LIVRO Diálogos Prat Perf N.4
LIVRO Diálogos Prat Perf N.4
LIVRO Diálogos Prat Perf N.4
PRÁTICAS DE
PERFORMANCE
N.4
Organização e Edição
Fausto Borém
Luciana Monteiro de Castro
ISBN: 978-85-60488-33-9
2019
BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Organização e edição
Fausto Borém
Luciana Monteiro de Castro
ISBN: 978-85-60488-33-9
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Samy Erick e Fausto Borém abordam o virtuosismo de Gilberto Gil em Expresso 2222, que
adaptou para o violão uma técnica da sanfona descrita na letra de Zé Dantas e na performance
de Luiz Gonzaga na canção Vem, Morena. Diversas gravações de áudio e vídeos são transcritas
e tomadas como fontes primárias para elucidar as práticas de performance de Gil no violão em
um trecho, e suas variantes, que se tornaram emblemáticos na MPB ao longo de mais de 4
décadas.
Neste segundo texto em espanhol deste livro, Huayma Tulian e Eduardo Campolina abordam
o legado de Abel Carlevaro, figura emblemática do violão erudito na América Latina, analisando
o conteúdo de suas duas principais obras pedagógicas - Escuela de la guitarra e Série Didática
para Guitarra (Cuaderno Nº4) - para propor um reordenamento e uma classificação dos graus
de dificuldades dos estudos ali propostos.
A partir de bases filosóficas de Foucault, Bakhtin e Fiorin, Rodrigo Borges e Mônica Pedrosa
de Pádua analisam o discurso poético-musical na canção Clube da Esquina n°2, de Lô Borges,
Milton Nascimento e Márcio Borges, propondo uma relação direta entre música, texto,
momento histórico e performance.
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Após transcreverem excertos de um vídeo de 1971, Glaw Nader e Mauro Rodrigues estudaram
as interações vocais improvisadas entre Elis Regina e Wilson Simonal na canção Rosa Morena
de Dorival Caymmi, revelando os primórdios desta prática aplicadas à MPB.
Luka Milanovic e Mauro Chantal apresentam um breve panorama sobre a música cigana
tradicional da Romênia e discutem a transcrição da instrumentação original do trio Taraf para
a formação do quinteto de cordas orquestral (2 violinos, 1 viola, 1 violoncelo e 1 contrabaixo)
na música Foaie verde mar domnesc.
O concerto Ibira Guira Recê de Edmundo Villani-Côrtes é o ponto de partida de Paulo Eduardo
Souza de Almeida e Mauro Chantal para discutirem o contexto e as possibilidades didáticas
de uma obra referencial da música crossover brasileira para saxofone.
Pablo de Malta Campos e Clifford Hill Korman expõem práticas de performance de Hamilton
de Holanda no bandolim de 10 cordas, abordando o contexto de criação do instrumento e,
consequente, a expansão da técnica tradicional dos pontos de vista melódico e harmônico, e de
sua utilização como instrumento de percussão.
Em uma abordagem dos raros exemplos de canções dodecafônicas brasileiras, Caroline dos
Santos Peres e Mônica Pedrosa de Pádua apresentam Frederico Richter, compositor de A
Estrela (com poema de Manoel Bandeira), analisam os aspectos literários na música e
disponibilizam uma editoração eletrônica do manuscrito.
As vantagens do repertório para grupos formados por um mesmo instrumento vão desde suas
aplicações no ensino coletivo até a negociação da realização musical no contexto da música de
câmara. Rafael Ribeiro e Edson Queiroz de Andrade discutem estas e outras questões na obra
Ao Cair da Tarde para 4 violinos do compositor brasileiro Ernst Mahle.
Alef Caetano Silva e Mauro Rodrigues, a partir de trechos de reconhecidos métodos de flauta
transversal, propõem uma abordagem didática no controle de três parâmetros na técnica de
harmônicos neste instrumento: intensidade, flexibilidade labial e alternância entre som real e
harmônicos.
Na sua abordagem inicial da Berceuse de Carlos Alberto Pinto Fonseca, Penha Vasconcelos e
Mauro Chantal levantam dados sobre a trajetória artística do compositor, além de dados sobre
aspectos históricos e interpretativos da canção que serão utilizados na editoração desta canção
de câmara brasileira.
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Luísa Vogt Cota e Mônica Pedrosa de Pádua tecem reflexões sobre identidade nacional e
exemplificam como elementos típicos de culturas musicais do novo mundo convivem lado a
lado em Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro. De um lado, o poema reflete uma
brasilidade e, de outro, as harmonias refletem o jazz norte-americano.
Esperamos que o estudo destas práticas, muitas vezes intercambiáveis entre os instrumentos ,
a voz e a regência, iluminem as inúmeras abordagens de se fazer música, inspirem novas ideias
e descortinem novos horizontes na comunicação de nossa arte.
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Conselho Editoral
Dr. Adonhiran Reis (Universidade Estadual de Campinas, SP)
Dra. Cristina Capparelli Gerling (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS)
Dr. David Castello (Universidade Federal de Goiás, GO)
Dra. Diana Santiago (Universidade Federal da Bahia, BA)
Dr. Fabiano Araújo Costa (Universidade Federal do Espírito Santo, ES)
Dr. Flávio Cardoso de Carvalho (Universidade Federal de Uberlândia, MG)
Dr. Gustavo Medina (Universidade do Estado do Amazonas, AM)
Dr. John Kennedy Pereira de Castro (Universidade Estadual de Maringá, PR)
Dr. Marcos Nogueira (Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ)
Dr. Marcus Held (Conservatório de Tatuí, SP)
Dr. Radegundis Tavares (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN)
Dr. Sérgio A. de M. Miranda (Universidade Federal do Amazonas, AM)
Dra. Sônia Ray (Universidade Federal de Goiás, GO)
Revisão de Inglês
Clifford Hill Korman
Ficha Catalográfica
Elizabeth Almeida Rolim
Capa
Escultura de Pablo Picasso com interferência de Luciana Monteiro de Castro
Universidade Federal de Minas Gerais
Reitor Prof. Sandra Regina Goulart Almeida
Vice-Reitora Prof. Alessandro Fernandes Moreira
Pró-Reitora de Pós-Graduação Prof. Fábio Alves da Silva Júnior
Pró-Reitor de Pesquisa Prof. Mário Fernando Montenegro Campos
Escola de Música da UFMG
Diretor Prof. Dr. Renato Tocantins
Vice-Diretor Prof. Dr. Carlos Aleixo
Programa de Pós-Graduação em Música da UFMG
Coord. Profa. Dra. Luciana Monteiro de Castro
Sub-Coord. Profa. Edite Maria Oliveira da Rocha
Secretária Geralda Martins Moreira
Secretário Alan Antunes Gomes
Projeto Gráfico
Capa: Selo Minas de Som/UFMG
Diagramação e miolo: Fausto Borém
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N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Inclui bibliografias.
Inclui partituras.
Publicação Selo Minas de Som
ISBN: 978-85-60488-33-9
CDD: 780.2
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N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
Sumário
Samy Erick
Fausto Borém
Paula Cordeiro
Carlos Aleixo
Edson Queiroz de Andrade
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N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
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N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
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BORÉM, Fausto; CASTRO, Luciana Monteiro de (Orgs. e eds., 2019). Editorial dos Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance
N.4. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.i-xi.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Samy Erick
Universidade do Federal de Minas Gerais, Bolsista da FAPEMIG
[email protected]
Fausto Borém
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Análise das práticas de performance do violão na emblemática introdução instrumental do compositor-
cantor-violonista Gilberto Gil em sua canção Expresso 2222, a partir de fontes primárias constituídas por gravações
de áudio e vídeo (GIL, 1972, 1994, 2009, 2010a, 2010b e 2014). As ferramentas metodológicas de análise de áudios
e vídeos (BORÉM, 2018 e 2016) incluem EdiP (Edição de Performance), MaPA (Mapa de Performance Audiovisual)
e EdiPA (Edição de Performance Audiovisual) utilizados nos exemplos musicais. Os resultados mostram que Gil
traduziu para o violão, idiomaticamente, o “resfulêgo da sanfona”, presente na letra e na música da canção Vem,
morena de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Sua introdução original e variantes, que se tornaram um símbolo de
virtuosismo e complexidade rítmica no violão da MPB, também refletem elementos rítmicos dos gêneros
nordestinos baião e maracatu.
Palavras-chave: Expresso 2222 de Gilberto Gil; práticas de performance da sanfona; práticas de performance do
violão; ritmos nordestinos.
Abstract: Analysis of performance practices on the guitar in the emblematic instrumental introduction of Brazilian
composer-singer-guitarist Gilberto Gil in his song Expresso 2222, departing from primary sources constituted by
audio and video recordings (GIL, 1972, 1994, 2009, 2010a, 2010b and 2014). The methodological tools for the
audio and video analysis (BORÉM, 2018 e 2016) include the use of EdiP (Edition of Performance), MaPA (Map of
Audiovisual Performance) e EdiPA (Edition of Audiovisual Performance) used in the musical examples. The results
show that Gil appropriated the accordion’s “resfulêgo da sanfona” [bellows shake] present in the lyrics and in the
music of the song Vem, morena by Luiz Gonzaga and Zé Dantas. Its original introduction and variants, which have
become a symbol of virtuosity and rhythmic complexity in the guitar of the MPB (Música Popular Brasileira), also
reflect rhythmic elements of the Brazilian Northeastern genres of baião and maracatu.
Keywords: Expresso 2222 by Gilberto Gil; accordion performance practice; guitar performance practice; Brazilian
northeastern rhythms, Brazilian popular music.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em Salvador, em 26 de junho de 1942, mas viveu parte de
sua infância no interior na Bahia, em Ituaçu, onde teve um rico e variado contato com a música:
Aos nove anos, Gil foi para Salvador cursar o ginásio. Sua mãe, Claudina Passos Gil, já havia
notado a admiração do menino pelo compositor, cantor e acordeonista Luiz Gonzaga e lhe deu
seu primeiro instrumento, o acordeon, aos dez anos. Ainda em 1952, Gil entrou na Academia de
Acordeon, onde formou-se no instrumento depois de estudar quatro anos com o professor José
Benito Colmenero. Aos 15 anos, Gil tocava acordeon e cantava no conjunto Bando Alegre, seu
grupo musical no colégio (ZAPPA e GIL, 2013, p.45-49). Por volta dos 16 anos, por meio do
rádio, Gil teve o primeiro contato com a voz e o violão de João Gilberto (1931), figura principal
da Bossa Nova, que interpretava Chega de Saudade de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Este
fato influenciou diretamente sua escolha profissional, quando deixou de lado o acordeon para
se tornar violonista e compositor (ZAPPA, GIL, 2013, p.53-54). Além de João Gilberto, que foi
sua principal influência no violão e voz, GIL (1996 em [1:10:30-1:11:17]) ainda menciona
outras influências violonísticas no Expresso 2222, como Dorival Caymmi (1914-2008),
Paraguassu (Roque Ricciardi; 1984-1976) e Dilermando Reis (1916-1977).
Em 1969, Gilberto Gil foi obrigado pela ditadura militar a se exilar na Inglaterra. Lá, pode
ampliar suas habilidades como violonista e compositor (FLÉCHET e DINIZ, 2018, p.158). Foi
quando compôs a canção Expresso 2222, com sua introdução instrumental para violão solo, a
qual viria se tornar emblemática na história da MPB (Música Popular Brasileira). GIL (2010, em
[0:00-1:19]) reconhece, em uma vídeo-aula sobre o Expresso 2222, a importância da prática
diária no violão na aquisição dos elementos técnicos que lhe permitiram fluência e virtuosismo
no instrumento:
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
“. . . toco violão todo dia. Só não toco eventualmente, por acaso [. . .] a regra é que eu
toque todo dia . . . eu costumo viajar com o violão para todo canto que eu vou. Durante
um período muito pequeno, eu pratiquei uma escala de “alongamento” [Gil ri do termo
e faz movimentos com todos os dedos das duas mãos; depois faz exercícios cromáticos
em várias cordas] das duas mãos. Todo guitarrista pratica estas escalas. É para a
elasticidade propriamente; flexibilidade dos dedos, elasticidade dos dedos,
independência também [continua tocando]. Depois tem combinações. . . [continua
tocando] A coincidência do tanger com o premir. Você vai criando este hábito da
sincronia.”
Ainda em Londres, em 1971, gravaram informalmente um show de Gil com Gal Costa em um
centro estudantil universitário, cujo programa incluía Expresso 2222 no longo set list de 18
canções e que foi lançado somente em 2014 como o álbum duplo Gilberto Gil e Gal Costa Live in
London’71. Mas foi somente ao voltar ao Brasil que o baiano finalmente gravou Expresso 2222
em estúdio. Produzido por Roberto Menescal, a canção se tornou um dos carros-chefes do LP
homônimo de 1972.
1 Uma escrita idiomática na música, segundo BATTISTUZZO (2009, p.75) “. . . é a utilização das condições
particulares do meio de expressão para o qual ela é escrita, como instrumentos ou vozes (. . .) Quanto mais uma
obra explora aspectos que são peculiares de um determinado meio de expressão, utilizando recursos que o
identificam e o diferenciam de outros meios, mais idiomática ela se torna. ”
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
violonista, João Bosco (n.1946), em sua versão no álbum Dá licença, meu senhor (1995),
explorou elementos rítmicos que remetem à música africana na voz e no violão, misturados a
elementos da música nordestina. Por meio desta releitura, João Bosco expressou sua admiração
por Gil e seu fascínio por essa canção:
“. . . Expresso 2222, por exemplo . . . é uma música que a primeira vez que eu ouvi eu
fiquei iluminado por ela, né . . . fiquei fascinado por ela, e cheguei a . . . modestamente a
registrar em meus discos uma leitura de quem realmente admira aquele autor, aquele
criador (. . .) Tudo o que Gil faz é uma coisa que a gente gostaria de ter feito, porque é
tudo maravilhoso ” (BOSCO, 2012, em [0:25-0:58]).
A versão da cantora Margareth Menezes (1962), no DVD Margareth Menezes para Gil e Caetano
(2015), apresenta elementos rítmicos dos gêneros samba-chula e baião na guitarra, no violão e
na percussão, fazendo uma alternância rítmica entre estes dois gêneros. Armando Macêdo
(mais conhecido como Armandinho; n.1953), no álbum A Voz do Bandolim - Caetano e Gil
(2001), emprega em sua versão instrumental da canção a seguinte instrumentação: bandolim,
pandeiro e triângulo, sendo que o bandolim solo apresenta uma pequena introdução
virtuosística seguida de uma adaptação da introdução original, com novos elementos rítmicos,
mas acompanhado do pandeiro. O bandolim e o pandeiro permanecem durante toda a música
e, no trecho final, na reexposição da introdução original da Coda, ocorre a adição do triângulo,
um símbolo da percussão na música nordestina. O violonista, compositor e arranjador Marco
Pereira (n.1950), no álbum O Samba da minha terra (2004), adaptou as partes do violão e voz
da versão original de Gil, acompanhado por baixo e bateria em sua versão instrumental.
Diferente da versão original em Dó maior, Pereira escolheu para sua versão o tom Lá maior, o
que viabilizou no arranjo, uma fluidez maior da melodia devido à extensão e afinação do
instrumento. Mauro Senise (n.1950), no álbum Amor Até o Fim: Mauro Senise toca Gilberto Gil
(2016), apresentou uma versão instrumental da canção, arranjada por Jota Moraes, onde ele
mescla, no acompanhamento, elementos rítmicos do gênero baião, em que podem ser
identificados levadas 2 da zabumba, do triângulo, do baixo e da bateria, bem como elementos da
música caribenha na guitarra e no vibrafone, que acompanham o flautim tocado por Senise.
2Levada é um “... termo do jargão musical usado para designar um tipo de fórmula essencialmente rítmica, tocado
em especial pela bateria e/ou pelo baixo, que define claramente o estilo do arranjo. É também usado, com idêntico
sentido, o termo inglês groove” (ALMADA, 2000, p.97).
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Segundo o próprio GIL (1996 em [1:15:42-1:16:01]), o número 2222 no título da música refere-
se a uma lembrança de sua infância em Ituaçu, quando certa vez ele avistou uma locomotiva
que trazia na frente o número 222. Mas este meio de transporte antigo e nostálgico se reveste
de modernidade em Expresso 2222. Ao mesmo tempo em que aponta para o futuro (“. . . que
parte direto de Bonsucesso prá depois do ano 2000 [. . .] prá 2001 e 2 e tempo afora, até onde
esta estrada do tempo vai dar. . . ”), a letra de Expresso 2222 ainda liga o ato de viajar ao contexto
da cultura psicodélica da época e das viagens alucinógenas (GIL e FROES, 2011):
. . . Lá pelo ano 2000 fica a tal estação final do percurso-vida [. . .] o trilho é feito um
brilho que não tem fim [. . . ] nunca se chega ao Cristo concreto, de matéria ou qualquer
coisa real [. . .] subindo ao céu num véu de nuvem brilhante. . .
Mais recentemente ele relatou a importância da “. . . cultura psicodélica com impactos enormes
no design, na moda, no visual. A manifestação psíquica da juventude e das cidades foram
fortemente marcadas por esta presença. E Londres talvez fosse a mais marcada por esta
presença. . .” (GIL, 2018).
3
Para evitar as ambiguidades terminológicas ainda presentes no meio musical, usaremos nas análises o termo
“dedilhado” referindo-se apenas aos movimentos executados pelos dedos da mão direita (indicado pelas letras p
de polegar, i de indicador, m de médio e a de anular) para pinçar as cordas do violão, e o termo “digitação” somente
para as fôrmas dos da mão esquerda (indicado pelos números 1 para indicador, 2 para médio, 3 para anular, e 4
para mínimo) ao longo do braço do violão.
4 No violão, glissandi de acordes com a mesma fôrma de mão esquerda soam melhor se forem ascendentes, pois
ocorre uma diminuição do tamanho da corda vibrante, aumentando a tensão na mesma. Quando os glissandi são
descendentes, há uma diminuição da tensão da corda vibrante.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Natural de Exu (PE), o compositor, cantor e acordeonista Luiz Gonzaga (também conhecido
como Gonzagão), nasceu em 13 de dezembro de 1912 e teve seu primeiro contato com a música
em uma sanfona de 8 baixos, por meio do seu pai, Januário dos Santos, que além de trabalhar
no roçado, também era sanfoneiro e oferecia os serviços de consertos e afinação de sanfonas
(SOUZA, 2017, p.162).
Aos 17 anos, Luiz Gonzaga deixou a casa dos pais e seguiu para Fortaleza (CE), onde se
apresentou ao 23º Batalhão de Caçadores do Exército como recruta. Ali, ele exerceu a função
de músico corneteiro e, por sua boa desenvoltura no instrumento, ficou conhecido pelo apelido
de “Bico de Aço”. Em 1939, pediu baixa do serviço militar e seguiu para o Rio de Janeiro. Esta
cidade, em princípio, seria apenas um lugar de passagem, onde ele ficaria um mês e, depois,
seguiria de navio até Recife e, finalmente, terminaria a viagem de volta a Exu. Mas Gonzaga
preferiu ficar no Rio de Janeiro para começar uma carreira musical (SOUZA, 2017, p.164).
No Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga tinha inicialmente em seu repertório músicas de gêneros como
tangos, choros, foxtrotes e valsas. Contudo, sob a influência de um grupo de universitários
cearenses que moravam na Lapa, ele começou a tocar músicas de gêneros do nordeste
brasileiro, obtendo sucesso com o novo repertório. Gonzaga ganhou um prêmio no programa
de calouros de Ary Barroso, com a canção Vira e Mexe, e recebeu convites para gravações como
músico acompanhador. Posteriormente, assinou contrato com a Rádio Tamoio e, pouco depois,
com a Rádio Nacional. Em 1945, lançou seu primeiro disco como cantor (SOUZA, 2017, p.166-
168).
Em 1946, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (1915-1979) lançaram a canção Baião. Em 1947,
a dupla lançou Asa Branca, canção que se tornou seu maior sucesso. Ocorreu um auge enorme
da sanfona no Brasil e o baião ganhou notoriedade nacional, ficando em alta nas rádios até o
fim da década de 1950 (SOUZA, 2017, p.172), o que valeu a Luiz Gonzaga o apelido de Rei do
Baião. Gil descreve esta influência (CHEDIAK, 1992, p.16-17):
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Na canção Vem, Morena, de autoria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas e regravada por Gil nos álbuns
Raça Humana (1984) e São João Vivo (2001), os versos dizem “. . . Quero ver tu remexendo, [no]
resfulêgo da sanfona inté que o sol raiar. . .”. Aqui se observa o uso de hiperbibasmo na forma
de diástole, figura linguística que consiste no avanço do acento tônico da palavra resfôlego para
a silaba posterior (SOUZA, 2017, p.253). “Resfolegar”, que significa “tomar um fôlego” ou
“respirar” (BUENO, 2007, p.675), se refere aqui à técnica na sanfona que imita o arfar da
respiração, efeito que é obtido por meio de movimentos repetidos rápidos, curtos e alternados
nos sentidos de abrir e fechar o fole do instrumento, repetindo a mesma nota ou acorde.
Também conhecido como bellows shake (literalmente “trinado de fole”) o “resfulêgo” (Figura
1), foi abordado em tutoriais como o Método para acordeon Mascarenhas (1940) de Mário
Mascarenhas e Anzaghi método completo, teórico – prático para acordeon (1951) de Luigi Oreste
Anzaghi. Este efeito, que é semelhante ao tremolo das cordas orquestrais da família do violino,
é muito usado não só na sanfona brasileira, mas também em peças eruditas para o instrumento,
como Concert Piece For Accordion de J. Feld, Impasse de Frank Angelis e estilos populares, como
no zydeco da música folk norte-americana e no gypsy jazz. Finalmente, na letra de Zé Dantas,
palavras de ação como “requebrar” e de duração como “inté o sol raiar” sugerem a rítmica
acentuada e ininterrupta de semicolcheias do “resfulêgo da sanfona”.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Figura 1 – MaPa mostrando detalhes da prática de performance “resfulêgo da sanfona”, realizada por
Dudu PEREIRA (2016, em [0: 30]).
Ao realizar a introdução de Expresso 2222 (1972), Gil adapta ao violão elementos rítmicos, de
articulação, melódicos e harmônicos que estão associados a práticas de performance da
sanfona. O padrão rítmico que alterna os dedos polegar e indicador ganhou notoriedade entre
violonistas populares de todo o mundo. GIL (2010) conta que, certa vez, o jazzista britânico
John McLaughlin (n.1942) lhe solicitou que o ensinasse como tocá-lo. De fato, a curiosidade
sobre esta prática de performance se tornou tão frequente, que GIL (2010) preparou uma
vídeo-aula especialmente para detalhar seus aspectos técnicos. Nela, Gil revela sua clara
intenção de traduzir para o violão elementos do “resfulêgo da sanfona”.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Figura 2 (a, b, c, d) – Gilberto Gil demonstra a realização da alternância entre os dedos polegar ascendente e
dedo indicador descendente na Introdução de Expresso 2222.
Para emular esse efeito no violão, Gil utilizou o recurso técnico de dedilhar alternadamente as
notas Dó, Si e Sib na 4ª corda em semicolcheias com os dedos polegar e indicador da mão
esquerda, como mostra a EdiP na Figura 3. Esta alternância produz características de dinâmica
e de timbre diferentes para este baixo cromático descendente (Dó-Si–Sib), que resultam na
linha melódica característica dessa introdução. A partir da transcrição, podemos observar que
o dedo indicador, na maior parte desse trecho, exerce uma função percussiva. Esse efeito
percussivo é conhecido na técnica das cordas dedilhadas da música popular (violão, guitarra,
contrabaixo etc.) como notas mortas e é um dos elementos responsáveis pela sensação
dançante (ou “molho”, ou swing) de vários gêneros populares.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Dó – Si - Sib
baixo cromático descendente:
polegar (p) na 4ª corda
Figura 3 – Indicação de notas mortas (x) tocadas pelo dedo indicador (i) e alternância entre os dedos polegar (p)
e indicador (i) no baixo cromático Dó-Si-Sib no violão de Gilberto Gil na Introdução de Expresso 2222.
Esta alternância entre os dedos polegar e indicador na 4ª corda também foi utilizada em outras
canções e arranjos para violão de Gil, como na versão ao vivo de Umeboshi do álbum Gilberto
Gil ao Vivo na USP 1973 (2017). Trata-se da gravação de um show solo de Gil, apenas sua voz e
seu violão, ocorrido em 1973 na Escola Politécnica da USP, mas lançado como álbum somente
em 2017. Nessa gravação, a formação instrumental simplificada (voz e violão), permite
facilmente a identificação da mesma intenção rítmica (Figura 4). Nessa canção, a alternância no
dedilhado de mão direita, entre os dedos polegar e indicador, foi usada com função unicamente
rítmica.
Figura 4: Trecho do violão de Gilberto Gil na canção Umeboshi (1973), com alternância entre os dedos polegar e
indicador gerando notas mortas na 4ª corda.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Outros compositores e violonistas também empregaram essa mesma técnica em seus arranjos
e composições em períodos posteriores a Expresso 2222. O arranjador e violonista Paulo
Belinatti (1950), no álbum Afro-Sambas (1997) em parceria com a cantora Monica Salmaso, a
utilizou em seu arranjo para violão da canção Labareda de Baden Powell e Vinicius de Moraes.
O intuito do arranjo foi, por meio deste virtuosismo do violão de Gil, traduzir a crepitação do
fogo descrito na letra da canção. Já o violonista e compositor Carlos Althier de Sousa Lemos
Escobar, mais conhecido como Guinga (1950), a empregou no acompanhamento de violão de
seu baião Nítido e Obscuro do álbum Delírio Carioca (1993), revelando grande proximidade com
Expresso 2222 (SILVA, 2014, p.73-74).
Sobre a escolha de dedilhados para esta passagem (Figura 5), nota-se que o acorde C (Dó-Mi-
Sol) em colcheia pontuada ocorre no primeiro tempo do compasso. Já o acorde E°/Bb (Sib-Mi-
Sol) ocorre na segunda colcheia do segundo tempo do mesmo compasso. Ambos são dedilhados
com o dedo indicador (i) na nota mais grave, o dedo médio (m) na nota intermediária e o dedo
anelar (a) na nota mais aguda. Como a alternância entre o polegar e o indicador gera um ritmo
de semicolcheias contínuas, a combinação de dois estratos, um horizontal (as semicolcheias
contínuas) e outro vertical (os acordes), só foi possível devido à coincidência do indicador nos
dois estratos, como mostra a Figura 5. Esta solução de Gil é de um virtuosismo engenhoso
porque permite, ao mesmo tempo, dois discursos muito fluentes e integrados: um mais
previsível e contínuo (as semicolcheias que lembram o “resfulêgo da sanfona”) e outro mais
imprevisível (os locais de ocorrência dos acordes).
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
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Figura 5: Estratos horizontal e vertical simultâneos e coincidências do dedo indicador nos dois estratos no
violão de Gilberto Gil em Expresso 2222 (1972).
“. . . trata-se do uso de uma fôrma de mão esquerda que se movimenta pelo braço do
instrumento mantendo um mesmo padrão de digitação. Essa movimentação pode
acontecer horizontalmente pelas casas do braço, ou verticalmente, entre as cordas do
instrumento”.
Esse recurso pode ser observado em obras de compositores como Heitor Villa Lobos, Guinga e
Paulo Belinatti, dentre outros. No terceiro compasso de Expresso 2222, Gil utilizou uma
sequência de quatro acordes maiores que se movimentam de forma cromática descendente,
sendo eles Bb, A, Ab e G. Nesta introdução, Gil utilizou apenas a 2ª, 3ª, e 4ª cordas do violão.
Assim, a digitação para a fôrma de mão esquerda escolhida para esses acordes é: dedo 1 na 2ª
corda, dedo 2 na 3ª corda e dedo 3 na 4ª corda. Desta maneira, a mão esquerda se movimenta
neste trecho de forma simétrica e horizontalmente ao longo do braço do violão, como mostra a
EdiPA na Figura 6.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Figura 6: – Trecho de Expresso 2222 (1972) com sequência de acordes maiores paralelos na mão esquerda.
O glissando é outra prática de performance utilizada por Gil nessa introdução. Segundo
BELTRAMI (2011, p.85), “. . . glissando é um efeito sonoro caracterizado pelo movimento suave
entre duas notas ligadas que mostra sonoramente todas as notas contidas nesta distância.” Esse
efeito aplicado ao violão consiste em realizar a passagem entre duas notas ou acordes, de modo
que o primeiro acorde ou nota pressionada em um ponto do braço do instrumento seja
arrastada para a segunda, passando assim por todas a notas cromáticas contidas entre os dois
pontos. No trecho do acorde final do terceiro compasso para o primeiro tempo do quarto
compasso, Gil utilizou o glissando ascendente (Figura 7). Para realizá-lo, Gil utilizou como
digitação na mão esquerda o dedo 1 em meia pestana na terceira casa, pressionando as notas
Ré (2ª corda) – Sib (3ª corda) - Fá (4ª corda) - que formam o acorde Bb/F (segunda
inversão/baixo na quinta) - e as arrastou até a quinta casa, alcançando as notas Mi (2ª corda) -
Dó (3ª corda) - Sol (4ª corda) - que formam o acorde C/G. Como podemos averiguar, aqui
também ocorre o movimento paralelo entre as notas dos acordes e sua digitação.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Figura 7: Glissando ascendente de acordes paralelos (Bb/F para C/G) em MaPa da digitação de mão esquerda de
Gilberto Gil em Expresso 2222: meia pestana com dedo indicador na 2ª, 3ª e 4ª cordas.
A canção Expresso 2222 foi gravada como parte do repertório de 11 álbuns de Gilberto Gil,
sendo que as variantes seguem 2 versões principais (a de 1972 e a de 2009), como mostra o
quadro da Figura 8.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Variantes
A introdução da gravação do álbum Expresso 2222 de 1972, tomada aqui como referencial, é
reproduzida de forma semelhante em 4 álbuns: O Viramundo (1976), Quilombo (1984), Gilberto
Gil ao Vivo na USP (1973) e Back in Bahia (ao Vivo) (1972/2017), sendo que os dois últimos só
foram lançados em 2017, pelo selo Discobertas. Já a versão do disco BandaDois, de 2009, foi
reaproveitada em 3 álbuns: Fé na Festa ao vivo (CD e DVD, 2010), Concerto de cordas & máquinas
de ritmo (DVD, 2012) e Caetano Veloso e Gilberto Gil - Dois Amigos, Um Século de Música (CD e
DVD, 2015). Tendo analisado em detalhe a versão de 1972 na seção anterior, abordaremos aqui
as introduções das três outras versões referenciais: a do álbum Gilberto Gil e Gal Costa Live in
London 1971 vol. 2 (1971, ed. em 2014), a de Gilberto Gil Unplugged (1994) e a de BandaDois
(2009).
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
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4.1– O protótipo no disco Gilberto Gil e Gal Costa Live in London 1971 vol. 2
O álbum Gilberto Gil e Gal Costa Live in London 1971 vol. 2 (1971, ed. em 2014) é o registro do
show realizado por Gilberto Gil e Gal Costa no Student Centre da City University, em Londres, no
dia 26 de novembro de 1971. Descoberta em 1998 pelo produtor Marcelo Fróes, esta gravação
foi lançada somente em 2014 (VIEIRA, 2014). O álbum está dividido em dois volumes, sendo o
primeiro da cantora Gal Costa, que é acompanhada por Gil (violão e vocais), Bruce Henry
(contrabaixo elétrico), Tutty Moreno (bateria) e Chiquinho Azevedo (percussão). Dentre as
canções do primeiro volume está Sai do Sereno de Onildo de Almeida (1928), que também foi
regravada por Gil e Gal em 1972 no Expresso 2222. No segundo volume, Gil se apresenta
acompanhado pelos mesmos músicos e dentre as nove canções do repertório estão Oriente e
Expresso 2222, que também foram regravadas posteriormente no álbum Expresso 2222. Os
músicos Bruce Henry e Tutty Moreno também gravaram com Gil, em 1972, no álbum Expresso
2222. Estas coincidências sugerem que o disco de 1971 seja um disco de ensaio ou um protótipo
para o disco de 1972. De fato, a canção é praticamente a mesma. A versão de 1971 apresenta
muitos elementos rítmicos, harmônicos e estruturais semelhantes aos de 1972. Há pequenas
diferenças técnicas que mostram que a versão de 1971 é mais simples. Assim, consideramos
que, em relação à introdução de 1972, a introdução de 1971 é o protótipo para a versão final
de Expresso 2222.
De fato, a versão de 1971 também possui uma natureza anacrústica no seu início, mas na
segunda vez que aparece (início do segundo sistema da Figura 9), esta anacruse é uma
semínima que ocupa todo o segundo tempo do compasso, que é preenchido pela nota Sol,
variação que cria certa expectativa. A alternância entre os dedos polegar e indicador da mão
direita em ritmo de semicolcheias também é um elemento em comum às duas versões.
Entretanto, ocorre de forma mais simples, pois essas semicolcheias não exercem uma função
melódica como na versão de 1972. Realizadas com a técnica de notas mortas, exercem uma
função exclusivamente rítmica. Também é possível notar que o acorde C (Dó-Mi-Sol) no início
da introdução (os acordes Bb-A-Ab-G em movimento paralelo no terceiro compasso) e o
glissando do último acorde do terceiro compasso para o primeiro do quarto permanecem na
versão de 1972 com concepções rítmicas semelhantes (Figura 9).
17
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Figura 9: Introdução de Expresso 2222 no protótipo de 1971, com trechos mais simples indicados em verde.
Uma influência dos motivos rítmicos utilizados por Gil nessa nova introdução pode ser
percebida nas células tocadas pelo agogô 5 - instrumento de percussão típico de alguns gêneros
musicais afro-brasileiros, mas que também aparece na luta capoeira (CANDUSSO, 2009, p.91),
na religião do candomblé (SANTOS, 2015) e no maracatu de baque virado. Marco PEREIRA
(2007, p.72) ilustra a transposição deste ritmo do agogô para o violão, cujas características são
explicitadas na EdiPA da Figura 10. Nesse padrão em compasso binário, geralmente a figura
rítmica da síncopa ocorre no primeiro tempo do compasso, envolvendo um salto ascendente,
5
No maracatu, o agogô é também conhecido pelo nome “gonguê” de origem banto, e possui dimensões maiores,
com o objetivo de produzir sons mais intensos e, dessa forma, fazer frente às intensidades das zabumbas
(GUERRA-PEIXE, 1955, p.59).
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Som. p.1-34.
da campânula mais grave para a campânula mais aguda, na qual aparecem duas notas repetidas.
Já no segundo tempo do compasso, há apenas duas colcheias, sendo a primeira grave e a
segunda aguda.
Figura 10: Levada com a síncope do maracatu do baque virado adaptada ao violão (PEREIRA, 2007, p.72).
Variantes desta célula do agogô aparecem em dois trechos instrumentais da sanfona de Luiz
Gonzaga na emblemática gravação de 1949 da canção Baião de Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira, gravada no disco de 78 rpm Juazeiro/Baião que tornou o gênero baião uma “febre” em
todo o Brasil na metade do século XX (MAGNO, 2016, p.267). No primeiro trecho (Figura 11),
encontramos o arpejo do acorde Eb7 (Mib-Sol-Sib-Réb) como tônica do modo mixolídio, que
SIQUEIRA (1981, p.3-4) descreve como o 1º Modo Real, um dos três modos característicos da
música folclórica e popular nordestina. 6
6
Os outros modos nordestinos descritos por SIQUEIRA (1981) são o 2° Modo Real (modo lídio) e o 3° Modo Real
(uma mescla entre os modos lídio e mixolídio).
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Figura 11: Modelos da levada do agogô em trecho instrumental de Baião de Luiz GONZAGA e Humberto
TEIXEIRA (78 rpm, Juazeiro/Baião, Victor, 1949 em [0:00-0:03]) no modo mixolídio.
Figura 12: Levada do agogô com 2ª maior descendente na síncopa em trecho instrumental de Baião de Luiz
GONZAGA e Humberto TEIXEIRA (1949, em [0:31–0:33])
Comparando o Baião de Gonzagão e Humberto Teixeira com a música de Gil, verificamos que o
autor de Expresso 2222 utiliza o acorde de tônica C nos c.1-2 seguido do acorde de dominante
G7 nos c.3-4 (Figura 13), refletindo o mesmo encadeamento harmônico de seu grande modelo
estético. Nos c.2-4, Gil utiliza a levada típica do agogô no gênero maracatu de baque virado, mas
de forma invertida, ou seja, coloca uma nota mais aguda (o Ré3) como a primeira nota da
síncopa e uma nota mais grave (o Dó3 ou o Sol2) como a segunda nota da síncopa. Nos c.3-4,
encontramos o arpejo Sol-Ré-Fá do acorde G7 (um acorde de sétima sem a terça Si).
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Figura 13: Reflexos do Baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira nos c.1-4 da introdução de Expresso 2222 no
álbum Gilberto Gil Unplugged.
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Som. p.1-34.
Figura 14: Alterações e acréscimos de Gilberto Gil na nova introdução de Expresso 2222 para o álbum Gilberto
Gil Unplugged.
No compasso 17, entra o trio de percussão (pandeiro, triângulo e zabumba) típico dos gêneros
forró, baião e xaxado (Figura 15). Igualmente, com função percussiva, ocorre a entrada do
violão com cordas de aço em ritmo de semicolcheia constante, como a ideia percussiva do violão
de Gil na versão de 1971. Somada ao violão de Gil, a percussão nesta primeira introdução expõe
apenas acentos rítmicos progressivos de uma colcheia a cada quatro compassos, chegando ao
ritmo de quatro colcheias em sucessão somente no compasso 29.
Figura 15: Compassos 17 a 20 de Expresso 2222 do álbum Gilberto Gil Unplugged em que entram a percussão e
violão com cordas de aço.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
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Apesar de ter se tornado um dos gêneros musicais que mais se popularizou na música
brasileira, o baião ainda não recebeu a devida atenção musicológica. O baião também foi muito
pouco abordado do ponto de vista da dança à qual o gênero musical está associado. Um exemplo
raro é o estudo de JUNIOR, FONTES, DIAS e VOLP (2009), mas estes autores abordam apenas a
variedade em que o baião é dançado aos pares e não cobre a relação entre a notação dos ritmos
e os movimentos envolvidos na sua realização. Em outro raro estudo sobre o gênero, GUERRA-
PEIXE (1955) não detalha muito suas características, mas nos informa de seu “. . . insistente
som grave, repetido [em lugar de prolongado] e invariável, executado no bordão da viola. . .”.
Esta característica de constituir um bordão, com a sua repetição e invariabilidade rítmica pode
ser observada na versão do Expresso 2222 incluído no DVD BandaDois (2009), em que o violão
de Gil é acompanhado pelo pandeiro de seu filho, Bem Gil (n.1985). Uma das mudanças nessa
versão foi a modificação de tonalidade, que passou de Dó maior (comum a todas as versões
anteriores) para Sib maior. Em 2009, Gil apontou como motivo das modificações de tonalidades
em suas performances, a mudança de timbre vocal causada pelo envelhecimento das cordas
vocais e o uso mais parcimonioso da voz, cuidado adquirido após fazer duas cirurgias, em 1997
e 2007, para retirar pólipos das cordas vocais (ZAPPA, GIL, 2013, p.220-221):
“Isso é, primeiro, uma coisa natural, causada pelo envelhecimento das cordas vocais.
Elas vão mudando e eu preciso ser mais contido, principalmente na escolha das alturas.
Tenho que cantar nas tonalidades mais médias, mais cômodas, que exijam menos
esforço. Ao mesmo tempo, as intervenções cirúrgicas, com a remoção dos pólipos, e
intensas sessões de fonoterapia a que tive que me submeter, acabaram por me dar uma
extensão maior da voz.”
O violão da introdução original dessa versão não sofreu alterações de digitação e dedilhado
decorrentes a modificação de tonalidade. Mas o mais relevante nesta versão é que podemos
identificar no violão de Gil um dos padrões rítmicos mais conhecidos do baião (BECKER, 2013,
p.23), ou seja, a levada de acompanhamento repetitiva constituída por 1 colcheia pontuada + 1
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
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Som. p.1-34.
semicolcheia ligada a 1 colcheia no segundo tempo + 1 colcheia, padrão que é mostrado na parte
superior da EdiPA na Figura 16. Em que pese o convite de Humberto Teixeira, na voz de Luiz
Gonzaga na canção Baião, em “Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o baião / E quem
quiser aprender / É favor prestar atenção. . .”, 7 passados mais de meio século, carecemos de
referências, tanto de textos acadêmicos quanto de textos informativos, impressos ou
disponíveis na internet, sobre a relação entre tocar/cantar e dançar o baião. Este assunto é
inexistente na literatura impressa ou virtual, até onde pudemos averiguar, apesar dos diversos
vídeos explicativos de dança.
Por isto, por meio de uma transcrição e imagens em uma EdiPA (Figura 16), sugerimos aqui
uma associação da levada de Gil na gravação de Expresso 2222 no DVD BandaDois com a
corporalidade do baião dançado. Para facilitar a compreensão do swing com o qual Gonzagão
inspirou Gil, escolhemos o “passo de calcanhar”, um dos três passos mais comuns na dança
baião mencionados por ALVARENGA (1960, p.157). Para maior clareza, mostramos o passo no
qual os dançarinos não estão juntos, mas dançando separadamente. Esse passo pode ser
apreciado em um dos poucos vídeos disponíveis no Youtube (GRUPO DE DANÇA FBI, 2016; veja
a dançarina em [0:05-0:08] e o dançarino em [0:21-0:25] no link goo.gl/t2rUWz). Um
pareamento entre as figuras rítmicas e os fotogramas (a, b, c, d, e, f) dos enérgicos e ágeis
movimentos dos pés, pernas e tronco do dançarino mostra as seguintes coordenações
essenciais ao passo: (a) a perna 1 é flexionada, levanta e leva o pé à frente do corpo; (b) no
retorno da perna 1, o calcanhar bate no solo, coincidindo com a colcheia pontuada, no tempo
forte no início do compasso; (c) a perna 2 e seu pé avançam para frente, se arrastando no solo,
na primeira metade do tempo 1 do compasso; (d) a perna 1 repete o seu movimento de flexão
para levantar o pé; (e) no segundo retorno da perna 1, o calcanhar bate no solo, mas desta vez
coincide com a síncopa de semicolcheia ligada antes do segundo tempo forte do compasso; (f)
a perna 2 e seu pé repetem o movimento que já fizeram, mas desta vez na primeira metade do
tempo 2 do compasso, coincidindo com a última colcheia do compasso.
7
A canção Baião foi lançada em um dos lados de um disco de 78 rpm em 1946 pela Odeon (MEMORIAL DE LUIZ
GONZAGA, 2019).
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Som. p.1-34.
Figura 16: Levada comum do baião (BECHER, 2013, p.23) no violão de Gilberto Gil e sua relação rítmica
com o “passo do calcanhar” na dança baião (ilustração criada com base
no vídeo de GRUPO DE DANÇA FBI, 2016, e descrição de ALVARENGA, 1960, p.157).
Nos três primeiros compassos da introdução de Expresso 2222 em BandaDois, Gil realiza esta
levada de baião com o bordão (Figura 17) de que nos falou Guerra-Peixe, repetindo o acorde
C/Bb (Sib-Sol-Dó-Mi), que inclui a bordadura Mi-Fá-Mi na corda mais aguda. Este acorde é a
terceira inversão do acorde C7, caracterizando o emprego do modo mixolídio. A realização
idiomática de Gil para este acorde inclui duas cordas soltas (a 1ª corda Mi e a 3ª corda Sol), que
ampliam a reverberação do bordão, e duas cordas presas: o dedo 2 toca a nota Sib na 5ª corda,
e o dedo 3 toca a nota Dó na 2ª corda.
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
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Som. p.1-34.
Figura 17: Digitação na introdução de Expresso2222 (álbum BandaDois) com a levada de baião, modo nordestino
(mixolídio) com acorde C/Bb e apojatura.
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Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Dó Dó
Ré Mib Ré
Ré Fá
Sol Sol
Sol Sol
9 9 9 9 9 9 9 9 9 9
C --- D --- C --- D C --- D ---- Eb Eb --- F --- Eb --- etc.
Sol
Figura 18: Levada de baião no baixo em de Expresso2222 (álbum BandaDois) com pedal na 3ª corda solta (Sol) e
sequências de acordes paralelos nos c.6-10.
Um dos recursos idiomáticos mais empregados na transição de uma posição para outra no
braço do violão é uso do dedo guia. NOAD (1994, p.95) explica esse recurso:
Há varias maneira de mudar de uma posição para outra; uma das mais suaves e
convenientes é o uso do “dedo guia”. Isso significa que, depois de tocar uma nota em
determinada posição, o dedo da mão esquerda desliza sem soltar a corda para a nova
posição, por isso guiando a mão inteira para a nova posição 8.
No c.12 [0:43] dessa versão de Expresso 2222 (Figura 19), encontramos na transição do acorde
C9 (Dó-Sol-Ré-Sol) para o acorde Bb6/D (Ré-Sol-Fá-Sib) a utilização deste recuso. Gil usou nos
dois acordes a digitação com o dedo 3 na 2ª corda e o dedo 4 na 1ª corda, sendo possível assim
deslizar os dedos, como guia, da terceira para a sexta casa. No trecho seguinte [0:44-0:47], Gil
toca a escala pentatônica maior de Sib em movimento descendente (Fá4 para Bb2), utilizando
um padrão de digitação de mão esquerda comum no violão e guitarra, que consiste em tocar
8
Tradução BARRETO (2015, p.104).
27
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
duas notas por corda. Essa simetria na quantidade de notas por corda, se reflete no dedilhado
utilizado por Gil (p-i) na 3ª, 4ª e 5ª cordas e gera, consequentemente, maior fluência nas
passagens entre as cordas. Outra característica que tornam esse padrão mais fácil de ser tocado
no violão é a digitação recorrente do dedo 1 na terceira casa em todas as cordas. Isto evita saltos
de posições no braço do instrumento, como ocorreria em outros padrões de digitação da escala
pentatônica.
Dó
Ré
5ª
Sol 5ª Sol
2ª
1ª 2ª
1ª
Figura 19: Utilização de dedo guia e escala pentatônica maior de Bb com digitação de duas notas por corda no
trecho [0:43-0:47] de Expresso2222 (álbum BandaDois).
4 – Conclusões
Neste estudo, verificamos como Gilberto Gil, a partir da influência de seus ídolos do gênero
baião - Zé Dantas (como letrista) e Luiz Gonzaga (como sanfoneiro e cantor) - transpõe a técnica
do “resfulêgo da sanfona” para o violão. Esta prática de performance, epitomizada na letra e
arranjo da canção Vem, Morena desta dupla, inspirou Gilberto Gil a criar, na introdução de sua
canção Expresso 2222, um dos trechos instrumentais mais emblemáticos da MPB. A importância
de Expresso 2222 se reflete na sua longa lista de gravações com diferentes arranjos: não apenas
11 vezes pelo compositor, mas também pelo menos 19 vezes por outros artistas. Gil também
28
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
credita seu virtuosismo vocal e instrumental a João Gilberto, figura central da Bossa Nova e
ainda no violão, Dorival Caymmi, Paraguassu e Dilermando Reis . Este virtuosismo instrumental
no violão, aparente em Expresso 2222, incide sobre outros cantores e instrumentistas e pode
ser percebida em rítmicas com acentos sincopados, na levada de acompanhamento do gênero
baião e no timbre e articulação do violão que combinam cordas soltas, cordas presas, notas
mortas, sequência de acordes paralelos e glissando.
Uma comparação entre a versão mais conhecida da introdução de Expresso 2222, lançada em
1972, e a versão do álbum Gilberto Gil e Gal Costa Live in London 1971 vol. 2 que foi lançada
quase 5 décadas depois (somente em 2014), sugere que a versão de 1971 foi o seu protótipo, o
que é sugerido pelas pequenas diferenças e um amadurecimento da técnica virtuosística de Gil.
Verificamos ainda que, apesar da introdução de 1972 ter se tornado emblemática, Gilberto Gil
continuou experimentando e acrescentando novos elementos rítmicos, melódicos e
harmônicos à parte instrumental da canção, inclusive com intervenções vocais. Tomando as
versões incluídas nos discos Gilberto Gil Unplugged (1994) e BandaDois (2009), observamos
como ele incorporou às suas introduções de Expresso 2222 elementos de gêneros como o baião
e o maracatu de baque virado.
29
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Referências de texto
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ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
28. VIEIRA, Renato. (2014) CD recupera show inédito de Gilberto Gil e Gal Costa. São Paulo:
Postado em Estação Cultura por Renato Vieira, O Estado de S. Paulo em 16 de agosto de 2014.
Disponível em: http://bit.ly/2RqOZeT. (Acesso em: 5 de novembro, 2018).
Referência de partitura
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Erick a partir do vídeo Luiz Gonzaga – Baião. Postado no Youtube por É Arquivo É Canal 8 em
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Edição do transcritor, 2018. (Partitura).
2. GIL, Gilberto. (2018a) Expresso 2222. Transcrição de Samy Erick a partir da gravação no
CD Gilberto Gil e Gal Costa Live in London’71, faixa 3, CD 2. Discobertas, 1971, lançado em 2014.
Edição do transcritor, 2018. (Partitura).
3. GIL, Gilberto. (2018b) Expresso 2222. Transcrição de Samy Erick a partir da gravação no LP
Expresso 2222, faixa 7. Universal, 1972. Edição do transcritor, 2018. (Partitura).
4. GIL, Gilberto. (2018c) Expresso 2222. Transcrição de Samy Erick a partir da gravação no
álbum Gilberto Gil Unplugged, faixa 12. Warner Music, 1994. Edição do transcritor, 2018.
(Partitura).
5. GIL, Gilberto. (2018d) Expresso 2222. Transcrição de Samy Erick a partir do vídeo Expresso
2222 – Gilberto Gil. Postado no Youtube por Gilberto Gil em 30 de junho, 2011. Disponível em:
http://bit.ly/2HhWcZV. (Acesso em: 10 set. 2018). Edição do transcritor, 2018. (Partitura).
32
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
1. BOSCO, João. (2012) Série MPB&Jazz 2012 - Gilberto Gil: João Bosco fala sobre a canção
Expresso 2222. Vídeo de 58 segundos. Postado no Youtube por Toca Comunicação em 18 de
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2. GIL, Gilberto. (1996) Depoimento de Gilberto Gil. In: Tempo Rei. Direção de Andrucha
Waddington e Lula Buarque de Hollanda. Vídeo de 1 hora, 46 minutos e 53 segundos. Postado
no Youtube por Marcelinho Xamã Lado B em 25 de maio, 2014. Disponível em:
http://bit.ly/2TSTGuu. (Acesso em 10 de setembro, 2018).
3. GIL, Gilberto. (1971) Expresso 2222. Gilberto Gil e Gal Costa Live in London’71. Faixa 3
do CD 2. Discobertas: 1971, lançado em 2014. (CD de áudio).
4. GIL, Gilberto. (1972) Expresso 2222. In: Expresso 2222. Faixa 7. Universal, 1972. (CD de
áudio).
5. GIL, Gilberto. (1972/2017) Expresso 2222. In: Back in Bahia. Faixa 3 (CD de áudio).
Discobertas: 2017.
6. GIL, Gilberto. (1994) Expresso 2222. In: Gilberto Gil Unplugged, faixa 12. Warner Music,
1994. (CD de áudio).
7. GIL, Gilberto. (2010) Expresso 2222. In: Expresso 2222 - Gilberto Gil. Música Expresso
2222 Gilberto Gil – Faixa do DVD BandaDois .2009. Vídeo de 4 minutos e 46 segundos. Postado
no Youtube por Gilberto Gil em 30 de junho, 2011. Disponível em: http://bit.ly/2HhWcZV.
(Acesso em: 10 set. 2018).
8. GIL, Gilberto. (2014) Expresso 2222. In: Gilberto Gil e Gal Costa Live in London ’71, faixa
3, CD 2. Discobertas, 2014. (CD de áudio).
9. GIL, Gilberto. (2010) Expresso 2222 - Gilberto Gil. Aula de violão da música Expresso 2222
Gilberto Gil – Faixa Extra do DVD BandaDois .2009. Vídeo de 8 minutos e 34 segundos. Postado
no Youtube por Gilberto Gil em 26 de abril, 2010. Disponível em: http://bit.ly/2RR3bwM.
(Acesso em: 10 set. 2018).
10. GIL, Gilberto. (2017) Umeboshi. In: Gilberto Gil ao Vivo na USP. CD lançado em 1973, faixa
13 e relançado em 2017 pelo selo Discobertas.
11. GONZAGA, Luiz; TEIXEIRA, Humberto. (1949) Luiz Gonzaga - Baião. Vídeo de 2 minutos e
45 segundos. Postado no Youtube por É Arquivo É Canal 8 em 8 de abril de 2018. Disponível
em: http://bit.ly/2RpCpw8. (Acesso em: 5 de novembro, 2018).
12. PEREIRA, Dudu. (2016) Mais um segredo incrível de fole para acordeon!!!! Vídeo de 4
minutos e 57 segundos. Postado no Youtube por Dudu Pereira em 10 fevereiro de 2016.
Disponível em: goo.gl/ryqP6z. (Acesso em: 20 de janeiro de 2019).
33
ERICK, Samy; BORÉM, Fausto. (2019) O “resfulêgo da sanfona” no violão de Gilberto Gil em Expresso 2222. In: Diálogos Musicais na Pós-
Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de
Som. p.1-34.
Samy Erick F. Félix é Bacharel em Música com habilitação em Violão pela UEMG. Foi vencedor
do XVI Prêmio Instrumental BDMG como “Melhor Arranjo” e “Melhor trabalho autoral”, do
Prêmio Novos Talentos do Jazz no Savassi Jazz Festival 2011. Já se apresentou em vários
festivais nacionais e internacionais, como: Savassi Jazz Festival; BH Instrumental; Seoul Music
Week (Coreia do Sul); Jazz Tonic Festival (Coreia do Sul); Jazz und Weltmusik im Holfgarten
(Alemanha); Bayimba Internatiolnal Festival of Art (Uganda); e outros. Além disso, Samy já se
apresentou com grandes nomes da música brasileira, como Nailor Proveta, Fábio Torres, Maria
Tereza Madeira, Marcio Bahia, Sérgio Galvão, João Bosco e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.
