o termo de perdas e ganhos do
poluente; ϕ e v e w são os componentes da velocidade da água nas direções x, y, z. (Chapra, 1997).
O nível de precisão dos resultados modelados está ligado aos objetivos e ao nível do estudo. Em uma
análise preliminar do problema, podem ser utilizados modelos mais simplificados, como os modelos
concentrados, que identificam problemas em macroescala. Grande parcela dos modelos de qualidade da água
representa apenas parte da variabilidade dos constituintes químicos e biológicos, em razão do grande número
de simplificações adotadas (e.g. relações matemáticas simplificadas para representação dos processos, falta
de detalhamento para representar a ciclagem de nutrientes e variabilidades da fauna aquática e suas
interações). Entretanto, poderia ser viável a utilização de modelos de qualidade da água mais complexos, os
quais detalham melhor as interações e os processos como advecção e difusão.
FIG. 6.2 Balanço de massa em um elemento diferencial
6.3.1 ADVECÇÃO E DIFUSÃO
O transporte da matéria na água pode ser dividido em duas categorias: advecção e difusão (Fig. 6.3). O
transporte por advecção é aquele que não deforma a substância que está sendo transportada no espaço. Na
equação de transporte, a advecção é representada pelas derivadas de primeira ordem no espaço. O transporte
por difusão referese ao espalhamento (para o caso de escalares) ou à diluição (para o caso de poluentes) da
matéria ao longo do tempo. Matematicamente, a difusão é expressa pelas derivadas de segunda ordem na
equação de transporte. Existem dois tipos de difusão: molecular e turbulenta. A difusão molecular acontece
em uma microescala, como resultado do movimento browniano da água. Do ponto de vista de valores de
concentrações, a difusão ocorre no sentido inverso, ou seja, de uma solução menos concentrada para uma
solução de maior concentração.
FIG. 6.3 Transporte por (A) advecção e (B) difusão de um poluente no espaço (x) e no tempo (t). O tom cinza
mais escuro indica uma concentração mais alta do que o tom cinzaclaro
Kz = 0, 23 ꞏ u ꞏ H 6.3
onde u é a velocidade da água na direção x e H é a profundidade da água. O coeficiente de difusão
longitudinal (Kx) é muito maior do que o coeficiente de difusão vertical (Kz), porque ele incorpora
a convecção diferencial por causa do perfil de velocidade vertical logarítmico em um escoamento.
CICLOS QUÍMICOS
7
Os ciclos químicos representam a movimentação natural de elementos químicos no ecossistema aquático.
Eles têm um importante papel na dinâmica dos organismos aquáticos (componentes bióticos) e nas condições
tróficas do ambiente (componentes abióticos). Neste capítulo descrevemos os mais importantes ciclos
químicos em ecossistemas aquáticos.
7.1 CARBONO
A modelagem do ciclo de carbono é considerada a espinha dorsal na qual outros ciclos modelados são
baseados. Um esquema simplificado do ciclo do carbono na água e no sedimento é ilustrado na Fig. 7.1.
Alguns termos de perdas e ganhos para algumas variáveis de estado do carbono estão na Tab. 7.1.
O carbono presente nos seres vivos aquáticos e nos compartimentos orgânicos e inorgânicos é,
originalmente, proveniente da atmosfera pela transferência de dióxido de carbono (CO2) na interface ar
água (existem outras fontes de carbono, tais como a carga gerada pelas bacias adjacentes). Por meio da
fotossíntese, os seres fotossintetizantes fixam o carbono que retiram do compartimento de carbono inorgânico
dissolvido (CID) presente na água. Esses átomos de carbono passam a fazer parte das moléculas orgânicas
fabricadas pelo fitoplâncton e pelas macrófitas aquáticas. Durante a respiração, uma parte das moléculas
orgânicas é degradada, e o carbono que as constituía é devolvido à água, novamente na forma de CO2 no
compartimento de CID. O carbono presente na excreção e na mortalidade dos organismos aquáticos passa a
fazer parte do compartimento de carbono orgânico particulado (COP) e carbono orgânico dissolvido (COD).
Organismos decompositores são responsáveis por transformar o COP em COD, e este é, por fim,
transformado em CID por uma nova ação bacteriana, processo denominado mineralização.
FIG. 7.1 Esquema simplificado da dinâmica do carbono na água e no sedimento
Parte do carbono retirado da água passa a constituir a biomassa dos seres fotossintetizantes, podendo
eventualmente ser transferida aos organismos herbívoros (e.g. zooplâncton
herbívoro, macroinvertebrados bentônicos, peixes planctívoros e onívoros). Nos herbívoros, parte do
carbono contido nas moléculas orgânicas dos alimentos é liberada durante a respiração, e o resto irá constituir
sua biomassa, que poderá ser transferida para um organismo carnívoro (e.g. zooplâncton carnívoro e peixes
piscívoros). Dessa forma, o carbono fixado pela fotossíntese vai passando de um nível trófico mais baixo
para outros mais altos, enquanto retorna gradativamente para a água e para a atmosfera, em consequência da
respiração dos próprios organismos e da ação dos decompositores, que atuam em todos os níveis tróficos.
Podemos resumir os principais processos envolvidos no ciclo do carbono na água e no sedimento em:
A. Fluxos atmosféricos do CID.
B. Armazenamento de carbonato no sistema induzido pelas variações do CID em função do PH.
C. Mineralização do COP para COD e do COD para CID.
D. Assimilação de CID pela vegetação (fitoplâncton e macrófitas).
E. Fluxos na interface águasedimento de CID e COD.
F. Decomposição de COP para COD.
G. Mortalidade biológica e excreção em COD e COP.
7.1.1 FLUXO ATMOSFÉRICO
O dióxido de carbono que cruza a interface arágua, FCO2 (gm−2s−1), pode ser calculado com a seguinte
expressão:
7.1
onde pCO2 é a pressão parcial de CO2 (atm); kCO2 é a velocidade de transferência do gás (m/s), calculada
como:
7.2
onde wind10 é a velocidade do vento 10 m acima da superfície da água e SC é o número de Schmidt, definido
como:
7.3
onde S é a salinidade da água (psu) e TC é a temperatura da água (°C). O coeficiente de solubilidade do
dióxido de carbono, K0(molL−1atm−1), é estimado de acordo com Weiss (1974):
7.4
onde TK é a temperatura da água em Kelvin.
Dessa forma, calculase o fluxo atmosférico (gm−3dia−1) por meio da seguinte equação:
7.5
onde zsurp é a profundidade (m) da camada superficial de água, na qual acontecem as trocas atmosféricas
entre a água e o ar. A constante é usada para converter massa de CO2 em carbono inorgânico equivalente e
em segundos para dias. Um fluxo de carbono negativo indica uma transferência de carbono do ar para a água;
caso contrário, o fluxo será da água para a atmosfera.
TAB. 7.1 Termos de perdas e ganhos para algumas variáveis de estado do carbono. Todas essas variáveis
também estão sujeitas a cargas de entrada e saída
7.6
7.7
7.8
Os termos de perdas e ganhos de carbono nos organismos aquáticos são apresentados nos capítulos
seguintes.
7.1.2 REAÇÕES CINÉTICAS
As frações de carbono podem ser modeladas utilizandose as relações cinéticas do carbonato, de acordo
com a aproximação realizada por Butler (1982). Considerando que a coluna d’água é modelada como um
sistema fechado, onde os fluxos de entrada e saída no sistema são conhecidos, tais como a troca de carbono
atmosférico ou fluxos de entrada de afluentes, a alcalinidade total (AT), a concentração de CID e o pH são
relacionados pela seguinte expressão:
7.9
onde Kw é o produto iônico da água; Ka1 é a primeira constante de acidez da água; Ka2 é a segunda constante
de acidez; e pH é o potencial hidrogeniônico na água, dado por:
pH = − log10 [H+] 7.10
e o CID pode ser escrito em função das seguintes parcelas:
7.11
onde todas as concentrações são em (molL−1). Os valores de concentração de dióxido de carbono hidratado
[H2CO3] podem ser considerados desprezíveis em relação às outras parcelas. A pressão parcial de dióxido de
carbono, pCO2, pode ser convertida para concentração de dióxido de carbono (CO2, molL−1) pela equação:
[CO2] = KH ꞏ pCO2 7.12
onde KH é uma constante de transformação.
A força iônica da água modifica os valores das constantes de dissociação (KH, Ka1,Ka2 e Kw). A força
iônica, FI, é definida como:
7.13
Em razão da complexidade em calcular FI explicitamente, é razoável assumir um valor constante no espaço e
no tempo. Os valores de FI variam de 0,01 (água doce) a 0,7 (água do mar) em ecossistemas naturais onde o
pH varia de 6 a 8 (Takahashi et al., 1994). O coeficiente de atividade é definido como:
7.14
Dessa forma, as constantes de dissociação são calculadas em cada intervalo de tempo:
7.15
7.16
7.17
7.18
onde b = 0,105 (Butler, 1982). As parcelas de carbonato, para um dado valor de pH e CID, são dadas por:
7.19
7.20
7.21
Se duas das três componentes (AT, pH, CID) são conhecidas, a terceira pode ser determinada. Assim, pH e
CID são computados como variáveis de estado, e AT é estimada a cada passo de tempo, por meio da relação
cinética entre essas variáveis.
A modelagem do CID é computada de acordo com a sequência abaixo:
1. das medidas iniciais de campo de AT e pH, calcule CID inicial na água usando a Eq. 7.9;
2. calcule as parcelas de carbonato usando as Eqs. 7.19 a 7.21; calcule a pressão inicial de CO2 usando a Eq.
7.12;
3. vá para o passo de tempo seguinte; calcule os fluxos de CO2 em todos os compartimentos aquáticos;
calcule o CID no intervalo de tempo atual considerando a Eq. 7.6; assumindo AT constante, como
CO2 não muda a alcalinidade diretamente, calcule o novo valor de pH por interatividade, resolvendo
a Eq. 7.9;
4. atualize os valores das constantes de dissociação usando as Eqs. 7.15 a 7.18;
5. calcule as novas parcelas de carbonato usando as Eqs. 7.19 a7.21 nesse intervalo de tempo; calcule a
nova pressão inicial de CO2 usando a Eq. 7.12 nesse intervalo de tempo;
6. atualize AT por meio da Eq. 7.9;
7. retorne ao passo 4.
7.2 NITROGÊNIO
A modelagem do ciclo de nitrogênio na água e no sedimento é baseada no ciclo de carbono descrito
anteriormente. Um esquema simplificado do ciclo do nitrogênio na água e no sedimento é ilustrado na Fig.
7.2. Alguns termos de perdas e ganhos para algumas variáveis de estado do nitrogênio são apresentados
na Tab. 7.2.
FIG. 7.2 Esquema simplificado da dinâmica do nitrogênio na água e no sedimento
TAB. 7.2 Termos de perdas e ganhos para algumas variáveis de estado do nitrogênio. Todas essas variáveis
estão sujeitas a cargas de entrada e saída
7.22
7.23
7.24
7.25
O ciclo do nitrogênio é um dos mais importantes nos ecossistemas aquáticos. O nitrogênio é usado pelos
seres vivos aquáticos para a produção de moléculas complexas necessárias ao seu desenvolvimento, tais
como aminoácidos, proteínas e ácidos nucleicos.
Por meio da fotossíntese, os seres fotossintetizantes fixam o nitrogênio inorgânico dissolvido presente na
água (NH4 e NO3). Os nitratos formados pelo processo de nitrificação são absorvidos pela vegetação e
transformados em compostos carbonados para produzir aminoácidos e outros compostos orgânicos de
nitrogênio. O nitrogênio presente na excreção e na mortalidade dos organismos aquáticos passa a fazer parte
do compartimento de nitrogênio orgânico particulado (NOP) e nitrogênio orgânico dissolvido (NOD).
Organismos decompositores são responsáveis por transformar o NOP em NOD, e este é transformado em
NH4 por meio da mineralização (i.e. a matéria orgânica morta é transformada no íon de amônio
por intermédio de bactérias aeróbicas, anaeróbicas e alguns fungos). A oxidação do amoníaco, conhecida
como nitrificação, é um processo que produz nitratos a partir do amoníaco (NH3). Esse processo é realizado
por bactérias (nitrificantes) em dois passos: numa primeira fase, o amoníaco é convertido em nitritos
e numa segunda fase (por meio de outro tipo de bactérias nitrificantes), os nitritos são convertidos em
nitratos
prontos para serem assimilados pelas plantas. A desnitrificação é o processo pelo qual o nitrogênio volta à
atmosfera sob a forma de gás quase inerte (N2). Esse processo ocorre por meio de algumas espécies de
bactérias (tais como Pseudomonas e Clostridium) em ambiente anaeróbico. Essas bactérias utilizam nitratos
alternativamente ao oxigênio como forma de respiração e liberam nitrogênio em estado gasoso (N2).
Assim como no ciclo do carbono, parte do nitrogênio retirado da água passa a constituir a biomassa dos
seres fotossintetizantes, podendo eventualmente ser transferida aos organismos herbívoros (e.g. zooplâncton
herbívoro, macroinvertebrados bentônicos, peixes planctívoros e onívoros). Nos herbívoros, parte do
nitrogênio contido nas moléculas orgânicas poderá ser transferida para um organismo carnívoro
(e.g. zooplâncton carnívoro e peixes piscívoros). Dessa forma, o nitrogênio fixado pela fotossíntese vai
passando de um nível trófico mais baixo para outros mais altos, enquanto retorna gradativamente para a água
e para a atmosfera, em consequência da ação dos decompositores, que atuam em todos os níveis tróficos.
Podese resumir os principais processos envolvidos no ciclo do nitrogênio na água e no sedimento em:
A. Mineralização do NOD em NH4.
B. Nitrificação do NH4 em NO3 e desnitrificação do NO3.
C. Assimilação biológica de NH4 e NO3 pelo fitoplâncton e pelas macrófitas aquáticas.
D. Fluxos na interface águasedimento de NH4, NO3, NOD e NOP.
E. Decomposição de NOP para NOD.
F. Mortalidade biológica e excreção em NOD e NOP.
G. Consumo da fração de nitrogênio contido no NOP, no NOD e no fitoplâncton por zooplâncton e peixes.
7.3 FÓSFORO
O fósforo é um nutriente essencial para plantas e animais, na forma de íons
e
. Ele pode ser encontrado em moléculas de DNA (une açúcares de desoxirribose para formar a espinha dorsal
da molécula de DNA), ATP e ADP, e em membranas de célula lipídica (fosfolipídios). Um esquema
simplificado do ciclo do fósforo na água e no sedimento é ilustrado na Fig. 7.3. Alguns termos de perdas e
ganhos para algumas variáveis de estado do fósforo são apresentados na Tab. 7.3.
FIG. 7.3 Esquema simplificado da dinâmica do fósforo na água e no sedimento
TAB. 7.3 Termos de perdas e ganhos para algumas variáveis de estado do fósforo. Todas essas variáveis
estão sujeitas a cargas de entrada e saída
7.26
7.27
7.28
7.29
O fósforo proveniente de rochas sedimentares, ossos fossilizados, fertilizantes, detergentes e esgoto é
transportado para o ecossistema aquático através da rede de drenagem. Por meio da fotossíntese, os seres
fotossintetizantes fixam o fósforo presente no compartimento inorgânico dissolvido na água (PO4). O fósforo
presente na excreção e na mortalidade dos organismos aquáticos passa a fazer parte do compartimento de
fósforo orgânico particulado (POP) e fósforo orgânico dissolvido (POD). Organismos decompositores são
responsáveis por transformar o POP em POD, e este é transformado em PO4 por meio da mineralização. A
disponibilidade de fósforo inorgânico presente na água (PIP) ocorre em função dos processos de adsorção e
dessorção, os quais controlam as transformações do fósforo particulado para PO4 e viceversa. Enquanto a
adsorção depende de processos físicos (e.g. tamanho das partículas inorgânicas) e das propriedades químicas
do material inorgânico presente na água (e.g. mineralogia, tipo e estado químico dos grupos funcionais), a
dessorção é muito influenciada pelas condições geoquímicas do meio, como o pH e o potencial redox, teor
em solução e consumo por microrganismos, entre outros.
Assim como no ciclo do carbono, parte do fósforo retirado da água passa a constituir a biomassa dos seres
fotossintetizantes, podendo eventualmente ser transferida aos organismos herbívoros (e.g. zooplâncton
herbívoro, macroinvertebrados bentônicos, peixes planctívoros e onívoros) e, consequentemente, para os
organismos carnívoros de maior nível trófico.
Podese resumir os principais processos envolvidos no ciclo do fósforo na água e no sedimento em:
A. Mineralização do POD em PO4.
B. Assimilação biológica de PO4 pelo fitoplâncton e macrófitas aquáticas.
C. Fluxos na interface águasedimento de PO4, POD e POP.
D. Decomposição de POP para POD.
E. Mortalidade biológica e excreção em POD e POP.
F. Adsorção e dessorção de PO4 em PIP.
G. Consumo da fração de fósforo contido no POP, no POD e no fitoplâncton por zooplâncton e peixes.
7.4 OXIGÊNIO DISSOLVIDO
Durante o dia, a vegetação aquática (fitoplâncton e macrófitas) utiliza o dióxido de carbono em um
processo chamado fotossíntese, pelo qual a vegetação aquática transforma luz solar em energia por meio da
seguinte reação:
6CO2 + 6H2O → C6H12O6 + 6O2 7.30
Nesse processo, o dióxido de carbono é assimilado e, convertido, junto com a água, em glicose, liberando
oxigênio molecular. Essa reação requer a clorofila, presente nos cloroplastos, como um catalisador. Estimase
que 1 g de biomassa assimilada pela vegetação equivale a 1 g de oxigênio produzido.
O bioproduto desse processo é o oxigênio, o qual fica disponível para a respiração de organismos
aquáticos, tais como zooplâncton, macroinvertebrados e peixes. Durante a respiração, o oxigênio é usado
com um propósito similar ao dióxido de carbono na fotossíntese: criar energia para sustento próprio (reação
inversa da Eq. 7.26). O bioproduto do processo de respiração dos organismos aquáticos é o dióxido de
carbono, o qual fica disponível para ser utilizado pela vegetação aquática.
Outro processo responsável pelo consumo de oxigênio dissolvido no meio, o qual
converte amônio em nitrato, é chamado nitrificação, que pode ser representado por uma série de reações. Na
primeira, a bactéria do gênero Nitrosomonas converte amônio em nitrito:
NH4 + 1, 5O2 → 2H + H2O + NO2 7.31
Na segunda, a bactéria do gênero Nitrobacter converte nitrito em nitrato:
NO2 + 0, 5O2 → NO3 7.32
O oxigênio consumido nos dois estágios equivale a 4,2 g de oxigênio por 1 g de nitrogênio oxidado
(Gaudy; Gaudy, 1980). Além da presença de amônio na água, a nitrificação depende de fatores adicionais,
tais como: (a) a presença de um número adequado de bactérias nitrificantes; (b) a alcalinidade da água, que
tende a neutralizar o ácido que é produzido; e (c) oxigênio suficiente para a realização desse processo (maior
do que 1 mg.l−1).
O oxigênio também é utilizado para a decomposição aeróbia da matéria orgânica oxidável presente no
meio por bactérias (Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO). Nesse processo, utilizamse 2,67 g de
oxigênio a cada g de carbono oxidado.
Um esquema simplificado do ciclo do oxigênio na água e no sedimento é ilustrado na Fig. 7.4. Os termos
de perdas e ganhos para oxigênio dissolvido são:
FIG. 7.4 Esquema simplificado da dinâmica do oxigênio dissolvido na água e no sedimento
7.33
Os seguintes processos podem ser considerados como parte de um modelo de oxigênio dissolvido:
A. Trocas de oxigênio na interface arágua.
B. Utilização de oxigênio na interface águasedimento (i.e. a demanda de oxigênio no sedimento).
C. Utilização de oxigênio pelas bactérias na degradação da matéria orgânica (i.e. a demanda de oxigênio
dissolvido – DBO na coluna d’água).
D. Utilização de oxigênio no processo de nitrificação.
E. Produção de oxigênio pela fotossíntese e consumo por respiração fitoplanctônica.
F. Utilização de oxigênio dissolvido na respiração do zooplâncton.
G. Produção de oxigênio pela fotossíntese e consumo por respiração das macrófitas aquáticas.
H. Utilização de oxigênio dissolvido na respiração de peixes.
I. Utilização de oxigênio dissolvido na respiração de outros organismos (e.g. macroinvertebrados).
8 PROCESSOS ABIÓTICOS
Os processos abióticos são os componentes de um ecossistema que não requerem a ação da biota aquática,
ou que não possuem vida, mas realizam funções vitais nas suas estruturas orgânicas. São, enfim, todos os
fatores químicofísicos do ambiente e incluem elementos como temperatura, tipo e características do
sedimento, disponibilidade de nutrientes essenciais para produção primária, salinidade, luz, fotoperíodo e
acidez ou alcalinidade. Uma modelagem eficiente dos processos abióticos leva a uma melhor aproximação
dos processos bióticos e, consequentemente, do fenômeno de interesse. Na sequência, apresentamos alguns
equacionamentos matemáticos para descrever parte dos processos abióticos aquáticos.
8.1 COMPONENTES ORGÂNICOS E INORGÂNICOS NA ÁGUA
Os componentes abióticos são divididos em dois compartimentos aquáticos: água e sedimento. Os
principais componentes abióticos na coluna d’água são: matéria inorgânica, detritos (matéria orgânica),
fósforo adsorvido, PO4, NO3, NH4 e SiO2 dissolvido. As frações dissolvidas são disponíveis para produção
primária (i.e. fitoplâncton e macrófitas). Na maioria das vezes, o húmus na coluna d’água pode ser
desprezado, considerando que sua sedimentação é rápida. Todos os componentes abióticos na água são
admitidos como concentrações. As variáveis derivadas na coluna d’água são definidas como segue (ver
nomenclatura das variáveis no apêndice A).
8.1.1 VARIÁVEIS DE PESO SECO NA ÁGUA
8.1
oDOMW = sDDetW + sDPhytW
8.2
Séston orgânico na água [mgD/l]
oDSestW = oDOMW + sDDIMW
8.3
Séston total na água [mgD/l]
8.1.2 VARIÁVEIS DE FÓSFORO
8.4
oPOMW = sPPhytW + sPDetW
Parcela de fósforo no Séston orgânico na água
[mgP/l] 8.5
oPSestW = oPOMW + sPDIMW
Parcela de fósforo Séston total na água [mgP/l] 8.6
oPInorgW = sPO4W + sPAIMW
Fósforo inorgânico [mgP/l] 8.7
oPITotW = oPSestW + sPO4W
8.8
Fósforo total na água [mgP/l]
8.1.3 VARIÁVEIS DE NITROGÊNIO
oNDissW = sNO3W + sNH4W
8.9
Nitrogênio dissolvido na água [mgN/l]
8.10
oNOMW = sNPhytW + sNDetW
8.11
Séston orgânico [mgN/l]
oNSestW = oNOMW
8.12
Séston total [mgN/l]
oNkjW = oNSestW + sNH4W
8.13
Nitrogênio de kjedahl na água [mgN/l]
oNTotW = oNkjW + sNO3W
8.14
Nitrogênio total na água [mgN/l]
8.1.4 RAZÃO DE NUTRIENTES
rPDIMW = sPAIMW/sDIMW
8.15
Razão entre fósforo adsorvido e mat. inorg. [gP/gD]
rPDDetW = sPDetW/sDDetW
8.16
Razão P/D em detritos [gP/gD]
rNDDetW = sNDetW/sDDetW
8.17
Razão N/D em detritos [gN/gD]
rSiDDetW = sSiDetW/sDDetW 8.18
Razão Si/D em detritos [gSi/gD]
rPDOMW = oPOMW/oDOMW
8.19
Razão P/D no séston org. [gP/gD]
8.2 COMPONENTES NO SEDIMENTO
A camada do topo do sedimento consiste em matéria particulada e nutrientes dissolvidos (PO4, NH4 e
NO3) na água presente nos poros do sedimento. A matéria particulada consiste de matéria inorgânica e
orgânica. A matéria inorgânica (areia, argila ou silte) não faz parte do ciclo biológico, mas forma a estrutura
de base do sedimento e determina a capacidade de adsorção de fósforo. A matéria orgânica é dividida em
refratária (húmus) e degradável (detritos). O detrito é a parte da matéria orgânica que faz parte do ciclo
biológico, disponibilizando nutrientes em uma escala de tempo mensal. A matéria orgânica pode ser expressa
em unidade de carbono por meio de uma razão constante (aproximadamente 0,4 g de carbono por 1 g de peso
seco).
Geralmente, modelos ecológicos consideram a espessura da camada do topo do sedimento como constante
(10 cm), e nela ocorrem os processos de troca entre água e sedimento (Lijklema, 1993). Nessa camada
acontece parte do ciclo de nutrientes, sendo ela importante para a qualidade da água e a bioprodução. Uma
avaliação mais realista da dinâmica de fundo é quando se leva em consideração o leve aumento ou redução
da espessura da camada do topo do sedimento produzida por material sedimentado ou ressuspenso. O fósforo
inorgânico no sedimento é constituído por fósforo dissolvido na água intersticial e fósforo adsorvido na
matéria inorgânica. Assim como na água, o nitrogênio inorgânico é composto por nitrato e amônio nos poros
do sedimento. Todos os componentes abióticos no sedimento são expressos por unidade de área [gm−2]. Os
valores são convertidos para concentrações dividindoos pela porosidade e pela espessura da camada do topo
do sedimento.
Inicialmente, as frações de peso seco, matéria orgânica, detritos e húmus no topo da camada de sedimento
deverão ser fornecidas pelo modelador. Essas informações podem ser estimadas por meio de medidas in
situ ou da literatura. Os valores iniciais são usados para calcular as componentes no sedimento, a densidade e
a porosidade (conteúdo de água por volume de sedimento). Na maioria das vezes, por questões de
simplificação, a porosidade é considerada constante. A densidade do sólido, das frações de matéria orgânica e
inorgânica, também é tida como constante. Considere os seguintes parâmetros para o sedimento:
fDTotS0: Fração inicial de peso seco [g sólido g−1 sedimento]
fDOrgS0: Fração inicial de matéria orgânica [g matéria org g−1sólido]
fLutum: Fração de lodo na matéria inorgânica [g g−1]
fDDetS0: Fração inicial de detritos na matéria orgânica [g g−1]
cRhoOM: Densidade do sólido de matéria orgânica [g m−3 sólido]
cRhoIM: Densidade do sólido de matéria inorgânica [g m−3sólido]
cRhoWat: Densidade da água [g m−3]
Dessa forma, algumas propriedades do sedimento podem ser estimadas a partir das seguintes equações:
bRhoSolidS0 = fDOrgS0 ꞏ cRhoOM + (1
− fDOrgS0) ꞏ cRhoIM
8.20
Densidade média inicial do material sólido [g m
−3sólido]
8.21
bPorCorS = bPorS(bPorS+1)
8.22
Porosidade do sedimento, corrigida pela
tortuosidade
bRhoTotS0 = bRhoSolidS0 ꞏ (1 − bPorS)
Densidade aparente do sedimento [g de sólido m 8.23
−3de sedimento]
Com base nessas densidades, os valores iniciais das variáveis de estado no sedimento (de
espessura cDephtS) são calculados:
bDTotS0 = bRhoTotS0 ꞏ cDepthS
8.24
Peso seco total inicial no topo da camada [gD m−2]
sDHumS0 = (1 − fDDetS0) ꞏ fDOrgS0 ꞏ bDTotS0
8.25
Húmus inicial no topo da camada [gD m−2]
sDDetS0 = fDDetS0 ꞏ fDOrgS0 ꞏ bDTotSO
8.26
Detrito inicial no topo da camada [gD m−2]
sDIMS0 = bDTotS0 − sDHumS0 − sDDetS0
8.27
Matéria inorg. inicial no topo da camada [gD m−2]
Os valores iniciais dos nutrientes são dados de entrada no modelo. Na maioria das vezes, não é fácil obter
uma boa estimativa inicial dessas variáveis; portanto, recomendase que esses valores sejam derivados de
medições in situ. Os valores usuais encontrados na literatura são listados na Tab. 8.1.
TAB. 8.1 Valores iniciais sugeridos das componentes no sedimento
Componente no sedimento Valor
sNH4S0 : NNH4 dissolvido inicial nos poros do 0,02
−2
sed. [gN m ]
sNO3S0 : NNO3 dissolvido inicial nos poros do 0,002
−2
sed. [gN m ]
cPDDet0 : Fração de fósforo inicial nos detritos 0,0025
[gP/gD]
cNDDet0 = 0, 025 : Fração de nitrogênio inicial 0,025
nos detritos [gN/gD]
cSiDDet0 : Fração de sílica inicial nos detritos 0,01
[gSi/gD]
cPDHum0 : Fração de fósforo inicial no húmus 0,005
[gP/gD]
cNDHum0 : Fração de nitrogênio inicial no 0,05
húmus [gN/gD]
sPHumS0 : Porção de fósforo no húmus [gP m ] cPDHum0 ꞏ
−2
sDHumS0
sNHumS0 : Porção de nitrogênio no húmus [gN m cNDHum0 ꞏ
−2
] sDHumS0
sPDetS0 : Porção de fósforo nos detritos [gP m ] cPDDet0 ꞏ
−2
sDDetS0
sNDetS0 : Porção de nitrogênio nos detritos [gN cNDDet0 ꞏ
−2
m ] sDDetS0
sSiDetS0 : Porção de sílica nos detritos [gSi m ] cSiDDet0 ꞏ
−2
sDDetS0
O fósforo inorgânico é inicializado como uma fração do peso seco (D) de sedimento. Considere os valores
padrões e as seguintes equações:
sPAIMS0 = fPAdsS0 ꞏ fPInorgS0 ꞏ bDTotS0
Fósforo adsorvido na matéria inorg. no sed. [gP m 8.28
−2]
sPO4S0 = (1 − fPAdsS0) ꞏ fPInorgS0 ꞏ bDTotS0
8.29
Fósforo dissolvido inicial no sedimento [gP m−2]
onde fPInorgS0 é a fração de fósforo inorgânico no sedimento (aproximadamente igual a 0,05%) e fPAds0 é a
fração de fósforo inorgânico adsorvido na matéria inorgânica no sedimento (aproximadamente igual a 99%).
8.3 RESSUSPENSÃO E SEDIMENTAÇÃO
A modelagem dos fluxos de ressuspensão e sedimentação geralmente é aplicada a partículas de pequenas
dimensões que são mais suscetíveis ao transporte na coluna d’água, como, por exemplo, as partículas
pequenas de matéria inorgânica, detritos e o fitoplâncton. O fluxo vertical de partículas maiores de areia e
húmus geralmente é desprezado, uma vez que essas partículas têm um tempo de sedimentação rápido (em
uma escala de horas).
8.3.1 RESSUSPENSÃO
As taxas de ressuspensão são relacionadas diretamente com a velocidade e a direção do vento, ou com a
velocidade da água próximo ao fundo (Fig. 8.1).
Essas variáveis podem ser calculadas utilizandose as seguintes expressões:
8.30
Velocidade do vento na superfície da água [m s−1]
8.31
Velocidade da água próximo ao fundo [m s−1]
FIG. 8.1 Elementos para o cálculo da ressuspensão relacionada ao vento
onde W10 é a velocidade do vento medida a 10 m da superfície livre da água; HS é a altura significante da
onda (m); Ld é o comprimento significante da onda (m); TS é o período da onda (s); e H é a profundidade
(m).
O comprimento significante da onda (Ld) é relacionado ao comprimento da onda, L (CERC, 1977):
Ld = L ꞏ tanh (2πH/Ld)
8.32
Comprimento significante da onda [m]
onde
A tangente e o seno hiperbólico podem ser computados como:
8.33
8.34
Ijima e Tang (1966) desenvolveram fórmulas para estimar a altura e o período significante da onda
(HS e TS) em função da profundidade, da velocidade do vento e do fetch (comprimento da pista de atuação do
vento no sentido da formação de ondas):
8.35
8.36
Em alguns modelos de ressuspensão, a tensão de cisalhamento no fundo é usada para o cálculo do fluxo,
podendo ser estimada por:
8.37
onde Cf é um fator de fricção do fundo; ρw é a densidade da água (kg m−3).
O fator de fricção do fundo é dado por:
Cf = 0, 4 (A/kn)3/4 8.38
onde A = H/2 sinh (2πH/L) e RN é a rugosidade.
Existem diversas relações entre o fluxo de ressuspensão e as variáveis anteriormente citadas. Todas essas
relações para o cálculo do fluxo de ressuspensão foram estabelecidas assumindose que o corpo d’água é
completamente misturado. Mais equações para o cálculo do fluxo de ressuspensão são apresentadas na Tab.
8.2; entretanto, por questões de simplificação, podese utilizar uma relação bastante disseminada, baseada na
mecânica da tensão de cisalhamento induzida pelo vento em função das dimensões do lago (Carper;
Bachmann, 1984; Bloesch, 1995; Cózara et al., 2005):
8.39
onde W é a intensidade do vento (m s−1); W0 é a intensidade do vento necessária para perturbar o
fundo; α e β são os coeficientes da equação de regressão obtida empiricamente; sDepthW é a profundidade
(m); e δ é uma função que determina quando o vento começa a ressuspender sedimentos. O termo α ꞏ (W +
(2, 3 − W0))β é uma relação empírica que determina a turbidez do lago, δ = 0 para W < W0 e δ = 1
para W ⩾ W0.
