O Mistc3a9rio Do Sobrinho Perfumado

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O MISTÉRIO DO SOBRINHO PERFUMADO

Este caso, que Zezinho Sherlock também esclareceu com a maior


facilidade, começou num sábado à tarde. Mas o nosso herói só soube dele
no domingo, quando foi visitar o tio, o delegado Orlando Quental, chefe do
Departamento Especial da Polícia. (...)
- O que foi que aconteceu, desta vez?
- Enforcaram uma velha agiota, em Bonsucesso. Temos um
suspeito, mas não podemos provar nada contra ele. Esse suspeito, que está
detido na vigésima primeira delegacia, é um sobrinho da vítima. Também
temos uma testemunha que o acusa de ter assassinado a velha, para
roubar o dinheiro do cofre.
- Ah! Essa testemunha viu alguma coisa?
- Aí é que está. Não viu, mas sentiu. A testemunha é um cego.
- Puxa! O caso é interessante, titio. Como é que um cego pode ser
testemunha de vista?
- Eu não disse que ele é testemunha de vista. Mas suas
declarações comprometem o rapaz. E o cego não teria interesse em acusar
o suspeito se não estivesse certo do que diz. O diabo é que o rapaz acabou
confessando que esteve no local do crime, mas nega ter enforcado a tia.
- Ele é o único herdeiro?
- Parece que sim.  A velha não tem outros parentes mais
chegados. Morava sozinha e vivia de rendimentos e de emprestar dinheiro a
juros.
- Comece pelo princípio, titio – pediu Zezinho, cruzando as pernas
e ajeitando um cacho de cabelos negros que teimava em cair sobre os seus
óculos.
- O caso é o seguinte: ontem à tarde, alguém ligou para a
delegacia de Bonsucesso e comunicou que havia uma mulher morta, num
pardieiro de um beco, na Avenida dos Democráticos. Uma patrulhinha, que
estava nas proximidades, correu ao local e ali encontrou o corpo da Sra.
Matilde Rezende. A polícia já a conhecia de nome e sabia que ela era agiota
e avarenta, mas nunca a incomodou. É difícil provar que os agiotas estão
agindo fora da lei. O corpo estava caído na sala da frente, que fazia as
vezes de escritório. Alguém tinha entrado na casa, sempre fechada a sete
chaves, e estrangulado a velha com uma corta de náilon. O cofre da sala
estava aberto e vazio. Ora, a empregada jurou que a patroa tinha muito
dinheiro naquele cofre.
- Ah! Então, temos uma empregada, hein?
- Sim. É uma outra velha, ausente na hora do crime. Tinha ido
fazer comprar e só voltou quando a polícia já estava na casa. Ela disse que
não sabia quem tinha ido visitar a patroa, mas afirmou que o sobrinho dela
é um marginal, desempregado crônico, e andava de olho no dinheiro da
tia...
- Nem todo desempregado é marginal, titio. Assim como nem todo
pistoleiro é bandido, pois a polícia também usa pistola... Roubaram tudo do
cofre? Se a vítima emprestava dinheiro a juros, devia haver alguma
promissória, ou vale, ou essas coisas que eu não conheço direito...
- Havia outros papéis, na sala, mas jogados no chão. O assassino
deve ter obrigado a velha a abrir o cofre, para roubar o dinheiro. Só deixou
os documentos.
- E onde é que entra o cego? – perguntou Zezinho, deleitado com a
história. – O cego é um marginal, um camelô sem licença, que estava na
entrada do beco. Alguns vizinhos o viram ali, com um cachorro e um
tabuleiro, desde manhã cedo.
- Nem todo camelô é marginal – repetiu Zezinho Sherlock. – A
polícia tem o costume de dizer que o que não é direito está torto, mas há
um exagero nisso... E o que foi que esse cego viu? Ou melhor: o que foi que
ele pressentiu?
O Dr. Quental apanhou um papel datilografado em cima da
escrivaninha e consultou-o.
- Tenho aqui o depoimento do cego – disse, depois, mostrando o
papel. – Ele estava vendendo bijuterias, na entrada do beco, acompanhado
pelo cachorro. Quando os patrulheiros chegaram, tentou fugir com o
tabuleiro na cabeça, mas um soldado o apanhou logo adiante. Ele pensava
que fosse o “rapa”... Depois que o corpo da velha foi encontrado, o
testemunho do cego tornou-se muito valioso.
- Por quê?
- Porque ele identificou o sobrinho da vítima pelo perfume. Ouça o
que ele diz – e o delegado passou a ler um trecho do papel datilografado. –
“  A certa altura, ouvi uns passos pesados e um homem, usando um
perfume de alfazema, passou por mim e entrou no beco. E sei que era um
homem porque seus passos eram pesados , e ele pigarreou. Um minuto
depois, senti uma outra vez o mesmo perfume e o homem passou por mim,
andando muito depressa, descabelado, quase correndo, como se estivesse
fugindo de alguma coisa. Aprendi a conhecer as pessoas pelos passos e
pelo cheiro... Direitinho como o meu cachorro”.
-  Exatamente. O rapaz tem vinte e cinco anos e não exerce
nenhuma profissão. Já trabalhou como balconista de uma loja de ferragens,
mas foi despedido há três anos. Quando foi detido, negou ter estado na
casa da tia, mas o seu perfume o denunciou. Ele usa uma loção de lavanda
inglesa.
- Certo – murmurou Zezinho. – Alfazema e lavanda inglesa é a
mesma coisa... E depois o rapaz acabou confessando que esteve no
pardieiro?
- Pois é. Acabou confessando. Mas disse que encontrou a porta
aberta e a tia morta, na sala, com uma corda no pescoço. Então saiu
correndo e telefonou para a polícia, mas não se identificou. O que é que
você acha disso?
- Tudo me parece claro, titio – disse Zezinho Sherlock. – O
sobrinho perfumado pode estar dizendo a verdade, pois o cego é um grande
mentiroso!  [...]
Por que Zezinho chegou a essa conclusão?
(Helio de Soveral. Zezinho Sherlock em dez mistérios para
resolver. Rio de Janeiro, Ediouro, 1986. P. 30-35)

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