Em 2017, lançou seu primeiro CD instrumental autoral, Rebento, o qual ganhou o Prêmio Marco
Antônio Araújo do BDMG, em 2018, como "Melhor Álbum Instrumental". Fazendo uma
apresentação autoral, Samy já abriu o show do violonista Yamandu Costa em Belo Horizonte
em 2017. Atualmente, cursa o mestrado em Performance Musical na UFMG, onde pesquisa o
violão de Gilberto Gil.
Fausto Borém é Professor Titular da UFMG, onde criou o Mestrado em Música e a revista
acadêmica Per Musi (Qualis A1 na CAPES e indexada no SciELO). Como solista, tem
representado o Brasil nos principais eventos internacionais do contrabaixo acústico desde a
década de 1990 (Berlim, Paris, Londres, Edimburgo, Avignon e as principais universidades de
música nos EUA), nos quais apresenta suas composições, arranjos e transcrições. É pesquisador
do CNPq desde 1994 e líder dos grupos de pesquisa multidisciplinares ECAPMUS (Estudos em
Comportamento e Aprendizagem Motora na Performance Musical) e PPPMUS (Pérolas e
Pepinos da Performance Musical). Criou o método interdisciplinar mAVm (Método de Análise
de Áudios e Videos de Música) com suas diversas ferramentas de análise integrando música às
outras artes (dança, teatro, cinema, literatura), psicologia e psiquiatria (reconhecimento de
expressões faciais e gestos maiores, emoções e mudanças de comportamento) e educação física
(controle e aprendizagem motora). Publicou dezenas de artigos sobre práticas de performance
das músicas erudita e popular, no Brasil e no exterior. Como contrabaixista, acompanhou
músicos eruditos como Yo‐Yo Ma, Midori, Menahen Pressler, Yoel Levi, Fábio Mechetti e
Arnaldo Cohen e músicos populares como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Henry Mancini,
Bill Mays, Kristin Korb, Grupo UAKTI, Toninho Horta, Juarez Moreira, Tavinho Moura, Roberto
Corrêa, Túlio Mourão, Skank e Paula Fernandes. Foi professor e recitalista do Festival
Internacional de Música Antiga e Música Colonial Brasileira de Juiz de Fora (2005 a 2008, 2015)
e contrabaixista em 5 CDs com a Orquestra Barroca do Festival Internacional de Juiz de Fora
(2005 a 2009; incluindo o Prêmio Diapason D'or do Brasil), que incluem sinfonias de W. A.
Mozart e J. Haydn, Suites de Bach e a Sinfonia a Grand Orchestra de S. Neukomm. Restaurou e
publicou as lições do método de contrabaixo e as modinhas imperiais de Lino José Nunes (1789‐
1847). Foi o contrabaixista do 4º CD da Orquestra Barroca do Amazonas (2016). Publicou
vários artigos seminais sobre figuras da música popular brasileira como Hermeto Pascoal,
Egberto Gismonti, Elis Regina, Pixinguinha, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil,
Raphael Rabelo, K-Ximbinho, Vitor Assis Brasil e Grupo Uakti. Recebeu prêmios no Brasil e no
exterior como solista no contrabaixo, compositor, pedagogo e analista musical.
34
BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Sebastián Barroso
Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de CAPES
[email protected]
Eduardo Campolina
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumen: Máximo Diego Pujol ha realizado grandes aportes al desarrollo del repertorio de música para guitarra
durante la segunda mitad del siglo XX. Se ha destacado por una marcada inspiración musical del estilo rioplatense
y se puede percibir intensamente en sus composiciones una gran influencia de la música de Astor Piazzolla. El
presente trabajo analiza 3 aspectos compositivos - ritmo, textura y forma - de la obra Elegía por la muerte de un
tanguero compuesta por Pujol en homenaje a Piazzolla. Se propone realizar un análisis sobre estos aspectos en la
obra de Pujol que destacan el estilo musical de Piazzolla.
Palabras-clave: interacciones Piazzolla y Pujol; estilo Piazzolla; Máximo Pujol; Elegía por la muerte de un
tanguero; música argentina para guitarra.
Abstract: Maximo Diego Pujol has contributed greatly to the development of guitar repertoire during the second
half of the 20th century. He is renowned for an outstanding inspiration of the musical styles of River Plate, and his
compositions intensely reflect a great influence of Astor Piazzolla’s music. This article analyses three
compositional aspects: rhythm, texture, and form - of the work Elegia por la muerte de un tanguero composed by
Pujol in homage to Piazzolla. The approach is to analyze those aspects in Pujol’s work that evidence Piazzolla’s
musical style.
Keywords: Pujol and Piazzolla’s interactions; Piazzolla’s style; Máximo Pujol; Elegia por la muerte de un Tanguero;
Argentine music for guitar.
1 – Introducción
La música de Buenos Aires encuentra en el tango uno de los géneros musicales más
representativos. Desde sus inicios demostró una personalidad que dejaría huellas significativas
en las diferentes etapas de la historia musical de Argentina. Gardel, Troilo, Julio de Caro son
algunos de los representantes más importantes del género. En la segunda mitad del siglo XX
aparece en la escena Astor Pantaleón Piazzolla el compositor argentino más importante del
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BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
llamado tango de vanguardia. Nació en Mar del Plata en el año 1921, su niñez transcurrió en
Estados Unidos y a los 6 años comenzó a tocar el bandoneón. Estudió en Francia con Nadia
Boulanger y en el año 1955 formó el “Octeto Buenos Aires”. Sus composiciones se alejaban cada
vez más del tango tradicional y comenzaban a exponer elementos extraídos de los diferentes
estilos del jazz. Formó diferentes grupos: el Nuevo Octeto, Quinteto, Conjunto 9, Conjunto
Electrónico, Quinteto Nuevo Tango. Incorporó instrumentos en el tango como guitarra
eléctrica, sintetizador, piano eléctrico, bajo eléctrico. En el año 1989 formó el sexteto Nuevo
Tango y en 1990 sufrió una trombosis cerebral en París. Dos años más tarde murió en Buenos
Aires el 4 de julio de 1992 (MAURIÑO, 2001).
El presente trabajo propone realizar un estudio de la obra de Máximo Diego Pujol Elegía por la
muerte de un tanguero, homenaje a Astor Piazzolla que fue compuesta luego de su muerte y
contiene una gran cantidad de recursos que definen el ‘estilo Piazzolla’. Esto nos lleva a plantear
nuestra pregunta central: ¿De qué manera Máximo Pujol utiliza aspectos del lenguaje musical
de Piazzolla en su Elegía por la muerte de un tanguero? Para poder definir esto realizaremos un
análisis de los aspectos que determinan el estilo de Piazzolla, y posteriormente identificarlos
en la obra de Máximo Pujol.
1
Música rioplatense: se refiere a la música que tiene su origen en la zona del Río de la Plata, ejemplo: tango,
candombe, murga y milonga. Se destaca por patrones rítmicos influenciados por la música africana (DOMÍNGUEZ,
2008, p.2).
36
BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
2 – Piazzolla y su estilo
Antes de definir el estilo de Piazzolla es importante que se comprenda bien que es el tango, sus
características principales y sus orígenes. El tango nace a finales de siglo XIX a causa de la fusión
generada por la ola inmigratoria llegada desde Europa y las diferentes culturas desarrolladas
en Argentina y Uruguay específicamente en la región del Río de la Plata. En sus inicios fue una
música mal vista y era rechazada por las clases sociales altas, a causa de su lenguaje lunfardo y
por la forma de bailar. Durante los primeros años de desarrollo se llevaba a cabo en barrios
bajos, prostíbulos, suburbios y cárceles (CECCONI, 2009).
Se pueden definir tres etapas muy importantes del tango. La primera llamada Guardia vieja, en
donde comienzan a florecer las bases del tango, lo que llama la atención de músicos
profesionales. La segunda etapa, llamada Guardia nueva, lleva al tango a su mejor momento
definida como la Edad dorada del tango. La tercera y última etapa es definida como Tango de
vanguardia. Durante esta etapa es en donde realiza su máxima expresión Astor Piazzolla, a
pesar de no ser bien recibido, ya que este nuevo tango no era del agrado de los intérpretes más
puristas del género (CECCONI, 2009; MITILINEOS, 2016).
A continuación definiremos lo que es estilo y para esto, tomaremos como referencia lo expuesto
por Leonard Meyer:
Según Meyer es muy importante el papel que cumple el hecho de ‘elegir’ en el desarrollo de un
estilo. Estas elecciones dependen de las constricciones dadas y del contexto en donde el
compositor se forma, pueden ser de una manera conciente o inconciente. Por ésto es
importante tener noción del entorno en donde se forma el compositor durante las diferentes
etapas de su vida - las circunstancias históricas y culturales por las que transita determinan su
2
Al referirnos a constricciones hablamos de las alternativas de elección que están presentes en el entorno del
compositor, que influyen en su creación. (MEYER, 2000)
37
BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
A partir de las afirmaciones de MEYER (2000) y HAUSER (1982), percibimos que es necesario
realizar un repaso de los lugares en donde vivió Piazzolla desde su nacimiento hasta su muerte,
de esta manera lograremos reconocer las diferentes influencias que recibió. Los primeros años
de su vida transcurren en la ciudad Mar del Plata, República de Argentina y más tarde en Nueva
York. Podemos destacar dos influencias musicales muy fuertes e importantes en su estilo en
este momento: la llamada música rioplatense y el jazz (cabe destacar que su padre, Vicente
Piazzolla, era un gran admirador del tango). Durante su adolescencia regresa a la Argentina,
estudió con Alberto Ginastera y comenzó a tocar con Aníbal Troilo; este es un punto de gran
trascendencia ya que demuestra su interés por la música erudita y la música popular. En sus
años de adultez recibió una beca para realizar estudios formales en Francia con Nadia
Boulanger, momento trascendental para su formación (MAURIÑO, 2001). Gracias a las
diferentes influencias que recibió Piazzolla durante las etapas de su vida como explicamos
arriba, podemos reconocer gran cantidad de aspectos en su lenguaje musical. Para nuestro
análisis tomaremos tres muy importantes: ritmo, textura y forma.
2.1 – Ritmo
Se pueden observar dos tipos de acentuaciones métricas características del tango. La primera,
en compás de 4/4, se constituye de 4 negras con acentos en el primero y tercer tiempo. Ésto
es más habitual en el tango que componía Julio De Caro, representante de extrema importancia
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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
de la llamada guardia nueva, época dorada del tango. El segundo tipo de acentuación es ternaria
en tiempo binário. Es lo que utilizaba Piazzolla en el tango moderno: la subdivisión del compás
cuaternario en 8 corcheas organizadas en 3 grupos, con 2 negras con punto y una negra,
marcando la fórmula rítmica 3+3+2. De esta manera la acentuación se torna irregular
(MAURIÑO, apud OLIVAREZ E TEIXEIRA, 2016, p.4).
Figura 1: Ejemplo de ritmo 3+3+2 en registro grave, destacado con color rojo. Libertango, Astor Piazzolla (c.1-4).
En el siguiente ejemplo extraído de la obra Fuga y misterio podemos destacar varios elementos
que caracterizan el ritmo de Piazzolla. En primer lugar se destaca un grupo de semicorcheas en
anacrusa que genera una energía importante en el inicio de la obra, en segundo lugar podemos
apreciar la utilización de acentos en tiempos irregulares y por último la utilización de efectos
percusivos. Observamos lo mencionado en la Figura 2.
Figura 2: Se destacan con distintos colores los motivos rítmicos, en rojo el grupo de semicorcheas en anacrusa,
en color verde los efectos percusivos y en color azul los acentos. Fuga y misterio, Astor Piazzolla (c.1-4).
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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
2.2 – Textura
Figura 3: Ejemplo de utilización de la escritura contrapuntística, sujeto y respuesta. Fuga y misterio, Astor
Piazzolla (c.1-16).
En la siguiente figura podemos observar otra entrada del sujeto en la obra Fuga y misterio
(Figura 4).
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Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
Figura 4: Otra entrada del sujeto, en este caso a cargo del violín. Fuga y misterio, Astor Piazzolla (c.24-27)
2.3 – Forma
Figura 5: Ejemplo de cambio de tiempo, luego de la fuga y una parte instrumental rápida expone una sección
lenta con una melodía lírica. Fuga y misterio, Astor Piazzolla (c.73-81).
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Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
Figura 6: Comienzo de la sección B , se destaca con color rojo la melodía principal. Adiós Nonino, Astor Piazzolla
(c.12-23).
Cerrando esta parte es importante nombrar la música rioplatense ya que es una de sus
influencias más importantes. Piazzolla toma muchos elementos de este movimiento, logrando
de esta manera la unión de música erudita y popular. Este es un punto que se ve reflejado en
todas sus composiciones - el tango es su género por excelencia, logrando fusionar todos los
elementos ya nombrados y desarrollando lo que se definió como Tango de vanguardia
(MITILINEOS, 2016).
Teniendo una noción del estilo de Piazzolla en términos generales y de los tres aspectos
nombrados - ritmo, textura y forma - se propone realizar una exploración de ellos en la obra de
Máximo Diego Pujol Elegía por la muerte de un tanguero.
3 – Pujol y su obra
A los ocho años Máximo Diego Pujol comenzó a estudiar guitarra. Más tarde entró al
Conservatorio Provincial Juan José Castro y tomó clases particulares de armonía y composición
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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
con Leónidas Arnedo. Durante sus años de formación estudió y analizó de manera minuciosa
las obras de los compositores de tango tradicional como Horacio Salgán y Osvaldo Pugliese,
pero su mayor interés se centró en el llamado tango de vanguardia liderado por Astor Piazzolla.
El principal objetivo musical de Máximo Pujol es acercar y fusionar el lenguaje tanguero con el
pensamiento formal académico (PUJOL, 2018).
Siguiendo lo observado por MEYER (2000) y HAUSER (1982) con relación a la constitución de
un estilo, podemos verificar en el caso de Pujol influencias de tipo eruditas y populares. Las
diferentes vivencias, etapas de formación y elecciones a lo largo de su vida, lo que definiría
MEYER (2000) como constricciones (alternativas de elección), definen su estilo. Vivió toda su
vida en la ciudad de Buenos Aires, lo que lo llevó a tener un contacto cercano con el tango,
realizó su formación académica en el conservatorio y siempre tuvo gran admiración por
Piazzolla, dato importante ya que destaca su elección en la construcción de su música.
Astor Piazzolla murió en el año 1992, y con el fin de homenajearlo Pujol compuso la obra
titulada Elegía por la muerte de un tanguero. El término ‘elegía’ es utilizado para definir una
pieza vocal o instrumental, lamentando la muerte de una persona (GROVE, 1988, p.294). En
esta obra, durante el transcurso de 3 movimientos de carácter distinto, Pujol se expresa ante la
muerte de Astor Piazzolla.
Confuseta, nombre del primer movimiento, se debe a que el contrapunto del inicio resulta un
poco cargado, dando la impresión de algo confuso; son tres notas clave que se encuentran a
veces invertidas y otras en espejo, superpuestas como si fuera un estrecho, lo que hace que la
textura resulte poco clara. El segundo movimiento Melancolía es un movimiento lento que
expresa simplemente el sentimiento de la pérdida, y por último Epílogo aborda nuevamente las
3 notas tomadas de Adiós Nonino pero invirtiendo el orden de los intervalos, primero la cuarta
y luego la segunda. El final del último movimiento es un homenaje a Piazzolla a través de una
cita de su obra La muerte del ángel (VILLADANGOS, 2014).
Hasta aquí fueron destacados recursos y aspectos de la música de Piazzolla que Pujol tomó y
asimiló para definir su estilo musical. A continuación realizaremos un análisis de los aspectos
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BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
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rítmicos, texturales y formales que Pujol utiliza en su obra Elegía por la muerte de un tanguero
y que consideramos derivados del estilo Piazzolla.
Pujol posee en su música la esencia del estilo de Piazzolla, su forma de componer tango se
centra en el llamado tango de vanguardia. Para determinar las interacciones e influencias de
recursos tomaremos ejemplos de los aspectos ya mencionados - ritmo, textura y forma -
expuestos en la Elegía por la muerte de un tanguero.
4.1 – Ritmo
La subdivisión del compás de 4/4 permite realizar un tipo de acentuación diferente dejando de
lado la marcación en cada tiempo fuerte. El primer acento es puesto en el tiempo fuerte del
primer tiempo, el segundo en el tiempo débil del segundo tiempo y el tercero en el tiempo fuerte
del cuarto tiempo, esto genera una cierta irregularidad en el compás y se puede representar
como 3 + 3 + 2 (Figura 7).
Figura 7: Subdivisión del compás de 4/4 en 8/8 y la acentuación irregular utilizada por Piazzolla.
Pujol utiliza esta subdivisión de compás en gran parte de su obra, a continuación exponemos
un pequeño fragmento extraído de Elegía por la muerte de un tanguero (Figura 8).
Figura 8: Ritmo 3+3+2 representado por dos negras con puntillo y una negra, destacado en color rojo. Elegía por
la muerte de un tanguero, Máximo Pujol (c.12).
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Se puede observar la presencia de una melodía en en el registro grave. Dicha melodía está
escrita rítmicamente con dos negras con punto y una negra, logrando de esta manera un tipo
de acentuación irregular.
4.2 – Textura
Figura 9: Motivo de tres notas en color rojo. Adiós Nonino, Astor Piazzolla (c.18-23).
3
Victor Villadangos es un reconocido guitarrista argentino nacido en Buenos Aires, se graduó como profesor
superior de guitarra en el conservatorio Juan José Castro. Ha realizado una intensa labor como solista y desde el
año 2000 es parte de los artistas que graban para el sello Naxos. (VILLADANGOS, 2018).
4
VILLADANGOS, V. (2014). Datos sobre Elegía por la muerte de un tanguero [mensaje personal]. Mensaje recibido
por e-mail. En septiembre de 2014.
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Figura 10: Con color rojo se destaca el motivo de tres notas de Adiós Nonino utilizado por Pujol en el primero y
en el segundo compás del primer movimiento. Elegía por la muerte de un tanguero, Máximo Pujol (c.1-2).
Figura 11: El Motivo tomado de Adiós Nonino en color rojo, y sus imitaciones en color azul. Elegía por la muerte
de un tanguero, Máximo Pujol (c.1-3).
4.3 – Forma
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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
5 – Consideraciones finales
En este artículo se exponen las diferentes interacciones e influencias musicales del estilo de
Piazzolla en la música escrita para guitarra de Máximo Diego Pujol. Por medio del análisis de 3
aspectos muy importantes, tales como ritmo, textura y forma, se logra observar la adaptación
por Pujol del estilo de Piazzolla en su obra Elegía por la muerte de un tanguero.
Para poder desarrollar el presente trabajo surgió la necesidad de definir el estilo compositivo
de Piazzolla, entender conceptualmente qué es el estilo y cómo se origina. Para ésto se tomó
como base los puntos de análisis propuestos por MEYER (2000) y HAUSER (1982). Gracias a
estos teóricos logramos concluir la importancia de los entornos, de las culturas y de las
vivencias que cada persona atraviesa a lo largo de su vida, definiendo así, en este caso, el estilo
musical del compositor.
Al realizar el análisis de los 3 aspectos nombrados, logramos identificar uno de los puntos de
interacción significativo entre Piazzolla y Pujol: ambos compositores son admiradores del
tango, y a su vez ambos compositores tienen una formación musical erudita. De esta forma
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Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
ambos basan sus composiciones en la unión de dos campos distintos - música popular/música
erudita.
Es importante destacar una situación que caracteriza la relación entre estos dos compositores
- ellos pertenecen a generaciones diferentes, lo que hace que Piazzolla se transforme en una
referencia fundamental para la constitución del estilo de Máximo Pujol. Según VILLADANGOS
(2014) Maximo Pujol era un gran admirador de Piazzolla, lo que significa que toda la influencia
adquirida de este último deriva del Tango de Vanguardia.
Por último, a través del análisis de las interacciones musicales de estos dos compositores,
podemos afirmar que el estilo y el lenguaje musical de Piazzolla son explorados por Máximo
Diego Pujol, logrando de esta manera, un aporte significativo al repertorio de música para
guitarra uniendo música popular y erudita.
Referencias
1. CECCONI, S. (2001) Territorios del tango en Buenos Aires: aportes para una
historia de sus formas de inscripción. Iberoamericana (2001-), 2009, p.49-68.
4. GARCÍA BRUNELLI, O. (2008) Estudios sobre la obra de Astor Piazzolla. Buenos Aires,
Gourmet Musical Ediciones.
7. HAUSER, A. (1982) Teorías del arte: tendencias y métodos de la crítica moderna. 5ª ed.
Barcelona: Guadarrama, 1982. 422 p. (Punto omega ; 53).
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Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
12. OLIVÁREZ, R., & TEIXEIRA, G. (2016). . no campo XXVI Congresso da Anppom - Belo
Horizonte/MG. Disponible
en: https://www.anppom.com.br/congressos/index.php/26anppom/bh2016/paper/
view/4348/1512. Consultado en: 13 nov. 2018.
14. PUJOL, M. D. (1994) Elegía por la muerte de un tanguero. [música impresa]: para
guitarra. Henry Lemoine.
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BARROSO, Sebastián; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Ritmo, textura y forma en la Elegía por la muerte de un tanguero: Interacciones entre Astor
Piazzolla y Máximo Diego Pujol. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana
Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.35-50.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Paula Cordeiro
Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista da CAPES
[email protected]
Carlos Aleixo
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Por meio da análise da gravação histórica de Fritz Kreisler de 1942 do Concerto em Mi menor para violino
e orquestra, de Félix Mendelssohn, extraímos dados a fim de construir uma (Edição Espectrográfica de Performance
(EdEsP) da cadência presente no primeiro movimento. As práticas de performance portamento, vibrato e timing
foram analisadas a partir de espectrogramas sonoros, utilizando o software Adobe Audition. Os dados recolhidos
forneceram evidências sobre as escolhas interpretativas do violinista. Este trabalho descreve o processo de análise
dos dados e as etapas de construção da EdEsP, que inclui a simbologia utilizada e excertos da partitura que será
publicada como resultado de uma pesquisa de doutorado.
Palavras-chave: edição de performance; portamento no violino; vibrato no violino; timing no violino; análise
espectrográfica de áudio.
Abstract: Through analysis of Fritz Kreisler’s historical recording (1942) of Félix Mendelssohn’s Concerto in E
minor for violin and orchestra, it was possible to extract data with the intention to build an EdEsP (Spectrographic
Performance Edition) of the first movement’s cadenza. The performance practices portamento, vibrato and timing
were analyzed using spectrograms generated by the software Adobe Audition. The obtained data provided
indications of the violinist’s interpretative choices in this specific performance. This paper describes the analysis
of data and the steps of the performance spectrographic edition’s construction, which includes the selection of the
applied symbols and excerpts of the score that will be published as a result of ongoing doctoral research.
Keywords: performance edition; portamento on the violin; vibrato on the violin; timing on the violin; audio
spectrographic analysis.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
1 – Introdução
A análise de gravações de áudio e vídeo tem fornecido amplas possibilidades nos estudos
referentes à compreensão histórica da performance e suas práticas. Os dados extraídos deste
tipo de fonte podem ser considerados inerentes e exclusivos a elas, uma vez que o texto musical
ou escrito guarda informações restritas e gerais. Por meio de uma gravação, é possível precisar
o que foi efetivamente realizado na performance. Gravações históricas fornecem evidências
sobre como soava a música em épocas passadas (TIMMERS, 2007, p.2.872), propiciando
embasamento na construção de performances historicamente informadas.
1 Segundo BORÉM (2018), a Edição Espectrográfica de Performance emparelha a partitura com o espectrograma
sonoro da gravação, incluindo elementos cuja representação na notação tradicional é inexistente, imprecisa ou
insuficiente, como o timing, o vibrato e o portamento, dentre outras práticas de performance, que refletem as
escolhas interpretativas de um performer em uma gravação.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
estando dentre os concertos mais conhecidos e mais tocados (LEE, 2006, p.1898, apud
APPLEBAUM, 1972; SADIE et al., 2001; SWALIN, 1941). O Concerto foi finalizado por
Mendelssohn no ano de 1844 e estreado pelo violinista Ferdinand David em Leipzig, na
Alemanha, em 13 de março de 1845 (GROVE, 1906, p.611). O Concerto em Mi menor foi dedicado
a David (ROEDER, 1994, p.130), que colaborou na sua composição, tendo trocado cartas com
Mendelssohn a fim de deixar o concerto o mais idiomático possível. A cadência do primeiro
movimento foi escrita e inserida no concerto pelo próprio compositor, o que nos fornece um
texto musical de referência. O trecho correspondente à cadência não obedece a fórmulas de
compasso, ainda que possua barras de compasso. A cadência possui no princípio a indicação ad
libitum, que sugere certa autonomia do violinista, especialmente em relação ao timing.
2 – O processo de análise
A metodologia de construção da EdEsP inclui análise quantitativa, realizada por meio de análise
espectral. Para a realização desta análise, foi utilizado o software Adobe Audition. Através da
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Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
análise espectrográfica, foi possível extrair e sistematizar, com auxílio de tabelas e gráficos, os
dados referentes à (1) velocidade e fluência do portamento e (2) a taxa e a amplitude do vibrato.
Ademais, baseado no espectrograma, foi padronizado o intervalo de 3 segundos para cada
sistema da partitura, sendo as notas espaçadas de acordo com o timing da realização musical
do violinista. A elaboração da EdEsP e dos excertos incluídos aqui como exemplos se deu através
do software Finale Music.
3 – Portamento
Em relação à fluidez do portamento, adotamos a classificação sugerida por RIBEIRO (2017, p.6),
na qual os portamenti podem ser classificados como inicial, conclusivo ou com nota
intermediária. A partir desta classificação, o portamento inicial é aquele que inicia
simultaneamente à nota de origem. O conclusivo é iniciado em outra parcela da nota, distinta
do princípio dela. O portamento com nota intermediária se inicia em qualquer parcela da nota,
entretanto, existe uma nota mais valorizada durante o trajeto, geralmente resultado de troca
de dedilhado. A fim de identificar os tipos de portamento, utilizamos símbolos distintos na
EdEsP (Figura 1).
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Figura 1: Símbolos utilizados na EdEsP correspondentes ao tipo de portamenti, inspirados nos símbolos e na
classificação dos portamenti por RIBEIRO (2017, p.I). Na linha superior, os portamenti ascendentes e na inferior,
descendentes.
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A fim de organizar os dados extraídos, foram elaboradas tabelas, nas quais podemos observar
os dados com maior clareza. Os resultados obtidos nos três primeiros trechos podem ser
consultados na Figura 3. Nesta figura, notamos que os portamenti nos trechos 1 e 3 foram
realizados sempre em um mesmo intervalo melódico e nas semicolcheias, o que sugere o
planejamento do dedilhado para as mudanças de posição. Pela falta de acesso a uma gravação
de vídeo e anotações, não é prudente afirmar qual dedilhado foi utilizado por Fritz Kreisler,
porém, podemos supor onde foram realizadas mudanças de dedilhado/posição.
Figura 3: Tabelas elaboradas a partir dos dados extraídos de portamento. Estando indicadas na primeira coluna
as figuras rítmicas das notas em que se dá o portamento, na segunda, a nota de partida e de chegada, na terceira,
a duração total do portamento, e, na quarta, a tipologia.
Por meio da análise do espectrograma, em conjunto com a análise auditiva, notamos que no
primeiro trecho foi realizado na última nota (Si5, que é também a nota mais aguda) um leve
portamento em conjunto com vibrato, gerando uma desafinação da nota, que resulta mais alta
(Figura 4). Apesar da ocorrência na performance, julgamos que esta desafinação é indesejável,
portanto, ela foi omitida da EdEsP.
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Figura 4: A circunferência no espectrograma indica a nota Si5 do trecho 1, que encontra-se ligeiramente
inclinada, devido à desafinação da nota para cima na gravação.
No quarto trecho da cadência (Figura 5), Kreisler realiza dois portamenti. O primeiro deles
ocorre da nota Lá2 a Dó3 (em trinado), com duração de 136 milissegundos. É importante
observar que o violinista interrompe o trinado antes da finalização da nota Dó3 para, então,
atacar o acorde seguinte, como confirmado pelo espectrograma na figura 6. O segundo
portamento ocorre da nota Dó4 em direção ao Mi5, com duração de 218 milissegundos.
Entretanto, a duração total da nota em que ocorre este portamento é de 811 milissegundos.
Dessa forma, o portamento ocupa 26,88% da nota. Para ilustrar a duração deste portamento em
contraste com a duração total da nota, elaboramos um gráfico (Figura 7).
Figura 5: Trecho 4 da cadência, evidenciado pelo retângulo amarelo. As circunferências em amarelo sinalizam
onde ocorrem portamenti. As partes camufladas da Figura se referem aos trechos vizinhos do trecho 4, não
relevantes à interpretação da Figura.
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Figura 6: EdEsp do trecho 4 da cadência, com realização de Kreisler mostrando aumento de intensidade do
primeiro para o segundo trinado, seguido de interrupção deste para preparação do ataque do acorde quebrado.
Figura 7: Quadro com duração total do intervalo de 10ª Maior entre as notas Dó4 e Mi5 e duração da parte
ocupada pelo portamento entre as duas.
Os trechos 5 e 6 (Figura 8) são similares ritmicamente entre si (e também ao trecho 4). Nestes
dois trechos, ocorrem dois portamenti, sendo o primeiro deles em figuras rítmicas
correspondentes. Porém, no trecho 6, os portamenti são mais longos que no trecho anterior
(Figura 9), sugerindo uma desaceleração do andamento deste trecho. No trecho 6 ocorre um
portamento conclusivo (Mi3-Si2), entretanto, inicialmente este se apresenta como portamento
ascedente, para, então, descender para a nota de chegada (Si2). Não iremos considerá-lo um
portamento com nota intermediária, pois o violinista não paraliza o movimento em uma nota
específica (Figura 10). Todos os portamenti nestes dois trechos são conclusivos, ocorrendo
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
imediatamente antes da mudança de uma nota para a outra, o que nos sugere terem sido
originados em consequência de mudanças de posição.
Figura 9: Comparando os valores das tabelas referentes aos trechos 5 e 6, observamos o aumento das durações
dos portamenti nas figuras ritmicamente correspondentes do trecho 6.
Figura 10: Espectrograma referente ao portamento da nota Mi3 para Si2. As setas amarelas indicam o
movimento do portamento, que primeiramente ascende de forma discreta para, então, descender.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 11: Os traços diagonais em laranja indicam princípio/fim de um trecho. As circunferências em amarelo
indicam onde ocorrem portamenti nos trechos 7 e 8.
Figura 12: Tabelas referentes aos trechos 7 e 8, nas quais observamos a duração e tipologia dos portamenti.
Figura 13: O gráfico indica no eixo horizontal a porcentagem ocupada pela ‘duração total da nota’ e a ‘duração
do portamento’. Dentro das barras estão indicadas as durações em milissegundos.
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Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 14: O princípio do trecho 9 é indicado pelo traço diagonal laranja. Os dois portamenti realizados neste
trecho estão indicados pelas circunferências em amarelo.
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Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
4 – Vibrato
O vibrato pode ser definido como a flutuação da altura de uma nota em torno de sua frequência
fundamental (Fo) (ISHERWOOD, 2009). Na prática musical, o vibrato consiste em uma
desafinação ao redor de determinada nota, servindo ao intérprete como um recurso expressivo.
Por meio da análise espectral foi possível extrair dados de amplitude (grau de desafinação) e
taxa (velocidade) do vibrato em cada uma das notas em que Fritz Kreisler optou por utilizar
este recurso. A subdivisão dos trechos segue a mesma numeração utilizada no portamento,
porém, foi necessário numerar os compassos do trecho 9 com o intuito de auxiliar na
localização da nota em que ocorre o vibrato.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
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Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 15: O retângulo em degradê superior indica a variação de amplitude e o inferior, a variação das taxas
encontradas na gravação. Após a classificação dos vibrati nas duas faixas de valores, temos como resultante um
dos nove tipos de vibrato, indicados por cores na parte inferior da figura.
Os dados de vibrato extraídos foram organizados por trecho em tabelas. Através da análise dos
dados, notamos que em trechos de rítmica semelhante ocorreram vibrati nas figuras rítmicas
correspondentes, como, por exemplo, entre os trechos 1,2 e 3 e os trechos 5 e 6. Através da
figura 16, constatamos que nos trechos 1 e 2 há predominância dos vibrati “médio e lento”,
sendo que a maior variedade de vibrati ocorre no trecho 3. Observamos que nos três Ré#3 que
aparecem nestes trechos ocorrem vibrati de mesma tipologia, amplo e médio. Pelo padrão
seguido por Kreisler, podemos concluir que a não ocorrência do vibrato na nota final do trecho
3 (Mi6) se deve à utilização de harmônico natural nesta nota, que será identificado na EdEsP
como escolha pessoal do intérprete, uma vez que a indicação do harmônico não está presente
no urtext.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 16: Trechos 1, 2 e 3 com a indicação dos tipos de vibrato através das cores. Na parte inferior da figura,
estão presentes as tabelas correspondentes aos trechos com os dados de amplitude e taxa médios retirados
através da análise espectral.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 17: Indicação dos vibrati utilizados por Fritz Kreisler entre os trechos 4 e 8 através da tipologia baseada
em cores. Na parte inferior, tabelas correspondentes aos trechos em questão, indicando amplitude e taxas
médias. No trecho 7, o retângulo azul no Dó4 indica a nota tida como exceção (vibrato muito rápido e estreito).
No trecho 9 ocorre a predominância do uso do vibrato nas notas mais graves dos arpejos
(Figura 18). Além disso, o vibrato ocorre apenas na metade inicial deste trecho e em variados
tipos.
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Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 18: Indicação dos vibrati utilizados por Fritz Kreisler, através das cores, no trecho 9. Na parte inferior,
tabela correspondente ao trecho, indicando amplitude e taxas médias. Novamente, o ricochet indicado na
partitura se refere ao urtext e não à realização efetiva desta articulação por Fritz Kreisler.
Fritz Kreisler utilizou o vibrato em 42 das notas da cadência. Dentre os três tipos de vibrati mais
utilizados, temos 13 de média amplitude e frequência lenta (ML), 7 com amplitude e frequência
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Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
médios (MM) e 5 com amplitude estreita e frequência média (EM). Houve três ocorrências de
vibrati amplo e médio (AM), estreito e lento (EL), amplo e lento (AL), médio e rápido (MR) e
estreito e rápido (ER). O vibrato amplo e rápido ocorreu apenas uma vez, no compasso 5, do
trecho 9, da cadência. Além disso, houve o caso especial de vibrato estreito e muito rápido no
Dó4 (acorde) do trecho 7. Com estes dados, notamos que o vibrato ML é utilizado em 31% das
notas em que ocorre esta prática, o vibrato MM em 16,7% e o vibrato EM em 12%.
5 – Timing
O termo timing se refere à realização rítmica efetiva da performance, que não necessariamente
coincide com os valores das figuras rítmicas. Com a flexibilidade do tempo na música, a
performance deixa de ser metronômica em função da expressividade musical. O timing é
descrito por Gustav Mahler como algo “vívido e fluido” ao invés da rigidez típica de um
metrônomo (CROSS, 2014). A flexibilidade rítmica foi uma prática comum no início do século
XX, entretanto, a partir dos anos 30 do século XX constatou-se a tendência de seguir-se
andamentos rígidos (FANG, 2008), a exemplo da obra de compositores e maestros como
Stravinsky, Weingartner e Toscanini, que defendiam que o intérprete seria mero executor do
texto musical escrito (PHILIP, 1992).
Encontramos dois comentários sobre timing em cartas enviadas por Félix Mendelssohn ao
violinista David Ferdinand sobre o timing na cadência. O primeiro deles, sobre o trecho inicial
da cadência: "Gostaria que o compasso antes da cadência não fosse repetido; eu coloquei neste
local ‘Cadenza ad libitum’, indicando assim que a duração dos arpejos pode ser maior ou menor,
de acordo com a sua preferência." (GROVE, 1906, p. 615, tradução nossa). E o segundo sobre os
arpejos finais da cadência, que culminam no tutti da orquestra: “Quero que os arpejos comecem
de imediato rigorosamente a tempo e em quatro partes até o tutti. Espero que isso não
signifique uma precisão exagerada para o performer.” (GROVE, 1906, p.614, tradução nossa).
Neste trabalho, incluímos excertos dos dois trechos citados por Mendelssohn nas cartas, no
formato em que será apresentado na EdEsP. A fim de facilitar a visualização do timing,
utilizamos a imagem do espectrograma juntamente com a régua temporal. Consideramos o
tempo de 3 segundos para a duração de cada sistema (Figura 19). Dessa forma, as notas são
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Figura 19: Demonstração de como o timing é indicado na EdEsP, na qual uma mesma figura rítmica possui
distintas durações, sendo a duração total do sistema de 3 segundos. Abaixo do espectrograma, está localizada a
régua temporal.
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Figura 20: Corresponde a 12 segundos da gravação [6:41-6:53] demonstrando o timing no trecho inicial.
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Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
Figura 21: Trecho da gravação [7:40-7:52] em que observamos acelerando progressivo e ênfase nas notas mais
graves dos arpejos.
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Figura 22: Trecho da gravação [7:52-8:01] em que observamos o andamento estabilizar para a entrada do tutti.
Na primeira linha, as notas mais graves do arpejo seguem sendo mais valorizadas pelo intérprete.
Através dos dois excertos utilizados como exemplos neste subcapítulo, notamos a fluidez
rítmica na performance gravada de Kreisler. Sendo assim, a execução da cadência fica suscetível
às escolhas interpretativas de cada violinista. Através de um estudo semelhante a este em
outras gravações, em conjunto com uma análise comparativa, será possível notar o
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
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6 – A EdEsP
A partitura foi construída a partir de uma partitura urtext e, então, modificada de acordo com
as escolhas interpretativas de Kreisler nesta gravação. As diferenças das escolhas de Kreisler
em relação ao urtext foram explicitadas na EdEsP. Dentre as principais diferenças, destacam-se
harmônicos não indicados pelo compositor, apogiaturas realizadas em finalizações
de trinados e articulações distintas das indicadas por Mendelssohn, além de momentos de
silêncio (especialmente em transições entre trechos).
Uma vez que não possuimos uma gravação de vídeo desta performance, não pudemos extrair
detalhes sobre os dedilhados utilizados por Fritz Kreisler. Entretanto, podemos supor onde
foram realizadas mudanças de posição, como exemplificado no subcapítulo sobre portamento.
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Figura 23: Página da EdEsP da performance de Fritz Kreisler com indicações de portamento, vibrato, timing e
outras práticas de performance. A vírgula no quarto sistema indica a interrupção da nota pelo violinista.
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7 – Considerações finais
Como resultado do estudo do portamento na gravação, foi possível hipotetizar sobre mudanças
de posição plausíveis e verificar a utilização do portamento conclusivo, ocupando cada vez uma
parcela maior da nota, como estratégia de desaceleração do andamento. Notamos ainda que no
trecho final da cadência, no qual a flexibilização do tempo é consideravelmente diminuída para
a entrada do tutti da orquestra, a incidência do portamento diminui drasticamente.
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Expomos neste trabalho os dois trechos referidos por Félix Mendelssohn em cartas à David
Ferdinand sobre o timing. Através destes, demonstramos como o espaçamento das notas na
EdEsP ocorre de acordo com o espectrograma e sua régua temporal, não estando sempre de
acordo com a duração e proporção das figuras rítmicas. Notamos em ambos os trechos a
valorização da nota mais grave dos arpejos, que coincidem com as mudanças harmônicas dos
acordes. Observamos através do segundo excerto uma aceleração do andamento não escrita,
porém requisitada pelo compositor, no trecho final da cadência, culminando no tutti da
orquestra.
Em decorrência dos resultados relatados, uma EdEsP foi elaborada contendo informações sobre
as práticas interpretativas investigadas. Apresentamos neste trabalho somente um excerto da
EdEsP como exemplo da versão completa, que será publicada ao final desta pesquisa de
doutorado como anexo da tese, juntamente com outras EdEsPs.
Referências de texto
2. BOWEN, J. A. (1993) The History of Remembered Innovation: Tradition and Its Role in the
Relationship between Musical Works and Their Performances. The Journal of Musicology.
University of California Press Stable. v.11, n.2, p.139–173.
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an Empirical Study of Rubato in Recorded Performances Dating From 1927 to 1973. 299f.
Tese (Doutorado em Filosofia). School of Arts and Culture, Newcastle University, Newcastle.
5. GROVE, G. (1906) The Musical Times. London: Musical Times Publications Ltd. v.47, n.763,
p.611-615.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
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7. LEE, H. (2006) Violin portamento : An analysis of its use by master violinists in selected
nineteenth-century concerti. 9th International Conference on Music Perception and
Cognition. Alma Mater Studiorum University of Bologna, Bologna. p.1888–1914.
9. LEECH-WILKINSON, D. (2011) Early recorded violin playing: evidence for what? Spielpraxis
der Saiteninstrumente in der Romantik: Bericht des Syposiums in Bern. Ed. Bacciagaluppi
C., Brotbeck R., Gerhard A. Schliengen: Argus. p. 9-22.
10. NORRINGTON, R. (2004) The Sound Orchestras Make. Early Music. Oxford: Oxford
University Press. v.32, n.1, p.2-5.
11. PHILIP, R. (1992) Early recordings and musical style: changing tastes in instrumental
performance, 1900-1950. 274f. Cambridge: Cambridge University Press.
13. RIBEIRO, A.; BOREM, F. (2016) EdiPA de áudio: análise es- pectográfica / partitura analítica
para a gravação de 1929 do compositor-contrabaixista Serge Koussevitzky. In: VII Simpósio
Internacional de Musicologia da UFRJ, 2016, Rio de Janeiro. Anais do VII Simpósio Internacional
de Musicologia da UFRJ.
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15. SCHWARZ, B. (2001) Kreisler, Fritz. Grove Music Online. Oxford University Press.
16. STOWELL, R. Portamento (ii). In: SADIE, S.; TYRRELL, J. (2001) The New Grove Dictionary
of Music and Musicians. 2ed. London: Macmillan Publishers.
1. KREISLER, F. (1926) Violin Concerto in E minor. Berlin State Opera Orchestra. Berlin: Naxos
historical.
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CORDEIRO, Paula; ALEIXO, Carlos; ANDRADE, Edson Q. (2019) Por uma Edição Espectrográfica de Performance da gravação de 1942 de Fritz
Kreisler da cadência do Concerto em Mi menor para violino e orquestra, de Félix Mendelssohn. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação:
Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.51-77.
3. KREISLER, F. (1942) Violin Concerto in E minor. The Bell Telephone Orchestra. The
Telephone Hour.
4. MONSAINGEON, B. (2000) The Art of the Violin. Estados Unidos: NYC Arts.
Edson Queiroz de Andrade possui Doutorado em Música pela Universidade de Iowa (EUA). É
Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais e participa regularmente como
professor e violinista em cursos e festivais de música pelo Brasil. Tem atuado também como
solista e spalla convidado de orquestras como a Orquestra de Câmara Opus, a Orquestra
Sinfônica de Minas Gerais, a Orquestra de Câmara Sesiminas, a Orquestra de Cordas do o IV
Gramado In Concert e a Orquestra de Cordas do 6º Festival de Maio. Integra, ainda, o duo
violino/piano com sua esposa, a pianista Valéria Gazire.
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Resumo: Este estudo pretende acercar o leitor à obra de Graciela Paraskevaídis, bem como à produção
composicional latino-americana e contemporânea, através da abordagem da peça suono sogno – para violino (e
voz do intérprete) – composta em 1997. Apresentamos sugestões de performance e explicitamos alguns dos
desafios na execução desta obra, que não se insere no repertório tradicional de concerto para violino e demanda
técnicas diferenciadas no que diz respeito à sua interpretação.
Abstract: This article intends to bring the reader closer to the work of Graciela Paraskevaídis, as well as to Latin
American and contemporary compositional production, through the approach of “suono sogno” – for violin (and
the performer’s voice) – composed in 1997. We present performance suggestions and explain some of the
challenges in the execution of this work, which is not part of the standard concert repertoire for violin and
demands different techniques with respect to its performance.
Keywords: Graciela Paraskevaídis; Latin American contemporary music; contemporary repertoire for violin;
suono sogno by Graciela Paraskevaídis.
1 – Introdução
1A compositora optou por escrever os títulos de suas obras com letras minúsculas, forma de escrita que adotamos
também neste capítulo.
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
A obra suono sogno de Graciela Paraskevaídis, para violino solo e voz do intérprete/violinista,
questiona a tradição em vários aspectos: composta em 1997 por uma mulher, latino-americana,
se assenta na busca de uma linguagem coerente com seu tempo e espaço. Sob o ponto de vista
do idiomatismo instrumental, a peça representa um desafio para o instrumentista tradicional,
que para sua execução, necessita ampliar seus referenciais técnicos, teóricos e interpretativos.
Não há lugar para a indiferença frente a estas obras. [...] implica para o intérprete
posicionar-se, sentir-se, envolver-se para além dos fundamentos técnicos e musicais,
com uma atitude mental, emocional e corporal particularmente comprometida. A
exigência é então muito diferente à banalizada concepção de virtuosismo que
hierarquiza a destreza muscular. Música que rejeita todo tipo de acrobacia superficial,
propondo ao músico outro tipo de desafios expressivos, mobilizando-o para além do seu
papel de artista, como indivíduo, como ser humano (SOLOMONOFF, 2014, p.89).
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
Sua produção composicional é dedicada principalmente a obras para instrumentos solo e obras
de câmara com instrumentações diferenciadas (tanto formações tradicionais, quanto
combinações pouco usuais). Menos recorrentes, mas também presentes, são as composições
que utilizam meios eletroacústicos e outras dedicadas a instrumentos nativos.3
2 “Ainda que ninguém se importe muito, ser compositor ou intérprete é uma maneira de estar no mundo, é fazer
perguntas e buscar respostas, é tratar de existir e resistir, é duvidar e questionar. Também é um modo de exercer
o direito à liberdade e, consequentemente, um ato de rebeldia” (PARASKEVAÍDIS apud BEIMEL, 2014, p.31).
3 Destacamos as obras magma v (1977) para quatro quenas e “... y allá andará, según se dice ...” (2004/2005) cuja
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
“dinâmica sensitiva” que explora os limites da escala dinâmica (pppp e/ou ffff), como algumas
das prinipais características de sua linguagem composicional. De acordo com SOLOMONOFF
(2014, p.94), “o silêncio também tem uma presença muito significativa nestas peças”:
[...] não só como elemento articulador ou rítmico, mas também nos planos expressivo e
simbólico. Oposto e complementário ao som, terreno de ressonâncias e respiros, ocupa
um lugar físico, um espaço real, corporal, que se corresponde por sua vez com estratégias
composicionais (SOLOMONOFF, 2014, p.94).
Outro aspecto fundamental em sua trajetória é o forte conteúdo político e ideológico, refletido
tanto no seu trabalho de compositora, quanto de musicóloga e docente, comprometida com o
fazer musical latino-americano e contemporâneo. A busca de uma arte latino-americana
“autônoma”, dotada de uma “identidade própria” não subordinada aos modelos impostos pelos
centros hegemônicos de poder, permeia toda sua produção. Seja nos títulos de suas
composições, nos textos que acompanham as partituras de suas obras, nas próprias obras
musicais ou nos inúmeros artigos e ensaios publicados nos mais diversos meios, reverberam
constantemente palavras de inconformidade, resistência e confrontação à “dependencia”
destes modelos.
Compor é um ato tanto volitivo como consciente, que envolve situações e processos
históricos, sociais e pessoais e está determinado por um pensamento filosófico e estético
e, no sentido mais amplo e profundo, por fronteiras e opções ideológicas. Ser compositor
ou compositora nascido ou nascida baixo a imposta e forte influência e herança da
cultura europeia-ocidental “branca”, cristã e burguesa, e viver voluntariamente em um
país do terceiro mundo implica assumir os perigos e desafios de tal opção, uma opção
que quer enfrentar os modelos culturais e musicais estabelecidos por um primeiro
mundo dominante e nortecêntrico. A dependência tem sido sempre cuidadosamente
alimentada e apoiada pelos poderes que impõem estes modelos, internamente e
externamente4. Há dois tipos de resposta a eles: por um lado, a cômoda continuação do
epigonismo; por outro, a confrontação através da tomada de consciencia
(PARASKEVAÍDIS, 1996).5
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
É importante, sem embargo, ressaltar que a compositora baseia grande parte do seu discurso
não somente na contestação do eurocentrismo e da dependência de modelos impostos por um
“primeiro mundo dominante”. Muitos dos seus textos abordam diretamente, ainda que de
maneira controversa, o processo colonial que originou esta posição de subalternidade:
6 O pensamento decolonial (ou projeto decolonial) representa uma forte expressão da teoria crítica
contemporânea que propõe de maneira radical uma reinterpretação do mundo e dos fatos históricos de maneira
não eurocêntrica, problematizando a naturalização, manutenção e perpetuação de estruturas de poder que, uma
vez instituídas após a conquista do continente americano, seguem vigentes nos dias atuais.
7 O espaço disponível neste capítulo não permite uma abordagem mais aprofundada dos conceitos trabalhados
pelo projeto de investigação decolonial. Recomendamos a leitura de ESCOBAR (2003), QUIJANO (2000), SANTOS
e MENESES (2010), RIVERA CUSICANQUI (2006).
8 PARAS KEVAÍDIS (2014) ao discutir as diversas “etiquetas” possíveis ou vigentes na classificação da música de
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
também restrito, que não estabelece um diálogo profícuo com outros mundos e fazeres
musicais possíveis para além daquele circunscrito ao meio musical “erudito”.
[...] supomos que um “criador” imagina, inventa e concretiza feitos musicais originais,
inéditos, inauditos, e não se dedica à inútil ruminação das normas clássicas. Arriscaria
dizer que os últimos anos do século XX e os primeiros dos século XXI poderiam definir-
se como de transição e aparente quietude inovadora para a música latino-americana
culta. Apesar das variadas etiquetas em uso [...] não se registram revoluções musicais
como as ocorridas em vários pontos de inflexão do século passado. [...] me aventuro a
dizer que na América latina não estamos atravessando um momento nem muito
substancioso quanto a conteúdos nem muito ruptural quanto a propostas, como se
observara, por exemplo na década de 1930 com figuras fundacionais como Silevestre
Revueltas, Amadeo Roldán, Alejandro García Cartula ou Juan Carlos Paz [...]
(PARASKEVAÍDIS, 2014, p.5).
Por conseguinte, não podemos deixar de chamar a atenção para a dimensão colonizada do
discurso de Graciela Paraskevaídis que, apesar de reiterar a busca pela desconstrução de
paradigmas eurocêntricos, se mantem numa matriz de poder colonial que não indaga a
dimensão invisível ou subjetiva da colonialidade11, incorporando-se à forma hegemônica de
produção de conhecimento e interpretação da realidade.
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
Salientamos entretanto, para além de todas as reflexões cabíveis – que não presupõe, em
absoluto, o descrédito de sua produção – o grande valor do trabalho composicional,
musicológico e docente de Graciela Paraskevaídis, que muito contribuiu para o fazer e pensar
musical latino-americano, e representou, como ressalta PRUDENCIO (1991) “um espírito novo
nos músicos do continente”.12 Com a abordagem de sua peça suono sogno, objetivamos
evidenciar a possibilidade de ampliação das práticas musicais e violinísticas transcendendo o
repertório tradicional de concerto e suas demandas, instigando ademais uma atitude reflexiva
e problematizadora com relação à peformance musical.
3 – suono sogno
12 A produção de Graciela Paraskevaídis consiste num grande aporte para a música acadêmica latino-americana,
sendo parte de um movimento que além de repensar a música desde parâmetros técnico-composicionais
diferenciados, propõem enfaticamente o questionamento sobre o fazer musical vinculado a um tempo e lugar –
contemporâneo e latino-americano. São dezenas de obras musicais e trabalhos escritos que abordam as mais
diversas temáticas, desde a análise de obras, a discussão sobre o fazer musical na América latina de seu tempo,
passando por temas como o machismo no meio de produção de bens artísticos e culturais, entre outros. Também
é notável o trabalho de pesquisa dedicado ao resgate e documentação da produção musical latino-americana do
século XX, assim como as iniciativas de organização e participação de festivais, encontros, concursos.
13 “Tudo no mundo, o próprio mundo, se tornou tão barulhento que impede o acesso ao interior de um som. Mas
quando mais tênues sejam os sons, mais nítida será sua percepção. Buscar um meio contra a destruição sonora,
transitar um caminho até a utopia. Porque hoje a utopia se toca muito suavemente.” Texto que acompanha a
partitura da obra suono sogno (PARASKEVAÍDIS, 1997).
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
A obra suono sogno foi composta em 1997 em Montevidéu, dedicada ao violinista Clemens
Merkel, quem realizou sua estreia na Akademie Schloss Solitude (Sttutgart, Alemanha), em abril
de 1998. A obra apresenta três estratos de acontecimentos (Figura 1) escritos em pentagramas
separados: o pentagrama superior corresponde majoritariamente a notas do registro agudo e
sobreagudo do instrumento, sejam notas reais ou harmônicos. O pentagrama intermediário
corresponde à quarta corda do violino, sempre solta, afinada em Fá sustenido (Fá#2)14, e
dialoga com a voz do intérprete anotada no pentagrama inferior, que se alterna entre as notas
Fá sustenido e Sol.
Figura 1: suono sogno, de Graciaela Paraskevaídis15, c.1 – 4. Notação das três vozes ou estratos de
acontecimentos presentes na obra.
A compositora indica na bula que acompanha a partitura: “Esta música deverá situarse no limiar
do audível16. A partir do pppp mínimo, estabelecer um equilíbrio entre os três estratos de
acontecimentos – diferentes tímbrica e expressivamente –, e ajustá-los às condições do lugar
de execução” (PARASKEVAÍDIS, 1997).
14 A obra utiliza a escordatura da quarta corda do violino, que é afinada em Fá sustenido. A notação em toda a
partitura corresponde às notas que devem soar.