TAB. 8.2 Modelos para o cálculo do fluxo de ressuspensão (gDm−2d−1). Os parâmetros referemse aos
ecossistemas estudados pelos autores e estão sujeitos a adaptações
Autor(es) Parâmetros
Fluxo de ressuspensão
(tDResusTauDead)
Luettich, 1987 cVSet ꞏ θ (HS − Hcr), cVSet = 2, 2 ꞏ
p/HS > Hcr 0, p/HS < Hcr 10−4 ms−1
θ = 8, 27
Hcr = 0 − 16,
75 cm
Lam e Jacquet, cVSet = 2,
1976 9 ꞏ 10−4 ms−1
k = 6, 11 ꞏ
10−16ms−1
ucr = 0, 03 ms
−1
À parte da ação física (e.g. ventos e correntes), um outro fator de ressuspensão é a presença de peixes que
se alimentam de animais no fundo (zoobentos). Por meio de trabalhos experimentais, alguns pesquisadores
estimaram a porção diária de ressuspensão provocada pela procura de alimento desses peixes (Meijer et al.,
1990; Breukelaar et al., 1994). Considerase que os peixes que provocam ressuspensão são os onívoros e
planctívoros adultos. Uma relação linear é adotada, corrigida pela temperatura:
tDTurbFish = kTurbFish ꞏ uFunTmFish ꞏ sDFiAd
8.40
Fluxo de ressuspensão devido aos peixes [gD m−2 d
−1]
onde kTurbFish é a taxa de ressuspensão (d−1) provocada pela procura de alimentos no sedimento por
peixes; sDFiAd é a biomassa de peixes adultos (gD m−2); e uFunTmFish é uma função que representa o
efeito da temperatura na ressuspensão por peixes. Além disso, existe um efeito positivo para a redução da
ressuspensão pela presença de macrófitas aquáticas submersas (James; Barko, 1990; Jeppesen et al., 1990;
Van Nes et al., 2002a, 2003). Esse efeito depende não somente da porção de biomassa de vegetação aquática,
mas também das espécies, da forma de crescimento e dos padrões espaciais da vegetação. Matematicamente,
considerase que a ressuspensão decresce linearmente com o aumento da biomassa de macrófitas submersas
no fundo:
aFunVegResus = MAX(1 − kVegResus ꞏ aDVeg, 0)
Dependência da vegetação na ressuspensão [] 8.41
onde kVegResus é a relação de redução da ressuspensão por grama de vegetação aquática presente (m2gD−1)
(aproximadamente igual a 0,01), e aDVeg é a biomassa de vegetação submersa presente na água (gD m−2).
As contribuições do efeito do vento, dos peixes e da vegetação podem ser combinadas, levando à seguinte
equação:
tDResusDead = (tDResusTauDead + tDTurbFish) ꞏ
aFunVegResus Fluxo de ressuspensão com efeitos 8.42
combinados [gD m−2 d−1]
A taxa de ressuspensão pode ser dividida em parcelas de matéria inorgânica e detritos (matéria orgânica
degradável), de acordo com suas concentrações no topo da camada do sedimento:
8.43
8.44
onde fLutum ≈ 0,10 é a fração de lodo na matéria inorgânica.
A taxa de ressuspensão do fitoplâncton pode ser descrita como uma fração da biomassa presente no
sedimento que está de acordo com uma relação empírica entre frequência e taxa de ressuspensão:
tDResusPhytTot = kResusPhytMax ꞏ sDPhytS ꞏ
ꞏ (1 − EXP(cResusPhytExp ꞏ tDResusDead)) 8.45
Fluxo de ressuspensão do fitoplâncton [gD m−2 d−1]
onde kResusPhytMax ≈ 0,25 é a taxa máxima de ressuspensão do fitoplâncton (d−1); cResusPhytExp ≈ 0,379
é um parâmetro exponencial para ressuspensão do fitoplâncton (gD.m−2.d−1).
A partir desses fluxos, as taxas de ressuspensão para nutrientes nos detritos e fósforo adsorvido são
calculadas por meio da atual razão entre nutrientes e detritos. Os nutrientes dissolvidos também são afetados
pela ressuspensão:
tPResusPO4 = sPO4S/sDDetS ꞏ tDResusDet
Fluxo de ressuspensão do fósforo dissolvido [gP m 8.46
−2d−1]
As equações para nitrato, amônio e sílica são similares.
8.3.2 SEDIMENTAÇÃO
A sedimentação geralmente é modelada por uma equação de primeira ordem. A velocidade de
sedimentação é diferente para distintos componentes do séston (i.e. conjunto das partículas, orgânicas ou não,
que se encontram dispersas na coluna d’água) e depende das dimensões do lago. Ela pode ser estimada
usandose a lei de Stokes:
8.47
onde cVSet é a velocidade de sedimentação (cm s−1); α é um fator que representa o efeito da forma da
partícula na sedimentação (para uma esfera α = 1); g é a aceleração da gravidade (981 cm s−2); ρs é a
densidade da partícula (g cm−3); μ é a viscosidade dinâmica (g cm−1 s−1); e d é o diâmetro efetivo da
partícula (cm).
A partir da lei de Stokes, outras representações mais simplificadas foram apresentadas:
cVSet = 0, 033634 ꞏ (ρs − ρw) d2
8.48
Velocidade de sedimentação [m d−1]
onde cVSet é a velocidade de sedimentação (m d−1); as densidades em g cm−3; d em μ m.
Um resumo contendo alguns valores da velocidade de sedimentação medidos experimentalmente para
determinadas partículas é apresentado na Tab. 8.3. A taxa de sedimentação é computada dividindose a
velocidade de sedimentação pela profundidade:
8.49
A sedimentação de matéria inorgânica depende da quantidade de lodo no sedimento, e a velocidade de
sedimentação é influenciada pela temperatura.
TAB. 8.3 Velocidade de sedimentação de algumas partículas
Tipo de partícula Diâmetro Velocidade de sedimentação
(μm) (m d−1)
Fitoplâncton
Cyclotella 2 0,080,24
meneghiniana
Thalassiosira nana 4,35,2 0,10,28
Scenedesmus 8,4 0,270,89
quadricauda
Asterionella 25 0,21,48
formosa
Thalassiosira rotula 1934 0,392,1
Coscinodiscus 50 1,96,8
lineatus
Melosira agassizii 54,8 0,671,87
Rhizosolenia 84 1,14,7
robusta
Carbono Org. Particulado
110 0,2
1064 1,5
> 64 2,3
Argila
24 0,31
Silte
1020 330
Fonte: Wetzel, 1975; Burns e Rosa, 1980.
8.50
8.51
A mesma função de sedimentação para detritos pode ser usada para o cálculo da ressuspensão de
fitoplâncton. Os fluxos de sedimentação para fósforo, nitrogênio e sílica são calculados como fluxos de peso
seco multiplicado pela razão entre nutriente e peso seco:
tPSetAIM = sPAIMW/sDIMW ꞏ tDSetIM
8.52
Sedimentação de fósforo adsorvido [gP m−2 d−1]
tPSetDet = rPDDetW ꞏ tDSetDet
8.53
Sedimentação de fósforo dissolvido [gP m−2 d−1]
tNSetDet = rNDDetW ꞏ tDSetDet
Sedimentação de nitrogênio dissolvido [gN m−2 d 8.54
−1]
tSiSetDet = rSiDDetW ꞏ tDSetDet
8.55
Sedimentação de sílica dissolvida [gSi m−2 d−1]
8.4 MINERALIZAÇÃO E OXIGÊNIO UTILIZADO
O processo de mineralização, descrito no capítulo anterior, pode ser aproximado por meio de uma equação
de primeira ordem que depende da temperatura da água. A dependência da temperatura segue a equação de
Arrhenius, em que a taxa aumenta exponencialmente com a temperatura:
wDMinDetW = kDMinDetW ꞏ cThetaMinTm−20 ꞏ
sDDetW 8.56
Fluxo de mineralização na água [gD m−3 d−1]
tDMinDetS = kDMinDetS ꞏ cThetaMinTm−20 ꞏ
sDDetS
8.57
Fluxo de mineralização no sedimento [gD m−2 d
−1]
onde kDMinDetW e kDMinDetS são as taxas de mineralização (d−1) na água e no sedimento,
respectivamente; cThetaMin é um coeficiente do efeito da temperatura na mineralização; e Tm é a
temperatura (°C). As equações são análogas para fósforo e nitrogênio.
O oxigênio consumido relacionado aos fluxos de mineralização, também conhecido como Demanda
Bioquímica de Oxigênio (DBO), é calculado por meio de dois fatores de conversão, corrigindo seu valor pela
concentração de oxigênio disponível. Na coluna d’água, a concentração de oxigênio pode ser modelada
dinamicamente. Aqui, apresentamos uma correção do tipo MichalisMenten de modelos clássicos de DBO
para a estimativa do fluxo de oxigênio pela mineralização:
aCorO2BOD = sO2W/(hO2BOD + sO2W)
8.58
Correção da demanda de O2 na água
wO2MinDetW = molO2molC ꞏ cCPerDW ꞏ
ꞏ aCorO2BOD ꞏ wDMinDetW 8.59
Fluxo de O2 [gO2 m−3 d−1]
onde hO2BOD é a constante de meia saturação de oxigênio na DBO; molO2molC = 2,667 é a razão do peso
molecular entre oxigênio e carbono; e cCPerDW ≈ 0,4 é a fração de carbono no peso seco da matéria
orgânica degradável.
No sedimento, as condições de oxigênio são modeladas por meio de uma equação de equilíbrio, uma vez
que a escala de tempo da dinâmica de oxigênio no sedimento é pequena (minutos) (Lijklema, 1993). A
espessura da camada aeróbia do sedimento é descrita em função da concentração de oxigênio na água, da
taxa de difusão do oxigênio e da demanda de oxigênio no sedimento.
8.60
akO2DifCor = kO2Dif ꞏ uFunTmDif ꞏ cTurbDifO2
ꞏ bPorCorS 8.61
Coeficiente de difusão corrigido [m2d−1]
tSOD = (molO2molC ꞏ cCPerDW ꞏ (1
− fRefrDetS) ꞏ tDMinDetS + O2PerNH4 ꞏ
molO2molN ꞏ
8.62
ꞏ kNitrS ꞏ uFunTmNitr ꞏ sNH4S)/cDepthS
Demanda de oxigênio no sed. [gO2 m−3 d−1]
onde molO2molN = 2, 2857 é a razão do peso molecular entre oxigênio e nitrogênio; molNmolC = 1, 1667 é a
razão do peso molecular entre nitrogênio e carbono; kO2Dif = 2, 6 ꞏ 10−5 é a difusão molecular do O2 (m2 d
−1); cThetaDif ≈ 1, 02 é um coeficiente de temperatura para difusão do O (1/eoC ); cTurbDifO2 é o fator de
2
bioturbidez para difusão do O2 []; bPorCorS = bPorS (bPorS+1) é a porosidade corrigida; kNitrS é a taxa de
−1
nitrificação no sedimento (d ); O2PerNH4 =2,0 é o número de moles O2 usados por mol de NH4 nitrificado
[]; e cDepthS é a profundidade da camada do topo do sedimento (m).
A espessura da camada aeróbia é dividida pela espessura da camada do topo do sedimento para obter a
proporção aeróbia do sedimento:
afOxySed = aDepthOxySed/cdepthS
8.63
Proporção aeróbia do sedimento []
Assumese que essa proporção de mineralização ocorre aerobicamente, ou seja, o oxigênio consumido é
baseado nos fatores de conversão O2/C e C/D:
tO2MinDetS = molO2molC ꞏ cCPerDW ꞏ
afOxySed ꞏ
ꞏ(1 − fRefrDetS) ꞏ tDMinDetS 8.64
Consumo de oxigênio pela mineralização no
sedimento [gO2 m−2 d−1]
Além disso, admitese que uma fração do material decomposto no sedimento (padrão 15%) é transformada
em húmus:
tDMinHumS = kDMinHum ꞏ uFunTmMinS ꞏ
afOxySed ꞏ sDHumS
8.65
Decomposição do húmus no sedimento [gD m−2 d
−1]
As equações para fósforo e nitrogênio são análogas.
8.5 NITRIFICAÇÃO, DESNITRIFICAÇÃO E CONDIÇÕES DE OXIGÊNIO
8.5.1 NITRIFICAÇÃO
A nitrificação é um processo microbial aeróbio que envolve a transformação de amônio em nitrato (Fig.
8.2). Ele pode ser modelado como um processo de primeira ordem em função da concentração de amônio no
meio, da temperatura e das condições de oxigênio. As taxas de nitrificação geralmente são muito mais altas
no sedimento do que na água, uma vez que a concentração de bactérias nitrificantes é mais alta no sedimento.
O correspondente consumo de oxigênio decorrente do processo de nitrificação é calculado usandose um
fator de conversão de 2 moles de O2 por mol de NH4 e a razão do peso molecular.
FIG. 8.2 Processo de nitrificação que ocorre em todos os ecossistemas aquáticos
O efeito da temperatura na taxa de nitrificação pode ser expresso por:
uFunTmNitr = cThetaNitr(T−20)
8.66
Efeito da temperatura na nitrificação []
onde cThetaNitr é uma constante aproximadamente igual a 1,08 e T é a temperatura (°C).
A correção da taxa de nitrificação pelas condições de oxigênio no meio pode ser representada por uma
função de Hill (Apêndice B):
8.67
onde hO2Nitr é a constante de meia saturação de oxigênio para nitrificação.
Os fluxos de nitrificação na água e no sedimento podem então ser estimados por:
wNNitrW = kNitrW ꞏ uFunTmNitr ꞏ aCorO2NitrW
ꞏsNH4W 8.68
Fluxo de nitrificação na água [gN m−3 d−1]
tNNitrS = afOxySed ꞏ kNitrS ꞏ uFunTmNitr ꞏsNH4S
8.69
Fluxo de nitrificação no sedimento [gN m−2 d−1]
onde kNitrW e kNitrS são as taxas de nitrificação (d−1) na água e no sedimento, respectivamente. O consumo
de oxigênio utilizado no processo de nitrificação é dado por:
wO2NitrW = O2perNH4 ꞏ molO2molN ꞏ wNNitrW
Fluxo de O2 pela nitrificação na água [gO2 m−3 d 8.70
−1]
tO2NitrS = O2perNH4 ꞏ molO2molN ꞏ tNNitrS
Fluxo de O2 pela nitrificação no sedimento [gO2m 8.71
−2 d−1]
8.5.2 DESNITRIFICAÇÃO
A desnitrificação é um importante processo no qual o nitrogênio é perdido do sistema. É definida como a
transformação do nitrato em substâncias voláteis, como moléculas de nitrogênio, as quais podem ser perdidas
para a atmosfera. O processo é anaeróbio, microbial, dependente da temperatura e necessita da presença de
carbono orgânico e nitrato (Van Luijn, 1997; Soetaert et al., 1995). Esse processo normalmente é
significativo na camada do topo do sedimento, mas também tem um papel importante na coluna d’água se a
concentração de oxigênio chegar a baixos valores.
A desnitrificação pode ser modelada como parte da parcela aeróbia do processo de mineralização. A
dependência de nitrato pode ser descrita por meio de uma função sigmoidal:
wNDenitW = NO3PerC ꞏ molNmolC ꞏ cCPerDW ꞏ
sNO3W2/
(hNO3Denit2 + sNO3W2) ꞏ (1 − aCorO2BOD) ꞏ 8.72
wDMinDetW
Fluxo de desnitrificação na água [gN m−3 d−1]
tNDenitS = NO3PerC ꞏ molNmolC ꞏ cCPerDW ꞏ
oNO3S2/
(hNO3Denit2 + oNO3S2) ꞏ (1 − afOxySed) ꞏ
8.73
ꞏ (1 − fRefrDetS) ꞏ tDMinDetS
Fluxo de desnitrificação no sedimento [gN m−2 d
−1]
onde NO3PerC = 0,8 é a quantidade de moles desnitrificados por mol de C mineralizado; hNO3Denit é a
constande de meia saturação de NO3 para desnitrificação; e fRefrDetS ≈ 0,15 é a fração refratária de matéria
orgânica no sedimento.
8.6 ADSORÇÃO DO FÓSFORO
O fósforo dissolvido pode ser adsorvido pela matéria inorgânica, especialmente quando é constituída de
argila. Esse processo funciona como um depósito da disponibilidade de fósforo para produção primária.
Assumese que a fração adsorvida está em equilíbrio químico reversível em estado dissolvido. A adsorção de
fósforo na matéria orgânica não é significante e pode ser desprezada na modelagem (Rijkeboer; Otten; Gons,
1992). O processo de sorção (absorção de um gás por um líquido) pode ser assumido como instantâneo. O
valor de equilíbrio é determinado por uma isoterma de adsorção, definida como a relação entre a
concentração de fósforo dissolvido e fósforo adsorvido por grama de adsorvente no equilíbrio [gP/gD].
Quando a concentração de fósforo dissolvido no sedimento é alta, a capacidade máxima de adsorção é
atingida. Tal capacidade depende da quantidade de ferro e alumínio no adsorvente. A adsorção é influenciada
por várias condições ambientais, tais como condições de redox e pH. Em termos matemáticos, essas relações
são expressas da seguinte maneira:
aPAdsMaxW = cRelPAdsD + aCorO2BOD ꞏ
ꞏ cRelPAdsFe ꞏ fFeDIM + cRelPAdsAl ꞏ fAlDIM 8.74
Adsorção máxima de fósforo por grama de
matéria inorgânica na água [gP/gD]
aKPAdsW = (1 − fRedMax ꞏ (1 − aCorO2BOD)) ꞏ
cKPAdsOx
8.75
Afinidade de adsorção de fósforo na água,
corrigida pelas condições de redox [m3/gP]
aPIsoAdsW = aPAdsMaxW ꞏ aKPAdsW ꞏ sPO4W/
(1 + aKPAdsW ꞏ sPO4W) 8.76
Isoterma do fósforo adsorvido na matéria
inorgânica na água [gP/gD]
aPAdsMaxS = cRelPAdsD + afOxySed ꞏ
ꞏ cRelPAdsFe ꞏ fFeDIM + cRelPAdsAl ꞏ fAlDIM 8.77
Adsorção máxima de fósforo por grama de
matéria inorgânica no sedimento [gP/gD]
aKPAdsS = (1 − fRedMax ꞏ (1 − afOxySed)) ꞏ
cKPAdsOx 8.78
Afinidade de adsorção de fósforo no sed.,
corrigida pelas condições de redox [m3/gP]
aPIsoAdsS = aPAdsMaxS ꞏ aKPAdsS ꞏ oPO4S/
(1 + aKPAdsS ꞏ oPO4S) 8.79
Isoterma do fósforo adsorvido na matéria
inorgânica no sedimento [gP/gD]
aPeqIMS = aPIsoAdsS ꞏ sDIMS
8.80
Quantidade em equilíbrio [gP m−2]
tPSorpIMS = kPSorp ꞏ (aPEqIMS − sPAIMS)
8.81
Sorção do fósforo na matéria inorgânica [gP m−2d
−1]
onde cRelPAdsD ≈ 0, 00003 é a adsorção máxima de fósforo por grama de peso seco de matéria
inorgânica; cRelPAdsFe ≈ 0, 065 é a adsorção máxima de fósforo por grama de ferro; cRelPAdsAl ≈ 0, 134 é a
adsorção máxima de fósforo por grama de alumínio; fFeDIM ≈ 0, 01 é o conteúdo de ferro na matéria
inorgânica (gFe/gD); fAlDIM ≈ 0, 01 é o conteúdo de alumínio na matéria inorgânica (gAl/gD); e afOxySed é
a proporção de sedimento aeróbio.
8.7 IMOBILIZAÇÃO DO FÓSFORO
A imobilização do fósforo pode ser estimada considerandose uma concentração máxima de PO4 na água
presente nos poros do sedimento, acima da qual o fósforo é perdido por imobilização química irreversível
(fluxo de perda de PO4 do sistema).
tPChemPO4 = MAX(0, kPChemPO4
ꞏ (oPO4S − cPO4Max)) 8.82
Perda química de fósforo dissolvido [gP m−2 d−1]
onde kPChemPO4 é uma taxa constante e cPO4Max é a concentração máxima de PO4.
8.8 LIBERAÇÃO DE NUTRIENTES (DIFUSÃO)
Fósforo, nitrato, amônio e sílica dissolvidos na água podem ser transportados do sedimento para a coluna
d’água por difusão cruzando a interface sedimentoágua. Esse fluxo pode ser ascendente (definido como um
fluxo positivo) ou descendente (definido como um fluxo negativo). Os fluxos dependem do gradiente de
concentração dos dois compartimentos. O fluxo de liberação de nutrientes pode ser estimado a partir da
diferença entres as concentrações dividida pela distância de difusão (aDepthDif), definida como a metade da
espessura da camada do topo do sedimento:
tDDifPO4 = kPDifPO4 ꞏ uFunTmDif ꞏ
cTurbDifNut ꞏ
8.83
ꞏ bPorCorS ꞏ (oPO4S − sPO4W)/aDepthDif
Fluxo de difusão de fósforo dissolvido [gP m−2 d
−1]
onde kPDifPO4 é a constante de difusão do fósforo dissolvido (m2d−1); cThetaDif é um parâmetro
dependente da temperatura (1/eoC); cTurbDifNut é o fator de bioturbidez []; aDepthDif = 0, 5 ꞏ cDepthS é a
distância de difusão (m); fAlDIMl é o conteúdo de alumínio na matéria inorgânica.
8.9 REAERAÇÃO
A reaeração é a difusão de oxigênio proveniente da atmosfera que cruza a superfície da água. Considere as
seguintes equações:
uO2Sat = 14, 652 − 0, 41022 ꞏ Tm
+ 7, 991 ꞏ 10−3 ꞏ Tm2 − 7, 7774 ꞏ 10−5 ꞏ Tm3
8.84
Concentração de saturação de oxigênio [mgO2 L
−1]
tO2Reaer = kReaer ꞏ (uO2Sat − sO2W) ꞏ
uFunTmReaer 8.85
Fluxo de reaeração de O2 na água [gO2 m−2 d−1]
onde uFunTmReaer = cThetaReaer(Tm−20) é uma função que representa o efeito da temperatura na reaeração,
e cThetaReaer é uma constante aproximadamente igual a 1,06.
A constante de reaeração (kReaer) também pode ser escrita em função da velocidade do vento (uVWind).
Além disso, a temperatura tem uma influência de ordem exponencial sobre a reaeração (Downing; Truesdale,
1955). A influência do vento é descrita utilizandose uma equação empírica (Banks; Herrera, 1977):
kReaer = 0, 727 ꞏ uVWind0,5 − 0, 371 ꞏ uVWind
+ 0, 0376 ꞏ uVWind2 8.86
Coeficiente de reaeração [m d−1]
8.10 TEMPERATURA NA ÁGUA
A temperatura na água de um ecossistema aquático pode ser estimada a partir do balanço de calor entre a
superfície da água e a atmosfera. O balanço de calor em um corpo hídrico é meramente a aplicação direta da
primeira lei da termodinâmica para um fluido incompressível, a qual define que a variação da energia interna
é igual à resultante dos fluxos de calor nos contornos do sistema. A Fig. 8.3 apresenta uma visão geral das
principais trocas de calor em um corpo hídrico. A energia interna está representada pela estrutura de
temperatura no reservatório. A variação dessa estrutura de temperatura durante um período definido é
referida como o calor armazenado pelo sistema ou o balanço de calor.
FIG. 8.3 Principais fluxos de calor em um reservatório
O balanço do fluxo de calor, ΔQ (W m−2), pode ser representado matematicamente por:
8.87
onda
é o fluxo de calor referente à radiação atmosférica de onda curda; QRAOL é o fluxo de calor referente à
radiação atmosférica de onda longa; QRWOL é o fluxo de calor referente à radiação da água de onda
longa; QCOND é o fluxo de calor referente à condução para a atmosfera; QEVAP é o fluxo de calor referente
ao processo de evaporação; e QIN/OUT é o fluxo de calor resultante das entradas e saídas por advecção, tais
como o escoamento superficial e subterrâneo, o fluxo de afluentes, a precipitação e os fluxos de saída.
A quantidade de calor armazenado durante um intervalo de tempo pode ser convertida em termos de
temperatura por meio da seguinte expressão:
8.88
onde V é o volume (m3); ρ é a densidade da água (kg m−3); e c é o calor específico da água (J kg−1°C−1).
8.10.1 RADIAÇÃO ATMOSFÉRICA DE ONDA CURTA
A radiação atmosférica de onda curta pode ser medida diretamente nas estações meteorológicas, com
radiômetros de Eppley, ou estimada na literatura em função da inclinação solar e cobertura de nuvens. Vale
ressaltar que a radiação medida por radiômetro é o valor medido acima da superfície da água, sem levar em
consideração a parcela refletida na superfície da água, também conhecida como albedo, que depende da
latitute do local e pode ser estimado pela equação de Fresnel:
8.89
onde n1 ≈ 1 e n2 = 1, 333 são os índices de refração do ar e da água, respectivamente; θ1 e θ2 são os ângulos
de incidência e de refração do raio solar na superfície da água, respectivamente (Fig. 8.4).
A relação entre os ângulos de incidência e refração é dada pela lei da refração ou lei de Snell:
8.90
Dessa forma, a radiação atmosférica de onda curta que passa através da superfície da água pode ser
expressa por:
8.91
Além disso, quando a radiação de onda curta penetra na superfície da água, a intesidade da radiação
decai exponencialmente com a profundidade da água, de acordo com a lei de LambertBeer:
FIG. 8.4 Refração da luz na interface arágua
8.92
onde kd é o coeficiente de extinção da luz na água (m−1), e z é a profundidade da água medida a partir de sua
superfície.
8.10.2 RADIAÇÃO ATMOSFÉRICA DE ONDA LONGA
A radiação atmosférica de onda longa é a parcela de calor proveniente da atmosfera, que pode ser estimada
em função da temperatura do ar (Tar) e da umidade relativa:
8.93
onde σ é a constante de StefanBoltzmann (11, 7 × 10−8 cal cm−2 d−1 K−1); Tar é a temperatura do ar
(°C); A é um coeficiente (pode variar entre 0,5 e 0,7); e ear é a pressão de vapor atmosférica (mmHg), dada
em função da umidade relativa do ar (UR):
8.94
onde esat é a pressão de vapor de saturação (mmHg), dada por:
8.95
Utilizandose essas unidades, o fluxo de calor é dado em cal cm−2dia−1. Para converter em W m−2,
multiplicase o valor por 0,48426.
8.10.3 RADIAÇÃO DA ÁGUA DE ONDA LONGA
O fluxo de calor que sai da superfície da água é chamado de radiação da água de onda longa. Ele pode ser
determinado em função da temperatura da superfície da água, Ts:
QRWOL = ɛσ (Ts − 273)4 8.96
onde ɛ é a emissividade da água (aproximadamente igual a 0,97). QRWOL é dado em cal cm−2 dia−1.
8.10.4 CONDUÇÃO DE CALOR
O fluxo de condução de calor ocorre em razão das colisões entre átomos e moléculas de uma substância e
depende da intensidade do vento e do gradiente de temperatura entre a água e o ar:
QCOND = c1 ꞏ f (Wind) ꞏ (Ts − Tar) 8.97
onde c1 é o coeficiente de Bowen (0,47 mmHg 0C−1);QCOND é dado em cal cm−2 dia−1; e f(Wind) é uma
função da velocidade do vento medida a 2 m acima da superfície da água:
8.98
onde aw, bw e cw são coeficientes empíricos. Se a temperatura da água for maior do que a temperatura do ar,
o fluxo de calor será no sentido água/atmosfera; caso contrário, será no sentido atmosfera/água.
8.10.5 EVAPORAÇÃO
O fluxo de calor por evaporação (cal cm−2 dia−1) depende da temperatura do ar e da umidade relativa, ou
da temperatura de ponto de orvalho, e é dado por:
QEVAP = f (Wind) ꞏ (esat − ear) 8.99
9 FITOPLÂNCTON
Fitoplâncton é o nome dado ao conjunto dos organismos aquáticos microscópicos que têm capacidade
fotossintética e que vivem à deriva flutuando na coluna d’água. O fitoplâncton encontrase na base da cadeia
alimentar dos ecossistemas aquáticos, uma vez que serve de alimentação a organismos maiores. Está na base
porque pertence ao nível trófico dos produtores. Além disso, acreditase que o fitoplâncton seja responsável
pela produção de cerca de 98% do oxigênio da atmosfera terrestre. Existem variações da composição
específica e da densidade das comunidades fitoplanctônicas ao longo do ano. Wetzel (1975) afirma que essas
variações são mais evidentes em lagos de regiões temperadas do que em lagos de regiões tropicais. Vários
estudos mencionam as variações quantitativas e qualitativas das espécies de fitoplâncton em função das
estações do ano (Domitrovic; Asselborn; Casco, 1998) ou em função da hidrodinâmica (Cardoso; Motta
Marques, 2009). Tanto ao longo da coluna d’água como ao longo da superfície, o fitoplâncton apresenta
grande distribuição. Esteves (1998) e Cardoso e Motta Marques (2009) indicam alguns fatores que podem
influenciar a distribuição vertical e horizontal do fitoplâncton, podendose destacar: (a) densidade específica
dos organismos; (b) herbivoria; (c) seiches internas (ondas paradas); (d) fluxo da água; (e) radiação solar; (f)
bentos; (g) temperatura da água; (h) ondas; (i) turbidez.
O fitoplâncton também pode ser responsável por alguns problemas ecológicos quando se desenvolve em
excesso. Em situação de alta disponibilidade de nutrientes, profundidade favorável, temperatura e luz ótimas,
esses organismos podem se multiplicar rapidamente, formando o que se costuma chamar floração de algas
ou bloom (como é mais utilizado). Esse fenômeno geralmente ocorre em dias quentes e calmos, e
principalmente em lagos eutróficos (ricos em nutrientes) ou eutrofizados artificialmente (Esteves, 1998). Os
principais problemas relacionados à eutrofização são:
A. Redução da diversidade biológica e do desenvolvimento de plantas aquáticas submersas, uma vez que o
desenvolvimento intensivo de algas espalhase por toda a superfície da água, impedindo a penetração da
luz nas camadas inferiores.
B. Condições anaeróbias no fundo do corpo d’água e no corpo d’água como um todo. O aumento da
produtividade do corpo d’água causa um aumento da concentração de bactérias heterotróficas, que se
alimentam da matéria orgânica das algas e de outros microrganismos mortos, consumindo oxigênio
dissolvido do meio líquido. No fundo do corpo d’água, predominam condições anaeróbias, em razão da
sedimentação da matéria orgânica, da reduzida penetração do oxigênio a essas profundidades, bem como
da ausência de fotossíntese (ausência de luz).
C. Liberação de toxinas para o meio aquático. Algumas espécies de fitoplâncton do grupo das
cianobactérias produzem toxinas que podem causar a morte de outras espécies aquáticas. Os moluscos e
os crustáceos acumulam toxinas quando consomem o fitoplâncton, e essas toxinas podem, então, passar
para os humanos quando os consomem. Isso geralmente causa apenas pequenos desarranjos gástricos,
mas em alguns casos raros, essas toxinas podem provocar problemas respiratórios que, às vezes, são
mortais.
D. Deposição de espuma na costa marítima. As grandes florações de fitoplâncton podem causar uma
espécie de espuma nas praias. Essas espumas não são tóxicas, porém aborrecem as pessoas que tinham
intenção de se banhar. Os efeitos sobre o turismo são nefastos quando as praias são afetadas por esse
problema.
E. Eventuais mortandades de peixes. A mortandade de peixes pode ocorrer em função de condições
anaeróbias (conforme comentado anteriormente) e de toxicidade por amônio. Em condições de pH
elevado (frequentes durante os períodos de elevada fotossíntese), o amônio apresentase em grande parte
na forma livre (NH3), tóxica aos peixes, em vez de na forma ionizada
, não tóxica.
F. Maior dificuldade e elevação nos custos de tratamento da água. A presença excessiva de algas afeta
substancialmente o tratamento da água captada no lago ou na represa, pela necessidade de remover a
alga, a cor, o sabor e o odor, com um maior consumo de produtos químicos e lavagens mais frequentes
dos filtros.
G. Problemas com o abastecimento de água industrial. Elevação dos custos para o abastecimento de água
industrial por razões similares às anteriores, e também em razão de depósitos de algas nas águas de
resfriamento.
Com relação à formação e distribuição espacial do fitoplâncton, esse organismo é controlado por dois
mecanismos (Lucas et al., 1999a, 1999b): (a) mecanismos locais (altura da coluna d’água, disponibilidade de
luz, temperatura, concentrações de nutrientes, predação por zooplâncton e bentos), os quais determinam o
equilíbrio entre produção e perda para uma coluna d’água em uma posição espacial particular (i.e. controlam
a possibilidade de ocorrer uma floração); (b) mecanismos relacionados ao transporte, que governam a
distribuição da biomassa (i.e. controlam onde uma floração de algas ocorre e se é possível acontecer).
9.1 ASPECTOS GERAIS PARA A MODELAGEM
O fitoplâncton pode ser modelado na água e no sedimento, estando sujeito a diversos processos (Fig. 9.1),
tais como: (a) crescimento e consumo de nutrientes; (b) respiração e excreção de nutrientes; (c) sedimentação
e ressuspensão; (d) mortalidade natural; e (e) consumo por herbívoros. Além disso, o fitoplâncton está sujeito
ao transporte longitudinal e vertical por advecção e difusão, descritos na seção 6.3.1.
Uma aproximação mais realista é feita quando o fitoplâncton é modelado por grupos funcionais, tais como
dinoflagelados, cianobactérias, diatomáceas e clorofíceas. Essa distinção é feita visando atender a diferentes
características ecológicas desses grupos, bem como a interesses de gerenciamento no ecossistema aquático.
Entretanto, por questões de simplificação, geralmente o fitoplâncton é modelado como um único grupo.
Neste capítulo, utilizaremos a notação (Spec) para representar um grupo funcional de fitoplâncton. Cada
grupo poderia também ser modelado por compartimentos: peso seco (D), carbono (C), nitrogênio (N) e
fósforo (P). As razões entre nutrientes e peso seco podem ser expressas por:
FIG. 9.1 Esquema dos processos no fitoplâncton
O conteúdo de carbono pode ser linearmente relacionado com o peso seco. Dessa forma, o termo de perdas
e ganhos do fitoplâncton é dado por:
9.3
9.4
Na sequência, serão apresentadas algumas equações matemáticas que podem ser utilizadas para modelar os
processos pertinentes ao fitoplâncton.
9.2 PRODUÇÃO
A produção é entendida como o aumento de biomassa expressa em gramas de peso seco por dia. A
produção também pode ser expressa em gramas de oxigênio por grama de biomassa fitoplanctônica, uma vez
que 1 g de biomassa assimilada corresponde a 1 g de oxigênio produzido. A produção é uma função dos
seguintes fatores: taxa máxima de crescimento, temperatura da água, horas de luz no dia, intensidade da luz
na superfície da água, condições da luz na água, conteúdo de fósforo e nitrogênio na água e no fitoplâncton.
