Nuno Guimarães

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NUNO GUIMARÃES

(1942-1973) 

José Nuno Guimarães Guedes dos Santos, guitarrista y poeta,  nació em Perosinho, Vila
Nova de Gaia (pueblo periférico de Oporto). Licenciado en Filología Románica por la
Universidad de Coimbra.

Em 1963 foi editado o seu primeiro trabalho na revista «CONFLUÊNCIA» juntamente com
Luís Guerreiro e Vaz Sousa. A vida desta foi relativamente curta. Colabora em diversos
jornais e revistas. Em 1970 edita o livro «CORPO AGRÁRIO» e em 1973 «OS CAMPOS
VISUAIS».Em 1995 a sua obra e mais alguns inéditos dispersos compilados por Fernando
Guimarães são editados num só volume.

TEXTOS EM PORTUGUÊS   /   TEXTOS EN ESPAÑOL

fragmento terceiro

Campos de ira, tão vasto sentimento

vos afasta. íris morta! Os actos radicais

constroem, em projeto, um frágil

universo – a tinta, o espaço óptico.


Descansam os sentidos sobre pródigas

defesas: os filtros turvos, as precauções

na sua cura. Os nervos tersos

da análise da vida e da matéria.

II

Desviam-se dos livros. Hoje escreve

contra a morte dos olhos, a existência

passível de leitura. Ineptos, os sons

perdem-se na encosta. o vento fere

ainda? Inscrito

na área da cabeça, é esse rastro

ainda vivo. Domino a sua queda, os seus poderes

punitivos, a sua força hereditária.

III

Persistir no imóvel. Preencher

os anos que nos moldam

no vigor da fibra, no duro movimento

interior — a que destino, a que imaturo

ritmo, sem preço? Pois é o caro

prémio deste dorso

de  o cumprir, pensar, até ao fim.

Ou de saber adestrá-lo até que,

exausto, só impulso

vigore — a morte lida

num próximo sentido, ainda vivo.


 

IV

Como contacto único, a distância

entre as fontes. Solidários, os campos

de visão? Fonte comum, brilho, sintomas

de amizade? Tudo o que, fora,

comovemos. O ar, as linhas variáveis

do horizonte, comuns,

reflectidas. Assim crescemos,

paisagens de uma lógica imprecisa.

Uma lógica preside a esta noite.

Expulsa as sílabas, destrói a ilusão

dos livros, é táctil e real. Assisto à

sua composição, perdida a luz

e os reflexos: o breve ritual

da desfocagem, o movimento científico

do sol; os crânios submissos

entrando na penumbra e no exílio.

VI

Nos dias revelados, na posse do que dita

o  pó e as vigílias, nessa lenta

profusão de imagens e de rostos

traídos, roídos de beleza

—um dorso descomposto, deitado


sob a treva. E a cabeça

inclinada

cada vez mais no seu lençol.

VII

Ordem exterior, sentidos renitentes

à aniquilação, ao extermínio. O problema

de uma moral primeira, de sinais.

É o lugar de um movimento, de imutável

fidelidade nos limites.

Suporta-se o silêncio. A crosta

do imóvel. Mas quem exerce

este poder primário e punitivo?

VIII

Descemos para o mar. A economia

dos gestos, da matéria perecível

é árdua e inútil. Os deuses cegos

perderam o seu brilho, sobre as águas.

Rodeiam

a pupila, cansada pelo sol, enfraquecida

pela acção dos nervos e das vagas. Reproduzem

imagens lógicas, construções sólidas

e rígidas. Todo o rigor possível

destas praias.

IX
Mas nada aqui, embora estável,

nos redime do fim e do excesso,

viáveis à demência.

Exíguo, o pensamento constrói

paisagens sóbrias: um rosto

magro, insociável, corrompido

por hábitos marítimos. A sombra

intensa e dura. A exímia

e nítida cegueira.

Quem poderá deter a extrema

organização: os nervos dispersivos, os gestos

do saber, os tensos soros

despendidos — a perfeição perdida?

Domina-se o crânio, a pobreza do

espaço, na mais áspera mestria. Junto

aos pulmões descobrem: as formações etílicas,

o pó, a ressonância. Ainda quentes,

os órgãos de um ser vivo.

Extractos

O ruído do mar, o seu roído

através de canais. Que banho o

sopra e elege por ruínas e ruínas


e que História o

destrói, cantando

o ido, a memó-

ria nos

os-

sos?

O lar se imove, sob o fluxo

do mar; pasto em molduras

e no fogo, em sua cálida

grafia. Eis

o presente: raso

de larvas e de história

em seu casulo inserto.

Desses campos,

mente

capta o roído, o brilho, a tessitura

dos luares, em vasta ruína.

Escreve ou pensa: uma toalha, vítrea.

Resiste ao clamor, ao denso

das retinas, vivas: dorsos

jovens, rútilos ou apenas

servidores de imagens, destruídas.

Nem sempre, entre os ilíacos, quem pense

nessa glória — o pó, a crosta pública,

o rito deste crânio — no regime


do inverno, na póstuma

tensão das suas fibras

distendidas; o mar, erecta

brisa sobre a testa. Cego,

cego! O ar respira, canta, re-

conduz ao recto mar, roído,

e fixo — em toda a dureza

da matéria — a vasta flora

da nevrose: extintas

manhãs por entre os dias, trilhos,

as regiões sem beleza ou a difícil

rota – extractos, lava

O puro gás.

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