15 Todos os fragmentos de partituras apresentados neste capítulo foram extraídos da edição da obra suono sogno
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
a atenção do intérprete com o objetivo de realizar os ataques das diferentes linhas (superior e
intermediária) com a maior qualidade possível.
Com relação à voz, determina-se que os sons escritos no pentagrama poderão ser cantados
sobre os fonemas “m”, “n” e “a”, à livre escolha do intérprete, estabelecendo um diálogo (Figura
2) com a quarta corda do violino (pentagrama intermediário). A compositora indica ainda que
a respiração – onde for necessária – deve ser imperceptível, e que “o canto não deverá
sobressair, mas sim estar sempre presente como uma espécie de bordão lamentoso”.
(PARASKEVAÍDIS, 1997).
Figura 2: c.51 – 54. Exemplo de diálogo entre a quarta corda do violino e a voz, ressaltando o intervalo de
semitom descendente (Sol – Fá#) gerado na interação das duas vozes.
Podemos estabelecer uma relação entre suono sogno e outras peças de Graciela Paraskevaídis
com a presença da voz – compostas também na década de 1990. Na partitura de dos piezas para
oboe y piano (1995)17, obra que igualmente explora a voz dos instrumentistas, observamos
indicações semelhantes, que expressam a preocupação da compositora em “encontrar o
equilíbrio dinâmico entre instrumentos e vozes”, onde “o uso da voz e do assobio se entendem
como extensões naturais dos instrumentos”. Segundo SOLOMONOFF (2014, p.88) a
compositora “se afasta do paradigma do linguístico” (da relação texto-música), “para abordar o
tratamento da voz desde um lugar diferente, com outra concepção e outra poética do vocal na
música”.
Em dos piezas para oboe e piano também são prescritas, na execução da linha vocal, as
consoantes “m” (bocca chiusa: cantar com a boca fechada) e “n” (que se refere a uma emissão
magma.net/pdf/partituras/2%20piezas%20para%20oboe%20y%20piano-final%2019%20de%20marzo.pdf
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
com lábios entreabertos e dentes apertados) e ainda, a indicação amordazada (cantar com a
boca fechada apertando os lábios com força). De acordo com SOLOMONOFF (2014, p.88), estas
indicações “não apontam somente o aspecto qualitativo do som, pois tem fortes conotações
políticas para os latino-americanos, ligadas direta e tragicamente a nossa história recente”.
O controle da voz representa um dos maiores desafios na performance desta peça. Sustentar
notas longas num andamento muito lento, manter a afinação de intervalos dissonantes (Figura
3), controlar a respiração, além de trabalhar o canto expressivamente, sempre na dinâmica
pppp, são alguns dos aspectos com os quais o intérprete deve lidar.
Figura 3: c.76 – 78. Exemplo de intervalos dissonantes entre voz e linha superior.
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Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
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Figura 4: c.1 – 10. Sugestões de respiração para a linha vocal nos primeiros compassos da obra.
Também utilizamos a linha vocal – com alterações tímbricas e fonéticas (na alternância entre
“m”, “n” e “a”) – para ressaltar mudanças de seção e destacar determinados gestos rítmicos e
melódicos. Optamos por não determinar com exatidão os momentos de alternância entre os
três fonemas, deixando uma margem de escolha que pode variar a cada interpretação.
Definimos apenas alguns pontos, por exemplo, o começo da linha vocal sobre a consoante “m”,
introzudindo a vogal “a” na primeira mudança de seção da obra (que será descrita a seguir). A
qualidade do timbre vocal, a utilização de distintos vibratos na voz, crescendos e decrescendos
dentro da dinâmica pppp são alguns dos elementos que podem ser definidos no processo de
construção da performance, ainda que a compositora não tenha registrado maiores
especificações a respeito.
suono sogno pode ser dividida em 5 seções, diferenciadas sobretudo por mudanças
significativas na voz superior (pentagrama superior) do violino18, descritas a seguir.
Seção A – compasso 1 ao 25: a melodia da voz superior é construída sobre dois harmônicos, Dó
e Si, apresentando diferentes figurações rítmicas sobre estas duas notas (Figura 5).
18Como dito anteriormente, também são explorados outros elementos – como a voz – nas mudanças de seção.
Optamos entretanto em seccionar a obra de acordo com as mudanças mais significativas apresentadas pela linha
superior do violino, que possui maiores contrastes com relação ao material utilizado.
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Figura 5: c.1 – 15. Pentagrama superior, compassos iniciais da obra, onde podemos verificar as diferentes
figuras rítmicas empregadas sobre os harmônicos Dó e Si.
Seção B – compasso 26 ao 43: neste trecho a melodia em harmônicos da voz superior dá lugar
a notas reais na região sobreaguda do violino. Além das notas iniciais Si e Dó, é acresentado o
Dó sustenido e os quartos de tom inferior e superior a esta nota. Observamos mais movimento
na voz superior, que apresenta frases mais longas e com menos pausas (Figura 6).
Figura 6: c.26 – 29. Pentagrama superior, início da Seção B, melodia na região sobreaguda do violino com a
inclusão da nota Dó# e quartos de tom inferior e superior a esta nota.
Seção C – compasso 44 ao 58: os seis primeiros compassos desta seção apresentam a passagem
executada na região mais aguda do instrumento, com gestos curtos, ainda explorando os
quartos de tom da seção anterior, porém, uma oitava acima. A parte vocal também pode realçar
o caráter staccato, em contraste com as seções anteriores (Figura 7).
Figura 7: c.44 – 45. Primeiros compassos da seção C, onde destacamos a voz superior na região sobreaguda do
violino e a presença de pausas nas vozes superior e inferior, que imprimem um caráter staccato à seção.
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Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
Figura 8: c.53 – 55. Voz superior (pentagrama superior) na região grave do violino, apresentando melodia na
corda sol.
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Figura 10: c.76 – 80. Recorte do pentagrama superior, onde observamos mudanças de tempo, utilização das
cordas Lá e Ré e grupos de 7 notas com ampla extensão interválica.
Figura 11: c.91 – 102. Primeiros compassos da Seção E, recorte da linha superior, que apresenta harmônicos
sobre a corda Lá e cordas duplas em intervalos dissonantes.
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Figura 12: c.108 – 120. Compassos finais da obra. Últimas repetições do grupo de quatro harmônicos sobre a
corda Lá, seguidas pela última interação entre quarta corda do violino e voz. Final em completo silêncio.
4 – Considerações Finais
suono sogno pode ser considerada uma obra exigente e complexa em vários sentidos. O controle
da respiração e da voz – sua afinação e projeção – é um desafio para o violinista, sobretudo
aquele menos familiarizado com as linguagens contemporâneas. A partir da interação entre os
três estratos de acontecimentos (voz, quarta corda e linha superior do violino), a compositora
constrói uma obra extensa, com duração de aproximadamente 13 minutos (conforme indicação
na partitura).
Com dinâmica pppp do começo ao final, a peça explora principalmente os extremos da extensão
do instrumento, com gestos lentos, estáticos, aos quais se superpõem outros curtos, velozes, o
que demanda do violinista muito controle de arco tanto no que diz respeito à velocidade quanto
à pressão e ponto de contato, bem como o controle de mudanças de cordas, com constantes
saltos entre primeira e quarta cordas. Observamos uma atmosfera estática por muitos
momentos, interrompida por eventos contrastantes que imprimem movimento de forma
súbita.
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Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
Vale ressaltar que conhecer e trabalhar em composições como suono sogno pode significar uma
experiência de todo enriquecedora para o intérprete violinista. Ao apresentar outros desafios
e demandas muito distintas àquelas requeridas pela maior parte do “repertório tradicional de
concerto”, exige novas estratégias interpretativas e propõe questionamentos que movem o
músico em direção a uma forma inusual de acercamento ao instruemento e à obra, conectando-
o a um tempo e um espaço, ainda que mais próximos, menos transitados.
Referências de texto
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Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
8. QUIJANO, Aníbal. (2000) Colonialidad del poder y clasificación social. In: Journal of world-
system research vl.2. Binghamton NY, 2000. p.342-386
9. SANTOS, Boaventura de Sousa. (2010) Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. In: Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p.23-71.
10. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). (2010) Epistemologias do
Sul. São Paulo: Cortez, 2010. 637p.
11. SOLOMONOFF, Natalia. (2014) “…Vivir tan hondo…” Humanismo y militancia en y por el
sonido. Una interpretación de los recursos compositivos y expresivos en la música de
Graciela Paraskevaídis a partir de cuatro obras con participación de la voz. In: Estudios
sobre la obra musical de Graciela Paraskevaídis. Buenos Aires: Gourmet musical, 2014.
pp.85-107.
12. RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Chhixinakax utxiwa: una reflexión sobre prácticas y discursos
descolonizadores. In: Modernidad y pensamiento descolonizador. Memoria del
Seminario Internacional. La Paz: U-PIEB – IFEA, 2006 . pp- 3-16.
Referências de partitura
1. PARASKEVAÍDIS, Graciela. (1995) dos piezas para oboe y piano. Disponível em:
http://www.gp-
magma.net/pdf/partituras/2%20piezas%20para%20oboe%20y%20piano-
final%2019%20de%20marzo.pdf
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ANASTÁCIO, Luiza G.; ASSIS, Ana Cláudia. (2019) En el umbral de lo audible: aspectos da performance na obra suono sogno de Graciela
Paraskevaídis, para violino (e voz do intérprete). In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.78-95.
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Huayma Tulian
Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista da CAPES.
[email protected]
Eduardo Campolina
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Los escritos teórico-prácticos que abordan la técnica instrumental realizados por Abel Carlevaro,
representan un aporte fundamental para la técnica de la guitarra contemporánea. Esta producción consta de
cuatro cuadernos de ejercicios que conforman la Serie Didáctica (CARLEVARO, 1972; CARLEVARO, 1973a;
CARLEVARO, 1973b; CARLEVARO, 1973c) y el libro teórico Escuela de la guitarra- Exposición de la teoría
instrumental (CARLEVARO, 1978). El presente estudio analiza y clasifica en grados de dificultad los ejercicios
presentes en el Cuaderno Nº4 de la ‘Serie Didáctica’ con el objetivo de otorgar un orden didáctico-pedagógico
respecto a la realización de los mismos. Para la clasificación se tendrán en cuenta tres niveles de dificultad, y se
establecerá un orden de prioridades para abordar cada ejercicio.
Palavras-chave: Serie Didáctica para guitarra de Abel Carlevaro; técnica guitarrística; Escuela de la guitarra-
Exposición de la teoría instrumental; la mano izquierda en la guitarra.
Abstract: The theoretical-practical studies of Abel Carlevaro related to instrumental technique represent a
foundation of contemporary guitar in this area. This work contains four exercise notebooks that create the “Serie
Didatica” (CARLEVARO, 1972-1973) and the theoretical book “Escuela de la guitarra - Exposición de la teoría
instrumental” (CARLEVARO, 1978). This study analyzes and classifies the exercises of Book Nº 4 in degrees of
difficulty, aiming to organize a didactic-pedagogical order in respect to their realization. Three levels of difficulty
will be considered for the classification and as well an order of priorities with which toto approach each exercise
will be established.
Keywords: Serie Didáctica para guitarra de Abel Carlevaro; guitar technique; Escuela de la guitarra- Exposición
de la teoría instrumental; the left hand on the guitar.
1 – Introducción
Abel Carlevaro (1916-2001), en su rol como pedagogo, ha creado una escuela técnica
instrumental que ha significado un hito en el desarrollo de la guitarra académica. Sus conceptos
técnicos han sido considerados de consulta obligada y han sido traducidos y editados en varios
países. Este material ha sido objeto de estudio de investigaciones que profundizaron en
diversos aspectos de la vida del autor y su obra, tales como los sucesos que influyeron en la
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
El libro Escuela de la guitarra- Exposición de la teoría instrumental está compuesto por una serie
de conceptos, estructurados de manera lógica, que ofrecen un encuadre teórico a cada uno de
los problemas que plantea la técnica del instrumento. En este texto se organiza el estudio por
temas y se plantea la importancia de estudiar desde la postura del cuerpo como sostén la
guitarra con sus principales puntos de apoyo, lo que es absolutamente básico, hasta la
necesidad de trabajar los principales aspectos técnicos de cada una de las manos por separado,
y en conjunto. También se explican detalladamente los cuatro cuadernos de la Serie Didáctica,
haciendo énfasis en la correcta realización de los ejercicios y fórmulas. Aquí surgen problemas
fundamentales en el concepto técnico que desarrolla Carlevaro: está la preocupación de
transmitir al estudiante los ejercicios técnicos y su correcta realización; pero al mismo tiempo
la explicación escrita no es lo suficientemente profunda para revelar cómo deberían ser
realizados en términos de movimiento. Tampoco se discrimina el orden de importancia o el
nivel de dificultad de cada ejercicio.
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
Indicaremos ahora dos casos que pueden ser tomados como ejemplo claro de los problemas
encima apuntados. Se trata del ejercicio 13 del Cuaderno Nº3 (mano izquierda) (Figura 1) y del
ejercicio 15 del mismo cuaderno (Figura 2):
Con los ejemplos anteriores se espera haber dejado en claro las principales preocupaciones en
este momento: el correcto ordenamiento de los ejercicios en los cuatro cuadernos de la Serie
Didáctica. La complementación de las explicaciones para la ejecución es una cuestión de suma
importancia, pero no será tratada en este trabajo. Carlevaro publicó cuatro cuadernos en la
Serie Didáctica. Analizarlos todos en lo que respecta al orden de presentación y la explicaciones
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
complementarias para cada ejercicio demandaría un espacio que sobrepasaría por mucho los
límites del presente artículo. Decidimos, por lo tanto, que en el presente trabajo se revisarán
específicamente los ejercicios del Cuaderno Nº4 de la Serie Didáctica, analizándolos y
estableciendo un orden lógico de prioridades para su estudio. Este será el foco principal en este
trabajo.
Del punto de vista metodológico será hecha una selección de una parte del Cuaderno Nº4 a
trabajar, en seguida será hecho el encuadre teórico con las cuestiones tratadas en el libro
Escuela de la guitarra- Exposición de la teoría instrumental donde se explican los fundamentos
de los ejercicios. A partir de ahí, se realizará la confrontación entre los dos aspectos para
después proceder a un análisis de la situación, culminando en una revisión crítica con un nuevo
ordenamiento según el grado de dificultad.
Este artículo se centrará en el análisis de la primera parte del Cuaderno Nº4, los ligados de mano
izquierda. En esta sección también podemos encontrar el contenido dividido en diferentes
secciones:
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
La primera parte de Cuaderno Nº4 está compuesta por 64 ejercicios en total. Allí se pueden
encontrar ejercicios puramente técnicos/mecánicos, ejercicios con cierto desarrollo musical y
un solo ejercicio en forma de estudio1.
En la estructuración del Cuaderno Nº4, no queda claro si es sólo una presentación de distintos
ejercicios o si éstos representan un método para ser estudiado según el orden de aparición.
Carlevaro no menciona, ni en los textos que acompañan los ejercicios de Cuaderno Nº4, ni en el
libro teórico Escuela de la guitarra- Exposición de la teoría instrumental cuál es el criterio de
exposición de los ejercicios y tampoco hace referencia al orden que debe seguir el guitarrista
para estudiarlos. Esto también sucede con los otros tres cuadernos y es causa de muchos
problemas a la hora de llevar a la práctica los ejercicios. Este problema se puede resolver de
mejor manera cuando se tiene contacto con algún discípulo de Carlevaro que haya pasado por
la aplicación de los cuadernos en su estudios; pero la simple lectura de las observaciones que
escribe Carlevaro no son suficientes.
Este trabajo se limitará a hacer una crítica didáctica al planteo de Carlevaro y reestructurar en
un orden lógico el material expuesto en la primera parte del Cuaderno Nº4 de la Serie Didáctica.
En una primera instancia se propone averiguar si todos los ejercicios expuestos en el cuaderno
1 Para el presente trabajo se entenderá por estudio a “una pieza instrumental con cierto interés musical, designada
principalmente a explorar y perfeccionar cierta faceta de la interpretación musical”. (SADIE, S., & TYRRELL, J.,
2002, v.5, p.622)
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TULIAN, Huayma; CAMPOLINA, Eduardo. (2019) Abel Carlevaro y la Serie Didáctica para guitarra: una propuesta de clasificación y
ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
Dado el volumen de ejercicios que componen el Cuaderno Nº4, se deberá crear un criterio bien
definido para determinar qué ejercicios analizar, de qué manera confrontarlos, para
posteriormente poder reordenarlos. Aunque se trata únicamente de ejercicios de ligados, hay
ejercicios con distintas características y no todos ocupan el mismo rol dentro de la práctica
técnica. Para discriminar y seleccionar los ejercicios que se trabajarán en este artículo se
crearán tres categorías: ejercicios básicos, variaciones y ejercicios secundarios.
Los básicos son los ejercicios indispensables dentro de la práctica técnica del guitarrista. Se
consideran indispensables porque trabajan las problemáticas más comunes dentro de la
práctica interpretativa del repertorio guitarrístico tradicional. Al mismo tiempo, una
característica importante de los ejercicios básicos es que ponen énfasis en trabajar la técnica
despojada de musicalidad, con el fin de hacer foco exclusivamente en el problema de mecánica
técnica. Si bien ésta es una característica fundamental de los ejercicios básicos, esto no quiere
decir que todo ejercicio que sea presentado “despojado de musicalidad” será considerado
dentro de ésta categoría. Según Carlevaro, el trabajo técnico necesita dar también espacio a la
musicalidad. Para ello es muy importante trabajar lo mecánico pero al mismo tiempo hacerlo
de una forma creativa:
Este libro trata de dar una respuesta a los complejos problemas relacionados con la
mecánica instrumental y la recreación musical. Su vinculación tiene que ser tan íntima
y sutil que no se sepa cuando comienza una y termina la otra, convergiendo ambas hacia
un mismo punto. Pero para que eso sea una realidad se requiere un tiempo previo, un
tiempo de aprender, para luego convertir lo asimilado en un producto vivo y musical
(CARLEVARO, 1978, p.7).
De esta manera, es importante considerar que los ejercicios despojados de musicalidad invitan
al estudiante a generar diversas variables (cantidad de repeticiones, tiempo de estudio del
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ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
ejercicio para trabajar la resistencia, cambios dinámicos, tímbricos, etc.) que son muy
beneficiosas para evitar la repetición automática de un ejercicio.
Entonces, se considera que todos los ejercicios básicos abordan un trabajo técnico-muscular
específico fundamental y sirven de modelo por su simplicidad para derivar en otros ejercicios
secundarios o con variaciones.
Los ejercicios considerados variaciones son los ejercicios derivados de los básicos, donde al
problema técnico musical específico se le cambian o agregan diversas cualidades. En éstos se
incluye, en relación a la categoría ‘básicos’, cambios en el ritmo, superposición de nuevas
figuras rítmicas, mayor o menor distancia entre los dedos, entre otras. Estos ejercicios son
fundamentales en la práctica técnica pero no serán objeto de estudio en este momento porque
mecánicamente tienen la misma problemática que los ejercicios básicos de donde provienen.
Por lo tanto, es necesario dejar en claro que en esta propuesta de ordenamiento y clasificación
según el nivel de dificultad, se trabajará solamente con la categoría ‘básicos’, y que
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ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
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plantearemos en un trabajo posterior, el mismo análisis aquí aplicado a los ejercicios básicos,
pero en relación a las variaciones y secundarios.
Un segundo punto que estructura nuestra metodología es la clasificación de los ejercicios según
la dificultad de ejecución. Aquí aparece un problema delicado: cada estudiante tiene sus
características propias, presenta mayor o menor facilidad para ejecutar pasajes específicos y
todo esto es muy variable de un estudiante a otro. Consideramos que una clasificación de tipo
iniciante/intermedio/avanzado lida con definiciones muy poco claras. Es difícil definir los
límites dentro de estas categorías y determinar cuándo un estudiante pertenece a cada nivel.
Se optará, frente a ésta cuestión, por una clasificación más neutra; distinguiremos tres
categorías en orden creciente de dificultad que denominaremos I, II y III, nombrando I a los
ejercicios más fáciles y III a los más difíciles. Es necesaria la flexibilidad en el momento de
trabajar con estas clasificaciones, pues no se trata de un orden rígido y no siempre es claro
cómo definir cada ejercicio. Cabrá, obviamente, al maestro refinar su sensibilidad y profundizar
su experiencia pedagógica en el sentido de poder realizar pequeños ajustes en el orden
propuesto en función de las características y capacidades de su estudiante.
Aclaración: el aprendizaje con una buena asimilación de la técnica no sólo depende del ejercicio,
sino cómo éste se estudia. La clasificación en niveles es para evitar que un estudiante que no
tenga cierto desarrollo/resistencia muscular realice un ejercicio que lo lastime o que le
signifique un retroceso más que un avance. Como se afirmó anteriormente, la manera de cómo
realizar los ejercicios, aspecto que se considera de suma importancia, será tratado en una
próxima oportunidad.
A continuación se realizará la selección de los ejercicios que consideramos básicos con sus
justificativas, para posteriormente presentar una propuesta de ordenamiento.
La definición y elección de cuáles son los ejercicios esenciales que componen la categoría básica
no es una decisión simple. No es simple determinar dónde están lo límites, es decir, a partir de
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ordenamiento del Cuaderno Nº4 In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e
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qué punto un ejercicio básico se torna una variación o un ejercicio secundario. Una cuestión de
este orden merece una profunda reflexión por estar en la base de toda esta investigación. Se
intentará resolver esto parcialmente, ya que por su amplitud y significado, tratar este tema
profundamente sería un trabajo que también sobrepasaría los límites de este artículo.
- Ligados simples ascendentes: se considerarán básicos los ligados simples ascendentes con
dedos inmediatos y dedos salteados (Ej. 1 a 6). En estos casos se trata de una acción que
envuelve solo dos dedos, configurándose como los casos de ligados ascendentes más simples
posibles. Las combinaciones (Ej. 7 a 9) serán consideradas variaciones de los ejercicios básicos
de 1 a 6, ya que trabajan los mismos ejercicios de ligados simples pero en una misma posición
y cuerda. También los ligados ascendentes de tres (Ej. 10) y cuatro notas (Ej. 11) serán
considerados variaciones porque son la sucesión de dos o tres ligados simples de manera
seguida, es decir, el mecanismo técnico utilizado para su realización es el mismo utilizado en
los ejercicios anteriores.
- Ligados simples descendentes: de la misma manera que sucede con los ligados simples
ascendentes, se considerarán básicos los ligados simples descendentes con dedos inmediatos y
dedos salteados (Ej. 12 a 17), ya que se trata de los ejercicios más simples posibles. Los
ejercicios 18 a 20 serán considerados variaciones de los ejercicios básicos de 12 a 17, porque
trabajan estos últimos en una misma posición y cuerda; y los ligados descendentes de tres (Ej.
21) y cuatro notas (Ej. 22) serán considerados secundarios, porque son la suma de dos o tres
ligados simples descendentes.
- Ligados mixtos: Los ejercicios 23 a 28, que incluyen dedos inmediatos y dedos salteados serán
considerados básicos porque son todas las combinaciones básicas posibles. En el ligado mixto
se utiliza un ligado simple ascendente seguido de otro descendente o viceversa; para realizarlo
se utiliza un mecanismo técnico con una complejidad específica y no es la simple suma de dos
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ligados simples, por lo que resulta indispensable el estudio de los mismos de manera aislada.
Los ejercicios de 29 a 32 serán interpretados como variaciones de los ejercicios 23 a 28.
- Ligados continuos (Ej. 33 a 34): si bien son muy buenos para el desarrollo de la musculatura
y la resistencia serán considerados secundarios porque pueden ser entendidos como la suma
de varios ligados mixtos en una misma cuerda y posición.
- Trinos sin ceja y con ceja: el ejercicio 35 (sin ceja) y el 37 (con ceja) se considerarán básicos.
Son ejercicios fundamentales para lograr un trino con velocidad, limpieza y exactitud rítmica.
El ejercicio 36 (sin ceja) y el 38 (con ceja) serán considerados secundarios porque se realiza la
acción (el trino) con los dedos 3 y 42 de la mano izquierda, lo cual no es recomendable de hacer
en la práctica interpretativa ya que son los dedos menos ágiles y sería muy difícil lograr un trino
efectivo de esta manera. Estos últimos ejercicios son muy buenos para fortalecer la musculatura
y generar resistencia pero difícilmente puedan ser aplicables a alguna obra del repertorio.
- Ligados dobles ascendentes: son fundamentales ya que precisan de una mecánica técnica
diferente a las tratadas en los ligados anteriores, esto es porque dos dedos en simultaneidad
tienen que realizar el movimiento de golpe sobre dos cuerdas; esto involucra un movimiento
especial de la mano, la muñeca y el brazo, además de exigir la coordinación entre los dedos que
efectúan los ligados. Los ejercicios 39, 40, 42, 43 y 45 serán considerados básicos y los ejercicios
41 y 44 serán considerados variaciones del 40 y 43 respectivamente. Los ejercicios 41 y 44 son
entendidos como variaciones porque son iguales a los ejercicios de los cuales derivan, sin
embargo son presentados sin el concepto de contracción de los dedos; es decir, en estas
variaciones los cuatro dedos de la mano izquierda abarcan cuatro espacios (trastes) en vez de
tres. Los ejercicios de 46 a 52 son variaciones, ya que tienen la misma mecánica técnica que los
ejercicios 39 a 45 solo que se agrega mayor separación entre las cuerdas. Los ligados dobles
ascendentes con ceja (ejercicios de 53 a 57) también serán considerados básicos.
2 En la escritura para guitarra, los números arábigos del 1 al 4 indican los dedos de la mano izquierda,
representando el 1 el dedo índice, el 2 el dedo medio, el 3 el anular y el 4 el meñique.
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Los ligados simples descendentes con cuerdas al aire (Ej. 58) y ligados descendentes con
cuerdas al aire utilizando una posición fija (Ej. 59) serán considerados secundarios por estar
planteados como pieza de estudio, es decir, no son expuestos despojados de musicalidad. Si
bien son problemáticas técnicas muy frecuentes en el repertorio, Carlevaro no los plantea como
ejercicios trabajando cada dedo por separado y después en combinaciones. Sería importante,
para un futuro trabajo, realizar una crítica a este planteo y determinar si se podrían proponer
nuevos ejercicios abstractos que aborden específicamente este aspecto técnico.
El ejercicio 63, de ligados simples descendentes con un dedo fijo será considerado secundario
por también estar planteado en forma de estudio y por trabajar varios aspectos técnicos en un
mismo ejercicio: ligados descendentes con cuerdas al aire, dedos fijos y traslado transversal de
los dedos de la mano izquierda.
Para finalizar la primera parte del Cuaderno Nº4, Carlevaro agrega un “Estudio con ligados
dobles ascendentes” (Ej. 64). Será considerado secundario por estar planteado en un contexto
musical, además, en el mismo se trabajan ligados dobles ascendentes con y sin ceja, similares a
los trabajados anteriormente en los ejercicios de ligados dobles.
De los 64 ejercicios expuestos en la primera parte del Cuaderno Nº4, 30 se consideran básicos,
y sobre ellos nos concentraremos en el trabajo de ordenamiento. A continuación se presentará
una propuesta de ordenamiento según el grado de dificultad.
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Ante el poco claro criterio de estructuración del Cuaderno Nº4, se torna necesario brindar un
nuevo ordenamiento, fundado en el grado de dificultad de cada ejercicio básico. El nuevo orden
permitirá estudiar los ejercicios de manera más ordenada y, dependiendo del grado de
experiencia del estudiante, se podrán afrontar los ejercicios más adecuados para cada etapa de
aprendizaje. Para facilitar la lectura de este punto se creó un anexo en el final de este artículo
con ejemplos de los ejercicios básicos seleccionados.
El principal criterio para clasificar los ejercicios se basará en las características de la mano
izquierda frente a las exigencias del ejercicio. Cada dedo posee características particulares y a
su vez, cada combinación o interacción entre ellos es diferente. Los dedos 1 y 2 son los que
tienen más control en términos de movimientos finos; y al contrario, los dedos 3 y 4 son más
débiles y menos precisos3. La interacción entre los dedos 2 y 3 presenta la mayor dificultad
porque ambos comparten un único tendón, esto tiene como consecuencia una dificultosa
independencia de movimiento entre ellos. Los ligados que involucran de manera sucesiva los
dedos 3 y 4 son los más inestables para la mano y suelen generar tensiones involuntarias. Es
importante aclarar que en los ligados intervienen considerablemente otros movimientos más
allá de los dedos; es fundamental la posición y presentación de la mano, y el movimiento
complejo que tienen que realizar el brazo, la mano y la muñeca para ayudar a los dedos a
percutir o tirar de la cuerda.
A seguir, se discriminarán los ejercicios básicos según el grado de dificultad, observando las
características de cada uno y se propondrá un nuevo ordenamiento:
- Ligados simples ascendentes: los ejercicios considerados para el nivel de dificultad I son el 1
y el 4, principalmente porque realizan la acción con los dedos más hábiles de la mano izquierda
(1-2 y 1-3). También, trabajando estos ejercicios es más fácil el control de los movimientos que
3 Hacemos este tipo de afirmación basados en nuestra experiencia como estudiosos del instrumento, y también en
nuestra práctica pedagógica. Cabe observar que estas verdades del punto de vista práctico deben ser mejor
aclaradas y estudiadas del punto de vista científico en el campo de la anatomía de la mano, lo que será desarrollado
en futuros trabajos.
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tiene que realizar la mano y la muñeca, por lo tanto, son los ejemplos ideales para afrontar el
primer contacto con los ligados ascendentes. En orden creciente de dificultad, para el nivel II,
se puede sumar el ejercicio 5(2-4), que agrega un ligado con dedo 4 y ya precisa del movimiento
del brazo, mano y muñeca. Ya para el nivel de dificultad III se agregan el ejercicio 2 (2-3) y 6 (1-
4), que requieren de movimientos más complejos de brazo, muñeca y mano para ayudar los
dedos más débiles a percutir la cuerda.
- Ligados simples descendentes: para el nivel I se eligen los ejercicios 12 y 15 porque también
realizan el ligado con los dedos más fuertes (2-1 y 3-1) y no precisan de tanta prolijidad en la
presentación de la mano izquierda sobre el diapasón4. En el nivel II se agregan los ejercicios 16,
17 (dedos 4-2 y 4-1) que ya requieren de una buena presentación longitudinal de la mano sobre
el diapasón y un considerable desarrollo de la musculatura. Para el nivel III se suman los
ejercicios 13 y 14 (dedos 3-2 y 4-3) donde es indispensable tener una correcta presentación de
la mano para no perder la estabilidad de la misma y un alto grado de resistencia porque se
trabaja con los dedos más débiles.
- Ligados mixtos: de la misma manera que pasa con los ligados simples, para el nivel I se eligen
los ejercicios 23 (1-2-1/2-1-2) y 26 (1-3-1/3-1-3) porque trabajan con los dedos más fuertes y
esto permite mayor estabilidad y control de la posición de la mano. Para el nivel II se suman los
ejercicios 27 (2-4-2/4-2-4) y 28 (1-4-1/4-1-4) que precisan de un mayor desarrollo de la
musculatura en los dedos y un movimiento especial de mano, muñeca y brazo para ayudar al
dedo 4 a golpear y tirar de la cuerda. En el nivel III se agregan los ejercicios 24 (2-3-2/3-2-3) y
25 (3-4-3/4-3-4), los cuales resultan de mucha dificultad porque se realizan con los dedos más
débiles y suelen provocar mucha tensión y fatiga en la mano; también precisan de todo el brazo
para ayudar a los dedos a hacer más efectivo el ligado.
- Trinos sin ceja y con ceja: en este caso, no se selecciona ningún ejercicio de trino para el nivel
I, ya que para estos ejercicios es necesario un cierto de grado de experiencia previa con los
4 Carlevaro denomina “presentación de la mano izquierda a la forma que se disponen los dedos en el diapasón“
(CARLEVARO, 1978, p.77). Sobre la presentación longitudinal define: “Los dedos son presentados siguiendo la
dirección de las cuerdas, pero no se colocan por sí solos: obedecen a la actitud de la mano […] Cada dedo se
encuentra en un espacio diferente; enfrentados simultáneamente a una misma cuerda, nos dan una idea
longitudinal, una relación de paralelismo con respecto al largo del diapasón”. (CARLEVARO, 1978, p.77)
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- Ligados dobles ascendentes: como sucede con los trinos, no se elige ningún ejercicio de ligados
dobles para el nivel I porque se precisa fundamentalmente de un trabajo previo con los ligados
simples ascendentes. Además, son ejercicios que requieren de mucha fuerza y coordinación en
los dedos. Para el nivel II se eligen los ejercicios 54 y 56 (con ceja); en este caso, la ceja (con
dedo 1) funciona como punto de apoyo importante para la mano y otorga mayor estabilidad
para poder realizar el movimiento de los otros dedos. Como con la ceja se pulsan dos notas con
un solo dedo, los otros dos dedos, que tienen que realizar el movimiento de percutir las cuerdas,
tienen más libertad de movimiento; por esto, es recomendable empezar a trabajar los ligados
dobles primero con la utilización de la misma. Los ligados dobles sin ceja involucran los cuatro
dedos (dos dedos pulsando dos notas y dos dedos preparados para percutir las cuerdas), esto
limita mucho el movimiento de la mano entonces la acción depende casi exclusivamente de la
fuerza y independencia de los dedos. Por este motivo, para el nivel III se agregan los ligados
dobles 39, 40, 42, 43 y 45 sin ceja, y también 53, 55 y 57 con ceja. En estos ejercicios es
fundamental tener mucha experiencia previa con los ligados y ser muy consiente de la
relajación de todo el bazo y de los movimientos de los dedos, manos y muñeca.
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Ligados dobles
ascendentes
- - Ej.: 39, 40, 42, 43, 45
Ligados dobles
ascendentes c/ceja
- Ej.:. 54, 56 Ej.: 53, 55, 57
6 – Conclusiones
Al afrontar este trabajo fue fundamental delimitar el objeto de estudio para poder adecuarse a
los límites del artículo. Si bien el objetivo primario de este trabajo era analizar todo el Cuaderno
Nº4 de la Serie Didáctica, se tuvo que restringir el contenido y se puso foco sólo en la primera
parte del mismo, donde se trabajan específicamente los ejercicios de ligados de mano izquierda.
A su vez, se procuró delimitar aún más, creando categorías que permitiesen trabajar sólo con
los ejercicios fundamentales e indispensables dentro de la práctica técnica del guitarrista. De
esta manera, surgieron las categorías básico, variación y secundario; y se resolvió ordenar
según el grado de dificultad sólo los ejercicios básicos.
Después de todo el proceso de delimitación, donde se analizaron todos los ejercicios expuestos
en la primera parte del Cuaderno Nº4 y las explicaciones de los mismos en el libro Escuela de la
guitarra- Exposición de la teoría instrumental, surgieron otras problemáticas igual de
importantes y necesarias, que deben ser profundizadas. Por un lado, es necesario ahondar
sobre la definición y elección de cuáles son los ejercicios esenciales (básicos) en la técnica
guitarrística; y por otro, se precisa de una explicación escrita lo suficientemente profunda para
indicar cómo deberían ser realizados lo ejercicios en términos de movimiento.
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- No es simple determinar qué es un ejercicio básico y a partir de qué punto éste se torna una
variación o un ejercicio secundario. Una cuestión de este orden merece una profunda reflexión
y análisis.
- Carlevaro trata algunos aspectos técnicos básicos sólo en un contexto musical; es decir, no
presenta estos aspectos técnicos en forma de ejercicios despojados de musicalidad y de la
manera más simple posible. Entonces, se debe determinar si se podrían agregar, en futuros
trabajos, ejercicios básicos que aborden específicamente estos temas que Carlevaro sólo trabaja
en forma de estudio musical.
Sobre la clasificación según el grado de dificultad de los ejercicios básicos se puede concluir
que:
- Los ejercicios de ligados de mano izquierda que se realizan con el dedo 1 en combinación con
el dedo 2 o el dedo 3 son los más recomendables para el nivel I, y los que involucran el dedo 3
en combinación con el dedo 2 o el dedo 4 son los más difíciles de realizar y se encuentran en la
categoría III. Esto se corresponde con las características de la mano, los dedos 1 y 2 son los más
fuertes y hábiles, el dedo 3 (por compartir tendón con el dedo 2) tiene poca independencia de
movimiento y menos fuerza que los anteriores; y el dedo 4 es el más débil aunque tiene más
libertad de movimiento que el dedo 3.
- Los ejercicios se deben ir sumando a medida que se estudian: los ejercicios del nivel I deben
seguir siendo realizados por los estudiantes que ya estudian ejercicios del nivel II y III. Entonces
se entiende que el nivel III es la suma de todos los ejercicios.
- Los distintos tipos de ligados de cada nivel se deben trabajar en simultaneidad. Un estudiante
de nivel I debería estudiar al mismo tiempo todos los ligados del Nivel I; lo mismo sucede para
los niveles II y III. Por esta razón, sería mejor la representación de la clasificación según el nivel
de dificultad de la siguiente manera:
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Referencias
3. CARLEVARO, A. (1973a) Cuaderno No2; Técnica de la mano derecha. Buenos Aires: Barry.
4. CARLEVARO, A. (1973b) Cuaderno No3; Técnica de la mano izquierda. 3ed. Buenos Aires:
Barry.
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11. HOWARD, F.; KENNETH L. H. Study. In: SADIE, S., & TYRRELL, J. (eds.) The new Grove
dictionary of music and musicians (2nd ed., v.5, p.622). New York, 2002.
En la primera figura del anexo se presenta un ciclo entero del ejercicio 1 como lo plantea
Carlevaro en el Cuaderno Nº4 de la ‘Serie Didáctica’; en las siguientes figuras se presenta apenas
el inicio de cada ciclo de cada ejercicio.
5Todas las figuras que están en este anexo fueron tomadas del Cuaderno Nº4 de la ‘Serie Didáctica’ (CARLEVARO,
1973, p.5-22).
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Trinos
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Huayma Tulian es Licenciado en Guitarra por la U.N.Cuyo, con diploma de honor por ser el
mejor promedio del grupo de Carreras Musicales de la Facultad de Artes y Diseño. Ha realizado
cursos de perfeccionamiento con reconocidos guitarristas nacionales e internacionales. Ha
ofrecido diversos conciertos como solista y como miembro de grupos de música de cámara en
distintas salas de Argentina y en distintos festivales de música académica y popular. Desde el
2011 hasta la actualidad estudia composición, orquestación y análisis musical con el maestro
Dante Grela, y forma parte del CEMUC (Centro de Estudios de Música Contemporánea) donde
se desempeña como compositor e intérprete de guitarra. Actualmente forma parte del equipo
docente de la cátedra de guitarra en la Facultad de Artes y Diseño de la U.N.Cuyo.
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Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.96-116.
(premier prix) por el Conservatoire de Saint Maur (Francia). Cursó la graduación y pos
graduación en Musicología en la Université de Paris VIII y estudió composición con Philippe
Manoury. Obtuvo el grado de magister por la Faculdade de Educação de la UFMG en 2002,
donde elaboró una reflexión sobre la enseñanza de la Armonía en el desarrollo de la pedagogía
occidental. Concluyó el doctorado por la Escola de Belas Artes de la UFMG/Universidade de
Paris 8, donde trabajó sobre el concepto de técnica en la creación artística en los siglos XX e XXI
– entre música y pintura. Publicó en 2001, junto con la profesora Virgínia Bernardes el libro
“Ouvir para escrever ou compreender para criar”, con una propuesta pedagógica para la
disciplina percepción musical.
116
BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Rodrigo Borges
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso poético-musical em Clube da Esquina n°2, de Lô
Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. Como instrumental metodológico, utilizamos entrevista
semiestruturada – em abordagem qualitativa – com o autor da letra, Márcio Borges, gravada em outubro de2018.
Os dados coletados e selecionados foram analisados a partir das reflexões propostas por FOUCAULT (2012) em A
Ordem do Discurso, e à luz dos conceitos de dialogismo apresentados por Bakhtin e rediscutidos por FIORIN
(2010). Concluímos, nesse contexto, que a canção Clube da Esquina n°2 é política, dialógica e histórica. A análise
também evidenciou que a canção Clube da Esquina nº2 possui em seu discurso, implicitamente, as três formas de
exclusão apresentadas por FOUCAULT (2012) – interdição, oposição entre razão e loucura e entre verdadeiro e
falso – e, de forma mais evidente na letra, em consonância com o pensamento de Bakhtin, o diálogo entre a voz de
autoridade, ptolomaica, centrípeta, e a voz particular de Márcio Borges, hibridizada, centrífuga e galileana.
Esperamos contribuir para que intérpretes e público percebam a performance como ação construída nas inter-
relações entre diferentes vozes sociais.
Palavras-chave: Clube da Esquina; Análise do Discurso em Foucault e Bakhtin; Milton Nascimento, Lô Borges e
Márcio Borges; Práticas de performance do canto popular brasileiro.
Abstract: The present article aims to analyze the poetic-musical discourse in “Clube da Esquina n°2” [“From
everything one makes song…”], by Lô Borges, Milton Nascimento and Márcio Borges. As a methodological tool, we
used a semi-structured interview - in a qualitative approach - with the author of the lyrics, Márcio Borges, recorded
in October 2018. The data collected and selected were analyzed based on the reflections proposed by FOUCAULT
(2012) in A Order of Speech, and in light of the concepts of dialogism presented by Bakhtin and discussed by FIORIN
(2010). We conclude, in this context, that the song “Clube da Esquina nº2” is political, dialogic and historical. The
analysis also showed that the song Clube da Esquina nº2 possesses in its discourse, implicitly, the three forms of
exclusion presented by FOUCAULT (2012) - interdiction, opposition between reason and madness and between
true and false - and, more clearly in the lyrics, in line with Bakhtin's thinking, the dialogue between the voice of
authority, Ptolemaic, centripetal, and the particular voice of Márcio Borges, hybridized, centrifugal and Galilean.
We hope to help interpreters and the public to perceive performance as an action built through relationships
between different social voices.
Keywords: Clube da Esquina; Speech Analysis in Foucault and Bakhtin; Milton Nascimento, Lô Borges and Márcio
Borges; Performance practice in Brazilian popular song.
117
BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
1 – Introdução
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Para analisar a ordem do discurso proposta por FOUCAULT (2012) é importante estabelecer a
interseção entre linguagem e performance. Como ponto de partida, propomos o conceito de
reprodução musical, de ADORNO (2003, p.441), que considera a leitura de uma obra uma
interpretação e esta, por sua vez, envolve a integralidade da condição humana, incluindo
aspectos éticos, políticos e sociais.
De que maneira pode a leitura de uma obra revelar o grau de liberdade que ela
proporciona para o intérprete que a executa – isto me parece a tarefa central de uma
teoria da reprodução, a qual, entretanto, como teoria, não poderia penetrar o que se
funde indissoluvelmente em sua configuração e que, em sua plenitude, envolve o
imitador como homem inteiro (ADORNO, 2003, v.19, p.441).
BENJAMIN (1980) destaca o hic et nunc – o aqui e agora – da reprodução musical, que vincula
a unidade histórica da obra de arte à presença no local onde esta acontece.
Na musicologia, KUEHN (2012, p.13) associa a “teoria dos atos de fala”, de Langshaw Austin,
baseada na linguística, e a performance artística, para desenvolver a seguinte equação
conceitual, que remete à mímica e à atuação cênica: ato + ação = atuação. A questão central
versa sobre o que acontece exatamente no momento do ato performativo da fala – em
consonância com o que observamos no hic et nunc da prática musical. Toda apresentação
2
A entrevista foi gravada para o 4º Congresso de música Nas Nuvens e encontra-se disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=IZkuLJuHFng
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
musical só se completa a partir da interação do (da) performer com o público presente e, por
conseguinte, a construção de sentidos que acontece nesse processo influencia e transforma
todos os atores diretamente envolvidos no ritual da performance. Sob este aspecto, a
performance foi, é, e será, inexoravelmente, dialógica, social e histórica.
Austin parte da ideia de que nós não apenas procuramos reproduzir, por meio da
linguagem ou discurso, o mundo ao nosso redor, mas também de que própria linguagem
é capaz de criar, por intermédio de determinadas enunciações, fatos novos que, de
alguma forma, incidem sobre a realidade do nosso mundo social (assim, por exemplo,
ocorre numa cerimônia de casamento, quando o casal é declarado marido e mulher). As
palavras enunciadas, portanto, não são necessariamente uma mera consequência do
mundo que nos cerca. Também é possível o mundo social constituir-se de acordo com
os nossos enunciados (KUEHN, 2012, n.26, p.13).
O discurso, em suas múltiplas formas, também se realiza na esfera social e, portanto, sugere
lutas, vitórias, derrotas, libertações, dominações, servidões e inquietações. Tais
desdobramentos conduzem à seguinte hipótese elaborada por FOUCAULT (2012):
[...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação,
mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar
(FOUCAULT, 2012, p.10).
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
O segundo princípio de exclusão vigente em nossa sociedade reside na oposição entre razão e
loucura, não mais pela interdição, mas pela separação e rejeição. FOUCAULT (2012, p.10-13)
constata que durante séculos fechavam-se os ouvidos para a palavra do louco que, ou era
rejeitada tão logo proferida, ou era tomada como verdade ingênua, secretamente investida pela
razão. De qualquer maneira, inexistente. Atualmente, a separação se exerce por outras vias, por
meio de instituições que controlam os sistemas de informação, educação e induzem, muitas
vezes, as apropriações sociais e culturais.
O terceiro sistema de exclusão proposto por FOUCAULT (2012, p.13-17) considera a oposição
entre o verdadeiro e o falso, separação esta construída historicamente. Nos poetas gregos do
século VI, por exemplo, o discurso verdadeiro associava-se a quem por direito poderia
pronunciá-lo, que representava a justiça e tinha o poder de profetizar o futuro e provocar a
adesão dos homens, em trama com o destino. Um século mais tarde, com Platão, estabeleceu-
se a divisão entre discurso verdadeiro e discurso falso, agora desconectado do exercício do
poder. Por volta dos séculos XVI e XVII surge a vontade científica do saber.
[...] apareceu uma vontade de saber que , antecipando-se a conceitos atuais, desenhava
planos de objetos possíveis observáveis, mensuráveis, classificáveis; uma vontade de
saber que impunha ao sujeito cognoscente (e de certa forma antes de qualquer
experiência) certa posição, certo olhar e certa função (ver, ao invés de ler, verificar, ao
invés de comentar); uma vontade de saber que prescrevia [..] o nível técnico do qual
deveriam investir-se os conhecimentos para serem verificáveis e úteis. Tudo se passa
como se, a partir da grande divisão platônica, a vontade de verdade tivesse a sua própria
história, que não é das verdades que constrangem: história dos planos de objetos a
conhecer, história das funções e posições do sujeito cognoscente, história dos
investimentos materiais, técnicos, instrumentais do conhecimento (FOUCAULT, 2012,
p.15).
Ao fim e ao cabo, a vontade de verdade anseia o desejo, o poder e a exclusão daqueles que
apresentam discurso que se contraponha à ordem vigente. Textos religiosos, jurídicos, em certa
medida, científicos, literários, e, na musicologia, os registros musicais, ou partituras, tornam-se,
muitas vezes, narrativas maiores que se contam, se repetem e ganham, muitas vezes, status de
verdade absoluta. Controla-se, a partir da origem do discurso, os seus poderes, as condições
para comentários e repetições, disfarçadas com a aura de novos discursos, mas que,
fudamentalmente, apenas repetem os cânones nos quais se baseiam. As instituições de nossa
sociedade, em grade medida, são responsáveis por estipular regras e limitações e,
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
O ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que, no jogo
de um diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e
formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os comportamentos, as
circunstâncias e todo o conjunto de signos que deve acompanhar o discurso; fixa, enfim,
a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se
dirigem, os limites de seu valor de coerção (FOUCAULT, 2012, p.37).
Mais adiante, no item 4, veremos como essas três formas de controle e delimitação do discurso
baseadas na exclusão – interdição, oposição entre razão e loucura, e oposição entre o
verdadeiro e o falso – atuam na canção Clube da Esquina nº 2, e quais são as estratégias
utilizadas por seus autores para superá-las, de modo a contrapor os enunciados hegemônicos
à época, amplamente divulgados por instâncias de poder do Estado, por grandes grupos de
mídia, e até por parte da sociedade, que assimilava e reproduzia narrativas favoráveis à
manutenção do status quo. Seria a canção Clube da Esquina nº 2, de certa forma, influenciada
pelos discursos de exclusão, em pleno momento da ditadura brasileira? Quais foram as ideias
criativas dos autores para tentar ultrapassar os círculos de poder do discurso?
Vimos no capítulo anterior que toda performance é dialógica, social e histórica. Interessa-nos
reconhecer como diferentes vozes sociais interagem na canção Clube da Esquina n º 2, e suas
ligações com o momento social e histórico dos anos 1960 e 1970. Portanto, na sequência deste
artigo abordaremos os três conceitos de dialogismo propostos por Bakhtin, para,
porteriormente, traçarmos paralelos com o discurso poético e musical da composição.
O primeiro deles pressupõe que todo enunciado é dialógico. Logo, o dialogismo é a expressão
do funcionamento da liguagem e opera como princípio constitutivo do enunciado. Este, por sua
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
vez, nasce como réplica de outro enunciado e, dessa forma, podemos afirmar que nele ouvimos,
invariavelmante, duas vozes, mesmo que não manifestas no corpo do discurso. FIORIN (2010)
afirma que:
Um enunciado é sempre heterogêneo, pois ele revela duas posições, a sua e aquela em
oposição à qual ele se constrói. Ele exibe seu direito e seu avesso. Por exemplo, quando
se afirma “Negros e brancos têm a mesma capacidade intelectual”, esse enunciado só
faz sentido porque ele se constitui em contraposição a um enunciado racista, que
preconiza a superioridade intelectual dos brancos em relação a outras etnias. Essa
declaração deixa ver seu direito, a afirmação da igualdade intelectual de brancos e
negros, e seu avesso, a superioridade intelectual dos brancos. Numa sociedade em que
não houvesse racismo, não faria sentido, por ser absolutamente desnecessária a
asseveração de igualdade acima mencionada (FIORIN, 2010, p.24).
FIORIN (2010) também esclarece que o vocábulo “diálogo” pode significar “solução de
conflitos”, “entendimento” ou “produção de consenso”, e que tais definições levariam a pensar
que Bakhtin é o filósofo da conciliação entre os homens. Não é o que acontece. As relações
dialógicas também podem ser conflituosas, antagônicas, polêmicas e divergentes.
Importante ressaltar que a relação contratual com determinado enunciado, bem como a
aceitação de seu conteúdo, se estabelecem no ponto de tensão com outras vozes sociais.
Portanto, a contradição pode ser considerada característica inerente dessa construção. Bakhtin
considera tais vozes, presentes nas relações dialógicas, tanto sociais como individuais e
evidencia a relação entre elas.
Em primeiro lugar, o filósofo mostra que a maioria absoluta das opiniões dos
indivíduos é social. Em segundo, explica que todo enunciado se dirige não somente a
um destinatário imediato, cuja presença é percebida mais ou menos conscientemente,
mas também a um superdestinatário, cuja compreensão responsiva, vista sempre como
correta, é determinante da produção discursiva. A identidade desse superdestinatário
varia de grupo social para grupo social, de uma época para outra, de um lugar para
outro: ora ele é a Igreja, ora o partido, ora a ciência, ora a “correção política”. Na medida
em que toda réplica, mesmo de uma conversão cotidiana, dirige-se a um
superdestinatário, os enunciados são sociais (FIORIN, 2010, p.27).
Bakhtin também nos apresenta o segundo conceito de dialogismo, que nasce da incorporação
pelo enuciador da voz – ou vozes – do outro(s) no enunciado, adquire forma composicional e
se torna visível por evidenciar externamente outras vozes no discurso. Segundo FIORIN (2010,
p.33), há duas maneiras de inserir o discurso do outro no enunciado:
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Bakhtin denomina como ptolomaica o tipo de consciência mais rígida, que se organiza em torno
de um centro fixo, tal qual o sistema planetário de Ptolomeu, no qual a Terra era fixa. Já a
consciência galileana, mais aberta, flexível e mutável, não se organiza em torno de um centro
fixo, em consonância com o sistema de Galileu.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
constroem uma teia semântica complexa, que leva a compreensão da História 3 para outro
patamar, muito além da mera descrição de uma época ou da simples narrativa de determinado
autor. A História é construída no interior do sentido.
Clube da Esquina nº2 nasceu da parceria entre Lô Borges, criador da harmonia, e Milton
Nascimento, responsável pela melodia, e foi gravada originalmente em 1972, como
instrumental, sem letra, no icônico álbum Clube da Esquina. Segundo BORGES (2018), os pais
da canção acreditavam que a concepção criativa encontrava-se encerrada e repleta de sentido.
Não cogitavam nenhuma construção poética adicional. Nana Caymmi subverteu o desejo dos
autores originais e pediu que Márcio Borges fizesse – à revelia de Lô e Milton – uma letra para
que ela incluísse a canção em seu, à época, novo álbum4.
[...] A Nana Caymmi ia gravar um disco. Então, eu me encontrava muito com ela,
frequentava a casa dela, a gente se encontrava no Baixo Leblon, no Restaurante
Guanabara, a gente comia uma pizza juntos, tomava um chopp, batia muito papo. Numa
dessas conversas ela virou pra mim e falou assim: “Marcinho, o negócio é o seguinte,
quero gravar aquele instrumental do disco do Clube da Esquina [...]. Por que você não faz
uma letra pra essa música”? Um jeito muito livre de falar, que era o jeito dela, né, assim
bem espontâneo, cheio de gíria, alguns palavrões aqui, outro ali, bem do estilo dela [...].
3
Saímos do conceito que considera a “História” como conhecimento adquirido pela investigação do passado da
humanidade para nova interpretação, construída por meio da correlação dialógica entre indivíduos e instituições,
e pela significação dos enunciados que, por sua vez, se moldam e se transformam socialmente.
4 O álbum “Nana Caymmi”, com a gravação de Clube da Esquina nº2, foi lançado em 1979.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
E me convenceu por bem ou por mal, a fazer essa música, eu diria, clandestinamente
(BORGES, 2018).