Matematicamente, a produção do fitoplâncton pode ser expressa por:
9.5
onde cMuMaxSpec é a taxa máxima de crescimento de uma determinada espécie de fitoplâncton; ufDay é o
fotoperíodo em h/24h; aLLimSpec é um fator que reproduz o efeito da luz no crescimento do
fitoplâncton; uFunTmSpec é um fator que reproduz o efeito da temperatura no crescimento do fitoplâncton;
e aNutLimSpec é um fator que representa o efeito da disponibilidade de nutrientes no crescimento do
fitoplâncton.
9.2.1 TEMPERATURA
O efeito da temperatura é modelado por meio de uma função Gaussiana, definida por uma temperatura
ótima para crescimento (cTmOptSpec):
uFunTmSpec = EXP(−0, 5/cSigTmSpec2 ꞏ
ꞏ ((T − cTmOptSpec)2 −
(cTmRef − cTmOptSpec)2)) 9.6
Efeito da temperatura no crescimento do
fitoplâncton []
onde cSigTmSpec é o parâmetro sigma da curva de Gauss e cTmRef é a temperatura de referência (20°C).
Na Fig. 9.2 são apresentadas algumas combinações dos parâmetros cTmOptSpec e cSigTmSpec para a
estimativa do efeito da temperatura no crescimento do fitoplâncton. Observase que o
parâmetro cTmOptSpec representa a posição da temperatura ótima para crescimento e cSigTmSpec está
relacionado à forma da curva.
Funções de Monod ou de Hill (Apêndice B) também são largamente utilizadas para o cálculo do efeito da
temperatura no crescimento do fitoplâncton, porém elas não representam o efeito inibitório do crescimento
do fitoplâncton diante de altas temperaturas. A função de Hill seria:
9.7
onde
é o coeficiente de meia saturação da temperatura no crescimento do fitoplâncton.
O modelo theta também é bastante utilizado:
9.8
onde θT é um parâmetro que controla o efeito da temperatura no crescimento do fitoplâncton, cujo valor, de
acordo com Eppley (1972), é aproximadamente 1,06.
FIG. 9.2 Efeito da temperatura no crescimento do fitoplâncton (função Gaussiana)
9.2.2 LUZ
O fator de limitação da luz na água pode ser modelado por uma função de Monod, integrada ao longo da
coluna d’água e em 24 horas (Jorgensen, 1980). A atenuação da luz com a profundidade é descrita por uma
função bem conhecida, a lei de LambertBeer (Fig. 9.4B):
aLPAR(z) = uLPAR(0) ꞏ EXP(−aExtCoef ꞏ z),
sendo que 9.9
uLPAR(0) = Lout ꞏ fPAR ꞏ (1 − fRefl)
onde Lout é a intensidade da luz acima da superfície da água; fPAR é a fração de radiação fotossinteticamente
ativa; fRefl é a fração refletida; uLPAR(0) é a intensidade da luz imediatamente acima da superfície da
água; aLPAR(z) é a intensidade da luz a uma profundidade z; e aExtCoef é o coeficiente de extinção da luz na
água. Esse coeficiente é a soma da extinção de base (i.e. extinção da luz provocada pela própria água e por
substâncias dissolvidas) e contribuições da matéria orgânica, detritos, algas e vegetação aquática
submergentes:
aExtCoef = cExtWat + aExtIM + aExtDet + aExtPhyt + aExtVeg
9.10
Coeficiente de extinção [m−1]
A contribuição de cada grupo funcional do fitoplâncton para a extinção da luz é linearmente relacionada
com sua concentração por meio de uma constante de proporcionalidade (cExtSpec):
FIG. 9.3 Efeito da luz no crescimento de fitoplâncton, desprezandose o efeito de inibição da produção pelo
excesso de luz
aExtSpec = cExtSpec ꞏ sDSpecW
Contribuição de um grupo algal para a extinção 9.11
da luz [m−1]
Uma alternativa mais simples para calcular o coeficiente de atenuação da luz, aExtCoef, é por meio da
seguinte expressão (Chapra, 1997):
9.12
onde aSecchi é a profundidade de Secchi (m).
A parcela do coeficiente de extinção sem a contribuição das macrófitas aquáticas submersas, que dão um
efeito positivo na transparência da água, é chamada de aExtCoefOpen, e essa variável pode ser usada para o
cálculo da profundidade de Secchi:
aSecchi = MIN(sDepthW, aPACoef/aExtCoefOpen)
9.13
Profundidade de Secchi [m]
onde aPACoef é o coeficiente de PooleAtkins, que depende da concentração de matéria orgânica na água
(aDOMW):
aPACoef = cPACoefMin +
(cPACoefMax − cPACoefMin)ꞏ
9.14
hPACoef/(hPACoef + aDOMW)
Coeficiente de PooleAtkins []
9.15
FIG. 9.4 Efeitos da luz no crescimento do fitoplâncton. (A) variação da incidência de luz durante o dia; (B)
atenuação da luz com a profundidade; (C) dependência da taxa de crescimento com a intensidade da luz
onde aLPARBot é a intensidade da luz no fundo (Wm−2 PAR) e uhLSpec é a constante de meia saturação da
intensidade da luz para um determinado grupo de fitoplâncton (Wm−2 PAR).
Tendo em vista a inibição da produção pelo excesso de luz (Fig. 9.4C), a Eq. 9.15 seria reescrita para:
9.16
onde cLOptRefSpec é a intensidade de luz ótima para o crescimento (Wm−2 PAR).
A produção ao longo do dia depende do período de luz durante o dia, também chamado de fotoperíodo
(Fig. 9.4A), que varia ao longo do ano e depende da latitude do ecossistema aquático.
Geralmente, a fração de horas de luz no dia é calculada de acordo com uma função do tipo cosseno:
9.17
onde ufFotomed é a fração média de horas de luz no ano; ufFotoampé a amplitude de variação da fração de
horas de luz no ano; ufFotolag é o dia Juliano, em que ocorre a mínima fração de horas de luz no ano;
e DayJul é o dia Juliano. Esses coeficientes dependem da latitute do local.
9.2.3 ASSIMILAÇÃO DE NUTRIENTES
O efeito da limitação de nutrientes no crescimento do fitoplâncton pode ser modelado pela equação de
Droop, que descreve a dependência da taxa de crescimento de acordo com o conteúdo de nutrientes no
fitoplâncton. A taxa de crescimento aumenta rapidamente se esse conteúdo for baixo, e viceversa:
9.18
onde cPDSpecMin [gP g−1D] e cPDSpecMax [gP g−1D] são o conteúdo de fósforo mínimo e máximo no
fitoplâncton, respectivamente. As equações para nitrogênio e sílica são análogas.
Esse efeito também poderia ser modelado por meio de uma simples equação de Monod:
9.19
onde hPO4AssSpec é a constante de meia saturação da concentração de PO4 para o crescimento do
fitoplâncton. As equações são análogas para nitrogênio e sílica.
O efeito geral da limitação de nutrientes no crescimento do fitoplâncton pode ser estimado por meio da
combinação dos efeitos de cada nutriente.
aLimSpec = aPLimSpec ꞏ aNLimSpec ꞏ 9.20
aSiLimSpec, ou
aLimSpec = min 9.21
(aPLimSpec, aNLimSpec, aSiLimSpec), ou
9.22
A assimilação de nutrientes pelo fitoplâncton depende da demanda de nutrientes pelo fitoplâncton e da
disponibilidade de nutrientes no meio aquático. Para simplificar, apresentamos a seguir apenas as equações
referentes ao consumo de fósforo pelo fitoplâncton. A taxa máxima de assimilação de nutrientes depende do
conteúdo atual de nutrientes no fitoplâncton, ou seja, da razão entre nutrientes e peso seco (D) no
fitoplâncton. Se essa razão é baixa, a taxa de assimilação de nutrientes é alta, e se a razão é alta, a taxa de
assimilação aproximase do valor mínimo.
Para o caso do fósforo, temse:
9.23
onde cPDSpecMin e cPDSpecMax são as razões entre fósforo e peso seco (D) mínimo e máximo no
fitoplâncton, respectivamente; cVPUptMaxSpec é a taxa máxima de assimilação de P pelo fitoplâncton;
e uFunTmSpec é uma função que representa o efeito da temperatura na assimilação de P.
A taxa de assimilação específica é descrita por uma função do tipo Monod para concentração de fósforo
dissolvido:
9.24
Isso implica que a concentração de meia saturação de fósforo não é uma constante, mas depende da taxa
máxima de assimilação (aVPUptMaxCorSpec):
ahPUptSpec = aVPUptMaxCorSpec/cAffPUptSpec
9.25
Concentração de meia saturação de fósforo
[mgP/l]
onde cAffPUptSpec é a afinidade de consumo de P pelo fitoplâncton (lꞏmgD−1 ꞏd−1). O fluxo de assimilação
de fósforo é o produto entre a taxa específica de assimilação e a biomassa atual:
tPUptSpec = aVPUptSpec ꞏ sDSpec
9.26
Fluxo de assimilação de fósforo [gP m−3 d−1]
A assimilação de nitrogênio é modelado da mesma maneira, com uma característica especial: o
fitoplâncton tanto pode assimilar nitrato como amônio. Geralmente se assume que o fitoplâncton tem uma
maior preferência por amônio, uma vez que essa forma de nitrogênio é energeticamente mais vantajosa. As
taxas de assimilação de nitrogênio são baseadas no total de nitrogênio total solúvel, o qual é dividido em duas
frações (Ambrose et al., 1988). A fração de nitrogênio absorvido como amônio corresponde a:
9.27
9.3 RESPIRAÇÃO E EXCREÇÃO DE NUTRIENTES
Em resumo, a respiração pode ser dividida em comportamental (fotorrespiração), relacionada ao
crescimento, e de manutenção, relacionada à energia requerida para a manutenção vital. Geralmente, apenas a
respiração de manutenção é explicitamente modelada por meio de uma função de primeira ordem, e a
respiração comportamental é incorporada implicitamente na taxa de crescimento. O fluxo de respiração para
a manutenção pode ser expresso por:
ukDRespTmSpec = kDRespSpec ꞏ uFunTmSpec
9.28
Taxa de respiração de manutenção [d−1]
wDRespSpec = ukDRespTmSpec ꞏ sDSpec
9.29
Fluxo de respiração para a manutenção [gD m−3d
−1]
A excreção é outro processo de transferência de nutrientes para os compartimentos orgânicos (dissolvido e
particulado). Nessa aproximação, geralmente se considera que os fluxos de excreção são proporcionais aos
fluxos de peso seco da respiração de manutenção:
wPExcrSpecW = rPDSpecW/(cPDSpecMin + rPDSpecW) ꞏ
ꞏ rPDSpecW ꞏ wDRespSpecW 9.30
Excreção de fósforo algal na água [gP m−3 d−1]
A equação é similar para o fitoplâncton no sedimento.
9.4 SEDIMENTAÇÃO, RESSUSPENSÃO E MORTALIDADE
A modelagem dos processos de sedimentação e ressuspensão é apresentada em detalhes na seção 8.3. A
sedimentação do fitoplâncton pode ser descrita como um processo de primeira ordem, sendo a taxa igual à
velocidade de sedimentação dividida pela profundidade da água. A taxa de ressuspensão depende das
dimensões do ecossistema aquático, da intensidade do vento e da quantidade de peixes que se alimentam de
animais que vivem no sedimento (ver seção 8.3). A mortalidade natural também pode ser admitida como um
processo de primeira ordem:
wDMortSpecW = kMortSpecW ꞏ sDSpecW
9.31
Mortalidade algal na água [gD m−3 d−1]
tDMortSpecS = kMortSpecS ꞏ sDSpecS
9.32
Mortalidade algal no sedimento [gD m−2 d−1]
onde kMortSpecW e kMortSpecS são as taxas de mortalidade do fitoplâncton na água e no sedimento,
respectivamente. A mortalidade resultante do consumo por outros organismos aquáticos está descrita em
detalhes no Cap. 11.
9.5 PARÂMETROS
Um dos maiores problemas na modelagem ecológica está na atribuição dos valores dos parâmetros. Muitos
estudos experimentais foram realizados com o intuito de determinar uma faixa de valores razoável para
diversos parâmetros ecológicos. Entretanto, grande parte desses estudos foi desenvolvida em ecossistemas
aquáticos temperados, que apresentam padrões bem diferentes dos encontrados em ecossistemas tropicais e
subtropicais. Dessa forma, o modelador sempre deverá usar o bom senso na escolha de um valor adequado
para seu sistema. Os valores apresentados na Tab. 9.1 podem ser tomados como valores de referência, os
quais estão sujeitos a alterações na fase de calibração do modelo.
TAB. 9.1 Valores sugeridos para os parâmetros relacionados ao fitoplâncton
Fonte: Janse, 2005.
MACRÓFITAS AQUÁTICAS
10
As macrófitas aquáticas têm um importante papel em muitos componentes abióticos e bióticos de um
ecossistema aquático (Scheffer, 1998; Jeppesen et al., 1998b). Um dos mais relatados efeitos positivos da
presença de macrófitas aquáticas é a transparência da água, embora os mecanismos que causam esse efeito
possam variar de caso para caso (Scheffer, 1998). Os mecanismos responsáveis pelo aumento da
transparência da água são:
A. redução da ressuspensão provocada por ondas;
B. efeito alelopático na comunidade fitoplanctônica (liberação de substâncias que inibem o crescimento do
fitoplâncton);
C. oferecer abrigo para o zooplâncton, zoobentos e peixes, o que traria benefícios para o estabelecimento
dessas comunidades.
Pelo fato de as macrófitas aquáticas constituírem um grupo muito grande, elas são geralmente classificadas
em 5 grupos ecológicos, baseados em seu modo de vida (biotipo) no ambiente aquático (Fig. 10.1). Esses
grupos são:
• macrófitas aquáticas emersas: são enraizadas no sedimento, porém as folhas crescem para fora da água.
Ex.: junco, taboa;
• macrófitas aquáticas com folhas flutuantes: são enraizadas no sedimento e com folhas flutuando na
superfície da água. Ex.: lírio d’água, vitóriarégia;
• macrófitas aquáticas submersas enraizadas: são enraizadas no sedimento, crescendo totalmente debaixo
d’água. Ex.: elódea, cabomba;
• macrófitas aquáticas submersas livres: permanecem flutuando debaixo d’água. Podem se prender a
pecíolos e caules de outras macrófitas. Ex.: utriculária;
• macrófitas aquáticas flutuantes: flutuam livremente na superfície da água. Ex.: alface d’água, aguapé,
orelhaderato.
FIG. 10.1 Grupos ecológicos das macrófitas aquáticas
O crescimento das macrófitas é regularizado por diversos fatores, tais como a disponibilidade de luz,
nutrientes, temperatura, estabilidade do sedimento, ação das ondas, mudança dos níveis da água e consumo
por várias espécies de aves e peixes. Apesar do pouco conhecimento sobre importantes aspectos para o
crescimento das macrófitas aquáticas, como a herbivoria por aves, modelos determinísticos são boas
ferramentas de avaliação e predição da dinâmica do crescimento da vegetação. Esses modelos também
podem ser utilizados para a geração de hipóteses, as quais podem ser testadas em campo ou em laboratório.
Neste capítulo, utilizamos a notação (Veg) para representar um determinado grupo funcional de macrófitas
aquáticas. Cada grupo poderia ser modelado por compartimentos: peso seco (D), carbono (C), nitrogênio (N)
e fósforo (P). As razões entre nutrientes e peso seco podem ser expressas por:
rPDVeg = sPVeg/sDVeg Razão P/D [gP/gD] 10.1
rNDVeg = sNVeg/sDVeg Razão N/D [gN/gD] 10.2
O carbono tem relação diretamente linear com o peso seco. O termo de perdas e ganhos para as macrófitas
aquáticas é dado por:
10.3
10.4
Essas razões referemse à planta como um todo, sem distinção entre caule, raiz e folhas. Podese também
considerar distinções da fração de biomassa que faz parte da estrutura no solo (raiz) e na água (tronco). Por
questões de simplificação, podese assumir a estrutura presente na água como distribuída uniformemente. As
macrófitas aquáticas estão sujeitas a: (A) crescimento e consumo de nutrientes; (B) respiração e excreção de
nutrientes; (C) sedimentação e ressuspensão; (D) mortalidade natural; (E) consumo por aves; e (F) ações de
gerenciamento (e.g. corte). Na sequência, apresentamse as equações correspondentes a cada processo citado.
10.1 PRODUÇÃO
10.1.1 TEMPERATURA
A modelagem do efeito da temperatura no crescimento das macrófitas aquáticas é similar à do
fitoplâncton, descrita na seção 9.2.1.
10.1.2 ASSIMILAÇÃO DE NUTRIENTES
As equações para avaliar o efeito combinado da limitação de nutrientes no crescimento das macrófitas
aquáticas são as mesmas utilizadas para o fitoplâncton. O consumo de nutrientes também é análogo ao do
fitoplâncton. Como existem diferenças específicas na estrutura da vegetação (raiz e tronco), os processos são
novamente descritos.
As macrófitas podem assimilar nutrientes tanto do substrato como da água. Apresentamos a seguir apenas
as equações referentes ao consumo de fósforo pelas macrófitas. A assimilação de fósforo pela planta depende
da demanda de fósforo pela vegetação e da disponibilidade de fósforo no sistema. A taxa máxima de
assimilação depende do conteúdo atual de nutrientes nas macrófitas, ou seja, da razão entre nutrientes e peso
seco. Se essa razão é baixa, a taxa de assimilação de nutrientes é alta, e se a razão é alta, a taxa de
assimilação aproximase do valor mínimo. Para o caso do fósforo, temse:
10.5
onde cPDVegMin e cPDVegMax são as razões entre fósforo e peso seco (D) mínimo e máximo na planta,
respectivamente; cVPUptMaxVeg é a taxa máxima de assimilação de P pela planta; e uFunTmVeg é uma
função que representa o efeito da temperatura na assimilação de P.
A taxa de assilimação específica é descrita por uma função do tipo Monod para concentração de fósforo
dissolvido:
10.6
Isso implica que a concentração de meia saturação de fósforo não é uma constante, mas depende da taxa
máxima de consumo (aVPUptMaxCorVeg):
ahPUptVeg = aVPUptMaxCorVeg/cAffPUptVeg
10.7
Concentração de meia saturação de fósforo
[mgP/l]
O fluxo de assimilação de fósforo na água é o produto entre a taxa específica de assimilação e a biomassa
das plantas submersas (enraizadas e não enraizadas) e flutuantes:
tPUptVegW = aVPUptVegW
ꞏ (aDSubVeg + aDFloatVeg)
10.8
Fluxo de assimilação de fósforo na água [gP m−3d
−1]
No mesmo sentido, o fluxo de assimilação de fósforo no sedimento promovido pelas raízes é:
tPUptVegS = aVPUptVegS ꞏ aDRootVeg
Fluxo de consumo de fósforo no sedimento [gP m 10.9
−3 d−1]
O consumo de nitrogênio é modelado da mesma maneira, com uma característica especial: as macrófitas
tanto podem consumir nitrato como amônio. Como no fitoplâncton, as macrófitas aquáticas têm uma maior
preferência por amônio, uma vez que essa forma de nitrogênio é energeticamente mais vantajosa. As taxas de
consumo de nitrogênio são baseadas no total de nitrogênio total solúvel, o qual é dividido em duas frações
(Ambrose et al., 1988). A fração de nitrogênio absorvido como amônio corresponde a:
10.10
10.1.3 LUZ E TEMPERATURA
As equações da dependência da luz na água são aplicadas apenas para as macrófitas submersas. A
formulação é dividida em duas partes: interceptação da luz na superfície da água e limitação da luz na água.
A fração de luz interceptada na superfície da água é utilizada para o cálculo da biomassa das plantas
flutuantes e emergentes, com um máximo de 100%. A equação por grupo funcional de macrófitas é dada por:
10.11
10.12
onde:
aLPAR1Veg = uLPAR0 ꞏ EXP(−aExtCoefOpen ꞏ
uDepth1Veg) 10.13
Intensidade da luz no topo da planta [W m−2 PAR]
aLPAR2Veg = aLPAR1Veg ꞏ EXP(−aExtCoefOpen ꞏ
ꞏ (uDepth2Veg − uDepth1Veg)) 10.14
Intensidade da luz na base da planta [W m−2 PAR]
uhLVeg = hLRefVeg ꞏ uFunTmProdVeg
Meia saturação da luz para produção da 10.15
vegetação [W m−2 PAR]
onde uDepth1Veg e uDepth2Veg são, respectivamente, a profundidade do topo e da base da planta, medida a
partir da superfície da água (Fig. 10.2); hLRefVeg é a constante de meia saturação do PAR para a vegetação a
20°C.
A taxa de crescimento combinada, incluindo a influência da temperatura e da luz, pode ser expressa como:
aMuTmLVeg = uMuMaxTmVeg ꞏ
afCovSurfVeg) ꞏ ufDay ꞏ fSubVeg ꞏ
ꞏ (1 − afCovSurfVeg) 10.16
ꞏuFunTmVeg
Taxa de crescimento da vegetação aquática,
considerando luz e temperatura [d−1]
FIG. 10.2 Elementos para o cálculo da distribuição da luz na macrófita aquática
onde uMuMaxTmVeg é a taxa máxima de crescimento da vegetação, considerando luz e temperatura; ufDay é
o fotoperíodo (h/24h); fSubVeg é a fração de vegetação na água; afCovSurfVeg é a fração de área coberta da
superfície da água.
A limitação por nutrientes pode ser modelada pela equação de Droop (Riegman; Mur, 1984), que descreve
a dependência da taxa de crescimento pelo conteúdo de nutrientes na vegetação:
10.17
A equação para nitrogênio e sílica é similar. Uma função de Monod poderia ser utilizada, como
demonstrado no capítulo anterior.
A taxa de crescimento poderia ser corrigida em função da densidade máxima de plantas por área. A
biomassa máxima de vegetação por unidade de área é expressa como a capacidade máxima de suporte do
sistema. Esse parâmetro poderia aparecer embutido na taxa de crescimento da vegetação.
A taxa intrínseca de crescimento, considerando uma capacidade máxima de suporte do sistema, é definida
como:
akDIncrVeg = aMuTmLVeg − ukDRespTmVeg − bkMortVeg
10.18
Taxa intrínseca de crescimento [d−1]
onde ukDRespTmVeg é o fluxo de respiração e bkMortVeg é o fluxo de mortalidade da vegetação. O termo de
correção é dado por:
tDEnvVeg = akDIncrVeg/cDCarrVeg ꞏ sDVeg2
10.19
Correção logística da vegetação [gD m−2 d−1]
onde cDCarrVeg é a capacidade máxima de suporte do sistema.
A redução de produção, considerando o efeito da densidade de plantas, é descrita como:
tDEnvProdVeg = aNutLimVeg ꞏ aMuTmLVeg ꞏ
ꞏ ufDay ꞏ tDEnvVeg 10.20
Correção logística da produção pela densidade de
plantas [gD m−2 d−1]
onde ufDAy é o fotoperíodo (h/24h). O fluxo de produção é expresso como:
tDProdVeg = aMuTmLVeg ꞏ
sDVeg − tDEnvProdVeg 10.21
Fluxo de produção de vegetação [gD m−2 d−1]
e o fluxo de produção das macrófitas submersas é dado por:
tDProdSubVeg = ufSubVeg ꞏ tDProdVeg
Fluxo de produção de vegetação submersa [gD m 10.22
−2 d−1]
onde ufSubVeg é a fração submersa da vegetação.
10.2 RESPIRAÇÃO E EXCREÇÃO
Em resumo, a respiração pode ser dividida em comportamental (fotorrespiração), relacionada ao
crescimento, e de manutenção, relacionada à energia requerida para a manutenção vital. A respiração de
manutenção é explicitamente modelada por meio de uma função de primeira ordem, e a respiração
comportamental é incorporada implicitamente na taxa de crescimento:
ukDRespTmVeg = kDRespVeg ꞏ uFunTmVeg
10.23
Taxa de respiração de manutenção [d−1]
wDRespVeg = ukDRespTmVeg ꞏ sDVeg
10.24
Fluxo de respiração para a manutenção [gD m−3d
−1]
onde uFunTmVeg = cThetaRespVeg(T m−20) é uma função que representa o efeito da temperatura na
respiração da vegetação; cThetaResp ≈ 1,06 é o coeficiente da função uFunTmVeg; kDRespVeg é a taxa de
respiração de manutenção (d−1).
A excreção é outra maneira de transferir nutrientes para o meio. Geralmente se assume que os fluxos de
excreção são proporcionais aos fluxos de peso seco da respiração de manutenção:
tPExcrVeg = rPDVeg/(cPDVegMin + rPDVeg) ꞏ
rPDVeg ꞏ wDRespVeg 10.25
Excreção de fósforo algal na água [gP m−3 d−1]
Os fluxos de excreção de fósforo e nitrogênio podem ser desmembrados entre sedimento e coluna d’água,
de acordo com a razão entre raiz e tronco da planta:
tPExcrVegS = fRootVeg ꞏ tDExcrVeg
10.26
tPExcrVegW = tDExcrVeg − tPExcrVegS
onde fRootVeg é a fração enraizada da planta.
10.3 MORTALIDADE
Em ambientes tropicais e subtropicais não existe mortalidade sazonal completa das plantas. Dessa forma, a
mortalidade natural é modelada como para o caso do fitoplâncton (processo de primeira ordem), corrigida
pela produção máxima:
tDMortVeg = bkMortVeg ꞏ sDVeg + tDEnvProdVeg
10.27
Fluxo de mortalidade da vegetação [gD m−2d−1]
tDEnvMortVeg = tDEnvVeg − tDEnvProdVeg
10.28
Correção logística da mortalidade [gD m−2d−1]
onde bkMortVeg é a taxa de mortalidade da vegetação (d−1).
10.4 CONSUMO POR AVES
Opcionalmente, o consumo de macrófitas aquáticas por aves pode ser incluído. As aves podem ser
consideradas elementos externos do sistema e, assim, não são modeladas dinamicamente. A predação de
macrófitas por aves está relacionada com a densidade de aves e o período do ano em que elas estão presentes
no ecossistema aquático. Usualmente se admite uma taxa de consumo constante por aves, bem como uma
eficiência constante de assimilação das plantas. Um fator de Monod pode ser incluído para assegurar que a
demanda pelas aves não ultrapasse a oferta de alimento. A parcela evacuada retorna como detritos, e a parte
assimilada é considerada uma perda irreversível para o sistema.
tDGrazVegBird = cPrefVegBird ꞏ
sDVeg/(hDVegBird + sDVeg) ꞏ
ꞏ cBirdsPerha/m2Perha ꞏ cDGrazPerBird 10.29
Fluxo de biomassa resultante de consumo por
aves [gD m−2 d−1]
onde cPrefVegBird é o fator de preferência do consumo de plantas aquáticas pelas aves; hDVegBird é a
constante de meia saturação do consumo de vegetação pelas aves; cBirdsPerha é o número de aves por
ha; m2Perha = 10.000 é um fator de conversão de m2 para ha; cDGrazPerBird é a taxa de consumo de
plantas aquáticas por unidade de ave (gD.ave−1.d−1).
MICRO E MACROFAUNA
AQUÁTICA 11
Este capítulo apresenta o equacionamento matemático dos principais animais aquáticos (i.e. micro e
macrofauna), tais como zooplâncton, zoobentos e peixes. A modelagem desses compartimentos aquáticos é
uma tarefa difícil, em virtude da dificuldade de representar fatores como a seletividade alimentar (dieta) e a
heterogeneidade espacial desses organismos. Entretanto, uma aproximação da biomassa em termos médios
pode ser obtida de forma razoável.
Poucos modelos ecológicos atualmente disponíveis consideram a dinâmica desses organismos, os quais
são responsáveis por vários efeitos diretos e indiretos na qualidade da água dos ecossistemas aquáticos. Por
exemplo, o zooplâncton apresenta grande relevância ecológica, visto que são organismos filtradores de
material em suspensão, como bactérias, detritos, matéria inorgânica e fitoplâncton. A sua alta taxa de
renovação populacional permite destacálos como um importante elo no fluxo de energia para níveis tróficos
mais elevados (e.g. peixes planctívoros) e na ciclagem de nutrientes (Esteves, 1998). Outra característica
importante do zooplâncton é a sua alta capacidade de tolerância às alterações ambientais (Allan, 1976). Os
macroinvertebrados ou zoobentos constituem uma importante fonte de alimento para peixes e são bons
indicadores da degradação ambiental em ecossistemas aquáticos. Assim como o zooplâncton, eles
influenciam na ciclagem de nutrientes, na produtividade primária e na decomposição (Wallace; Webster,
1996). Os peixes atuam como reguladores do crescimento das populações de zooplâncton e zoobentos, e
auxiliam a ciclagem de nutrientes por meio da assimilação do plâncton, da excreção e da ressuspensão de
material de fundo resultante da procura por alimentos no sedimento.
11.1 ASPECTOS GERAIS PARA A MODELAGEM
As razões entre nutrientes e peso seco podem ser modeladas dinamicamente para cada animal aquático e
geralmente aumentam com o nível trófico. As taxas de assimilação e mortalidade podem ser combinadas
como uma correção de densidade, para garantir que a biomassa não ultrapasse uma densidade máxima de
indivíduos por unidade de área. Uma parte do fluxo de consumo, a eficiência de assimilação (fDAssSpec), é
usada no crescimento dos animais, e o restante é evacuado para o compartimento de detritos (consumo –
evacuação = assimilação). O sufixo –Spec corresponde a um determinado organismo. Os termos de perdas e
ganhos para um grupo da fauna aquática são dados por:
11.1
11.2
Para manter as diferenças das razões entre nutrientes e peso seco na cadeia trófica e um balanço de massa
fechado, alguns processos são considerados dependentes da atual razão entre nutrientes e peso seco. Dessa
forma, três mecanismos são relevantes para a modelagem de nutrientes da fauna aquática:
(a) Considerase que o fósforo e o nitrogênio são assimilados com mais eficiência do que o carbono. A
eficiência de assimilação de P e N é expressa em função das razões P/D e N/D da presa:
11.3
11.4
onde cPDSpecRef é a razão entre fósforo e peso seco do predador, a qual é necessária para seu
funcionamento; rPDFodSpec é a razão P/D da presa; e fDAssSpec é o fator de assimilação do predador.
(b) Considerase que a taxa de excreção de fósforo e de nitrogênio é relativamente mais baixa do que a
taxa de respiração. Assim, as taxas de excreção de um animal aquático são dadas por:
11.5
11.6
(c) Quando o conteúdo de fósforo ou nitrogênio no organismo decresce, a taxa de respiração aumenta.
Dessa forma, um fator de correção é incluído no fluxo de P e N, por causa da respiração do organismo:
11.7
11.2 ZOOPLÂNCTON E ZOOBENTOS
Os organismos zooplanctônicos e macrobentônicos podem se alimentar de fitoplâncton e detritos com
diferentes níveis de preferência. Entretanto, a presença de zooplâncton de grande porte em ambientes
tropicais e subtropicais é limitada e, portanto, sua pressão de predação sobre o fitoplâncton de grande porte é
reduzida. Os principais processos do zooplâncton estão apresentados na Fig. 11.1.
FIG. 11.1 Esquema dos processos no zooplâncton
A resposta funcional do zooplâncton pode ser descrita simplesmente por meio de uma taxa específica de
filtração (consumo), que depende da concentração de alimento disponível e de outros fatores ambientais,
como a temperatura. A formulação proposta por Gulati, Siewertsen e Postema (1982, 1985) é uma boa
alternativa. Ela considera um decaimento hiperbólico da taxa de filtragem com a concentração de séston, e
um aumento da taxa com a temperatura:
11.8
onde cFiltMax é a taxa máxima de filtragem do séston; hFilt é a constante de meia saturação do
séston; oDOMW é a concentração de séston na água; a correção da temperatura é dada por:
uFunTmZoo = EXP(−0, 5/cSigTmZoo2 ꞏ
ꞏ ((uTm − cTmOptZoo)2 − 11.9
(cTmRef − cTmOptZoo)2))
Função de temperatura do zooplâncton []
onde cSigTmZoo é o parâmetro sigma da função de Gauss (°C); cTmRef = 20 é uma temperatura de
referência (°C); cTmOptZoo é a temperatura ótima para assimilação do zooplâncton.
Dessa forma, a taxa máxima pode ser expressa por:
ukDAssTmZoo = fDAssZoo ꞏ cFiltMax ꞏ
uFunTmZoo ꞏ hFilt
11.10
Taxa máxima de assimilação do zooplâncton com
correção da temperatura [d−1]
onde fDAssZoo é a eficiência de assimilação do zooplâncton.
As diferenças na taxa de consumo específica para cada presa podem ser incorporadas na modelagem. Por
exemplo, o zooplâncton tem maior dificuldade para ingerir cianobactérias filamentosas (Gliwicz; Lampert,
1990). Essas diferenças são modeladas com a introdução de um fator que atribui uma preferência seletiva
para cada presa (Arnold, 1971). Esse fator representa a fração de um determinado alimento presente na água
que será ingerida pelo zooplâncton. Considere, então, o ranking de seletividade para o zooplâncton: algas
verdes > diatomáceas > detritos > cianobactérias. A equação seguinte estima a quantidade de alimento
disponível para o zooplâncton, considerando a seletividade alimentar do organismo:
oDFoodZoo = cPrefDiat ꞏ sDDiatW + cPrefGren ꞏ
sDGrenW
11.11
+ cPrefBlue ꞏ sDBlueW + cPrefDet ꞏ sDDetW
Alimento disponível para o zooplâncton [mgD/l]
onde cPrefDiat é um fator de preferência para o consumo de diatomáceas; cPrefGren é um fator de
preferência para o consumo de algas verdes; cPrefBlue é um fator de preferência para o consumo de
cianobactérias; cPrefDet é um fator de preferência para o consumo de detritos.
