As Diversas Visoes Do Lixo Dib Ferreira Declev Reynier
As Diversas Visoes Do Lixo Dib Ferreira Declev Reynier
As Diversas Visoes Do Lixo Dib Ferreira Declev Reynier
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL
Dissertação de Mestrado
Orientador: Professor Doutor Emílio Maciel Eigenheer
Orientador:
Professor Doutor Emílio Maciel Eigenheer
iii
Ficha catalográfica
ao professor Emílio Maciel Eigenheer, pela paciência, pelas conversas esclarecedoras e pelas
orientações objetivas;
à minha família que sempre me ajudou e tolerou minhas manias pelo lixo;
à Escola Municipal José de Anchieta, pela oportunidade do convívio com os colegas e alunos,
o que permitiu a realização deste estudo;
às instituições que colaboraram com informações preciosas, tais como o Projeto Chico
Mendes, o Médico de Família do Morro do Céu e a Companhia de Limpeza Urbana do
Niterói (Clin);
aos meus colegas da turma do mestrado, pois nossa amizade foi fundamental nestes dois anos
de conversas e trocas de experiências;
aos colegas professores da Escola Municipal João Brazil, que realizaram igualmente redações
com seus alunos, para enriquecimento do meu trabalho.
v
APRESENTAÇÃO
Nunca consegui compreender como é que jogamos tanta coisa fora. Isso desde criança.
Uma das redações que analiso neste trabalho diz que o lixo é uma coisa todos fazem vários
proveitos e jogam fora, mais não fazem o aproveito certos por que tem a coleta dos lixos que
são criados, por várias coisas maneiras... (sic). Sempre pensei assim também.
Acho que fui uma daquelas crianças que se encantava tanto quanto – ou até mais –
com a embalagem do que com o próprio brinquedo. Lembro-me de que tinha aquele
brinquedo chamado “Playmobil” e, embora houvesse todos os apetrechos, fazia os castelos,
fortes e outros complementos de isopor e outros “lixos”.
Até hoje me sinto assim. O resíduo me instiga, me fascina e me faz refletir, muitas
vezes, qual a verdadeira necessidade de sua geração da forma com que viemos fazendo na
sociedade atual. A facilidade que as pessoas têm de se desfazer de algo me assusta. Desde
criança tenho “coleção de coleções”. Sempre juntei tudo, pois a diferença, o colorido, a
diversidade contida em um mesmo objeto sempre me fascinou: latas, figurinhas, cartões,
tampinhas, moedas, objetos antigos, livros, garrafas, cinzeiros, revistas, jornais, fotos,
conchas, pedras, penas, entre muitas e muitas outras coisas.
Ainda tem o trabalho com arte. Quando adolescente ficava a madrugada construindo
miniaturas e outras artes com os minhas “quinquilharias”: peças de relógio, pedaços de vidro,
ossos... Ainda tenho todos... Passei a utilizar cada vez mais em meus trabalhos objetos que
seriam “lixo”. Ao montar minha casa, compras em lojas de móveis usados, sofá que está na
família há quase quarenta anos doado por tia e muitos outros móveis feitos por mim mesmo,
como estantes de papelão e mesinhas de pedaços de madeira apanhados em serrarias.
Em 1999, ao passar para concurso público como professor, na cidade de Niterói, tive
que escolher uma escola. Sem saber escolhi a que é vizinha ao aterro de lixo da cidade. O
cenário estava armado para realizar trabalhos de educação ambiental e, posteriormente,
realizar minha pesquisa de especialização. Pesquisa que continuo com este trabalho, buscando
aprofundar o conhecimento sobre como pensam as pessoas em relação ao lixo, qual sua
relação com ele, porque o tratamos – a ele e a tudo a ele relacionado – do jeito que o fazemos:
com desprezo, nojo, indiferença.
vi
A estrutura do trabalho
The generation of residues is inherent to the human activities from the beginning, when this
production based on organic material – remains of food –, easily degraded and reabsorbed by
the nature. With the coming of the Industrial Revolution and, later on, after II Great World
War, when there was the great expansion of the consumption, the residues modified in
amount and composition, becoming one of the great partner-environmental problems of the
present time. In the search of solutions for the problems, the society bases on technical
solutions, as embankments and incinerators, and in the environmental education, with
campaigns of selective collect and recycling. To understand what the people think about the
garbage and its relationship with it can be fundamental for these works, be them public
politics, environmental education, recovery of degraded areas or others. In this dissertation I
look for to know what the children that live together with a dump think about the garbage, in
the city of Niterói, and I trace a comparison with the concepts on the subject disseminated by
the society. For so much, I use the concepts of Social Representation and Stigma, besides
analyzing some news, reports and journalistic matters about the subject, retreats of
newspapers, magazines and other printed papers.
ix
SUMÁRIO
Tabela 5.1 – Categorias e Temas, com as quantidades absolutas e relativas de cada um ....... 56
xv
LISTA DE ABREVIATURAS
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Desde sempre o ser humano, em suas atividades, gera resíduos1. Porém, até antes da II
Guerra Mundial, estes resíduos eram de composição mais simples, basicamente orgânica, e de
mais fácil destinação e decomposição. Nas últimas décadas este quadro se modificou: a
composição do lixo é outra, com novos tipos de materiais, e a quantidade também mudou,
com um volume cada vez mais crescente de resíduos sendo descartados, acompanhando,
inclusive, o modelo de industrialização iniciado na Revolução Industrial.
Apenas como exemplo, temos o crescimento do uso do plástico, surgido na década de
60, que substitui gradativamente alguns materiais, e também a diminuição da matéria orgânica
(Mahler, 2001). Na análise gravimétrica2 do lixo da Companhia de Limpeza Urbana da
Cidade do Rio de Janeiro (Comlurb, 2000), feita de 1981 a 2000, podemos verificar como
esta alteração vem ocorrendo na cidade do Rio (Figura 1.1). Foram identificadas algumas
mudanças de hábitos, como a tendência de queda na quantidade de papel/papelão e o aumento
constante na utilização do plástico. Isto se deve, entre outros fatores, à substituição do
papel/papelão em embalagens em geral (como nas sacolas de supermercados) e o uso do
plástico na área de alimentos prontos e semi-prontos, pois este se difunde cada vez mais como
o material ideal para embalagens e produtos descartáveis em geral. Esta mudança de hábito
não ocorre só no Brasil, pois segundo Presser, em artigo de 1991, os Estados Unidos já seriam
os maiores consumidores deste material no mundo, atingindo o índice de quase 70 quilos de
plástico por habitante ao ano. Além disso, como aponta Trigueiro (s/d), esta questão já levou a
mudanças na legislação e na cultura de vários países europeus, em vista de tentar minimizar a
quantidade e os problemas causados pelo uso indiscriminado do plástico.