BORGES (2018) revela que Clube da Esquina nº2 talvez tenha sido a letra na qual gastou mais
tinta e papel, certamente pela necessidade de se produzir uma narrativa que fosse considerada
irrefutável pelos criadores originais da composição. E ele conseguiu: Lô Borges registrou sua
versão da música em 1979, no álbum A Via Láctea; e Milton Nascimento gravou-a em 1993, no
disco Angelus.
E lá se vai
Mais um dia
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
E lá se vai
Mais um dia
E lá se vai
Clube da Esquina nº2 foi concebida como continuação da canção Clube da Esquina, também com
letra de Márcio Borges, cuja narrativa referia-se ao amadurecimento de dois de seus autores –
Lô e Milton – que inauguravam, naquele momento, a histórica parceria. A poesia desta sugeria
um rito de passagem, com os jovens da esquina tornando-se homens e enfrentando a solidão da
noite, alegoria para se referir ao regime militar que governava o país após o golpe de 1964. Na
nova criação, o poeta incluiu elementos autobiográficos, com metáforas políticas mais
evidentes.
As três formas de exclusão do discurso – que são experimentadas socialmente – propostas por
FOUCAULT (2012, p.9-17) podem ser implicitamente observadas nesta letra. A primeira delas,
a interdição, versa que existe um contrato implícito às relações dialógicas que estabelece
5 Apelido pelo qual Milton Nascimento é chamado por familiares e amigos mais próximos.
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de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
limites para o discurso. Não se pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar, especialmente no
campo da política. Márcio Borges, e seus pares mais engajados como Chico Buarque,
Gonzaguinha, Caetano Veloso, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Gilberto Gil, sabiam disso, e
valiam-se das metáforas para driblar a censura imposta pelo regime militar. O tabu do objeto
seria o próprio desejo pela democracia, latente na impossibilidade de expressão e vocalização
do discurso político contrário ao poder vigente. Existiam regras e rituais de circunstância, com
delimitação – e quase anulação completa – das esferas públicas de discussão. O direito
privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala encontrava-se nas mãos dos generais, nas
informações da grande mídia pautada e financiada pelos grupos de poder político e econômico,
e nos discursos dos acólitos da Justiça e de parte das classes médias das grandes capitais.
Mantendo as devidas proporções, considero relevante pontuar que algumas dessas formas de
interdição, relacionadas aos anos 1960 e 1970, ganharam novamente força e visibilidade após
as manifestações de 2013, marco do recrudescimento dos movimentos de direita – e extrema-
direita – no Brasil. Uma discussão mais aprofundada sobre esse assunto foge ao escopo de nosso
trabalho, mas não poderíamos deixar de mencionar as novas práticas de embate pela primazia
de narrativas e discursos que ganharam relevância na Internet e nas redes sociais, sobretudo
por meio de vazamento seletivo de informação e notícias falsas, as chamadas fake news.
O segundo princípio de exclusão de FOUCAULT (2012, p.10-13) – que opõe razão e loucura –
não mais pela interdição, mas pela separação e rejeição do discurso, evidencia-se na forma com
a qual as instituições de poder se relacionavam, e se relacionam, com os jovens, com as minorias
e com a classe artística. As vozes desses grupos tendem a ser prontamente rejeitadas,
desqualificadas, reguladas e, então, eliminadas, ou tomadas como verdade ingênua. Surgem os
rótulos e os estereótipos: loucos, hippies, drogados, desocupados, malandros, vagabundos e
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
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uma miríade de adjetivos para desconstruir o lugar da fala do outro e anular, absolutamente,
qualquer tipo de relação dialógica.
Na segunda estrofe os versos destacam a transição da juventude à vida adulta. Os “moços” agora
se chamam “homens” e, apesar da realidade crua, ainda mantêm a capacidade de sonhar. Na
sequência, temos uma das expressões mais conhecidas da música mineira e, talvez, brasileira,
segundo o próprio autor, a saber: “os sonhos não envelhecem”. A capacidade imagética do
discurso ganha nova dimensão – doravante contestadora – sobretudo pela conexão com a
metáfora seguinte que, de forma bem direta, sintetiza o momento político do Brasil nos anos
1960 e 1970, conjugando beleza e dureza ao enunciar que “em meio a tantos gases lacrimogênios
ficam calmos, calmos, calmos”.
Enquanto o cara é novo é uma “viagem de ventania”, né, uma coisa que passa “zunindo”.
Aí eu me lembro do filme também, no Jules et Jim6, de novo, entende, quando a Catherine
virava e falava [...] “como já fui jovem um dia”. Então, um pouco essa “viagem de
ventania” lembrava isso, né?! Uma referência direta aos anos que a gente vivia falando
dos “gases lacrimogênios”. [...] No nosso caso a metáfora era muito direta. [...] Então,
quando eu falo de “gases lacrimogênios” todo mundo entende exatamente o que eu
estou falando, entende?! Vem a imagem desse verso. “Em meio a tantos gases
lacrimogênios ficam calmos, calmos, calmos”. Calmos, porém com o coração ligeiramente
disparado, né?! Porque, em meio a gases lacrimogênios a calma é uma coisa a ser
conquistada (BORGES, 2018).
Nesse trecho, a letra de Clube da Esquina nº2 sugere o primeiro conceito de dialogismo de
Bakhtin, o qual considera todo enunciado dialógico, expressão do funcionamento da linguagem,
nascido como réplica a outro enunciado. No discurso criado por Márcio Borges é possível ouvir
pelo menos duas vozes dissonantes: a da juventude, sonhadora e politizada, construída de
forma autobiográfica pelo autor, mas que reverbera desejos socialmente construídos ao
representar a luta pela liberdade e justiça que, naquele período histórico, unificava o
pensamento ideológico da esquerda; e a voz do Estado, cuja mão forte e opressora é
metaforicamente inserida nos enunciados que remetem ao “aço” e aos “gases lacrimogênios” da
6
Jules et Jim é um filme francês de 1962, dirigido por François Truffaut, considerado a gênese do Clube da Esquina.
Após assistirem várias sessões do longa-metragem, os amigos Milton Nascimento e Márcio Borges decidiram se
tornar compositores. Começaram naquela mesma noite, no quarto dos homens do apartamento da família Borges,
no 17° andar do Edifício Levy, na Avenida Amazonas, centro de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. De uma só
vez compuseram Paz do Amor Que Vem, mais tarde rebatizada como Novena, Crença e Gira-Girou, as duas últimas
lançadas no primeiro disco de Milton, em 1967.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
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ditadura militar. O caráter bivocal do discurso também nos remete ao segundo conceito de
dialogismo de Bakhtin.
O desejo pelo poder político enseja disputas relacionadas à legitimação do discurso. Controlar
a construção das narrativas e significados na mídia, nas redes sociais, nos tribunais, partidos
políticos e instituições de ensino, por exemplo, constitui importante passo em direção à
dominação da opinião pública. A precisa colocação de ORWELL (2009, p.47) sobre as relações
de poder, presente no best-seller 1984, aplica-se perfeitamente aos conceitos de exclusão do
discurso elaborados por FOUCAULT (2012), sobretudo no que tange à oposição entre o
verdadeiro e o falso na ressignificação – e transmissão – da História.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
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Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
A terceira estrofe se inicia com uma metáfora musical – “e basta contar compasso” – e evolui
para a necessidade de resistência política por meio da solidariedade e valorização do potencial
de cada indivíduo – “e basta contar consigo” – e para a necessidade de manutenção da luta – e
da esperança, reforçada pela imagem poética na metáfora “que a chama não tem pavio”. O
propósito da vida do poeta surge como elemento autobiográfico logo na sequência: “de tudo se
faz canção, e o coração na curva de um rio, rio, rio”.
Essa imagem, eu gostava muito dela. Fazia parte de um arsenal de imagens, assim, que
eu conversava muito com o Élder, que é amigo do Telo, amigo da nossa família. [...] Dois
versos que ele gostava: “isso não se apaga como uma vela”. Porque a vela tem pavio.
Agora, essa outra chama é a “chama que não tem pavio”. Então, não tem como apagar
essa chama (BORGES, 2018).
Na entrevista, BORGES (2018) revela que a quarta estrofe, com os versos que derramam o “rio
de asfalto e gente”, e entoam “esquina mais de um milhão, quero ver então a gente, gente, gente”,
celebra o crescimento das carreiras de Milton e Lô que, na ocasião, começavam a lotar os
ginásios e se apresentar para plateias cada vez maiores. O Clube7, paulatinamente, ampliava as
fronteiras artísticas de Minas Gerais.
Podemos inferir que durante toda a construção poética de Clube da Esquina nº2 evidencia-se o
terceiro conceito de dialogismo de Bakhtin, com consciência galileana – aberta, flexível,
centrífuga e hibridizada – historicamente apreendida, constituída em relação ao outro,
sobretudo seus pares, jovens de esquerda, universitários e/ou ligados a movimentos sociais,
intelectualizados, politizados e apaixonados pelo fazer engajado da arte. Dessa forma, o autor
não seria totalmente influenciado pelas estruturas sociais, embora demonstre sensação de
pertencimento à juventude cujas característica citamos há pouco, e muito menos movido
unicamente pela subjetividade. O caráter autobiográfico da letra reflete o mundo interior de
Márcio Borges, formado por vozes concordantes e dissonantes, e contribui para
constantemente ressignificar o mundo exterior que, por sua vez, nunca está acabado,
7
“Clube da Esquina” é uma expressão criada por Maria, ou Maricota, matriarca dos Borges, para definir a esquina
das ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Santa Tereza, bairro da zona leste de Belo Horizonte, a cerca de 100 metros
da casa da família, na qual suas filhas, filhos, amigas e amigos se encontravam para conversar, tocar violão e se
divertir. Márcio Borges apropriou-se poeticamente da criação da mãe para dar nome a duas músicas feitas em
parceria com Milton Nascimento e Lô Borges, um álbum icônico e um movimento musical espontâneo que colocou
Minas Gerais, definitivamente, no mapa da música mundial.
131
BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
encerrado, mas em constante devir. “E lá se vai mais um dia” e não sabemos o que acontecerá
amanhã. O discurso de Clube da Esquina nº2, em alguns momentos contestador, propõe,
entretanto, abertura e esperança. A beleza poético-musical e a narrativa associada à juventude
acabam por subjugar a dureza da ditadura militar. Nessa canção, prevalece a calma em
detrimento dos gases lacrimogênios que, metaforicamente, representam a voz da autoridade,
do Estado, ptolomaica, centrípeta e impermeável. A criação musical de Lô Borges e Milton
Nascimento contribui de forma decisiva para amenizar o enunciado político da letra, conforme
veremos a seguir.
Para definir a estrutura de Clube da da Esquina nº2 utilizaremos como referência a gravação de
Lô Borges, com participação especial de Solange Borges e arranjo de Wagner Tiso, lançada pela
gravadora EMI-Odeon, em 1979, no álbum A Via Láctea8.
A canção possui compasso 4/4 e a seguinte forma: Intro, AA’BA”BA’’’, Coda. Chamaremos de
seção A (Figura 1) a sequência harmônica 1, e de seção B (Figura 2) a sequência harmônica 2,
ou refrão. A tonalidade é Si maior, base para o desenvolvimento cíclico da harmonia – e da
melodia, que caminha pela escala de Si maior tanto de forma ascendente quanto descendente –
a partir de progressões sobre o 4º, 3º e 2º graus do campo harmônico. Após a primeira execução
da seção B, ou refrão, a seção A” apresenta pequena variação por meio da utilização da terça no
baixo.
Clube da da Esquina nº2 tem grande extensão melódica, com alcance de uma oitava e uma
sétima maior, e a nota mais aguda é um Lá# 4 (Figura 1). Tal característica é pouco usual em
canções, confere maior tensão à linha melódica e ganha destaque nas entradas em falsete de Lô
Borges nos finais das seções A. O canto de Solange Borges provoca a mesma sensação ao entoar
a primeira parte da seção A” – “e basta contar compasso, e basta contar consigo”, uma oitava
acima de Lô para depois retornar à melodia original, na região aguda, porém uma oitava abaixo,
na segunda metade da seção A”, no trecho “de tudo se faz canção e o coração na curva de um rio,
rio, rio”. Os registros agudos da melodia ascendente das primeiras estrofes das seções A,
sustentados na nota Mi 4, são os de maior carga expressiva – e dinâmica na interpretação – e
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Figura 1: Grande extensão (Si2 ao Lá# 4) e sequenciamento melódico em direção ao agudo conferindo
maior tensão ao trecho da canção Clube da Esquina nº2 de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges
(c.1-7, início e término da Seção A com a nota mais aguda da canção; songbook de BORGES e LIMA, 2013, p.70).
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Figura 2: Harmonia (acorde de Dó# menor) e letra (“...lá se vai mais um dia...”) sugerindo melancolia e, de forma
dialógica, esperança em Clube da Esquina nº2 de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges
(c.37-39, início e término da Seção B; songbook de BORGES e LIMA, 2013, p.71).
Na entrevista, BORGES (2018) revela suas referências poéticas, da Nouvelle Vague9 de François
Truffaut, no filme Jules et Jim, passando pelo surrealismo de Luis Buñuel10, até o modernismo
de Stéphane Mallarmé11. O autor também fala sobre a relação entre poesia e música na sua obra.
Mas como eu não queria entregar nada muito bonitinho, nada também tão simples
assim, [...] eu fazia cortes abruptos ali no assunto pra um outro, elisões, eu ia citar como
Equatorial12 como letra enigmática. Enigmática porque eu cortei um monte de verso
que tinha no meio do caminho e deixei ela, assim, sincopada poeticamente, né?! Porque
eu sabia e confiava que esses lapsos de narrativa, muitos propositais como eu tava
falando, eles poderiam ser compensados. Porque eu sabia que eu não tava fazendo um
poema. Eu tava fazendo uma letra de música. Aquilo era pra ser cantado com notas [...],
com evoluções tonais, com harmonia, com arranjo, que tudo faria suprir, na
sensibilidade de quem estivesse ouvindo, aquelas palavras que eu tinha elidido, que eu
tinha eliminado de propósito. [...] Se reparar sob esse aspecto você vai ver que muitas
letras minhas agem dessa forma. Elas fogem de um assunto pro outro sub-
repticiamente. Por que? Porque eu conto com o todo, né?! Eu sei que tem alguém
cantando aquilo. Sei que tem alguém tocando junto. E o efeito da palavra ele entra num
conjunto muito mais amplo, e que amplia, inclusive, o próprio sentido da poesia
(BORGES, 2018).
9 A Nouvelle Vague (Nova Onda) foi um movimento artístico do cinema francês caracterizado pela inventividade,
criatividade, inovação técnica e contestação política. No entanto, a expressão foi lançada por Françoise Giroud,
em 1958, na revista L’Express, ao fazer referência aos novos e talentosos cineastas franceses como François
Truffaut, Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Eric Rohmer.
10 Luis Buñuel Portolés foi um diretor e roteirista de cinema espanhol, naturalizado mexicano. Trabalhou com
promoveu renovação da poesia na segunda metade do século XIX. Sua influência pode ser notada em poetas
contemporâneos como Yves Bonnefoy.
12 A canção Equatorial foi a primeira parceria entre Lô Borges e Beto Guedes, com letra de Márcio Borges.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Para concluir a análise, torna-se premente a conexão das características musicais desta canção
ao terceiro conceito de dialogismo elaborado por Bakhtin, que considera sociossemiótica a
consciência do sujeito, ou seja, formada por discursos sociais que dialogam com construções
internas históricas e particulares, resultante do embate e das inter-relações desses dois tipos
de vozes. Esse mesmo sujeito pode produzir um enunciado como reação emocional às
concordâncias e dissonâncias de seus mundos interno e externo. HEVNER (1936), por sua vez,
associou elementos musicais e emoções em 67 adjetivos que podem descrever uma música e
constatou em sua pesquisa – atualizada posteriormente por SCHUBERT (2003) 13 – que
composições escritas em modo maior tendem a ser consideradas mais alegres e esperançosas
do que composições feitas em modo menor. Isso acontece em Clube da Esquina nº2. A tonalidade
maior, associada ao arranjo quase minimalista de Wagner Tiso, que também tocou piano na
gravação, transmitem a calma e a beleza necessárias ao enfrentamento dos gases lacrimogênios
dos versos de Márcio Borges. A harmonia e a melodia cíclicas da seção A transmitem ideia de
movimento, criam ambientação favorável ao discurso de juventude da primeira estrofe e
proporcionam a Clube da Esquina nº2 ares de canção estradeira, com paisagens poéticas que
funcionam como trilha sonora de um road movie.14 A seção rítmica cadenciada conduzida pela
linha melódica do baixo de Paulinho Carvalho provoca sensação de relaxamento, e a leveza das
cordas que entram nas transições, no refrão, na seção A’’’ e no final da Coda, constroem cenário
de graciosidade e esperança. Tais elementos combinados colocam em primeiro plano a
narrativa da juventude e amenizam o teor político e a carga dramática da segunda estrofe.
Nessa canção, os discursos poético e musical dialogam em relações consonantes e dissonantes.
Contudo, a narrativa poético-musical aqui observada acaba por enaltecer o sentimento de
esperança e liberdade, não sem antes nos oferecer boas doses de melancolia.
5 – Considerações finais
13 A lista de Hevner é referência quando tenta-se identificar as respostas emocionais à música. Farnsworth revisou-
a nas décadas de 50 e 60. Schubert (2003) a atualizou por meio de pesquisa com 133 músicos e uma lista com 91
adjetivos que descreviam as emoções sobre uma música. Também foram utilizados os 67 adjetivos do círculo
original de Hevner e de Farnsworth, além dos adjetivos do modelo de Russell (1980) e do dicionário de afeto de
Whissell (1989). A lista final apresenta 46 adjetivos agrupados em nove grupos de emoção.
14 Road Movie – ou Filme de Estrada – descreve um gênero cinematográfico cuja história se desenvolve durante
uma viagem.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Vivemos em um país – e porque não dizer mundo – polarizado e desigual, no qual diversas
forças sociais, econômicas e políticas lutam pela hegemonia de suas narrativas e pontos de
vista, negam em grande medida a transparência e publicização das informações e manipulam
os espaços públicos de debate e mediação de ideias. FOUCAULT (2012) evidencia que a vontade
de verdade anseia o desejo, o poder e a exclusão de todo e qualquer discurso que se
contraponha à ordem vigente. Controla-se a origem do enunciado e as condições para
comentários e repetições. Estipulam-se regras e limitações para restringir a poucos indivíduos
o acesso à informação. Cada vez mais, torna-se imprescindível que o (a) performer tenha
consciência acerca do discurso que expressa ao público, percepção arguta das inter-relações
sociais e de poder que disputam os ambientes nos quais se realizam a apresentação musical, e
seja aberto(a) à mudança.
Concluímos que a canção Clube da Esquina nº2 possui em seu discurso, implicitamente, as três
formas de exclusão apresentadas por FOUCAULT (2012). A interdição – que socialmente
estabelece limites, regras e rituais para o discurso – é confrontada na poesia pela utilização de
metáforas como “aço” e “gases lacrimogênios”. A oposição entre razão e loucura surge na
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
transições da seção A para a seção B, nas repetições em meio tom dos conflitos entre diferentes
vozes que entoam “aço” e “calmos”.
Por fim, sugerimos para estudo futuro, a partir das considerações aqui elaboradas, traçar um
paralelo entre a canção brasileira atual e a produzida nas décadas de 1960 e 1970, utilizando
novamente a metodologia de análise do discurso poético-musical. Propomos também a
atualização deste artigo pela inclusão da análise comparativa das gravações em estúdio de
Clube da Esquina nº2 nas versões de Nana Caymmi, Lô Borges e Solange Borges, e Milton
Nascimento. Esperamos, assim, contribuir para que intérpretes, musicistas, artistas e público
percebam a performance como ação dialógica e política, flexível, mutável, histórica e
indubitavelmente construída nas inter-relações com diferentes vozes sociais.
Referências de texto
3. FIORIN, J. L. (2010) Introdução ao pensamento de Bakhtin. 1. ed. São Paulo: Ática, 2008,
144p.
5. HEVNER, K. L. (1935) The affective character of the major and minor modes in music.
In: American Journal of Psychology, 47, 1935, p.18-103.
7. ORWEL, G. (2009) 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 416p.
8. SCHUBERT, E. (2003) Update of the Hevner adjective checklist. Perceptual and Motor
Skills, 96, 2003, p.1117-1122.
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
Referência de partitura
1. BORGES, L.; LIMA, B. (orgs.) (2013) Song book Lô Borges. 1. ed. Belo Horizonte, Neutra,
2013.
Referência de áudio
1. Gravação de Clube da Esquina nº2 no álbum A Via Láctea, de Lô Borges (1979)
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=qvDKUKP25qk> Acesso em 27 de
novembro de 2018.
Referência de entrevista
1. BORGES, M. Entrevista presencial semiestruturada realizada para o 4º Congresso de
Música Nas Nuvens. Belo Horizonte, 8 de outubro, 2018. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=IZkuLJuHFng>
Mônica Pedrosa de Pádua é graduada em Canto pela Universidade Federal de Minas Gerais
(1986). Mestre em Canto pela Manhattan School Of Music (1989). Doutora em Letras /
Literatura Comparada pela Faculdade de Letras da UFMG (2009). É professora associada da
Escola de Música da UFMG e foi Diretora da Instituição na gestão 2014-2018. Atua nas linhas
de pesquisa Performance Musical e Sonologia do programa de Pós-graduação em Música. É
coordenadora do Grupo de Pesquisa Resgate da Canção Brasileira inscrito no diretório de
pesquisa do CNPq em 2003. Desenvolve os seguintes projetos de pesquisa: A canção brasileira
de câmara – localização de partituras, catalogação, análise, divulgação, edições de partituras,
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BORGES, Rodrigo; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) “De tudo se faz canção...”: análise do discurso poético-musical em Clube da Esquina n° 2,
de Lô Borges, Milton Nascimento e Márcio Borges. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de
Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.117-140.
registro sonoro; Estudos da Canção de Câmara Brasileira para Canto e Violão – análise,
performance, transcrição, registro sonoro, dicção em português; Sonologia – estudo da voz
como material acústico em sua vinculação com as produções e atividades musicais, estudos
sobre o Português brasileiro cantado. Elaborou, juntamente com pesquisadores brasileiros da
área de Canto, a Tabela Fonética do Português Brasileiro Cantado. Em sua pesquisa de
Doutorado estudou as inter-relações entre música e poesia nas canções de câmara de Lorenzo
Fernandes, quando desenvolveu teorias sobre imagética musical com base na semiologia da
música. Participou da comissão encarregada de elaborar proposta do Plano de Cultura da UFMG,
atendendo a convocação do Edital Mais Cultura nas Universidades, do Minc e MEC. Foi co-
coordenadora do Projeto Plano de Cultura da UFMG e integrante do comitê executivo do Fórum
UFMG de Cultura. Atua regularmente como cantora em música de câmara e concertos com
orquestra como o Requiem de Brahms, o Requiem de Mozart e a Missa Brevis de Beethoven.
140
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Glaw Nader
Universidade Federal de Minas Gerais
Bolsista da CAPES
[email protected]
Mauro Rodrigues
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Estudo sobre a performance de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi,
durante sua apresentação no programa Elis Especial da TV Globo em 1971. Após uma contextualização sobre o
improviso vocal no jazz, abordamos como seus elementos foram incorporados à música popular brasileira.
Constatou-se que, no canto de Elis Regina e Wilson Simonal, há utilização de palavras e trechos da própria letra da
música como elementos temáticos do improviso vocal, propiciando o desenvolvimento de uma linguagem original
de improvisação vocal jazzística brasileira, conforme se notará pela análise da transcrição do improviso de Elis e
Simonal. Essa performance, precedida pela gravação de Elis Regina de Rosa Morena em 1966, compõem os
primeiros registros desse estilo de improvisação no Brasil.
Palavras-chave: improvisação vocal na MPB; práticas de performance do canto; virtuosismo vocal na música
popular brasileira; sambajazz em Elis Regina e Wilson Simonal.
Abstract: A study on the performance of Elis Regina and Wilson Simonal in Rosa Morena by Dorival Caymmi during
its presentation on TV Globo's programElis Especial in 1971. After a contextualization about vocal improvisation
in jazz, we discuss how its elements were incorporated into Brazilian popular music. It was verified that in the
singing of Elis Regina and Wilson Simonal, there is use of words and excerpts from the very lyrics of the music as
thematic elements of the vocal improvisation, providing the development of an original language of Brazilian jazz
vocal improvisation, as will be noticed by the analysis of the transcription of the improvisation of Elis and Simonal.
This performance, and Regina’s previous recording of Rosa Morena in 1966, comprise the first recorded examples
of this style of improvisation in Brazil.
Keywords: vocal improvisation in MPB; vocal performance practices; vocal virtuosity in Brazilian popular music;
sambajazz in Elis Regina and Wilson Simonal.
1 – Introdução
O objetivo desse trabalho é analisar a canção Rosa Morena de Dorival Caymmi na interpretação
de Elis REGINA e Wilson SIMONAL (1971) para compreender elementos do sambajazz, uma vez
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
que esta performance dos dois cantores, até onde pudemos averiguar, representa uma das
primeiras documentadas da improvisação vocal na Música Popular Brasileira, utilizando não a
silabação típica do scat singing, mas a própria letra da canção como estrutura do improviso.
Segundo MONSON (1996), além dos processos através dos quais a improvisação se dá, outro
aspecto importante a ser analisado é a intenção, ou seja, aquilo que o improvisador quis passar
com a performance, comumente chamado em inglês de "to say something" (Saying Something,
1996). Já nesse âmbito a seleção é dada por meio das interações (entre músicos, entre músicos
e plateia, etc.), do contexto cultural, da época e do ambiente da performance.
Para o contexto do jazz na música brasileira e a sua influência sobre a mesma, essencial foi a
existência do Beco das Garrafas, local no Rio de Janeiro onde, nas numerosas boates nas décadas
de 1950 e 1960, os músicos influenciados pelo jazz americano se punham a performar e
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Partindo-se então desse ponto da improvisação vocal, podemos destacar os aspectos mais
relevantes e entender sua importância.
Influenciados pela música e improviso americanos, porém também trazendo consigo elementos
artísticos e estilísticos extremamente brasileiros, Elis e Simonal, em sua performance rica e
cheia de ginga, (conforme pode-se observar a partir da fonte primária desse artigo que é a
performance da música Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971), compõem um
excelente exemplo da improvisação vocal brasileira.
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Elis nasceu em 1945 e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1964, em pleno ano de
implementação da Ditadura Militar. Mudou-se exatamente para tentar carreira, já que na época,
o Rio era a capital da indústria fonográfica do país. Teve uma trajetória extremamente
diversificada, tendo passado pelo rádio, boates, etc.
Entre 1964 e 1967, Elis Regina apresentou ao lado de Jair Rodrigues o programa O Fino da
Bossa. Produzido e exibido pela TV Record, dirigido por Walter Silva, o programa teve tanto
sucesso que gerou a gravação de três LPs ao vivo: Dois na Bossa, Dois na Bossa 2 e Dois na Bossa
3. O LP Dois na Bossa foi o primeiro disco brasileiro a vender um milhão de cópias.
Desde o início, Elis trazia em sua performance grande traço de dramaticidade e expressividade.
Esse fato, ao mesmo tempo que a fez ser criticada pelos conhecedores da estética bossanovista,
conquistou o público. Elis alcançou uma fama meteórica e tornou-se um dos nomes mais
importantes da música brasileira, marcada eternamente pela sua performance viva e bastante
expressiva. Sua performance, entretanto, não permaneceu a mesma durante toda sua carreira.
As fases da própria música brasileira, o desejo de Elis de corresponder às expectativas dos
críticos, dos seus produtores e compositores, tiveram papel ímpar nessas mudanças. Por fim,
Elis passou a tomar aulas com a teatróloga Miram Muniz e após três meses de dedicação e aulas,
ela surge com uma performance extremamente expressiva, consciente e artística. O disco e
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
show Falso Brilhante, que ela lançou em 1976, ganhou o prêmio de melhor espetáculo musical
pela APCA.
Wilson Simonal nasceu em 1938 e iniciou sua carreira como cantor de Bossa Nova, tendo
passado pelo Beco das Garrafas e gravado os sucessos dos grandes nomes do estilo na época
(Roberto Menescal, Silvio Cesar, Billy Blanco, etc.). Sua voz diferenciada e a versatilidade
apresentada, foram suficientes para que seu disco Simonal tem algo mais, fizesse sucesso.
A vontade de implementar swing e movimento ao estilo, entretanto, fez com que Simonal
passasse a buscar, juntamente com seus acompanhantes do Jongo Trio, novos arranjos e ideias
para agregar às performances, chegando até mesmo a tocar Bossa com Big Band, um absurdo
para os criadores bossanovistas. Essa busca por novas vertentes, ideias e roupagens para a
Bossa Nova, foi onipresente no disco seguinte, o S’imbora.
A novidade chocante viria, contudo, na outra metade da década, com novas músicas, novas
roupas, um novo Simonal. O marco para o início dessa nova fase foi a gravação do single Mamãe
Passou Açúcar em Mim (Carlos Imperial/Eduardo Araújo), de maio de 1966. Essa fase, que leva
muitas composições de Carlos Imperial, teve seu principal compositor escolhido de maneira
consciente, pois durante a mesma popularizava-se o movimento da Jovem Guarda, tendo Carlos
Imperial como principal responsável pelo sucesso da mesma. A música, levava influências de
diversos estilos, era sincopada e cheia de swing, foi também o rompimento de Simonal com
estilo da Bossa Nova, mudando por completo, sua direção.
Devido ao grande sucesso da música, o cantor foi contratado pela TV Record para comandar um
programa, o Show em Si...monal. O show conseguia unir, sendo um perfeito meio-termo entre
os dois estilos, os adeptos da Bossa Nova e do iê-iê-iê, chegando a ser considerado algo entre o
Jovem Guarda e o Fino da Bossa. Foi se vendo além dessas disputas entre estilos e livre do
domínio das estéticas, que com a música Carango, de 1966, passa a dar forma a seu próprio
estilo, sendo acompanhado pelo trio Som Três, que contava agora com César Camargo Mariano
no piano, o que influenciou muito no seu novo estilo, que se tornaria depois a Pilantragem.
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Simonal foi um sucesso, tornou-se figura popular através de seu carisma, instituiu um novo
estilo apesar do predomínio da Bossa Nova e da Jovem Guarda e foi o primeiro negro a ter um
programa na TV, apesar é claro, da opinião desfavorável dos críticos. No entanto, a sua postura
fora da politização do momento (por diversas vezes indiferente ao regime militar, chegando até
mesmo a ser considerado favorável ao mesmo), juntamente com boatos e rumores que não se
sabe muito bem onde começaram, de que ele seria um “dedo-duro” do DOPS, o tornaram
bastante impopular. Nenhum músico tocava com ele a partir de então, para não “se queimar”
com os demais artistas.
Tendo seu auge em 1966-69 e declínio em 1972, o legado histórico-musical de um dos maiores
nomes que já passaram pela música brasileira foi quase que deixado de lado. Chegou a cantar
ainda em locais quase que anônimos e não venceu a impopularidade. Adoeceu em meados de
1990, falecendo em 25 de junho de 2000, à margem. Em seu funeral, de todos os músicos que
fizeram parte de sua história, ou foram seus amigos, apenas Jair Rodrigues compareceu.
Uma das características bastante marcantes deste improviso, é o jogo de imitação que ocorre
em forma de conversa, entre Elis e Simonal. Ora o trecho é repetido por ambos, com a mesma
notação, como no exemplo abaixo (Figura 1), ora com notação diferente e/ou movimento
contrário (Figura 2).
ELIS
SIMONAL
146
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Figura 1 - Imitação entre as vozes de Wilson Simonal e Elis Regina em trecho de Rosa Morena (REGINA e
SIMONAL, 1971).
ELIS
SIMONAL
Figura 2 - Repetição em movimento contrário com notação diferente entre as vozes de Elis e Simonal em trecho
de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
ELIS
SIMONAL
Figura 3 – Frase em uníssono na parte B da canção. Trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
Repetindo a parte A, Elis e Simonal retomam a conversa, “chamando” pela Rosa, (figura 4)
flexibilizando a letra, confluindo numa ideia de cânone (figura 5).
147
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
ELIS
SIMONAL
Figura 4 – Pergunta e resposta entre as vozes. Trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
ELIS
SIMONAL
Figura 5 - Ideia de cânone, iniciando-se pela voz de Elis. Trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
Cantam a parte B da canção, novamente em uníssono, e então Simonal segue repetindo “Que o
pessoal tá cansado de” alternando a acentuação ritmica, enquanto Elis prossegue cantando “Que
o pessoal tá cansado de esperar, morena Rosa” flexibilizando a letra de forma que a repetição da
frase fica fluida.
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
ELIS
SIMONAL
ELIS
SIMONAL
Figura 7 – Conversa – flexibilização da letra em trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
Elis canta ora “morena Rosa”, ora “moreninha Rosa” alterando o ritmo e consequentemente, a
acentuação da frase, enquanto Simonal prossegue repetindo “Que o pessoal tá cansado de
esperar”. Ambos criando uma nova atmosfera para a música, evitando monotonia e
previsibilidade.
ELIS b
SIMONAL
Figura 8 - Alteração do ritmo e acentuação da frase em trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
149
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Ambos passam a utilizar notas novas no improviso: Elis, cantando Sol bemol sobre o acorde de
C6, causando a sensação de 4ª. aumentada e Simonal, cantando Si bemol sobre o mesmo acorde,
sendo sua 7ª. menor, que passa a 9ª. menor (b9) no compasso seguinte sobre o acorde de A7.
Essas duas notas, assim como a 3ª. menor que aparece adiante no improviso, são notas
características da escala Penta menor blues.
ELIS
SIMONAL
Figura 9 - Notas 4ª. Aumentada (b5) passando a 7ª menor e 7ª. Menor passando a 9ª. Menor (b9); notas da
escala penta menor blues. Trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
Elis segue utilizando o mesmo trecho da letra (substituindo “morena” por “moreninha”), usando
ritmicamente a célula do samba (semicolcheia-colcheia-semicolcheia), oscilando entre as notas
Do e Sol, com uma sonoridade que remete ao ostinato do agogô.
Agogô
ELIS
SIMONAL
Figura 10 - Ostinato do agogô e flexibilização da letra em trecho de Rosa Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
A seguir, Elis utiliza uma base de 6 notas sobre uma divisão quaternária, que desloca o acento
da frase pra uma vez no tempo, outra vez no contratempo. Simonal prossegue com o vamp em
“pessoal tá cansado” numa célula rítmica que remete ao ostinato característico do tamborim.
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
ELIS
SIMONAL
Tamborim
m
Figura 11 - Uso de 6 notas sobre a divisão quaternária; ostinato do tamborim. Trecho de Rosa Morena (REGINA e
SIMONAL, 1971).
Elis faz uso de um recurso bastante comum ao blues e jazz que consiste em utilizar 3ª menor
na melodia sobre a 3ª Maior do acorde, conforme figura 12. Simonal segue utilizando o ostinato
rítmico do tamborim.
ELIS
SIMONAL
Figura 12 - 3as. menores na melodia, sobre as 3as maiores na harmonia; ostinato do tamborim. Trecho de Rosa
Morena (REGINA e SIMONAL, 1971).
Por fim, Elis e Simonal convergem no final do improviso para um vamp em fade out, valendo-se
da harmonia cíclica, utilizando agora vogais e não mais trechos da letra. Elis segue cantando
algo que remete à linha do contrabaixo, ainda com 7as. menores e 4as. aumentadas (ou b5),
enquanto Simonal canta o padrão rítmico que remete ao riff da guitarra (figura 13).
151
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Baixo
ELIS
Guitarra
SIMONAL
4 – Considerações finais
Após analisarmos o improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena, podemos
perceber que apesar de utilizar-se de recursos do improviso norte americano, como por
exemplo, a conversa (pergunta/resposta), imitação, escala pentatônica, escala penta menor
blues, ostinato rítmico, vamp (repetir vezes seguidas uma mesma ideia ou frase), o improviso
de ambos possui originalidade, pois rompe com a estética e a estrutura do scat singing, por não
utilizar-se de silabação, mas sim de trechos da letra como temática do improviso.
Sob o ponto de vista harmônico, o improviso é construído sob uma harmonia cíclica, que se
repete enquanto os cantores performam suas frases. As ideias rítmicas são repetidas
152
NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
constantemente, formando pequenos ciclos. Num mesmo trecho, Wilson Simonal faz uma frase
que se repete, servindo de base ao improviso de Elis Regina e, em certo ponto, o intervalo entre
essas frases passa a ser regular.
Referências de Texto
1. FERREIRA, Gustavo Alves Alonso (2007). Quem não tem swing morre com a boca cheia
de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma história tropical. Dissertação de Mestrado.
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de História UFF. Niterói.
2. MONSON, Ingrid (1996). Saying Something: Jazz Improvisation and Interaction. Chicago
& London: The University of Chicago Press.
3. NESTROVSKI, Lívia Scarinci (2013). Sambop: O scat singing brasileiro a partir da obra de
Leny Andrade (1958-1965). Dissertação de Mestrado em Música. Centro de Letras e Artes
UniRio.
4. PRADO, Bruna Queiroz (2016). XXIII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP. Nas
entrelinhas da performance: o papel das cantoras de MPB na produção de reflexão
crítica sobre a ditadura militar. Campinas.
5. SILVA, Ilessi Souza da (2017). Estilos de improvisação vocal no Brasil: estudo de caso.
Trabalho de conclusão de curso em Licenciatura em Música. Instituto Villa-Lobos e Centro de
Artes. UniRio.
6. SMITH, Chris (1998). A Sense of the Possible: Miles Davis and the Semiotics of
Improvised Performance. In.: In the Course of Performance – Studies n the World of
Musical Improvisation. Bruno Nettl e Melinda Russell (Org.). Chicago/ Londres, The
University of Chicago Press.
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NADER, Glaw; RODRIGUES, Mauro. (2019) O improviso de Elis Regina e Wilson Simonal em Rosa Morena de Dorival Caymmi no vídeo de 1971.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.141-154.
Páginas da web
3.________________. Sobre Rosa Morena, em sua primeira gravação, por Dorival Caymmi:
VAINSENCHER, Semira Adler. Dorival Caymmi. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim
Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 15
de outubro de 2018.
Referências de transcrições
1._______________. Rosa Morena. Transcrição de Glaw Nader a partir do vídeo ELIS REGINA E
WILSON SIMONAL - Rosa Morena (TV Globo, 1971). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=RnqkbMmulco>. Postado por pugman77. Em 09 de
maio de 2009. Acesso em: 15 de agosto de 2018. Edição da transcritora, 2018. (Partitura)
Glaw Nader é Bacharel em Música Popular e Mestranda em Performance Musical pela UFMG.
É cantora, compositora, instrumentista e arranjadora no grupo Aurora Boreal Jazz Band, tendo
sido acompanhada pelos renomados Toninho Horta, Tulio Mourão e Marilton Borges. É pianista
e tecladista na banda base do festival SESI MÚSICA (Minas Gerais) e no Festival da Canção
Francesa – ALIANÇA FRANCESA em Belo Horizonte, desde 2016. É também tecladista e cantora
no projeto Luz de Tieta, que se dedica ao repertório de Caetano Veloso.
Mauro Rodrigues é Professor Adjunto da Escola de Música da UFMG, graduado pela Escola de
Música da UFMG, mestrado em musicologia pelo Conservatório Brasileiro de Música (RJ) e
doutorado em Artes Cênicas pela UFMG. Tem lançados os seguintes trabalhos autorais: Lua -
Edição Brasileira (2000), Um Sopro de Brasil (2004), Suíte para os Orixás (2006), Trilha do filme
documentário “O Homem Roxo” (Carabina Filmes 2010), Misturada Orquestra (independente -
2011), Trilha do Filme documentário “Presépio Pipiripau – o mundo de Raimundo Machado”
(Fazenda Filmes - 2013), trilha da exposição itinerante “Canção Amiga – Clube da Esquina”
(2017), Cru Cozido e Repartido (2018).
154
MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Luka Milanovic
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Mauro Chantal
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Podemos dizer que música tradicional de um povo é o reflexo de seu espírito, e a música tradicional
romena não é uma exceção para essa regra. Desde o começo do século XIX, os lăutari 1 assumiram o papel
principal como transmissores, performers e agentes de evolução da música folclórica local. Taraf, um grupo de 3
ou mais lăutari é a formação principal na qual esta música é executada, apresentando uma sonoridade particular
caracterizada pela riqueza ornamental de alto grau de dificuldade, micro-ritmos irregulares, instrumentos
tradicionais (țambal e cozba p.ex.), e progressões harmônicas endêmicas daquela região, entre outros aspectos. O
presente estudo propõe uma análise de elementos caraterísticos desta tradição, exemplificada no registro em
áudio da música Foaie verde mar domnesc, interpretada pelo Ansambl Stefan Bucur, bem como a adaptação destes
elementos para a confecção de um arranjo a ser interpretado por um grupo de instrumentos de cordas, a saber,
um quinteto de cordas orquestrais (2 violinos, 1 viola, 1 cello e 1 contrabaixo). O enfoque deste trabalho se apoia
em uma transcrição musical que busca a sonoridade original para o arranjo final, além da divulgação de parte da
cultura dos lăutari.
Palavras-chave: Tradição interpretativa dos lăutari; taraf; Ansambl Stefan Bucur; transcrição para grupo de
cordas.
Abstract: It can be said that the traditional music of a people is a reflex of its spirit, and Romanian traditional
music cannot be seen as an exception. Since the beginning of the 19th century the lăutari have incarnated the role
of transmitters, performers and agents of evolution of the local music. Taraf, a group of three or more lăutari, is
the main formation in which this music is performed, generating a particular sonority, characterized by, among
other aspects, rich ornamentation of a great degree of difficulty, irregular micro-rhythms, traditional instruments
(țambal and cozba to mention a few), and harmonic progressions endemic to the region. The present study
proposes an analysis of characteristic elements found in this tradition, exemplified in the sound recording of Foaie
verde mar domnesc played by Ansambl Stefan Bucur, and the adaptation of these elements for use in an
arrangement to be interpreted by a string chamber group - a traditional string quintet (2 violins, 1 viola, 1 cello
and 1 double bass). The focus of this study is to search for a faithful representation of the original sonority of the
recording in the final arrangement, as well as the revelation of part of the culture of the lăutari.
Keywords: Interpretative tradition of the lăutari; taraf; Ansambl Stefan Bucur; arrangement for string ensemble.
1
Lăutari é o nome pelo qual são conhecidos os músicos ciganos profissionais na Romênia.
155
MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
1 – Introdução
Para um ouvinte não acostumado, a muzică lăutărească 2 pode soar como uma mescla incomum
de várias tradições musicais. Sua intensa ornamentação com a presença de melismas, ritmos
irregulares, microafinação e um swing particular, nos remete às tradições musicais do oriente.
Frases de quatro ou oito compassos, certos padrões harmônicos e o tratamento da tonalidade
aproximam-na dos padrões da música ocidental europeia, enquanto as formas de canto, os
textos poéticos em idioma romeno, instrumentos típicos como o țambal3 e vários instrumentos
expondo um determinado tema em uníssono a colocam firmemente no ecossistema cultural
romeno. Para melhor entendermos essa pluralidade de influências presentes na música dos
lăutari é necessário direcionar nosso olhar para a história, no sentido de percebermos em quais
condições sócio-políticas evoluiu o povo cigano e sua música.
No território da Romênia, os ciganos foram escravizados a partir do final do século XIV, sendo
tratados como propriedade por nobres e também em organizações religiosas, como mosteiros.
Relatos do século XIX apontam para uma distinção clara entre ciganos nômades, chamados
nomazi que falavam o idioma romani, e aqueles que não se mudavam, chamados ciganos
'sedentários', do campo ou vătrași, que falavam romeno. Dentre esses últimos destacavam-se
os lăutari, que possuíam status de elite entre outros ciganos, condição mantida até os dias
atuais (BEISSINGER, 2001, p.29).
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Ao justificar a origem das influências presentes na muzică lăutărească, Robert Garfias (1932)
relata que Voievods e Boiers, príncipes e senhores de principados romenos que governavam sob
a autoridade bizantina e, posteriormente, turca, implementavam em suas cortes os rituais e
costumes desses impérios, incluindo a música. Em suas palavras, nos conta que:
No entanto, na obra What is Romani Music? An emerging definition learned from social network
analysis, observamos que:
A partir do exposto acima, podemos concluir que o estilo musical dos lăutari sofreu
modificações a partir de seu contexto sociocultural, assim como pela demanda do meio ao qual
estavam inseridos, e que este processo continua até os dias de hoje, quando notamos nos taraf
contemporâneos o uso de instrumentos elétricos e sintetizadores, por exemplo.
Neste trabalho, os autores se ativeram no que hoje é conhecido como muzică lăutărească veche,
considerada tradicional nas regiões do sul da Romênia, Craiova e Bucareste. Neste sentido, para
a análise de elementos musicais característicos foi escolhido o registro em áudio "Foaie verde
mar domnesc", do álbum "Muzică lăutărească veche”, interpretada pelo grupo Ansambl Ștefan
Bucur, um dos mais conceituados na região de Bucareste. No registro em questão, a execução
foi realizada pelo violino solo, acompanhado por țambal, acordeão e o contrabaixo. O intuito é
analisar os papéis de cada instrumento de acompanhamento separadamente, a partir da
5
Tradução de Luka Milanovic.
6
Idem.
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Após a Segunda guerra mundial, a Romênia esteve sob um governo socialista, liderado por
Nicolae Ceausescu (1918 – 1989) entre os anos de 1965 a 1989. Esse período foi caracterizado
pelo forte esforço do governo em ditar e monitorar a música para casamentos e dança, impondo
aos lăutari tocar somente as formas musicais "nativas", na tentativa de eliminar todas as
influências não consideradas "puras e tradicionalmente" romenas (BEISSINGER, 2005, p.41).
Foaie Verde Mar Domnesc nasceu neste período, refletindo, portanto, as formas impostas pelo
regime, ao mesmo tempo não deixando de ser uma das músicas mais populares do gênero
Muzică lăutărească veche, contando, até os dias de hoje, com dezenas de diferentes gravações
de estúdio e interpretações ao vivo. O registro mais antigo encontrado para a confecção deste
artigo é de Fărămiţă Lambru (1927 – 1974), executado na televisão nacional romena (TVR) em
1970.
Ao observarmos as versões disponíveis de Foaie Verde Mar Domnesc, podemos perceber que a
melodia pode ser cantada tanto por uma voz masculina quanto por uma voz feminina, ou
interpretada apenas por instrumentos, com predominância para o violino e acordeão, ou, mais
recentemente, no teclado eletrônico. Tanto a parte cantada quanto as partes instrumentais (que
aparecem como a introdução e interlúdio entre as estrofes), são frequentemente bastante
variadas, expondo o virtuosismo e habilidade de improviso do performer, sendo ele cantor ou
instrumentista.
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
A versão do Ansambl Ștefan Bucur foi escolhida como referência para o presente estudo por
apresentar as seguintes caraterísticas:
• Refletir fielmente os canones tradicionais de um taraf, tais como a formação e a
sonoridade típica;
• Ser somente instrumental, o que permite sua transcrição para execução por um grupo
de cordas;
• Por apresentar dentro do mesmo registro duas conformações de acompanhamento, aqui
adiante denominadas hora 7 e sîrba 8 (sendo a segunda conformação duas vezes mais
rápida que a primeira), o que oferece ao ouvinte duas configurações musicais inseridas
numa mesma obra;
• Pela clareza do registro gravado, que permitiu sua transcrição sem maiores problemas.
Após uma introdução de dois compassos, a obra apresenta duas partes, estruturadas
respectivamente nas tonalidades de Lá menor e Dó maior, que se repetem e intercalam várias
vezes, cada uma apresentando um período de duas frases de oito compassos com base
harmônica idêntica. Desta maneira, a progressão dos acordes na parte A se apresenta no
esquema a seguir:
Lá menor | Ré menor 6 | Mi maior 7 | Mi maior 7 - Lá menor |
Lá menor | Ré menor 6 - Si maior 7b5 | Mi maior 7 | Mi maior 7 - Lá menor
7
Hora, dança tradicional romena, aparece em tempos desde lentos até muito rápidos, normalmente firme em
2/4, porem com a estrutura interna em quiálteras em 12/16 (GARFIAS, 1981, p.6).
8
Sîrba, dança romena tipicamente em 6/8 e tempos rápidos e muito rápidos, em aspectos estruturais parecida
com a hora, geralmente com subdivisão rítmica interna: q e q e (RECHBERGER, 2018, p.50).
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Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
No áudio gravado, o andamento metronômico inicial utilizado foi de 80 para uma semínima
pontuada, acelerando até 100 ao longo da faixa.
3.1 – O contrabaixo
Segundo SLATFORD (1980), o contrabaixo é o maior e mais grave instrumento de cordas. Faz
parte da família de violinos. De tamanho até hoje não padronizado, durante a sua evolução a
partir do século XVI, portava entre três e seis cordas, enquanto, desde o século XIX, na música
orquestral ostenta às vezes três, mas comumente quatro ou cinco. Na música lăutărească, este
instrumento é utilizado desde o final do século XIX (RENARD, 2012, p.7), tocado em pizzicato
em andamentos mais rápidos e com arcadas em mais lentas.
No registro em áudio de Foaie Verde Mar Domnesc, o contrabaixo tem a típica função de marcar
as partes fortes do compasso com a tônica ou dominante da função harmônica (a terça aparece
também, embora raramente), ou desempenhar papel parecido ao walking bass presente no jazz,
ocupando partes fortes e fracas com movimentos lineares, normalmente ascendentes, assim
como com arpeggios.
Na Figura 1, a seguir, apresentamos parte da escrita para contrabaixo na faixa Foaie Verde Mar
Domnesc, interpretada pelo Ansambl Stefan Bucur:
160
MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Figura 1: Excerto da escrita para o contrabaixo presente na faixa Foaie Verde Mar Domnesc.
3.2 – O țambal
Com um nome que varia de acordo com a região onde é encontrado, țambal, cimbalom, ou
dulcimer com marretas é um instrumento de percussão usado na música folclórica de vários
países da Europa Central, em especial na Hungria e Romênia. Estruturalmente, consiste de um
corpo trapezoidal de madeira, com aproximadamente 125 cordas esticadas por cima dele,
apresentando sua configuração de 3 a 5 cordas por nota (BRITANNICA, 2004). O corpo desse
instrumento pode ser suspenso com faixas apoiadas nos ombros ou, no caso de cimbalom de
concerto, apoiado em quatro pernas de madeira, ostentando um pedal que permite ao músico
abafar as cordas ou deixa-las vibrar naturalmente. As cordas são sonorizadas com a batida das
marretas de madeira de cerca de 25 cm de comprimento, que possuem o formato semelhante
com o de uma colher. As pontas dessas marretas, sendo o lugar de contato com as cordas,
podem ser revestidas em couro, algodão ou até mesmo dispostas com a madeira nua,
oferecendo ao instrumentista um leque de timbres distintos, desde dos mais suaves até mais
secos, parecidos com o da harpa ou banjo. O țambal de concerto possui uma extensão de cinco
oitavas, que o possibilita de exercer o papel de acompanhamento completo e/ou de
instrumento solo. Na música lăutărească, este instrumento surgiu na segunda metade do século
XIX (RENARD, 2012, p.7), quando, após a abolição da escravidão, os lăutari migraram para
vilarejos romenos. Na figura 2, a seguir, apresentamos um țambal de concerto:
161
MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
O țambal no registro inferior marca todas as partes do compasso, fortes e fracas. Na primeira
metade da frase, com duração de quatro compassos, foram usados tons do acorde da harmonia
vigente, enquanto na segunda metade é feito um walking bass, livremente dobrando a parte do
contrabaixo. No registro superior, nos primeiros dois compassos, percebemos uma
semicolcheia que antecipa o motivo que consiste de uma colcheia seguida por semicolcheia,
criando o efeito de swing. Esse motivo ocupa partes fortes do compasso, e todas três notas
possuem a mesma altura. Na segunda metade da frase, esse motivo deixa de ter a antecipação,
assim pronunciando as batidas fortes do compasso de maneira mais enfática, como podemos
observar na Figura 3, a seguir:
Figura 3: Excerto da transcrição da parte do țambal presente no áudio analisado durante do ritmo da hora.
162
MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Na parte da sîrba, onde o acompanhamento dobra e passa para uma conformação mais densa,
no registro grave quase nada muda e o instrumento continua a dobrar livremente a linha do
contrabaixo. No registro superior, no entanto, de cada grupo de três semicolcheias são tocadas
a segunda e terceira, esta última acentuada. Na Figura 4, a seguir, apresentaremos o texto
descrito acima:
Figura 4: Excerto da escrita para o țambal presente na faixa Foaie Verde Mar Domnesc na parte da sîrba.
3.3 – O acordeão
A parte tocada pela mão direita ostenta um teclado (similar ao do piano, ou com botões), usado
principalmente para interpretar a parte melódica da música; a parte tocada com a mão
esquerda, no entanto, possui teclado de botões enfileirados dos quais cada um faz soar um
acorde desejado dentro de determinada tonalidade. Por meio de uma pressão nas teclas, o ar
movimentado pela abertura ou fechamento do fole é liberado a fluir de maneira canalizada,
fazendo vibrar as correspondentes lâminas de metal, produzindo sons.
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Embora o conceito de criar som com lâminas livres seja bastante antigo (instrumento Sheng,
original da China, 2.700 AC), o primeiro antecessor direto do acordeão, chamado flutina, foi
construído na Áustria em 1829. Como o papel desse instrumento era o de acompanhamento
para a voz em forma de acordes, ganhou o nome popular acordion. Este era um instrumento
diatônico, que dependendo da direção de fluxo de ar (para dentro ou para fora do instrumento)
produzia duas notas distintas acionando uma única tecla. O acordeão cromático, onde cada tecla
da mão direita produzia a mesma nota independentemente da direção de ar ostentando o
teclado parecido com o do piano, surgiu apenas em 1851 (IVKOV, 2016, p.19).