A taxa de assimilação poderia ser corrigida pela densidade de zooplâncton presente na água, como no caso
das macrófitas aquáticas:
ukIncrZoo = ukDAssTmZoo − ukDRespTmZoo − kMortZoo
11.12
Taxa intrínseca de crescimento do zooplâncton [d−1]
11.13
onde kDRespTmZoo é a taxa de respiração do zooplâncton (d−1); kMortZoo é a taxa de mortalidade do
zooplâncton (d−1); e cDCarrZoo é a biomassa máxima de suporte do ecossistema por unidade de volume
(gD.m−3). A assimilação do zooplâncton poderia ser corrigida em função da saturação de alimento
disponível:
aDSatZoo = oDFoodZoo/(hFilt + oDOMW)
11.14
Função de saturação de alimento do zooplâncton
[]
wDAssZoo = aDSatZoo ꞏ (ukDAssTmZoo ꞏ
sDZoo − wDEnvZoo) 11.15
Assimilação do zooplâncton [g m−3 d−1]
O consumo total de alimento pelo zooplâncton é uma fração do total assimilado. Isso significa dizer que:
wDConsZoo = wDAssZoo/fDAssZoo
11.16
Consumo do zooplâncton [g m−3 d−1]
As parcelas individuais de consumo de cada presa são determinadas por:
11.17
11.18
11.19
11.20
A egestão do zooplâncton é exatamente a diferença entre o que foi consumido e o que foi assimilado:
wDEgesZoo = wDConsZoo − wDAssZoo
11.21
Evacuação do zooplâncton [g m−3 d−1]
A respiração e a mortalidade podem ser descritas como um processo de primeira ordem, dependentes da
temperatura:
ukDRespTmZoo = kDRespZoo ꞏ uFunTmZoo
11.22
Taxa de respiração do zooplâncton [d−1]
ukDMortTmZoo = kDMortZoo ꞏ uFunTmZoo
Taxa de mortalidade do zooplâncton [d−1] 11.23
As equações para zoobentos são similares às escritas para zooplâncton, lembrando que o zoobento
alimentase de detritos e fitoplâncton no sedimento por meio de uma resposta funcional do tipo Monod.
11.3 PEIXES
Os peixes podem ser divididos em grandes grupos funcionais: onívoros (alimentamse de plâncton,
zoobentos e peixes de pequeno porte), planctívoros (alimentamse de plâncton e zoobentos) e piscívoros
(alimentamse de outros peixes). Na modelagem de peixes, os diferentes grupos funcionais implicam dietas
distintas. Por exemplo, é fundamental incluir na modelagem de peixes a predação de piscívoros sobre peixes
bentívoros e planctívoros, os quais afetam diretamente os compartimentos de zooplâncton e zoobentos. Além
disso, em razão de sua heterogeneidade, grupos de diferentes tamanhos podem servir de alimento em
diferentes estágios de vida para peixes e até para alguns zooplânctons carnívoros (Jeppesen et al., 1990).
Os peixes onívoros, na fase adulta, não têm preferência seletiva por suas presas, e alimentamse de algas,
zooplâncton, zoobentos e peixes juvenis, dependendo da densidade instantânea da presa. Os peixes
planctívoros, na fase adulta, alimentamse de fitoplâncton, zooplâncton e macroinvertebrados, utilizando
regras semelhantes de seletividade atribuídas aos peixes onívoros. Na fase juvenil, os peixes onívoros e
planctívoros apenas se alimentam de zooplâncton. Um efeito negativo na transparência da água, resultante da
ressuspensão de material devido à procura de alimento no sedimento pelos peixes onívoros e planctívoros,
poderia também ser considerado na modelagem. A presença da vegetação impede e eficiência da procura por
zooplâncton e zoobentos. O sufixo–Fi referese aos peixes onívoros e planctívoros. A Fig. 11.2 destaca os
processos na modelagem de peixes.
FIG. 11.2 Esquema dos processos nos peixes adulto e juvenil. Os peixes juvenis também podem ser
modelados dinamicamente
11.3.1 ASSIMILAÇÃO
A taxa de predação dos peixes pode ser modelada por meio de uma função sigmoidal que depende da
densidade das presas disponíveis para consumo. Além disso, o efeito da presença da vegetação aquática
poderia ser incluído como um fator que reduz a eficiência de predação dos peixes:
aFunVegFiJv = MAX(0, 1 − cRelVegFiJv ꞏ
aCovVeg)
11.24
Dependência da vegetação para peixes onívoros e
planctívoros juvenis []
11.25
aFunVegFiAd = MAX(0, 1 − cRelVegFiAd ꞏ
aCovVeg)
11.26
Dependência da vegetação para peixes onívoros e
planctívoros adutos []
11.27
onde cRelVegFiJv e cRelVegFiAd são a redução da eficiência de predação pela presença da vegetação para o
peixe jovem e adulto, respectivamente; aCovVeg é a fração de área coberta por vegetação; hDZooFiJv é a
constante de meia saturação de biomassa de zooplâncton para predação de peixes jovens; e hDZooFiAd é a
constante de meia saturação de biomassa de zoobentos para predação de peixes adultos.
O efeito dos peixes onívoros e planctívoros na turbidez foi explicado na seção 8.3. O crescimento dos
peixes piscívoros pode depender da presença de vegetação da seguinte maneira:
11.28
aDSatPisc = aDFi2/(hDFiPisc2 + aDFi2)
11.29
Função de limitação de alimento para peixes
piscívoros []
onde hDVegPisc é a constante de meia saturação da biomassa de vegetação que inibe o crescimento dos
peixes piscívoros; aDSubVeg é a biomassa de vegetação submersa (gD m−2); aDFi é a biomassa de peixe
disponível para predação pelo peixe piscívoro; e hDFiPisc é a constante de meia saturação de peixes para
predação pelo peixe piscívoro.
11.3.2 RESPIRAÇÃO, MORTALIDADE E EXCREÇÃO
Respiração, mortalidade e excreção podem ser modeladas como processos de primeira ordem. Quando um
peixe morre, uma fração correspondente ao material não decomposto (escamas e ossos) sedimenta no fundo e
não participa mais do ciclo biológico.
11.3.3 REPRODUÇÃO E FASES DE VIDA
A desova de peixes pode ser simulada como uma simples transferência de biomassa do compartimento
adulto para o compartimento jovem. Em um determinado dia do ano, uma pequena fração de biomassa adulta
passa a ser biomassa juvenil. No final de cada ano, metade da biomassa juvenil tornase biomassa adulta. As
simplificações apresentadas podem ser grosseiras, mas permitem uma aproximação anual média da
transferência de biomassa entre os compartimentos adulto e juvenil. A sugestão dada não é uma regra, e o
leitor é encorajado a pesquisar outras funções que melhor representem essas transferências.
11.3.4 PESCA PREDATÓRIA E CONSUMO POR AVES
A pesca predatória e o consumo por aves, para todos os peixes adultos, em um determinado período do
ano, foram implementados como um processo de primeira ordem, da seguinte forma:
tDHarvFish = kHarvFish ꞏ sDFish
Pesca e consumo por aves para todos os peixes 11.30
adultos [gD m−2 d−1]
onde kHarvFish é a taxa de pesca predatória e/ou o consumo de peixes por aves (d−1).
Parte III
MODELOS CONCEITUAIS
12 MODELAGEM DA BACIA
DE DRENAGEM
Dada a importância da hidrologia e, consequentemente, do processo de escoamento em bacias para a
dinâmica dos ecossistemas aquáticos, a modelagem de bacias hidrográficas desenvolvese há muito tempo
(Burnash; Ferral; McGuire, 1973; Williams; Hann, 1973; HEC, 1981; Tucci; Sánchez; Lopes, 1981; Lopes;
Braga; Conejo, 1981; Lanna; Schwarzbach, 1989; U.S.Army, 1972; Schaake, 1971). Tucci (2002) comenta
que a modelagem de escoamentos em bacias é apenas uma ferramenta que a ciência desenvolveu para
representar e entender o comportamento da bacia hidrográfica, além de prever condições diferentes das
historicamente observadas. Eventualmente, esses modelos hidrológicos são denominados modelos chuva
vazão, pois muitas vezes são aplicados para simular a resposta da bacia, em termos de vazão, para uma
determinada seção fluvial de interesse, a partir de uma precipitação conhecida. Existem vários modelos
chuvavazão que se diferenciam basicamente pelos dados utilizados, pela discretização (concentrados
ou distribuídos), pela representação dos processos e pelos objetivos a serem alcançados. Recentemente, em
função da necessidade de um maior entendimento dos processos físicos, químicos e biológicos na bacia
hidrográfica, uma nova geração de modelos hidrológicos (distribuídos) foi desenvolvida para aproximar ao
máximo os processos hidrológicos da realidade (Abbott et al., 1986; Beven; Kirkby, 1979; Collischonn,
2001). Isso permite avaliar os efeitos hidrológicos decorrentes de mudanças climáticas e do uso do solo das
bacias hidrográficas (Tucci, 1998).
Dessa forma, recomendase que os modelos de escoamento superficial das bacias de drenagem levem em
consideração a análise das características fisiográficas da bacia, do tipo de solo e sua cobertura.
Uma vez que a modelagem hidrológica não é o foco deste livro, serão apresentados alguns modelos
hidrológicos simples, que podem ser utilizados para a determinação do escoamento superficial.
12.1 MÉTODO RACIONAL
O método racional resume todos os processos hidrológicos da bacia em um único coeficiente, o qual
determina a parcela da chuva que se transforma em escoamento superficial. O cálculo da vazão pelo método
racional é efetuado pela equação:
Q = 0, 278 ꞏ C ꞏ i ꞏ A 12.1
onde Q é a vazão superficial (m3/s); C é o coeficiente de escoamento superficial da bacia (adimensional); i é
a intensidade pluviométrica (mm/h); e A é a área de drenagem (km2).
O método racional é, certamente, o mais difundido para a determinação de vazões de pico em pequenas
bacias hidrográficas. A simplicidade de aplicação e os resultados obtidos, geralmente satisfatórios, são
responsáveis pela sua grande aceitação, desde que utilizado em condições de validade. Recomendase o uso
desse método apenas para bacias pequenas, menores que 2 km2, por apresentarem uma rápida resposta da
precipitação, e quando o analista deseja obter um valor preliminar da vazão máxima.
12.1.1 COEFICIENTE DE ESCOAMENTO SUPERFICIAL
O coeficiente de escoamento superficial deve ser adotado em função do tipo e uso do solo da bacia (Tab.
12.1). O valor do coeficiente de escoamento superficial da bacia pode também ser determinado a partir da
média ponderada dos coeficientes das áreas parciais:
12.2
onde Ci é o valor do coeficiente de escoamento na região i com área Ai.
12.2 MÉTODO RACIONAL MODIFICADO
Para esse método são aplicados os mesmos procedimentos do método racional, acrescentandose o fator de
correção determinado em função da área da bacia, por meio da expressão (CCN, 1991):
TAB. 12.1 Valores do coeficiente de determinação para diferentes tipos de cobertura do solo
C
Tipo de solo/superfície
Intervalo Valor esperado
0,700,95 0,83 Pavimento/asfalto
0,800,95 0,88 Pavimento/concreto
0,750,85 0,80 Pavimento/calçadas
0,750,95 0,85 Pavimento/telhado
0,050,10 0,08 Gramasolo arenoso/plano (2%)
0,100,15 0,13 Gramasolo arenoso/médio (2%7%)
0,150,20 0,18 Gramasolo arenoso/alta (7%)
0,130,17 0,15 Gramasolo pesado/plano (2%)
0,180,22 0,20 Gramasolo pesado/médio (2%7%)
0,250,35 0,30 Gramasolo pesado/alta (7%)
Fonte: ASCE, 1969.
f = A−0,10 12.3
EXEMPLO 12.1 Determine o valor do escoamento superficial diário de uma bacia com área de 2 km2,
declividade de 5%, 30% de área cultivada, 50% com mata nativa e 20% urbanizada,
sabendo que a precipitação diária foi de 65 mm.
Solução:
1) cálculo do coeficiente de escoamento
2) intensidade da precipitação
3) cálculo da vazão superficial diária
Q = 0, 278 ꞏ C ꞏ i ꞏ A = 0, 278 ꞏ 0, 315 ꞏ 2, 70 ꞏ 2 = 0, 423m3/s
onde f é o fator de correção e A é a área de drenagem (ha).
Dessa forma, a equação do método racional seria corrigida para:
Q = C ꞏ i ꞏ A ꞏ f 12.4
Esse método é recomendado para bacias sem maiores complexidades, que tenham de 2 a 5 km2 de área de
drenagem (Tucci, 1993; Pinto; Holts; Martins, 1973).
12.3 MÉTODO DO SCS
Esse método determina a descarga de uma bacia hidrográfica por meio do hidrograma triangular composto,
que é o resultado do somatório das ordenadas de histogramas unitários simples, para cada intervalo de tempo.
Existem dois módulos básicos na estrutura desse método: (a) separação do escoamento; (b) propagação do
escoamento.
A separação do escoamento é obtida por meio das seguintes equações, respeitandose suas respectivas
condições:
12.5
Pe = 0 para P ⩽ Ia 12.6
onde Ia representa as perdas iniciais (mm); S é a capacidade de armazenamento (mm); e Pe é a precipitação
efetiva acumulada (mm).
O armazenamento pode ser obtido com base na equação
12.7
onde CN é um parâmetro que retrata as condições de cobertura do solo, variando numa escala de 1 a 100
(Tab. 12.2).
Assim como no cálculo do coeficiente de escoamento, estimase o CN a partir da média ponderada dos
CNs das áreas parciais da bacia. As perdas iniciais para condições médias de umidade podem ser
consideradas 20% do armazenamento, ou Ia = 0,2S.
Os tipos de solo considerados para a estimativa do parâmetro CN são (SCS, 1975):
Solo A – produz baixo escoamento superficial e alta infiltração (solos arenosos profundos com pouco silte
e argila).
TAB. 12.2 Valores do parâmetro CN para bacias rurais
Fonte: SCS, 1975.
Solo B – menos permeável que o Solo A, com permeabilidade superior à média (solos arenosos menos
profundos que o Solo A).
Solo C – gera escoamento superficial acima da média, com capacidade de infiltração abaixo da média
(solo com porcentagem considerável de argila e pouco profundo).
Solo D – produz grande escoamento superficial, pouco profundo e com baixa capacidade de infiltração
(solos contendo argilas expansivas).
TAB. 12.3 Valores do parâmetro CN para bacias urbanas
Fonte: SCS, 1975.
A propagação do escoamento é obtida com base no hidrograma unitário triangular, definido pelo tempo de
pico Tp e o tempo de concentração Tc(Fig. 12.1). A vazão de pico do hidrograma unitário triangular (m3/s
por mm de precipitação efetiva) é obtida por:
12.8
FIG. 12.1 Hidrograma unitário triangular do SCS Fonte: Tucci, 1993.
onde Tp é o tempo de pico (h). A vazão de pico (m3/s) é obtida multiplicandose o valor de Qp da Eq.
12.7 por Pe. A última coordenada do triângulo, Te, é determinada sabendose que a área do triângulo deve ser
igual ao volume precipitado efetivo Pe:
12.9
Em resumo, para cada intervalo temporal de discretização da chuva, obtémse o escoamento
correspondente à chuva excedente nesse período (Pe). A partir dos volumes excedentes, estimamse os
hidrogramas unitários triangulares, para cada intervalo temporal de discretização da chuva (Qp). E,
finalmente, da superposição dos hidrogramas unitários triangulares, determinase o hidrograma final de
cheia.
Cálculo do tempo de pico do hidrograma unitário
O tempo de pico do hidrograma é escrito em função do tempo de concentração da bacia:
Tp = 0, 6 ꞏ Tc 12.10
12.11
onde Tc é o tempo de concentração da bacia (h) e Δt é o intervalo de tempo da precipitação (h).
Cálculo do tempo de concentração (Tc) da bacia
O tempo de concentração (Tc) é o tempo necessário para que toda a área da bacia contribua para o
escoamento superficial na seção de saída. Os fatores que influenciam o Tc de uma dada bacia são:
A. forma da bacia;
B. declividade média da bacia;
C. tipo de cobertura vegetal;
D. comprimento e declividade do curso principal e afluentes;
E. distância horizontal entre o ponto mais afastado da bacia e sua saída (exutório);
F. condições do solo em que a bacia se encontra no início da chuva.
Algumas fórmulas de tempo de concentração são apresentadas na Tab. 12.4.
TAB. 12.4 Fórmulas de tempo de concentração
Nome Equação∗
Onda Cinemática Tc = 7, 35n0,6i−0,4L0,6S−0,3
Kirpich Tc = 0, 0663L0,77S−0,385
SCS Lag Tc = 0, 057 (1000/CN − 9)0,7 L0,8S−0,5
Ven te Chow Tc = 0, 160L0,64S−0,32
Dooge Tc = 0, 365A0,41S−0,17
Corps Engineers Tc = 0, 191L0,79S−0,19
(∗)Tc (h); A (km2); L (km); S (m/m); i (mm/h).
Fonte: Silveira, 2005. (Cálculo do intervalo temporal de discretização de simulação.)
Com a finalidade de retratar bem a subida e a descida do hidrograma unitário, recomendase que o
intervalo de tempo de simulação seja 7,5 vezes menor que o tempo de concentração da bacia:
12.12
EXEMPLO 12.2 Uma bacia rural de 7 km2 com cobertura de pasto (CN = 61) tem seu rio principal com
comprimento de
2,5 km e declividade de 8%. Essa bacia vai ser submetida a um processo de urbanização que alterará 75%
do canal fluvial e produzirá 30% de áreas impermeáveis. Calcule os hidrogramas unitários pelo método
do SCS para as condições atuais e futuras. Adotar CN = 83 para as condições urbanas.
Solução:
1) Condições atuais:
Tc = 0, 057 (1000/61 – 9)0,7 2, 50,80, 080,5 = 1,026 horas(SCS Lag) Considerandose uma duração de
precipitação de 15 min (1/4 h):
2) Condições futuras:
MODELOS DE RIOS
13
13.1 ESCOAMENTOS EM RIOS E CANAIS
Os modelos hidrodinâmicos de rios consideram os gradientes espaciais em uma direção, geralmente na
direção longitudinal. Os modelos longitudinais são aplicáveis para estudar variações do escoamento ao longo
do eixo do reservatório, desprezando a estratificação vertical, que é marcante, como, por exemplo, em
reservatórios com grandes profundidades.
13.2 REGIME PERMANENTE
13.2.1 ESCOAMENTO UNIFORME
Atualmente, a equação de Manning é uma das metodologias de cálculo mais utilizadas por projetistas no
dimensionamento de canais abertos e rios. Da maneira como é apresentada, essa equação pode ser utilizada
no cálculo do escoamento uniforme em canais, qualquer que seja a forma geométrica da seção transversal. A
equação de Manning deriva de um balanço do momento em uma seção e relaciona a velocidade
longitudinal, u (m.s−1), com as características geométricas da seção transversal:
13.1
onde n é o coeficiente de rugosidade de Manning (Tab. 13.1); Rh é o raio hidráulico da seção transversal (m),
definido como a área dividida pelo perímetro molhado (A/P); e S é a declividade do canal ou do rio (m/m).
A equação de Manning também pode ser escrita em termos da vazão em m3.s−1. Sabendose que Q = u.A,
temse:
13.2
TAB. 13.1 Valores do coeficiente de Manning para diferentes formas de fundo
Material de fundo n
Canais artificiais:
Concreto 0,012
Fundo de pedregulho com taludes em:
Concreto 0,020
Enrocamento miúdo 0,033
Pedra batida 0,023
Rios:
Limpos e sem meandros 0,030
Limpos e com meandros 0,040
Com macrófitas e com meandros 0,050
Coberto por vegetação densa 0,100
Fonte: Chow, 1959.
TAB. 13.2 Elementos hidráulicos de algumas seções transversais conhecidas
Na Tab. 13.2 são apresentados alguns elementos hidráulicos de seções transversais, os quais são mais
comumente utilizados na construção de canais artificiais.
13.2.2 ESCOAMENTO NÃO UNIFORME
Modelos de armazenamento podem ser utilizados para a simulação de escoamentos permanentes não
uniformes. O modelo de Muskingun, desenvolvido por McCarthy (1939), é considerado um simples
método para determinar escoamentos permanentes, não uniformes que utiliza a equação da continuidade e
relaciona o armazenamento, S, com as vazões de entrada e saída de um volume de controle. Essa relação é
expressa por:
13.3
onde X é um parâmetro de ponderação das vazões de entrada (I) e saída (Q). Por questões de simplificação, o
método assume que a razão m/n é igual a 1 e a razão b/a é igual a K, resultando em uma relação linear
simples entre o armazenamento e as vazões:
S = K [XI + (1 − X) Q] 13.4
onde K é uma constante de tempo de trânsito para o trecho considerado (tempo médio de deslocamento da
onda no volume de controle). O fator de ponderação, X, varia entre 0 e 0,5 (aproximadamente 0,2 para rios
naturais).
A solução numérica é desenvolvida derivando a Eq. 13.4 e substituindo na equação da continuidade. Na
forma de diferenças finitas, a solução numérica é dada por:
Qn+1 = AIn+1 + BIn CQn 13.5
onde:
13.6
13.7
13.8
Para eliminar a possibilidade de ocorrerem valores de vazões estimados pelo modelo sem significado
físico, uma relação entre os parâmetros K, X e Δt deve ser satisfeita:
13.9
13.3 REGIME NÃO PERMANENTE
Embora a equação de Manning seja uma aproximação de simples formulação para determinar as
velocidades e profundidades de canais e rios em regime permanente, existem outros casos em que a
velocidade muda com o tempo, o que impossibilita o emprego dessa equação. Nesses casos, uma solução
dinâmica da velocidade é mais apropriada. Esses modelos são baseados nas equações de Saint Venant,
descritas a seguir.
Equações governantes
As leis físicas que governam o escoamento da água não permanente em rios são o princípio da
conservação de massa (continuidade) e o princípio da conservação de momentos (quantidade de movimento).
A equação da continuidade unidimensional é derivada a partir do balanço de massa por meio de um
volume de controle, conforme demonstrado na Fig. 13.1.
A taxa de entrada de água no volume de controle pode ser expressa como:
FIG. 13.1 Fluxos de volume e elementos integrantes de um volume de controle unidimensional
13.10
onde Q é a vazão (volume que atravessa uma face em um dado intervalo de tempo).
A taxa de saída de água no volume de controle pode ser computada como:
13.11
e, finalmente, a taxa de armazenamento dentro do volume de controle é dada por:
13.12
Assumido que Δx é suficientemente pequeno, a mudança da massa de água dentro do volume de controle é
definida pelo seguinte balanço:
13.13
onde ρ é a densidade da água e ql é a contribuição lateral entrando no volume de controle por unidade de
comprimento.
Simplificando e dividindo a Eq. 13.13 por ρΔx, chegase à forma final da equação da continuidade para
escoamentos unidimensionais:
13.14
onde u é a velocidade na direção x; A é a área; H é a profundidade total; g é a aceleração da gravidade; S0 é a
declividade de fundo; e Sf é a declividade da linha de atrito.
A equação da conservação dos momentos é baseada na 2ª lei de Newton:
13.15
As principais forças que atuam em um volume de controle unidimensional, de seção transversal irregular,
são: (a) forças de pressão; (b) forças gravitacionais; e (c) forças de atrito. Assumese a força de pressão que
atua na face do volume de controle é como hidrostática:
13.16
FIG. 13.2 Elemento infinitesimal na seção transversal
onde y é a distância do fundo a uma fatia infinitesimal da seção tranversal cuja largura, B, é uma função
de y (Fig. 13.2).
Se a força de pressão que atua na seção transversal média do volume de controle for Fp, a força na face a
montante do volume de controle é dada por:
13.17
e na face a jusante do volume de controle é:
13.18
Assim, a força resultante devido à pressão, Fpr, que atua no volume de controle, é definida como:
13.19
onde FB é a componente de força de pressão que a água exerce no fundo, na direção x.
Simplificando a Eq. 13.19, temse:
13.20
Substituindo Fp na Eq. 13.20 e utilizando a regra de Leibnitz de integral por partes, chegase a:
13.21
A primeira integral é a área da seção transversal e a segunda integral, multiplicada pelo fator ρgΔx, resulta
em FB, que se anula com o termo de igual magnitude e sinal oposto. Assim, a expressão da força resultante
da pressão no volume de controle pode ser escrita como:
13.22
A força de gravidade que atua no volume de controle, na direção x, é:
Fg = ρgAT sen (θ) Δx 13.23
onde θ é o ângulo que o fundo do canal faz com a horinzontal.
Em rios, geralmente θ é muito pequeno, tal que sen (θ) ≈ tan (θ) = −∂z0/∂x, sendo z0 a distância medida a
partir de um referencial (datum) até o fundo do canal (zo = z − h). Dessa forma, a força de gravidade pode ser
reescrita da seguinte forma:
13.24
A força de atrito produzida na interface água/fundo é definida como:
Ff = −τ0PΔx 13.25
onde τ0 é a tensão de cisalhamento do fundo (força por unidade da área) e P é a força peso. O sinal negativo
indica que essa força atua na direção contrária à do escoamento. A tensão de cisalhamento do fundo é
definida como:
τ0 = ρCDu2 13.26
onde CD é o coeficiente de atrito no fundo do canal, o qual pode ser relacionado com o coeficiente
de Chezy, Cz:
13.27
sendo a equação de Chezy definida como:
13.28
onde R é o raio hidráulico e Sf é a inclinação do fundo do canal.
Com algumas substituições e simplificações, a força de atrito no volume de controle é dada por:
Ff = −ρgAT SfΔx 13.29
Com as três forças definidas, a equação da quantidade de movimento pode ser desenvolvida a partir do
balanço de forças sobre o volume de controle, resultando em:
13.30
Planície de inundação
Quando o nível de um rio sobe e alcança sua margem, iniciase uma transferência de água, lateralmente, do
canal principal para a planície de inundação. O escoamento na planície de inundação é diferente do que
ocorre no canal, uma vez que a água pode tomar outros caminhos preferenciais, o que pode resultar em um
retardamento ou encurtamento do fluxo da água para seções mais a jusante. Após esse evento, a água pode
ficar armazenada em depressões ou retornar à calha do rio.
FIG. 13.3 Escoamento no canal principal e na planície de inundação
A integração entre canal e planície de inundação tem características bidimensionais. No entanto, uma
precisa aproximação também pode ser realizada utilizandose uma representação unidimensional do
escoamento (Fig. 13.3).
Uma simples representação desse problema é quando se considera que a superfície da água é horizontal à
seção transversal do rio, tal que as trocas entre canal e planície de inundação são desprezadas, e que a vazão
resultante é uma função da conveyance (fator de troca entre rio e planície de inundação) do rio, ou seja:
Qc = ϕQ 13.31
onde Qc é a vazão no canal; Q é a vazão total; e ϕ = Kc/(Kc + Kp), sendo Kc a conveyance no canal
e Kp a conveyance na planície de inundação.
Com essa suposição, as equações do escoamento são combinadas para o sistema integrado e escritas na
seguinte forma:
13.32
13.33
Os índices c e p referemse ao canal e à planície de inundação, respectivamente.
Solução numérica
Diversos esquemas numéricos poderiam ser aplicados nas equações de escoamento unidimensional para
encontrar sua solução numérica. Aqui adotaremos um esquema numérico semiimplícito, ou seja, alguns
termos diferenciais são substituídos por diferenças finitas válidas para o tempo atual (discretização explícita),
e outros, por diferenças finitas válidas para o tempo posterior (discretização implícita). Esse é o
procedimento mais aceito e aplicado para solucionar as equações do escoamento em uma dimensão. No
entanto, esse esquema produz um sistema de equações lineares que pode ser resolvido com técnicas
numéricas iterativas (e.g. NewtonRaphson, métodos dos gradientes conjugados) (ver Apêndice C em
<www.ofitexto.com.br/modelagemecologica>).
Cada célula é numerada em seu centro, com os índices i e j, que se referem, respectivamente, à posição da
célula nos eixos x e y. A profundidade total de água, H, está definida no centro da célula com um índice (i), e
a velocidade u é definida nas fronteiras médias das células, com índices (i ± ½), como indicado na Fig. 13.4.
FIG. 13.4 Malha utilizada na discretização unidimensional espacial
Os termos que são tratados semiimplicitamente, utilizandose um ponderador no tempo (θ), são: o
gradiente de elevação da superfície da água na equação da quantidade de movimento (∂z/∂x) e o gradiente da
velocidade na equação da continuidade e de movimento (∂Q/∂x). Para garantir uma solução estável, o valor
de θ deve estar compreendido entre 0,5 e 1. Os demais termos são tratados explicitamente.
As discretizações numéricas dos termos das equações da continuidade e da quantidade de movimento são
apresentadas nas Tabs. 13.3 e 13.4, respectivamente.
As equações apresentadas são reduzidas a uma única equação, isolandose as variáveis no tempo n + 1 do
lado esquerdo e as variáveis no tempo n do lado direito, resultando na equação:
13.34
TAB. 13.3 Discretização dos termos da equação da continuidade
TAB. 13.4 Discretização dos termos da equação da quantidade de movimento
Os coeficientes A,B, C e D são termos calculados no tempo n, podendo ser determinados por algebrismo.
A Eq. 13.34 é aplicada em todas as células, resultando num sistema de equações lineares. A matriz que
representa esse sistema é positiva definida e tem uma única solução para Q e z quando
Condições de contorno
Para cada trecho de rio existem N pontos computacionais, correspondentes a N1 elementos. A partir
dessas células, desenvolvemse 2N2 equações de diferenças finitas. Como existem 2N incógnitas (Q e z em
cada nó), duas equações adicionais precisam ser fornecidas, que provêm das condições de contorno do
sistema. Apresentamos a seguir algumas das mais comuns condições de contorno para rios.
Condições de contorno internas (conexões entre trechos)
Uma rede de drenagem é composta por um conjunto de trechos de rios conectados entre si. As condições
de contorno internas devem ser atribuídas em cada conexão entre trechos. Segundo o tipo de conexão do
trecho, um dos dois tipos de condição de contorno deve ser empregado:
A. continuidade do fluxo: empregada em trechos que dividem ou combinam o escoamento (e.g. trecho 1
da Fig. 13.5);
B. continuidade de nível: empregada nos demais casos (e.g.trechos 2 e 3 da Fig. 13.5).
A condição de continuidade de fluxo é responsável pela conservação do volume em uma confluência:
13.35
onde l é o número de trechos conectados em uma confluência; Siassume o valor 1 para trechos de montante e
−1 para trechos de jusante; e Qi é a vazão do trecho i.
FIG. 13.5 Confluências em rios
A condição de continuidade de nível estabelece que os níveis da água são iguais para diferentes trechos em
uma confluência:
13.36
Condições de contorno externas
As condições de contorno externas são aplicadas nos nós extremos da rede de drenagem. Para os nós de
montante, um hidrograma (vazão ao longo do tempo) pode ser dado como condição:
13.37
onde
é a vazão de um hidrograma conhecido em um nó de montante. Para os nós de jusante, além de um
hidrograma conhecido, uma condição de nível ou de declividade também poderia ser atribuída.
A condição de nível é:
13.38
onde
é o nível conhecido em um nó de jusante.
Utilizandose a equação de Manning, uma condição de declividade conhecida no nó extremo de jusante
pode ser atribuída como:
13.39
onde
a declividade conhecida em um nó de jusante.
MODELOS DE LAGOS E
ESTUÁRIOS 14
Em razão das condições físicas e geológicas que interagem de forma complexa, o escoamento em corpos
d’água rasos, tais como lagos e estuários, é considerado turbulento na maioria dos casos. Admitese que esse
tipo de escoamento deve ser governado pelas equações de NavierStokes, deduzidas a partir da 2ª lei de
Newton, que representam o princípio da conservação da quantidade de movimento aplicado a uma partícula
de massa ρ ꞏ dxdydz, onde ρ é a densidade e dxdydz é o volume da partícula.
Uma das características dos escoamentos turbulentos são os vórtices que se apresentam em uma vasta
gama de escalas espaciais e temporais. Rosman (1999) esclarece que os maiores vórtices detêm grande parte
da energia dos agentes externos (e.g. vento, maré, corrente). Esses vórtices são bastante anisotrópicos por
pertencerem a uma fração considerada do domínio estudado, uma vez que dependem fortemente da
geometria do corpo d’água. O comprimento dos maiores vórtices é muito maior do que as escalas de
profundidade desses corpos d’água rasos, o que torna viável a modelagem computacional bidimensional na
horizontal. Por outro lado, é impraticável a aplicação das equações de NavierStokes para partículas nessa
faixa de escala em que não prevalece a isotropia.
Resolver um problema na escala de interesse significa utilizar no modelo numérico discretizações
temporais e espaciais compatíveis. Por exemplo, para resolver um vórtice de tamanho L, é necessário ter
espaçamentos inferiores a L/2 ao longo da malha de discretização e, no mínimo, L/4 para uma resolução
razoável (Wrobel et al., 1989). Na realidade, quando o sistema possui variações turbulentas, a solução média
pode não ser representativa. Essas variações ocorrem em sistemas fortemente não lineares, e uma
dicretização adequada é fundamental para a representatividade da heterogeneidade espacial.
Visando resolver esse problema, os modelos para escoamentos turbulentos necessitam de bases estatísticas
bem desenvolvidas e filtradas em grande escala, bem como da aplicação de uma simplificação padrão para o
sistema, i.e., a separação de cada variável global dividida em uma parte “média” ou de grande escala, e uma
parte de flutuação ou de pequena escala, na qual os efeitos gerais, e não os detalhes, aparecem no modelo.
Portanto, procurase modelar matematicamente as variáveis, para que se possa estudar fenômenos
hidrodinâmicos e biológicos em grande escala e, assim, obter um modelo determinístico para o escoamento
e a dinâmica de fitoplâncton a uma profundidade média.
14.1 EQUAÇÕES GOVERNANTES
As equações de águas rasas descrevem um escoamento bidimensional, integrado verticalmente (valores
médios) e irregular (não uniforme). Essas equações são baseadas na conservação da massa e na quantidade de
movimento. As equações assumem que o fluido é incompressível e que a distribuição de pressão é
hidrostática. Outra suposição é que não há estratificação de densidade e que a velocidade na vertical é
considerada pequena em relação à velocidade na horizontal.
Escritas na forma diferencial, as equações governantes têm a forma:
Equação da Continuidade:
14.1
Equação da Quantidade de Movimento:
14.2
14.3
onde t é o tempo; u e v são as componentes da velocidade nas direções x e y no plano horizontal,
respectivamente; η é a elevação da superfície da água medida a partir de um nível de referência (Fig.
14.1); h é a profundidade medida a partir de um nível de referência; g é a aceleração da gravidade; f é o
parâmetro de Coriolis; τx e τy são os termos de tensão do vento na direções x e y, respectivamente;
é um operador vetorial no plano x − y; Ah é o coeficiente de viscosidade turbulenta horizontal; e γ é o
coeficiente de fricção ao fundo.