1
Utiliza-se neste trabalho o conceito de “resíduos sólidos”, termo técnico para designar o lixo, que pode ser, com
algumas variações, indicado como: doméstico (incluindo comercial), industrial, agrícola, perigoso, entulho, de
varredura e outros (Eigenheer, 2003, p.14). Diferencia-se de outros tipos de resíduos, tais os líquidos, gasosos e
pastosos, além de fezes e urina, que são produto do metabolismo humano, não resíduos de suas atividades.
2
Determinação da porcentagem de cada um dos componentes do lixo (plásticos, vidros, orgânicos, etc.) a partir
da relação entre o peso do componente analisado e o peso total da amostra considerada.
2
45
40
35
30
25
%
20
15
10
0
81 Papel / Paeplão
86 89 91 93 95 Plástico
96
Anos 97
98
99
2000
Figura 1.1 – Gráfico da quantidade relativa de papel/papelão e plástico encontrados no lixo domiciliar
da cidade do Rio de Janeiro, de 1981 a 2000 (Comlurb, 2000)
3
A diferenciação entre resíduos sólidos e os outros resíduos (líquidos e pastosos, como fezes e urina) é recente,
sendo feita a partir do final do século XIX.
5
Apesar desta estigmatização em relação ao lixo, Portilho (op.cit., p. 12) menciona um
programa de coleta seletiva de lixo em que os participantes passaram a diferenciar um lixo
limpo de um lixo sujo. O limpo seriam os plásticos, vidros e outros “recicláveis”, que seriam
porém, lixo para a natureza por não serem naturalmente degradáveis; e o lixo sujo seria a
matéria orgânica, facilmente reciclável pela natureza, ou seja, o que não seria lixo para ela. De
fato, as pessoas parecem iniciar a ter uma outra relação com o lixo quando para a coleta
seletiva, separando-o em casa e aderindo aos programas. Programas deste tipo têm se
multiplicado pelo país, como exemplo na cidade de Niterói, a primeira a ter um programa
sistemático de coleta seletiva, iniciado em 1985 no bairro de São Francisco, com uma parceria
do Centro Comunitário do bairro e a Universidade Federal Fluminense (Coleta, 1997). O
projeto iniciou com apenas cem residências e hoje conta com cerca de 1200. Outras notícias
mostram a adesão dos moradores da cidade ao programa de coleta seletiva da Companhia de
Limpeza Urbana de Niterói (Clin), como em Medeiros (2002), onde há indicações de que
25% da população niteroiense está participando do programa, resultando em duas toneladas
de lixo reciclado por dia; em Araújo (2002), cita a adesão de 564 condomínios, contra apenas
dez, quatro anos antes; e em Reciclagem (2003), em que a presidente da Clin afirma que estão
participando quase 70 mil pessoas, ou seja, 15% da população da cidade.
1.3 Os catadores
4
Canais subterrâneos da antiga Roma destinados a desabastecer a cidade das águas servidas (urina e fezes) e
demais resíduos.
6
os despreza torna-se a única forma de sobrevivência, se não se permite viver nas ruas, na
mendicância, no tráfico ou no roubo.
Os catadores de lixo particularmente, são vistos como uma escória e associados à
marginalidade, embora todo o esforço para se identificarem como trabalhadores, que
desempenham uma função que exige um certo “gabarito”, conhecimento e experiência (Juncá,
op.cit.). Apesar ainda, de todos os projetos de promoção social relacionados a esta categoria
profissional5.
Junto aos catadores, os pais, estão as crianças, seus filhos, que desde cedo também
aprendem o ofício para ajudar no sustento de toda a família. Este aspecto aparece em diversas
fontes, por exemplo, em Ribeiro e Santos (2000): “O trabalho na lixeira é, via de regra,
realizado com a companhia dos filhos, que ‘ajudam’ na seleção do material”; e em Juncá
(2000, p. 51): “Estes dados apontam para uma certa continuidade entre pais e filhos no que se
refere ao trabalho. (...) Se as crianças de ontem ingressavam no mercado de trabalho pela via
da lavoura, da serventia doméstica ou do comércio ambulante, muitas, hoje, começam catando
lixo”.
Foi por causa deste problema que surgiu a campanha “Criança no lixo nunca mais”,
que discutiremos em um capítulo à parte.
1.4 Estigma
Em uma definição simples e direta, estigma seria a situação do indivíduo que está
inabilitado para a aceitação social plena. Segundo Goffman (1988), o termo estigma nasceu
com os gregos, referindo-se a sinais corporais (feitos com cortes ou com fogo) que serviam
para evidenciar ou identificar algo sobre o status moral de quem os tinha, como ser um
escravo, um criminoso, um traidor.
A sociedade tende a categorizar as pessoas e os atributos considerados comuns aos
membros de cada categoria; estas categorias e seus atributos constituem então, a “identidade
social” do indivíduo. Esta identidade social, por sua vez, pode ou não ser estigmatizante; e o
termo estigma seria utilizado quando estes atributos fossem depreciativos. Porém, estes são
conceitos relativos, e um atributo que estigmatizaria alguém pode confirmar a normalidade do
outro, dependendo de quem o vê, não sendo, portanto, em si, honroso nem desonroso (idem,
p. 13). Buscamos traçar aqui um paralelo desta noção com a realidade das crianças estudadas.
5
Vide por exemplo, o Programa de promoção social de catadores de lixo dos aterros sanitários dos Municípios
de Niterói e São Gonçalo, da FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional; e Gonçalves
(2002).
7
O lixo nos remete a idéias de repugnância, nojo, afastamentos. Estas nascem, por sua
vez, da relação que fazemos entre o lixo e a morte, a degenerescência do corpo. Segundo
Eigenheer (2003, p. 95), o significado do lixo passa pelo termo imundícia, que, por sua vez,
remete à idéia de impureza e pecado, e, na tradição judaico-cristã, à idéia de morte, seja física
ou espiritual.