Na Romênia, o acordeão diatônico surgiu no começo do século XX. Porém, foi necessário
aguardar seu modelo cromático para o instrumento ganhar a popularidade no âmbito da
música tradicional. Na segunda metade do século passado, o acordeão passou a ocupar lugar
de destaque em grupos folclóricos, juntamente com o violino (IVKOV, 2016, p.49).
No áudio abordado neste artigo, acordeão possui o papel tanto de acompanhamento quanto de
interpretação da melodia principal. Na primeira parte, durante da hora, com o
acompanhamento menos denso, o acordeão aparece tocando acordes nas partes fracas do
compasso (segundo e quarto grupo de colcheia pontuada). Durante a transcrição nos
deparamos com grandes dificuldades para distinguir as notas exatas tocadas pelo acordeão,
mas o registro e as harmonias podem ser considerados corretos.
Figura 5: Excerto da escrita para o acordeão presente na faixa Foaie Verde Mar Domnesc na parte da hora.
Na parte da sîrba, o acordeão passa a enfatizar a última semicolcheia de cada grupo de colcheia
pontuada, como podemos verificar na Figura 6, a seguir:
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Figura 6: Excerto da escrita para o acordeão presente na faixa Foaie Verde Mar Domnesc na parte da sîrba.
Dezesseis compassos após a mudança de conformação para a sîrba, o acordeão passa a tocar a
melodia principal por quatro períodos ‘A’. Na Figura 7, a seguir, apresentaremos o recorte do
primeiro período ‘A’, tocado pelo acordeão:
Figura 7 – Excerto da escrita da parte melódica executada pelo acordeão na faixa Foaie Verde Mar Domnesc.
Ao analisarmos a faixa Foaie Verde Mar Domnesc, notamos que enquanto o acordeão se
encarrega com a linha melódica principal, o violino passa a tocar o acompanhamento em
acordes.
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3.4 – O violino
O violino é mais agudo dos instrumentos de cordas tocadas com arco. Evoluiu a partir de antigos
instrumentos como a renascentista lira d'braccio e a medieval rebec, ambas com origem
no rabāb árabe. O violino apareceu no seu formato atual no século XVI. Despertando o olhar
atento de compositores que exploraram ao máximo suas características como instrumento de
virtuosismo, ou inserido em lendas do imaginário coletivo, esse instrumento obteve atenção
fora do âmbito musical, na literatura e no cinema, por exemplo, e aguçou o interesse tanto da
aristocracia quanto da plebe.
Na Romênia, o violino começou a ser utilizado em algum momento no século XIX. O primeiro
grande compositor romeno que escreveu para o violino e se destacou como violinista erudito
foi Enescu (1881-1948), que teve seu primeiro contato com esse instrumento ao ver um grupo
de lăutari passando pela sua vila em sua infância (HIRSU, 1995, p.2). Na música lăutărească, o
violino substituiu fluier9 e cimpoi10, tornando-se o principal instrumento musical de todo taraf
de sul da Romênia (GARFIAS, 1984, p.86).
Na faixa Foaie verde mar domnesc, o violino apresenta a melodia com certa liberdade de
improvisação, com ornamentos em quase todas as notas, notadas como caraterísticas do estilo.
Os ornamentos são extremamente complexos e rápidos até para os padrões folclóricos, e o
domínio deles não é algo facilmente atingível pelo músico externo ao contexto dos lăutari. No
exemplo a seguir, ilustrado na Figura 8, o período de dezesseis compassos pode ser dividido em
duas frases (notadas com marcações A e B de ensaio) de oito compassos cada uma, subdivididas
em quatro grupos de dois compassos. Cada grupo destes, de dois compassos, com um mínimo
de diferença, foi indexado com um número ao lado da letra "a". Portanto, o período analisado
possui a seguinte estrutura: a1 a2 a1 a3 - a1 a2 a4 a3. Nos grupos de dois compassos cada,
exemplificados na Figura 8, a seguir, utilizamos as cores vermelho, roxo e verde e para facilitar
a visualização:
9
Fluier é pequena flauta de madeira usada pelos músicos camponeses na Romênia.
10 Cimpoi é gaita de fole típica presente na música tradicional Romena.
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Figura 8: Um período de dezesseis compassos recortado da parte do violino, presente na faixa Foaie Verde Mar
Domnesc, com a marcação de subfrases de dois compassos cada.
O objetivo deste trabalho é adaptar o conteúdo do áudio para a interpretação por um quinteto
de cordas, e a parte melódica do violino não passou por nenhuma adaptação se comparada à
transcrição original. Retratamos neste artigo apenas algumas caraterísticas principais da forma
e estrutura da obra, sem efetuar uma análise mais profunda ou elaborar uma comparação
qualitativa de frases e propriedades dos ornamentos.
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A única intervenção que a parte do violino sofreu foi de continuar a exercer o papel principal e
assumir a interpretação da frase melódica apresentada pelo acordeão no áudio, deixando sua
parte original de acompanhamento neste trecho para a viola. Para alterar a sonoridade neste
momento, sugerimos uso de surdina ou algum recurso eletroacústico (processador) caso o
quinteto estiver amplificado.
11
Trata-se de kontra, viola de três cordas com o cavalete plano, que permite ao músico tocar todas cordas ao
mesmo tempo. As cordas são afinadas nas alturas das três cordas que violino e viola tem em comum: Sol, Lá e Ré
(SHEEHAN, 2016, p. 98).
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Figura 9: Excerto da parte transcrita do acordeão, adaptada para a viola, durante da hora.
Figura 10 - Excerto da parte transcrita do acordeão, adaptada para a viola durante da sîrba.
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Sugerimos que os acordes sejam tocados alternando a direção do golpe, próximo do talão,
saindo da corda, usando pouco arco, sem agressividade, porém energicamente.
O violoncelo, durante todo o arranjo, vai se encarregar de trazer as batidas regulares nas partes
fortes e fracas dos compassos, valendo-se de um ataque que permite ouvir o começo definido
da nota, marcando presença, porém com o mínimo de ruídos. Sugerimos que isso seja feito com
o golpe do arco saindo da corda usando pouca crina, aliviando a pressão logo após o começo da
nota, utilizando-se pouco arco. Embora as partes do violoncelo e contrabaixo sejam bastante
parecidas, decidimos manter os dois dadas as diferentes sonoridades (golpes de arco no
primeiro e pizzicato no segundo instrumento) e oitavas de atuação.
Na parte superior, o țambal executa figuras rítmicas mais complexas e difíceis de serem
adaptadas para o instrumento de corda, no caso, o violino. Além disso, são diferentes figuras
tocadas na primeira e na segunda parte da música. Durante a hora, o violino deve tocar spiccato,
pouco acima da metade do arco, produzindo um som curto e suave, com arcadas sugeridas,
como podemos visualizar na Figura 11, a seguir:
170
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Figura 11: Adaptação da voz superior do țambal para o violino, durante da hora.
Dado que, no violino, interpretar somente as últimas duas de um grupo de três semicolcheias
seria extremamente difícil (impossível nos tempos metronômicos do áudio), decidimos que o
violino tocará todas as três notas mencionadas, como podemos perceber na Figura 12, a seguir:
Figura 12: A parte da voz superior do țambal adaptada para o violino, durante a sîrba.
Sugerimos que a primeira nota de cada grupo de três, ilustrados no exemplo anterior, seja
tocada o mais leve possível. Desta maneira, seria evitada certa monotonia e saturação da
imagem sonora com um timbre que ocupa todas semicolcheias com notas repetidas.
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5 – Resultado final
Figura 13: Comparação dos excertos da transcrição do áudio e do arranjo na parte da hora.
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Figura 14: Comparação dos excertos da transcrição do áudio e do arranjo na parte da sîrba.
Salientamos que sem um bom conhecimento auditivo do áudio e a ideia clara de resultado
sonoro desejado, a tentativa de domínio de estilo que caracteriza a obra em questão pode ser
desapontadora.
6 – Conclusão
Distante dos ouvidos brasileiros, a muzică lăutărească pode soar incomum a partir dos
elementos que a caracterizam, tais como uma ornamentação excessiva, a microafinação e
irregularidade nos ritmos, dentre outras. Acrescido a essas características, o uso de
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instrumentos típicos como o țambal, por exemplo, proporciona um ambiente sonoro quase
inédito em nossa terra, seja em salas de concertos ou em manifestações populares.
Apesar de terem cruzado a Europa e chegado até mesmo à África, os ciganos nunca
representaram uma população significativa no Brasil, o que, justifica uma estranheza inicial de
nosso povo em relação ao que hoje é reconhecido como música dos lăutari.
Referências de texto:
5. GARFIAS, Robert (1984) Dance among the Urban Gypsies of Romania. Yearbook for
Traditional Music, Vol. 16, p. 84-96.
6. HIRSU, Vladimir Laurentiu (1995) East Meets West in Enescu's Second Sonata for Piano
and Violin, Op. 6. LSU Historical Dissertations and Theses. 6105.
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
8. LLOYD, A. L. (1963) The Music of Romanian Gypsies. Proceedings of the Royal Musical
Association, 90:1, p. 15-26.
9. RECHBERGER, Herman (2018) Balkania: Rhythms in songs and dances from Albania,
Bulgaria, The Republic of Macedonia, Romania and Serbia. Fenica Gehrman Fy.
10. RENARD, Stan; FELLMAN, Philip Vos (2011) What is Romani Music? An emerging
definition learned from social network analysis. Eighth International Conference on
Complex Systems, At Quincy, MA, Volume: 202 p. 378-392.
11. RENARD, Stan (2012) The Contribution of the Lautari to the Compositions of George
Enescu: Quotation and Assimilation of the doina. UMI 3520403, ProQuest LLC 2012.
12. SHEEHAN, Sean; NEVINS, Debbie (2016) Romania (Cultures of the World). Cavendish
Square Publishing, p. 98.
13. SLATFORD, Rodney (1980) History of the Double Bass. The New Grove Dictionary,
Macmillan Publishers Limited, London. In http://earlybass.com/articles-
bibliographies/history-of-the-double-bass/ (Acesso em 13 de janeiro, 2019).
Referências em áudio:
1. Ansambl Ștefan Bucur (2001) Muzică lăutărească veche. Intercont Music – IMCD 1182.
Referências em vídeo:
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MILANOVIC, Luka; CHANTAL, Mauro. (2019) Foaie verde mar domnesc para quinteto de cordas: uma adaptação da linguagem dos lăutari. In:
Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.155-176.
Ouro Preto, gravou e excursionou nos anos de 2016 e 2017, com o CD "Música de cinema".
Desde 2008 integra a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com a qual se apresentou em
dezenas de cidades brasileiras, também em Argentina e Uruguai, e gravou mais de dez álbuns
de música erudita.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Mauro Chantal
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Este artigo apresenta um breve estudo histórico-interpretativo sobre o concerto Ibira Guira Recê para
saxofone alto, de Edmundo Villani-Côrtes (1930), em sua versão com acompanhamento de piano. Apresentamos
uma análise de trechos e da aplicabilidade didática da obra, usando como método a verificação de recursos
técnicos do saxofone e da proposta de sua aplicabilidade em contextos pedagógicos. Investigamos uma
compreensão sobre a música popular brasileira inserida na música de concerto.
Palavras-chave: Edmundo Villani-Côrtes; música brasileira; concerto para saxofone Ibira Guira Recê; Dale
Underwood.
Abstract: This article presents a brief historical-interpretative study about the concert Ibira Guira Recê for alto
saxophone, by Edmundo Villani-Côrtes (1930), in its version with piano accompaniment. We present an analysis
of excerpts and the didactic applicability of the work, using as a method the verification of technical resources of
the saxophone and of its applicability proposal in pedagogical contexts. We investigate an understanding of
Brazilian popular music in concert music.
Keywords: Edmundo Villani-Côrtes; brazilian music; concert for saxophone Ibira Guira Recê; Dale Underwood.
1 – Introdução
No Brasil, poucos são os trabalhos acadêmicos que abordam concertos compostos para o
saxofone. Embora haja pesquisas acadêmicas que tratam da prática interpretativa desse
instrumento, poucas são voltadas para a música de concerto nacional, e ainda em menor
número são os estudos acerca de concertos compostos nos séculos XX e XXI por autores
brasileiros. Segundo ALMEIDA (2017, p.21), em seu trabalho de levantamento sobre pesquisas
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
O objetivo deste artigo é trazer à luz aspectos estruturais e interpretativos do concerto Ibira
Guira Recê, para saxofone alto em sua versão com acompanhamento de piano, de autoria de
Edmundo Villani-Côrtes (1930), assim como apresentar estudos sobre sua criação, seu contexto
histórico e sua possível aplicabilidade pedagógica.
Os autores deste capítulo contaram com o acesso ao compositor, que gentilmente cedeu cópia
da partitura, além de informações que contribuíram sobremaneira para um melhor
entendimento da obra em seus aspectos históricos e musicais. Para Villani-Côrtes, em
entrevista concedida para a realização deste artigo, a partitura para piano e saxofone do
concerto Ibira Guira Recê não se configura como uma redução para orquestra e “deve ser vista
como uma partitura única, composta especialmente para o saxofone e o piano1”.
Ao final deste trabalho, os autores almejam colaborar para a divulgação de parte do repertório
nacional composto para o saxofone, para a divulgação do nome do compositor Villani-Côrtes e
para a valorização da música brasileira do século XXI.
O concerto para saxofone alto e orquestra Ibira Guira Recê foi composto no ano de 2001 e
dedicado ao saxofonista Dale Underwood 2 (1948). A obra teve sua estreia no ano seguinte,
2002, em Tatuí, São Paulo, no Teatro Procópio Ferreira, com a interpretação da Orquestra
Sinfônica Paulista e do solista Dale Underwood, sob a regência do maestro Dario Sotelo (s.d.).
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Em entrevista concedida para a realização deste trabalho, Douglas Braga (BRAGA, D., 1986)
saxofonista brasileiro que já tocou o concerto supracitado, nos contou que o nome da peça tem
origem na língua tupi-guarani: Ibira Guira Recê significa “No seio da floresta”. Ao observarmos
a partitura do concerto, encontramos o título em inglês “Under the Wood”, um trocadilho feito
pelo compositor relacionado ao sobrenome do saxofonista para quem a peça foi dedicada, Dale
Underwood, cuja tradução literal significa “Sob a madeira”.
Villani-Côrtes foi professor de composição da atual Escola de Música do Estado de São Paulo
(EMESP), antes Universidade Livre de Música Tom Jobim. Além deste cargo, foi sempre atuante
no cenário composicional nacional, com uma grande produção de obras nos mais diferentes
gêneros, como óperas, trilhas, peças para piano solo, formações de câmara como duos e trios,
canções de câmara e formações orquestrais, dentre outras. Acreditamos que o concerto Ibira
Guira Recê foi encomendada e, depois de finalizada, entregue como um presente para o
saxofonista Dale. Em entrevista, BRAGA (2018) comentou que:
Muito provável [que a peça Ibira Guira Recê foi uma encomenda], porque o Villani é um
compositor que até hoje produz muito. Quando eu fui falar desta transcrição para banda
com ele por exemplo, em 2006, o Villani disse que queria muito fazer, mas iria pedir um
aluno para fazer, porque ele tinha uma ópera para entregar semana que vem, depois
uma trilha de filme [...] Normalmente esses compositores como tem muito trabalho, é
difícil eles terem tempo livre para fazer alguma coisa que não seja uma encomenda [...]
eu acho que tenha sido difícil ser outro contexto.
O contato entre Villani-Côrtes e Dale Underwood ocorreu por conta dos festivais de inverno
que aconteciam em Tatuí, onde havia lá um polo de bandas sinfônicas e big band’s. Desta
maneira, Dale era constantemente convidado para lecionar aulas de saxofone e, com seus
atributos técnicos e musicais, tornou-se conhecido no circuito São Paulo – Tatuí.
O concerto Ibira Guira Recê apresenta três diferentes versões: a versão original escrita para
orquestra, uma versão escrita para saxofone e piano, que não pode ser definido como uma
redução de orquestra, mas como uma versão para música de câmara, e, por último, uma versão
para banda sinfônica. As duas primeiras versões citadas foram confeccionadas pelo compositor;
a versão para banda foi feita por um aluno do compositor, Dimitri Bentok (s.d) e revisada pelo
próprio Villani-Côrtes, após encomenda do saxofonista Douglas Braga.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
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Proveniente da música popular, Villani-Côrtes inseriu em sua obra muitos elementos deste
gênero musical, como a articulação e cadências usadas no choro e o uso de figuras rítmicas
marcantes da música popular brasileira, como a síncope. Segundo BRAGA (2018):
Ele é um cara que levou a música popular para dentro da orquestra e não como Villa-
Lobos fez [...], o Villani deixa isso mais escancarado, às vezes ele dá uma roupagem mais
sinfônica, mas algumas vezes não, nessa peça ele deixa bem evidenciado rítmos,
melodias e encadeamentos harmônicos da música popular brasileira.
Embora nomeado como um “concerto”, a obra Ibira Guira Recê não apresenta as características
de um concerto tradicional, usualmente dividido em três ou quatro movimentos contrastantes.
O concerto de Villani-Côrtes é uma peça contínua que apresenta mudanças de caráter e
andamento diferenciados em seu discurso, assemelhando-se mais a uma fantasia. Neste
sentido, semelhanças entre essa obra e as peças Fantasia, de Renato Goulart (s.d.) para saxofone
soprano e piano, e Fantasia Sul América, de Cláudio Santoro (1919 – 1989), composta para
saxofone solo. Como características comuns nessas obras, observa-se que todas elas são peças
contínuas (não possuem divisões em movimentos contrastantes), e contêm mudanças de
andamentos e caráteres indicados, como andatino, presto, con vigore, allegro moderato,
cantante quasi a 2, più cantabile, lento cantabile, além de possuírem seções curtas.
O concerto Ibira Guira Recê ainda não foi gravado oficialmente. Encontramos registros da obra,
apenas em âmbito informal. Embora seja uma das poucas obras compostas no gênero no século
XXI, o concerto ainda não é muito difundido e executado entre os saxofonistas brasileiros.
Neste tópico, iremos abordar alguns desafios técnicos apresentados pelo concerto Ibira Guira
Recê e avaliaremos sua possível aplicabilidade pedagógica. Assim, selecionamos três tópicos
mais relevantes, a saber: a grande influência da música popular brasileira explícita ao decorrer
do concerto como articulações, cadências e alusões à ritmos da música popular brasileira,
principalmente ao choro; a cadência com seus desafios técnicos, incluindo a execução dos
superagudos, notas além da tessitura cômoda do saxofone, presentes na peça.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Para sua aplicabilidade pedagógica, além de evidenciar trechos especificando seu estudo
técnico, utilizamos como auxílio a seguinte bibliografia do instrumento: Les Gammes Conjointes
et en Intervales e Le Détaché, obras de Jean-Marie LONDEIX (1932), ambas respectivamente de
1962 e 1967, e Saxophone Altissimo: High Note Development for the Contemporary Player de
Robert A. LUCKEY (s.d.), lançado em 1992. Contamos também com o subsídio de livros sobre
música brasileira: Feitiço Decente: Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933), de
Carlos SANDRONI (1958), publicado em 2001, e Vocabulário do Choro: Estudos e Composições
de Mário SEVÈ, lançado em 1999.
Para contextualizar sobre os ritmos brasileiros e articulações, teremos como base o trabalho de
pesquisadores de nossa música popular sobre a gênese e o uso da síncope, tão presente no
concerto Ibira Guira Recê. SANDRONI (2012, p.21) afirma que “alguns musicólogos viram na
síncope uma característica definidora não apenas do samba, mas da música brasileira em
geral”. Ainda para esse autor, o estudo da síncope por teóricos da música erudita ocidental
agrega o conhecimento destinado à performance. Em HONNEGER apud. SANDRONI (2012,
p.22) “o verbete ‘Syncope’ do Dictionnaire de la musique [diz]: ‘Efeito de ruptura que se produz
no discurso musical quando a regularidade da acentuação é quebrada pelo deslocamento do
acento rítmico esperado’ (grifos meus)”. Expressa a afirmação que a síncope é o deslocamento
de um ritmo que era esperado ou, para um ouvinte não familiarizado com este tipo de escrita,
um acento em tempos deslocados. SANDRONI (2001, p.21-22) traz ainda mais duas referências
para maior entendimento sobre a síncope:
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Também o Dizionario dela musica de Alberto Basso escreve em seu verbete “Sincope”:
“Mudança de acentuação métrica normal...” Finalmente, o Harvad Dictionary of Music de
Willy Apel define: Síncope é qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal.
Nosso sistema rítmico baseia-se no agrupamento de pulsações iguais em grupos de 2
ou 3, com um acento regular recorrente na primeira pulsação de cada grupo. Qualquer
desvio em relação a este esquema é sentida como uma perturbação ou contradição
entre o pulso subjacente [normal] e o ritmo real [anormal] [grifos meus]. (SANDRONI,
2012, p.21-22)
Todas estas referências auxiliam na definição de SANDRONI (2001, p.21-22) sobre a síncope
supracitada, com a qual concorda também SÈVE (1999, p.11), que aponta: “Da mesma forma,
na música brasileira, uma das suas figuras características – a síncope – [...] em sua interpretação,
entre [semicolcheia + colcheia + semicolcheia] e [quiáltera de 3 colcheias]”. Esse autor, além de
descrever sobre a síncope, refere-se brevemente sobre sua interpretação: a valorização da
figura mais longa e articulação das figuras mais curtas, para que com isso alcance a fluência e
proximidade da música popular brasileira.
Na obra Ibira Guira Recê destacamos alguns pontos já no início da obra em que o autor se valeu
do uso da síncope, trazendo para a peça um caráter que remete à música popular brasileira. Na
Figura 1, a seguir, ilustraremos o uso de síncope já nos primeiros compassos do concerto Ibira
Guira Recê:
Figura 1: Fragmento do concerto Ibira Guira Recê de Edmundo Villani-Côrtes, com presença de células rítmicas
contendo síncopes, c.1-21. Cópia de Edson Lopes.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Observamos logo no início da intervenção do saxofone (compassos 13, 14, 15, 17 e 18) o uso de
síncopes. Podemos analisar que, na maioria delas, Villani-Côrtes inseriu uma ligadura na
semicolcheia que se encontra no primeiro tempo ligada à próxima colcheia, destacando a última
semicolcheia de cada tempo. Podemos interpretar essa escrita fazendo alusão ao ritmo do
choro, no qual a acentuação do pandeiro sempre se encontra na primeira e na quarta
semicolcheia de cada tempo. Tratando-se da interpretação musical, mesmo com as referências
de síncope e sobre o corte no discurso melódico por esta representada, na música de concerto
podemos sugerir o seguinte: expor as figuras oriundas da música popular, entretanto, preservar
um discurso sem demasiadas interrupções no fluxo de ar do intérprete.
Na partitura para piano, logo ao início da peça, identificamos síncopes na escrita desse
instrumento acompanhador. Supomos que essa escrita se refere a uma ideia percussiva, já que
nela o compositor escreve a mesma nota com o fragmento se repetindo, e adiante a mesma
divisão rítmica, havendo mudanças de alturas das notas que criam o início de um discurso
melódico. Na Figura 2, a seguir, o fragmento percussivo indicado pela cor vermelha e o início
do discurso melódico indicado pela cor verde:
Figura 2: Fragmento concerto Ibira Guira Recê de Edmundo Villani-Côrtes (2001). Destacado em vermelho, a
célula ritmica ao piano que pode sugerir algum instrumento de percussão. Em verde, o início do discurso
melódico. c.1–7.
Citamos anteriormente, como ferramenta auxiliar para a manutenção das articulações, dois
métodos de saxofone escritos por Jean-Marie Londeix, Le Détaché (1967) e Les Gammes
Conjointes et en Intervales (1962). Neste último, embora não conste o exemplo com síncopes,
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
prova-se também a importância de seu estudo para maior controle sobre articulações. O autor
propõe diferentes maneiras de articulação, ilustradas na Figura 3, a seguir:
Figura 3: Fragmento do método Les Gammes Conjointes et en Intervales de Jean-Marie Londeix, evidenciando
diferentes exemplos de estudos de articulação. (1962, p.3)
Em consonância com os estudos dos métodos supracitados, indicamos o estudo destes trechos
da obra Ibira Guira Recê : compasso 10 ao 29, 93 ao 128 e 205 ao 213. Neles, identificamos
articulações às quais o performer pode vivenciar estudos sobre articulações. Salientamos que
para um comprometimento e fidelidade maiores com o texto musical, a escuta e vivência em
ambientes da música popular são sugeridas, tais como rodas de choro, rodas e shows de samba
e/ou qualquer manifestação cultural da música brasileira popular, podendo contribuir para
uma melhor compreensão da obra. BRAGA (2018) em entrevista para a realização deste artigo,
salientou que:
Tecnicamente falando, eu acho que a gente tem esse desafio de, assim como peça de
concerto, o público dela vai ser o músico que se dedicou ao estudo clássico do
instrumento, do saxofone clássico, e ele têm que conversar com a música popular pra
conseguir tocar, e acho que só tem benefícios pra quem estuda a peça, uma vez que pra
você entendê-la de fato, [com um] compromisso interpretativo sério, não simplesmente
tocar a peça e sim estudá-la e ver o que ela têm a oferecer musicalmente é conhecer e
ficar um pouco mais próximo do choro pra tocar ela. [...] além da música, tecnicamente
é o grande benefício do concerto, ter uma obra que traz influência, que traz articulação
da música popular brasileira pra sala de concerto.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Ao avançarmos para a análise da cadência da obra, um dos desafios técnicos mais recorrentes
neste trecho é o uso de grandes saltos intervalares escritos pelo compositor. Para o saxofone,
se torna tecnicamente árduo a realização de tais saltos, devido à construção e estrutura do
instrumento, pois, por ser um instrumento cônico, quanto maior o cone, maior a quantidade de
ar necessária para a emissão de determinadas notas, o que exige do intérprete o conhecimento
exato da pressão de ar de cada nota para a obtenção de uma sonoridade satisfatória. A título de
ilustração, colocamos a seguir, na Figura 4, trecho da cadência escrita por Villani-Côrtes, com
destaque para o uso de saltos presentes na partitura:
Figura 4: Fragmento de alguns saltos intervalares presentes na cadência do concerto Ibira Guira Recê de
Edmundo Villani-Côrtes (2001), c.156–165.
Podemos observar na Figura 4 grandes saltos intervalares, difíceis tecnicamente para uma
execução na velocidade sugerida pelo autor, que é de aproximadamente 100 bpm, expressa por
meio de um accelerando proposital na cadência. Para o desenvolvimento de uma técnica
necessária para esse trecho, sugerimos a utilização do método Les Gammes Conjointes et en
Intervales, de Jean-Marie Londeix (1962). Nele, Londeix utiliza um estudo sobre saltos, desde
intervalos de segundas até intervalos de oitavas, que contribuirá para a melhoria da emissão
dessas notas, na sua qualidade sonora e também na sua afinação. Na Figura 5, a seguir,
apontaremos uma imagem do método citado acima para uma melhor compreensão:
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Figura 5: Fragmento do método Les Gammes Conjointes et en Intervales de Jean-Marie Londeix (1962, p.4),
evidenciando exercícios de saltos intervalares de quinta, sexta, sétima e oitava.
Londeix propõe a execução dessas séries de exercícios com diferentes tipos de articulação.
Destacamos que o foco desses exercícios está na qualidade sonora e na emissão dos intervalos,
e não na velocidade da execução. Pedagogicamente, a cadência da obra Ibira Guira Recê é um
significativo exemplo para o estudo desses saltos intervalares em consonância com o estudo de
articulação.
A extensão do saxofone alto abrange da nota Dó#2 até o Lá4 (som real). Como o saxofone é um
instrumento transpositor, a notação grafada para o instrumento é do Sib2 até o Fá#4. Contudo,
com a evolução técnica dos recursos utilizados pelos saxofonistas, passaram a ser exploradas
notas acima da extensão confortável do saxofone, por meio da combinação de digitação e
harmônicos. O saxofonista Sigurd Raschèr (1907 – 2001) foi um destes precursores do registro
conhecido hoje como superagudos, com obras dedicadas a ele com o uso desta técnica, como o
Concertino da Camara, de Jacques Ibert (1890 – 1962) e o Concerto para saxofone e orquestra,
de Lars-Erik Larsson (1908 – 1986), entre outras peças, o que tornou a escrita dos superagudos
usual desde meados do século XX.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Na Figuras 6, a seguir, ilustraremos o primeiro superagudo no concerto Ibira Guira Recê, a nota
Sol6, em destaque na cor vermelha:
Figura 6: Fragmento do concerto Ibira Guira Recê de Edmundo Villani-Côrtes (2001), em destaque na cor
vermelha a nota Sol6, primeiro superagudo do saxofone. c.63–65. Cópia de Edson Lopes.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Figura 7: Tabela da nomenclatura das chaves do saxofone contida no método: Méthode de Saxophone Débutants
de Claude Delangle e Christophe Bois (2004, p.7).
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
(1992, p.33). Destacamos a digitação mais próxima da que será sugerida, que se justifica pela
melhor sonoridade, afinação e facilidade no trecho supracitado:
Figura 8: Fragmento do método Saxophone Altissimo: High Note Development for the Contemporary Player de
Robert A. Luckey (1992, p.33). Várias possibilidades para a digitação do Sol6. Em destaque na cor vermelha, a
digitação mais próxima da que é sugerida pelos autores.
A digitação do Sol6 superagudo é descrita então pelo uso das chaves: 1, 4, Bb e C5. Sugerimos,
no entanto, para melhor emissão e afinação, uma digitação bem próxima, mas com certas
diferenças: Chaves, 1, 4, Ta e C5. Como a passagem descrita pela figura 6 é em um andamento
rápido (96 bpm), indicamos a troca de digitações nas notas Mi6 e Fá#6. Abaixo vamos descrever
a digitação tradicional e a digitação sugerida para o trecho:
Adiante, na Figura 9, exemplificaremos outro superagudo escrito pelo compositor, a nota Sol#6,
presente no compasso 167 do concerto Ibira Guira Recê:
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Figura 9: Fragmento do final da cadência do concerto Ibira Guira Recê de Edmundo Villani-Côrtes (2001),
c.166-172. Em destaque na cor vermelha, o superagudo Sol#6.
LUCKEY (1992, p.34) novamente sugere vários tipos de digitações para a nota Sol#6.
Anexamos, na Figura 10, a seguir, algumas destas possibilidades descritas por ele e, em
destaque, a digitação sugerida pelos autores deste artigo com a mesma justificativa da escolha
por motivos já citados anteriormente, ou seja, para melhor emissão e afinação:
Figura 10: Fragmento do método Saxophone Altissimo: High Note Development for the Contemporary Player de
Robert A. Luckey (1992, p.34). Digitação do Sol#6. Em destaque na cor vermelha, a digitação mais próxima da
que é sugerida pelos autores.
A digitação da nota Sol#6 escolhida, que é análoga com a digitação descrita por Luckey, é
constituída pelas seguintes chaves: 1, 3, 4 e Tc.
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
4 – Considerações Finais
Ao abordarmos aspectos históricos do concerto Ibira Guira Recê, suas dificuldades técnicas e
sua possível aplicação em olhar pedagógico, com o auxílio de alguns métodos da literatura do
saxofone, os autores deste texto esperam ter contribuído para a divulgação dessa obra, assim
como do nome do compositor Villani-Côrtes.
Observamos neste artigo que aspectos da música popular brasileira estão presentes no
concerto para saxofone alto Ibira Guira Recê, de Edmundo Villani-Côrtes. Foram apontados
aspectos de nossa música popular como articulação, o caminho melódico e figuras rítmicas
pertencentes a gêneros como o choro e o samba. Apresentamos soluções para alguns dos
desafios técnicos do concerto supracitado, como os superagudos (digitações para melhor
emissão, afinação e facilidade técnica), grandes saltos intervalares e articulação proposta na
obra, com a exposição de alguns trechos para estudo de determinadas técnicas resultando em
uma possível aplicabilidade pedagógica.
Referências de texto
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
Referências de entrevistas
Referências de métodos/partituras
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ALMEIDA, Paulo; CHANTAL, Mauro. (2019) O concerto Ibira Guira Recê, para saxofone alto e piano, de Edmundo Villani-Côrtes: aspectos
históricos, musicais e possível aplicabilidade didática da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org.
e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.177-193.
5. LUCKEY, Robert A. Saxophone Altissimo: High Note Development for the Contemporary
Player. Olympia Pub., 1992. 200p.
6. SEVÈ, Mário. Vocabulário do Choro: Estudos e Composições. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumiar,
1999. 221p.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Resumo: O presente artigo tem por finalidade demonstrar algumas das novas possibilidades que surgiram com a
criação do bandolim 10 cordas. Inicialmente, será feito um breve apanhado geral sobre a história do bandolim no
Brasil e a sua tradição como instrumento melodista. Depois, será abordada a história do compositor Hamilton de
Holanda, do processo de criação do bandolim 10 cordas, e de como ele nasceu da busca de uma maior exploração
dos diferentes recursos do instrumento. Por fim, serão analisadas transcrições de trechos de gravações de
Hamilton em que o instrumento é utilizado com função peculiar. Demonstrar-se-á, com isso, como a criação desse
instrumento permitiu, a Hamilton de Holanda, um uso diferenciado, por meio de levadas, polifonias, melodias
harmonizadas e uso percussivo do instrumento, possibilitando a formação de um estilo próprio, diferente daquele
tradicionalmente consolidado no Brasil.
Abstract: This article aims to demonstrate some of the new possibilities that emerged as a result of the creation
of the 10-string mandolin. Initially, a brief overview of the history of the mandolin in Brazil and its tradition as a
melodic instrument will be made. Then the story of the composer Hamilton de Holanda, the process of creating
the 10-string mandolin, and how it was born from his search for greater exploitation of a number of the
instrument’s resources will be presented. Finally, passages of Hamilton’s recordings in which the instrument is
used idiosyncratically will be transcribed. It will be therefore be demonstrated that, through idiomatic rhythmic
cells, polyphonies, harmonized melodies and percussive use of the instrument, the creation of this instrument
facilitated a distinct use, allowing the formation of a style different from the one traditionally established in Brazil.
Keywords: 10-string mandolin; performance practices of the mandolin; Hamilton de Holanda; Jacob do Bandolim.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
1 – Introdução
O bandolim 10 cordas, criado por Hamilton de Holanda e construído pelo Luthier Virgílio Lima,
surgiu do interesse e da necessidade de um par de cordas mais grave para auxiliar no
acompanhamento e na independência do instrumento. Com isso, seria possível a execução de
melodia e harmonia de uma maneira mais abrangente e, consequentemente, mais completa,
além de ampliar as possibilidades melódicas de acordo com a nova extensão do instrumento.
Este artigo tem por objetivo demonstrar, por meio da análise de transcrições de trechos de
gravações de áudio e vídeo de Hamilton de Holanda, novas possibilidades de execução e de
linguagem que o bandolim 10 cordas e seu criador proporcionaram. Essa nova abordagem é
diferente daquela já estabelecida pelos grandes bandolinistas da história da música popular
brasileira, como Luperce Miranda e Jacob do Bandolim (este o principal responsável pelo
desenvolvimento da linguagem do bandolim brasileiro), na qual o bandolim 1 possuía
basicamente a função de instrumento melodista. Além disso, será abordada a história do músico
Hamilton de Holanda e do processo de criação do bandolim 10 cordas, instrumento que conta
com menos de 20 anos de existência.
Para isso, será feito, primeiramente, um breve apanhado sobre a história do bandolim no Brasil,
desde a sua chegada até a criação do bandolim 10 cordas, passando por aspectos de sua
tradição, e demonstrando as características da versão do instrumento que é hoje a mais
utilizada no País. Posteriormente, para demostrar essas novas possibilidades, será feita a
transcrição de trechos de músicas interpretadas por Hamilton que exemplificam sua
abordagem diferenciada com o instrumento. Exemplificar-se-á situações em que o referido
músico utiliza diferentes recursos no bandolim, a partir do uso do par de cordas adicionado,
como, por exemplo, fazendo a melodia ou levadas com acordes na região mais grave e
acompanhamento utilizando a corda mais grave como um baixo (instrumento), de maneira a
dar suporte aos arpejos, melodias e acordes. As fontes primárias para exemplificar essas
abordagens serão as gravações de áudio e vídeo de Hamilton de Holanda.
1 Sempre que for utilizada a palavra bandolim neste capítulo trata-se do bandolim tradicional, contendo 8 cordas.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Com a sua chegada ao Brasil por volta de 1808 (MOURA, 2010, p.4), o bandolim, inicialmente,
tornou-se um instrumento doméstico, muito utilizado pelas mulheres (MACHADO, 2004, p.11)
e normalmente em substituição ao tradicional piano. Como explicado por DUARTE (2010, p.1-
3) apenas num segundo momento, próximo à associação do bandolim ao choro, no final do séc
XIX, é que passou a ser mais usado por homens no meio musical. Após alguns músicos o
colocarem em evidência, o que teria ocorrido por volta do ano de 1910, o bandolim acabou
ganhando muito destaque como instrumento solista, ou seja, como instrumento que executa a
melodia principal de uma peça, tornando-se, assim, mais popular. Foi quando surgiram as
primeiras gravações utilizando o bandolim dessa forma.
Após esse período inicial, surgiram alguns bandolinistas virtuoses que ganharam espaço no
cenário musical da época, consolidando o instrumento na música popular brasileira,
principalmente no choro. DUARTE (2010, p.17-18) também esclarece que, por meio desses
músicos, desenvolveu-se o que se chama de linguagem do bandolim brasileiro, que consiste nos
tipos específicos de técnicas e ornamentos utilizados por eles ao tocarem o instrumento.
A principal referência dessa linguagem foi a maneira de tocar do músico e compositor Jacob do
Bandolim 2. Jacob, muito influenciado por Luperce Miranda 3, bandolinista que teve como
principal referência no instrumento, foi além de seu antecessor. Seu jeito virtuose de tocar o
bandolim consolidou tal linguagem e, por meio de uma extensa obra, sua perpetuação. Toda
essa linguagem foi construída na tradição do bandolim como instrumento solista (executando
2 Mais sobre a importância histórica e a linguagem deste músico é abordado em BARRETO, A. C. (2006) O estilo
interpretativo de Jacob do Bandolim e em PAZ, E. A. (1997) Jacob do Bandolim.
3 Mais sobre a importância histórica deste músico é abordado em: ARBOZA, M. T. (2004) Luperce Miranda: o
Paganini do bandolim.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Além de seu pai, professor José Américo, diversos outros músicos influenciaram Hamilton em
sua trajetória inicial como instrumentista. Sobre esse contexto inicial de aprendizado, o músico
ressaltou:
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Hamilton, hoje aos 42 anos, ganhou evidência em 1995, ainda bem jovem, quando foi
considerado o melhor intérprete no II Festival de Choro do Rio de Janeiro, no qual sua
composição Destroçando a Macaxeira ficou em segundo lugar. Depois disso, formou-se Bacharel
em composição pela Universidade Nacional de Brasília (UnB), chegando a lecionar na Escola de
Choro Raphael Rabello 4. Em constante produção, Hamilton de Holanda possui diversos projetos
em andamento e chega ao seu trigésimo segundo disco lançado 5. Seu legado já começa a ser
perpetuado por meio do trabalho de diversos bandolinistas 10 cordas no Brasil, que têm nesse
renomado músico sua grande referência. Dentre eles, estão nomes como Luís Barcelos, Fabio
Peron, Victor Angeleas, Dudu Maia, Rafael Ferrari 6, Marcos Frederico e mais recentemente
Pedro Franco e Ian Coury.
Engana-se quem pensa que a ideia do bandolim 10 cordas surgiu apenas em decorrência do
bandolim. Na verdade, foi o aprendizado de violão que inspirou o músico. Hamilton começou a
ter aulas de violão quando tinha cerca de treze anos, e foi em razão desse seu contato com esse
instrumento que ele então começou a perceber que a música não era apenas a melodia que
executava no bandolim (VITAL, 2016). Assim, segundo o músico, o bandolim 10 cordas nasceu
de uma criação espontânea:
Até então, eu era um melodista, dentro do universo do choro. Que é muito bom também,
não estou diminuindo, estou dizendo que pra mim foi uma abertura de mente muito
grande aprender a tocar o violão. E dali eu comecei a querer fazer também no bandolim,
entendeu? A harmonia, os acordes com a melodia, com o ritmo, comecei a querer fazer
no bandolim. Fazia no bandolim, normal, e comecei a sentir necessidade de umas
notinhas a mais, pensava comigo mesmo, “podia ter umas notinhas a mais…”, “uma
coisinha mais grave aqui, umas notinhas a mais…” (VITAL, 2016)
4 Escola de Choro Raphael Rabello – ICEM. Escola de choro fundada em Brasilia em 29 de abril de 1998, pelo músico
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
É curioso e importante ressaltar que esse mesmo anseio já era evidenciado no bandolinista e
compositor Jacob do Bandolim. DUARTE (2014, p.5-6) demonstra em seu trabalho, que em
composições como Ao som dos violões e Já que não toco violão são usados dois recursos escassos
na obra de Jacob: a criação da polifonia executando duas melodias em regiões diferentes do
instrumento e a harmonização da melodia, utilizando duas ou três notas. Fernando Novaes, em
seu artigo sobre recursos polifônicos na obra de Jacob, demonstra, por meio da análise de
partituras, como isso acontece nessas composições. Também em relação ao uso do bandolim
como solista, apesar de escasso na obra de Jacob, Fernando Novaes demostrou que esse músico
utilizava recursos que possibilitariam esse tipo de apresentação e já tocava algumas
composições dessa forma informalmente, como, por exemplo, em Primas e Bordões.
A prática do bandolim solo (não como solista melódico monofônico, mas explorando
recursos de harmonização com notas simultâneas e/ou polifonia na intenção de criar
um arranjo coeso e sustentado sem acompanhamento de outros instrumentos) é
esparsa na obra de Jacob. Apesar de nunca ter gravado oficialmente uma peça apenas
com o bandolim, traços dessa prática são encontrados em algumas gravações.
(DUARTE, 2014, p.2)
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Figura 3: Imagens do primeiro bandolim 10 cordas criado sob encomenda pelo Luthier Virgílio Lima para o
músico Hamilton de Holanda. Disponível em: <http://www.bandolim.net/o-bandolim-de-10-cordas-de-
verg%C3%ADlio-lima> Acesso em: 23 set, 2018.
A ideia é justamente esta, conseguir ter um som cheio com o bandolim, que o som se
aproximasse do que um piano, uma guitarra ou um acordeom fazem, a ideia era me
aproximar disso. Não que no outro bandolim você também não possa atingir uma
polifonia boa, você pode, mas eu sentia falta de um gravezinho, também. Então este C
(dó), é como se fosse o C da terceira casa da corda A (lá) da guitarra. Ali já é um som
gravezinho, não é o grave do mizão, mas já é um grave. (HOEPERS, 2016)
7 Esse projeto do compositor foi contemplado com o Prêmio Funarte de Música Brasileira 2013, sendo
O bandolim 10 cordas deixou em evidência várias formas de execução que eram pouco
utilizadas no bandolim (já que este era tradicionalmente um instrumento melodista), bem
como permitiu outras executáveis exclusivamente nesse instrumento. Para a escolha das
possibilidades de execução do instrumento a serem transcritas neste artigo, foram analisadas
todas as gravações de áudio e vídeo de Hamilton de Holanda que puderam ser encontradas. O
intuito foi o de identificar trechos que representassem, de forma clara e sucinta, esses recursos
utilizados pelo músico em seus arranjos, deixando evidente, por meio do mapeamento das
transcrições, como foram ampliadas as possibilidades em relação ao tradicional uso melódico
(como instrumento solista) que predominou desde a chegada do bandolim ao Brasil. Assim,
serão demonstradas, a seguir, por meio de 8 transcrições realizadas pelo primeiro autor deste
202
CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Figura 5 : Exemplo da utilização de melodia e arpejo no par de cordas extra do bandolim 10 cordas transcrito da
música Canto de Ossanha, registrada no vídeo Canto de Ossanha – Hamilton de Holanda [0:27-0:37].
Figura 6: Exemplo da utilização da corda extra do bandolim 10 cordas como um baixo apoiando a melodia
transcrito da música Canção da América, registrada no disco Hamilton de Holanda Quinteto Casa de Bituca
(2007), [0:23-0:32].
203
CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Figura 7 : Exemplo de levada no bandolim 10 cordas utilizando o par de cordas extra transcrito da música
Disparada, registrada no vídeo Hamilton de Holanda, amazing solo by one of the best bandolim players in the
world [1:51-1:59].
Levadas como esta são comuns no cavaquinho em rodas de choro e pouco utilizadas no
bandolim, como se observa nas obras de bandolinistas brasileiros de maior relevância, como
Jacob do Bandolim e Luperce Miranda.
Transcrição 4. Na mesma apresentação solo, logo após o trecho mencionado acima, Hamilton
abandona a melodia no agudo e muda para uma levada com dedilhado basicamente em cima de
tríades, utilizando apenas as cordas mais graves do instrumento, explorando um recurso novo
possibilitado pelo bandolim 10 cordas (Figura 8 abaixo):
Figura 8 : Exemplo de levada com dedilhado utilizando o par de cordas extra do bandolim 10 cordas transcrito
da música Disparada, registrada no vídeo Hamilton de Holanda, amazing solo by one of the best bandolim players
in the world [2:03-2:09].
8 O conceito de levada adotado para este capítulo consiste em: “Levada - termo do jargão musical usado para
designar um tipo de fórmula essencialmente rítmica, tocado em especial pela bateria e/ou pelo baixo, que define
claramente o estilo do arranjo.” (ALMADA, 2000, p.97).
9 Referência utilizada de levada de maxixe para este capítulo: BOLÃO, O. (2003). Batuque é um privilégio. ed.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Figura 9 : Exemplo de levada na região grave do bandolim 10 cordas utilizando o par de cordas extra transcrito
da música Disparada, registrada no vídeo Hamilton de Holanda, amazing solo by one of the best bandolim players
in the world [2:13-2:19].
Figura 10 : Exemplo de melodia harmonizada no bandolim 10 cordas transcrito da música Travessia, registrada
no disco Hamilton de Holanda Quinteto Casa de Bituca (2007) [0:47-0:54].
205
CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Figura 11 : Exemplo do uso percursivo do bandolim 10 cordas por meio de palhetadas ferindo as cordas
abafadas transcrito da música Disparada, registrada no vídeo Hamilton de Holanda, amazing solo by one of the
best bandolim players in the world [3:58-4:04].
Em pesquisa até o momento, não foi encontrado registro de gravação utilizando esse recurso
antes da criação do bandolim 10 cordas.
Transcrição 8. Este último exemplo, apresentado na figura 12, também demonstra um recurso
possibilitado exclusivamente com a criação do bandolim 10 cordas, consistente em dedilhado
de acordes que utilizam o par de cordas extras, explorando a região mais grave do instrumento.
Figura 12 : Exemplo de dedilhado de acordes utilizando o par de cordas extra do bandolim 10 cordas transcrito
da música 01 byte 10 cordas, registrada no disco Hamilton de Holanda & Yamandu Costa – Live (2011) [0:27-
0:37].
5 – Considerações finais
A história mostra que o bandolim, inicialmente um instrumento com pouca visibilidade no país,
ganhou espaço na música popular do Brasil por meio de músicos como Luperce Miranda e Jacob
do Bandolim, que desenvolveram a base da linguagem do bandolim brasileiro. Posteriormente,
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Hamilton de Holanda, com a criação do bandolim 10 cordas, veio e ainda vem revolucionando
o cenário desse instrumento. Antes tradicionalmente utilizado como instrumento solista (de
uso melódico), Hamilton ampliou sua forma de uso. Polifonias, melodias harmonizadas, levadas
e uso percussivo estão sendo incorporados na prática do instrumento, tornando-se cada vez
mais recorrentes também entre os demais bandolinistas brasileiros.
Foram apresentados exemplos desses recursos que são explorados por seu criador e que
fundamentam essa mudança. Ressalte-se que esse mapeamento de alguns dos recursos do
bandolim 10 cordas, inclusive, será de grande valia para aqueles que futuramente queiram
aprofundar-se no estudo dessas possibilidades técnicas e nas questões relacionadas a esse
instrumento de história tão recente, apenas 18 anos.
Assim, por meio de uma maior compreensão da história e das possibilidades do bandolim 10
cordas, bem como sobre seu criador Hamilton de Holanda, é possível constatar e entender a
mudança que vem acontecendo no cenário nacional em relação à abordagem do instrumento.
Além disso, novas gerações de bandolinistas brasileiros vêm participando nessa mudança de
tradição, solidificando, aos poucos, essa nova abordagem em gravações e performances na
música popular brasileira e divulgando o bandolim 10 cordas por todo o mundo.
Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES.
Referências de texto
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
7. FERRARI, R. (2016). Tocando Bandolim com Rafael Ferrari – Escalas para bandolim
“digitação inteligente para fluência em qualquer tom” omb10. 2.ed. de Rafael Ferrari.
Disponível em: <http://www.omb10.com/franquias/2/20128/editor-html/514403.pdf>
Acesso em: 23 set, 2018.
8. FERRAZ, A. (2015) Aonde o povo está... . Wikipedia. Revista CartaCapital n.870 ed.
Confiança. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hamilton_de_Holanda > Acesso
em: 08 set, 2018.
10. MACHADO, A. (2004) Método do Bandolim Brasileiro. Rio de Janeiro: ed. Lumiar. p.116.
12. PAZ, E. A. (1997) Jacob do Bandolim. Rio de Janeiro. Fundação Nacional de Arte, Funarte.
14. SÁ, M. (2007) Aquelas cordas a mais... Revista Backstage. n.155 ed.H.Sheldon Disponível
em:
<http://www.backstage.com.br/newsite/ed_ant/materias/155/Aquelas_Cordas.pdf>
Acesso em: 02 set, 2018.
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CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
Referências de transcrições
4. HOLANDA, Hamilton. (2012). Hamilton de Holanda, amazing solo by one of the best
bandolim players in the world. Vídeo de 5 minutos e 40 segundos. Postado no Youtube por
HandEye Family em 24 de julho, 2012. Disponível em:
<https://m.youtube.com/watch?v=MKaJn_Mmtps> Acesso em: 13 set, 2018.
209
CAMPOS Pablo M.; KORMAN Clifford H. (2019) Hamilton de Holanda e o bandolim 10 cordas: criação, história e possibilidades do instrumento.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.194-210.
6. HOLANDA, Hamilton. (2009) 01 byte 10 cordas. In: CD Hamilton de Holanda & Yamandu
Costa – Live. faixa 6. Produção Independente. 2009 (CD de áudio)
Clifford Hill Korman é Doutor em Música ‐ Jazz Arts Advancement (Manhattan School of
Music) ‐ é Mestre em Música‐ Specialization in Jazz Performance (The City College of New York).
Pianista, compositor, e arranjador, ele é Professor Adjunto da UNIRIO, coordenador do
mestrado no Programa de Pós Graduação em Música e atuando principalmente na área de
Estudos em Música Popular. Suas linhas de pesquisa incluem improviso, jazz, música brasileira
instrumental e linguagens e técnicas de piano popular. Atua no Instituto Paulo Moura como
diretor musical, arranjador e coordenador do projeto de digitalização do Acervo Paulo Moura.
Entre suas gravações próprias, destacam‐se "Mood Ingênuo, o sonho de Pixinguinha e Duke
Ellington" (Jazzheads, 1999) e "Gafieira Dance Brasil" (Independente, 2001) com Paulo Moura;
“Migrations” (Planet Arts, 2003) e "Trains of Thought" (Almonds and Roses Music, 2014).
210
PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Resumo: Este capítulo apresenta um estudo sobre a canção A Estrela, de Frederico Richter (1932), escrita em
linguagem dodecafônica. Após breve texto biográfico contextualizando o compositor, são verificadas algumas
características composicionais da obra e sugeridas soluções de interpretação da mesma. Apoiamos-nos nos
estudos sobre dodecafonismo de STRAUS (2000) e em entrevistas com o compositor. Para a análise das inter-
relações entre os elementos literários e musicais da canção, baseamo-nos em uma das metodologias adotadas pelo
grupo de pesquisa Resgate da Canção Brasileira da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais
(CASTRO, 2009; PÁDUA, 2009, 2016; SILVA, 2012; TEIXEIRA, 2010) . Uma editoração da obra, feita a partir de seu
manuscrito original, é também aqui apresentada. Esperamos, com o presente trabalho, divulgar a obra de Richter
e oferecer subsídios aos intépretes em suas performances. Este trabalho foi realizado com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).
Palavras-chave: Canção de Câmara Brasileira; canções de Frederico Richter; poema A Estrela de Manuel Bandeira;
análise de canção dodecafônica; performance musical.
Abstract: This chapter presents a study on the song “A Estrela” from Frederico Richter (1932), written in
dodecaphonic language. After a brief biographical text contextualizing the composer, some compositional
characteristics of his work are verified and some interpretational solutions for it are suggested. We utilized Straus’
(2000) studies on dodecaphonism and interviews with the composer as a support. For the analysis of the relations
between the literary and the musical elements of the song, we based ourselves in one of the methodologies adopted
by the Resgate da Canção Brasileira research group from the Federal University of Minas Gerais’ School of Music
(CASTRO, 2009; PÁDUA, 2009, 2016; SILVA, 2012; TEIXEIRA, 2010). A publication of this work, made from its
original manuscript, is also presented here. We hope, with the present work, to divulge Richter’s work and offer
subsidies to musicians in their performances. This study was financed in part by the Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).
Keywords: Brazilian Art Song; Frederico Richter’s song; poem A Estrela of Manuel Bandeira; Analysis of
dodecaphonic song; Musical performance.
211
PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
1 – Introdução
A canção de câmara ocupa um importante papel na literatura musical e apresenta uma variada
gama de soluções interpretativas, sobretudo quando são consideradas as inter-relações entre
seu texto literário e a música. É um gênero muito presente no cotidiano do cantor lírico, tendo
um importante papel em sua formação musical e acadêmica. No Brasil, compositores como
Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Ernani Braga (1888-1948), Lorenzo Fernández (1897-1948),
Francisco Mignone (1897-1986), Waldemar Henrique (1905-1985), Cláudio Santoro (1919-
1989) e Babi de Oliveira (1919-1993) dedicaram-se ao gênero e suas canções estão muito
presentes no repertório das salas de concerto.