FIG. 14.1 Esquema dos elementos integrantes das equações de movimento
A Eq. 14.1 representa a continuidade, ou conservação de massa, e as Eqs. 14.2 e 14.3 expressam a
conservação do momento, ou a quantidade de movimento. O coeficiente de fricção ao fundo (γ) pode ser
escrito como:
14.4
onde H = h + η é a profundidade total e Cz é o coeficiente de atrito de Chezy.
Como é comum em modelos de escoamento, a tensão de atrito na superfície livre pelo vento é escrita em
termos da velocidade do vento:
τx = CD ꞏ Wx ꞏ ||W|| 14.5
τy = CD ꞏ Wy ꞏ ||W|| 14.6
onde CD é o coeficiente de arraste do vento; Wx e Wy são as componentes do vetor velocidade do vento nas
direções x e y (m/s), respectivamente, medidas a 10 m da superfície livre; e ||W|| é a norma do vetor
velocidade do vento.
14.2 SOLUÇÃO NUMÉRICA
As equações de águas rasas não têm solução analítica direta. O método de diferenças finitas resolve as
equações governantes para um número finito de pontos no espaço e no tempo. Esse método necessita
subdividir o domínio bidimensional de aplicação em uma malha com um número finito de células. As
equações são discretizadas espacialmente em uma grade retangular, que consiste em células computacionais
quadradas com comprimento Δx e largura Δy. A Fig. 14.2 ilustra a malha computacional utilizada na
discretização espacial. As variáveis hidrodinâmicas (u, v e η) são calculadas em cada uma das células. Cada
célula é numerada em seu centro, com os índices i e j, que se referem à posição da célula nos eixos x e y,
respectivamente.
A elevação da superfície da água, η, está definida no centro da célula com um índice (i, j), e as
velocidades u, v são definidas nas fronteiras médias das células com índices (i ± ½, j) e (i, j ± ½),
respectivamente, como indicado na Fig. 14.2.
O esquema numérico de discretização adotado no modelo é o semiimplícito, ou seja, alguns termos
diferenciais são substituídos por diferenças finitas válidas para o tempo atual (discretização explícita), outros,
por diferenças finitas válidas para o tempo posterior (discretização implícita). Os termos tratados semi
implicitamente são os gradientes de elevação da superfície da água nas equações da quantidade de
movimento (g∂η/∂x, g∂η/∂y), o gradiente das velocidades na equação da continuidade (∂u/∂x, ∂v/∂y) e a
velocidade dos termos de rugosidade junto ao fundo (γu, γv). Os demais termos são discretizados
explicitamente.
FIG. 14.2 Malha utilizada na discretização bidimensional espacial, e a posição de avaliação das variáveis no
esquema de diferenças finitas adotado
Fonte: Fulford, 2003.
Os termos semiimplícitos são escritos como:
14.7
14.8
Para um sistema com densidade constante, o método é estável para valores de θ maiores do que 0,5, e
instável para valores de θ menores do que 0,5 (Casulli; Cattani, 1994). Esses autores verificaram que, à
medida que θ se aproxima de 0,5, a diagonal principal da matriz solução do sistema de equações tornase
crescentemente dominante, garantindo uma rápida convergência, além de uma maior eficiência
computacional na solução da matriz. Teoricamente, se θ for igual a 0,5, o método numérico permanece
estável, conduzindo o modelo a uma máxima precisão e eficiência da solução. Entretanto, para esse valor
(θ = 0,5), pequenas perturbações de onda podem se propagar indefinidamente ao longo do sistema. Portanto,
em aplicações práticas, recomendase utilizar valores de θ compreendidos entre 0,55 e 0,60 (Wang et al.,
1998).
Os termos advectivos nas equações da conservação da quantidade de movimento podem ser expressos
como uma derivada substancial, D/Dt, calculada ao longo de uma linha de corrente. A derivada substancial é
aproximada segundo um esquema EulerianoLagrangiano (Casulli, 1990), resultando em:
14.9
14.10
onde
é o valor de u no intervalo de tempo n, no ponto (i + ½ − a, j − b) que leva uma partícula fluida até o ponto
(i + ½, j), no intervalo n + 1; e
é o valor de v no intervalo de tempo n, no ponto (i − a,j + ½ − b) que leva uma partícula fluida até o ponto
(i,j +½), viajando através de uma linha de corrente.
Na prática, considerase que os valores de
e
podem ser aproximados por uma interpolação bilinear sobre os quatros pontos vizinhos inteiros da malha
(Fig. 14.3), por meio das equações:
14.11
14.12
onde a = n + p e b = m + q, com n e m inteiros e 0 ⩽ p, q < 1.
Na prática, o valor de
e
é calculado encontrandose os valores de a e b, que correspondem à distância percorrida em x e y pelas
partículas de água que estavam nos pontos (i + ½ − a,j −b) e (i − a,j + ½ −b) e chegam aos pontos (i + 1/2, j)
e (i, j + 1/2), respectivamente, em um intervalo de tempo.
Isso é feito com a divisão do intervalo de tempo em N subintervalos iguais (ξ = Δt/N) e com o cálculo de
e
de forma iterativa e retroativa, atualizandose a posição de cada partícula de água nas direções x e y por
meio das seguintes equações:
FIG. 14.3 Esquema EulerianoLagrangiano de convecção
14.13
14.14
onde uk(xs, ys) e vk(xs, ys) são calculados em cada subintervalo de tempo a partir da interpolação dos dados
conhecidos na grade Euleriana. Então, o valor de a e b pode ser calculado por meio dos valores de x e y,
utilizandose as Eqs. 14.13 e 14.14, e nos passos inicial e final do processo iterativo por:
14.15
Portanto, a discretização semiimplícita das equações governantes tem a seguinte forma:
14.16
14.17
14.18
onde Wx e Wy são os termos que agregam a tensão de cisalhamento na superfície da água pela ação do vento,
a viscosidade turbulenta e a força de Coriolis, avaliadas no intervalo de tempo n e nas células (i + ½, j) e (i,
j + ½), respectivamente, conforme as equações:
14.19
14.20
Na Eq. 14.16, os termos similares a max
das Eqs. 14.17 e 14.18, e, em seguida, substituindoas na Eq. 14.16.
14.21
onde:
A = 1 − B − C − D − E 14.22
14.23
14.24
14.25
14.26
14.27
onde os termos PB, PC, PD e PE representam a profundidade média em direção a cada uma das células i, j, de
acordo com as equações:
14.28
14.29
14.30
14.31
e
A matriz é resolvida pelo método dos gradientes conjugados precondicionados (Press et al., 1992) (ver
Apêndice C em <www.ofitexto.com.br/modelagemecologica>).
O armazenamento dos coeficientes na matriz solução é simples. Considere o sistema hipotético com
elementos computacionais numerados sequencialmente de acordo com a Fig. 14.4.
O elemento 1 tem como vizinhos o elemento 2, que está à sua direita, e o elemento 3, abaixo. O
coeficiente A da célula 1 é armazenado na posição (1,1) da matriz de coeficientes, na diagonal principal, por
pertencer ao termo
O coeficiente B, referente ao termo
da célula 1, também é diferente de zero, porque existe um vizinho à sua direita. Esse coeficiente é
armazenado na posição (1,2) da matriz de coeficientes. Os coeficientes C e D, referentes aos termos
e
, respectivamente, são nulos, porque não existe elementos vizinhos à esquerda e acima da célula 1. E, por
fim, o elemento 3, que está abaixo da célula 1, faz com que o coeficiente E seja armazenado na posição (1, 3)
da matriz de coeficientes. Montase, assim, a primeira linha da matriz de coeficientes. Aplicandose a mesma
metodologia para os elementos seguintes, temse como resultado a matriz de coeficientes do problema (Fig.
14.5).
FIG. 14.4 Numeração dos elementos computacionais ativos. As células inativas, em preto, representam
regiões sem escoamento
FIG. 14.5 Matriz de coeficientes para os elementos computacionais da Fig. 14.4
O esquema de diferenças finitas semiimplícito é estável, de acordo com a condição de Von Neumann
(Casulli; Cattani, 1994), se a seguinte inequação for satisfeita:
14.32
14.3 CONDIÇÕES INICIAIS E DE CONTORNO
Na resolução do sistema de equações diferenciais parciais, além da necessidade de recorrer a métodos
numéricos, é necessário formalizar as condições iniciais e de contornos do sistema. Uma vez que é difícil
obter medidas, ao longo do sistema, que venham a caracterizar um estágio da circulação, as condições
iniciais normalmente são arbitrárias, sendo usualmente consideradas, ao longo do sistema, as
velocidades u e v iguais a zero e o nível d’água η inicial prescrito pelo modelador. Essa consideração leva a
um resultado falso nas primeiras iterações, mas tende ao resultado real, à medida que as iterações se
sucedem, geralmente em um período de simulação correspondente a um ciclo de maré (Fragoso Jr. et al.,
2000), fato que pode consumir muito tempo computacional em alguns casos, dependendo da definição da
discretização espacial e temporal.
As condições de contorno serão estabelecidas de maneira a melhor se aproximar das condições reais. Ao
longo da costa, que forma o contorno terraágua do sistema, a condição usada no contorno será a de fluxo
nulo, a componente da velocidade normal ao contorno é nula. Analogamente, essa condição será aplicada às
fronteiras internas do sistema, como, por exemplo, nas ilhas. Se o sistema está sujeito a uma variação de nível
(e.g. maré), então a variação de nível deve ser imposta ao longo de uma linha ou região, como no contato
entre um rio e o oceano. A intensidade e a direção do vento também devem ser impostas pelo modelador ao
longo do sistema. Nos trechos de fronteiras do sistema que representam a entrada ou a saída de rios ou
canais, além de a prescrição da velocidade ser diferente de zero, ao trecho de fronteira em questão há também
que se prescrever a componente tangencial, usualmente zero (Rosman, 1999).
15 MODELOS DE
RESERVATÓRIOS
15.1 ASPECTOS GERAIS
Os reservatórios possuem diversos mecanismos específicos de funcionamento que sugerem o
desenvolvimento de várias atividades e estudos para sua implementação. A maior parcela desses
reservatórios é construída com a finalidade de gerar energia e abastecimento, entretanto, eles têm sido
utilizados com finalidades múltiplas, tais como pesca, irrigação, recreação e aquicultura (UNEPIETC,
2003). Por outro lado, a construção de barragens está relacionada a um grande número de problemas
associados, como eutrofização, sedimentação, toxicidade e veiculação de doenças (Tab. 15.1).
A dinâmica de circulação da água em reservatórios é um fenômeno tridimensional, caracterizado por
apresentar velocidades pequenas quando comparadas àquelas observadas em rios, estuários e lagos. Em razão
das baixas velocidades de escoamento, o fluxo na superfície livre induzido pela ação do vento tem um papel
importante no escoamento e no transporte de poluentes. Operação das estruturas de descarga, bombeamento
para abastecimento e irrigação, fluxos de entrada dos afluentes, precipitação e evaporação também são
variáveis importantes a serem incluídas no balanço hídrico de um reservatório.
A eutrofização das águas interiores de reservatórios é considerada um dos maiores problemas em nível
mundial. Ela causa grandes impactos negativos ecológicos (e.g. floração de algas, crescimento de plantas
aquáticas), de saúde (e.g. toxinas na água, tifo, cólera) e econômicos (e.g. redução do estoque pesqueiro,
perda do valor paisagístico), mediante a deterioração dos recursos hídricos. Uma das principais razões para o
crescente quadro de eutrofização em reservatórios é o aumento da carga de nutrientes nas águas interiores,
decorrente do desmatamento, do desenvolvimento agrícola e industrial e da urbanização nas bacias
adjacentes. Os fatores dentro do lago que regulam os impactos gerados pelo aumento da carga de nutrientes
incluem a estrutura da rede alimentar, trocas entre os sedimentos e a água, forma da bacia e os movimentos
da água dentro do reservatório. Além disso, as condições climáticas e hidrológicas ajudam a atenuar ou
amplificar os impactos da eutrofização (Bartram; Balance, 1996).
TAB. 15.1 Resumo dos múltiplos usos dos reservatórios brasileiros e os principais problemas apresentados
por esses sistemas artificiais
Principais usos Principais problemas
Hidroeletricidade Eutrofização
Armazenamento Aumento da toxicidade e contaminação geral
da água para
irrigação
Armazenamento Sedimentação e rápida perda da capacidade de
da água para armazenamento
abastecimento
Aquicultura Veiculação de doenças hidricamente
(cultivo de peixes) transmissíveis
Pesca extensiva Salinização (Nordeste do Brasil, regiões
semiáridas)
Transporte Hipolímnio anóxico e grandes impactos a
jusante (em especial em reservatórios da
Amazônia)
Recreação Baixa diversidade ictíica, quando comparada à
dos rios
Turismo
Grande carga interna (nos eutróficos) e
sedimentos tóxicos
Armazenamento Grande crescimento de macrófitas aquáticas e
de água para cianobactérias associado à eutrofização e à
resfriamento perda de terra arável
Controle de cheias Realocação de pessoas
Fonte: UNEPIETC, 2003.
A modelagem matemática em reservatórios é uma alternativa bastante disseminada para avaliar
principalmente os padrões de circulação da água e os cenários de impactos decorrentes da eutrofização. Essa
avaliação geralmente faz parte do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que é realizado ainda na fase de
planejamento do empreendimento, junto com o monitoramento quantiqualitativo da água. Os estudos de
modelagem pertinentes a esse projeto geralmente incluem:
A. identificação e previsão dos padrões de circulação da água;
B. determinação da capacidade de decomposição da biomassa inundada;
C. avaliação dos riscos de alteração do padrão de qualidade das águas superficiais na área de influência do
projeto;
D. avaliação dos riscos de eutrofização no reservatório;
E. avaliação dos riscos de ocorrência de problemas de erosão e assoreamento;
F. caracterização físicoquímica e bacteriológica dos recursos hídricos;
G. perspectivas para o uso múltiplo e as regras de operações;
H. avaliação dos impactos na quantidade e na qualidade da água a jusante da barragem.
Na sequência, serão discutidas as aproximações matemáticas atualmente empregadas nos estudos de um
reservatório, bem como as suas limitações e capacidades de representação. Novas abordagens matemáticas
que procuram uma melhor representação do sistema são apresentadas na sequência. Além disso, foram
propostas algumas medidas complementares de caráter interno, para uma melhor avaliação desses impactos
na gestão integrada desses ecossistemas.
15.2 TIPOS DE MODELOS
Com relação ao número de dimensões espaciais consideradas, os modelos de simulação de escoamentos e
qualidade da água em reservatórios podem ser classificados da seguinte forma (Wrobel et al., 1989):
A. Modelos de balanço hídrico (dimensão zero) – são modelos matemáticos que não têm o compromisso de
representar os gradientes espaciais das variáveis hidrodinâmicas, químicas e biológicas (Chapra;
Reckhow, 1983). Esse tipo de modelo é aplicado em estudos simplificados de balanço de massa, que
servem para uma avaliação preliminar das condições de armazenamento e concentração de poluentes no
reservatório.
B. Modelos unidimensionais – consideram os gradientes espaciais em uma direção, geralmente na direção
vertical ou longitudinal. Os modelos longitudinais são aplicáveis para estudar variações do escoamento e
concentrações ao longo do eixo do reservatório, desprezando a estratificação vertical, que é marcante em
reservatórios com grandes profundidades. O modelo unidimensional na vertical é aplicável onde a
estratificação na coluna d’água de temperatura e concentração de poluentes necessita ser examinada.
C. Modelos bidimensionais na vertical integrados lateralmente – simulam os fluxos e as concentrações nas
dimensões verticais e longitudinais do reservatório, desprezando as variações na transversal. Essa
simplificação é aceitável em reservatórios bem encaixados no sentido longitudinal do rio e com grandes
profundidades (Cole; Buchak, 1986).
D. Modelos bidimensionais na horizontal integrados verticalmente – simulam os fluxos e as concentrações
nas dimensões longitudinais e transversais do reservatório. Eles permitem uma visualização das
velocidades e concentrações no plano e desprezam as variações verticais no perfil. Esse modelo é
incapaz de reproduzir a estratificação vertical e pode ser útil quando existe uma significativa variação
longitudinal das concentrações e velocidades (Casulli, 1990).
E. Modelos tridimensionais – são os mais adequados conceitualmente para a simulação do escoamento e
da qualidade da água em reservatórios, porém apresentam dificuldades práticas relacionadas à demanda
de tempo computacional e ao número de parâmetros para controlar (Blumberg; Mellor, 1987).
15.3 MODELO DE BALANÇO HÍDRICO
Esse tipo de modelo é aplicado em estudos de balanço de massa simplificados, que servem para uma
avaliação preliminar das condições de armazenamento no corpo d’água. A equação geral do armazenamento
para um corpo d’água qualquer é:
15.1
onde S é o armazenamento ou o volume (m3); I é o somatório de todas as contribuições (m3/s) que entram no
sistema; e Q é o somatório de todas as saídas do sistema (m3/s). Assumindo que S não é função de I e/ou Q,
em um intervalo diferencial de tempo, o armazenamento no tempo n + 1 pode ser estimado pelo balanço de
volumes no sistema, no tempo n, dado por:
Sn+1 = Sn + Δt (I − Q) 15.2
O modelo de balanço hídrico no reservatório avalia os fluxos de entrada e saída no reservatório para
estimativa do volume armazenado, demandado para geração de energia e extravasado. A Fig. 15.1 apresenta
o fluxograma de um algoritmo de balanço hídrico mensal para reservatórios.
Esse modelo consiste basicamente de um algoritmo sequenciado, no qual a condição final do passo de
tempo atual é a condição inicial do passo de tempo seguinte. Utilizase um balanço hídrico mensal quando as
vazões na seção do empreendimento apresentam uma sazonalidade bem definida e com baixa variabilidade
diária. No entanto, quando existe uma variabilidade diária significativa, recomendase um modelo de balanço
hídrico diário.
O algoritmo de balanço mensal apresenta os seguintes passos:
1. considerase o volume do início do mês como condição inicial do reservatório;
2. determinase a cota e a área do espelho d’água do reservatório no início do mês, de acordo com o volume
(item 1): por interpolação, de acordo com a curva cotavolume;
3. subtraise a metade do volume evaporado do volume do reservatório (item 2), de acordo com o mês atual;
4. determinase o volume parcial do reservatório após diminuir o volume evaporado (item 3);
5. determinase o volume afluente ao reservatório, de acordo com o mês e o ano atuais: volume afluente =
vazão_afluente*dias_ mês*86400;
6. determinase a metade restante do volume evaporado do volume parcial do reservatório (item 4), de
acordo com o mês atual;
7. determinase o volume demandado para a geração de energia (demanda desejada) do reservatório, de
acordo com a demanda mensal estimada para o mês atual: volume_demandado(i) =
demanda_mensal(i)*dias_mês(i)*86400;
8. somamse os volumes para a estimativa do volume do reservatório no final do mês:
volume_final_mês = volume_parcial + volume afluente – volume evaporado – volume_demandado;
9. determinase a cota do reservatório no final do mês, de acordo com o volume (item 8): por interpolação,
de acordo com a curva cotavolume;
10. verifica se o volume do reservatório:
A. se volume (item 8) > capacidade_reservatório;
B. então volume_final_mês = capacidade_reservatório;
C. senão:
i. se volume (item 8) > 0;
ii. então volume_final_mês = volume (item 8);
iii. senão volume_final_mês = 0.
11. calculase a demanda atendida:
A. se volume_final_mês > volume_morto;
B. então demanda_atendida = volume_demandado;
C. senão:
i. se volume_parcial_1 + volume_afluente –volume_evaporado > volume_morto;
ii. então demanda_atendida = volume_parcial_1 +volume_afluente volume evaporado
volume_morto;
iii. senão demanda_atendida = 0.
12. calculase o volume armazenado:
A. se demanda_atendida = volume_demandado;
B. então volume_armazenado = volume_final_mes;
C. senão volume_armazenado = volume_parcial_1 +volume_afluente volume evaporado –
demanda_atendida.
13. calculase o volume extravasado:
A. se volume_parcial_1 + volume_afluente – volume_evaporado – demanda_atendida –
volume_armazenado > 0;
B. então volume_extravasado = volume_parcial_1 + volume_afluente volume evaporado –
demanda_atendida – volume_armazenado;
C. senão volume_extravasado = 0.
FIG. 15.1 Fluxograma do algoritmo para a estimativa do balanço hídrico mensal em um reservatório
O volume armazenado em um intervalo de tempo poderia ser convertido para valores de cota ou níveis,
conhecendose a curva cota versus o volume do sistema (Fig. 15.3).
A demanda mensal é definida considerandose a regra de operação para a geração de energia,
abastecimento, irrigação ou outros usos. Em reservatórios projetados para trabalhar a fio d’água (i.e. um
pequeno reservatório que opera praticamente em níveis constantes, admitindo pequenas flutuações, conforme
requisitos de variação de produção de energia), a vazão demandada para a geração de energia depende da
vazão afluente. As unidades geradoras de energia são gradativamente ligadas, de acordo com o volume
afluente daquele mês e a vazão nominal de cada unidade geradora (Fig. 15.2). Um gerador adicional é
acionado se a vazão disponível superar a demanda mínina de operação de uma turbina (uma porcentagem da
sua capacidade máxima). Caso contrário, o gerador adicional não é acionado e o volume excedido é vertido.
Quando a vazão afluente atinge a capacidade máxima das turbinas instaladas, o volume excedente também é
vertido.
FIG. 15.2 Regra de operação para a geração de energia de reservatórios que operam a fio d’água, a qual
depende da vazão afluente
Para reservatórios que não operam a fio d’água, outras funções podem ser utilizadas, as quais relacionam a
cota do reservatório com a vazão turbinada e vertida. A equação do vertedor livre, para o cálculo da vazão
vertida, é definida como:
Qv = CL (Z − ZW)2/3 15.3
onde C é o coeficiente de descarga; L é a largura do vertedor; Z é a cota do reservatório; e ZW é a cota da
crista do vertedor.
Para a simulação do balanço hídrico no reservatório, alguns dados de entrada devem ser considerados:
• vazões afluentes ao reservatório correspondentes às vazões estimadas no local do barramento;
• lâmina evaporada sobre o reservatório;
• demanda para a geração de energia, que segue uma determinada regra de operação;
• curva cotaáreavolume (Fig. 15.3);
FIG. 15.3 Exemplo de uma curva cota × área × volume de um reservatório. Polinômios podem ser ajustados
para obter a relação entre as variáveis
• volume morto;
• data inicial da simulação;
• duração da simulação;
• volume inicial armazenado.
Modelos unidimensionais e bidimensionais também podem ser aplicados para simular o escoamento em
reservatórios. Esses modelos foram apresentados em capítulos anteriores. Na sequência, apresentamos uma
aproximação tridimensional do escoamento em reservatórios.
15.4 MODELAGEM HIDRODINÂMICA TRIDIMENSIONAL
Equações governantes
As equações hidrodinâmicas tridimensionais são uma adaptação das equações de NavierStokes para
um escoamento turbulento sob a suposição de pressão hidrostática. Essas equações são baseadas na
conservação da massa e da quantidade de movimento em três dimensões. Assumese que o fluido é
incompressível e que a distribuição de pressão é hidrostática. Outra suposição é que não há estratificação de
densidade ao longo da coluna d’água. Escrita na forma diferencial, as equações governantes têm a forma:
Eq. da continuidade:
15.4
Eq. do momento:
15.5
15.6
15.7
onde u(x, y, z, t), v(x, y, z, t) e w(x, y, z, t) são as componentes da velocidade na direção horizontal x, y e
vertical z; t é o tempo; η(x,y,t) é a elevação da superfície da água medida de um referencial conhecido; g é a
aceleração da gravidade; h(x, y) é a profundidade da água medida de um referencial conhecido;
é um operador vetorial no plano x − y; Ah e ν são os coeficientes de viscosidades turbulentas horizontal e
vertical, respectivamente; e f é o parâmetro de Coriolis. Conforme o tipo de modelo escolhido, os termos das
equações apresentadas podem ser simplificados.
As condições de contorno na superfície livre são prescritas de acordo com as tensões de cisalhamento
provocadas pelo vento:
15.8
As condições de contorno na interface águasedimento são prescritas de acordo com a tensão de
cisalhamento no fundo por meio da fórmula de ManningChezy:
15.9
Solução numérica
A equações governantes tridimensionais são discretizadas espacialmente em uma grade retangular, que
consiste em células computacionais quadradas com comprimento Δx, largura Δy e altura Δz (Δx = Δy). A
espessura de cada camada (Δz) pode variar.
A Fig. 15.4 ilustra a malha computacional utilizada na discretização espacial. As variáveis hidrodinâmicas
(u, v, w e η) são calculadas em cada uma das células. Cada célula é numerada em seu centro, com os
índices i, j e k, que se referem, respectivamente, à posição da célula nos eixos x, y e z. A elevação da
superfície da água, η, está definida no centro da célula com um índice (i, j), e as velocidades u, v e w são
definidas nas fronteiras médias das células, com índices (i ± ½, j, k), (i, j ± ½, k) e (i, j, k ± ½),
respectivamente.
FIG. 15.4 Diagrama esquemático da grade computacional utilizada no módulo hidrodinâmico. Considere h
como a profundidade a partir de um nível de referência, η como a elevação da superfície da água
e u, v e w como as componentes da velocidade da água nas direções x, y e z, respectivamente
Fonte: adaptado de Casulli e Cheng, 1992.
Aplicandose o mesmo esquema numérico do caso bidimensional integrado na vertical, nas equações
governantes, temse:
15.10
15.11
15.12
onde m e M referemse ao índice k, representando as faces de fundo e de topo da grade
vertical; Δzi+½,j,k e Δzi,j+½,k são as espessuras na camada de água k.
Os valores de u e v na superfície livre e no fundo são eliminados pelas condições de contorno, as quais são
escritas na forma de diferenças finitas:
15.13
15.14
e:
15.15
15.16
onde
sendo:
15.17
15.18
O domínio é discretizado em Nx ꞏ Ny ꞏ Nz células computacionais, o que resulta em um sistema linear
de Nx ꞏNy ꞏ(2Nz+ 1) equações. Esse sistema de equações é decomposto em: (a) um conjunto de
2 ꞏ Nx ꞏ Ny sistemas triagonais independentes de Nzequações, e (b) um sistema pentagonal
de Nx ꞏ Ny equações. Para isso, as Eqs. 15.10, 15.11 e 15.12 são escritas em forma matricial:
15.19
15.20
15.21
onde
são definidos como:
onde αk = υkΔt/Δzk.
Isolando as matrizes
e, em seguida, substituindoas na equação da continuidade discretizada, obtémse uma equação do tipo:
15.22
Essa equação resulta em um sistema pentagonal linear de equações que é resolvido pelo método dos
gradientes conjugados précondicionados (Press et al., 1992) (ver Apêndice C em
<www.ofitexto.com.br/modelagemecologica>). A matriz resultante é positiva definida e tem uma única
solução quando
e
Uma vez que as novas elevações da superfície da água foram determinadas, utilizamse as Eqs.
15.11 e 15.12 para obter as velocidades no tempo n + 1. Por fim, discretizando a equação da continuidade, a
componente vertical da velocidade, w, no tempo n + 1 é:
15.23
16 MODELOS DE
QUALIDADE DA ÁGUA
Uma vez conhecido o campo de velocidade e pressão (ou níveis) de um sistema, é possível simular o
campo de concentração de um determinado constituinte por meio de um modelo de qualidade da água. Assim
como nos modelos de escoamento, os modelos de qualidade da água podem ser classificados, segundo sua
dimensão, em: (a) modelos concentrados (dimensão zero); (b) modelos unidimensionais; (c) modelos
bidimensionais; e (d) modelos tridimensionais. A escolha do tipo de modelo vai depender dos propósitos do
estudo.
A teoria do transporte de massa de um constituinte foi apresentada no Cap. 6. Neste capítulo apresentamos
alguns dos mais clássicos modelos multidimensionais de qualidade da água, considerando os mais diversos
esquemas numéricos.
A escolha do esquema numérico de um modelo de qualidade da água é uma componente central, uma vez
que essa escolha pode influenciar a precisão numérica dos campos de concentração. Aqui, focaremos os
esquemas numéricos de advecção, a qual frequentemente domina o transporte de escalares.
16.1 MODELOS UNIDIMENSIONAIS
Nesta seção apresentamse alguns dos esquemas numéricos de advecção mais utilizados para modelos de
qualidade da água unidimensionais (1D). A equação de pura advecção, 1D, para um constituinte
conservativo, é dada por:
16.1
onde C(x, t) é a concentração de uma substância e u(x, t) é a velocidade da água na direção x. A Eq.
16.1 pode ser escrita na forma de diferenças finitas, utilizandose um esquema totalmente explícito dado por:
16.2
onde s = uΔt/Δx é o número de Courant; e Cr e Cl são as concentrações nas faces direita (i+1/2) e esquerda (i
1/2), respectivamente, de um elemento computacional.
O esquema Upwind assume que
Cr = Ci 16.3
Esta simples representação produz uma solução estável e conservativa para |s| ⩽ 1. No entanto, esse
esquema apresenta difusão numérica que impede que a variabilidade da solução seja atingida.
O esquema de diferença central é dado por:
16.4
Apesar de esse esquema ser um dos mais utilizados, poucas pessoas atentam para o fato de que ele é
instável sem a adição dos termos de difusão, ou seja, para pura advecção. Para neutralizar essa instabilidade,
o esquema leapfrog pode ser utilizado:
16.5
O esquema leapfrog oferece uma solução sem dissipação numérica, mas que produz erros dispersivos,
resultando em fortes oscilações na solução numérica. Para controlar essas oscilações, várias aproximações
foram propostas. Uma delas, utilizada por Blumberg e Mellor (1987), é o filtro de Asselin, que consiste em
substituir
por:
16.6
onde α é um coeficiente cujo valor é 0,05. Note que o uso desse filtro leva a um esquema de diferenças finitas
semiimplícito que implica a adição de termos no tempo n+1. O erro de difusão numérica
desse esquema, Knum∂2C/∂x2, pode ser computado pela determinação do valor do coeficiente de difusão
numérica, dado por:
16.7
Isso significa que, quando esse filtro é aplicado, a solução numérica não está livre de difusão numérica.
Uma alternativa para minimizar os problemas encontrados nos esquemas Upwind e diferença central é
o esquema Quick (Leonard, 1979), que consiste em expandir a série de Taylor aos termos de segunda ordem,
resultando na seguinte aproximação:
16.8
No entanto, esse esquema não é estável para pura advecção. Para solucionar esse problema, o autor
desenvolveu um esquema relacionado, denominado Quickest, que apresenta a seguinte aproximação:
16.9
Esse esquema é estável para pura advecção para |s| ⩽ 1. Apesar de esse esquema não ser completamente
livre de oscilações e difusão numérica, ele apresenta uma melhor aproximação da solução verdadeira quando
comparado aos esquemas vistos anteriormente.
O esquema limitador de fluxo também é outra boa alternativa. Ele usa um limitador, chamado Roe’s
superbee (Roe, 1985), em conjunto com o esquema de LaxWendroff (Hirsch, 1990). A adição desse
limitador elimina as oscilações não físicas do esquema de LaxWendroff. Esse esquema também é
conservativo e estável, e apresenta a seguinte aproximação:
16.10
onde ϕ é o limitador Roe’s superbee, definido por:
ϕi = max [0, min (2r, 1), min (r, 2)] 16.11
16.12
Esse esquema resulta no esquema Upwind quando ϕ = 0 e no esquema de LaxWendroff quando ϕ = 1. De
todos os métodos de limitador de fluxo encontrados na literatura, esse é o mais simples e o mais utilizado.
O esquema MPDATA, de Smolarkiewicz (1984), é outro bom esquema que assegura a preservação de
valores não físicos e apresenta baixa difusão numérica, mas não está livre de oscilações. O primeiro passo é o
calculo da concentração pelo método Upwind:
16.13
onde
representa a concentração na posição i em um passo de tempo intermediário. No próximo passo, as
velocidades antidifusivas, no passo de tempo intermediário, são determinadas pela expressão:
16.14
onde " é um pequeno valor, suficiente para não zerar o denominador (e.g. 10−15). O passo final seria atualizar
o campo de concentrações utilizando o esquema Upwind com as velocidades antidifusivas:
16.15
16.2 MODELOS BIDIMENSIONAIS
Os mesmos esquemas numéricos apresentados para o caso unidimensional também podem ser aplicados
para o caso bidimensional. Nesta seção apresentamos as formulações numéricas para alguns dos esquemas da
seção anterior; neste caso, porém, com a adição dos termos de difusão. A equação diferencial de advecção
difusão, 2D, para um constituinte conservativo, é dada por:
16.16
onde C(x, y, t) é a concentração de uma substância; u(x, y, t) e v(x, y, t) são as componentes de velocidade da
água na direção x e y, respectivamente; H(x, y, t) é a profundidade da água; e Kh é o coeficiente de difusão
horizontal de uma substância.
Para ser o mais genérico possível, o equacionamento numérico será apresentado para um domínio (x,y)
discretizado por grades não estruturais ortogonais. As grades estruturais ortogonais retangulares são um caso
particular dessa discretização em que os polígonos são retângulos.
Uma grade não estrutural ortogonal consiste em um conjunto de polígonos convexos não sobrepostos em
um determinado domínio. Cada lado de um polígono pode ser uma linha de borda ou um lado de um
polígono adjacente. Além disso, assumese que em cada polígono existe um ponto onde um segmento de reta
liga os centros de dois polígonos adjacentes. Essa reta intercepta o lado comum aos dois polígonos de forma
ortogonal (ver Fig. 16.1).
FIG. 16.1 Grade não estrutural ortogonal
Fonte: Casulli e Walters, 2000.
A discretização resulta em uma malha não estruturada de Nppolígonos e Ns faces. Cada polígono contém
um número arbitrário de faces, Si ⩾ 3, onde i= 1, 2, …,Np. As faces de um polígono são identificadas pelo
índice j(i, l), onde l= 1, 2, …, Si, tal que 1 ⩽ j (i, l) ⩽ Ns. Dois polígonos que compartilham a mesma face
são identificados pelos índices i(j, 1) e i(j, 2), tal que 1 ⩽ i (j, 1) ⩽ Np e 1 ⩽ i (j, 2) ⩽ Np. A área do
polígono i é dada por Pi, e a distância não nula entre os centros de dois polígonos adjacentes, para uma
face j de comprimento λj, é dada por δj.