Então, mais do que algo físico (saúde, doenças, contaminação), há um grande aspecto
simbólico no desejo de afastamento do lixo. Notamos isto também se considerarmos a parte
dos resíduos sólidos mais sujeita aos preconceitos – mesmo entre os catadores –, que seria a
parte orgânica e facilmente putrecível (Eigenheer, idem, p. 100). O que Portilho (1997, p.
102) considera dizendo que “reforça a hipótese de que o incômodo pode estar associado à
deterioração orgânica e à morte”.
Como aponta Goffman (op.cit., p.15), utilizamos termos específicos de estigma em
nosso discurso diário (por exemplo: aleijado, bastardo, retardado) como metáforas, sem
necessariamente pensarmos em seu significado original. Estas metáforas também são
largamente utilizadas em relação ao mundo do lixo. Assim, com palavras como sujeira,
podridão, jogado, imundice, apodrecer, não prestar – próprias ao mundo do lixo –, criam-se
expressões como “louco varrido”, “apodrecer na prisão”, “(alguém) não presta para nada”,
“trapo humano”, “boca do lixo”, entre outras (Eigenheer, op.cit., p.22). Para fazermos o
paralelo, basta também vermos o significado de lixo nos dicionários, por exemplo: “1. Tudo o
que se joga fora após a limpeza e/ou a varredura de uma casa, rua, etc.; entulho. 2. Coisas
inúteis, sem valor. 3. Sujeira, imundície” (Ximenes, 2000)6.
As pessoas, adultos ou crianças, que têm uma convivência mais próxima com o lixo,
como é o caso deste estudo, sofrem com este estigma e com a utilização, muitas vezes, de
expressões similares. Segundo Ribeiro e Santos (2000), por exemplo, “os trabalhadores do
aterro sofrem discriminação por parte de outros moradores do bairro, que deles se
‘envergonham’”. Em Azevedo (2000, p.25), os catadores - ou “recicladores”, segundo a
autora – reclamam de notícias de jornais e televisão, declarando que não são “bichos que
comem lixo”. As crianças são comumente chamadas, por exemplo, de “crianças do lixo”, o
que gera uma série de problemas em seus tratos sociais, tendo como conseqüência, inclusive,
o afastamento da escola ou de outro tipo de convivência social. O que pode ser atestado em
diversos textos, como em Osava (2005): “A discriminação dificultou a permanência das
‘crianças do lixo’ nas escolas, freqüentemente humilhadas por irem à aula com os sapatos
sujos”; ou “ Mesmo aquelas que são matriculadas, abandonam os estudos porque precisam
6
Com exceção dos termos mais técnicos, utilizo algumas vezes este dicionário, pois é o mesmo distribuído
gratuitamente às crianças da escola.
8
ajudar a família ou pelo preconceito que sofrem por serem "crianças do lixo"7 e em Aprendiz
(2001): “Na escola, os alunos das outras salas falavam que a gente era do lixo. Eu não
respondia porque pelo menos, eu trabalhava”.
Como vemos, tanto o lixo quanto as pessoas que têm alguma relação com este são
estigmatizados e tendem a serem afastados. Como diz Goffman (op.cit., p.22), “a simples
previsão de tais contatos [entre um estigmatizado e os normais] pode, é claro, levar os
normais e os estigmatizados a esquematizar a vida de forma a evitá-los”.
Por outro lado, os membros de uma categoria de estigma tendem a reunir-se em
pequenos grupos sociais e estes membros acabam por ter “agentes e agências” que as
apresentem, que as representem. Segundo Goffman (op.cit., p. 35), estes são pessoas com o
estigma, mas que tem um pouco mais de oportunidades de se expressar, mais relacionadas,
mais conhecidas. Goffman continua dizendo que “uma tarefa característica desses
representantes é convencer o público a usar um rótulo social mais flexível à categoria em
questão”. Outra seria aparecerem como “oradores” diante da sociedade em geral, o que parece
estar acontecendo com esta categoria de trabalhadores (catadores).
7
Disponível em: http://www.lixoecidadania.org.br/lixoecidadania/acampanha/Campanha.htm – Acesso em:
14/02/05
9
garis e catadores – as três categorias relacionando-se com o lixo –, afirma que as condições
sociais em que um grupo vive, guia a forma como seus membros pensam. Embora diferentes
em suas personalidades, se aproximam quanto à sua experiência social – e consequentemente
ao pensamento, à ação, aos hábitos incorporados, padrões de linguagem – em outras palavras,
em suas representações sociais. Segundo a autora, em sua relação com o mundo que o cerca, o
sujeito constrói este mundo e é, ao mesmo tempo, construído por ele.
Segundo Reigota (2001, p.12), as representações sociais estão relacionadas com as
pessoas que atuam fora da comunidade científica, embora também presentes nesta. Pelas
representações sociais, podemos encontrar nas pessoas, conceitos cientificamente construídos,
da forma que foram apreendidos e internalizados por elas. Desta forma, assim como o autor
considera que “o primeiro passo para a realização da educação ambiental deve ser a
identificação das pessoas envolvidas No processo educativo”, também considero a
importância do conhecimento sobre lixo em nossa sociedade, como forma de colaboração ao
processo educativo e até mesmo de políticas públicas sobre o mesmo.
Considerando então, as representações sociais como um conjunto de princípios
construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos, que através deles
compreendem e transformam sua realidade (Reigota, idem), temos em mente que, por serem
compartilhadas por uma coletividade, elas influenciam nas decisões que os seres humanos
tomam individualmente. Ou seja, nem todas as idéias e sentimentos de uma pessoa têm
origem no próprio indivíduo, visto que as representações formam um complexo de idéias e
motivações, atravessando a sociedade exteriormente e se apresentando ao indivíduo já
consolidadas.