No Rio Grande do Sul, o compositor Frederico Richter (1932) apresenta uma vasta
produtividade no gênero canção de câmara, tendo escrito mais de 400 obras para a formação
canto e piano. Versátil, o compositor dedica-se à exploração de diferentes técnicas e estéticas
composicionais, como o atonalismo, o serialismo e a música eletroacústica.
Neste capítulo, temos como objetivo a análise interpretativa de uma das canções de Frederico
Richter, A Estrela, integrante do ciclo Três Canções Sobre uma Série. A primeira canção desse
ciclo intitula-se Madrigal e a segunda O Anel de Vidro, todas com versos de Manuel Bandeira
(1886-1968). Na obra, o compositor explora o método dodecafõnico e suas possibilidades. A
presente pesquisa é um recorte do projeto de mestrado em andamento da primeira autora
deste trabalho, que tem como objetivos principais a catalogação, a análise e a editoração das
obras para canto e piano de Frederico Richter.
1As composições pioneiras de música eletroacústica no Rio Grande do Sul foram realizadas por Frederico Richter,
que elaborou seus primeiros estudos de música eletrônica no Canadá. Foi o primeiro gaúcho a realizar
composições por computador utilizando a teoria dos fractais (UFRGS, 2017).
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
As contribuições do compositor e de sua esposa Ivone Richter (1939) foram fundamentais para
a conclusão deste trabalho, uma vez que ambos nos forneceram, por meio de entrevistas a nós
concedidas, informações e dados importantes para a pesquisa em música brasileira e
esclarecimentos sobre a trajetória musical do compositor.
2 – Frederico Richter
Natural de Novo Hamburgo, no Rio Grande do sul, Frederico Richter (1932) apresenta uma
vasta produção composicional, em meio à qual as canções de câmara ocupam lugar de destaque.
O compositor escreveu para diversas formações instrumentais, passando por diferentes
estéticas composicionais do século XX, tais como o atonalismo, o pantonalismo, o serialismo, a
música eletroacústica e a música fractal. Em um atual levantamento, para canto e piano são
mais de 400 obras escritas, o que chama atenção ao se tratar de música vocal (RICHTER, 2017).
Dentre os compositores de sua geração, como Armando Albuquerque (1901-1986), Bruno
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Richter formou-se em violino pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1951.
Durante vinte anos integrou, como primeiro violino, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
(OSPA) sob a batuta do maestro Pablo Komlós. Para o compositor, sua vivência na OSPA foi
muito rica, pois ali conheceu e tocou um vasto repertório sinfônico e operístico. Nessa
orquestra, teve ainda a oportunidade de tocar sob a regência de Heitor Villa-Lobos, ocasião em
que diz ter aprendido muito sobre interpretação e regência de música brasileira. Em 1971,
cursou seu pós-doutorado em composição na McGill University, em Montreal, no Canadá, onde
se especializou em música eletrônica e eletroacústica sob a orientação de Alcides Lanza (1929).
Logo após, passou um período na Alemanha, onde começou seus estudos com música fractal2,
trabalho ao qual foi conduzido pelo grupo de pesquisa de sua esposa, a artista visual Ivone
Richter (1939). Desenvolveu também estudos na área da semiótica, os quais abordavam, entre
outros, o conceito de metáforas na música. Estudou ainda sobre filosofia da música. Esses
assuntos, posteriormente, geraram artigos publicados no meio acadêmico (Richter, F.; Richter,
I., apud DOMINGUES, 2009, p. 20).
Richter começou a realizar experiências com o dodecafonismo após o primeiro contato com o
compositor Armando Albuquerque em um curso de férias na cidade de Porto Alegre, na década
de 1960. Na década de 1970, mudou-se definitivamente para a cidade de Santa Maria, no Rio
Grande do Sul, para assumir a coordenação do curso superior de música da UFSM. Nessa época,
começou a dedicar maior tempo à composição, à pesquisas de novas soluções composicionais
e aos estudos teóricos de intervalos musicais, que incluíram incursões nas técnicas seriais.
Richter já havia produzido também Três Concentratas (1967) - a nº 1 para quarteto de cordas,
a nº 2 para flauta, oboé e fagote e a nº 3 para orquestra sinfônica - , obra apresentada em
Portugal pelo maestro Álvaro Salazar na Fundação Calouste Gulbekian. Organizou a I Semana
de Música Contemporânea em Santa Maria em 1982, quando contou com a presença de Hans
2Música fractal é a que utiliza-se da Geometria dos Fractais, onde não existem medidas específicas nem escalas,
sendo apropriada para formas naturais. A música produzida de acordo com esta estética é composta a partir de
amostras produzidas pelo computador com interação do compositor (RICHTER, F. 1991).
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Joachin Koellreutter (1915-2005) para trabalhos artisticos. O evento reuniu também membros
da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea.
No artigo A new aesthetic derived from Science and technology: Chaos and Fractal (1993),
RICHTER (1993, p. 4) aborda a importância da canção na sua obra e afirma: “eu sou um
compositor do tipo vocal e essa é minha principal tendência, apesar de ter escrito obras como
sinfonias, instrumentais e orquestra”. Em sua trajetória artística podemos identificar cinco
fases composicionais que são: 1) tonal/atonal, 2) atonal/serial, 3) música
eletrônica/eletroacústica, 4) estudos com música fractal e 5) tonalismo livre/pós moderna. O
gênero canção está presente em apenas três delas, que são a primeira, segunda e quinta fases
(ver tabela na Figura 1). Na quinta fase, as composições no geral apresentam um centro tonal
mas não necessariamente uma tonalidade definida, o que as diferencia e contrasta com as
canções de sua primeira fase. O compositor afirma que esses periodos não são rígidos e que
pode haver trânsito entre eles. Portanto, essas datas servem apenas como um parametro de
localização. Atualmente, Frederico Richter reside em Porto Alegre, não se dedicando mais à
composição desde meados de 2016.
Fases Período Classificação
composicionais
3 – A Estrela
Sobre poemas de Manuel Bandeira, o ciclo Três Canções Sobre uma Série , composto em 1969, é
uma das obras mais conhecidas da segunda fase composicional de Richter, que é dedicada ao
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Figura 2a/b: Primeira página do manuscrito da canção A Estrela (RICHTER, 1969). Primeira página da versão
editadorada da canção A Estrela (RICHTER, 2018).
O serialismo é um método de composição musical que utiliza uma ou várias séries como forma
de organizar o material sonoro. Segundo HARTMANN (2011), o método de composição em doze
3Ana Maria Kilemann, soprano lírico natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Foi professora de canto no curso
superior de música da Universidade Federal de Santa Maria – RS, trabalhou ao lado de Frederico Richter no meio
acadêmico.
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
sons (oriundos da escala cromática) tem sua criação atribuda a Arnold Schoenberg (1874-
1951) no início da década de 1920. Nesse sistema, a série era constituída de uma sequência de
doze notas, sendo o total cromático utilizado sem repetições. Existem dois tipos de serialismo
que se distinguem pelo uso de elementos mais específicos: o serialismo dodecafônico e o
serialismo integral. O serialismo integral baseia-se numa série que ordena todos os parâmetros
do som em uma peça. Desse modo, duração, timbre, altura e intensidade são todos definidos a
partir de uma série, que pode ser representada por sequências numéricas. É importante
ressaltar que, por vezes, são utilizados simplesmente os termos dodecafonismo e serialismo -
o que gera confusões por não se levar em conta que o dodecafonismo é também um tipo de
serialismo.
Segundo STRAUS (2000), no dodecafonismo as notas da escala cromática são tratadas como
equivalentes, ou seja, são sujeitas a uma relação ordenada e não hierárquica. As notas são
organizadas em grupos de 12 denominados séries, que podem ser lidas de quatro formas
diferentes: original (O), retrógrada (R), inversão (I) e retrógrada da inversão (RI). Todo o
material de alturas utilizado em uma composição dodecafônica, seja melódico (estruturas
horizontais) ou harmônico (estruturas verticais), deve ser originado da série. O método
dodecafônico utiliza uma matriz 12 x 12, na qual cada posição é preenchida por uma altura
diferente, produzindo 12 séries diferentes de 12 sons para cada um dos dois sentidos possíveis,
horizontal e vertical. É utilizado um sistema numérico de referência dos sons, que representa a
distância das notas, em semitons, a partir do Dó (0=Dó, 1=Dó#, Ré=2, etc...).
Para analisarmos a forma estrutual de A Estrela, é necessário voltar à primeira canção do ciclo
para identificar a série original que é responsável pela construção da matriz serial. Na Figura 3,
apresentamos os dois primeiros compassos da canção Madrigal, na qual Richter apresenta a
série original na voz superior do piano e a série retrógrada na voz inferior.
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Figura 3: Apresentação da série original na voz superior em Madrigal, primeira canção do ciclo Três Canções
Sobre uma Série (c.1-2).
Apresentamos, a seguir, a matriz 12 X 12 do ciclo Três Canções Sobre uma Série, com as 48
possibilidades:
Figura 4: Tabela da matriz serial do ciclo Três canções sobre uma série (1969).
Na canção A Estrela que, neste capítulo, é analisada somente sob o apecto do manejo serial
empregado pelo compositor, a série Invertida 2 (I2) é apresentada logo no primeiro compasso,
nas vozes superior e inferior do piano, com vemos no exemplo abaixo:
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Segundo NEVES (1984) “As técnicas dodecafônicas no Brasil foram utilizadas com inteira
liberdade na manipulação das normas gerais do dodecafonismo, adaptando-as às suas
necessidades expressivas”. Richter segue um dodecafonismo um pouco mais livre, em que há
momentos nos quais a série se apresenta de maneira incompleta ou não é identificada. A série,
devido à sua relação intervalar, remete também a arpejos de acordes em um centro tonal. O
exemplo abaixo mostra os primeiros compassos nos quais a melodia do canto faz referência ao
centro tonal de Ré menor e Mib.
Figura 6: Trecho no qual a série remete aos acordes de Ré menor e Mib em A Estrela (c.2-3).
Ao contrário do que acontece nas outras canções deste ciclo, nessa obra o compositor não
utiliza muitas variações da forma serial, adotando I2 como série predominante em toda obra,
com pequenas recorrencias à Série Original 2 (S2). A canção se apresenta em uma estrutura
horizontal (melódica), com raros momentos que a série é encontrada em blocos de acordes
(hamônica). O compositor emprega, em boa parte da obra, a série com uma textura polifônica,
na qual o I2 funciona como uma voz superior e as outras séries recorrentes como vozes
internas. Veremos, no capitulo 3.4, como o compositor utiliza expressivamente o serialismo
dodecafônico para criar paisagens sonoras que se relacionam com o poema.
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Figura 7: Em azul, estrutura horizontal (melódica) da série I2, e, em vermelho, a série S2 como voz interna em
uma textura predominantemente polifônica em A Estrela (c.10).
3.2 O Poema
Escrito por Manuel Bandeira, o poema de A Estrela faz parte da coletanea Lira dos cinquet’anos,
publicada em 1944. Foi musicado por, pelo menos, nove poetas, dentre eles Francisco Mignone,
Helza Cameu e Lindemberg Cardoso. O poema está estruturado em quatro estrofes de quatro
versos regulares heptassílabos. Segundo Goldstein (2005), o verso heptassílabo é o mais
simples do ponto de vista das leis métricas e é muito utilizado em quadrinhas e canções
populares. Vejamos o poema:
A Estrela
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
A obra está escrita em uma linguagem coloquial, na primeira pessoa do singular (vi um estrela
tão alta). Nela, o eu lírico se refere à estrela como seu obejto de desejo. Podemos pensar a
estrela como uma metáfora para algo inatingivel, inalcansável. Se relacionarmos esse poema
com outros de Bandeira, como, por exemplo, o poema A Estrela da Manhã, pertencente ao livro
que leva o mesmo título do poema, vemos que a estrela é uma imagem obsessiva na obra do
poeta, e que pode significar a mulher sensual e distante, o amor não correspondido e platônico,
ansiosamente aguardado. O eu lírico contempla a estrela distante sem a possibilidade de
aproximação, e podemos perceber o contraste entre o brilho do astro e a voz do poeta que
mostra a vida vazia. O poema traz uma relação de contrastes emocionais e certa instabilidade
do estado mental do eu lirico, por meio de sentimentos de nostagia, solidão, deslumbramento,
adoração, melancolia, tristeza e paixão. Existe no poema A Estrela uma relação de confronto
entre o elemento externo inacessível (estrela) Vi uma estrela tão alta com o interno
(sentimento) Para dar uma esperança mais triste ao fim do meu dia.
A extensão vocal da canção abrange o intervalo de Sol#3 a Sol4. Cada verso do poema recebeu
do compositor uma nova frase melódica, com exceção do ultimo verso, em que são utilizadas
duas frases melodicas.. A melodia vocal é caracterizada pelo padrão silábico, no qual cada nota
musical equivale a uma silaba poética do texto. A melodia do canto é frequentemente repetida
na linha do piano, que funciona como uma referência para o cantor. O compositor utiliza uma
tesitura bastante aguda, com notas repetidas na região de Fá#4 e Sol4, considaradas regiões de
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
passagem para a voz de soprano. A maneira com que Richter une algumas vogais com hiatos
ou ditongos, como, por exemplo, nas frases Vi u-maes-tre-la tão alta e E-rau-maes-tre-la..., exige
do intéprete precisão e clareza em sua articulação, para uma narração clara e legível. A
repetição sistemática das notas na linha do canto, recurso frequentemente empregado pelo
compositor, pode vir, em alguns casos, a suprir a complexidade da harmonia apresentada pela
parte pianistica. . Por outro lado, essa repetição melódica remete a um caráter vocal firme,
vigoroso e narrativo na maneira de articular as palavras. STEIN AND SPILLMAN (1996)
apontam a repetição de notas como parte de um estilo vocal que está inserido dentro de uma
textura musical.
O termo TEXTURA refere-se à densidade ou espessura [...] de uma peça. A densidade
horizontal ou linear envolve com que frequência notas ou ritmos irão ocorrer, se os
sons são separados ou adjacentes, e quão distantes os intervalos são um do outro;
densidade vertical envolve a forma como muitas notas estão soando ao mesmo tempo,
incluindo quantas alturas diferentes ocorrem simultaneamente. (STEIN; SPILLMAN,
1994).
Figura 9: Relação texto-música (em azul, os índices “estrela” e “alta” ocorrendo na parte mais aguda da frase) e
repetição de notas (em vermelho) no estilo composicional de Richter em A Estrela (c.6-7).
A canção está escrita em compasso composto 9/8, com indicação de seminima pontuada a 92
batidas por minutos (bpm) e indicação de caráter Agitado. No ritmo da melodia do canto
predomina a figura da semicolcheia. A recorrência de quialteras de dois aparece como um
contraste, uma quebra no padrão ritmico ternário da obra, procedimento que o compositor
utiliza para ajustar o ritmo poético na música. Todos os acentos dos tempos fortes dos
compassos coincidem com os acentos do verso. O ritmo da parte do piano das seções A e A’ é
contrastante, visto que, na primeira seção, é formado por uma textura polifônica e, na seção A’,
é resultante de uma mescla entre as duas texturas, tanto harmônica como polifônica, como
maneira de indicar uma mudança de estado de espírito do eu lírico.
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Uma canção dodecafônica traz certos desafios para o cantor em sua execução, principalmente
pela falta de referência a um centro tonal. Richter consegue utilizar a série de maneira melódica
e fazer com que o acompanhamento do piano amenize essa dificuldade. Como já mencionado
acima, em boa parte da obra o compositor faz referencias à melodia vocal na parte da mão
esquerda do piano. As variações tanto melódicas quanto rítmicas na textura do
acompanhamento ajudam a formar um todo poético, seja criando ambientes ou trazendo
imagens à mente do ouvinte.
Figura 10: Canto silábico (uma sílaba por nota) em registro agudo em A Estrela (c.16-17).
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
No decorrer da canção, a linha do piano faz alusão a vários elementos da poesia por meio de
gestos musicais descritivos. Nos compassos dois e quatro da canção, por exemplo, o compositor
utiliza a região super aguda do piano para desenhar imagens nas palavras luzia e fria, que
remetem ao lugar alto, no céu, onde a estrela é avistada. O compositor utiliza do seus trabalhos
acadêmicos na área da semiótica para embasar e relacionar a comparação com essas imagens.
No artigo As Metáforas da Música, publicado na revista Brasiliana da Academia Brasileira de
Música o compositor afirma:
Figura 11: Região sobre aguda do piano criando paisagem sonora nas palavras alta e luzindo em A Estrela (c.2-4)
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
4 – Considerações finais
A pesquisa nos ofereceu alguns subsídios para melhor compreender a segunda fase
composicional de Frederico Richter, na qual o gênero canção se faz presente de maneira pouco
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
Referências de texto
1. BANDEIRA, Manuel. (1944). Lira dos Cinquent’anos. Rio de Janeiro. Edição do autor.
3. DOMINGUES, Carla. (2010). A Relação entre texto e música nas canções de Frederico
Richter. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Universidade do Estado de
Santa Catarina, Florianópolis.
4. GOLDSTEIN, Norma. (1999). 11º edição. Versos, sons e ritmos. São Paulo. Ed. Ática.
6. LARUE, Jan. (1992). The Guidelines for Style Analisys. Ed. New York: W. W. Norton &
Company.
7. NEVES, José Maria. (1981). Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi.
8. PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2009). Imagens de brasilidade nas canções de câmara de
Lorenzo Fernandez: uma abordagem semiológica das articulações entre música e poesia. Tese
(Doutorado em Música) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte.
9. PÁDUA, Mônica Pedrosa de: LIMA, Cecília Nazaré de. (2016). A canção O poder das
Lágrimas de Francisco Braga: diálogos entre poesia e música. In: Anais do XXVI Congresso da
Anppom. Belo Horizonte.
10. RICHTER, FREDERICO. (1993) A new aesthetic derived from science and technology:
Chaos and Fractal. Montreal/Canadá.
12. ________________. (2000b) Palestra na Academia Brasileira de Música. Minha obra, vivências
e influências. Rio de Janeiro. Não publicado.
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PERES, Caroline dos Santos; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019) A Estrela de Frederico Richter e Manuel Bandeira: análise musical e aspectos
interpretativos de uma canção dodecafônica. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.211-227.
13. RICHTER, Frederico; RICHTER, Ivone. (2017) Entrevista concedida a Caroline dos Santos
Peres. Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Entrevista.
14. SILVA, Lígia Ishitani. (2012) Um olhar interpretativo para as canções de Arthur
Bosmans. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte
15. STEIN, Deborah; SPILLMAN, Robert. (1996) Poetry into Song. Nova York: Oxford
University.
16. STRAUS, Joseph N. (2000) Introduction to post-tonal theory. Nova Jersey: Prentice Hall,
2000.
17. TEIXEIRA, Márcia Maria Reis. (2010) As canções de Hostílio Soares: Álbum para canto e
piano – 5 peças em vernáculo. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte
Referências Musicográficas
2. _________________ (1932) A Estrela – 1969. Edições Frerídio. Transcrição: Darwin Pillar Corrêa
(2018). 5 páginas. Canto e piano.
Caroline dos Santos Peres é graduada em Música – Bacharelado em Canto pela Universidade
Federal de Pelotas no estado do Rio Grande do Sul. Atuou como pesquisadora e colaboradora
do APHECAB: Acervo de partituras Hermelindo Castello Branco: catalogação, análise,
interpretação e divulgação do repertório de canção de concerto do Brasil. Desenvolve
repertório de música de câmara e operístico atuando como solista em recitais, concertos e
concursos. É mestranda em performance musical da Universidade Federal de Minas Gerais
orientada pela professora Mônica Pedrosa de Pádua.
Mônica Pedrosa de Pádua é graduada em Canto pela Escola de Música da UFMG, Mestre em
Música pela Manhattan School of Music (EUA) e Doutora em Literatura Comparada pela
FALEUFMG. Professora da EMUFMG, atua no mestrado e doutorado nas áreas de Performance
e Sonologia. Pesquisadora do CNPq, integra o grupo de pesquisa Resgate da canção brasileira.
Atua como solista em recitais e em concertos.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
ISBN: 978-85-60488-33-9
André Barbosa
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Mauro Chantal
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Palavras-chave: colaboração entre intérprete e compositor; práticas de performance do piano; Os abacaxis não
voam; Guilherme Nascimento.
Abstract: A common practice in contemporary works, collaboration between performers and composers is a
process that tends to contribute to the staging of a performance. This article proposes the study of the work for
piano “Os abacaxis não voam” [Pineapples do not fly] by composer Guilherme Nascimento, it seeks to uncover
technical-musical and interpretative aspects through interaction with the composer, as well as to present the
process of its creation. For this research, the entire process was documented in the form of a diary study, with all
meetings held with the composer videotaped, allowing us to investigate the impacts of this interaction on my
technical-musical and interpretative decisions.
Keywords: collaboration between interpreter and composer; piano performance practices; Os abacaxis não voam;
Guilherme Nascimento.
1 – Introdução
Esta pesquisa teve início com o processo de estudo da peça para piano Os abacaxis não voam,
de Guilherme Nascimento (1970), tendo unicamente como base a sua partitura, e
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Sobre o primeiro autor desse capítulo, no decorrer de sua graduação em piano pouco foi o
contato com a música brasileira. Durante uma catalogação de obras para piano escritas entre
2001 e 2014 por compositores brasileiros professores de composição em universidades, teve-
se a oportunidade de ter em mãos inúmeras dessas obras, e percebeu-se o quanto
representavam um caminho pouco acessível, principalmente no que dizia respeito às
especificidades da escrita musical. Entretanto, era notável a disposição dos compositores em
ceder suas criações para o catálogo e em contribuir com a pesquisa em todos os aspectos. Por
meio desta experiência, surgiu a hipótese de que a interação entre o intérprete e compositor
poderia tornar-se uma ferramenta importante no processo de estudo e performance do
repertório contemporâneo. Segundo SILVA (2015, p.12), quando possível, o intérprete pode
interagir diretamente com o compositor para ter acesso a perspectivas que lhe permitam uma
maior imersão e compreensão sobre o universo sonoro do compositor.
Por sua vez, DOMENICI (2010, p.1142) registra que essas interações impactam de maneira
significativa tanto na composição quanto na performance da obra. No entanto, ela afirma que
apesar de ser uma prática comum na música contemporânea, não tem sido documentada ou
mesmo reconhecida. BOWEN (1993, p.141) em seu artigo The History of Remembered
Innovation, afirma que a ênfase no texto pode obscurecer os limites da notação musical, e
ressalta que as partituras não são obras musicais, mas somente representações espaciais. Por
meio desta pesquisa, busco contribuir justamente para tornar claro esse terreno por detrás da
escrita musical.
O presente artigo, que visa o estudo e construção da performance da obra Os abacaxis não voam,
é um recorte de uma pesquisa mais ampla na qual pretendo abarcar toda a obra para piano de
Guilherme Nascimento.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Sobre seu estilo composicional, Guilherme afirmou1 que Os abacaxis não voam é, de certa forma,
um divisor de águas em sua trajetória como compositor. A partir dessa obra, disse ter
encontrado uma linguagem que o representasse como compositor, ou seja, sentiu ter chegado
a algo original, particular, sendo que até então não tinha encontrado nada semelhante no que
diz respeito à linguagem composicional. No entanto, mesmo tendo encontrado o novo, o
“original” em algumas obras, o compositor diz-se contrário à ideia do novo pelo novo, do
original pelo original, a não ser que esse “novo” contribua para que se possa trazer algo de bom,
tanto para o próprio compositor quanto para os intérpretes e ouvintes.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Os abacaxis não voam, para piano solo, é a primeira obra para piano de Guilherme Nascimento.
Foi composta em 2001, em Belo Horizonte, e dedicada à pianista Ana Cláudia de Assis, que
gravou a obra no CD intitulado Música de Câmara Vol.1, no ano de 2009.
Na edição disponibilizada pelo compositor para a realização deste artigo, a obra apresenta oito
páginas em 61 compassos. A partitura conta ainda com indicações específicas, listadas a seguir:
• As barras de compassos servem apenas como guia;
• Os tempos fortes de cada compasso não devem ser acentuados, a não ser quando
indicados;
• Indicação do uso de pedal em alguns pontos;
• A obra deve ter duração específica de seis minutos e trinta segundos;
• Indicação de dois sinais ao longo da partitura denominados de aceleração e
desaceleração, ilustrados por setas, que afetam a velocidade em que as notas são
executadas;
• Fugindo das tradicionais indicações em italiano, alguns termos presentes na partitura
estão em francês, como très doux e Peut-étre (muito doce e talvez, respectivamente).
Sobre esta última indicação, especificada pelo compositor, apresentamos um exemplo que pode
ser visualizado na Figura 1, a seguir:
Figura 1: Exemplos dos sinais de desaceleração em vermelho, e de aceleração em azul. (Guilherme Nascimento,
Os abacaxis não voam, c.9-11)
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Em uma primeira leitura da peça ao piano, a questão inicial foi como proceder em relação às
indicações de acelerações e desacelerações citadas anteriormente. Antevimos que não era como
lidar com uma partitura de escrita tradicional, com figuras de valores pré-definidos, e apoiamos
em algumas evidências para chegar a essa conclusão. A primeira é que o compositor não utiliza
fórmula de compasso, o que faz pensar que não há valores definidos de figuras musicais. Outro
fato que reforça o primeiro é que também nas instruções Guilherme Nascimento denomina
como “eventos” as notas musicais, bem como as pausas.
Figura 2: Em azul, exemplos de eventos de notas rápidas contendo os sinais de aceleração e desaceleração. Em
vermelho, exemplo dos eventos das notas estáticas, na obra Os abacaxis não voam, c.2-6, de Guilherme
Nascimento.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
As notas longas são representadas pelo que seria uma semínima, porém somente com a cabeça
da figura, sem a haste. Essas notas são seguidas por uma linha horizontal que possivelmente
sugerem um tempo de duração do som, podendo ser uma espécie de representação sonora. Nos
eventos representados pelas notas de longa duração, não há ocorrência dos sinais de aceleração
ou desaceleração. Neste sentido, acreditamos que a ausência dessas duas indicações neste
trecho aconteça por se tratar de um momento mais estático da obra. Os eventos de notas
rápidas são representados por figuras semelhantes às colcheias, e nelas pode ser notado o
aparecimento das acelerações ou desacelerações. Como citado anteriormente, observamos
também um evento melódico nos compassos 15 a 17, como está exemplificado na Figura 3, a
seguir:
Figura 3: Exemplo do trecho onde o compositor sugere uma melodia. (Guilherme Nascimento, Os abacaxis não
voam, c.15-17).
O compositor sugere na partitura que esta melodia exemplificada na Figura 3 deve soar de
maneira lenta e calma, e deixa ao intérprete a tarefa de definir as durações das notas, não
devendo repetir padrões rítmicos. Nascimento também recomenda que haja pequenas pausas,
mas sempre com o pedal em execução, de maneira a abrir o registro de ressonância do piano.
Portanto, consideramos que existe certo caráter de improvisação no trecho que inclui os
compassos 15 a 19, já que ao intérprete é dada a liberdade para alterar os tempos. No entanto,
pelo fato das notas da melodia já estarem definidas, este trecho não pode ser considerado como
totalmente livre a partir da indicação inicial do compositor sobre a duração específica da obra.
Depois da primeira leitura da peça e de praticá-la por algumas vezes, consideramos o trecho
que engloba os compassos 15 a 19 como a parte mais expressiva da obra, pois apresenta uma
linha melódica consistente e não mais notas longas ou pequenos motivos.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
deixando grafadas uma nota grave e outra aguda, âmbito sobre o qual o intérprete deve
improvisar. A primeira extensão compreende das notas Sol#4 a Dó#6, a segunda extensão entre
Dó#4 a Sol5, a terceira entre Lá3 a Ré5, e a última extensão que vai de Fá3 a Si4. Esse evento
ocorre nos compassos 31 a 34, sendo que no compasso 31 o compositor apresenta um exemplo
de improvisação como exemplificado na Figura 4, a seguir:
Figura 4: Exemplo dos quatro compassos destinados à improvisação. Em amarelo temos as extensões indicadas
pelo compositor, e em azul um exemplo de improvisação sugerida para a primeira extensão. (Guilherme
Nascimento, Os abacaxis não voam, c.31-34).
No que se refere à escrita musical, o compositor se valeu do uso das tradicionais duas claves
para a escrita do piano, presentes nos compassos 35 a 40, mas também de três claves nos
compassos 55 a 58 e, ainda, do uso de seis claves, presentes em quase toda a peça. Na literatura
de piano do século XIX e XX, o uso de mais de duas pautas não é incomum, mas Guilherme
Nascimento apresenta mais possibilidades de leitura quando insere o total de seis pautas.
Um dado importante é que o compositor não deixa notado em toda a composição o uso da clave
de Fá, o que indica a execução da obra em um âmbito médio a agudo ao teclado. Os abacaxis não
voam possui uma extensão que abrange desde o Dó#3 ao Fá6. Acredita-se que o fato de o
compositor não indicar a clave de Fá, somado também à não indicação de dinâmicas fortes,
produz um caráter de delicadeza na obra. A falta de notas graves na música proporciona uma
sonoridade menos densa, característica também observada nas outras para piano solo de
Guilherme Nascimento.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
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Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
figura com uma linha horizontal que representa, provavelmente, o tempo de ressonância da
nota. Ainda, nos três compassos seguintes já não há mais a barra horizontal, indicativo de que
a ressonância da nota já cessou e, portanto, o que seria tradicionalmente grafado com uma
pausa o compositor escolheu deixar totalmente em branco. Analisando esse sistema
visualmente, fica bastante clara a superposição de notas, algo que sugere uma textura polifônica
construída não por linhas melódicas, mas pela ressonância das notas, como exemplificado na
Figura 5, a seguir:
Figura 5: Exemplo de um sistema com cinco claves Sol, evidenciando a superposição de notas e compassos em
branco (Guilherme Nascimento, Os abacaxis não voam, c.41-47).
Como o compositor não se valeu de valores definidos a partir das figuras tradicionais como
semibreves, mínimas e semínimas, dentre outras, torna-se impreciso definir a duração das
notas da composição somente pela referência visual das linhas horizontais inseridas à frente
delas. Entretanto, o compositor assinala acima de cada compasso o tempo em segundos de sua
duração. Destarte, há compassos muito curtos que duram desde um segundo, até compassos
mais longos de vinte e três segundos, como podemos notar na Figura 6, a seguir:
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Figura 6: Exemplo em amarelo dos tempos de duração em segundos, assinalados em todos os compassos.
(Guilherme Nascimento, Os abacaxis não voam, c.7-9 e c.15-16).
No que se refere à dinâmica, a obra Os abacaxis não voam foi quase inteiramente composta com
a indicação p (piano). Contudo, o compositor não utilizou outros sinais como p, pp, ppp e pppp,
como é normalmente notado nas partituras tradicionais. Ele representou essas indicações com
números como p. 2p. 3p, 4p, até 16p e justificou nas instruções afirmando que a utilização de
tais símbolos se deu apenas por não haver espaço suficiente na partitura. Somente nos
compassos 1 e 21 há a indicação de sforzato e poco sforzato, respectivamente, e no compasso
55, onde há o registro da indicação mezzo-forte. No confronto de informações sobre a
conformação e a construção de Os abacaxis não voam, observamos que se trata uma obra
delicada, que demanda um pleno controle técnico por parte do intérprete, sobretudo no que diz
respeito à dinâmica.
Neste capítulo, apresentaremos os dados obtidos por meio da interação com o compositor,
relacionando-os com nossas considerações sobre a obra Os abacaxis não voam. Este contraste
de ideias nos possibilitou refletir acerca dos impactos dessa interação na construção das
práticas de performance da obra. Em um primeiro momento, Guilherme Nascimento expôs sua
visão de como é importante o contato direto com intérpretes, pois eles trazem consigo suas
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
vivências pessoais e musicais para a obra, recebendo também o acesso direto à concepção
criativa do compositor.
Quando foi interpretada pela primeira vez a peça Os abacaxis não voam para o compositor, o
ponto de partida foi justamente o que se trouxe de novo e diferente para a obra. Nos compassos
15 a 17, onde foi sugerido no capítulo anterior como sendo um evento melódico, Guilherme
afirmou que as escolhas interpretativas foram diferentes de outros pianistas, mas soaram bem,
e sugeriu que as mantivesse. Com as setas na cor preta e apontando diagonalmente para cima,
são apresentados os momentos em que o tempo das notas foi levemente acelerado. Já as setas
vermelhas apontando para baixo, onde foram feitas pequenas desacelerações, como pode ser
observado na Figura 7, a seguir:
Figura 7: Exemplo de acelerações e desacelerações no evento melódico. (Guilherme Nascimento, Os abacaxis não
voam, c.15-17).
237
SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Guilherme Nascimento não utilizou figuras tradicionais de valores como semibreves, mínimas,
semínimas dentre outras, pois não queria uma obra com valores definidos, com tempos fortes
e fracos. Os compassos existem apenas para uma organização espacial da obra. Segundo ele2:
“Se você toca uma semibreve, então você tem que marcar o compasso e ela não pode mais valer
9 ou 11 segundos. A peça perde seu caráter, perde sua imprecisão”.
Para lidar com essa imprecisão de tempos, o compositor indicou em cada compasso uma fração
de segundos em que este deve durar aproximadamente, e também uma linha horizontal à
direita da nota, para mostrar o tempo de ressonância. Esclareceu ainda que é preciso ficar
atento à posição das notas nos compassos3: “Às vezes, a nota não é tocada exatamente no início,
mas quase na metade ou quase no fim do compasso”.
A ressonância da nota tocada também pode finalizar em qualquer parte do compasso, o que
reforça essa imprecisão rítmica da obra. Como exemplo disso, há, respectivamente, os
compassos sete, oito e nove, com durações de duração de 3 segundos, 7 segundos e 5 segundos.
Temos uma nota Láb4, que é tocada nesses três compassos. Neste caso, a nota inicia-se e
finaliza-se, quase no mesmo ponto dos compassos. Porém, como cada compasso tem indicações
diferentes de segundos que deve durar, mesmo notas grafadas em mesmos lugares, possuem
durações diferentes, como podemos perceber na Figura 8 a seguir:
Figura 8: Exemplo de nota grafada quase ao meio do compasso 7 até quase a metade do compasso 9, sendo que
estes três compassos apresentam durações diferentes de tempo sugeridas pelo compositor. (Guilherme
Nascimento, Os abacaxis não voam, c.7-9).
2
Entrevista realizada no dia 26 de outubro de 2018.
3
Idem.
238
SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Segundo o compositor, um dos motivos que podem também ter deixado a interpretação mais
curta foi a não adequação às indicações de durações, pois o intérprete preocupou-se muito com
as notas e contou pouco tempo O compositor ressaltou que: “Ficar estático, só ouvindo a
ressonância da nota, gera muita tensão”4. De fato, essa tensão comprometeu o controle do
tempo. Porém, depois do contato com o compositor, entendemos que a postura interpretativa
deve ser diferente em Os abacaxis não voam. Sobre as frações de segundos indicadas em cada
compasso, ele ressaltou que são indicações aproximadas, ou seja, não há problema se um
compasso de 5 segundos durar um pouco mais, ou, um pouco menos, desde que seja
aproximado.
O compositor sugeriu dois recursos que podem ser utilizados para lidar com a questão do
tempo na peça Os abacaxis não voam. O primeiro deles seria utilizar o metrônomo como
ferramenta para o estudo da peça, porém não com intuito de deixar o tempo mais marcado ou
metronômico, mas para perceber melhor o contraste entre os compassos mais longos e os mais
curtos. Notadamente, os compassos mais longos foram negligenciados quando a obra foi
interpretada na presença do compositor e, certamente, acreditamos que o estudo com o
metrônomo pode ser uma ferramenta importante para resolver esse problema. Outro recurso
seria marcar na partitura, de maneira bastante visível, os tempos com cores diferentes. Isso
pode ajudar o intérprete a perceber possíveis diferenças de tempo ao longo da obra.
Considerando que a obra contém indicações de 1 segundo até 23 segundos para sua
performance, circulamos de vermelho todos os compassos com duração de até 6 segundos, ou
seja, os compassos de curta duração. Os compassos com duração entre 7 e 15 segundos, foram
circulados com a cor amarela, sendo estes os compassos de média duração. Por fim, os
compassos entre 16 e 23 segundos, assinalei com a cor verde, já que são os compassos longos.
Esta disposição de cores pode ser vista na Figura 9, a seguir:
4
Entrevista realizada no dia 26 de outubro de 2018.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Figura 9: Exemplo de compassos com durações variadas, representados com cores. (Guilherme Nascimento, Os
abacaxis não voam, c.18-23).
Como informado anteriormente, o compositor utilizou em alguns momentos seis pautas com
claves de Sol, não deixando pré-definidas as pautas destinadas para mão direita e para a mão
esquerda. Optei, então, por utilizar a mão esquerda sempre para as três pautas inferiores, e a
mão direita nas três superiores. Ao questionar Guilherme Nascimento sobre como lidar com a
escolha das mãos para as pautas ele respondeu: “A minha intenção era achar uma maneira de
escrever as notas, então fui colocando claves”5. Com isso, ele deixou à escolha do intérprete a
decisão da utilização das mãos e dedilhados. Desta maneira, ele afirmou que as escolhas feitas
não comprometeram a obra em momento algum. No entanto, é necessário registrar que cada
possível intérprete de Os abacaxis não voam possui uma conformação específica de mãos, o que
pode exigir determinadas posturas diversas para a performance desta ou de qualquer outra
obra para piano.
5
Entrevista realizada no dia 26 de outubro de 2018.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
fez-se exatamente o contrário, mas o compositor afirma que esse é um “deslize” comum entre
quase todos os pianistas que interpretaram a obra. A seguir, um exemplo de bloco de ataques
com sinais de aceleração e desaceleração na Figura 10:
Sinal de Desaceleração
Sinal de Aceleração
Figura 10: Em círculos vermelhos, os sinais de aceleração e desaceleração. Notas nos quadrados verdes,
exemplos das notas que devem ser apoiadas. (Guilherme Nascimento, Os abacaxis não voam, c.26-31).
Não se preocupe, este exemplo visa apenas expor a ideia rítmica deste trecho para que
o intérprete entenda que não deve realizar uma improvisação com o uso de acordes ou
escalas. Em relação às extensões, são somente para mostrar a direção da improvisação
proposta, que no caso é descendente.6
Nos encontros com o compositor, a improvisação soou como blocos iguais, transpostos, o que
fragmentou os compassos, sendo que o compositor indicou justamente para que essas
transições não fossem notadas, ou seja, a improvisação deve ser somente um grande bloco, e
6
Entrevista realizada no dia 26 de outubro de 2018.
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Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
não vários. A seguir, na Figura 11, a figuração rítmica e as extensões que o compositor indicou
como exemplo:
Figura 11: Em vermelho, temos a figuração rítmica exemplificada pelo compositor e, em verde, as extensões
para a improvisação. (Guilherme Nascimento, Os abacaxis não voam, c. 31-34).
A essência da composição Os abacaxis não voam está nos blocos de ressonâncias, nos silêncios,
na quietude. Guilherme Nascimento valeu-se de dinâmicas que vão dos 16p ao sffz. Segundo
FERRAZ (2016, p.106), quanto maior o detalhamento de níveis de pianíssimo, maior o grau de
tensão do intérprete no embate com a sensibilidade das teclas do piano. Em nosso encontro, o
compositor reforçou essa questão da tensão gerada pelos extremos pianíssimos e atentou para
a importância dessa organização dinâmica da peça, sugerindo que se busque de alguma
maneira diferenciar um p de um 6p e de um 12p por exemplo: “Suas dinâmicas mais extremas,
14p, 16p, ficaram muito parecidas com seu 2p, por exemplo. Incorpore isso na obra”7. A partir
desta vivência, concluímos que a grande dificuldade técnica da peça Os abacaxis não voam é
lidar com as sutilezas da dinâmica.
Quando a peça foi interpretada para o compositor, ele percebeu que utilizei o pedal una corda
do início ao fim da performance. Ele apontou essa utilização como sendo o fator que levou à
falta de contraste dinâmico na interpretação. Para a abordagem dinâmica em Os abacaxis não
voam, Guilherme Nascimento e o intérprete consideraram, então, três posições para pedal una
corda, a seguir: não acionado, meio pedal e pedal inteiro. Defini para minha performance, então,
que para as dinâmicas mais intensas, de Sfz e mf a 4p, não utilizaremos o una corda. De 5p a 10p,
acionaremos o pedal una corda somente até o meio, e de 11p a 16p, abaixaremos o una corda
7
Entrevista realizada no dia 26 de outubro de 2018.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
5 – Considerações finais
Por fim, esperamos que este trabalho pode contribuir para despertar o interesse de outros
intérpretes para com a peça para piano Os abacaxis não voam de Guilherme Nascimento, bem
como toda sua obra, reforçando a importância do intérprete como pesquisador.
243
SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Referências de texto
1. BOWEN, J. (1993) The history of remembered innovation: Tradition and its Role in the
relationship between musical Works and their performance. The Journal of Musicology,
University California v.11, n.2, p.139-173.
3. FERRAZ, S. (2006) Primeiro afeto: como jogar notas ao vento. Revista eletrônica da
ANPPOM. Editorial Maria Lúcia Pascoal. Volume 12, p.80-113.
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SANTOS, André B.; CHANTAL, Mauro. (2019) Uma construção da performance de Os abacaxis não voam, para piano, de Guilherme Nascimento:
colaboração entre intérprete e compositor. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto
Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.228-245.
Referência de Partitura
1. NASCIMENTO, G. (2001) Os abacaxis não voam. Disponível em:
<http://www.guilhermenascimento.com/wpcontent/uploads/2016/05/GuilhermeNascimen
to-PinneaplesDontFly.pdf> Acesso em: 02 Set. 2018.
Entrevista
André Barbosa é Bacharel em piano pela Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, na
classe dos professores Heron Alvim e Júnia Canton, e Mestrando em performance musical pela
Universidade Federal de Minas Gerais, orientado pelo professor Mauro Chantal. Apresentou-se
no programa Segunda Musical na TV Assembleia nos anos de 2014 e 2015, e também no
concurso Jovem Músico BDMG. Participou de Master Classes com importantes nomes do piano
como Sofya Gulyak, Luísa Splett, Ana Telles, Daniel Gonzales, Cristina Ortiz, Eduardo Monteiro,
Moura Castro, dentre outros. Participou de festivais de música como o Festival de Maio,
promovido pela UFMG, e pela Semana de Música de Câmara, realizado pela Fundação de
Educação Artística em Belo Horizonte. Em 2016 foi bolsista pela PAPq, orientado por Júnia
Canton na pesquisa sobre a seleção de dedilhados para mãos pequenas e médias na Ballada
no.1 de Frédéric Chopin.
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Rafael Ribeiro
Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista da CAPES
[email protected]
Resumo: Análise técnico-interpretativa sobre aspectos didáticos no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da
Tarde (1981), para violinos, do compositor brasileiro Ernst Mahle. Considerando a obra como material didático de
referência, apresentaremos estratégias técnicas para execução das indicações de dinâmica e articulação. Também
serão considerados possíveis fraseados e variações de timbre, propostos como estratégias para obter bom
equilíbrio sonoro entre as vozes.
Abstract: Technical-interpretative analysis of didactic aspects in the first movement of “Quarteto Ao Cair da Tarde”
(1981), for violins, by the Brazilian composer Ernst Mahle. Considering the work as didactic reference material, we
will present technical strategies with which to execute the indications of dynamics and articulation. Possible phrasing
and variations of timbre, proposed as strategies to obtain good sound balance between the voices, will also be
considered.
Keywords: didactics in Ernst Mahle’s music; interpretative strategies in quartets for violins.
1 – Introdução
Ernst Mahle (1929) é um compositor alemão naturalizado brasileiro que escreveu, dentre vasta
produção musical, um conjunto de obras para grupos de violinos: dois duos, um trio e um
quarteto, e um arranjo para quarteto. Com forte caráter didático, suas peças apresentam
riqueza em diversidade técnica e musical. Acredita-se que Mahle possa ter pensado estas obras
para alunos da Escola de Música de Piracicaba “Maestro Ernst Mahle” (EMPEM), da qual foi um
dos fundadores e peça chave para o sucesso desta instituição.
246
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Na EMPEM, Ernst Mahle lecionou desde matérias teóricas a aulas de instrumentos dos quais
tinha certo conhecimento, tendo inclusive comprado instrumentos e métodos para emprestar
aos alunos que necessitavam. Em uma iniciativa única no país, compôs muitas peças acessíveis
aos estudantes, abordando praticamente todos os instrumentos presentes em uma orquestra
(RONTANI, 2014).
No decorrer desta pesquisa, verificou-se a existência de uma transcrição desta peça para
quarteto de violas, estreado pelos intérpretes Gabriel Marin 1 , Pedro Visokcas 2 , Alexandre
1 Gabriel Marin “[...] é violista da OSUSP- Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo, do Quarteto Carlos
Gomes, Professor de Viola e Coordenador de Música de Câmara no Instituto Baccarelli [...]” (Disponível em:
encontrocampestredeviolas.com.br/professores. Acesso em: 04/12/2018).
2 Pedro Visokcas “[...] é violista da Orquestra Sinfônica Municipal de SP, Coordenador Pedagógico e Professor de
247
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Uma análise técnico-interpretativa faz-se relevante já que traça um panorama da obra para os
intérpretes, criando possíveis soluções técnicas que podem auxiliá-los na compreensão da
linguagem musical e na performance. A presente obra é parte integrante da pesquisa de
mestrado em andamento, onde o foco é o levantamento do repertório brasileiro para grupos de
violinos, propondo o material como ferramenta para aulas coletivas no curso de Bacharelado
em Música.
Pretende-se, por meio deste artigo, oferecer aos intérpretes uma possível abordagem técnica e
musical a ser utilizada durante o estudo da obra, bem como contribuir para a divulgação de
material didático brasileiro e das obras para grupos de violinos do compositor Ernst Mahle.
3 Alexandre Razera “[...] é primeiro violista da Orquestra da Rádio e Televisão Eslovênia de Ljubljana e músico
convidado da Mahler Chamber Orchestra, desde 2008 [...]” (Ibidem).
4 Renato Bandel “[...] atua como docente nos festivais de Poços de Caldas-MG, Bagé-RS, Lages-SC, Munasp (SP),
Natal-RN, Ouro Branco-MG, João Pessoa-PB, Recife-PE, Maranguape-CE, São Leopoldo-RS, entre outros.[...] Desde
2009 trabalha como coordenador pedagógico na Santa Marcelina Cultura, onde é responsável pelo Núcleo de
Música Antiga, Ópera Estúdio, Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, Banda Jovem do Estado de São Paulo, Coral
Jovem do Estado de São Paulo, assim como da área erudita da Emesp, Escola de Música do Estado de São Paulo –
Tom Jobim. [...]” (Ibidem).
5Disponível em: www.youtube.com/watch?v=o948nOk0i6E. Acesso em: 26/11/2018.
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
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2- A Obra
Não há indicações de caráter no primeiro movimento, enquanto Poco Largo, Ritenuto e Fermata
são as indicações de andamento e agógica. Mahle também marcou arcadas e dedilhados. Sobre
isto, RONTANI cita PINOTTI (2002, p.23):
Ernst Mahle, ao escrever uma obra, pensa em uma execução breve, de acordo com a
pessoa a quem ele pretende dedicar a composição, escreve sempre marcando o número
de compassos, a dinâmica, arcadas para as cordas, dedilhados e demais informações
para que o interprete atinja o objetivo do autor. Existem melodias que são
desenvolvidas em poucos compassos, contudo poderia ocorrer, esporadicamente, um
desenvolvimento maior. (RONTANI, 2014, p.61)
Das anotações musicais, destacam-se as dinâmicas em maior quantidade. Localizamos forte (f),
fortissimo (ff), piano (p), pianissimo (pp), sforzando (sfz), crescendo (cresc.) e diminuendo (dim.).
Também estão presentes os símbolos de crescendo (<), diminuendo (>), inflexões (<>) e acentos
(>). A maior parte das indicações de dinâmicas apresenta-se em conjunto, para todos os violinos
simultaneamente, sem necessariamente fazer uso das mesmas para destacar alguma das vozes.
Há também finais de frases reforçados pela escrita de piano ou pianissimo no último tempo,
com exceção do compasso 10 e do último compasso, os quais estão em descrescendo (Figura 1).
249
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Figura 1: Exemplo de final de frase reforçado pela dinâmica no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da
Tarde de Ernst Mahle, c. 5–6.
Figura 2: Indicações de dinâmica no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1–2.
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Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
À primeira vista, o diminuendo escrito está apenas reforçando o sinal anterior. Entretanto, ao
compararmos com os compassos 7 e 8 (Figura 3), escritos uma quinta abaixo e de estrutura
rítmica semelhante, é possível identificar que se trata de duas indicações distintas. A primeira
indicação para as notas longas e a segunda para a última colcheia6.
Figura 3: Indicações de dinâmica no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 5–8.
Compreendendo que o sinal de diminuendo sugere uma não sustentação do fortissimo após o
ataque da nota longa, sugerimos não ignorá-lo. Deste modo, valorizamos a entrada do primeiro
e segundo violino. Na sequência, executando o diminuendo na última colcheia do compasso,
obteremos uma resolução da frase mais clara no próximo compasso.
6Na partitura editada, este trecho foi entendido como um reforço de dinâmicas, sendo as anotações unificadas em
um único diminuendo no último tempo dos compassos 1 e 7.
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Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
1º e 2º 1, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 17, 18
1º e 3º 11, 12
1º e 4º Nenhum
2º e 3º Nenhum
3º e 4º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 17, 18
1º, 2º e 3º 15, 16
1º, 2º e 4º Nenhum
1º, 3º e 4º 9, 10
2º, 3º e 4º 3, 4
Figura 4: Ocorrências de similaridade rítmica no primeiro movimento (vozes e compassos em que o evento
ocorreu).
7Similaridade rítimca: ocorre quando duas ou mais vozes possuem ao mesmo tempo a mesma célula rítmica.
8Dobramento de vozes: ocorre quando duas ou mais vozes possuem ao mesmo tempo a mesma nota, na mesma
altura.
252
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Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Note que as vozes que mais se encontraram com ritmo similar foram o 3º e 4º violinos, seguidos
pelo 1º e 2º, em igualdade com o 2º e 4º. O 4º violino foi o que apresentou mais similaridade
rítmica, contabilizando um total de vinte e três compassos, enquanto que o ritmo similar
envolvendo os quatro violinos apareceu em apenas cinco compassos. Já os compassos 3, 4, 6,
7, 9, 10 e 12, foram os que mais apareceram na tabela acima, três vezes cada, indicando haver
maior presença de similaridade rítmica entre diferentes vozes.
Violinos Compassos
1º e 2º 2, 3, 4, 8, 9, 22
1º e 3º 2, 3, 4, 16, 17, 21
1º e 4º 2, 3, 18, 19
3º e 4º 1, 2, 5, 7, 8, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26
1º, 2º e 3º 21
1º, 2º e 4º Nenhum
1º, 3º e 4º 2, 3, 8
2º, 3º e 4º 8
Figura 5: Ocorrências de dobramento de vozes no primeiro movimento (vozes e compassos em que o evento
ocorreu).
A respeito do dobramento de vozes, a maior parte ocorre entre o 3º e 4º violinos, seguida pelo
1º e 2º, em igualdade com 1º e 3º, 2º e 3º, 2º e 4º. O 4º violino foi o que mais se relacionou,
totalizando vinte e um compassos. Não houve dobramento simultâneo entre os quatro violinos.
Os compassos 2 e 8 foram os que mais apareceram na tabela, cinco vezes cada, apontando maior
presença de dobramento entre diferentes vozes.
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
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Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Desta forma, podemos verificar que estão entre os 3º e 4º, 1º e 2º e 2º e 4º violinos, o maior
índice de similaridade rítmica e dobramento de vozes, sendo o quarto violino protagonista.
Também é possível observar que o processo tem maior concentração no início da peça. Com
isto, apresenta-se agora uma nova análise, mostrando a estatística de ocorrências de
similaridade rítmica com dobramento de vozes por compasso (Figura 6).
Três a quatro 1, 5, 6, 7, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 23
Cinco a sete 3, 4, 8, 9, 10
Figura 6: Ocorrências de similaridade rítmica com dobramento de vozes por compasso (quantidade e local).
A partir destes dados, é possível dizer que o início da peça (compassos 1 a 10) pode apresentar
um desafio maior para os intérpretes com relação a aspectos expressivos, tais como timbre,
intensidade e qualidade sonora. Outros desafios técnicos ainda podem surgir quando se trata
de ritmos similares e dobramento de vozes, como por exemplo, a afinação e o controle rítmico.
Dos elementos técnicos presentes na obra, podemos dividi-los em dois blocos, relacionados à
mão esquerda e mão direita (Figura 7):
254
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Acentos Acentos
Trinados Staccato
Com relação à mão esquerda, destacamos as cordas duplas, em grande quantidade neste
primeiro movimento. Ernst Mahle explorou bem os intervalos musicais, utilizando-se de
uníssono, segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sétimas, oitavas e nonas. Entre estes, os que
menos aparecem são o uníssono e os intervalos de segundas, enquanto os mais presentes são
os intervalos de sextas e sétimas.
Ainda relacionados à mão esquerda, existem os pedais sustentados, que são definidos como
notas de duração maior que dois compassos desempenhando função de acompanhamento
(CAVAZOTTI, 2000, p.98).
Figura 8: Pedal em cordas duplas com uma única nota sustentada no quarto violino no primeiro
movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 5–9.
255
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Figura 9: Pedal em cordas duplas com oitavas sustentadas no terceiro violino no primeiro movimento
do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 22–26.
Figura 10: Pedal em corda simples com uma nota sustentada no primeiro violino no primeiro
movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 22–26.
Figura 11: Pedal em corda simples com arpejos sustentados no terceiro violino no primeiro
movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 14–16.
Os Pedais em cordas duplas com uma única nota sustentada, podem acompanhar uma melodia
presente na própria voz. Os demais tipos, só acompanham melodias presentes em outras vozes.