Utilizandose o esquema Upwind, a equação do transporte de massa bidimensional é escrita
numericamente da seguinte forma:
16.17
onde
são os coeficientes de fluxo advectivo e difusivo, respectivamente.
Considerando uma grade de elementos retangulares ortogonais, com o esquema de índices da Fig. 14.2,
a Eq. 16.17 é reescrita como:
16.18
Conforme já visto, o esquema Upwind é conservativo, mas apresenta difusão numérica. Além disso, não
garante que novos valores máximos e mínimos possam ser gerados (o que não tem significado físico). Uma
aproximação de volume finito explícita que resulte em uma solução numérica conservativa e assegure a
propriedade do valor máximo e mínimo precisa ser consistente com a equação da continuidade de
escoamento. Essa aproximação é dada por:
16.19
onde o coeficiente de advecção é definido como
sendo
a velocidade na face ponderada entre os intervalos de tempo n e n + 1.
A solução numérica apresentada não exclui o problema da difusão numérica, que é intrínseco ao esquema
Upwind. Para minimizar esse problema, a equação de transporte de massa pode ser discretizada utilizandose
um esquema limitador de fluxo:
16.20
onde Φ é o limitador Roe’s superbee, definido por:
Φ = max [ϕ, min (2r, 1), min (r, 2)] 16.21
sendo:
16.22
16.23
16.3 MODELOS TRIDIMENSIONAIS
Nesta seção apresentamos apenas um esquema numérico para a equação de transporte de massa, 3D, que
satisfaça as propriedades de conservação de massa, valor máximo e mínimo e baixa difusão numérica. Esse
esquema tem de ser consistente com a equação da continuidade de escoamento; caso contrário, a precisão
numérica será afetada.
Utilizandose um esquema limitador de fluxo, a solução numérica para um elemento localizado na
camada k, de espessura Δz, é definida como:
16.24
onde
são os coeficientes de fluxo advectivo e difusivo, respectivamente; e Φ é o limitador de fluxo.
17 MODELOS ECOLÓGICOS
SIMPLES
Neste capítulo apresentamos alguns dos mais clássicos modelos ecológicos simples, que representam as
interações envolvendo fitoplâncton, zooplâncton e peixes, com e sem heterogeneidade espacial.
Os modelos simples são usualmente desenvolvidos com o propósito de fornecer um conhecimento geral
sobre um sistema ou gerar uma determinada hipótese, que depois poderia ser testada experimentalmente ou
em campo. Esses modelos têm a característica de representar um problema ecológico (fenômeno) utilizando
poucas equações matemáticas e, consequentemente, um número reduzido de parâmetros. Para os iniciantes da
modelagem matemática ecológica, recomendamos bastante a utilização desses modelos, por questões de
simplicidade quanto ao seu manuseio e ao entendimento de seus resultados. Encorajamos o leitor, ainda, a
elaborar outros modelos conceituais e, posteriormente, aplicálos em ecossistemas aquáticos reais.
Os exemplos trabalhados neste capítulo foram solucionados com uma ferramenta computacional
matemática própria para a resolução de modelos simples, com poucas equações diferenciais, denominada
GRIND for MATLAB, desenvolvida por Egbert H. van Nes. Essa ferramenta é de domínio público e está
disponível no endereço <http://www.aew.wur.nl/UK/GRIND>.
17.1 MODELO FITOPLÂNCTON ×ZOOPLÂNCTON
Um dos mais clássicos modelos fitoplâncton × zooplâncton encontrado na literatura foi proposto
inicialmente por Rosenzweig e MacArthur (1963), e, em seguida, aprimorado por Rosenzweig (1971). Esse
modelo considera, simplificadamente, os processos relacionados à produção do fitoplâncton, herbivoria do
zooplâncton e sua mortalidade (Fig. 17.1).
FIG. 17.1 Modelo conceitual ecológico simples entre fitoplâncton e zooplâncton, cuja variável de interesse é
a biomassa algal e zooplanctônica
A partir do modelo conceitual proposto, constróise o modelo matemático, dado por:
17.1
17.2
A biomassa de fitoplâncton (F) e zooplâncton (Z) são as variáveis de estado de interesse desse modelo e a
dinâmica desses organismos é o fenômeno estudado. O primeiro termo do lado direito da Eq. 17.1 representa
a quantidade de biomassa fixada por meio da fotossíntese em um intervalo de tempo, considerando uma taxa
de crescimento diária constante de primeira ordem (r). Além disso, considerouse que a taxa de produção
primária é limitada pela capacidade máxima de suporte do ecossistema devido à presença do fitoplâncton na
água (K).
Quando os valores de biomassa fitoplanctônica (F) se aproximam da capacidade de suporte do ecossistema
(K), o termo (1 − F/K) tende a 0 e, consequentemente, a taxa de produção é limitada. Por outro lado, se as
concentrações de fitoplâncton são baixas, o termo (1 − F/K) tende a 1, e a taxa de produção aproximase
de rF.
O segundo termo da Eq. 17.1 descreve as perdas de biomassa fitoplanctônica (fluxo negativo) resultantes
do consumo pelo zooplâncton, considerando que a taxa de consumo de primeira ordem é limitada por uma
função de Monod, sendo ha uma constante de meia saturação. Essa função tem como finalidade limitar a
predação do zooplâncton segundo a disponibilidade de fitoplâncton na água. Quando o fitoplâncton é
abundante, o termo F/(F + ha) tende a 1 e, consequentemente, a taxa de predação é alta. Baixos níveis de
concentração fitoplanctônica levam o termo F/(F + ha) próximo a zero, fazendo a taxa de predação atingir
baixos valores.
TAB. 17.1 Descrição, valores e unidades dos parâmetros utilizados no modelo presapredador
fitoplâncton versus zooplâncton
A população de zooplâncton converte o alimento ingerido em biomassa com uma certa eficiência (ez) e
sofre perdas em razão da mortalidade por outros organismos (Eq. 17.2). Observe que o primeiro termo da
equação do zooplâncton é semelhante ao segundo termo da equação do fitoplâncton. A diferença é a inclusão
do parâmetro ez no termo de crescimento do zooplâncton, que representa a eficiência do zooplâncton em
converter biomassa fitoplanctônica em biomassa zooplanctônica. A taxa de mortalidade do zooplâncton é
representada por uma simples taxa de decaimento de primeira ordem (mz). Os valores iniciais considerados
nesse exemplo estão apresentados na Tab. 17.1.
No equilíbrio do sistema (F, Z), as derivadas no tempo devem ser iguais a zero (dF/dt = 0 e dZ/dt = 0), ou
seja, não existem variações das variáveis de estado ao longo do tempo. A partir das equações diferenciais,
determinase o conjunto de soluções de F e Z que anulam as derivadas (nullclines).
17.3
17.4
Com os valores dos parâmetros da Tab. 17.1, obtémse o ponto de equilíbrio do sistema:
Para determinar o tipo de equilíbrio, estimamse os parâmetros β (traço) e γ (determinante) da matriz
Jacobiana:
17.7
Note que o equilíbrio do sistema depende dos valores adotados para os parâmetros e que um novo conjunto
de valores (nova condição do sistema) pode produzir novo equilíbrio no sistema.
Para avaliar os estados de equilíbrio com a alteração das condições do sistema, o parâmetro K, que
representa a concentração máxima do fitoplâncton na água, foi mudado sobre uma certa faixa de valores (de
0 a 10 mg.l−1) em um número de passos pequenos (0,01 mg.l−1).
FIG. 17.2 Influência do parâmetro K no equilíbrio do sistema (fitoplâncton × zooplâncton)
O estado final da simulação anterior era utilizado como condição inicial da simulação seguinte. Em cada
passo do parâmetro, o modelo simulava 1.000 dias, considerando um período de estabilização de 100 dias
para representar dos ciclos sazonais.
Analisamos as variações da biomassa de fitoplâncton e zooplâncton para avaliar a mudança das condições
no ecossistema (valores de K). Fora do período de estabilização (100 dias), eram gravados 300 valores das
variáveis de estado no período restante de simulação. A influência da variação do parâmetro K no equilíbrio
do sistema é mostrada na Fig. 17.2.
FIG. 17.3 Simulação dinâmica da interação fitoplâncton × zooplâncton para diferentes valores de K: (A) 10
mg.l−1; (B) 5 mg.l−1; (C) 3 mg.l−1; (D) 2 mg.l−1
Observe que existe uma faixa bem definida para os valores de K (0 − 3), caracterizada por apresentar um
único equilíbrio (estável). Fora dessa faixa, o sistema sempre converge para um equilíbrio cíclico sazonal
(instável). O equilíbrio do sistema pode ser melhor observado nas simulações dinâmicas utilizandose
diferentes valores de K (Fig. 17.3). A atenuação da capacidade máxima de crescimento do fitoplâncton
produz uma redução da densidade de zooplâncton, por causa da baixa disponibilidade de presas no sistema.
A observação do comportamento das nullclines também proporciona ao modelador um melhor
entendimento sobre o equilíbrio do sistema para diferentes valores de K (Fig. 17.4). As amplitudes dos ciclos
sazonais diminuem à medida que se reduz o valor de K até um ponto em que a solução deixa de ser cíclica e
passa a ser estável (K < 3).
FIG. 17.4 Análise do equilíbrio do sistema por meio das nullclines e do gradiente das equações para
diferentes valores de K: (A) 10 mg.l−1; (B) 5 mg.l−1; (C) 3 mg.l−1; (D) 2 mg.l−1. Na intersecção
das nullclines reside o ponto de equilíbrio do sistema
17.2 MODELO FITOPLÂNCTON × ZOOPLÂNCTON COM HETEROGENEIDADE
ESPACIAL
Para aumentar a complexidade do modelo fitoplâncton versus zooplâncton proposto anteriormente,
adicionamos o efeito da distribuição não heterogênea do zooplâncton por meio da inclusão de mais uma
equação diferencial para o fitoplâncton. Assumese que o zooplâncton está presente somente em uma
fração, f, do volume total, V, do sistema (Fig. 17.5).
As equações diferenciais podem ser escritas da seguinte forma:
17.8
17.9
17.10
onde F1 e F2 são as concentrações do fitoplâncton nos compartimentos 1 e 2, respectivamente; e d é um
parâmetro que controla o fluxo do fitoplâncton nos dois compartimentos. Para d = 0, significa que não existe
interação entre os dois volumes. Com o aumento de d, iniciase o fluxo entre os compartimentos até que, para
valores altos de d, o sistema fica completamente homogêneo (misturado), como no exercício anterior.
FIG. 17.5 Esquema do modelo fitoplâncton × zooplâncton com heterogeneidade espacial
Fonte: Scheffer, 1998.
No equilíbrio do sistema (F1, F2, Z), as derivadas no tempo devem ser iguais a zero (dF1/dt = 0,dF2/dt = 0
e dZ/dt = 0), ou seja, não existem variações das variáveis de estado ao longo do tempo. A partir das equações
diferenciais, determinase o conjunto de soluções de F1, F2 e Z que anulam as derivadas (nullclines).
17.11
17.12
17.13
Com os valores dos parâmetros da Tab. 17.1 e assumindo que o volume nos dois compartimentos é o
mesmo (f = 0, 5), o equilíbrio do sistema ficaria apenas em função do parâmetro d, cuja influência pode ser
determinada variando seu valor em uma faixa de 0 a 0,5, gravando 300 valores das variáveis de estado fora
de um período de estabilização de 100 dias de simulação (Fig. 17.6). Observe uma faixa bem definida do
parâmetro d onde ocorre equilíbrio estável (apenas uma única solução). Essa faixa de valores pode ser obtida
matematicamente (ver Cap. 18). Fora dessa faixa, o sistema converge para um equilíbrio instável,
caracterizado por ciclos sazonais.
FIG. 17.6 Influência do parâmetro d no equilíbrio do modelo fitoplâncton × zooplâncton com
heterogeneidade espacial
As simulações dinâmicas apresentam a resposta do sistema ao longo do tempo para diferentes valores
de d (Fig. 17.7). Um baixo fluxo entre os compartimentos (baixos valores de d) faz com que o efeito da
predação no fitoplâncton presente no compartimento 2 seja menor e, consequentemente, o fitoplâncton
presente no compartimento 1 sofre uma pressão maior de predação, limitando seu crescimento (Fig. 17.7A).
Uma maior renovação do fitoplâncton entre os compartimentos espaciais faz o sistema passar por uma
transição com equilíbrio estável (Fig. 17.7B). Ao aumentar gradativamente o fluxo entre os compartimentos,
o sistema volta a apresentar um regime cíclico sazonal para os organismos (Fig. 17.7C). A amplitude desses
ciclos aumenta com a ampliação do fluxo até um ponto em que o regime sazonal do fitoplâncton nos dois
compartimentos tende a se aproximar, uma vez que o sistema é propenso a ficar completamente homogêneo,
e a predação do zooplâncton é igualmente distribuída (Fig. 17.7D).
FIG. 17.7 Simulação dinâmica da interação fitoplâncton × zooplâncton com heterogeneidade espacial para
diferentes valores de d: (A) 0,01 m3.dia−1; (B) 0,2 m3.dia−1; (C) 0,3 m3.dia−1; (D) 0,4 m3.dia−1
Como a nullcline de F1 depende das três variáveis de estado, as nullclines deixam de ser curvas em duas
dimensões e passam a ser superfícies em três dimensões (Fig. 17.8). Na intersecção das três superfícies
(nullclines) estão os pontos de equilíbrio do sistema, que dependem dos valores dos parâmetros adotados. Os
pontos de equilíbrio, para um determinado conjunto de parâmetros, podem ser determinados a partir das Eqs.
17.11 a 17.13.
Cortes nos planos ortogonais proporcionam uma visão bidimensional das nullclines e, consequentemente,
uma melhor noção do equilíbrio do sistema. Considere um corte Z= 1 no plano F1 − F2 para diferentes
valores de fluxo entre os compartimentos, d (Fig. 17.9). Os quadros da Fig. 17.9 confirmam os resultados das
simulações dinâmicas apresentadas na Fig. 17.7.
FIG. 17.8 Análise do equilíbrio do sistema através das nullclines
considerando d = 0,3 m3.dia−1. Na intersecção das nullclines reside o ponto de equilíbrio do sistema
FIG. 17.9 Análise do equilíbrio do sistema por meio das nullclines no plano F1 − F2, válido para Z = 1, para
diferentes valores de d: (A) 0,1 m3.dia−1; (B) 0,2 m3.dia−1; (C) 0,3 m3.dia−1; (D) 0,4 m3.dia−1
Parte IV
TÓPICOS ESPECIAIS
18 ESTADOS ALTERNATIVOS
Trabalhos teóricos baseados em modelos ecológicos simples, na década de 1970, levantaram a hipótese de
que ecossistemas poderiam mudar abruptamente para um estado estável alternativo diferente do original
(Holling, 1973; May, 1977). De forma despretensiosa, esses modelos deram origem a uma das teorias
ecológicas mais estudadas e discutidas na atualidade: a teoria dos estados alternativos estáveis de
ecossistemas.
No mundo real, as condições nunca são constantes. Mudanças climáticas (e.g. El Niño, La Niña),
queimadas ou uma forte epidemia podem causar flutuações nos fatores condicionantes que afetam
diretamente o estado atual de um determinado sistema. Um dos exemplos mais discutidos na atualidade são
as graves consequências do aquecimento global e do desmatamento na Amazônia. De acordo com vários
artigos científicos que tratam do assunto, as mudanças climáticas poderiam transformar a maior parte da
floresta amazônica em cerrado, resultando em enormes impactos sobre a biodiversidade e o clima do planeta
(Streck; Scholz, 2006).
Para compreender melhor essa teoria, considere a Fig. 18.1. Se existir apenas uma base de atração, o
sistema voltará ao estado original após a passagem do efeito da perturbação. Entretanto, se existirem estados
alternativos de equilíbrio para uma dada condição, uma determinada perturbação poderá levar o sistema para
outra base de atração, ou seja, o sistema passará para outro estado de equilíbrio. A mudança para outro estado
estável de equilíbrio depende tanto da força de perturbação como do tamanho da base de atração. Em termos
de estabilidade, se o vale for raso, uma pequena perturbação poderá ser suficiente para que a esfera vença um
obstáculo de subida, deslocandoa para outro estado alternativo de equilíbrio. A resistência seria a capacidade
do sistema de se manter inalterado após um distúrbio e a resiliência seria a capacidade de recuperação do
sistema após uma mudança promovida pelo distúrbio.
FIG. 18.1 Efeito das condições externas na resiliência de um ecossistema com múltiplos estados de equilíbrio
a perturbações. O gráfico no plano indica uma curva de equilíbrio e mostra o ponto de bifurcação (F2) onde
acontece uma troca abrupta para outro ponto de equilíbrio (F1). Os planos de estabilidade apresentam o(s)
equilíbrio(s) e suas respectivas bases de atração em cinco diferentes condições. O equilíbrio estável situase
no ponto mais baixo dos vales e o equilíbrio instável, no ponto mais alto dos morros. Se o tamanho da base
de atração for pequeno, a resiliência será pequena, e mesmo uma moderada perturbação poderá levar o
sistema a uma nova base de atração
Fonte: adaptado de Scheffer, Bakema e Wortelboer, 1993.
Desde que Connell e Sousa (1983) desafiaram os ecologistas a procurar por estados alternativos estáveis
em comunidades naturais, vários exemplos foram encontrados na dinâmica de diversos sistemas, dentre eles:
(a) sucessão de florestas (Frelich; Reich, 1999); (b) savanas africanas (Dublin; Sinclair; McGlade, 1990); (c)
recifes de corais (Knowlton, 1992); (d) desertos (Van den Koppel; Rietkerk; Weissing, 1997; Rietkerk; Van
den Bosch; Van den Koppel, 1997); (e) estoques pesqueiros no Pacífico (Hare; Mantua, 2000); e até (f)
sistemas com clima regulado por correntes marinhas (Rahmstorf, 1997).
Além desses exemplos, um dos mais bem desenvolvidos sobre estados alternativos estáveis provém de
lagos rasos (Scheffer; Bakema; Wortelboer, 1993). A existência dos estados alternativos em lagos está
associada à transparência da água ou turbidez e, consequentemente, aos níveis de interações tróficas em
cascata (Scheffer; Bakema; Wortelboer, 1993; Jeppesen et al., 1997). O estado de água túrbida é decorrente
da proliferação de algas fitoplanctônicas e cria condições desfavoráveis ao estabelecimento de plantas
submersas, pois a turbidez impede a penetração da luz nas camadas mais profundas, inibindo o crescimento
dessas plantas (Van den Berg et al., 1997). Porém, um estado claro de transparência da água permite o
desenvolvimento e a dominância da vegetação aquática submersa (Blindow et al., 1993; Scheffer; De
Redelijkheid; Noppert, 1992; Scheffer; Bakema; Wortelboer, 1993), que favorece condições mesotróficas e
oligotróficas no sistema. Além do mais, um estado de águas claras proporciona um maior equilíbrio entre
níveis tróficos (i.e. equilíbrio das interações tróficas e diversidade de organismos), prevenindo a dominância
de cianobactérias e, portanto, promovendo a valoração do ambiente para fins paisagísticos e recreacionais
(Van Nes et al., 1999, 2002a).
Evidências de estados alternativos estáveis em lagos rasos foram obtidas tanto em experimentos
laboratoriais como por uso de mesocosmos aquáticos em campos constituídos por algas fitoplanctônicas e
zooplâncton herbívoros, como Daphnia sp. (McCauley et al., 1999; Chase, 1999). Contudo, os processos que
podem direcionar lagos entre dois estados alternativos distintos operam em uma variedade de escalas
temporais e frequências. Os mecanismos hipotéticos que conduzem à mudança desses estados podem ser
separados em agentes internos e externos. Geralmente, quando os agentes atuantes sobre o sistema são
externos de larga escala (e.g. clima regional ou homogeneidade regional entre bacias hidrográficas), uma
grande amostra de lagos inseridos em uma mesma região resulta em um mesmo estado para todos os lagos.
Alternativamente, se os agentes forem internos (e.g. ciclagem de nutrientes, pesca, biomanipulação etc.),
poderiam existir dois estados alternativos para cada lago, mesmo estando em uma mesma região (Jackson,
2003).
Sob a mesma perspectiva, os fatores internos relacionados à geoquímica do sistema afetam as taxas de
produção primária de macrófitas aquáticas e fitoplâncton, podendo conduzir um lago aos dois estados. Além
disso, impactos sobre a vegetação em função da herbivoria por aves aquáticas (Van Donk; Gulati, 1995), ou
flutuações no nível da água causadas tanto por estressores naturais como por estressores antrópicos (Blindow
et al., 1993), ou eutrofização a partir de descargas orgânicas no corpo hídrico (Scheffer, 1998), podem causar
a mudança de um estado claro das águas para um túrbido.
O exemplo mais comum encontrado na literatura é uma troca de estado provocada pelo aumento dos níveis
de nutrientes, que leva o ecossistema a um processo não linear, caracterizado pela passagem de um estado de
águas claras, dominadas pela vegetação de macrófitas, para um estado de águas túrbidas, dominadas pelo
fitoplâncton. Uma vez que um lago tenha passado para um estado eutrofizado de águas túrbidas, para retornar
à condição inicial representada pelo domínio da vegetação submersa, a concentração de nutrientes deve
reduzirse a um nível muito abaixo do limiar crítico em que a população de macrófitas colapsou (Van Nes et
al., 2002a, 2003).
18.1 DETERMINAÇÃO DOS ESTADOS DE EQUILÍBRIO
O conceito de estado de equilíbrio está relacionado à ausência de mudanças no sistema. Um exame
cuidadoso do que acontece em um estado de equilíbrio pode ajudar a entender melhor o comportamento de
um sistema. Para equações de diferenças do tipo xn+1 = f (xn), a solução para um estado de equilíbrio, x, é
definida como o valor que satisfaz a seguinte equação:
xn+1 = xn = x 18.1
A Eq. 18.1 indica que nenhuma mudança ocorreu da geração n para a geração n + 1. Como visto
anteriormente, a solução de equilíbrio pode ser estável (vales) ou instável (morros). Dessa forma, resta saber
se alguma pequena perturbação pode deslocar a solução para outro ponto, caracterizando um equilíbrio
instável. A condição de estabilidade, definida por May (1977), para uma equação de diferenças tem de
satisfazer a seguinte inequação:
18.2
EXEMPLO 18.1 Considere a seguinte equação:
Nn+1 = rNn (1 – Nn), onde r é um parâmetro. Determine as propriedades de estabilidade de seus estados
de equilíbrio.
Solução:
O estado de equilíbrio é computado quando Nn+1 = Nn = N. Assim, temse que:
Resolvendo a equação do 2º grau, encontramse dois estados estáveis:
N1 = 0 e N2 = 1 – 1/r. Avaliando a condição de estabilidade em N2, chegase a:
Dessa forma, N2 é um equilíbrio estável apenas quando a condição de estabilidade for satisfeita.
Para esclarecer melhor o Exemplo 18.1, traçamos o efeito da variação do parâmetro r no equilíbrio do
sistema (Fig. 18.2). Variando o parâmetro r no intervalo de [0,4], com um passo de 0,01 do parâmetro, foram
gravados os valores de N para cada valor do parâmetro r após 200 gerações. Note que, no intervalo 1 < r < 3
(condição de estabilidade), existe apenas um valor de N após 200 gerações, caracterizando um equilíbrio
estável. Para r > 3, existem múltiplas atrações, ou seja, a solução não converge para um valor único, e os
valores de N oscilam em volta de um conjunto de soluções, caracterizando um equilíbrio instável.
FIG. 18.2 Efeito da variação do parâmetro r do Exemplo 18.1 no equilíbrio do sistema
A Fig. 18.3 mostra, com mais detalhes, o que acontece no equilíbrio instável. Nessa figura confrontamos o
conjunto de soluções da equação Nn+1 = rNn (1 − Nn), para r = 3, 2 (fora dos limites de estabilidade), com a
reta identidade, onde Nn+1 = Nn. Na intersecção da reta com a parábola reside o ponto de equilíbrio. Partindo
de um valor inicial, após um certo número de gerações, os valores de N não convergem para um valor único.
Observe que, ao final da simulação, a solução oscila entre dois valores, o que caracteriza uma solução cíclica
no tempo.
No contexto de uma equação diferencial do tipo dx/dt = f (x), a solução do estado de equilíbrio seria:
18.3
Isso significa que a variação infinitesimal da variável x em t é nula. O conjunto possível de valores
de x que anulam a derivada é conhecido como nullclines.
Modelos ecológicos são geralmente compostos por um sistema de equações diferenciais, constituído por
diversas variáveis de estado. Frequentemente, esse sistema de equações é altamente não linear, em razão da
presença de vários mecanismos de retroalimentação em ecossistemas aquáticos. Um sistema de equações
diferenciais não linear pode ser escrito como:
FIG. 18.3 Simulação iniciando com um valor de N não nulo, que converge para um caminho cíclico em volta
de um equilíbrio instável. A parábola representa o conjunto de soluções da equação de
diferenças Nn+1 = rNn (1 − Nn), para r = 3,2, e a reta é o conjunto de soluções para Nn+1 = Nn. Na intersecção
da reta com a parábola reside o ponto de equilíbrio instável
18.4
A determinação da matriz Jacobiana (matriz com as derivadas parciais de f) estabelece o tipo de equilíbrio
do sistema. A matriz Jacobiana é dada por:
18.5
onde x1, x2, …, xn é o conjunto de pontos que anulam todas as derivadas da Eq. 18.4. O traço (β), somatório
dos elementos da diagonal principal) e o determinante (γ) da matriz Jacobiana são os parâmetros utilizados
para determinar o tipo de equilíbrio do sistema, de acordo com as suas posições no plano de fase (Fig. 18.4).
Em resumo, para sistemas de equações diferenciais, os tipos de equilíbrio podem ser classificados em seis
casos:
Equilíbrio instável: quando β > 0 e γ > 0;
Ponto de sela (instável): quando γ < 0;
Equilíbrio estável: quando β < 0 e γ > 0;
Espiral instável: quando β2 < 4γ e β > 0;
Centro neutro: quando β2 < 4γ e β = 0;
Espiral estável: quando β2 < 4γ e β < 0.
FIG. 18.4 Plano de fase para definição dos tipos de equilíbrio encontrados em sistemas diferenciais, onde β é
o traço da matriz Jacobiana e γ é o determinante dessa matriz
Fonte: May, 1997.
EXEMPLO 18.2 Considere o seguinte sistema de equações diferenciais:
Determine as propriedades de estabilidade de seus estados de equilíbrio.
Solução:
O estado de equilíbrio é computado quando dx1/dt = 0 e dx2/dt = 0. Assim, temse que:
Resolvendo o sistema de equações, encontramse dois estados de equilíbrio:
A matriz Jacobiana tem a forma:
Assim, para
(equilíbrio instável) para
(ponto de sela)
A condição de estabilidade, definida por May (1977), para um sistema de equações diferenciais, é dada
por:
|β| < 1 + γ < 2 18.6
A Fig. 18.5 mostra com mais clareza o que acontece ao redor dos pontos de equilíbrio (intersecção
das nullclines de x1, e x2,) para o Exemplo 18.2. O vetor gradiente (dx1/dt, dx2/dt) proporciona um melhor
entendimento dos tipos de equilíbrio encontrados. Independentemente do valor inicial utilizado, o sistema
não converge para um equilíbrio estável.
FIG. 18.5 Campo de vetores das derivadas do Exemplo 18.2 (gradientes), com suas
respectivas nullclines (x1’ e x2’). Dois pontos de equilíbrio instáveis foram encontrados
18.2 AVALIAÇÃO DE ESTADOS ALTERNATIVOS: UM EXEMPLO ECOLÓGICO
Como já comentado, estados alternativos de equilíbrio estão presentes em modelos ecológicos simples.
Para fixar ainda mais o conceito de estados alternativos de equilíbrio, tomaremos como exemplo um modelo
de vegetação simples. Esse modelo indica o estado de eutrofização de lagos rasos por: (a) um estado
dominado por vegetação aquática com águas claras; e (b) um estado túrbido dominado pelo fitoplâncton.
Apenas o efeito da vegetação na turbidez, e viceversa, é modelado (Scheffer, 1998).
Sabese que a vegetação contribui para a transparência da água por meio de alguns mecanismos, como
redução da ressuspensão de sedimentos pelas ondas, efeito alelopático sobre a comunidade algal e oferta de
abrigo para o zooplâncton e os peixes. Uma função de Monod inversa é usada para descrever o efeito da
vegetação sobre a turbidez (coeficiente de atenuação da luz, Eeq):
18.7
onde V é a fração de área coberta com vegetação no lago; E0 é a turbidez na ausência de vegetação; e hv é o
coeficiente de meia saturação da cobertura de vegetação. Portanto, ao aumentar a turbidez, comprometese o
crescimento da vegetação. Além disso, o efeito da atenuação na cobertura de vegetação (Veq) é descrito por
uma função de Hill:
18.8
onde hE é o coeficiente de meia saturação da turbidez e p é o expoente da função de Hill. Se assumimos que a
turbidez e a cobertura de vegetação podem atingir o equilíbrio até uma capacidade máxima, de uma maneira
lógica, as Eqs. 18.7 e 18.8 podem ser introduzidas nas seguintes equações diferenciais:
18.9
18.10
onde rE é a taxa de aumento da turbidez e rv é a taxa de crescimento da cobertura da vegetação.
Considere os valores assinalados para os parâmetros listados na Tab. 18.1.
TAB. 18.1 Valores e unidades dos parâmetros utilizados no exemplo ilustrativo
Parâmetro Valor padrão Unidade
E0 6 m−1
hE 2 m−1
hv 0,2
P 4
rE 0,05 dia−1
rV 0,05 dia−1
O conjunto de valores utilizado para os parâmetros do modelo gera um resultado muito interessante, que
possibilita discutir alguns pontos dessa teoria.
A Fig. 18.6 mostra os possíveis estados alternativos de equilíbrio gerados pelo modelo simples de
vegetação e turbidez. As linhas tracejada e pontilhada são denominadas nullclines e representam o conjunto
possível de valores que anulam as derivadas de E e V, respectivamente. Nas intersecções
das nullclines situamse os pontos de equilíbrio, que podem ser estáveis ou instáveis. Os pontos pretos
indicam um equilíbrio estável (vales) e o ponto cinza indica um equilíbrio instável (morros). A linha com
traços e pontos representa o divisor que separa dois estados alternativos estáveis de equilíbrio. Portanto,
dependendo da condição inicial tomada, o sistema pode convergir para dois estados estáveis possíveis: (a) um
estado dominado por vegetação aquática com baixa turbidez (águas claras) ou (b) um estado túrbido
dominado pelo fitoplâncton e pela ausência de vegetação aquática.
FIG. 18.6 Estados alternativos de equilíbrio produzidos por um modelo simples considerando vegetação e
turbidez
Os estados alternativos podem variar de acordo com as condições estabelecidas no sistema, ou seja,
dependem dos valores dos parâmetros adotados. Por exemplo, se estabelecermos uma variação dos valores do
parâmetro E0 entre 0 e 10, observamos uma faixa bem definida onde ocorrem estados alternativos de
estabilidade (Fig. 18.7). Quando o ecossistema está em um estado de águas claras, ele não passa para outro
estado por meio de uma transição suave. Ao contrário, quando as condições mudam suficientemente para
ultrapassar um limiar (F2), ocorre uma transição brusca para outro estado. Entretanto, para induzir o
ecossistema a uma troca para o estado inicial de águas claras dominado pela vegetação, não é suficiente
estabelecer condições semelhantes àquelas antes do colapso (F2). Em vez disso, é necessário ir um pouco
além, até um novo ponto de troca (F1), onde o sistema se recupera. Esse padrão, com comportamentos
distintos para diferentes condições críticas, é conhecido como histerese. O grau de histerese pode variar
fortemente, mesmo para ecossistemas com características semelhantes.
FIG. 18.7 O gráfico mostra duas trajetórias de equilíbrio para o modelo ecológico de vegetação, com o ponto
de bifurcação (F1) onde acontece uma troca abrupta para outro ponto de equilíbrio (F2). Com valores do
parâmetro E0 entre 0 e 10, observase uma faixa bem definida onde ocorrem dois estados alternativos de
estabilidade. Da esquerda para a direita, indicase o sentido progressivo da passagem de um estado de águas
claras, dominado por vegetação, para um estado de águas túrbidas. O sentido contrário indica a passagem de
um estado de águas túrbidas, dominado pelo fitoplâncton, para um estado de águas claras
19 PARAMETRIZAÇÃO DE
MODELOS ECOLÓGICOS
Texto com participação de
Maria Betânia Gonçalves de Souza
Os modelos ecológicos são ferramentas eficientes para o rápido diagnóstico e a previsão de cenários de
interesse em ecossistemas aquáticos. Entretanto, a capacidade de retratar com precisão a dinâmica de
comunidades biológicas e processos abióticos no ambiente a ser modelado depende do grau de abstração
considerado e dos valores assumidos para os parâmetros.
Conforme apresentado na seção 2.4.5, uma maneira de determinar os valores dos parâmetros é na fase de
calibração do modelo, quando os parâmetros do modelo são ajustados de forma que a saída do modelo se
aproxime dos dados observados. Porém, em razão do grande número de equações diferenciais utilizadas em
modelos ecológicos, o que leva a uma elevada quantidade de parâmetros envolvidos, a determinação de um
conjunto de parâmetros que melhor concorde com os dados observados pode ser uma tarefa complicada.
Para minimizar essa complexidade, alguns processos abióticos e aspectos ecofisiológicos dos organismos
aquáticos do ecossistema aquático poderiam ser determinado separadamente em experimentos específicos, o
que reduziria o número de parâmetros na fase de calibração. Esse tipo de calibração experimental
denominamos parametrização, que é destinada ao ajuste experimental de coeficientes de processos globais
abióticos e biológicos dos ecossistemas aquáticos. Isto é, a parametrização trata do ajuste dos parâmetros do
modelo pela estimativa da variação desses processos dentro de gradientes estabelecidos. Por exemplo, para
ajustar parâmetros ecofisiológicos inerentes a variáveis de estado, como algas ou plantas aquáticas
(e.g. produção primária, respiração, excreção), é necessário avaliar a variação desses processos em função da
variação controlada das variáveis ambientais (e.g. temperatura, luz, pH etc.).