Assim, seguindo a linha apontada por Portilho (op.cit., p. 80), de que um dos
fenômenos que mais nos permite identificar as representações sociais dos indivíduos são seus
discursos – especialmente os mais espontâneos –, utilizo o recurso das redações na busca
destas representações dos alunos em questão. Segundo Azevedo (1999, p. 70), o
conhecimento da representação social do grupo trabalhado (no caso desta autora, sobre meio
ambiente de alunos em geral), pode servir como ponto de partida para a compreensão de
como estão pensando, como vêem, o que sabem, como situam os problemas envolvidos,
podendo ajudar como aprofundamento de temas e trabalhos diversos. Atuo com este conceito
nesta mesma perspectiva, de contribuir para trabalhos futuros em relação às questões dos
resíduos sólidos.
10
1.6 Objetivos e justificativa
1.7 Procedimentos
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL
A área antes da implantação da lixeira era uma região de colinas com seus vales
recobertos por vegetação, hoje ocupados, em sua maior parte, pelo material depositado
durante os anos de existência do aterro controlado. Havia a predominância de sítios, com
casas esparsas. Não havia saneamento, asfalto ou qualquer beneficiamento do poder público.
A descrição daqueles que a conheciam anteriormente é sempre a mesma: uma área
verde, muito arborizada (como ainda o é em certos trechos), com muitos animais e recursos
naturais. O Morro do Céu é uma região em que existiam muitos poços e nascentes. Por
exemplo, a nascente de um córrego que irá formar o rio Matapaca, segundo um dos casais
mais antigos da região, situava-se exatamente no vale onde está hoje todo o lixo, sendo
soterrado por este. Segundo este mesmo casal, os poços que existiam estão fechados, porque
não há mais condições de utilizar aquelas águas (Dib-Ferreira, 2001).
A área era rica em seus recursos naturais, especialmente a água. Segundo um
testemunho: “...o Morro do Céu antigamente era um lugar muito bonito... é por isso que tem
esse nome: Morro do Céu.” (idem).
Com o término da vida útil do lixão de Viçoso Jardim em 1981, que recebeu o lixo de
Niterói por 15 anos, a prefeitura se viu na incumbência de providenciar outra área para este
fim. Foi projetado pela Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana
(FUNDREM - atualmente extinta), com consultoria da Comlurb, um aterro sanitário para
Niterói e São Gonçalo no bairro do Engenho Pequeno, localizado neste último município
(Sisinno, 1995). Houve uma precipitação por parte do então prefeito de Niterói, que fez
com que a população local rejeitasse a presença do futuro aterro no local. Não tendo mais a
opção de São Gonçalo, a partir de 1982, passou-se a vazar o lixo no Aterro de Gramacho, em
Duque de Caxias. Porém, o transporte ficava caro demais. Houve a mudança na prefeitura
nesta época, com a qual ficou a responsabilidade de arrumar outro local. Escolheu-se então,
no final de 1983, a área do Morro do Céu (Dib-Ferreira, op.cit.). Deve-se registrar que, nesta
8
Baseado em minha monografia de especialização (Dib-Ferreira, 2001), quando busquei a história do local
através de entrevistas com moradores antigos e outras pessoas que participaram de todo o processo de instalação
da lixeira.
15
época, o lixo era vazado sem nenhum tratamento, constituindo-se, então, em um lixão a céu
aberto.
Diversos motivos levaram a escolha deste local. Em primeira instância havia pouca
gente, havia urgência e não viam possibilidades em outro lugar. A área escolhida foi em um
bairro pobre, no alto de um morro, dentro de um vale (tendo assim muito espaço para colocar
o lixo), e onde viviam poucas pessoas. Um local de muitos sítios, com casas espaçadas. Desta
forma, mesmo com protestos, seria mais fácil fazê-lo. A prefeitura fez as devidas
desapropriações, iniciando por uma propriedade, um sítio, e com o tempo realizando outras
em torno, para expansão.
Os pontos de argumentação utilizados pelo poder público na época foram recorrentes:
“cada cidade tem que tratar de seu lixo”, ou “não temos outra escolha”. Desta forma a
população local, em pequena quantidade, foi obrigada a aceitar a produção de lixo de toda a
cidade, porque “o lixo é nosso”. Também havia a argumentação de que Niterói não tem outro
local disponível para se fazer um aterro. Quanto a área ser, na época, rica em vegetação e
“ambientalmente nobre”, esta não era uma preocupação real, principalmente porque nem
legislação específica existia9.
As benfeitorias que a prefeitura fez no local foram utilizadas na época como outro tipo
de barganha. As melhorias foram poucas e não imediatas frente aos impactos que a lixeira
trouxe, ainda mais com o crescimento da população após sua instalação. Mas elas foram
utilizadas como medidas compensatórias pelo poder público, como uma espécie de “troca”,
sendo citadas inclusive em uma das redações, quando a criança diz como era o local antes:
“Quando entrou a lixeira, só tinha árvore era um lugar muito bonito, não tinha, mau
cheiro, nem mosquito. Os moradores tinha mais saúde, as suas casas tinha mais
valor. Há única coisa que melhorou foi que fizeram asfalto, e água encanada, rede
eletrica e rede de esgoto. (...).”
9
Vale ressaltar que nesta época não havia uma legislação que obrigasse a um estudo de impacto ambiental ou
maiores preocupações com o meio ambiente. A Constituição Federal só foi promulgada em 5 de outubro de 1988
e a Lei n. 6.938, em 31/08/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente).
16
Neste trabalho (Dib-Ferreira op.cit.) pode-se perceber os sentimentos ambíguos em
relação ao aterro hoje entre alguns moradores. De um lado trouxe uma série de problemas, e
de outro, os argumentos utilizados para sua instalação e continuação são fortes e a presença
deste trouxe uma fonte de subsistência direta para diversas famílias, além de certos benefícios,
como posto de saúde, creche, asfalto.
Porém, cabe citar ainda que, depois que já estava o fato consumado, ou seja, a lixeira
já estava sendo iniciada, continuaram e aí realmente intensificaram-se protestos e tentativas de
retirada, havendo passeata, mobilizações, reportagens em jornais, fechamentos dos acessos à
área. Nesta época, a região já estava recebendo o ingresso dos catadores de lixo. Estes, por
retirarem do lixo seu sustento, foram a favor da implantação, havendo, inclusive, embate com
os moradores que queriam a expulsão.
Uma antiga participante desta luta contra a lixeira citou o fato de que muitas pessoas
foram favoráveis pensando nas benfeitorias que a região iria receber, mas quando viram os
primeiros caminhões entrando e despejando lixo seguidamente, começaram a perceber a
dimensão do problema, sentiram-se enganados por não receberem o prometido e iniciaram os
movimentos para a expulsão (idem).