256
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
a) ACENTOS
Em notas com acentos, cada golpe inicia com um aumento súbito de pressão e velocidade
(GALAMIAN, 1962, p. 67).
b) DÉTACHÉ
Com uma arcada para cada nota, a articulação é suave e uniforme, sem variações de
pressão, as notas devem ser conectadas. Pode ser tocado em qualquer parte do arco e
com qualquer tamanho. A forma de execução dependerá de fatores como o comprimento
da arcada, a velocidade e a dinâmica. Quanto mais rápido o golpe menos o braço
participará, atribuindo as funções aos músculos menores (GALAMIAN, 1962, p. 67).
c) LEGATO
O Legato consiste em duas ou mais ligaduras durante uma única arcada, no qual seu
sucesso depende de dois fatores: articulação da mão esquerda e a troca de cordas. Como
necessidade básica, o arco não pode ser perturbado pela digitação da mão esquerda,
enquanto que, nas passagens envolvendo troca de cordas, deve-se buscar uma transição
suave, aproximando de forma sútil, o ângulo da próxima corda (GALAMIAN, 1962, p. 64).
Para este golpe, aplicar o princípio de execução do legato comum em conjunto com o
princípio de execução do acento.
e) STACATTO – Notas curtas e separadas por pequenas paradas com o arco na corda
(GERLE, 2014, p. 146).
3 – Estratégias interpretativas
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Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
condução do arco, sendo este, quando manuseado com consciência, capaz de produzir uma rica
variedade de matizes sonoros, através da combinação e variação de peso, velocidade,
quantidade e ponto de contato.
Segundo Carl FLESCH (2000, p. 24), “Do ponto de vista artístico, o vibrato ideal é aquele que
permite uma grande variedade e que, por sua perfeição mecânica, nos permite atingir uma
escala de sentimentos que vão desde os mais suaves, quase inaudíveis aos apaixonados e
intensos”.
FLESCH ainda ressalta a importância do domínio do ponto de contato e sua migração, que vai
desde o cavalete ao espelho, possibilitando uma variedade de cores no som, em um trecho ou
na mesma nota (FLESCH, 2000, p.76).
À respeito disto, Simon FISCHER (1997, p.41) enumera os pontos de contato de 1 a 5, sendo o
número 1 o mais próximo do cavalete e o número 5 o mais próximo do espelho (Figura 12a).
Em posições mais altas, onde a mão esquerda toca próxima ao fim do espelho, as regiões de
ponto de contato devem ser adaptadas aproximando-se do cavalete (Figura 12b).
Figura 12: Pontos de contato de acordo com Simon Fischer, enumerados de 1 a 5, onde (a) representa a divisão
em posições baixas e (b) em posições altas (FISCHER, 1997, p.41).
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Fischer observa que normalmente a mudança de ponto de contato ocorre de nota em nota ou
de frase em frase. Além disso, aponta exercícios que estudam as possibilidades sonoras por
meio da variação de velocidade e pressão em um único ponto de contato (FISCHER, 1997, p.41).
[...] estes três fatores são interdependentes, na medida em que uma mudança em
qualquer um deles exigirá uma adaptação correspondente em pelo menos um dos
outros. [...] Quando a mudança ocorre em todos os três fatores, pode-se resultar uma
grande variedade de combinações. [...](GALAMIAN, 1962, p.55)
3.1 – Compassos 1 ao 4
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
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Figura 13: Primeira frase do primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1–4.
Em um trecho como este, é fundamental que haja a maior comunicação possível entre os
intérpretes. No caso de rítmo similar, a respiração também deve estar em sincronia. A exemplo
disto, na figura abaixo marcamos alguns possíveis locais onde os intérpretes podem se
comunicar visualmente e/ou através da respiração (Figura 14).
Figura 14: Locais onde pode haver comunicação entre os intérpretes e sincronia na respiração no primeiro
movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1–4.
260
RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
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A comunicação entre os intérpretes resolve em parte os desafios trazidos pelo rítmo similar.
Outras questões técnicas devem ser abordadas e acordadas para que não haja riscos para a
performance quando o assunto é similaridade rítmica e dobramento de vozes. São estas: a
região de arco, a quantidade de arco e o dedilhado.
Para melhor compreensão de nossas sugestões, elaboramos uma guia (Figura 15) incluindo na
cor vermelha alguns ajustes de dinâmicas e dedilhados, e na cor verde uma continuidade
melódica. As indicações em cor preta são originais do compositor.
Figura 15: Guia com ajustes de dinâmicas e dedilhados em vermelho, continuidade melódica em verde, e
indicações do compositor em preto no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1–4.
No primeiro compasso sugerimos que tanto o terceiro quanto o quarto violino (Figura 16)
ataque a anacruse no talão, utilizando o peso do braço no ponto de contato 2. Economizar o
arco no início e deixa-lo mais livre a partir do segundo tempo do Dó sustenido, diminuindo o
peso e caminhando para a ponta com migração para o ponto de contato 4. Paralelamente,
estreitar e diminuir gradualmente o movimento do vibrato. Desta forma, executaremos o
diminuendo proposto, valorizando a entrada do primeiro e segundo violino.
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Ponta e Ponto de
Contato 4
Figura 16: Sugestões técnicas e de dinâmica para o terceiro e o quarto violino no primeiro movimento do
Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1.
Para a entrada do primeiro e segundo violino (Figura 17), sugerimos uma respiração conjunta
na pausa de colcheia pontuada. Atacar a semicolcheia no talão, utilizando o peso do braço e no
ponto de contato 2. Manter a sonoridade no início da semínima pontuada, mas logo decrescer
em direção à ponta do arco, migrando para o ponto de contato 4, diminuindo o peso, estreitando
e diminuindo gradualmente o movimento do vibrato.
Ponta e Ponto de
Contato 4
Figura 17: Sugestões técnicas e de dinâmica para o primeiro e o segundo violino no primeiro movimento do
Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1.
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a metade superior do arco, sem peso algum, no ponto de contato 4. É importante que se
mantenha o diminuendo durante esta arcada (Figura 18).
Comunicar e respirar
Colcheia da ponta ao
meio de arco
Sem peso
Ponto de contato 4
Figura 18: Todos os violinos em similaridade rítmica na última colcheia do compasso no primeiro movimento
do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 1.
No segundo compasso, o primeiro violino pode migrar para o ponto de contato 3 executando
com um pouco mais de peso os primeiros arpejos em dinâmica mezzo forte e articulação legato,
buscando o máximo de conectividade entre as notas. O segundo violino deve continuar
diminuendo enquanto o terceiro e quarto mantém-se mezzo piano, realizando o fraseado dentro
da própria dinâmica, através da quantidade de arco e vibrato (Figura 19).
Ponto de
Contato 3
Figura 19: Sugestões técnicas e de dinâmica no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst
Mahle, c. 2.
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Sugerimos que no segundo tempo, o quarto violino toque o Fá# um pouco mais forte que a nota
Ré do terceiro violino para valorizar a linha melódica que seguirá em direção ao segundo
violino (Fá# para Lá). Desta forma o segundo violino deve entrar mais presente no terceiro
tempo, a partir de um crescendo que se inicia na deixa do quarto violino, executado através da
migração para o ponto de contato 2 e vibrato. Enquanto isto, o primeiro violino deve decrescer
através da volta para o ponto de contato 4 com menos peso e dinâmica piano, porém presente
(Figura 20).
Figura 20: Continuidade melódica do quarto para o segundo violino no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair
da Tarde de Ernst Mahle, c. 2.
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Tocar na corda Lá
Figura 21: Dedilhados na corda Lá para o terceiro e quarto violino no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair
da Tarde de Ernst Mahle, c. 3-4.
Também nos compassos 3 e 4, sugerimos tocar a nota Ré (3) em corda solta. Presente desde o
início da peça no terceiro e quarto violino, a nota é um pedal que se alterna entre as vozes
durante o segundo compasso. Por isto, devemos nos alertar quanto ao timbre para que a
continuidade seja preservada com a mesma qualidade de som.
Recomendamos que todos os violinos executem as inflexões propostas pelo compositor através
da variação e combinação entre quantidade de arco e peso. Este trecho apresenta pela primeira
vez na peça a articulação staccato, que pode ser executada por meio de uma pequena
interrupção no arco antes da nota com a indicação (⋅) (Figura 22).
Figura 22: Staccato para o terceiro e quarto violino no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de
Ernst Mahle, c. 3-4.
265
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No mesmo trecho, o primeiro violino mantém a articulação legato enquanto o segundo violino
apresenta dois pequenos fragmentos em legato com acento, do qual se recomenda executar sem
parar o arco, aumentando a quantidade de peso e de arco nos acentos indicados (>) (Figura 23).
Figura 23: Legato para o primeiro violino e legato com acento para o segundo violino no primeiro movimento
do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 3-4.
Para o fim da frase sugerimos que o segundo, terceiro e quarto violinos realizem o diminuendo
proposto, executando a nota sem peso e com migração de ponto de contato em direção ao
espelho. Assim valorizamos os arpejos do primeiro violino, que por sua vez deve controlar o
ritenuto e fazer-se presente com mais arco, peso mínimo, e dinâmica decrescente (Figura 24).
Figura 24: Final de frase no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 4.
266
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3.1 – Compassos 5 ao 10
Figura 25: Excerto do primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 5-10.
Este trecho, a partir do compasso 7, é semelhante aos compassos 1 a 4. Com a mesma estrutura
rítmica, difere-se pela forma de distribuição das vozes e pelas notas escritas no intervalo de
uma quinta abaixo quando comparamos ao trecho anterior. Apesar destas semelhanças,
anotamos de vermelho algumas dinâmicas e corrigimos alguns desacordos entre ligaduras e
arcadas (Figura 26).
Figura 26: Anotações e correções em cor vermelha no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de
Ernst Mahle, c. 5-10.
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Figura 27: Pedal sustentado Sol (2) no quarto violino no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de
Ernst Mahle, c. 5-10.
Nos compassos 5 e 6 são apropriados os dedilhados de Mahle e a forma como distribui as notas,
revelando uma intimidade com o violino e suas possibilidades de timbre. Apesar de contar com
células rítmicas relativamente simples, devemos nos atentar para a continuidade entre as vozes
através do ritmo pontuado (Figura 28).
Figura 28: Distribuição de célula rítmica entre pares de violinos no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da
Tarde de Ernst Mahle, c. 5-6.
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na arcada para cima. Para isto, aliviar o peso do braço na semicolcheia. A semínima deve ser
tocada do talão à ponta no ponto de contato 3, porém mais leve para valorizar a próxima
entrada (Figura 29).
Figura 29: Regiões de arco e ponto de contato no primeiro movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst
Mahle, c. 5.
No último tempo do compasso 5, o terceiro e quarto violino iniciam um diminuendo, que deve
seguir com o primeiro e segundo violino no compasso 6. Sugerimos que toquem na metade
superior do arco.
Utilizando mais peso na ponta do arco, o terceiro e quarto violinos podem executar o
diminuendo migrando do ponto de contato 3 para o 4 no fim da colcheia pontuada, utilizando
vibrato, parando o arco para realizar o staccato e diminuindo o peso. Já no compasso 6, a
primeira semínima pode ser executada como uma resolução do diminuendo anterior, mantendo
o arco na metade superior e no ponto de contato 4. No segundo tempo, recomendamos ficar o
mais na ponta possível, migrando para o ponto de contato 5, sem peso e sem vibrato (Figura
30).
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Metade superior
Ponto de Contato 4
02
Ponta sem peso
Ponto de Contato 5
Sem vibrato
Figura 30: Estratégias para a solução do fraseado do terceiro e quarto violino no primeiro movimento do
Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 5-6.
Ponta do arco
P. Contato 4
para 5
Ponta do arco
P. Contato 5
Sem peso
Sem vibrato
Figura 31: Estratégias para a solução do fraseado do primeiro e segundo violino no primeiro movimento do
Quarteto Ao Cair da Tarde de Ernst Mahle, c. 5-6.
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Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
opostas é mais difícil controlar uma dinâmica em conjunto, por isto recomenda-se atenção,
comunicação e um acordo sobre os aspectos técnicos envolvidos.
4 – Considerações finais
Esperamos que este artigo contribua para o conhecimendo das obras para grupos de violinos
do compositor Ernst Mahle e para a divulgação de material didático brasileiro. Observou-se a
necessidade de uma edição que não deixe dúvidas a respeito das indicações do compositor e de
uma gravação com quarteto de violinos.
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Referências de texto
3. FISCHER, S. (1997). Basics: 300 exercises and practice routines for the violin. Londres:
Peter Edition Limited.
4. FLESCH, C. (2000). The Art of Violin Playing, Book One. Tradução de Eric. Rosenblith. New
York: Carl Fischer, LLC. (original de 1923)
5. GALAMIAN, I. (1962). Principles of Violin Playing and Teaching. Englewood Cliffs, N.J:
Prentice-Hall.
6. GERLE, R. (2014). A Arte de Praticar Violino. Tradução de João Eduardo Titton. Curitiba:
Funpar (UFPR). (original de 1983)
Referência de partituras
1. MAHLE, E. (1991). Quarteto (1981) “Ao Cair da Tarde”. Ernst Mahle: Manuscrito, grade
com 13p.
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RIBEIRO, Rafael; ANDRADE, E. Q. (2019) Aspectos Didáticos no 1º movimento do Quarteto Ao Cair da Tarde (1981), para violinos, de Ernst
Mahle. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro.
Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.246-273.
Referência de vídeos
1. MAHLE, E. (1981). Quarteto "Ao Cair da Tarde" - Ernst Mahle. Vídeo de 8 minutos e 42
segundos da obra Quarteto Ao Cair da tarde de Ernst Mahle, interpretada pelos violistas Gabriel
Marin, Pedro Visockas, Alexandre Razera e Renato Bandel. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=o948nOk0i6E> Postado por Encontro Campestre de
Violas em 24 de abril de 2018. (Acesso em 26 de novembro, 2018).
Edson Queiroz de Andrade possui Doutorado em Música pela Universidade de Iowa (EUA). É
Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais e participa regularmente como
professor e violinista em cursos e festivais e música pelo Brasil. Tem atuado também como
solista e spalla convidado de orquestras como a Orquestra de Câmara Opus, a Orquestra
Sinfônica de Minas Gerais, a Orquestra de Câmara Sesiminas, a Orquestra de Cordas do IV
Gramado In Concert, e a Orquestra de Cordas do 6º Festival de Maio. Integra, ainda, o duo
violino/piano com sua esposa, a pianista Valéria Gazire.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
ISBN: 978-85-60488-33-9
RESUMO: O Trombone Baixo é um instrumento que chegou a seu estágio atual de desenvolvimento na década de
1950. Suas inovações de construção o destacam de modo marcante do resto da família dos trombones. O
instrumento passou por alterações ao longo dos séculos, como afinações distintas, incorporação dos rotores,
aumento em suas dimensões de calibre do tubo e de campana. Apesar de ser um instrumento já consolidado nos
naipes de metais das orquestras, bandas, big bands e várias outras formações, o material de estudo específico para
a sua técnica de rotores ainda é muito escasso. Nesse artigo apresentamos uma breve história do trombone baixo
e alguns estudos existentes sobre o instrumento, em especial sobre a técnica de utilização dos rotores.
Abstract: The bass trombone is an instrument that reached its current stage of development in the 1950s. The
innovations of its construction markedly distinguish it from the rest of the trombone family. Over the centuries
the instrument underwent alterations including distinct tunings, incorporation of the rotors and increase in the
dimensions its tube and its bell gauge. Despite being an instrument already integrated in the brass sections of
orchestras, bands, big bands and several other formations, specific study material for its rotor technique is still
very scarce. In this paper we present a brief history of the bass trombone and some existing studies on the
instrument, especially on the technique of rotor utilization.
1 – Introdução
De acordo com REESE (1940, p.409), o trombone faz sua aparição na Inglaterra — com seu
antigo nome de Sackbut — “por volta do século XV”. Já de acordo com Baines:
O trombone faz parte do grupo dos metais desenvolvidos a partir de tubos de latão sendo o
responsável pela voz do tenor no naipe de metais da orquestra sinfônica ocidental. O
274
LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
trombone não é um instrumento transpositor e tem sua notação na clave de fá - para as regiões
grave e média da tessitura - e clave de dó na quarta ou terceira linha - para os médios e agudos.
Figura 1: Detalhe da pintura Assunção da Virgem, de Filippino Lippi, onde pode-se ver à esquerda,
representação de um anjo tocando um trombone.
(Fonte: http://www.christianiconography.info/StaMariaSopraMinerva/assumptionLippi.html)
Com a evolução da polifonia no século XIV, foi necessário explorar uma maior gama de notas,
surgindo então o sacabuxa, instrumento precursor do trombone, cujo corpo se alongava
conforme o desejo do instrumentista, pelo jogo de êmbolo. Esse sistema permitia, além de uma
tessitura mais grave, também a execução de qualquer nota intermediária, sendo, portanto,
desde a sua criação, um instrumento cromático. (Figura 2)
275
LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
O trombone foi o primeiro instrumento de cobre que apresentou a vara móvel. Tratava-se de
uma evolução do sistema de módulos: ao invés da necessidade de se encaixar e desencaixar
partes do instrumento, bastava inserir uma vara que, ao correr ao longo do instrumento,
permitia o aumento ou a diminuição efetiva do tubo. Dessa forma, podia-se dispor de sete sons
fundamentais - obtidos a partir de sete posições da vara - além de todos os seus harmônicos, o
que permitia executar no instrumento a escala cromática. Por isso, à época, foi considerado o
mais perfeito instrumento de bocal.
A ITA (Internacional Trombone Association), foi criada em 1972 como resultado das
inquietações a respeito do ensino do trombone, a projetos relacionados ao instrumento e ao
repertório, dentre outros. Com base em seus artigos e em publicações sobre o trombone, como
dissertações e teses pretende-se nesse estudo, apresentar uma breve história do trombone,
especialmente do trombone baixo, falar do seu desenvolvimento, de sua técnica de rotores e
materiais de estudo e apresentar uma revisão bibliográfica sobre o trombone baixo.
A família do trombone é bastante extensa (Figura 3). Nela encontramos: os raros trombones
piccolos e os sopraninos (FORSYTH, 1982, pp. 133-139), utilizados somente em grandes grupos
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
geralmente chamados de corais de trombones. Há ainda o trombone soprano, que soa uma
oitava acima do tenor em si bemol, e é normalmente executado por trompetistas. Já o trombone
alto em mi bemol ainda é utilizado em peças orquestrais (ADLER, 2006, p.341-345), embora
muitos trombonistas optem por utilizar o trombone tenor em si bemol. Ao longo dos séculos
alguns tipos foram caindo em desuso. O Romantismo consagrou o trombone tenor e o baixo
como os mais empregados. No século XX, reaparecem o trombone alto e o trombone
contrabaixo, o qual já vinha sendo utilizado por Richard Wagner. Na orquestra sinfônica
moderna, o naipe dos trombones é comumente formado por dois ou três trombones tenores
(um dos quais pode ser o trombone alto) e um trombone baixo. O trombone contrabaixo, que
soa uma oitava abaixo do trombone tenor, é raramente utilizado.
Figura 3: Família dos trombones: da esquerda para a direita: Piccolo, Soprano, Tenor, Baixo e Contrabaixo.
(Fonte: http://www.bandamusicatalavera.es/trombon.html)
O princípio acústico de funcionamento do trombone é muito peculiar e efetivo. Com seu tubo
de tamanho variável, diferentes notas fundamentais e, por consequência, diferentes
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
No passado, o trombone baixo era um instrumento desajeitado, maior que o trombone tenor,
equipado com uma vareta, ou prolongador, para manipular mais registros graves. Por sua
ineficácia, caiu em desuso (FORSYTH, 1982, p.140-143). (Figura 6)
Figura 6: Réplica de um trombone baixo antigo, com vareta (ou prolongador) para manipular os registros
graves.
(Fonte: http://www.yeodoug.com/articles/trombone_gallery/trombone_gallery.html)
WICK (1971), citado por Fonseca (2014, p.31), diz que “a invenção da válvula rotativa e sua
adoção na Europa Central no séc. XIX, tornou o trombone aceito por todos e teve um
desenvolvimento natural.” No trombone baixo uma segunda válvula (ou rotor) foi adicionada,
para ser usada em conjunto com a válvula em fá (Figura 7). Essa segunda válvula, inicialmente,
foi usada na afinação em mi, mas hoje em dia compreende diversas outras afinações, como mi
bemol, ré, sendo que a mais utilizada é a válvula com a afinação em sol bemol, fato comprovado
pela imensa maioria de instrumentos fabricados nessa configuração.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
No naipe das madeiras todos os instrumentos, transpositores ou não, contam com os chamados
instrumentos auxiliares que servem para estender para o agudo ou o grave o registro de um
determinado instrumento. Entre eles estão: flautim, flauta em sol, corne-inglês, clarineta
piccolo (requinta), clarone e contrafagote. Um flautista pode facilmente mudar, no meio de uma
peça, para o piccolo e depois retomar a flauta, sem que seja necessária uma especialização
técnica extrema, pois ambos instrumentos têm princípios muito parecidos (PISTON, 1955,
p.144).
Ao contrário, o trombonista que toca trombone baixo deve ser um especialista, com um estudo
específico neste instrumento original, diferentemente de seus homólogos num naipe de
orquestra. Enquanto eles podem simplesmente gerenciar e conviver com as sete posições
básicas do trombone tenor (embora a música moderna exija cada vez mais o uso da válvula em
fá) - o instrumentista que toca trombone baixo deve controlar e dominar vinte e quatro
posições: sete básicas (Figura 8) , seis posições com a válvula em fá (Figura 9), 6 posições para
a válvula em sol bemol (Figura 10) e mais cinco com ambas as válvulas acionadas (Figura 11).
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
Por se tratar de um instrumento com inovações recentes, os alunos de trombone baixo, em sua
maioria, têm ou tiveram como professores, especialistas no trombone tenor, desconhecendo
por essa razão, todas as possibilidades do trombone baixo e do uso de seus rotores, quer
combinados ou isoladamente.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
1.5 – Legato
A técnica de ligadura, ou legato, é um dos aspectos técnicos mais difíceis para um trombonista
realizar com perfeição. Nos instrumentos de metal modernos, a ligadura é realizada com a
modificação do tubo de forma rápida e abrupta através da mecanismos como o rotor ou pistão.
O trombone, por sua vez, emprega um sistema de varas deslizantes que permaneceu
praticamente o mesmo desde o século XV. Esse sistema faz com que o tubo seja modificado
gradualmente, enquanto a vara está sendo deslizada para cima ou para baixo. Essa estrutura
propicia ao trombone características únicas, particularmente no que diz respeito à técnica de
ligadura. Um grande problema para os trombonistas na produção do legato reside no fato de
que deve haver uma articulação da língua para conectar perfeitamente uma nota a outra,
evitando desse modo a realização acidental de um glissando1. Isso aliado ao fluxo contínuo do
ar dentro do instrumento, a movimentação precisa da vara, além obviamente do controle da
embocadura para a vibração dos lábios e produção do som (SOUZA, 2017).
1
O glissando consiste na movimentação de uma nota para outra, seja ela mais grave ou mais aguda,
passando por todas as alturas intermediarias de forma contínua.
283
LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
Dessa forma, em âmbito nacional apenas uma dissertação de mestrado foi encontrada sobre o
trombone baixo especificamente. Trata-se da dissertação O trombone baixo: um estudo sobre os
aspectos históricos e interpretativos do repertório sacro e sinfônico, de DECARLI (2017). Nela, o
autor faz um relato histórico do uso do trombone baixo no repertório sacro e sinfônico de
distintos períodos da música ocidental, verificando assim as características musicais atribuídas
ao instrumento em certas obras através dos séculos. Embora o trabalho seja de grande
relevância, a questão da técnica dos rotores não é abordada.
Na tese de doutorado Villa-Lobos e os metais graves sinfônicos: Um estudo dos elementos técnicos
específicos de FONSECA (2014), as partes de trombone e tuba foram analisadas a partir de obras
sinfônicas do compositor afim de produzir soluções técnicas e interpretativas.
O repertório específico para o trombone baixo é tema do trabalho de Pedro Miguel Gomes Pinto:
A Internacional Trombone Association e o seu contributo para o
surgimento de repertório original para trombone (2012). Produzido em Portugal, o trabalho tem
como principal objetivo mostrar o papel da International Trombone Association no surgimento
2
As notas em questão são: D1, Db1, C1 e B-1, essa última inexistente no trombone tenor.
284
LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
de repertório original para trombone. Tendo sido criada em 1972, este era um dos principais
objetivos da associação e do seu fundador Thomas G. Everett: a criação de repertório e
literatura dedicada ao trombone.
Na tese de doutorado The Concerto for Bass Trombone and Orchestra by Thom Ritter George and
the Beginning of Modern Bass Trombone Solo Performance defendida na University of Cincinnati,
EUA, por Donald Scott Moore(2009), a literatura para trombone baixo é examinada no período
do final dos anos 50 e início dos 60 afim de estabelecer o Concerto para Trombone Baixo de
Thom Ritter George como um trabalho crucial que sinalizou uma mudança abrupta não só na
forma como os compositores consideravam o instrumento, mas também em demandas técnicas
que eram esperadas dos trombonistas baixo.
An Annotated Bibliography of Works for Solo Bass Trombone and Wind Band é um guia com
anotações detalhadas sobre quarenta obras publicadas para solo de trombone baixo e banda.
Nele, SHINN (2015) esclarece que o principal objetivo deste documento é servir como um
recurso para trombonistas, condutores e compositores para um gênero relativamente novo e
crescente.
The contributions of Thomas G. Everett to bass trombone repertoire, literature, and research é um
trabalho onde GASSLER (2002) traça um perfil de Thomas G. Everett, fundador da Internacional
Trombone Association, e fala de seus esforços para obter um novo repertório de performance
para o trombone baixo. Quatro peças compostas e dedicadas a Everett são analisadas: Sonata
Breve de Walter Hartley; Prelude, Fuga e Big Apple por Walter Ross; Everett Suite por Ulysses
Kay; e a Hundred bars for Tom Everett por András Szöllösy.
Com relação ao uso específico dos rotores do trombone baixo, dois importantes trabalhos foram
produzidos também em universidades estadunidenses. A tese de doutorado defendida na
University of Cincinnati, EUA, The Concerto for Bass Trombone by Thom Ritter George and the
Beginning of Modern Bass Trombone Solo Performance de Donald Scott Moore (2008), analisa o
concerto de Thom Ritter George fazendo ponderações e sugestões quanto ao uso do 2º rotor do
trombone baixo.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
THOMAS (2015) analisa os atuais métodos para o trombone baixo em seu trabalho Valve
technique for the independent double-valve bass trombone: a pedagogical review and method e
constata que os estudantes não têm à mão um guia abrangente e sistemático para as
possibilidades que as válvulas do instrumento moderno podem oferecer. Diante dessa
deficiencia são propostos exercícios fundamentais e excertos orquestrais com uma abordagem
visando especificamente a melhor utilização dos rotores, fazendo com que se tenha uma maior
compreensão da funcionalidade do instrumento como atualmente projetado.
2 – Considerações Finais
Com base nos estudos citados, está sendo elaborada uma proposta de protocolo de pesquisa
onde a eficiência na produção do “legato” utilizando os rotores no trombone baixo será
investigada. A abordagem pretende verificar quantitativamente o método de Blair Bollinger. Os
excertos orquestrais e peças solo utilizados no método de Bollinger serão executados por
trombonistas profissionais e gravados. As gravações serão processadas pelo sistema de análise
empírica da performance, EXPAN(LOREIRO, et al., 2009), desenvolvido no CEGeME – Centro de
Estudos do Gesto Musical e Expressão, da Escola de Música da UFMG, para a segmentação das
notas musicais e estimação de descritores acústicos relacionados à articulação das notas,
visando estimar parametricamente a eficácia da utilização dos rotores no legato.
Espera-se que essa pesquisa traga contribuições significativas para a área da performance
musical, especialmente para estudantes do trombone baixo e mesmo para profissionais que
desconhecem ainda toda a gama de possibilidades da utilização das válvulas do instrumento
moderno podem oferecer.
3 - Referências
2. AHARONI, Eliezer (1996) New Method for the Modern Bass Trombone. Jerusalem, Noga
Music.
3. BAINES, Anthony (1996) Trombone, in SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of
Music and Musicians, vol.19, p.163-170. New York: Macmillan.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
4. BOLLINGER, Blair (2007) Valve Techinique for Bass Trombone or You’ve Got TWO
Valves – Use BOTH. Método para trombone baixo. CEC Music. Elkhorn, Wisconsin, EUA.
6. FONSECA, Donizeti Aparecido Lopes (2008) O trombone e suas atualizações: Sua história,
técnica e programas universitários. 231 f. Dissertação (Mestrado em Música), Universidade
de São Paulo, São Paulo.
8. FORSYTH, Cecil (1982) Orchestration: With 23 illustrations and 296 Music Examples,
New York, Dover.
10. LOUREIRO, M.A.; CAMPOLINA, T.; MOTA, D. (2009) Expan: a tool for musical
expressiveness analysis. In: L. Naveda (Ed.). Proceedings of the 2nd International Conference
of Systematic Musicology (Sys Mus2009), p.24-27, Ghent University, Ghent, Belgium.
11. MARLE, Raimond (1970) The Development of the Italian Schools of Painting. Volume
12, New York, Hacker Art Books.
12. PINTO, Pedro Miguel Gomes (2012) A Internacional Trombone Association e o seu
contributo para o surgimento de repertório original para trombone. Instituto Politécnico
de Castelo Branco, Portugal.
13. SHINN, Erik Thomas (2015) An Annotated Bibliography of Works for Solo Bass
Trombone and Wind Band. Florida State University, College of Music, EUA.
14. SOUZA, Samuel Gomes (2017) Com ou sem língua: considerações sobre o papel da
língua na técnica de ligadura do trombone. VI Simpósio Científico da ABT- Brasília. v.1, p.1-
11.
15. THOMAS, Casey Winn (2015) Valve technique for the independent double-valve bass
trombone: a pedagogical review and method, Graduate College of The University of Iowa,
EUA.
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LISBOA, Renato Rodrigues; LOUREIRO, Mauricio A. (2019) O Trombone baixo moderno: uma revisão da literatura. In: Diálogos
Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo Horizonte:
UFMG, Selo Minas de Som, p.274-288.
Maurício Alves Loureiro é engenheiro Aeronáutico pelo ITA (1976), Bacharel em Música
(clarineta) pela Staatliche Hochshule für Musik Freiburg, Alemanha (1983), Mestre e Doutor
em Música (1991) pelaUniversity of Iowa, EUA. Foi assistente de primeira clarineta da
Orquestra Sinfônica de Campinas e da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Atuou como
solista frente a inúmeras orquestras sinfônicas e renomados conjuntos de câmara, lecionou
clarineta em inúmeros festivais de música no Brasil e exterior e desenvolveu intensa atividade
como intérprete. Foi professor de clarineta do Instituto de Artes da UNESP, São Paulo (1984-
1992) e é atualmente professor titular da Escola de Música da UFMG, onde atua como
pesquisador em Sonologia com bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPQ, nível 1B, no
âmbito do Grupo de Pesquisa CEGeME - Centro de Estudos do Gesto Musical e Expressão. Foi
diretor do IEAT – Instituo de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG, de 2010 a 2014.
288
SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Mauro Rodrigues
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Este artigo discorre sobre a sonoridade na flauta e as formas de se executar os harmônicos como
exercícios de sonoridade. Também abordará o uso dos harmônicos historicamente e proporá uma classificação
quanto ao nível de dificuldade dos exercícios presentes na bibliografia aqui utilizada.
Abstract: This article discusses sonority on the flute and ways to perform harmonics like sonority exercises. It will
approach the use of harmonics historically and propose a classification of the exercises that are present in the
herein utilized bibliography, according to the level of difficulty.
1 – Introdução
A motivação para a elaboração deste capítulo é a crescente recomendação, por parte dos
profissionais flautistas, da técnica de harmônicos como ferramenta de aprimoramento sonoro.
Nosso intuito neste artigo é promover um diálogo entre diferentes métodos de flauta que
apresentam capítulos dedicados ao estudo da técnica de sons harmônicos (ou técnica de
emissão das parciais sonoras). Inicialmente indicaremos formas possíveis de estudo, almejando
um melhor aproveitamento dos exercícios propostos. Posteriormente serão abordados os
exercícios de sons harmônicos, apresentando-os como um tipo de exercício de sonoridade.
Também abordaremos os harmônicos buscando uma forma mais eficaz de emiti-los e propondo
uma ordenação dos exercícios que consideramos didática.
289
SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Os exercícios serão extraídos das seguintes obras: Harmoniques: cahier d'exercices sur les
partiels d'un son (ARTAUD, 1984), El desarrollo del sonido mediante nuevas técnicas (DICK,
1995) e Check-up (GRAF, 1992). Além destes métodos serão utilizados os trabalhos: dissertação
de doutorado Em busca de um mundo perdido: métodos de flauta do barroco ao século XX
(RONÁI, 2003), e as dissertações de mestrado Oriental: a importância do timbre na obra de
Pattápio Silva (SILVA, 2008) e A influência das técnicas contemporâneas na sonoridade da flauta
(STREITOVÁ, 2011).
2 - Sonoridade
No período barroco, uma época em que as flautas produzidas eram feitas de madeira, elas
possuíam um som arredondado, em decorrência do material que eram produzidas, e
principalmente do formato circular do corte do bocal. Com o decorrer do tempo, a flauta mesmo
tendo um timbre muito apreciado pelos compositores, passou a sofrer modificações buscando
sempre mitigar problemas que seus modelos continham, como a pouca projeção sonora em
uma grande sala de concerto, corrigida com o uso de diferentes materiais de diferentes
espessuras na construção dos novos modelos. Como meio de correção da afinação, a flauta
passa a ser construída com chaves em seus buracos, o que além de melhorar a afinação otimizou
muito a execução de ornamentos, e permitiu que o instrumento executasse, de maneira
eficiente, peças em diversas tonalidades.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
O ideal de beleza sonora na história da flauta é um ideal volátil. A cada novo modelo de flauta e
a cada novo aprimoramento na metodologia técnica do instrumento, esse ideal de beleza
sonora se modifica como vemos no trecho a seguir:
“(...) O som considerado belo no século XVIII, suave e redondo, com grande variação de
cor, foi gradualmente cedendo espaço para um som forte, metálico, penetrante mesmo.
Na medida que o século XIX progredia, a igualdade e uniformidade de timbre também
passam a ser cada vez mais desejadas.” (RONÁI, 2003, p.84).
É recomendável que flautista tenha um referencial de som que considere como meta. É muito
comum ver alunos com timbres que lembram as características sonoras de seus professores, já
que o professor costuma ser o referencial de boa sonoridade mais próximo que um aluno
possui. Contudo, deve-se considerar que a flauta é um instrumento onde é preciso produzir o
som, ele não está tão pronto como no piano, harpa e os teclados de percussão, para citar alguns.
Portanto, indivíduos podem obter timbres diversos em decorrência de suas características
anatômicas, o formato do maxilar, a dentição, a musculatura e a grossura dos lábios, que
interferem diretamente na produção sonora.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Essas mudanças ocorrem devido aos ajustes compensatórios feitos na embocadura com o
intuito de produzir os timbres a que se propõem as técnicas estendidas. Podem ser ajustes do
ângulo do sopro, distância do lábio ao bocal, largura e altura do orifício, quantidade de fluxo de
ar, etc. Por conta dessas manipulações é que se poderia considerar o parentesco dos exercícios
de sonoridade com as técnicas estendidas. Dentre os vários tipos de técnicas estendidas
podemos relacionar a técnica de harmônicos, que antes mesmo de ser utilizada pelos
compositores em suas obras para flauta, já era abordada por métodos do século XIX:
1“Técnica não usual: maneira de tocar ou cantar que explora as possibilidades instrumentais, gestuais e sonoras
pouco utilizadas em determinado contexto histórico, estético e cultural” (PADOVANI, 2011, p.11).
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
“Na flauta, a técnica dos harmônicos também já era utilizada muito antes de ser escrita
efetivamente como indicação dos compositores em suas partituras. Alguns métodos para
flauta comprovam esta prática como nos métodos “A Theorical & Pratical Essay on the
Böehm Flute” de John Clinton, datado de 1843 e “Hints on the Fingering of the Böehm
Flute” escrito por Victor Mahillon em 1884.” (SILVA, 2008, p.50).
Cabe ressaltar que o uso da técnica de harmônico na flauta no século XIX por Mahillon e Clinton
era exclusivamente técnico:
“Albert Roussel na sua obra Joueurs de Flute (1924) utilizou o tom harmónico criado a
partir do tom fundamental de Dó 3, do qual resultou um som muito suave de cor escura
da altura de Dó na terceira oitava no final da última parte do ciclo, chamada Monsieur de
la Péjaudie.” (STREITOVÁ, 2011, p.122).
Nota de efeito
(harmônico)
Digitação
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
O uso de técnicas estendidas mostra-se promissor no auxílio à sonoridade dos flautistas, sendo
muito recomendado por professores da atualidade, com a finalidade de desenvolver em seus
alunos uma sonoridade sem chiado e de aumentar a flexibilidade dos lábios. Porém, é desejável
que os flautistas estejam atentos às formas de praticar essas técnicas para que consigam
absorver os benefícios, e não se prejudiquem por excessos de tensão na embocadura.
“Iniciando a prática, o flautista não deve sobrecarregar os lábios, mas procurar que a
fortificação dos mesmos ocorresse gradualmente. É aconselhável excluir no início os
harmónicos mais altos e incluí-los no estudo só ao fim de algumas semanas. Deve-se
começar apenas com dez minutos por dia” (DICK, 1995, p.16).
ARTAUD (1984) relata a importância de que o flautista faça um bom trabalho respiratório e de
apoio do diafragma durante a execução dos exercícios, e sempre esteja atento à tensão dos
lábios. Registra em seu livro uma frase muito importante, que é bom recordá-la enquanto
praticarmos os exercícios de harmônicos:
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
DICK (1987), sugere a quem estiver disposto a trabalhar a sonoridade com harmônicos que não
tencione excessivamente os lábios, e trabalhe inicialmente apenas 10 minutos, justamente por
acreditar no fortalecimento gradativo dos lábios, além de alertar para que inicialmente o
flautista não comece pela emissão dos harmônicos muito agudos, atendo-se apenas a fazer os
harmônicos mais graves, para depois de algumas semanas se arriscar naqueles que exigirão um
maior tônus labial. Um dado curioso é que, embora o autor tenha introduzido o capítulo sobre
harmônicos alertando para trabalhar os agudos extremos apenas depois de algumas semanas,
seu primeiro exercício de harmônico já alcança a terceira oitava da flauta.
Nesta sessão iremos propor três parâmetros com a intenção de hierarquizar os exercícios em
relação ao esforço labial empregado em sua execução, e em decorrência disso proporemos uma
cronologia de execução com recomendações de como esses exercícios podem ser praticados.
Consideramos o estudo feito das dinâmicas mais fortes para as mais suaves uma excelente
proposta didática. O estudo inicial de harmônicos em dinâmica ff, por exemplo, permite ao
flautista liberar seu som, aumentando sua projeção sonora, e para lograr êxito é recomendada
295
SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
uma embocadura relaxada com um calibre do orifício labial não muito estreito, a fim de dar
vasão a uma maior coluna de ar. Despertar essa musculatura inicialmente com um fluxo de ar
intenso e com sons harmônicos de mais fácil emissão, como a primeira e a segunda parciais,
subindo a fundamental cromaticamente, permite ao flautista treinar sua musculatura labial
para no decorrer de algumas semanas emitir de maneira eficiente estes harmônicos.
O terceiro parâmetro, para avaliar a dificuldade dos exercícios, será estabelecido em exercícios
que mesclam as notas convencionais com harmônicos, não de maneira isolada como acontece
em exercícios que mesclam os harmônicos com a própria nota em posição real. Isso será
possível utilizando melodias, exigindo não apenas qualidade na emissão dos harmônicos,
relaxamento da embocadura, destreza em pequenos ajustes compensatórios na embocadura
para emissão das notas, flexibilidade labial, mas exigindo também um trabalho técnico de
digitação, já que algumas notas, antes feitas em posição “real”, passam a ser emitidas nas
posições das fundamentais dos harmônicos, além de se preocuparem com a afinação do tom
296
SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
harmônico no trecho. Essa mescla de notas em posição real e notas em posição de harmônicos
necessita da bagagem conquistada anteriormente.
Serão analisados exercícios dos métodos Harmoniques: cahier d'exercices sur les partiels d'un
son (ARTAUD, 1984), El desarrollo del sonido mediante nuevas técnicas (DICK, 1995) e Check-up
(GRAF, 1992). Os exercícios contidos nessa bibliografia serão ordenados de maneira didática,
sendo que não é objetivo dessa classificação manter os exercícios de seu respectivo método
isolados, mas promover uma dialogia entre os três métodos.
O critério de escolha dessa bibliografia se deu pela relação existente entre os métodos de Graf
e Dick com o método de Artaud, sendo que muitas vezes é evidente o uso de Artaud pelos outros
dois autores como fonte primária na elaboração de seus métodos.
O primeiro exercício aborda o primeiro harmônico (oitava) e é elaborado por Artaud. Nesse
exercício o autor pede que o estudante mantenha dinâmica de emissão constante do início ao
fim. Inicialmente recomendamos a execução do exercício em dinâmica mf. Os harmônicos
deverão ser emitidos através de dedilhado idêntico ao da primeira oitava da flauta. A clave
usada é a de Sol.
297
SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Este exercício alcança a nota Sol da terceira oitava da flauta, quando o autor faz uma
advertência sobre continuar subindo para regiões mais agudas, alertando que os extremos
agudos só devem ser tocados caso o flautista esteja bem familiarizado com a técnica.
Seguindo a linha de estudos com oitavas observamos que no método de Robert Dick os cinco
primeiros compassos do Exercício 2 são idênticos aos exercícios de oitava proposto por Artaud:
As setas presentes nesse exercício indicam as correções de afinação que devem ser feitas,
porém o próprio autor diz que não é algo com que o flautista tenha que se preocupar
inicialmente.
Depois de feitos os exercícios de oitava é momento de executar exercícios que exigem a emissão
de um som em nota real, e em seguida o segundo harmônico, em um intervalo de décima
segunda com a fundamental. Mantendo a dinâmica ainda intensa, neste exercício a
recomendação é para buscar homogeneidade no som.
Figura 5: Harmonicos: livro de exercícios sobre os parciais de um som - Exercício 1B, compassos 1-8. (ARTAUD,
1984, p.6).
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Esse exercício vai ao extremo agudo, mas ainda guardaremos a advertência de Artaud em seu
exercício abordado anteriormente, com relação à nota Sol da terceira oitava.
O próximo tom harmônico a ser atingido abrange um intervalo de décima quinta em relação à
fundamental, ou seja, duas oitavas acima, o terceiro harmônico. O exercício seguinte, elaborado
por Graf, é um exercício em duas partes. Nos primeiros quatro sistemas, o flautista a partir da
nota fundamental emite as três primeiras parciais:
Nessa primeira parte, o exercício alcança o Sol da terceira oitava da flauta, o que está de acordo
com a observação feita por Artaud em seu método de que notas ainda mais agudas só devem
ser trabalhadas por flautistas familiarizados com a técnica.
Na segunda parte, que abrange do quinto sistema ao último (oitavo sistema), em decorrência
de a fundamental estar mais aguda, ele se atém a explorar até o segundo harmônico (intervalo
de décima segunda em relação à fundamental). Esse exercício contém um movimento
ascendente que explora o primeiro e segundo harmônico seguido de transição do segundo
harmônico com a nota real que ele soa, no caso, simbolizada pela letra “N”.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
As setas presentes no exercício fazem referência à baixa afinação dos harmônicos em relação
às notas reais, porém, seguindo os conselhos de DICK sugerimos não nos preocuparmos com a
afinação por enquanto.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Figura 8: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 2, compassos 1-
21. (DICK, 1995, p.18).
Figura 9: Harmônicos: livro de exercícios sobre os parciais de um som - Exercício 4 (ARTAUD, 1984, p.9).
Os próximos dois exercícios exigem bastante tônus da embocadura do flautista, mesmo sendo
executado em dinâmica forte. Eles vêm por último por exigirem toda a bagagem técnica
adquirida nos exercícios anteriores. O primeiro é um exercício de escala cromática que abrange
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
regiões muito agudas da flauta, emitidas sobre posições fundamentais. Neste exercício Dick
trabalha terceiras, quartas e quintas parciais:
Figura 10: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 3. (DICK,
1995, p.19).
No próximo exercício de Dick, o autor explica que este exercício, ao contrário dos que foram
abordados anteriormente, deve ser executado integralmente na intensidade ff e alerta para o
flautista não tentar corrigir a afinação e buscar um som aberto, bem projetado. O autor coloca
indicações de vogais acima das notas para induzir no flautista a ideia de posição ideal da glote
para emitir os harmônicos, o que pode ser um facilitador.
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In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Figura 11: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 1. (DICK,
1995, p.17)
Uma vez realizados os exercícios anteriores em espectro de dinâmica forte, é necessário que o
estudante o refaça um degrau de dinâmica a menos. Depois tentar abaixar mais um degrau até
chegar às dinâmicas mais suaves recomendadas nas descrições de cada exercício em cada
método. Isso vem como um segundo passo justamente porque as dinâmicas mais suaves (mp, p
e pp) exigem mais tônus da musculatura labial e controle, algo que será conquistado
gradativamente.
Dos exercícios listados no capítulo 6.1, o exercício proposto por Graf e o Exercício 1 de Dick são
os únicos que não utilizam dinâmicas suaves. Os demais exercícios, quando não pedem para
serem executados integralmente em dinâmica mais suave, pedem para serem executados com
nuance de dinâmicas, indo do p ao mf, que ocorre no Exercício 4 de ARTAUD, por exemplo.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
É primaz, enquanto estiver sendo realizado o estudo em dinâmicas suaves, que o flautista
mescle a realização do exercício com algum exercício de harmônicos com dinâmica intensa.
Recomendamos isso por considerar de extrema necessidade dar descanso para o lábio durante
um exercício que exige tanto tônus labial, evitando dessa forma a fadiga muscular e uma
eventual perda do controle da embocadura por cansaço. Sendo assim, caso o estudante esteja
inclinado a executar um exercício em pp, é recomendável que cada fundamental seja executada
uma vez na dinâmica mais suave e outra em dinâmica proporcionalmente oposta, ou seja, ff.
Fazer esse estudo gradativo de diminuir a intensidade do som permite ao flautista desenvolver
uma extensa paleta de dinâmica e de nuances de timbre. É importante um flautista ter um som
bem focado e homogêneo seja qual for o registro que estiver tocando, e a ideia do exercício de
harmônico é justamente essa, tornar possível a emissão de notas homogêneas em diferentes
registros e em variadas intensidades.
A flexibilidade dos lábios é uma habilidade extremamente necessária a ser desenvolvida pelo
flautista, e é responsável por permitir-lhe realizar mudanças de oitava e de dinâmica sem
comprometer a afinação, assim como corrigir a afinação dos harmônicos. É esse o momento de
desenvolver habilidades, que lhe permitam fazer uso das indicações (com setas) que Dick e Graf
usam em seus exercícios, para indicar harmônicos que soam desafinados2 em relação à posição
normal da nota de efeito, e corrigi-los.
2 Sempre que este termo sugir, estamos levando em consideraçào o sistema temperado de afinação.
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Um bom exercício para dar início ao trabalho de flexibilidade labial é o Exercício 2 de Artaud
onde são trabalhados saltos entre os harmônicos. Em vez de o exercício passar em ordem pela
série harmônica, são saltadas parciais. Neste exercício é emitida inicialmente a fundamental
seguida do primeiro harmônico (oitava), depois novamente a fundamental seguida do segundo
harmônico (décima segunda), e por último a emissão da fundamental seguida do terceiro
harmônico (décima quinta).
São indicadas para execução deste exercício a emissão de cada nota de quatro a cinco segundos,
sendo que as respirações assinaladas devem durar um segundo. São propostos quatro tipos
diferentes de articulação e solicitado que esse exercício seja trabalhado com as fundamentais:
Dó, Dó sustenido, Ré, Ré sustenido e suas respectivas parciais. A nuance de dinâmica no
decorrer do exercício vai de f a p por fundamental trabalhada, sendo que a parcial deve ter
dinâmica menor ou igual à fundamental, nunca mais forte.
Figura 12: Harmônicos: livro de exercícios sobre os parciais de um som - Exercício 2. (ARTAUD, 1984, p.7).
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
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O próximo exercício chamado de Exercício 5 por DICK abordará saltos entre a fundamental,
primeiro, segundo e terceiro harmônicos. Algo que torna o exercício um desafio é a exigência
de alternância de dinâmicas nota a nota. Agora, mais do que nunca, valerão os estudos dos
exercícios das sessões 6.1 e 6.2 da forma como foram propostos, pois será necessário certo
domínio do espectro de dinâmica da flauta. As mudanças de dinâmica seguirão o seguinte
padrão:
Figura 13: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 5. (DICK,
1995, p.21).Descrição da dinâmica que o exercício deve ser executado.
Figura 14: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 5, compassos
1-11. (DICK, 1995, p.21).
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Figura 15: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 5, compassos
33-42. (DICK, 1995, p.22).
Na terceira parte a nota inicial não será a fundamental, embora o som resultante venha de sua
posição, mas o segundo harmônico (soa uma décima segunda mais aguda em relação à
fundamental) alternando com a emissão do terceiro harmônico (duas oitavas mais agudas que
a fundamental).
Figura 16: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais - Exercício 5, compassos
49-58. (DICK, 1995, p.22).
A quarta e última parte deste exercício irá contemplar saltos de décima sétima (duas oitavas e
uma terça) referentes ao quarto harmônico da fundamental. Serão intercalados saltos da
fundamental para o quarto harmônico e deste para o terceiro. A fundamental irá ascender de
compasso em compasso cromaticamente.
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Figura 18: Harmônicos: livro de exercícios sobre os parciais de um som - Exercício 3. (ARTAUD, 1984, p.8).
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O exercício 6 de Dick, assim como o exercício anterior de Artaud, irá explorar toda a extensão
da flauta, porém a variação de saltos será na forma de arpejos quebrados, onde as notas não
estão em sequência da mais grave à mais aguda. Neste exercício o alcance de agudos chega ao
oitavo harmônico (equivalente a três oitavas de distância da fundamental), o que exige do
flautista extremo controle de embocadura e fluxo de ar intenso.
Figura 19: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais – Exercício 6, compassos
1-21. (DICK, 1995, p.23).
Por chegar a altura tão extrema e conter intervalos de décima quinta, este exercício explora
todo o conteúdo abordado anteriormente, exigindo de quem o executa perícia nos exercícios
abordados anteriormente e bom senso, para não fadigar a embocadura por tempo excessivo de
prática desse exercício.
O último exercício que se enquadra como exercício de flexiblidade será o Exercício 5 proposto
por ATAUD. Ao contrário do anterior, onde os harmônicos, por mais agudos que fossem, eram
atingidos através de um outro tom harmônico, neste exercício os tons harmônicos serão
atingidos sem notas intermediárias. Um harmônico por vez será emitido a partir da
fundamental. O autor indica que o exercício deverá ser praticado a partir das fundamentais Dó,
Dó sustenido, Ré e Ré sustenido.
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Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Figura 20: Harmônicos: livro de exercícios sobre os parciais de um som - Exercício 5. (ARTAUD, 1984, p.12).
Neste exercício aparecerá um salto de três oitavas, o que eleva a habilidade trabalhada no
exercício anteriormente citado (figura 19) a um certo nível de virtuosismo técnico, mas vale
ressaltar que exercícios que abrangem um registro tão extremo alcançado por salto tão grande,
devem ser feitos com parcimônia e intercalados com exercícios que provoquem relaxamento
da embocadura, como exemplo os exercícios de whistle tones3.
Nesta sessão encontraremos exercícios que contenham constante transição entre tons
harmônicos e notas em suas posições reais. Esse tipo de exercício necessita, para sua execução,
das habilidades que foram desenvolvidas nos dois exercícios anteriores, como nuances de
dinâmica e timbre, homogeneidade e afinação.
3 Estes exercícios podem ser encontrados em El desarrollo del sonido mediante nuevas técnicas (DICK, 1995, p.28).
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O primeiro exercício desse tipo é o Exercício 4 proposto por Robert Dick, e trata-se de um
exercício em formato de escala maior ascendente e descendente. É uma ótima oportunidade de
o aluno trabalhar afinação dos harmônicos e homogeneidade sonora, por este exercício ser uma
escala.
Figura 21: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais – Exercício 4, compassos
4-6. (DICK, 1995, p.20).
O segundo e último exercício desse tipo é também criado por Robert Dick e consiste na
transcrição de um trecho da Allemande da Partita em Lá menor de J. S. Bach. Por ser uma obra
que contém muitos arpejos, o flautista deverá se preocupar muito com a relação intervalar
entre uma nota e outra para que os harmônicos sejam feitos de forma que não comprometa a
qualidade da afinação do trecho executado. Posterior a essa fase de tocar com afinação
satisfatória, o flautista deverá se preocupar em imprimir certa expressividade no trecho através
de mudanças de dinâmica e agógica.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Figura 22: O desenvolvimento do som através de novas técnicas. Harmônicos Naturais – Exercício 7. (DICK,
1995, p.24).
7 – Considerações finais
Ao darmos início a este artigo estávamos movidos pela vontade de trazer informações que
permitissem aos estudantes de flauta terem acesso a diversas abordagens de uma mesma
técnica, além de propor concepções de como os exercícios poderiam ser estudados, de forma a
proporcionar aos flautistas uma maneira de estudar que viabilizasse o aprimoramento sonoro,
e diminuísse riscos de eles se aventurarem inicialmente por um exercício que pudesse exigir
muito de sua embocadura.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
Concluímos que exercícios de sonoridade devem ser realizados com zelo pela homogeneidade
e afinação em todos os registros, servindo também como exigente exercício para uma escuta
ativa, fundamental para a atividade musical.
Referências de texto
1. ARTAUD, Pierre-Yves. (1984) Harmoniques: cahier d’exercices sur les partiels d’un son.
1. ed. Paris: Transatlantiques, Editions Musicales.