A necessidade de parametrização se dá em função do grande número de parâmetros existentes em modelos
ecológicos complexos para representar, de modo mais aproximado possível, funções e processos ecológicos,
populacionais, ecofisiológicos etc. Por exemplo, o modelo IPHECO (Fragoso et al., 2007), utilizado em
alguns estudos de casos apresentados no Cap. 20, possui mais de 300 parâmetros para representar taxas de
processos abióticos e bióticos. Embora esse modelo se destaque de outros modelos atuais, em função de sua
complexidade e, portanto, da aproximação com a realidade ecossistêmica, sua precisão não seria acurada se
não houvesse uma parametrização experimental prévia dos organismos e de seus processos a serem
simulados.
Geralmente, os valores encontrados na literatura para os parâmetros ecológicos implicam grandes
incertezas nos resultados do modelo, uma vez que esses parâmetros foram determinados para um certo
ecossistema aquático de complexidade específica (Jorgensen; Bendoricchio, 2005). É conveniente lembrar
que o valor de um mesmo parâmetro poderia ser diferente em outro ecossistema aquático com uma dinâmica
distinta do sistema onde o parâmetro foi concebido. Nesse caso, a parametrização de processos abióticos e
bióticos é uma ferramenta que ajuda a minimizar as incertezas dos resultados de modelos ecológicos, que
poderiam ser utilizados de forma mais precisa como plataforma de pensamento para (a) teste de hipóteses, (b)
emergência de novos conceitos em ecologia (insights), (c) previsão de alterações ou impactos ambientais e
(d) tomada de decisões e construção de planos de manejo.
Em razão do grande contingente de parâmetros biológicos existentes e disponíveis na literatura, poucos
estudos têm enfocado o ajuste de parâmetros experimentalmente. Além disso, dos estudos de parametrização
já realizados e amplamente aplicados para os mais diversos tipos de ecossistemas aquáticos, a maioria foi
obtida a partir de experimentos com organismos nativos de clima temperado, representativos da dinâmica
ecossistêmica de ambientes de alta latitude. Portanto, em geral, os coeficientes dos parâmetros embutidos na
maioria dos modelos que utilizamos não refletem, de fato, a dinâmica de ecossistemas de baixa latitude
(tropicais e subtropicais). Em função da variação latitudinal, médias anuais de variáveis ambientais como
radiação, fotoperíodo e temperatura são diferentes; consequentemente, isso influencia as taxas de produção
primária e ciclagem de nutrientes, assim como a complexidade de interações tróficas. Ademais, a variação
latitudinal é responsável pela dinâmica de processos biológicos e pelo aumento natural da riqueza e
diversidade de organismos aquáticos (Jeppesen et al., 1997). Isso implica que, em virtude da falta de
sazonalidade pronunciada em baixas latitudes, a evolução dos organismos aquáticos propiciou a
diferenciação de nichos e aspectos ecofisiológicos adaptados aos climas tropical e subtropical, o que enfatiza
ainda mais a importância da parametrização de modelos ecológicos nesses ecossistemas.
19.1 A PARAMETRIZAÇÃO EXPERIMENTAL PARA MODELAGEM ECOLÓGICA
A parametrização experimental constituise basicamente de medições intensivas e observações in
vitro (i.e. experimentos em laboratório) ou em microcosmos (i.e. experimentos controlados realizados em
campo) para a estimativa de um parâmetro. As medições, por serem in vitro ou em microcosmos,
possibilitam um maior controle dos fatores reguladores do processo e, consequentemente, da resposta da
variável de interesse pela mudança do fator regulador. Assim, é possível o levantamento contínuo de dados
da variável de estado e dos fatores reguladores, para obter um grande volume de dados e realizar um bom
ajuste da equação de interesse.
A estimativa do parâmetro é dada pelo ajuste de um determinado processo (e.g. crescimento do
fitoplâncton), de acordo com a variação dos fatores reguladores que o influenciam. Um exemplo simples de
parametrização experimental é o crescimento de peixes, descrito pela seguinte equação (Jorgensen;
Bendoricchio, 2005):
19.1
onde W é o peso; a e b são os parâmetros.
Em um aquário ou em um tanque de aquacultura, é possível acompanhar o ganho de peso do peixe ao
longo do tempo. Se os dados obtidos forem satisfatórios, tornase fácil determinar os parâmetros a e b por
meio de métodos estatísticos de ajuste. Para se ajustar os coeficientes a e b, a alimentação deve ser mantida
constante em um nível ótimo para o crescimento contínuo do peixe, a fim de que se tenham as melhores
condições de desenvolvimento do organismo sem a influência de outros fatores reguladores, como a presença
de predadores e as alterações físicas e químicas na água.
Embora os valores dos parâmetros de processos biológicos sejam facilmente encontrados na literatura, nem
sempre o modelador encontra os parâmetros das espécies ou parâmetros do mesmo organismo para as
condições ambientais que prevalecem no ecossistema que se pretende modelar. Nesse caso, é fundamental
que ele use tais experimentos para determinar esses parâmetros e, assim, alcançar o entendimento desejado
para o ecossistema em questão.
Mesmo que encontre parâmetros cruciais na literatura, o modelador ainda pode conduzir experimentos de
parametrização para se certificar de que os intervalos encontrados para os parâmetros são bastante razoáveis.
Isso se justifica pela discrepância entre valores observados em laboratório ou em campo e os encontrados na
natureza é mais significativa para parâmetros ecológicos do que físicos ou químicos, principalmente em
função da diversidade de organismos nos variados tipos de ecossistemas aquáticos (e.g. banhados, rios, lagos
rasos, reservatórios etc.) e seus respectivos hábitos e metabolismo. Os principais fatores para tais
discrepâncias são:
1. A sensibilidade de parâmetros biológicos para impactos ambientais, cujo exemplo ilustrativo pode ser a
influência das pequenas concentrações de substâncias tóxicas capazes de alterar bastante a taxa de
crescimento de produtores primários ou consumidores.
2. A sensibilidade de produtores primários ou bactérias a fatores ambientais como, por exemplo, a
concentração e a distribuição de nutrientes no sistema, que são dependentes da hidrodinâmica do corpo
hídrico.
3. O efeito integrado dos fatores ambientais sobre a dinâmica de comunidades biológicas, diferentemente
das condições controladas em laboratório e mantidas para parametrização, dificulta prever exatamente,
por meio da simulação, o resultado na natureza. Por outro lado, parametrizações conduzidas in situtornam
praticamente impossível a interpretação sob quais circunstâncias as observações são válidas, pois isso
requereria a determinação simultânea de muitas variáveis ambientais.
4. Frequentemente, as determinações de parâmetros ou variáveis biológicas não podem ser conduzidas
diretamente, pois dependem de quantificações de outras variáveis que tampouco podem ser relacionadas
diretamente com a variável biológica a ser estimada. Por exemplo, a biomassa de fitoplâncton não é
determinada por nenhum método direto, mas é possível obter uma medida indireta por meio da
concentração de clorofila a.
5. Há influência dos mecanismos de retroalimentação de origem bioquímica ou ecológica sobre os
parâmetros biológicos. Por exemplo, o efeito de retroalimentação positiva de macrófitas aquáticas
submersas sobre a transparência da água (Moss, 1990) é responsável por estados alternativos estáveis em
lagos rasos (Scheffer, 1998). Esse mecanismo consiste no clareamento da água em função de efeitos
físicos diretos e bioquimicamente indiretos. Físicos, pelo fato de a presença massiva da vegetação
submersa constituir uma barreira capaz de atenuar a força hidrodinâmica, causando a precipitação de
partículas e a ressuspensão de sedimentos (James; Barko, 1990), e bioquímicos, pela inibição do
crescimento excessivo do fitoplâncton em função da competição por nutrientes disponíveis na massa da
água (Van Donk et al., 1990), e por meio de alelopatia química (WiumAndersen, 1987; Gross; Meyer;
Schilling, 1996). Como esses mecanismos são muito difíceis de mensurar em campo ou retratar de forma
acurada em laboratório, a parametrização desses processos fica restrita a uma mera aproximação da
realidade. Há modelos atuais que simulam esses mecanismos, como o Charisma 2.0 (Van Nes et al.,
2003). Entretanto, em função dessas dificuldades, os coeficientes ajustados para representar o processo de
clareamento das macrófitas submersas tornamse bastante abstratos. Portanto, muitos experimentos
devem ser realizados para se obter coeficientes mais aproximados da realidade dos processos de
retroalimentação desempenhados pelos organismos aquáticos e sua influência para a dinâmica do
ecossistema aquático.
19.2 A PARAMETRIZAÇÃO EXPERIMENTAL PARA TESTE DE HIPÓTESES
Atualmente, a parametrização experimental é utilizada também para testar hipóteses ecológicas. Além dos
experimentos voltados ao ajuste de parâmetros, investigamse as interações ecológicas e seus efeitos sobre o
ecossistema, assim como sua resiliência. Esses experimentos envolvem o estudo de mecanismos de
retroalimentação inerentes a organismos aquáticos, para promover condições favoráveis ao seu
desenvolvimento. A existência desses mecanismos evoca a teoria de estados alternativos estáveis e o conceito
de resiliência em ecossistemas aquáticos (Scheffer, 1998; Scheffer et al., 2001) descrita no Cap. 18.
A investigação experimental de estados alternativos estáveis pode ser conduzida por meio de microcosmos
do tipo quimiostatos (ou, em inglês, chemostats), que são sistemas fechados de cultivo intensivo de algas
com entrada contínua de nutrientes e controle total de luz e temperatura. A grande vantagem desse tipo de
unidade experimental é poder ajustar mais de uma dezena de parâmetros simultaneamente, em função da sua
estrutura e do fluxo contínuo/controlado de nutrientes (Souza, 2009).
Exemplo de parametrização experimental
Experimentos de competição por luz e nutrientes entre espécies fitoplanctônicas, com uso dos
quimiostatos, podem servir de instrumento para a parametrização de modelos ecológicos. Considere como
exemplo o modelo matemático apresentado por Passarge et al. (2006), que é uma combinação de equações
baseadas na dinâmica de nutrientes (e.g. concentração de fósforo interno e externo às populações de algas) e
na dinâmica da luz na coluna d’água. Três hipóteses podem ser testadas com o uso desse modelo e como
resultado da competição interespecífica: a obtenção de cenários de competição exclusiva, estados alternativos
estáveis e coexistência estável. A habilidade competitiva de cada espécie pode ser determinada por meio de
parâmetros medidos em culturas contínuas de algas, com o suporte paralelo de monoculturas e experimentos
em batch (Souza, 2009).
A estrutura geral do modelo de Passarge et al. (2006) é dada pelas seguintes equações:
19.2
Os parâmetros do modelo apresentado dividemse em três grupos: (a) parâmetros do sistema, medidos
diretamente; (b) parâmetros do estado estável, medidos por meio de experimentos de culturas contínuas em
limitação de fósforo e em limitação de luz; e (c) parâmetros das espécies, medidos por meio de monoculturas
e experimentos em batch.
Todos os parâmetros a ser medidos são citados a seguir, mas nem todos são explícitos nas equações
apresentadas (e.g. os parâmetros do estado estável “volume celular” e “concentração interna de fósforo”),
demonstrando que modelos matemáticos podem necessitar de um maior número de atributos para serem
utilizados.
(A) Parâmetros do sistema, código (unidade):
taxa de diluição, D (h−1);
profundidade máxima da coluna d’água, zm (m);
intensidade da luz incidente, Iin (µmol fótons m−2s−1);
turbidez “de fundo”, Kbg (m−1);
concentração de fósforo “de entrada” em limitação de fósforo ou em limitação de luz, Rin (µmol P l−1).
(B) Parâmetros do estado estável em limitação de fósforo e em limitação de luz, código (unidade):
volume celular, (fl célula−1);
biovolume total, (ml l−1);
densidade populacional, Ni (células l−1);
penetração de luz em limitação de fósforo, Iout (μmol fótons m−2 s−1);
intensidade de luz crítica em limitação de luz, Iout∗ (μmol fótons m−2 s−1);
concentração externa de fósforo em limitação de luz, R(μmol P l−1);
requerimento crítico de fósforo em limitação de fósforo, R∗ (μmol P l−1);
concentração interna de fósforo, (μmol P l−1).
(C) Parâmetros das espécies, código (unidade):
taxa de crescimento específico máximo, µmáx (h−1);
constante de saturação média de crescimento em limitação de luz, HI (µmol fótons m−2 s−1);
constante de saturação média de crescimento em limitação de fósforo, HR (µmol P l−1);
coeficiente específico de atenuação de luz para fitoplâncton limitado por luz, kI (m2 célula−1);
coeficiente específico de atenuação de luz para fitoplâncton limitado por fósforo, kR (m2 célula−1);
conteúdo máximo intracelular de fósforo, Qmáx (fmol célula−1);
conteúdo mínimo intracelular de fósforo, Qmín (fmol célula−1);
taxa de assimilação máxima de fósforo, vmáx (fmol célula−1h−1).
Considerando o modelo acima como exemplo de parametrização, além de Passarge et al. (2006), o estudo
de Souza (2009) apresenta experimentos em cultura contínua com monoculturas em limitação de luz da
cianobactéria tóxica Planktothrix agardhii (M. Gomont) K. Anagnostidis & J. Komárek da Coleção de
Culturas de Algas e Protozoários (CCAP), Inglaterra, cepa 1460/1 e da clorofícea Monoraphidium
minutum (Nägeli) KomárkováLegnerová da Coleção de Culturas de Algas da Universidade de Göttingen,
Alemanha, cepa 2431’.
FIG. 19.1 Experimento em monocultura contínua de Planktothrix agardhii em limitação de luz. Círculos
fechados indicam o biovolume total (ml L−1) e círculos abertos indicam a intensidade de luz (µmol fótons m
−2 s−1) penetrando a cultura
Fonte: Souza, 2009.
Fonte: Souza, 2009.
FIG. 19.2 Regressão linear do termo ln(Iin/Iout)/zm (m−1), proveniente da lei de LambertBeer, que rege o
gradiente vertical de luz numa coluna d’água, e a densidade populacional (células l−1) de monocultura
contínua de Monoraphidium minutum em limitação de luz. A equação da regressão e a “qualidade do ajuste”
da reta (R2) estão indicados
Fonte: Souza, 2009.
A Fig. 19.1 apresenta a evolução do biovolume total de p. Agardhii em monocultura contínua em limitação
de luz, até que atinja o equilíbrio e a diminuição simultânea da intensidade de luz crítica, Iout∗. A média dos
valores no equilíbrio de Iout∗ (0,89 µmol fótons m−2 s−1) e do biovolume total (4,61 ml L−1) são exatamente
os valores dos parâmetros a serem utilizados no modelo.
Outros parâmetros, como o coeficiente específico de atenuação de luz para fitoplâncton limitado por
luz, kI, e a turbidez “de fundo”, kbg, podem também ser estimados pelo monitoramento da densidade
populacional, até o equilíbrio de uma monocultura contínua em limitação de luz e, simultaneamente, da
intensidade de luz penetrando na cultura. A Fig. 19.2 apresenta a regressão linear da densidade populacional
de Monoraphidium minutum e do termo ln(Iin/Iout)/zm (m−1), proveniente da lei de LambertBeer, que rege o
gradiente vertical de luz numa coluna d’água, utilizada na quarta equação do modelo apresentado. O declive
da reta estimado (0,51 10−11 m2 célula−1) é o valor de kI, e o valor de kbg deve ser estimado como a
intercepção da reta com o eixo vertical (7,64 m−1).
19.3 COMO O LIMNÓLOGO PODE ATUAR E CONTRIBUIR PARA A MODELAGEM
ECOLÓGICA?
A modelagem ecológica é bastante incipiente no Brasil, porém muito promissora. Em função da escassez
de estudos de parametrização experimental de processos biológicos e interações de comunidades aquáticas,
há muito trabalho a ser desenvolvido como contribuição para a parametrização dos modelos disponíveis,
principalmente pelo fato de os modelos atuais estarem voltados aos ecossistemas e organismos de clima
temperado, onde foram concebidos. Portanto, existe a necessidade de enfocar e moldar os modelos existentes
para a realidade dos ecossistemas aquáticos tropicais e subtropicais.
TAB. 19.1 Exemplos de experimentos que podem ser desenvolvidos para a parametrização de modelos
ecológicos em ecossistemas aquáticos
Experimentos para a determinação de parâmetros
ecofisiológicos
Parâmetros biológicos vs Variáveis ambientais em
clima tropical e subtropical
Taxa de crescimento de vs Radiação solar (PAR),
macrófitas aquáticas nativas: temperatura, fotoperíodo e
• Submersas qualidade da água (nutrientes,
alcalinidade, pH)
• Emergentes
• Flutuantes
Taxa de crescimento de vs Radiação solar (PAR),
fitoplâncton pelágico e temperatura, fotoperíodo e
bentônico: qualidade da água (nutrientes,
• Cianobactérias alcalinidade, pH)
• Clorofíceas
• Diatomáceas
• Crisofíceas
Taxa de crescimento de vs Temperatura, qualidade da
zooplâncton água e disponibilidade de
• Cladóceros alimento (detritos,
fitoplâncton)
• Copépodes
• Rotíferos
Taxa de crescimento de vs Temperatura, qualidade da
bentos água e disponibilidade de
• Raspadores alimento (detritos, perifíton,
fitoplâncton)
• Filtradores
• Detritívoros
Taxa de crescimento de vs Temperatura e
peixes disponibilidade de alimento
• Herbívoros (detritos, bentos, perifíton,
fitoplâncton, zooplâncton e
• Onívoros peixes)
• Carnívoros
Interações Ecológicas Resiliência Estados Alternativos
Estáveis
Experimentos de Alelopatia
Macrófitas aquáticas vs Algas (clorofíceas,
submersas diatomáceas, crisofíceas etc.)
Macrófitas aquáticas vs Algas (cianobactérias)
submersas
Algas (clorofíceas, vs Algas (cianobactérias)
diatomáceas, crisofíceas etc.)
Experimentos de Herbivoria e Predação
Zooplâncton vs Algas (clorofíceas,
diatomáceas,crisofíceas etc.)
Zooplâncton vs Algas (cianobactérias)
Peixes estritamente vs Algas (clorofíceas,
herbívoros diatomáceas,crisofíceas etc.)
Peixes estritamente vs Algas (cianobactérias)
herbívoros
Peixes onívoros vs Algas (clorofíceas,
diatomáceas,crisofíceas etc.)
Peixes onívoros vs Zooplâncton
Peixes onívoros vs Peixes herbívoros, onívoros,
carnívoros
Peixes estritamente vs Peixes herbívoros, onívoros,
carnívoros carnívoros
A seguir, são apresentados alguns exemplos de experimentos que podem ser desenvolvidos para a
parametrização de interações ecológicas em modelos e teste de hipóteses.
Esses experimentos, além de necessários para tornar possível a modelagem acurada de comunidades
biológicas e suas interações, certamente podem revelar propriedades emergentes que servirão para originar
novos insigths e conceitos ecológicos em ecossistemas aquáticos tropicais e subtropicais. Além disso, a
exploração desses temas constitui uma excelente oportunidade para a junção de disciplinas biológicas e de
engenharia, pois para investigarmos um ambiente natural de modo mais aproximado, necessitamos da
multidisciplinaridade. Sem a abordagem matemática como instrumento integrador, informações fundamentais
da ecologia de populações e comunidades podem ficar restritas e compartimentadas. Portanto, a congregação
das disciplinas facilita o descobrimento de propriedades emergentes e o gerenciamento dos ecossistemas
aquáticos.
20 ESTUDO DE CASOS
Este capítulo apresenta algumas aplicações da modelagem ecológica em ecossistemas aquáticos. As
abordagens demonstram o potencial de aplicação de modelos para dar suporte à tomada de decisão.
20.1 AVALIAÇÃO HIDRODINÂMICA DO SISTEMA HIDROLÓGICO DO TAIM
O Sistema Hidrológico do Taim (SHT) localizase entre o oceano Atlântico e a lagoa Mirim, nos
municípios de Santa Vitória do Palmar e Rio Grande, no sul do Estado do Rio Grande do Sul, entre as
coordenadas 32°20’ e 33°00’ S e 52°20’ e 52°45’ W, com uma extensão de aproximadamente 2.254
km2 (Fig. 20.1). Nesse sistema está a Estação Ecológica do Taim (ESECTaim).
A região de inserção do SHT faz parte de uma série de áreas alagáveis que se estende dos arredores da
cidade de Pelotas, passa por Rio Grande e entra no Uruguai, e caracterizase por seus banhados e pequenas
lagoas associadas, de água doce, em uma dinâmica de baixo relevo marginal ao oceano Atlântico. Essa região
do SHT é composta essencialmente de quatro unidades ecodinâmicas: a Planície MarinhoEólica, o
alinhamento dos Banhados PósPlanícies MarinhoEólicas, o Platô de Santa Vitória do Palmar/Formação
Chuí e o Mosaico do Sudeste da Lagoa Mirim (Gomes; Tricart; Trautmann, 1987). Por sua vez, o Banhado
do Taim está contido, na sua maior parte, na unidade dos Banhados PósPlanícies MarinhoEólica, entre a
lagoa Mangueira e a BR417, integrando o SHT (Fig. 20.1).
O objeto do estudo foi o sistema interconectado lagoa Mangueira e Banhado do Taim, o qual representa a
principal parcela do SHT (aproximadamente 950 km2).
FIG. 20.1 Localização do Sistema Hidrológico do Taim, composto principalmente do Banhado do Taim,
associado à lagoa Mangueira e às estações hidrometeorológicas (TAMAN, TAMAC, TAMAS)
No intuito de avaliar o campo de velocidade para todo o sistema e de realizar a previsão de níveis da água
para o SHT, um modelo hidrodinâmico, de transporte de sedimentos e nutrientes, e biológico, denominado
IPHECO, foi desenvolvido visando ao entendimento dos principais processos desses ecossistemas.
O IPHECO, um modelo ecológico, é um sistema computacional desenvolvido no Instituto de Pesquisas
Hidráulicas (IPH), voltado especialmente para o entendimento dos processos físicos, químicos e biológicos
de corpos d’água rasos e profundos, tais como lagos, reservatórios e estuários. Esse modelo possui um
módulo hidrodinâmico, acoplado com módulos de qualidade da água, e biológico. Uma descrição mais
detalhada do modelo pode ser vista em Fragoso Jr et al. (2007). As diferenças espaciais dentro do corpo
d’água são levadas em conta (e.g. lago e banhado) (Fig. 20.2) e definese uma discretização tridimensional
para o módulo hidrodinâmico e uma discretização bidimensional na horizontal para os módulos de qualidade
da água e biológico. Em resumo, esse modelo descreve as mais importantes interações hidrodinâmicas e
abióticas, além dos principais processos bióticos, com a finalidade de auxiliar o entendimento
comportamental de um determinado ecossistema aquático (Fig. 20.3).
FIG. 20.2 Estrutura esquemática do modelo IPHECO, mostrando a diferenciação espacial que pode ser
levada em conta entre lago e banhado
O módulo hidrodinâmico é uma adaptação do modelo TRIM2D, desenvolvido por Casulli e Cheng (1992).
O TRIM2D é um modelo bidimensional na horizontal de diferenças finitas e emprega o esquema semi
implícito para a solução das equações de hidrodinâmica de águas rasas. Esse modelo tem se mostrado
convergente, estável e preciso, podendo ainda ser aprimorado para o emprego de grades não estruturadas no
domínio (Casulli; Cattani, 1994).
FIG. 20.3 Estrutura simplificada do modelo IPHECO (fração do lago). Os blocos são modelados por
compartimentos compostos por peso seco e nutrientes (P, N e Si). Três grupos funcionais de fitoplâncton
podem ser definidos: cianobactérias, diatomáceas e algas verdes. As macrófitas aquáticas podem ser
divididas em enraizadas, não enraizadas, flutuantes e emergentes. Os peixes onívoros e planctívoros têm dois
estágios de vida: juvenil e adulto. As setas sólidas representam os fluxos de massa e as setas tracejadas
denotam relações empíricas (o sinal de menos indica uma influência negativa na transparência da água; caso
contrário, o efeito é positivo)
Fonte: modificado de Janse, 2005.
Os ciclos de nitrogênio, fósforo e sílica são descritos como completamente fechados, desprezando fluxos
externos e processos de perda como desnitrificação. Além disso, o modelo pode estimar a quantidade de
matéria orgânica e inorgânica, bem como a porção de detritos na água e no sedimento. O módulo de
fitoplâncton descreve o crescimento e as perdas de três grupos funcionais: cianobactérias, diatomáceas e
pequenas algas verdes. As macrófitas aquáticas foram divididas em quatro grandes grupos (e.g. enraizadas,
não enraizadas, emergentes e flutuantes), e são avaliados processos de crescimento, reprodução e perda de
biomassa. Os organismos zooplanctônicos e macrobentônicos também são estimados, os quais podem se
alimentar de fitoplâncton e detritos com um certo nível de preferência. O módulo de peixes inclui três
principais categorias: piscívoros, onívoros e planctívoros. Um aspecto importante desse modelo é que os
conteúdos de nitrogênio, fósforo e sílica podem ser calculados para cada comunidade aquática.
Utilizouse uma grade computacional regular com as velocidades definidas nas faces médias da célula
computacional e a elevação da superfície da água definida no centro da célula. As equações de águas rasas
não têm solução analítica direta. O método de diferenças finitas resolve as equações governantes para um
número finito de pontos no espaço e no tempo. Esse método necessita subdividir o domínio de aplicação em
uma malha, com um número finito de células. As equações são discretizadas espacialmente em uma grade
retangular, que consiste em células computacionais quadradas, com comprimento dx e largura dy. Utilizouse
uma malha computacional de 100 m × 100 m, a qual gerou aproximadamente 100.000 células
computacionais ativas.
Dois períodos foram selecionados para o ajuste e a verificação da estimativa fornecida pelo modelo
hidrodinâmico. O primeiro corresponde a um tempo total de 26 dias de simulação, iniciando às 16 h do dia
10/7/2002 e finalizando às 15 h do dia 5/8/2002. Esse período foi selecionado para a calibração do modelo. O
segundo período corresponde a um tempo total de 15 dias de simulação, iniciando à 00 h do dia 1/3/2003 e
finalizando à 00 h do dia 16/3/2003. Esse período foi escolhido para a verificação da estimativa. A seleção
desses períodos se deu pela presença de registros contínuos de direção e intensidade de vento em três
anemômetros localizados nas estações TAMAS, TAMAC e TAMAN, além de registros de dados de níveis da
água em dois linígrafos, localizados nas estações TAMAS e TAMAN (Fig. 20.1).
Os parâmetros de calibração do módulo hidrodinâmico e os intervalos de variação encontrados na
literatura são apresentados na Tab. 20.1. Para a lagoa Mangueira, foram adotados os valores médios da faixa
observada.
Os níveis da água do SHT foram aferidos para os valores médios da faixa dos parâmetros hidrodinâmicos
(Tab. 20.1). A calibração do modelo hidrodinâmico pode ser observada nas Figs. 20.4 e 20.5, nas quais as
linhas pontilhadas representam os registros de níveis dos linígrafos das estações, e as linhas simples
apresentam os níveis calculados pelo modelo para θ = 0,55, considerando o balanço hídrico no lago. A Fig.
20.4 mostra o ajuste de níveis no ponto localizado na estação TAMAN, enquanto a Fig. 20.5 mostra o ajuste
de níveis para a estação TAMAS.
TAB. 20.1 Valores da literatura para os principais parâmetros utilizados no módulo hidrodinâmico
Parâmetro Descrição Faixa de Valores
Ah Coef. de viscosidade 5 – 15 (m2/s)
turbulenta horizontal
CD Coef. de arraste do vento 2 e 6 – 4 e 6
CZ Coef. de atrito de Chezy 50 – 70
Θ Ponderador temporal 0,50 – 0,60
O ajuste do módulo hidrodinâmico, utilizando um esquema de diferenças finitas semiimplícito, com
abordagem EulerianaLagrangiana, possibilitou uma boa aproximação dos resultados observados e
simulados. Além disso, esse esquema permitiu utilizar maiores intervalos de tempo do que os utilizados em
outros esquemas, mantendo a estabilidade. É importante destacar que a introdução do balanço hidrológico
(precipitação e evapotranspiração), mesmo que de forma simplificada, possibilitou aproximar a variação
entre os níveis calculados e observados.
FIG. 20.4 Ajuste de níveis na estação TAMAN da lagoa Mangueira
FIG. 20.5 Ajuste de níveis na estação TAMAS da lagoa Mangueira
20.2 SIMULAÇÕES DE FITOPLÂNCTON
O modelo descrito anteriormente foi aplicado no SHT (lagoa Mangueira) com o objetivo de avaliar seu
potencial de eutrofização utilizando a estimativa de clorofila a como indicador biológico. Essa simulação deu
ênfase aos processos de ganho e perda da população de fitoplâncton e aos efeitos do transporte devido à
difusão e ao vento, agente principal de circulação das águas. Essa simulação também visou representar o
efeito da vegetação do Banhado do Taim sobre a taxa efetiva de crescimento de fitoplâncton por meio de um
coeficiente de redução da radiação solar na superfície da água naquela região.
As informações de temperatura da água e radiação solar incidente na superfície foram obtidas na estação
meteorológica TAMAN, localizada ao norte da lagoa Mangueira (Fig. 20.1), com registros dos horários de
frequência para essas variáveis. Observouse um declínio dos valores das variáveis climáticas ao longo do
período, característico do período anual. O fotoperíodo adotado foi 0,5, equivalente a 12 horas de incidência
de luz diária. Considerouse que todo o sistema estava com uma concentração inicial de 1 mg.l−1 de
nitrogênio em forma de nitrito e de 0,025 mg.l−1 para o fósforo total, de acordo com o limite para corpos
d’água de água doce de classe 1 estabelecido pela Resolução Conama nº 357/2005. O tempo total de
simulação foi de 600 horas (25 dias), iniciando à 00 h do dia 22/12/2002. Considerouse como condição
inicial uma concentração uniforme com um valor de 1 µg.l−1 de clorofila a para todo o sistema.
A simulação de eutrofização mostrou um claro gradiente da taxa efetiva de crescimento (Fig. 20.6), das
regiões mais rasas (litoral) para as mais profundas (pelágicas). Além disso, é possível perceber uma
transferência de matéria para o canal por meio dos processos referentes à hidrodinâmica. A formação de
pontais ao longo da costa da lagoa propicia zonas de recirculação que ajudam a conduzir o material da região
mais rasa para a região mais profunda. Também é possível identificar as regiões mais ao sul e ao norte da
lagoa Mangueira como áreas de alta produtividade.
A aplicação de um coeficiente redutor da radiação solar incidente no Banhado do Taim resulta em um
comportamento diferenciado da produtividade. Os quadros da Fig. 20.6 mostram que uma redução de 80%
dos valores da radiação solar produz uma minimização da produção primária com relação à simulação sem
esse coeficiente, e que, com esse valor, o campo de concentração de clorofila a no banhado tem valores
bem diferentes daqueles estimados na lagoa Mangueira. A redução da passagem de luz para o meio
compromete a produção primária no Banhado do Taim e a taxa efetiva de crescimento assume valores
negativos, fazendo com que o campo de concentração de clorofila a no Banhado possua valores de pequena
magnitude.
FIG. 20.6 Campos de concentração de clorofila a (µg.l1) para o sistema com vento e com uma redução de
80% da radiação solar incidente no Banhado do Taim, nos instantes: (A) 0 hora; (B) 400 horas; (C) 800
horas; (D) 1.200 horas; (E) 1.600 horas; (F) 2.000 horas. A escala de cores em níveis de cinza indica a
variação da concentração de clorofila a de 0 a 40 µg.l−1. Uma biruta, em cada quadro de simulação, indica a
direção e a intensidade do vento
Esse coeficiente reproduz a realidade encontrada na região, porém falta saber o valor que melhor
representa o efeito da vegetação sobre a taxa efetiva de crescimento. Isso significa que, nesse caso, o
coeficiente é mais um parâmetro para calibração do módulo biológico. Somente com registros de
concentração de clorofila a e de radiação solar que passa para o meio é possível estimar um valor aproximado
desse coeficiente.
Próximo de 1.200 horas de simulação, o balanço entre a produção primária e as perdas em um período
diário muda de sinal, ou seja, a partir desse ponto, as perdas por respiração, consumo e excreção no período
noturno superam os ganhos de biomassa no período de incidência solar (Fig. 20.6E).
Os resultados obtidos nas simulações podem ser verificados espacialmente, por meio dos mapas de
clorofila a oferecidos gratuitamente pela Nasa (Fig. 20.7), ou pontualmente, a partir de um conjunto de
amostras observado no sistema (Fig. 20.8).
FIG. 20.7 (A) Imagem de clorofila a derivada do satélite Modis com 1 km de resolução para o dia 8/2/2003;
(B) campo de concentração de clorofila a simulado para o dia 8/2/2003
FIG. 20.8 Comparação entre os diagramas “boxplot” correspondente a 37 amostras e a mediana dos valores
de clorofila a, nitrogênio e fósforo total simulados em três pontos da lagoa Mangueira (TAMAS = sul,
TAMAC = centro e TAMAN = norte)
20.3 DERIVA DE ESTADOS ALTERNATIVOS
20.3.1 PROCESSO DE HISTERESE E A VARIAÇÃO NO Kd
A simulação de ciclos sazonais para uma faixa de valores do parâmetro Kd (coeficiente de atenuação da
luz na água) permite avaliar estados alternativos de estabilidade – os caminhos de degradação e restauração
do ecossistema aquático com a mudança de nível de nutrientes. Dessa forma, o modelo IPHECO foi
configurado para trabalhar de forma concentrada, considerando todos os módulos ativos (i.e. hidrodinâmico,
de qualidade da água e biológico). Impuseramse condições climatológicas subtropicais de temperatura, luz,
radiação solar, vento, precipitação e evaporação (latitude 33S) para um lago raso com 4 m de profundidade
média e 18 km2 de dimensão.
O parâmetro Kd foi mudado sobre uma certa faixa de valores (de 0 a 1,5 m−1) em um número de passos
pequenos (0,02 m−1) no sentido ascendente e, em seguida, descendente. O estado final da simulação anterior
foi usado como condição inicial da simulação seguinte. Em cada passo do parâmetro, o modelo simulava 15
anos, considerando um período de estabilização de 5 anos para representação dos ciclos sazonais. Em cada
ano, fora do período de estabilização, era gravado um dado de biomassa de vegetação aquática submersa e de
algas totais em um dia no verão (15 de janeiro).