Um morador antigo da região relatou que aos primeiros carregamentos, eles fecharam
as estradas. Desta forma impediam a entrada dos caminhões com lixo, tendo o apoio de várias
outras associações de moradores. Este recurso, porém, foi sendo minado aos poucos, primeiro
porque “não podia ficar 24 h vigiando”, os caminhões foram entrando e despejando sua carga,
depois, porque havia pessoas que queriam que a lixeira ficasse. Alguns moradores achavam
que seria uma vantagem a instalação desta, pois levaria um pouco de “urbanização” para a
região; asfalto, posto de saúde, ônibus, etc. Segundo relatos, hoje eles estão arrependidos.
2.4. O aterro
Como visto, o destino final do lixo coletado em Niterói é, desde 1983, o Aterro do
Morro do Céu, no bairro do Caramujo. O vazadouro começou como um lixão a céu aberto,
sem nenhuma preocupação com impermeabilização do solo, gases gerados ou chorume.
Quando a Clin foi fundada, em 1989, foram tomadas uma série de providências para
minimizar os efeitos do lixão, procurando, segundo o atual secretário municipal de meio
ambiente (Tecnologia, op.cit.), transformá-lo em um aterro semi-controlado.
19
Com o esgotamento da área original do lixão, através da Clin houve a expansão do
aterro. Na área original o lixo passou a ser compactado e coberto e nas novas células que
foram se formando foram feitas também a drenagem do chorume e dos gases. Porém o
chorume ficou muitos anos, até 2004, sem tratamento, sendo despejado no córrego Matapaca
e, como já dissemos, indo parar na Baía de Guanabara. Atualmente o chorume está sendo
captado por carros-pipa e levado para Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Toque-
Toque, no centro da cidade. Ainda segundo o atual secretário de meio ambiente (idem), da
produção diária de 150 m3 de chorume, 110 m3 são tratados.
Hoje os resíduos são espalhados, compactados e recobertos com uma camada de
saibro. As informações sobre a quantidade de resíduos são conflitantes. Segundo a Clin, em
sua página na internet (Clin, 2005), chegam, por dia, uma média de 470 toneladas de detritos.
Outras fontes informam números um pouco diferentes, por exemplo, 450 ton./dia (Tecnologia,
2004) e até 757 ton./dia (Panorama, 2005).
O Aterro está a sete quilômetros do Centro da cidade, com distância média de 12
quilômetros dos Distritos de Limpeza, ficando a menos de 20 quilômetros da área mais
remota da cidade e sua área atual e de 200 mil metros quadrados (Clin, op.cit.). Em uma
publicação da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Niterói, 1992) encontramos que a
área do vazadouro é de aproximadamente 80.000 m2 (diferença que se deve, muito
provavelmente, às expansões a que o aterro já sofreu – Dib-Ferreira, op.cit.) e que sejam
gerados cerca de 550 ton/dia de resíduos sólidos. Ainda nesta publicação encontramos que “a
produção de chorume pela carga de 550 ton/dia é da ordem de cerca de 40 m3 ao dia”.
Com uma ação do ministério Público que determinava o fechamento do aterro ao final
de 2004, a prefeitura conseguiu recentemente um adiamento deste prazo através de um Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) que estenderá o fechamento para abril de 2006. Segundo
Damasceno (2005), o acordo prevê a apresentação de uma nova área para abrigar o aterro
sanitário da cidade (com capacidade para receber as 700 toneladas diárias de lixo) e a
construção de 4.500 metros de tubulação para levar cerca de 150 mil litros de chorume
diariamente para uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE). A prefeitura ainda estuda a
possibilidade de um consórcio com São Gonçalo, cidade vizinha, para a construção do aterro
neste município.
2.6. Os alunos
Os alunos que freqüentam a Escola são, em sua maioria, aqueles das famílias pobres,
que moram em casas e que vivem do lixão. Foram trabalhadas redações com alunos do 3o
ciclo (6o e 7o anos, respectivamente 5a e 6a séries), com idades médias de 11 a 15 anos.
Grande parte mora no local há muitos anos, tendo freqüentado a escola desde os ciclos
anteriores. Embora não faça aqui uma análise mais aprofundada nesta questão, podemos
afirmar que há alunos com bom rendimento escolar, enquanto a maioria é regular e outra parte
tem maiores dificuldades. Muitas vezes este aspecto é observado na distribuição das turmas, o
que faz com que tenham turmas com melhores rendimentos do que outras.
21
CAPÍTULO 3
A iniciativa desse Programa (Lixo e cidadania, descrito mais abaixo) foi do UNICEF
(Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência), que se envolveu com a
questão do lixo a partir de 1994, por um fato que comoveu o país. Várias crianças que
trabalhavam no lixão de Aguazinha, em Olinda-PE, foram hospitalizadas com
intoxicação por terem ingerido lixo. Suspeitava-se que havia carne humana no lixo
hospitalar que era depositado a céu aberto, com os demais resíduos da cidade.
Iniciou-se, então, a participação do UNICEF na busca de soluções para o problema
de milhares de crianças que, junto com suas famílias, sobrevivem do que colhem nos
lixões do Brasil. (Prioridade Absoluta, op.cit.)
10
Fonte: http://www.lixoecidadania.org.br/lixoecidadania/forum/fn_index.htm (acesso em 15/01/05)
23
11
Informações encontradas também, de forma resumida, em apresentação no programa PowerPoint disponível
em http://www.lixoecidadania.org.br/lixoecidadania/forum/fn_index.htm (acesso em 14/01/05)
24
erradicado. Supõe-se então, que o número de crianças seja bem maior. As informações sobre
esta questão são muito difíceis de serem produzidas corretamente, pois este universo é muito
instável e mutante. O PETI, continua a autora, não atinge as crianças que ainda não estão em
idade escolar, o que muitas vezes as obriga a acompanharem os pais.
Além disso, a distribuição das bolsas foi extremamente desigual (sem citar o motivo):
as regiões Sudeste e Centro-oeste receberam, até 2002, mais do dobro de bolsas do que o
número de crianças estimado pela pesquisa do Unicef em 1999, e a Região Nordeste, por
outro lado, tem um déficit de mais de 50% de bolsas.