2. DICK, Robert. (1995) El desarrollo del sonido mediante nuevas técnicas. 1. ed. Madrid:
Mundimúsica.
3. GRAF, Peter-Lukas. (1992) Check up: 20 basic studies for flautists (20 Basis-Übungen für
Flötisten). 2nd revise ed. Mainz: Schott.
6. SILVA, Daniel Della Sávia. (2008) Oriental: a importância do timbre na obra de Pattápio
Silva. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal de Minas Gerais.
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SILVA, Alef Caetano; RODRIGUES, Mauro. (2018) Harmônicos na flauta transversal como exercício de sonoridade: uma abordagem didática.
In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de Castro. Belo
Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.289-314.
principais festivais nacionais e foi selecionado, em âmbito nacional, para fazer masterclass do
terceiro movimento do Concerto para Flauta de Jacques Ibert com o insigne flautista Emmanuel
Pahud, principal flautista da Filarmônica de Berlim.
Mauro Rodrigues é Professor Adjunto da Escola de Música da UFMG, graduado pela Escola de
Música da UFMG, mestrado em musicologia pelo Conservatório Brasileiro de Música (RJ) e
doutorado em Artes Cênicas pela UFMG. Tem lançados os seguintes trabalhos autorais: Lua -
Edição Brasileira (2000), Um Sopro de Brasil (2004), Suíte para os Orixás (2006), Trilha do
filme documentário “O Homem Roxo” (Carabina Filmes 2010) Misturada Orquestra
(independente - 2011), Trilha do Filme documentário “Presépio Pipiripau – o mundo de
Raimundo Machado” (Fazenda Filmes - 2013), trilha da exposição itinerante “Canção Amiga –
Clube da Esquina” (2017), Cru Cozido e Repartido (2018).
314
VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Penha Vasconcelos
Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista da CAPES
[email protected]
Mauro Chantal
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
Resumo: Análise e edição do manuscrito da canção de câmara brasileira Berceuse, composta por Carlos Alberto
Pinto Fonseca, incluindo dados sobre a trajetória artística do compositor, além de dados sobre aspectos históricos
e interpretativos da canção. Os autores pretendem contribuir para o enriquecimento do acervo de música de
câmara brasileira e também para a divulgação do nome de Carlos Alberto Pinto Fonseca.
Palavras-chave: Berceuse de Carlos Alberto Pinto Fonseca; Canção brasileira de câmara; Edição musical.
Abstract: Analysis and edition of the manuscript of the Brazilian chamber song Berceuse, composed by Carlos
Alberto Pinto Fonseca, including data on the artistic trajectory of this composer, as well as data on historical and
interpretative aspects of the song. Through this research, the authors hope to contribute to the enrichment of the
Brazilian chamber music collection and also to the promulgation of Carlos Alberto Pinto Fonseca’s name and work.
Keywords: Berceuse by Carlos Alberto Pinto Fonseca; Brazilian chamber art song; music edition.
1 – Introdução
Embora o nome de Carlos Alberto Pinto Fonseca seja lembrado quase sempre por sua produção
coral, visto que ele criou e dirigiu o Ars Nova - Coral da UFMG desde 1960 até sua aposentadoria
em 2003, sua obra se estende também para formações como piano solo, quarteto de cordas,
trios, além de canções para canto e piano. Segundo MATHEUS (2010, p.38), Carlos Alberto Pinto
Fonseca, doravante citado como C.A.P.F., compôs 18 canções para canto e piano, criadas desde
a década de 1950 até seu falecimento.
315
VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Ao se referir sobre os textos poéticos utilizados pelo compositor, MATHEUS (2010, p.38) nos
mostra que:
Para suas peças para canto e piano, assim como peças para coro, Fonseca musicou
poemas de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Carmem de Melo e
Rabindranah Tagore, além de textos próprios. Ele apreciava muito os poemas chineses
e também compôs a partir dos mesmos. Em três das dezoito peças para canto e piano
de Carlos Alberto Pinto Fonseca, o texto é do próprio compositor.
(MATHEUS, 2010, p. 38)
Este artigo trata da canção Berceuse, composta com versos do próprio compositor. Os autores
têm como objetivo fornecer dados históricos sobre essa canção, uma análise interpretativa da
obra e, inserida como anexo, uma edição da partitura manuscrita, acrescida de dados que
contribuirão para um melhor entendimento da obra, especificados mais adiante. Assim, para a
criação deste artigo, os autores contaram com a partitura autógrafa da canção Berceuse,
pertencente ao acervo pessoal do compositor. Um recorte desse manuscrito pode ser visto na
Figura 1, a seguir:
316
VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Ao final desta pesquisa, os autores esperam contribuir para a divulgação do repertório nacional
de música de câmara, bem como colaborar para a divulgação do nome e da obra de Carlos
Alberto Pinto Fonseca.
Nascido em sete de junho de 1933, na cidade de Belo Horizonte, Carlos Alberto Pinto Fonseca
sempre demonstrou interesse pelas artes. Com apenas sete anos de idade teve suas primeiras
aulas de piano com a professora Jupyra Duffles Barreto (1913 – 2011). Na adolescência,
descobriu a aptidão para o desenho e a escultura, frequentando aulas no atelier da artista
plástica belga Jeanne Milde (1900 – 1997). Porém, seu interesse pela música o encaminhou para
o Conservatório Mineiro de Música, onde recebeu orientação dos professores Pedro de Castro
(? -1978), Hostílio Soares (1898 - 1988) e Fernando Coelho (s.d.). Ainda em Belo Horizonte,
C.A.P.F. esteve também sob orientação do maestro Sergio Magnani (1914 - 2001). Durante uma
entrevista concedida um ano antes de seu falecimento, o compositor ainda se lembrava de sua
formação junto ao maestro Sergio Magnani:
Magnani trouxe toda aquela cultura europeia, era de uma profundidade, de uma
abertura de horizontes impressionante. Foi uma luz que veio para Belo Horizonte... As
análises dele eram de uma profundidade, uma coisa impressionante as ilações que ele
fazia com outras artes... foi muito bom. (FONSECA, 2005)
Suas primeiras obras datam de 1942. Escritas para piano, os títulos O pretinho cantador e O
soldadinho foram dedicadas aos pais, e a partir de então passou a compor regularmente,
ultrapassando sua obra mais de cento e cinquenta títulos. Na década seguinte, iniciaria sua
produção de canções. Este gênero acompanhou o compositor até seus últimos dias, tendo
sempre composto canções com o pensamento em solistas cujas vozes lhe eram familiar. Nomes
como Maria Lúcia Godoy (1924), Lia Salgado (1914 – 1980) e Marcos Thadeu (?), reconhecidos
cantores líricos brasileiros, contribuíram para com a produção de canções de câmara de
C.A.P.F., divulgando frequentemente essas obras em concertos, concursos e gravações de áudio.
O piano, instrumento que o compositor dominava, foi seu aliado frequente na composição de
peças vocais, e foi por meio de textos literários e poéticos que o compositor encontrou
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
inspiração, motivação e também sugestões para suas composições. Como citado anteriormente,
C.A.P.F. também se valia de textos próprios para a criação de canções de câmara.
318
VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
MATHEUS (2010, p.38) identificou dezoito canções para canto e piano de C.A.P.F., uma a mais
do que relata o trabalho de SANTOS (2001). Dentre os autores cujos textos poéticos foram
abordados pelo compositor, citamos textos traduzidos para o português, poemas de autores do
século XIX e XX, além de textos religiosos de denominações diversas como o catolicismo e
ligados a cultos afro-brasileiros. Do total de suas peças para canto e piano, identificamos uma
escrita vocal e pianística que não limita o nome do compositor a um determinado estilo. Para
muitos, por sua considerável produção de peças afro-brasileiras, C.A.P.F. é considerado um
compositor nacionalista. No entanto, em depoimento dado a SANTOS (2001, p.29), o próprio
compositor se libertou de rótulos quando afirmou: “Minhas experiências vão da música
impressionista ao dodecafonismo.”
Com relação aos textos utilizados, apenas três canções foram compostas a partir de versos do
próprio compositor. São elas: Berceuse, Canção da retirante e Escuta Moreno. Digno de nota é
que três das quatro primeiras canções de C.A.P.F., Berceuse, Canção da retirante e Volta,
relacionam-se com a maternidade. A Figura 3, a seguir, nos mostra mais dados sobre essas
composições:
Figura 3: Três canções de Carlos Alberto Pinto Fonseca compostas na década de 1950 e que tratam da
maternidade em diferentes contextos.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Cronologicamente, sua próxima obra para canto e piano tem como título Poema do Gitanyali nº
84 (1955), seguindo uma tendência impressionista já presente na canção Volta, ambas com
texto poético de Rabindranath Tagore (1861 – 1941).
Após vinte e dois anos sem compor para essa formação, em 1977 C.A.P.F. criou as canções Ogun
de Nagô, Oxalá e Estrela. As duas primeiras possuem texto da umbanda e uma tentativa do
compositor de explorar composições para canto e piano com caráter afro-brasileiro, muito
presente em sua obra coral, enquanto a terceira possui texto do poeta modernista Manuel
Bandeira (1886 – 1968).
Posteriormente, na década de 1980, C.A.P.F. compôs Ave Maria (1987), As sem razões do amor
(1988), e Tempo Perdido (1988). Estas três canções foram dedicadas à cantora Kátia Kazzáz
(1969), integrante solista do Ars Nova – Coral da UFMG nas décadas de 1980 e 1990. C.A.P.F.
compôs também a canção Água do Coração, cuja partitura original não apresenta data de
composição1.
Existem, segundo MATHEUS (2010), mais 6 peças para canto e piano que não foram
encontradas no arquivo pessoal do compositor. São elas: Fumaça, Desespero em luz, Ao espelho,
O moinho, Meu nome e What if I sped. No entanto, podemos supor que outras possíveis canções
para canto e piano de C.A.P.F. possam vir à luz, visto que o processo de resgate e estudos sobre
sua vida e obra têm apresentado a cada trabalho novos dados e novos títulos do compositor.
Segundo BRAKELEY (1950, p.653), uma canção de berço é um “refrão suave usado para agradar
ou acalmar crianças”. No âmbito da música erudita, o termo Berceuse tem sido utilizado por
compositores ao longo de séculos. Trata-se de obras que ilustram os afetos, geralmente
1Ao analisarmos o manuscrito da canção Água do coração, supomos que sua criação tenha ocorrido por também
na década de 1950, pois a partitura apresenta o mesmo aspecto de caligrafia do então jovem compositor, assim
como o mesmo traço de escrita presente nas outras canções compostas por ele naquela década. Ainda, sua
dedicatória foi para o soprano Rita Paixão (s.d.) atuante no cenário musical dos anos de 1950.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
No Brasil, as canções de ninar também foram e são objeto de desejo da pena de diversos
compositores, sejam elas transcritas da tradição popular ou fruto de versos de poetas nacionais.
Neste sentido, dentre vários compositores, citamos Lorenzo Fernandez (1897 – 1948), com
Berceuse da onda, canção fúnebre que descreve poeticamente o afogamento de uma criança,
Paurilo Barroso (1894 – 1968), com o título Para ninar, Hekel Taveres (1896 – 1969), com sua
Cantiga de Nossa Senhora, Francisco Mignone (1897 – 1986), com seus títulos Dorme, dorme e
Canção das mães pretas, Alceo Bocchino (1918 – 2013), com Cantiga de ninar e Cláudio Santoro
(1919 – 1989), com a canção Acalanto da rosa, que em sua exuberante simplicidade pode
também ser apreciada como uma berceuse.
A Berceuse de C.A.P.F. foi composta em novembro de 1952, época em que o jovem compositor
ainda não tinha filhos. Sua dedicatória homenageia o soprano Maria Lúcia Godoy (1924), que à
época já era reconhecida como solista.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Sobre suas características musicais e formais, podemos apontar que essa canção apresenta 32
compassos, estruturados na tonalidade de Ré bemol maior. Sua linha vocal indica um âmbito
de uma décima primeira, com início no Dó 3 e término no Fá 4. Digno de nota é que Maria Lúcia
Godoy iniciou suas atividades musicais como mezzo-soprano. Desta maneira, acreditamos que
a Berceuse não foi apenas dedicada à artista, mas que foi também composta especialmente para
sua voz, pois o âmbito vocal dessa canção favorece a tessitura de uma voz média.
Para a construção da linha vocal, o compositor se valeu de três valores musicais: mínima,
mínima pontuada e semínima, com o uso de grau conjunto e de pequenos saltos ascendentes e
descendentes. Não há indicação no manuscrito sobre o andamento da canção, embora seu título
e sua escrita pianística e vocal sugerem um andamento mais tranquilo para sua performance.
Como exemplo do uso de relação texto-música pelo compositor, citamos os arpejos realizados
pelo piano, sob linhas vocalisadas, após a frase “Brinca com as ondas do mar”
A estrutura da peça apresenta duas seções distintas, com o retorno da primeira seção, o que
caracteriza a forma da canção Berceuse como A-B-A. A primeira seção, escrita na tonalidade de
Ré bemol maior e com fórmula de compasso 3/4, é a única que apresenta texto poético. Esta
seção contém um trecho com indicação de ritornelo nos compassos onze e dezoito. A segunda
seção apresenta a tonalidade de Fá maior e fórmula de compasso 2/4, e para sua linha vocal o
compositor se valeu do uso de um vocalise. A ponte modulante entre a primeira seção,
compassos 1 ao 20, se dá especificamente no compasso 20, com o uso do acorde de Dó maior
com sétima, que encaminha a escrita musical para a tonalidade de Fá maior, presente em toda
a segunda seção, que abrange os compassos 21 ao 30.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Figura 4: Detalhe do acompanhamento pianístico na canção Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca, que
sugere uma sonoridade próxima à da harpa. c.21-26.
Sobre o manuscrito da Berceuse, este foi o único disponível encontrado para a realização deste
artigo. A peça se encontra no acervo pessoal do compositor, como parte do Instituto Cultural
Carlos Alberto Pinto Fonseca - ICAPF2. O manuscrito apresenta duas páginas, sendo a escrita
musical e textual bastante claras, não gerando dúvidas para a confecção de nossa edição, que
também apresenta duas páginas em seu formato final, seguindo quase que fielmente a
disposição de números de compassos por sistemas, e de sistemas da partitura autógrafa.
Com relação à edição apresentada neste trabalho, contamos com a clareza da cópia autógrafa,
bastante nítida e sem informações musicais e textuais que possam sugerir dúvida em sua
leitura. No entanto, inserimos no formato final, como sugestão para a performance da canção,
dados como respiração (c. 3, 6, 10, 14, 22, 24 e 26), ligaduras para definição de frases (c. 3-6, 7-
10, 11-14, 15-18, 21-22, 23-24, 25-26, 27-28 e 29-30), data de nascimento e morte do
compositor logo abaixo do título, à direita, numeração de compassos, sugestão de andamento
com semínima entre 69 e 72, e data de nascimento de Maria Lúcia Godoy, a quem a Berceuse foi
dedicada, grafada abaixo do título, à esquerda.
2Idealizado pela família do compositor após seu falecimento, o Instituto Carlos Alberto Pinto Fonseca, - ICAPF,
desenvolve atividades por meio de projetos, programas, planos de ações e prestação de servições. O ICAPF tem
apoiado diversos trabalhos acadêmicos sobre a vida e a obra de Carlos Alberto Pinto Fonseca.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
4 – Considerações finais
Com este trabalho, os autores esperam contribuir para a divulgação da música de câmara
brasileira por meio da abordagem da canção Berceuse, da disponibilização da partitura dessa
obra, assim como das considerações feitas sobre o compositor Carlos Alberto Pinto Fonseca.
Por fim, registramos que parte da produção nacional de canções de câmera ainda é
disponibilizada apenas em cópias manuscritas, sem edições que favoreçam a integridade das
partituras envolvidas. Além disso, é sabido que diversos compositores e, consequentemente,
suas obras encontram-se ainda inacessíveis para o estudo e performance de suas criações.
Neste sentido, a academia tem atuado muito satisfatoriamente ao patrocinar pesquisas que
resgatam parte de nossa identidade musical, com a disponibilização de uma crescente e
significativa biblioteca virtual.
Referências de texto
Referência de entrevista
1. FONSECA, Carlos Alberto Pinto Fonseca. Belo Horizonte: 2005. Entrevista concedida a
Heloísa Greco e Shirley Ferreira. Entrevista para a pesquisa “Memória da Música Erudita em
Belo Horizonte” desenvolvida pela coordenação de Projetos e Pesquisa – CRAV/FMC/PHB).
Cópia em cd da gravação integral e da edição, cedida por Bruno Fonseca.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
Referência de partitura
1. FONSECA, Carlos Alberto Pinto (1933-2006) Berceuse. Para canto e piano. Partitura
manuscrita. 1952.
Penha Vasconcelos é Bacharel em Canto pela UFPE. Já participou de masterclasses com Edna
D’Oliveira, Anik St. Luis, Marília Vargas, Kalinka Damiani, Denise de Freitas, Angelo Fernandes,
dentre outros. Participou dos grupos: Contracantos, Allegretto, Opus 2, Grupo da quinta e
Concentus Musicum. Foi aluna da renomada professora Neyde Thomas. Atualmente aperfeiçoa
seu trabalho vocal sob a orientação de Lílian Assumpção e Mauro Chantal. Nos anos de 2012 e
2013 foi vencedora do III e IV Concurso Jovens Solistas promovido pela Orquestra Sinfônica de
Minas Gerais. É integrante contratada do Coral Lírico de Minas Gerais, com o qual já realizou
diversas apresentações em Concertos e Óperas. Foi solista nas Óperas Dido and Aeneas, de
Henry Purcell, interpretanto o papel título; e Don Giovanni, de W. A. Mozart, representada na
Inglaterra, sob regência de Márcio da Silva, interpretando a personagem Dona Elvira.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
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VASCONCELOS, Penha; CHANTAL, Mauro. (2019) Berceuse, de Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006): aspectos histórico-interpretativos e
edição da obra. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.315-327.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
ISBN: 978-85-60488-33-9
Resumo: Discussão sobre o conceito de identidade nacional a partir de uma análise da canção Toada, de Radamés
Gnattali e Alberto Ribeiro. Ao considerar a trajetória do compositor, identifica-se a sua contemporaneidade ao
movimento musical que teve como propósito buscar uma linguagem nacional brasileira. Ao mesmo tempo, o
compositor atuou no mercado do rádio e cinema com arranjos e orquestrações. Serão apresentados dados
biográficos do compositor, bem como uma problematização acerca de seus diálogos composicionais com a música
popular urbana e o movimento nacionalista. A discussão sobre identidade nacional é feita a partir dos estudos de
Mário de Andrade (1972) e Stuart Hall (2015). Concluímos que a escrita musical da canção aponta para uma
identidade nacional não apenas fragmentada, mas também amalgamada, interconectada e mais global. Pretende-
se, com esse trabalho, oferecer aos intérpretes possibilidades de releituras e ressignificações das canções de
câmara de Gnattali.
Palavras-chave: canção brasileira; canção Toada de Radamés Gnattali; música e identidade nacional; brasilidade
e jazz.
Abstract: Discussion about the concept of national identity in the song “Toada”, by Radamés Gnattali and Alberto
Ribeiro. When considering the trajectory of the composer, it is possible to identify his contemporaneity to the
musical movement whose purpose was to seek a Brazilian national language. At the same time, Gnattali worked in
the marketplace of radio and film as arranger and orchestrator. Biographical data of the composer will be
presented, as well as a problematization of his compositional dialogues with urban popular music and the
nationalist movement. The discussion on national identity departs from the studies of Mário de Andrade (1972)
and Stuart Hall (2015). We conclude that the musical writing of the song points to a national identity that is not
only fragmented but also blended, interconnected and more global. The aim of this work is to offer to interpreters
possibilities for re-reading and re-signification of Gnattali’s chamber songs.
Keywords: Brazilian song; song Toada by Radamés Gnattali; music and national identity; Brazilianness and jazz.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
1 – Introdução
A identidade nacional é uma das principais discussões sobre a música de concerto no Brasil na
metade do século XX. A preocupação com uma expressão musical própria faz parte das
discussões da semana de arte moderna em 1922, período em que é inaugurado,
simbolicamente, o modernismo no Brasil (TRAVASSOS, 2000). Nesse momento, Mário de
Andrade assume o lugar de pensador e crítico da música brasileira. Assim, o movimento do
modernismo nacionalista se firmou “como a corrente estética hegemônica até meados dos anos
1940” (Ibid, 2000).
No Ensaio sobre a música brasileira 1, Mário de Andrade (1972) problematiza o Brasil como
colônia e critica a concepção de se tomar o índio (ameríndio) como povo essencialmente
brasileiro, como retratado, por exemplo, nas obras do compositor Carlos Gomes2. Para o autor,
a arte no Brasil era ainda primitiva - distanciada da realidade do povo brasileiro, com normas
sociais, elementos raciais e limites geográficos. Por intermédio desse propósito, o critério para
se pensar em música nacional viria do social. Onde encontrar então traços de música nacional?
Mário de Andrade indica que a manifestação musical feita por brasileiro ou “indivíduo
nacionalizado reflete as características musicais da raça” (p.20), ou seja, pode ser encontrada
na música popular, nas manifestações da arte do povo.
1Publicado em 1928.
2 As óperas Il Guarany e Lo Schiavo de Carlos Gomes (1836-1896) retratam o heroísmo do índio por meio de
uma estética romântica. As duas óperas foram apresentadas também fora do Brasil e tiveram reconhecimento
pelo público e compositores da época.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
de sua difusão nos principais polos culturais do exterior, em especial da Europa. Segundo
CONTIER (2013), o modernismo musical nacionalista no Brasil
Embora houvesse uma preocupação com a estética musical nacional por parte de compositores
da época (Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, dentre outros), havia também
uma aceleração de novas formas de entretenimento e de divulgação - abriram-se novas
possibilidades para o mercado musical no Brasil. “Nessa época, os profissionais atuantes em
rádio, cinema, teatro e outras mídias demonstravam capacidade ímpar de adequação a um
mercado suscetível a rápidas mudanças” (BREIDE, 2006, p. 15). Autores de trilhas para cinema
e arranjos para rádio, como Radamés Gnattali, César Guerra-Peixe e Francisco Mignone,
construíam tramas com elementos da música popular urbana e da música de concerto.
Compositores com formação em música de concerto começaram a adentrar esse mercado de
trabalho e, por meio dele, criar linguagens próprias. É com a aceleração dessas mídias e das
novas escutas da época que a música popular urbana passa a ser mais divulgada. É possível
dizer que o rádio, como meio de comunicação, tenha dado início ao que hoje chamamos de
globalização 3 , ao possibilitar formas mais rápidas de conhecimento , comunicação e
apropriação de outras culturas.
3Nesse trabalho, entende-se globalização como um processo que ocasiona uma integração ou ligação estreita, por
meio da economia e mercado em diferentes países, o que resulta na quebra das fronteiras entre eles. Disponível
em: < https://www.dicio.com.br/globalizacao/> Acesso em 23 de jan. de 2019.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Radamés Gnattali pode ser considerado um dos compositores que mais se adequou a essa
realidade e talvez tenha sido um dos músicos de rádio mais profícuos de sua época. A trajetória
do compositor revela muitos trabalhos de música de concerto e de música popular, bem como
arranjos para músicas veiculadas pelo rádio e para discos de artistas que se destacavam no
mercado da música popular urbana. Ao pensar sobre a contemporaneidade do compositor ao
movimento nacionalista, bem como no crescente mercado da música popular, poderíamos
perguntar se existem diálogos entre essas duas vertentes nas suas canções para canto e piano.
Também nos indagamos sobre quais seriam os elementos de identidade nacional que poderiam
ser delineados nas suas canções. Nesta pesquisa, buscam-se interlocuções com as canções de
Gnattali, levando-se em conta a sua trajetória e os diálogos encontrados em suas obras. É
importante ressaltar que este artigo faz parte de uma pesquisa da primeira autora sobre a
temática das canções e sobre os possíveis diálogos composicionais realizados por Radamés
Gnattali, bem como sobre possíveis aspectos de identidade nacional na obra do compositor.
Nascido no Rio Grande do Sul em 1906, descendente de italianos, Radamés Gnattali iniciou seus
estudos musicais com a família e, posteriormente, estudou piano com Guilherme Fontainha. Em
1924, realizou uma pequena turnê como concertista, apresentando-se em São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul. O pianista foi recebido com críticas positivas em jornais da época,
como o Jornal do Commercio de São Paulo (escritas por Sá Pereira e Ernani Braga), Jornal
Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, dentre outros. Em 1930, ainda no Rio Grande do Sul,
Gnattali estreia suas primeiras obras: Prelúdio n. 2 (Paisagem) e Prelúdio n.3 (Cigarra).
O ano de 1931 é marcado pela mudança de Gnattali para a cidade do Rio de Janeiro. A notícia
de que o Instituto Nacional de Música abriria concurso para “lente catedrático” 4 lhe daria
estabilidade como professor e a oportunidade de se tornar um concertista. No entanto, o
4
O concurso para lente catedrático equivale ao que reconhecemos hoje como professor concursado em uma
instituição de ensino pública. Nessa época, ainda não havia Universidades Federais com curso de Graduação em
Música. Instituições como os conservatórios e o Instituto Nacional de Música foram as primeiras a terem um
formato para a profissionalização em música no Brasil.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
concurso não foi realizado. O próprio compositor relata: “O sonho acabou! Getúlio [Vargas]
mudou a minha vida...” (BARBOSA e DEVOS, 1984, p.30).
Com a impossibilidade de trabalhar como professor e com a falta de recursos para viver de suas
composições, Radamés Gnattali se lançou no mercado da música popular. Começou a tocar em
orquestras de bailes e carnaval, operetas, estações de rádio e em gravação de discos. Também
a atuação como pianeiro5 passa a ser outro ofício do compositor, e a casa Vieira Machado6 abre
portas para os seus arranjos. O trabalho como pianista, arranjador e regente amplia a atuação
de Gnattali com as músicas das rádios. A primeira foi a Rádio Clube do Brasil e durante 30 anos
trabalhou na Rádio Nacional. Em 1932, como pianista das Orquestras Típico Victor, Diabos do
Céu e Guarda Velha, Radamés grava seus primeiros choros: Espritado e Urbano. No entanto, o
compositor esconde a sua identidade com o pseudônimo Vero (masculino de Vera, nome da sua
mulher). “Naquele tempo não ficava bem um músico erudito fazer música popular” (BARBOSA
e DEVOS, 1984, p.33) relata o compositor.
5
Pianeiros era o nome dado aos pianistas populares e arranjadores de temas populares para piano. O termo se
distingue do termo Pianista, utilizado para os músicos concertistas.
6 Editora de partituras e ponto de encontro dos pianeiros que tocavam em bailes.
7 Os relatos de Radamés Gnattali estão disponíveis no site www.radamesgnattali.com.br. Disponível em:
<www.radamesgnattali.com.br> . Acesso em: 30 jul. 2017. No final de 2017 o site entrou fora do ar e assim tem
permanecido.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
O compositor revela em sua fala um preconceito que existia com relação aos músicos de
formação erudita trabalharem com música popular. É possível supor que, por esse motivo, ao
considerar a trajetória e ao realizar uma análise quantitativa das obras do compositor no
catálogo de obras publicado no livro Radamés Gnattali: o eterno experimentador (BARBOSA e
DEVOS, 1984), Gnattali tenha sido mais profícuo em trabalhos com a música popular e,
paralelamente, deixado menos obras de música de concerto, tornando-se muitas delas
desconhecidas atualmente. Essa questão torna-se um paradoxo complexo no que diz respeito
às ideias de nacionalismo deixadas por Mário de Andrade, que omitem ou não preveem a
música popular urbana como música nacional. Ao mesmo tempo, Radamés Gnattali não apenas
observou a cultura popular, mas também fez com que essa fosse propagada em meios de
comunicação da época, principalmente por meio do rádio e discos.
A ideia de uma identidade nacional pode ser compreendida como relacionada à algo original
desenvolvido em um país, uma nação. Do mesmo modo, uma cultura nacional se desenvolve a
partir de referências que entendemos como identificações de pertencimento, isto é, uma
cultura da qual nós fazemos parte. Conceituar nacionalismo pode se tornar um paradoxo
hermético, uma vez que a cultura está em constante mudança e sujeita a influências de diversas
formas, como o avanço tecnológico, as descobertas científicas e as novas formas de
comunicação.
O autor Stuart Hall (HALL, 2015) discute a identidade sob o paradigma pós-moderno da teoria
social. No final do século XX, muitas transformações acontecem, o que fragmenta paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que, “no passado nos tinham
fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais” (HALL, 2015, p. 10) . Assim, a “crise de
identidade” é parte de um processo amplo de mudança que desloca as estruturas e processos
centrais das sociedades modernas e abalam os quadros de referências que davam aos
indivíduos uma sustentação estável no mundo social.
A partir do argumento de que as identidades nacionais “não são coisas com as quais nós
nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”, HALL (2015)
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Com isso, o autor seleciona cinco argumentos de estratégias discursivas sobre a cultura
nacional. O primeiro argumento é de que existe a narativa de nação que é contada e recontada
nas histórias, na mídia e na cultura popular. Essas fornecem símbolos, imagens, cenários e
eventos que representam as experiências partilhadas, os triunfos, as perdas e desastres que
dão sentidos à nação. O segundo argumento é de que há ênfase nas origens, na continuidade, na
tradição e na intemporalidade, isto é, a identidade nacional é representada como primordial e
imutável ao longo das mudanças. O terceiro é denominado como invenção e tradição: as
tradições que parecem ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem recente ou inventadas.
O quarto exemplo e argumento é o do mito fundacional, que localiza a história da nação e do
povo de forma tão distante que esta se perde “ nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas
de um tempo “mítico”” (HALL, 2015, p. 33). O último argumento é o de que a identidade nacional
é muitas vezes simbolicamente baseada na ideia de um povo ou folk puro, original, mas na
realidade o desenvolvimento nacional raramente se dá por esse povo (no Brasil, pode-se
comparar esse argumento com a ideia de se tomar os indígenas como povo nacional).
Contrapondo esses argumentos, Stuart Hall (2015) nos convida a a refletir sobre uma nova
visão sobre identidade: é possível pensar num sujeito composto, amalgamado, misturado, e, ao
mesmo tempo, dividido entre a identidade de tradição nacional e a globalização que atravessa
fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas
combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais
interconectado, mas ao mesmo tempo observando, “como a identidade e a diferença estão
inextricavelmente articuladas ou entrelaçadas em identidades diferentes, uma nunca anulando
completamente a outra (HALL, 2015, p.51). Dessa maneira, o sujeito assume mais de uma
identidade e usa-as de maneira simultânea, com a possibilidade de criar uma nova identidade
a partir de suas conexões.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
No Ensaio sobre a Música Brasileira (1972), Mário de Andrade pregava a construção de uma
identidade musical nacional principalmente por meio do diálogo com a música popular. O autor
vivenciou “um momento histórico marcado pelo conservadorismo das elites, que visavam
"exterminar" ou "silenciar" as práticas culturais dos "homens pobres"” (CONTIER, 1995, p.82).
Assim , afirma que “é um engano pensar que o primitivismo brasileiro de hoje é estético. Ele é
social” (ANDRADE, 1972, p. 18). Por essa razão, Mário de Andrade admitiu que a música
brasileira existia exclusivamente na canção popular. E acrescentava ser a música folclórica ou
popular, "rica" em temas, ritmos, formas e timbres. É possível inferir que a música popular à
qual Mário de Andrade se referia era a música folclória e aquelas presentes nas manifestações
populares. O autor não considerava em suas análises a música popular urbana, ou seja, a música
que atingia a população através do rádio e gravações em disco. Dessa maneira, os ideais
nacionalistas de Mário de Andrade (1972), ancorados na tradição e no folclore, podem ser
vistos criticamente à luz das ideias de Hall (2015). O projeto de Andrade (1972) faz sentido ao
dar voz a possíveis origens musicais e à ideia de nação ligada à uma cultura aparentemente
imutável, mas torna-se complexo ao ser confrontado com as novas formas de escuta e as novas
conexões musicais que já aconteciam na época.
A partir dessa crítica, SQUEFF e WISNIK (1983) discutem a exclusão da música popular urbana
no projeto de nacionalismo proposto por Mário de Andrade. Para os autores, “o conceito de
nação no Brasil, só surge no rastro do desenvolvimento urbano” (SQUEFF E WISNIK, 1983, p.
36). Além disso, esse nacionalismo exclui todas as “realidades amplas de um país, inclusive
pelo fato de que a maioria da população brasileira hoje vive nas cidades, onde phatos e ethos
têm uma conotação diferente de tudo que se entendeu de nacional até agora” (ibid, p. 18). Para
os autores, o projeto de nacionalismo no Brasil é contemporâneo ao processo de urbanização e
ao crescente meio de comunicação por meio do rádio. Assim, pensar o nacionalismo seria
também repensar sobre qual configuração de nação começava a surgir – um Brasil mais urbano
e conectado. SQUEFF e WISNIK (1983) tecem críticas à ideia de nacionalismo regionalista
proposto por Mário de Andrade (o que pode ser visto na música de Villa-Lobos e mais tarde de
Camargo Guarnieri): “é na insistência de que a visão unívoca do nacionalismo leva a
contradições insolúveis que se realiza a plenitude de sua grande contribuição” (ibid, p. 110). O
projeto de música nacional proposto por Mário de Andrade nos convida assim a refletir sobre
qual configuração de nacionalismo brasileiro devemos pensar. Ao mostrar tradições que
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
conhecemos, muitas mantidas até hoje, o Ensaio sobre a Música Brasileira provoca em nós
identificações com o que podemos pensar ser nacional, mas, ao mesmo tempo, é possível
reconhecer outras influências culturais que provocam um sentido social mais amplo, uma
identidade nacional mais amalgamada e globalizada.
A trajetória e as obras de Radamés Gnattali podem ser avaliadas à luz dos pressupostos de HALL
(2015) e das ideias nacionalistas de Mário de Andrade (1972). O compositor vivenciou o
movimento nacionalista na música erudita brasileira e também a ascensão dos novos meios de
mercado musical nas novas mídias do início do século XX – o rádio e os estúdios de gravação de
discos. Sua atuação como compositor de música erudita e música popular resulta na escrita de
uma obra na qual é possível perceber um diálogo entre os dois discursos musicais. Muitas das
suas composições foram escritas na época do seu trabalho na rádio nacional. Ademais, havia
espaços para a música erudita na programação. “Muitas primeiras audições de compositores
brasileiros tiveram como palco o estúdio daquela emissora 8 , sem nada a dever às salas de
concertos oficiais em termos de tratamento e execução” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.59).
Ao delinear o percurso de Radamés Gnattali por meio de sua história, suas composições,
arranjos e gravações, há como conjecturar a presença das ideias nacionalistas em suas obras,
mas também algo fugidio a tal proposta, ou seja, elementos musicais pertencentes à indústria
da música popular urbana que crescia por meio do rádio. Pode-se dizer que, em suas obras,
Radamés mescla os discursos musicais nacionalista e popular urbano, mesmo que este segundo
discurso não tenha sido valorizado por Mário de Andrade. Esse paradoxo pode ser encontrado
em falas de suas entrevistas, como o trecho:
Apresentei o Concerto n.1 para Guitarra Elétrica, Piano, Orquestra Sinfônica e Batucada
no Teatro Municipal. Quem dirigiu foi Henrique Morelenbaum e existe uma gravação
disso. Depois do concerto ele me falou: “Sabe o que estão dizendo na plateia? Que no
Teatro Municipal até samba se toca agora” Isso é uma esculhambação. Até samba, o cara
disse! Sou da Academia Brasileira de Música do Villa-Lobos, cadeira n. 2 e também da
Academia de Música Popular, então eu não posso fazer discriminação nenhuma.
(DIDIER, 1996, p.82).
8
Rádio Nacional
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
A canção Toada, composta por Radamés Gnattali sobre versos de Alberto Ribeiro, ainda não foi
inserida em catálogos de obras de Gnattali já publicados 9 . A partitura dessa canção foi
publicada pela editora Ricordi Brasileira no ano de 1956. Uma cópia da versão publicada por
essa editora foi localizada e utilizada nessa pesquisa. Nessa cópia encontra-se uma dedicatória
da obra a Ubaldina Xexeo. Além da cópia da partitura publicada pela Ricordi Brasileira, também
um manuscrito da mesma canção foi encontrado na pesquisa. O manuscrito foi feito pelo
pianista e tenor Hermelindo Castello Branco, que construiu ao longo de anos um acervo com
mais de seis mil partituras de canções brasileiras. Hermelindo “buscava ativamente partituras
raras em bibliotecas e acervos particulares de todo o Brasil, e frequentemente fazia cópias
manuscritas quando não era possível obter xérox do documento (...)”, além disso, “mais de 50%
do acervo é composto de manuscritos, sejam eles autógrafos (escritos do próprio punho dos
compositores), ou cópias manuscritas”10. As duas partituras foram cedidas por cantoras com
as quais a pesquisadora tem contato e as duas versões da canção apresentam algumas
9
Os catálogos disponíveis das obras de Radamés Gnattali foram publicados em BARBOSA e DEVOS (1984) e no
site www.radamesgnattali.com.br (atualmente indisponível para consulta).
10 As informações sobre o acervo Hermelindo Castello Branco estão disponíveis em:
<www.institutopianobrasileiro.com.br/post/visualizar/Colecao_Hermelindo_Castelo_Branco_o_maior_acervo_de
_cancoes_brasileiras_ja_reunido >Acesso em: 12 de nov. de 2018. No site, o sobrenome do compositor (Castello)
é escrito com apenas uma consoante “L”, enquanto em suas assinaturas é possível encontrar a dupla consoante
“L”.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Figura 1: Cópia da primeira página da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro publicada em 1956
pela editora Ricordi Brasileira.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Figura 2: Cópia da primeira página da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro - versão manuscrita
de Hermelindo Castello Branco.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
A cópia da partitura manuscrita também tem o mesmo ano da publicação da partitura pela
editora Ricordi Brasileira. A última página dessa versão tem uma assinatura de Hermelindo com
seu sobrenome – Castello – e a data da cópia, ambas colocadas na figura a seguir (Figura 3):
Figura 3: Assinatura e data da última página da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro - versão
manuscrita de Hermelindo Castello Branco.
Ainda não existe precisão em relação ao ano da composição dessa canção. As duas versões das
partituras encontradas foram reeditadas e cantadas pela primeira coautora deste capítulo. Para
esse trabalho, elegeu-se a versão manuscrita como fonte principal devido principalmente à
escrita em uma tonalidade mais aguda. Essa tonalidade, mostrou-se mais confortável para a
classificação de um soprano, a mesma classificação vocal da cantora/pesquisadora. Segue na
Figura 4 a primeira página da edição, feita a partir da cópia da partitura manuscrita.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Figura 4: Cópia da primeira página da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro editorada pelas
pesquisadoras a partir da partitura manuscrita.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Ao encontrar como título da canção a palavra toada, houve a tentativa de uma pesquisa mais
ampla sobre o seu significado. Para SANTOS (2011), “as origens históricas da toada não são
bem definidas. Há os que afirmam que se originou das cantigas trovadorescas; dos Fados
portugueses e dos cantos Pastoris” (SANTOS, 2011, p. 137). No Dícionario do Folclore Brasileiro,
CASCUDO (1993) define o verbete toada: “cantiga, canção, cantilena; solfa, a melodia nos versos
para cantar-se” (CASCUDO, 1993, p. 871). Além dessa definição, o autor cita descrições do
gênero toada por outros autores no verbete:
a toada se espalha mais ou menos por todo o Brasil. Musicalmente não tem o
caráter definido e inconfundível da moda caipira. Talvez porque, abrangendo
várias regiões, a toada reflita as peculiaridades musicais próprias de cada uma
delas. Ou talvez porque, em vez de nome de um tipo especial de canção, a
palavra toada seja empregada mais no seu sentido genérico corrente na língua
(o mesmo de moda) ou como designação de qualquer canto sem destinção
imediata. De qualquer modo parece que a toada não tem características fixas
que irmanem todas as suas manifestações (ALVARENGA, Oneyda s/d p. 275-
276 apud in CASCUDO, 1993, p. 871-872).
Em seu estudo, CASCUDO (1993) também cita a definição dada por Jõao Ribas da Costa: “canto
de qualquer gênero” (CANCIONEIROS do Rio Santa Maria, 1951, p. 60 apud in CASCUDO, 1993,
p. 872).
Além do Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade também começou a escrever o
Dicionário Musical Brasileiro, o qual conta com verbetes sobre termos nacionais recolhidos pelo
autor em suas viagens etnográficas iniciadas em 1929. Nesse dicionário, Andrade pesquisava
“o uso das palavras na literatura em prosa ou em verso, erudita ou popular, consignando
arcaismos, dicções populares e formas fonética e prosodicamente estropiadas” (TONI, 1999, p.
XXV). A palavra toada está entre os verbetes pesquisados por Mário de Andrade sobre a música
Brasileira. O autor a define: “cantiga sem forma fixa. Se distingue pelo caráter no geral
melancólico, dolente arrastado.” (ANDRADE, 1999, p. 518). O gênero “que melhor condiz com
o meu sentimento artístico é o gênero ‘toada’, que reflete a alma brasileira de Norte a Sul (...)”
(ibid, p. 518). Mário de Andrade exemplifica em seu dicionário os diferentes exemplos de toadas
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
O título Toada para a canção de Radamés Gnattali sugere alguns elementos vistos como
nacionalistas por Mário de Andrade em relação à música brasileira, tais como o tema do
poema, o caráter melancólico da poesia e da música, os ritmos sincopados e o uso de
modalismo. As ideias de lembrança, de distância e de um cotidiano melancólico podem ser
identificadas no poema, e são enfatizadas por elementos musicais tais como o andamento
lento, o modalismo, os acordes suspensos (dissonantes) e as amplas linhas melódicas
vocalisadas que remetem ao aboio. A forma da canção é ABA com versos assimétricos. A
seguir, a tabela com breve análise da estrutura da canção (Figura 5):
11Em seu dicionário, além de conceituar, o autor coloca exemplo de versos de toadas coletadas por ele em suas
viagens, como, por exemplo: “Toada no domínio caipira significa especializadamente a melodia, a linha melódica
e não o conjunto de peça, isto é, a poesia cantada com acompanhamento de viola ou violão. ‘Não sei a toada dessa
moda escutei na barranca do Moji Guaçu’ (ANDRADE, 1999, p. 518).
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Além do título Toada, o tema central do poema é o aboio, o som produzido pelo vaqueiro para
chamar e acalmar o seu gado. Nos versos, há uma representação do cotidiano narrado pelo eu
lírico sobre a vida no campo, sobre a vida de um vaqueiro. As melodias de “eh” do poema
remetem ao som de aboios e são entremeadas pelo texto do poema. No dicionário elaborado
por Mário de Andrade também há verbetes para os termos aboio e aboiar assim definidos:
A partir dessa breve análise dos versos do poema da canção Toada, dos rítmos sincopados e da
melodia melancólica (com uso de modalismos), é possível reconhecer traços de nacionalismo
na composição de Radamés Gnattali. No entanto, também pode-se identificar, na linha do
acompanhamento do piano, outros traços provavelmente ligados à linguagem popular urbana
do compositor. A introdução da canção possui um cromatismo na linha do baixo que produz
um ostinato rítmico. Além disso, o início da canção não dá indícios de possíveis tonalidades
indicadas pela armadura de clave. É possível pensar que o compositor trabalhou com centros
tonais e não apenas uma tonalidade específica. O uso do cromatismo e tétrades com
dissonâncias podem proporcionar a lembrança de características jazzisticas (Figura 7):
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Ab¹³ Dm³ Cm Cm b9
Cromatismo em
ostinato rítmico
Figura 7: Sobreposição de acordes de quarta nos compassos 23 e 24 da Toada de Radamés Gnattali e Alberto
Ribeiro.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
D B
Figura 8: Interlúdio do piano (compassos 32 a 35) e mudança de tonalidade na canção Toada de Gnattali.
A seção B é caracterizada por dois períodos de vocalises que remetem ao som do aboio,
destacam dissonâncias na melodia e também uma mudança para o modalismo (Figura 9),
começando por Ré Mixolídio no primeiro período de vocalise (modo muito usado nas melodias
nordestinas) e em Mi Eólio no segundo período de vocalise. Nessa seção, a linha do
acompanhamento do piano tem o um desenho rítmo constante (Figura 9) o que pode ser
interpretado como o som do carro de boi do vaqueiro.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
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Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Melodia dissonante +6 5 9
Desenho rítmico do
acompanhamento
do piano
Figura 9: Início da seção B – melodia dissonante em modo mixolídio e desenho rítmico do acompanhamento do
piano da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro.
A canção termina com dissonâncias provocadas por alterações incorporadas aos acordes
(Figura 10). O último acorde do piano com tétrade dissonante e a última nota da linha melódica
do canto mostram-se incomuns.
G (add13/9/7)
Figura 10: Compassos finais da canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Na canção Toada, não há como definir uma tonalidade. Pode-se dizer que o compositor a
escreveu a partir de centros tonais, modalismo e uso constante de tétrades, sobreposição de
intervalos de quarta, bem como rítmos marcados como o ostinato na linha do piano na
introdução e o acompanhamento da seção B. Radamés Gnattali trabalhou com música popular
e, sobretudo, conhecia os gêneros da música popular urbana como o choro, o samba e o jazz. As
autoras BARBOSA e DEVOS (1984, p.55) indicam que Gnattali recebeu a classificação de
“jazzista” desde os seus primeiros trabalhos e que essa classificação permaneceu
indiscriminadamente. Além disso, o próprio compositor falava sobre esse estilo musical:
O jazz ganhou o mundo porque não exigia uma orquestra cara. Apenas um
piano, contrabaixo e um instrumento de sopro. O jazz é a música popular mais
evoluída do mundo e é claro que me influenciou, de Oscar Peterson às grandes
orquestras como Glenn Miller, Benny Goodmann e Tommy Dorsey. Aprendi a
escrever música popular também ouvindo jazz, uma música americana
(DIDIER, 1996, p.70). 12
A partir do poema e da música da canção Toada, traços tanto do nacionalismo, como movimento
ideológico, como da música popular urbana podem ser identificados. Pode-se dizer que, além
da trajetória do compositor, a canção Toada também proporciona a reflexão sobre identidade
12
Transcrições das falas de Radamés Gnattali em várias entrevistas no capítulo Radamés Gnattali de A a Z em
DIDIER (1996).
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
nacional. Radamés Gnattali compunha com elementos do nacionalismo, mas também com
elementos da música popular urbana que vivenciava por meio do rádio, o que mostra traços
que atravessam fronteiras em sua obra. A partir da análise da canção Toada e da trajetória do
compositor Radamés Gnattali, pode-se dizer que a sua escrita perpassa a “cultura imaginada”
(HALL, 2015, p.30) de nacionalismo proposta nos projetos de Mário de Andrade, mas também
pelo pertencimento à cultura da música popular urbana – uma identidade nacional
amalgamada. Dessa forma, talvez seja esse o motivo da dificuldade em traçar uma linha
divisória entre música popular e música erudita nas obras do compositor, bem como a
dificuldade em estabelecer classificações e rótulos sobre suas formas composicionais.
5 – Conclusão
A trajetória do compositor nos permite refletir sobre a ideia de nacionalismo a partir de uma
conformação ainda mais ampla do que aquelas pertencentes aos projetos propostos por Mário
de Andrade. O compositor tentou se estabelecer na carreira de música de concerto, mas passou
a maior parte da sua vida profissional trabalhando com música popular de diversas formas.
Mesmo com o trabalho intenso na elaboração de arranjos, gravações e programas musicais em
rádio, Gnattali também foi profícuo em suas composições para música de concerto, dentre elas
a canção de câmara.
É possível dizer que a canção Toada extrapola a ideia de nacionalismo como proposta por Mário
de Andrade. Embora possua elementos inseridos no projeto de nacional vindo da cultura
popular regional, como as referências à toada e ao aboio, possui ainda diálogos com harmonias
da música popular. Pode-se dizer que o compositor manteve um texto nacional ao eleger o título
toada, o aboio e o céu do Brasil, mas delineia no acompanhamento do piano e na linha melódica
do canto sons que dialogam com a linguagem da música popular, se utilizando de cromatismos
e dissonâncias . Assim, é possível inferir que, nessa canção, o compositor dialoga com as duas
linguagens.
Ao analisar a canção Toada, podem ser estabelecidos diálogos com Stuart Hall (2015) sobre a
problematização da identidade nacional como uma ideia de representação. No poema de Toada,
há um Brasil retratado por meio do aboio e da simplicidade da vida no campo, que fazem exaltar
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
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o país por meio da manhã primaveril, que enche de luz o seu céu. Ao mesmo tempo, o nacional
exaltado do poema se mistura com a harmonia popular (urbana). Isso proporciona uma nova
combinação, ou seja, uma identidade nacional não apenas fragmentada mas também mais
amalgamada, interconectada e mais global.
Cabe, por fim, trazer reflexões sobre a trajetória de Gnattali, a canção Toada analisada nesse
trabalho e o título do livro de BARBOSA e DEVOS (1984): Radamés Gnattali: o eterno
experimentador. Talvez seja a característica de experimentar elementos composicionais
vivenciados, usar da música de sua época, inserir instrumentos da música popular na música
de concerto é o que faz com que Radamés Gnattali ultrapasse a ideia de nacional e a definição
sobre o que é música de concerto e o que é música popular. Pesquisar a sua trajetória
proporciona o desvelar de sua obra. Pesquisar as suas canções possibilita refletir sobre sua
trajetória e sobre os seus desvios – aquilo que extrapola a ideia de linearidade e de conceitos
bem delineados. Essas reflexões permitem ao intérprete criar imagens e eleger sonoridades e
interpretações para a performance da canção de câmara de Radamés Gnattali, bem como
estabelecer interlocuções com o compositor. Assim, investigar as formas composicionais (as
“experimentações”) de Gnattali possibilita releituras e ressignificações de suas canções de
câmara para a contemporaneidade.
Referências de texto
1. ANDRADE, Mário. (1972) Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins Fontes.
5. BREIDE, Nadge Naira Alves. (2006) Valsas de Radamés Gnattali: um estudo histórico
analítico. Tese (Doutorado em Música), Programa de Pós-Graduação em Música, UFRGS, Porto
Alegre.
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
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7. CASCUDO, Luis da Câmara. (1993) Dicionário do folclore brasileiro. 10 ed., Rio de Janeiro:
Ediouro.
8. CONTIER, Arnaldo Daraya. (1995) O Ensaio sobre a Música Brasileira: Estudo dos Matizes
Ideológicos do Vocabulário Social e Técnico-Estético (Mário de Andrade, 1928). Revista Música.
São Paulo. v.6. n.1/2: 75-121 maio/nov.
10. DIDIER, Aluisio. (1996) Radamés Gnattali. Rio de Janeiro: Brasiliana Produções.
12. MARIZ, Vasco. (2000) História da Música no Brasil. Editora Nova Fronteira, 5 ed.
13. SANTOS, Joelina Maria da Silva. (2011) As toadas do bumba-meu-boi: sobre enunciados
de um gênero discursivo. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Programa de
Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa, Universidade Estadual Paulista “Júlio
Mesquita Filho” – UNESP, 2011.
14. TONI, Flávia Camargo. (1999) Introdução. In: ANDRADE, Mário. Dicionário musical
brasileiro. Edição coordenada por Oneyda Alvarenga e Flávia Camargo Toni Brasília:
Ministério da Cultura; São Paulo: IEB-USP – Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia.
15. TRAVASSOS, Elizabeth. (2000) Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
16. WISNIK, J. M. S.; SQUEFF, Ê. (1983) O nacional e o popular na cultura brasileira / música.
2. ed. São Paulo: Brasiliense.
Referência de partitura
Luísa Vogt Cota Licenciada (bolsa de Iniciação Científica FAPEMIG) e Bacharel em Música -
habilitação em canto pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestre em Artes pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) sob
orientação da Profª Drª Sônia Ribeiro, com a temática configurações identitárias profissionais
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COTA, Luísa Vogt; PÁDUA, Mônica Pedrosa de. (2019). A canção Toada de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro: reflexões sobre identidade
nacional. In: Diálogos Musicais na Pós-Graduação: Práticas de Performance N.4. Org. e ed. de Fausto Borém e Luciana Monteiro de
Castro. Belo Horizonte: UFMG, Selo Minas de Som. p.328-353.
Mônica Pedrosa de Pádua Graduada em Canto pela Universidade Federal de Minas Gerais
(1986). Mestre em Canto pela Manhattan School of Music (1989). Doutora em Letras /
Literatura Comparada pela Faculdade de Letras da UFMG (2009). É professora associada da
Escola de Música da UFMG e Diretora da Instituição gestão 2014-2018. Atua nas linhas de
pesquisa Performance Musical e Sonologia do Programa de Pós-graduação em Música. É
coordenadora do Grupo de Pesquisa Resgate da Canção Brasileira inscrito no diretório de
pesquisa do CNPq em 2003. Desenvolve os seguintes projetos de pesquisa: A canção brasileira
de câmara - localização de partituras, catalogação, análise, divulgação, edições de partituras,
registro sonoro; Estudos da Canção de Câmara Brasileira para Canto e Violão - análise,
performance, transcrição, registro sonoro, dicção em português; Sonologia - estudo da voz
como material acústico em sua vinculação com as produções e atividades musicais, estudos
sobre o Português brasileiro cantado. Elaborou, juntamente com pesquisadores brasileiros da
área de Canto, a Tabela Fonética do Português Brasileiro Cantado. Em sua pesquisa de
Doutorado estudou as inter-relações entre música e poesia nas canções de câmara de Lorenzo
Fernandes, quando desenvolveu teorias sobre imagética musical com base na semiologia da
música. Participou da comissão encarregada de elaborar proposta do Plano de Cultura da
UFMG, atendendo a convocação do Edital Mais Cultura nas Universidades, do Minc e MEC. Foi
co-coordenadora do Projeto Plano de Cultura da UFMG e integrante do comitê executivo do
Fórum UFMG de Cultura. Atua regularmente como cantora em música de câmara e concertos
com orquestra como o Requiem de Brahms, o Requiem de Mozart e a Missa Brevis de
Beethoven.
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