Como um exemplo para compreender os mecanismos e processos que levam um ecossistema aquático à
degradação e/ou restauração, essa análise avaliou o efeito da variação da turbidez na água (parâmetro Kd)
sobre o estabelecimento das comunidades de algas e vegetação aquática submersa e, consequentemente, no
estado trófico do ecossistema. Assim, procurouse determinar se o ecossistema aquático tinha estados
alternativos de estabilidade, que refletem diferentes caminhos para mudanças dos valores do parâmetro no
sentido ascendente e descendente. Com a metodologia descrita anteriormente, verificaramse claramente dois
estados alternativos para diferentes caminhos na biomassa de macrófitas aquáticas submersas e de
fitoplâncton (Figs. 20.9 e 20.10). O primeiro, de águas claras, caracterizase por baixos valores de
Kd (i.e. baixos níveis de nutrientes e alta transparência da água), com uma elevada concentração de vegetação
submersa e pouco fitoplâncton. No segundo estado alternativo, encontramse altos valores de turbidez,
dominância de algas e pouca vegetação aquática submersa.
FIG. 20.9 Efeito da mudança do coeficiente de extinção da luz devido a substâncias dissolvidas na água sobre
vegetação aquática submersa (em 15 de janeiro). Um esforço maior é necessário para revitalizar o sistema.
Os pontos F1, F2 e F3 representam pontos de troca de estados alternativos
FIG. 20.10 Efeito da mudança do coeficiente de extinção da luz devido a substâncias dissolvidas na água
sobre fitoplâncton (em 15 de janeiro). Os pontos F1, F2 e F3 representam pontos de troca de estados
alternativos
Notase que os estados alternativos podem variar de acordo com as condições estabelecidas no sistema, ou
seja, dependem dos valores dos parâmetros utilizados. Por exemplo, se estabelecermos uma variação dos
valores do parâmetro Kd entre aproximadamente 0,4 e 1,1 m−1, observase uma faixa bem definida onde
ocorrem estados alternativos de estabilidade (Figs. 20.9 e 20.10). Quando o ecossistema está em um estado
de águas claras, ele não passa para outro estado por meio de uma transição suave. Ao contrário, quando as
condições mudam suficientemente para ultrapassar um limiar (F2), ocorre uma transição brusca para outro
estado. Entretanto, para induzir o ecossistema a uma troca para o estado inicial de águas claras dominado
pela vegetação (sentido da restauração), não basta estabelecer condições semelhantes àquelas anteriores ao
colapso (F2), mas é necessário ir um pouco além, até um novo ponto de troca (F3), onde o sistema se recupera
e retorna ao seu estado inicial de águas claras.
No sentido ascendente, o modelo representou duas mudanças bruscas da concentração de macrófitas
aquáticas (F1 e F2). A primeira quebra (ponto F1 da Fig. 20.9), para Kd ≈ 0, 4, ocorreu devido às interações
entre as comunidades aquáticas com uma combinação de efeitos negativos sobre a comunidade de algas
(e.g. consumo pelo zooplâncton, peixes onívoros e planctívoros e limitação de luz). Sem a presença do
fitoplâncton na água, o coeficiente de atenuação da luz é reduzido bruscamente, propiciando mais luz nas
camadas mais profundas para o crescimento da vegetação aquática submersa (ponto F1 da Fig. 20.10). A
segunda quebra (F2) acontece pelo efeito físico da alta turbidez, gerando falta de luz na profundidade onde se
encontra a vegetação submersa (fundo). Com o colapso da vegetação submersa, o sistema passa a ser
dominado pela comunidade fitoplanctônica, porém sem a presença de ciclos sazonais (equilíbrio sazonal
instável).
Identificaramse quatro faixas de valores de transparência bem definidas nas quais o ecossistema pode
assumir diferentes características ambientais. Na primeira faixa (Kd abaixo de aproximadamente 0,4 m−1),
existe apenas uma base de atração, e qualquer perturbação é absorvida pelo sistema, que voltará ao seu estado
original após a passagem do efeito da perturbação. Na segunda faixa (Kd entre aproximadamente 0,4 e 0,8 m
−1), o sistema possui estados alternativos de estabilidade e uma determinada perturbação poderá levar o
sistema para outra base de atração, porém sem mudanças de estados de transparência (e.g. o sistema poderá
trocar de estado, mas sem o risco da passagem para um estado de águas túrbidas. Na terceira faixa (Kd entre
aproximadamente 0,8 e 1,1 m−1), o sistema está sujeito a grandes mudanças de estado. Conforme a força de
perturbação, o sistema poderá partir para outro estado alternativo de equilíbrio (i.e. uma mudança de um
estado de águas claras para um estado de águas túrbidas, ou viceversa). Observase que o sistema vai
perdendo resistência de mudança do seu estado atual com o aumento de Kd. A última faixa (Kd acima de 1,1
m−1) caracterizase por um estado de águas túrbidas com múltiplas bases de atração (com exceção da
vegetação submersa). Nessa faixa, uma determinada perturbação poderá levar o sistema a outra base de
atração, porém sempre caracterizado por um estado de águas túrbidas. Para Kd acima de 1,1 m−1, o
ecossistema aquático responde caoticamente, ou seja, observamse padrões irregulares para a biomassa das
comunidades aquáticas dentro do ciclo sazonal, com exceção da vegetação submersa, que tem sua
concentração nula (Fig. 20.9). Isso implica que, para essa faixa de valores de Kd, não seria possível prever a
resposta das comunidades aquáticas sazonalmente durante, por exemplo, um processo de restauração no
ecossistema (estado alternativo instável).
Os pontos F1, F2 e F3 representam pontos de troca de estados alternativos, ou seja, o limiar da passagem de
estados distintos. Em particular, F3 representa o nível de transparência e qualidade da água a ser atingido pelo
ecossistema para sua revitalização e retorno para um estado de referência. O conhecimento desse ponto é
fundamental para a aplicação e escolha da medida de restauração mais apropriada para um determinado
ecossistema.
Ao se conhecer o ponto de troca responsável pela revitalização, o modelo ecológico poderia ser utilizado
para prever o tempo necessário e os níveis de qualidade atingidos pelo ecossistema após a aplicação de um
conjunto de medidas corretivas de caráter interno, nas bacias de contribuição e no ecossistema aquático, que
maximize os benefícios socioambientais e econômicos. Cada medida corretiva poderia ser previamente
testada pelo modelo e, assim, verificada sua eficiência para a troca de um estado de águas túrbidas para um
estado de águas claras.
20.3.2 EFEITOS DA FLUTUAÇÃO NO REGIME HÍDRICO SOBRE A VEGETAÇÃO SUBMERSA
Flutuações no regime hídrico de lagos rasos tendem a gerar distúrbios na qualidade da água (Ferreira et al.,
2007). O rebaixamento do nível da água pode afetar funções ecológicas de compartimentos biológicos, como
plantas aquáticas e fitoplâncton. Isso causa alterações na ciclagem interna de nutrientes, podendo induzir um
lago de águas oligotróficas (dominado por vegetação aquática submersa) a eutróficas dominadas por
cianobactérias. (Moss, 1990; Scheffer, 1998). Tal alteração na qualidade da água decorre da mortalidade da
vegetação submersa, que, ao se decompõe em função do estresse hídrico, libera grandes quantidades de
compostos orgânicos e inorgânicos prontamente disponíveis (Ferreira; Motta Marques; Villanueva, 2003).
Para compreender essa alteração na dinâmica de nutrientes e seus potenciais impactos, promovidos pela
variação no regime hídrico sobre estados alternativos de qualidade da água, foi utilizado o modelo IPHECO
(Fragoso Jr. et al., 2007). A simulação do efeito da lixiviação de nutrientes oriunda da decomposição de
biomassa vegetal foi baseada experimentalmente na decomposição inicial das principais espécies de
macrófitas aquáticas submersas que ocorrem na lagoa Mangueira e estão preferencialmente estabelecidas na
região sul, apresentando altos índices de ocupação (Fig. 20.11).
A partir de dados da biomassa média por m2 levantados em campo, estimouse a lixiviação de ortoP
referente 1 g de biomassa (peso seco). Em função da variação de biomassa na área amostrada, estimouse
uma variação na lixiviação de 0,02 a 0,06 mg.l−1. Essa variação foi implementada nas simulações e, com
isso, verificouse o efeito de diferentes concentrações desse nutriente sobre a cadeia trófica.
FIG. 20.11 Porcentagem de ocupação da vegetação submersa expressa como porcentagem de volume
infestado (PVI)
As simulações ecológicas para estados alternativos foram realizadas considerandose a possibilidade de
dois cenários. O primeiro leva em conta o efeito do aporte crescente de ortoP e sua assimilação por meio da
produção primária pelo fitoplâncton. Portanto, nesse cenário, o sistema não teria mais a presença de
vegetação submersa nem a possibilidade de assimilação desses nutrientes por outros grupos de macrófitas,
sendo determinado o florescimento do fitoplâncton sem competição pelo recurso. Com o incremento de orto
P da ordem de 0,01 a 0,5 mg/L no sistema, evidenciaramse alterações na estrutura da comunidade
fitoplanctônica representada por três classes principais: diatomáceas, clorofíceas e cianobactérias (Fig.
20.12).
No início da simulação, já é possível observar o decaimento da biomassa e o desaparecimento da classe de
clorofíceas, seguida por diatomáceas no decorrer da simulação. Com o contínuo incremento de ortoP e a
mortalidade dessas classes de algas, ocorre o aumento substancial de cianobactérias, as quais dominam a
coluna d’água, aumentando, consequentemente, o coeficiente de atenuação da luz (Kd). Esse coeficiente
representa a penetração de luz na coluna d’água, e valores acima da ordem de 4 já são considerados altos e,
portanto, representativos de águas túrbidas (Scheffer, 1998). A dominância de cianobactérias e o aumento
do Kd em função da biomassa dessas algas constituiriam um estado alternativo túrbido (eutrofizado) para o
sistema, no qual uma série de interações tróficas sucumbiriam, uma vez que a diversidade de produtores
primários seria alterada. Isso levaria, presumivelmente, a uma diminuição da produção pesqueira. O espectro
de possíveis valores de produção do fitoplâncton em função do aporte de ortoP no sistema mostra que
incrementos acima de 0,025 mg.l−1 já são suficientes para prejudicar a classe de diatomáceas, sendo que a
classe de clorofíceas é ainda mais suscetível, decaindo com valores acima de 0,01 mg.l−1. Na variação de
0,01 a 0,05 mg.l−1, diferentes valores de biomassa podem ser encontrados para as classes de diatomáceas e
cianobactérias; entretanto, acima desse valor, há somente a proliferação de cianobactérias. Isso sugere que o
limiar crítico para a inversão do sistema a um estado túrbido esteja acima desse intervalo.
FIG. 20.12 (a) Simulação do crescimento do fitoplâncton e seu efeito sobre o Kd em função do incremento de
ortoP oriundo da biomassa vegetal submersa: evidência de estado alternativo eutrofizadotúrbido dominado
por cianobactérias; (b) espectro dos possíveis valores de biomassa do fitoplâncton ao longo do gradiente de
ortoP
No segundo cenário, considerando as mesmas condições de contorno do primeiro, foram incluídos os
grupos de macrófitas aquáticas. A resultante da simulação, nesse caso, em função do aumento da
concentração de fósforo reativo (ortoP), foi a dominância de macrófitas aquáticas flutuantes, alcançando
aproximadamente 500 g/m2 (Fig. 20.13).
Esse tipo de planta, por criar uma densa cobertura na superfície da coluna d’água, impede a passagem total
de luz e, portanto, os valores de Kd são ainda mais altos. O estado alternativo dominado por essa vegetação
também não é adequado ao sistema, causando o comprometimento dos usos múltiplos da água. Isso sugere
que, no caso de um sistema fechado, pequenos incrementos de fósforo reativo (ortoP) são capazes de alterar
a estruturação do sistema e, com isso, a dinâmica de interações tróficas. Uma vez que essa camada de plantas
flutuantes inibe a passagem da luz, a produção primária na coluna d’água decai acentuadamente,
prejudicando a respiração dos organismos aquáticos.
Ao se avaliar a biomassa de flutuantes e fitoplâncton ao longo do gradiente de concentrações de fósforo
reativo (ortoP) (Fig. 20.13), é visível o predomínio da biomassa das plantas diante do decaimento abrupto do
fitoplâncton. Nesse sentido, assumese a forte competição por recursos entre esses compartimentos,
impossibilitando a ocorrência de ambos no mesmo hábitat.
FIG. 20.13 (a) Simulação da biomassa de macrófitas aquáticas com o incremento de ortoP no sistema: estado
alternativo eutrofizado por macrófitas flutuantes; (b) espectro dos possíveis valores de biomassa de
macrófitas flutuantes e fitoplâncton ao longo do gradiente crescente de ortoP: evidência de competição e
dominância de macrófitas
Dessa forma, admitese que a decomposição da vegetação submersa ocasionada por um rebaixamento
drástico no nível do sistema pode induzir o sistema a dois estados alternativos distintos. Um deles seria a
eutrofização resultante da proliferação do fitoplâncton, tendo como estágio final o domínio total por
cianobactérias e, consequentemente, um estado de turbidez. O outro estado seria a dominância exercida por
macrófitas flutuantes, que afetariam a estrutura trófica e a qualidade da água do sistema, uma vez que são
capazes de impedir qualquer penetração de luz, podendo causar grandes mortalidades de peixes. Portanto,
ambos os estados induzidos pelo aumento de ortoP implicariam o comprometimento das funções ecológicas.
Entretanto, a dominância de determinados compartimentos biológicos é, via de regra, dependente de
variáveis abióticas de contorno no sistema, as quais devem ser consideradas no intuito de prever reais
alterações no ambiente.
No caso da lagoa Mangueira, as condições de vento devem ser consideradas em próximas simulações, pois
são essenciais para a hidrodinâmica e determinantes para a estruturação das comunidades de produtores
primários (Fragoso Jr., 2005). Como visto anteriormente, a discretização espacial associada ao conhecimento
da dinâmica de fatores abióticos condicionantes do sistema é importante para a avaliação do transporte da
biomassa, seja de fitoplâncton ou de plantas flutuantes. Por causa do regime severo de ventos dessa lagoa,
existe uma grande restrição ao estabelecimento de plantas flutuantes, as quais, no início da proliferação,
certamente seriam arrastadas para uma das extremidades da lagoa, em função da orientação SONE dos
ventos predominantes. O estado alternativo representado pela presença de macrófitas flutuantes seria apenas
passível de ocorrência sob a ausência de ventos em ambientes lênticos relativamente estagnados. Portanto, a
hipótese de ocorrência de florações de cianobactérias seria mais plausível, embora os ventos também sejam
prejudiciais à estabilização de suas populações (Moss, 1990).
Dadas as limitações das simulações preliminares, buscase à incorporação dos condicionantes de larga
escala, tais como regime de ventos e hidrodinâmica, para o melhor entendimento da distribuição das
comunidades biológicas no sistema e suas possíveis alterações pela atuação desses agentes. Além disso, a
ciclagem interna de nutrientes também é regida pelo fator vento, capaz de ressuspender partículas e, com
elas, o fósforo reativo ao sistema. Porém, no caso do estabelecimento de plantas aquáticas submersas ou
emergentes, há uma redução potencial das taxas de ressuspensão de partículas (James; Barko, 1990). Essas
comunidades atuam como tampões, aumentando a resiliência do sistema contra inversões drásticas pela ação
de ventos e eutrofização (Scheffer et al., 1994b). Porém, uma vez que esses compartimentos são atingidos,
como pela depleção no nível da água, o ambiente tornase mais suscetível a alterações na qualidade da água
(Van Nes et al., 1999, 2002a). Assim, o conhecimento global das funções e a distribuição espacial de
produtores primários no corpo aquático são importantes para a previsão dos efeitos de forças externas e
internas atuantes.
Apesar de preliminares, as simulações sugerem um limiar crítico para a inversão de estados em torno de
0,05 (mg.l−1) de fósforo reativo (ortoP), geralmente o principal limitante para florações de cianobactérias e o
responsável por processos acelerados de eutrofização (Sondergaard et al., 2000). No entanto, assumese que o
nível crítico de resiliência em lagos rasos subtropicais tende a ser maior do que em lagos temperados, uma
vez que a complexidade de interações tróficas é maior (Jeppesen et al., 2005) e o crescimento e efeito
positivo da vegetação aquática é contínuo durante todo o ano, diferentemente de ambientes temperados
(Ferreira et al., 2007). Como os valores críticos de mudança do sistema foram obtidos por meio de uma
simulação computacional, são ainda necessários experimentos sob condições controladas para a
parametrização do modelo e a confirmação dos limiares de resiliência estimados para lagos subtropicais.
20.4 BIOMANIPULAÇÃO EM LAGOS
A biomanipulação é uma técnica que visa à restauração da qualidade da água em ecossistemas aquáticos.
Essa técnica consiste em reduzir a população de peixes planctívoros e bentívoros, aliviando a predação no
zooplâncton e no zoobentos. O aumento da biomassa zooplanctônica eleva a pressão de predação no
fitoplâncton e reduz os níveis de biomassa fitoplanctônica.
FIG. 20.14 Cronologia de eventos e condições no lago Engelsholm (Dinamarca)
FIG. 20.15 Calibração e validação do modelo para temperatura da água, O2, NO3, PO4 e nitrogênio total
FIG. 20.16 Calibração e validação do modelo para fósforo total, sílica, clorofila a, zooplâncton e disco de
Secchi
O modelo IPHECO foi aplicado com a finalidade de representar a dinâmica do ecossistema antes e após a
biomanipulação (remoção da população de ciprinídeos – um peixe planctívoro) no lago Engelsholm, um
lago raso eutrófico de uma região agrícola da Dinamarca (Fig. 20.14). O modelo foi calibrado para um
período de 3 anos antes da biomanipulação e validado para um período de 10 anos depois da biomanipulação.
Embora o modelo tenha previsto razoavelmente bem uma clara mudança de estado da água, a mudança da
composição dos grupos funcionais de fitoplâncton não foi bem representada (Figs. 20.15 e 20.16).
As simulações mostraram uma dominância de diatomáceas, com uma concentração relativamente elevada
de clorofila a após a biomanipulação, ao contrário da dominância de criptofíceas observada. As demais
variáveis foram bem representadas pelo modelo, com exceção da sílica após a biomanipulação. Esses
resultados indicam que a estrutura de modelo poderia ser melhorada de forma a reproduzir os padrões
tróficos observados após a biomanipulação. No entanto, as alterações ecológicas após a biomanipulação são
tão grandes que é praticamente impossível prever com exatidão o cenário após a biomanipulação.
20.5 INTERAÇÕES TRÓFICAS EM CASCATA
Nas últimas décadas, o comportamento da estrutura trófica e suas interações em ecossistemas aquáticos
foram assunto de intensivos debates e pesquisas. Até o final da década de 1960, prevalecia a visão de que a
cadeia alimentar era primariamente regularizada pelos recursos disponíveis, isto é, a partir da base da teia
alimentar aquática (Hrbacek et al., 1961; Brooks; Dodson, 1965; Brooks, 1969). Por exemplo, o fitoplâncton,
regularizado por nutrientes e luz; o zooplâncton pelo fitoplâncton, e assim por diante. Isso foi chamado de
controle ascendente, ou controle por recurso (em inglês, bottomup control) (McQueen; Post; Mills, 1986),
um conceito que perdurou por bastante tempo. A partir de meados da década de 1980, tornouse evidente que
a cadeia alimentar poderia ser também fortemente regularizada pelo topo (chamado de controle descendente
ou predatório; em inglês, topdown control), ou seja, o zooplâncton regularizado pelos peixes, o fitoplâncton
pelo zooplâncton etc. (Carpenter; Kitchell; Hodgson, 1985; Gulati et al., 1990; Carpenter; Kitchell, 1993;
Mortensen et al., 1994).
Na verdade, porém, estudos comprovam que o sentido do controle das interações tróficas depende de
diversas variáveis, tais como o número de links da cadeia alimentar (Persson et al., 1988), ou a força e a
posição da perturbação imposta sobre a cadeia (McQueen; Post; Mills, 1986; McQueen et al., 1989).
Diversos exemplos sustentam as hipóteses de Persson et al. (1988), como se verifica em Persson et al. (1992),
Wurtsbaugh (1992) e Hansson (1992), em que um controle ascendente é caracterizado por um número ímpar
de comunidades aquáticas presentes (i.e. 1, 3 etc.) e um controle descendente, por um número par
de links (i.e. 2, 4 etc.). Em contraste, diversos estudos em lagos mostraram que outras variáveis podem
definir o tipo de controle e que simples cadeias alimentares, como as suportadas por Persson, são raras
(Leibold, 1990; Flecker; Townsend, 1994; Mazumder, 1994). Baseado em análises experimentais, McQueen,
Post e Mills (1986) e McQueen et al. (1989) mostraram que o controle ascendente é mais forte na base da
cadeia e decresce em níveis tróficos mais altos, e que, de modo inverso, o controle descendente é mais forte
no topo da cadeia e decresce progressivamente para níveis mais baixos (Fig. 20.17). Entretanto, essa
afirmação nem sempre é válida, pois, dependendo da disponibilidade de nutrientes, a força entre dois níveis
tróficos consecutivos pode ser menor do que em níveis intercalados (Sarnelle, 1992). Dessa forma, evidencia
se o grau de complexidade das interações tróficas entre as comunidades aquáticas, devendo cada ecossistema
ser analisado conforme suas particularidades.
FIG. 20.17 Esquema dos controles ascendentes e descendentes por meio das interações tróficas. O tamanho
das setas indica a força de relação entre dois níveis tróficos. O fitoplâncton é regularizado pelos nutrientes e
controlado pelo zooplâncton na presença de Daphnia. A capacidade de crescimento do zooplâncton é
influenciada pelo fitoplâncton, mas sua biomassa é afetada pelos peixes planctívoros que, por sua vez, são
fortemente influenciados pelos peixes carnívoros
Fonte: adaptado de McQueen, Post e Mills, 1986.
Os casos mais clássicos de efeitos em cascata ascendentes, encontrados na literatura, são de lagos sujeitos
à mudança de níveis de nutrientes. O lago Veluwemeer, um extenso corpo d’água no centro da Holanda, é um
típico exemplo (Scheffer; De Redelijkheid; Noppert, 1992). Na década de 1960, esse lago possuía um estado
de águas claras, dominado por uma extensiva vegetação aquática submersa (Leentvaar, 1961, 1966). Porém,
na década de 1970, com o aumento da carga de nutrientes, a qualidade da água foi deteriorando, e o lago
Veluwemeer passou a um estado de águas túrbidas dominado por fitoplâncton (Hosper, 1984). Em 1979,
implementamse medidas de mitigação de cargas de nutrientes, no intuito de restaurar a qualidade da água do
lago. Na década subsequente, a transparência da água aumentou e a vegetação aquática submersa finalmente
ganhou seu espaço.
Outros estudos procuraram entender a resposta da cadeia alimentar a partir de uma redução dos níveis de
nutrientes em lagos (Jeppesen et al., 1998a, 1999, 2000a, 2000b, 2002; Jeppesen; Jensen; Sondergaard, 2002;
Jakobsen et al., 2003, 2004; Van Den Berg et al., 1997; Moss, 1990; Moss et al., 1996; Perrow; Moss;
Stansfield, 1994). Um dos mais expressivos foi realizado recentemente, em 35 lagos com características
variadas de profundidade, altitude, clima e estado trófico (Jeppesen et al., 2005). Os autores concluíram que,
em lagos rasos, a população de fitoplâncton é reduzida, acompanhada por mudanças em sua estrutura, ou
seja, uma dominância de diatomáceas, criptófitas e crisófitas no lugar das cianobactérias, o que está de
acordo com levantamentos passados (Jeppesen et al., 1990, 1991, 2003; Jeppesen; Jensen; Sondergaard,
2002).
O declínio da biomassa algal foi atribuído ao aumento da taxa de consumo do zooplâncton, o qual
contribuiu para uma observável mudança na estrutura das comunidades de peixes. Nesses lagos, a
porcentagem de peixes piscívoros aumentou, em média, 80%, com uma forte redução da população de peixes
planctívoros, aliviando a pressão sobre o zooplâncton. Em alguns lagos, a distribuição de macrófitas
submersas aumentou durante a reoligotroficação, mas, em outros, nenhuma mudança foi observada, apesar de
uma maior transparência da água.
Por outro lado, existem inúmeros casos que relatam os efeitos em cascata descendentes, provocados por
alterações no topo da cadeia alimentar. Em sua maioria, esses estudos descrevem os efeitos da
biomanipulação, técnica introduzida por Shapiro, Lamarra e Lynch (1975) que, na década de 1990, tornouse
mais comum no gerenciamento e na restauração de lagos (Carpenter; Kitchell, 1993; Hansson et al., 1999;
Meijer et al., 1994, 1999). Existem vários exemplos bem sucedidos da aplicação dessa técnica (Shapiro;
Wright, 1984; Van Donk et al., 1990; Meijer et al., 1994). Os efeitos da pesca predatória na abundância e
composição das comunidades aquáticas também foram vastamente documentados (Lazzaro, 1987;
Magnuson, 1991, Lévêque, 1995; Reid et al., 2000). A pesca predatória de uma comunidade específica de
peixes pode levar à dominância de outras comunidades. Por exemplo, uma forte redução da população de
peixes planctívoros geralmente leva a um notável aumento da comunidade de zooplâncton, resultando em
baixos níveis de biomassa fitoplanctônica no sistema (Shapiro; Wright, 1984; Van Donk et al., 1990; Meijer
et al., 1994).
Os peixes planctívoros têm preferência seletiva por zooplânctons de grande porte, tal como a Daphnia, um
eficiente consumidor de fitoplâncton (Shapiro; Wright, 1984; Hambright, 1994). Lagos com grandes
populações de peixes planctívoros são frequentemente dominados por cianobactérias filamentosas, que
inibem o crescimento corpóreo da Daphnia (Hawkins; Lampert, 1989; Gliwicz, 1990; Gliwicz; Lampert,
1990). Além dos peixes planctívoros, os peixes bentívoros geralmente são dominantes sobre as demais
comunidades de peixes de lagos cuja turbidez é alta (Lammens, 1991). Na procura por animais bentônicos,
esses peixes podem aumentar a turbidez por meio da ressuspensão de sedimentos. Eles também estimulam
florações de algas por meio do transporte de nutrientes do fundo para a coluna d’água e pelo consumo de
zooplâncton que, por sua vez, poderia consumir fitoplâncton (Carpenter; Kitchell; Hodgson, 1985). Por outro
lado, a pesca de peixes piscívoros pode aliviar a pressão sobre os planctívoros, bentívoros e onívoros,
levando a uma redução da população de zooplâncton, deixando o sistema vulnerável a florações de
fitoplâncton (Benndorf et al., 1988; Hambright, 1994; Mittelbach et al., 1995; Sondergaard; Jeppesen; Berg,
1997). Todavia, pouco se sabe ainda sobre o papel dos peixes onívoros na estrutura trófica aquática. Modelos
ecológicos demonstram que essa categoria pode atuar como regularizadora das interações tróficas do
ecossistema, e é uma das comunidades aquáticas com menor efeito sobre a estrutura trófica, uma vez que
peixes onívoros não têm uma preferência seletiva por suas presas (Bruno; O’Connor, 2005; Vadeboncoeur et
al., 2005).
Vale a pena ressaltar a posição especial que o zooplâncton ocupa na cadeia alimentar, como a mais
importante comunidade no controle topdown de algas em muitos lagos (Scheffer, 1998). Além disso, pela
sua heterogeneidade, grupos de tamanhos diferentes podem servir de alimento em diferentes estágios de vida
para peixes e alguns zooplânctons carnívoros (Jeppesen et al., 1990). A Daphnia é um zooplâncton de grande
porte, responsável por uma alta pressão de predação do fitoplâncton de tamanho médio. Entretanto, o
fitoplâncton de grande porte (e.g. cianobactérias) pode crescer livremente, levando o lago a um estado
túrbido (Arnold, 1971; Schindler, 1971; Gliwicz, 1990; Gliwicz; Lampert, 1990). Florações de cianobactérias
representam um grande problema para a qualidade da água de lagos e reservatórios, uma vez que elas podem
ser tóxicas aos seres humanos e aos animais, além de contribuírem para a perda do valor estético da água e
aumentarem os custos de tratamento da água para abastecimento público (Azevedo; Brandão, 2003; De
Bernardi; Giussani, 1990; Gliwicz, 1990; Hosper; Meijer, 1993; Sommer et al., 1986; Sarnelle, 1993).
A presença de grandes densidades de invertebrados bentônicos é outro fator que pode complicar ainda
mais as interações tróficas (Scheffer, 1998). Eles se alimentam de detritos e algas do sedimento, e caçam na
água algumas espécies de zooplâncton de pequeno porte (Pastorok, 1980; Luecke; O’Brien, 1983). O
tamanho da maioria dos invertebrados bentônicos, porém, tornaos uma atrativa comida para peixes
planctívoros, bentívoros e onívoros. Portanto, sua presença pode suavizar a pressão de predação dos peixes
sobre o zooplâncton, regularizando as interações entre as comunidades aquáticas (Jeppesen, 1998). A alta
disponibilidade de bentos em lagos rasos está refletida na estrutura da comunidade de peixes. Por exemplo,
em lagos eutróficos, túrbidos, não vegetados, é comum a presença de peixes bentívoros (Lammens, 1985;
Lammens; Denie; Vijverberg, 1985).
O modelo IPHECO também poderia ser aplicado para avaliar as interações tróficas em cascata e
identificar o importante papel das comunidades biológicas na manutenção do ecossistema.
Tendo por base as condições da simulação anterior, as comunidades aquáticas foram simuladas em um
horizonte de 10 anos (Fig. 20.18). Verificouse um ciclo sazonal bem definido após o efeito das condições
iniciais (aproximadamente 2 anos). A produção primária acompanha as condições climáticas subtropicais,
com dois picos por ano: um na primavera e outro no verão, nas condições de contorno impostas. O
fitoplâncton é regularizado pelo zooplâncton, impedindo uma mudança para um estado túrbido irreversível,
além de controlar o fluxo de energia para níveis tróficos mais elevados.
FIG. 20.18 Simulação ecológica envolvendo todas as comunidades aquáticas em um horizonte de 10 anos
O papel dos peixes onívoros é ainda mais enigmático, uma vez que essa comunidade pode regularizar
grande parte dos recursos disponíveis, aumentando assim a complexidade de entendimento das interações
tróficas. Os resultados do modelo mostram que a presença dessa comunidade pode interferir em uma troca de
estados alternativos de estabilidade.
APÊNDICE A – NOMENCLATURA
As variáveis e os parâmetros dos Caps. 9 a 12 foram nomeados por meio de um didático sistema de
nomenclatura, de tal forma que o tipo, a unidade e seu significado podem ser identificados diretamente a
partir do seu nome. O sistema básico segue a estrutura a seguir:
Tipo + elemento (+ processo) + componente + compartimento (+ sufixo)
As abreviações estão listadas a seguir:
Tipo
s = variável de estado
t = fluxo por área [g/m2/d]
w = fluxo por volume [g/m3/d]
d = derivada
r = razão (dinâmica) [gA/gB]
o = concentração [mg/l]
a = variável auxiliar
c = constante (geral)
k = taxa constante [d−1]
h = constante de meia saturação
f = fração []
b = constante (calculada)
u = variável de entrada (calculada)
m = variável medida
Elementos
D = peso seco
P = fósforo
N = nitrogênio
Si = sílica
O2 = oxigênio
L = luz
T = temperatura
Chla, Ch = clorofila a
Componentes
IM = matéria inorgânica
Det = detritos
Hum = húmus
PO4 = fosfato
NH4 = amônio
NO3 = nitrato
Diss = dissolvido (total)
Processos
Load = carga externa
Inf = infiltração
Eros = erosão
Set = sedimentação
Resus = ressuspensão
Bur = deposição
Dif = difusão
Nitr = nitrificação
Deit = desnitrificação
Sorp = adsorção
Min = mineralização
Upt = absorção de nutrientes
Ass = assimilação
Prod = produção
Cons = consumo
Eges = evacuação
Resp = respiração
Excr = excreção (nutrientes)
Graz = consumo
Pred = predação
Mort = mortalidade
AIM = adsorção em matéria inorgânica
Phyt = fitoplâncton (total)
Diat = diatomáceas
Blue = cianobactérias
Gren = clorofíceas
OM = matéria orgânica
Zoo = zooplâncton
Omni = peixe onívoro
OmniJv = peixe onívoro juvenil
OmniAd = peixe onívoro adulto
Plank = peixe planctívoro
PlankJv = peixe planctívoro juvenil
PlankAd = peixe planctívoro adulto
Pisc = peixe piscívoro
Bent = zoobentos
Tot = total
Man = ações de gerenciamento
Compartimentos
W = coluna d’água
S = sedimento
T = total
Sufixos
Máx = máximo
Mín = mínimo
In = entrada
Bot = leito do lago
mg = em miligramas
Sp = específica (por unidade de biomassa)
Outras abreviações
Fun = função
Cor = corrigido
Iso = isoterma de adsorção
Ext = extinção
V = velocidade [m d−1]
Mu = taxa de crescimento [d−1]
Carr = capacidade de suporte
Secchi = profundidade de Secchi
Fish = peixes
APÊNDICE B – FUNÇÕES DE HILL E DE MONOD
Modelos ecológicos utilizam extensivamente as funções de Hill e de Monod para representar um
determinado processo biológico, tais como produção, respiração e mortalidade. A função de Monod, também
chamada de MichaelisMenten, é comumente utilizada na ecologia para descrever a limitação de um
determinado recurso. Essa função possui apenas um parâmetro, o coeficiente de meia saturação, o qual indica
o valor da concentração do recurso que reduz o crescimento em 50%.
Função de Monod:
FIG. A.1 Comportamento da função de Hill, variando o parâmetro p. A função de Monod é um caso
particular da função de Hill, para p = 1
onde h1/2 é o coeficiente de meia saturação.
A função de Hill é uma extensão lógica da função de Monod, porém menos disseminada. Ela tem um
parâmetro extra, a potência p, e proporciona uma eficiente maneira para descrever um limiar ou uma
transição de um estado para outro.
Função de Hill:
A Fig. A.1 mostra o comportamento da função de Hill para diferentes valores de p. Observe que a função
de Monod é um caso particular da função de Hill, com a potência p igual a 1.
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