Por esta análise já se tem a certeza de que nem todas as crianças que trabalham no lixo
receberam auxílio financeiro para largar esta atividade. Porém, indo além disso, o
acompanhamento da situação das crianças que se beneficiaram com as bolsas também é
praticamente inexistente. Não se sabe como estão as crianças que estão recebendo as bolsas, o
seu desempenho escolar ou mesmo se estão sofrendo algum tipo de discriminação ou violação
em seus direitos pelo fato de terem saído do lixo.
Sabe-se que apenas a distribuição de bolsas não é garantia para a erradicação do
trabalho infantil. A renda das famílias, com garantias de trabalho e plena cidadania é
fundamental. Diante destes fatos, a autora nos diz que “o desafio, portanto, é garantir às
crianças escola pública de qualidade, acesso a programas de saúde e nutrição, ao lazer, à
informação e à proteção integral”.
3.1 Impressos
12
Fonte: http://www.lixoecidadania.org.br/lixoecidadania/publicacoes/index.htm e Abreu, 2002.
25
MANUAL DO PROMOTOR - Preparado pelo Ministério Público Federal, fala sobre
reciclagem e explica a importância de parcerias com os catadores. Traz indicações de lei
relativas aos temas crianças e meio ambiente. Propõe um Termo de Compromisso a ser
firmado entre o Ministério Público as prefeituras.
Niterói também participa da campanha “Criança no lixo nunca mais”. Segundo folheto
publicitário do projeto (Prefeitura, s/d), o objetivo da campanha é “atender aos preceitos
emanados pelo Estatuto da criança e do Adolescente na garantia de mínimos direitos de
cidadania à população infanto-juvenil”. Na publicação vem citado um artigo do referido
estatuto:
Continuando,
CAPÍTULO 4
Porém, a crise ambiental que estamos sofrendo agora vem sendo historicamente
construída. Desde que existe vida na Terra, esta existe superando crises, modificações e
transformações na natureza, mas sempre encontrando mecanismos de superação. Diversas
revoluções, contudo, vêm acentuando-a, como a gênese do capitalismo e da burguesia e sua
tendência em transformar tudo em mercadorias, no final do século XI. Temos também a
expansão marítima e comercial dos séculos XV e XVI, quando começa a história do uso
indiscriminado dos recursos da natureza neste continente, passando ainda pela Revolução
Científica do século XVII, que confere à natureza um caráter mecanicista, retirando-lhe os
últimos vestígios de sacralidade. Por último, a Revolução Industrial, que considerava a
natureza um estoque inesgotável de recursos (matéria-prima e energia), com capacidade
também inesgotável de recuperação e de absorção dos resíduos (Soffiati, op.cit., p.75). Com a
universalização do sistema de produção iniciado neste período, “em definitivo, instituía-se o
assalto à natureza, a pilhagem aos recursos naturais renováveis e não-renováveis que geraram
a crise ambiental sem precedentes que a humanidade enfrenta” (idem, p. 79).
A partir da constatação dos efeitos desta revolução, os movimentos ambientalistas
começaram a surgir em contraposição à idéia do desenvolvimento à qualquer custo. Em 1948
28
houve a criação da União Internacional para a Proteção da Natureza (IUPN), fundada pela
Organização das Nações Unidas (ONU), transformada em 1952 em União Internacional para
a Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN). Depois, em 1958, tivemos no Brasil
a criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) e em 1961, a
criação do Fundo Mundial para a Vida Silvestre (WWF) (Vieira, 2000). Temos em 1962 o
lançamento do livro Primavera Silenciosa, da jornalista americana Rachel Carson, que
denuncia uma série de desastres ambientais causados pelos setores industriais. Em 1968 é
realizada a Conferência Internacional da Biosfera, em Paris, promovida pela UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e, neste mesmo ano,
a criação do Clube de Roma, constituído por 30 especialistas de diversas áreas para discutir a
crise da humanidade.
O Clube de Roma publica em 1972 o relatório “Os limites do crescimento
econômico”, onde questiona os modelos de desenvolvimento econômico adotado, condenando
a busca incessante do crescimento da economia a qualquer custo, indicando que o crescente
consumo geral levaria a humanidade ao colapso (Vieira op.cit.). Outras conferências e
encontros internacionais aconteceram, com o intuito de discutirem-se os problemas
ambientais enfrentados pela humanidade e a busca de soluções, como a Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia), em 1972, e a Conferência
das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente, (CNUMAD), no Rio de
Janeiro, em 1992, por isso conhecida como RIO92.
O Clube de Roma publica também, em 1987, o relatório “Nosso
Futuro Comum”, conhecido como Relatório Burndtland, que cunha o termo
“desenvolvimento sustentável” – segundo Alier (1998), um outro nome para o crescimento
econômico. O relatório, segundo este mesmo autor (idem, p. 99), faz entrar na moda a idéia de
que a pobreza degrada o ambiente. De fato, logo no prefácio da presidente da comissão
(Comissão, 1987, p. XIV), temos:
E na página 4:
Fato que Alier (op.cit.) contesta, argumentando que, na verdade, a grande fonte de
degradação ambiental vem justamente dos países mais ricos e sua demanda por mais matéria-
prima e energia, muitas vezes vindas de outros países, mais pobres, e que o foco estaria então,
na redistribuição de riquezas. Não exatamente no crescimento econômico desenfreado, que
nunca seria sustentável nas bases atuais dos países ricos.
Através deste pequeno histórico chegamos hoje à discussão atual sobre o meio
ambiente. Os diversos meios de comunicação e divulgação de notícias têm dado atenção
freqüente às questões ambientais, sejam elas relacionadas às águas, ar, poluição, agricultura,
desmatamentos, ou outros. Dentre eles a questão do lixo também se sobrepõe, visto ser um
problema, como vimos, de certa forma mais recente, extremamente acentuado após o fim da II
Guerra Mundial, estar presente em nosso dia-a-dia, em nossas casas, ser produzido
diariamente e mexer com toda a estrutura de sociedade de consumo que estamos construindo.
Para este capítulo foram analisadas diversas fontes de informação, buscando-se
colaborar para um panorama geral do conhecimento disseminado sobre este tema a que uma
pessoa tem acesso, ao que chamarei de “discurso oficial”, que se refere aos impressos:
revistas, folhetos, o discurso da mídia, as campanhas oficiais contra o lixo, a sujeira, os
projetos e programas de reciclagem, entre outros. Não houve pesquisa bibliográfica ou
procura das publicações, procurei apenas coletar e analisar algumas das que tive acesso
normalmente, no dia-a-dia. Faço uma pequena descrição de cada texto e alguns comentários
sobre os mesmos. Outras fontes estão citadas e também analisadas dentro do corpo do texto,
nos demais capítulos.
4.1.1 Revistas
pequenas atitudes como jogar sempre o lixo na lixeira, diminuir o desperdício (de
comida, por exemplo) e pensar na reutilização dos objetos e na reciclagem de alguns
materiais devem fazer parte do dia-a-dia. Jogar lixo no chão, por exemplo, dificulta o
trabalho dos garis e pode entupir os bueiros, gerando enchentes quando a chuva cair.
Em Carvalho (2003) temos a matéria “o útil que vem do lixo”, com a chamada no
sumário: “A reciclagem de objetos utilizados uma segunda vez”. É apresentado o trabalho
feito nas escolas municipais do Rio de Janeiro por dois projetos da prefeitura. Na introdução,
a frase “desde cedo, os alunos estão aprendendo a importância da preservação do meio
ambiente” vêm seguida da notícia que, em uma determinada escola, os alunos recolhem
latinhas e garrafas plásticas e trocam por televisão, computador, ventilador ou copiadora, além
de haver concursos para ver qual turma recolhe o maior número de latas e garrafas, ganhando
um passeio como prêmio. A escola participa do Projeto Escola, da Tomra-Latasa, em que as
latas de alumínio e garrafas de Pet são trocadas por uma “moeda” chamada recicles, que por
sua vez são trocadas, após determinada quantidade, pelos objetos escolhidos.
A autora descreve objetos de arte feitos pelos alunos e alguns depoimentos dos
mesmos, como por exemplo, um para quem a reciclagem serve como sustento: “dá par ganhar
dinheiro recolhendo jornais e latas”. Representantes da Secretaria de Educação comentam,
contudo, que mais importante do que a própria reciclagem é ensinar o aluno a não desperdiçar
e que o objetivo é tentar frear a onda de consumismo exacerbado.
31
Continua a matéria com notícias de trabalhos de arte feitos com lixo, pessoas que
ganham dinheiro recolhendo garrafas e latas e sobre os pontos de coleta seletiva nas escolas.
Dá o exemplo de um gari que confecciona pufes de garrafas Pet, exemplos de “alunos
responsáveis que preservam o meio-ambiente”, e em “histórias de quem vive do lixo”, a
história de uma desempregada que recolhe lixo para trocar por feijão, pois “na sua
comunidade, garrafas Pet, latas e material reciclável viram moeda própria – o ecoreal (ER$).
E cem latinhas valem um quilo de feijão”.
Pequenas notícias são dadas na coluna “Você sabia?”; entre outras: “a reciclagem de
latas de alumínio no Brasil cresce 10% ao ano”, “cerca de 150 mil pessoas tiram o sustento da
coleta de latas de alumínio”, “escolas, instituições beneficentes, igrejas, aposentados e donas
de casa se somam à figura dos catadores”.
Na base da página, também pequenas notícias: “Veja só o que a reciclagem faz:
promove o aumento de renda em áreas carentes; é fonte de renda para mão-de-obra não
especializada; colabora no crescimento da consciência ecológica; propicia uma agressão
menor ao meio ambiente; beneficia entidades assistenciais, como igrejas e escolas”, entre
outras.
Em Brasil (2003), temos uma matéria sobre lixo que procura, a princípio, ser mais
técnica, mostrando diversos números do lixo no país. Sob o título “Brasil sujo, porque as
crianças trocam a escola pelo lixo?” cita a pesquisa do Unicef (que também aparece em
Abreu, op.cit.), elencando dados sobre o trabalho infantil no lixo no Brasil. Em um quadro
também apresenta alguns números da pesquisa e a forma em que foi feita:
Quando lançou a campanha “Criança no lixo nunca mais”, o Fórum Nacional Lixo e
Cidadania enviou a todos os 5,5 mil prefeitos brasileiros, um questionário
procurando saber como eles gerenciavam a questão do lixo em suas cidades.
Uma tabela nos mostra que foram respondidos e computados 1.360 questionários. Em
outro quadro “A salvação pelos 3 R’s”, é afirmado que “a nova ordem mundial é diminuir o
lixo através da adoção, já em marcha no Brasil, do princípio do 3 R’s: Reduzir + Reutilizar +
Reciclar.” Porém, na frase seguinte, inicia a informação sobre reciclagem: “Hoje em dia, pode
ser reciclado praticamente tudo”. Depois de falar dos benefícios da reciclagem, lembra: “O
ecologicamente correto hoje não é tão somente tratar o lixo, mas evitar a sua produção
desnecessária”.
Continuando esta série, em um artigo na mesma revista, intitulado “Aterros sanitários,
você tem idéia do que acontece com o lixo que você gera?”, McLennan (2003) cita alguns
problemas que os aterros podem causar, como a produção de “gases nocivos”.
32
Comenta que os gases gerados podem trazer vários problemas ambientais, de saúde e
de odor. Inclusive algumas substâncias podem provocar câncer, como o benzeno e o cloreto
de vinil. Termina com as informações de que os problemas podem ser minimizados com um
sistema de coleta e controle (como queima e liberação). Como lembrança, é bom ressaltar a
necessidade de haver esta coleta e controle para ser considerado um aterro sanitário.
De forma diversa destes, outro artigo, ainda nesta revista, intitulado “Nova York –
Capital mundial do lixo” (Brown, 2003) trata de maneira diferente a problemática do lixo.
Expõe a questão da cidade, que produz diariamente 11 mil toneladas de lixo, propondo que o
problema está na economia do descarte, ou seja, a cultura dos produtos e embalagens
descartáveis, que geram enorme quantidade de lixo. “É fácil esquecer quantos produtos
descartáveis existem até que comecemos, efetivamente, a listá-los”. E recomenda:
Recursos como água e energia são cada vez mais escassos e as grandes metrópoles
não têm dinheiro para investir em coleta e criar novos aterros. Se não aumentar o
índice de redução, reutilização e reciclagem e diminuir o desperdício, há o risco de
acontecer um ‘apagão do lixo’ e a falta de água.
Outro artigo desta série de reportagem trata da cidade de Santo André (SP) como um
modelo a ser seguido pelo trabalho que realiza em seu aterro sanitário.
36
O segredo básico é a coleta seletiva do lixo, que impede que o material reciclável
chegue ao aterro. Essa coleta seletiva diária cria renda e emprego para 200 pessoas e
garante a maior duração do depósito, que recebe apenas o que não pode ser
reaproveitado.
... o lixo passou a ser visto não só como rejeito, mas também como matéria-prima,
gerando renda, através do mercado da reutilização, da reciclagem. Isto permitiu a
inclusão social de pessoas desempregadas ou mesmo de quem vive desse tipo de
trabalho de forma permanente.
13
Este e os outros negritos ou itálicos que se seguem nas citações são originais.
39
Em Silva Júnior (1998, pág. 73), em um quadro mostra-se várias fotos, e uma delas é
de um trator operando no lixo, com a legenda: “O lixo enterrado em aterros sanitários pode
facilmente poluir a água do subsolo, que acaba atingindo rios ou lagoas próximos”. Como
vimos, há diferenças entre um lixão e um aterro sanitário, o que seria, portanto, um equívoco:
em um aterro sanitário o lixo (ou seus subprodutos, como o chorume) não podem facilmente
poluir a água do subsolo. É claro que um acidente não está fora de questão, mas o aterro
sanitário é construído com técnicas de engenharia para que a poluição não ocorra.
Em uma coluna intitulada “Saiba mais”, dicas de como perceber a poluição da água de
um rio, lago ou lagoa. Entre elas, “a existência de lixo ou outros objetos estranhos flutuando
ou à beira d’água”. Sobre a obtenção da água (op.cit., p.78), falando sobre lençóis freáticos,
comenta que, entre outras coisas, “(a poluição) acontece porque as águas que se infiltram no
solo arrastam para os lençóis freáticos (...) substâncias solúveis resultantes da putrefação do
lixo e até esgotos não-tratados, contaminados por inúmeros microorganismos causadores de
doenças”.
Sob o título “A água contaminada” (p.83), explica o que quer dizer, como ocorre e
quais são as doenças transmitidas pela água: “Quando a água apresenta organismos que
causam doenças em animais e no homem, dizemos que ela está contaminada”. E sobre o ar,
segue a mesma linha de raciocínio em “O Ar contaminado”(p.150): “O ar pode estar
contaminado pelos dois tipos mais comuns de microorganismos: os vírus e as bactérias”.
Segue falando de diversas doenças que podem ser transmitidas pelo ar.
No capítulo sobre “Lixos e esgotos” (p.179), a introdução trata dos resíduos que a
sociedade atual produz, cada vez em maior quantidade, e faz uma diferenciação: “quando
sólidos, os resíduos constituem o lixo e, quando líquidos, o esgoto”. E continua:
A composição dos esgotos e dos lixos varia muito, de acordo com sua origem, que
pode ser domiciliar ou não. Enquanto alguns são constituídos de grande quantidade
de matéria orgânica, como restos de alimentos e fezes, outros podem conter
substâncias nocivas (lixo industrial); outros, ainda, contaminados por
microorganismos patogênicos (lixo hospitalar), que causam doenças.
Sobre “O que fazer com o lixo” (p.181), em relação à grande quantidade de lixo
produzido no Brasil, diz que:
Em Goiás, em 1987, foi encontrada num ferro-velho uma cápsula contendo 19 gramas
de um material radioativo. Esse material, que atraiu a atenção porque brilhava como
purpurina, era lixo hospitalar originado de uma bomba de césio usada no tratamento
de doentes de câncer. As pessoas que abriram a cápsula, além de outras que
manusearam o material, sofreram lesões irreversíveis. Algumas morreram.
E vale aqui também um comentário, pois embora apontado como lixo hospitalar, esta
cápsula contendo material radioativo não está dentro desta categoria; seria lixo radioativo, que
tem inclusive legislação específica, apesar de ter sido utilizado e abandonado por um hospital.
O que aconteceu na época foi um completo desleixo por parte de quem abandonou o material.
O autor segue o texto com o subtítulo “O lixo é perigoso e incomoda”, onde diz, que
(...) além de enfear nossos ambientes de lazer e trabalho, ainda deixa o ar carregado
de odores desagradáveis. Esse ar pode conter gases tóxicos de várias origens, que
causam mal-estar, dor de cabeça, problemas respiratórios, tonturas e até lesões no
sistema nervoso. O acúmulo de lixo, por menor que seja, representa outros perigos,
como o de ferimentos com cacos de vidro, pregos, metais, lascas de madeira etc., que
infeccionam facilmente e podem até matar, caso do tétano.
Segue citando os animais que atrai e as doenças que causam e o risco de obstruir
córregos, canais e rede de esgotos. Comenta sobre os lixões e o chorume, comentando a
contaminação por chumbo, mercúrio e “uma infinidade de substâncias tóxicas, presentes em
embalagens de produtos de limpeza, inseticidas, medicamentos, tintas, etc.”. Em outros
subtítulos, fala sobre os “Aterros sanitários”, comentando somente que são impermeabilizados
no fundo e recebem uma cobertura de terra; sobre “Reciclagem do lixo”, falando da coleta
seletiva, reciclagem, compostagem e com exemplo sobre as vantagens da coleta seletiva de
papel, citando os EUA; “Incineração do lixo” comentando sobre as vantagens (redução do
volume, fornecimento de energia, eliminação de agentes de contaminação); e “E agora”, onde
41
fala da sujeira das ruas, do mal hábito de jogarmos lixo no chão, dando de exemplo o próprio
pátio da escola. Aqui faz comentários sobre o desperdício:
Nas áreas onde o lixo é despejado vários processos podem ser adotados para se evitar
a criação de focos de poluição e contaminação ambiental. Entre outros, podemos
citar os aterros sanitários e a reciclagem de lixo.
E logo abaixo dá somente algumas poucas linhas falando dos dois. E completa: “três
regras podem ser observadas (para a preservação e cuidados com o ambiente): economizar,
reciclar e respeitar”.
Entre diversas considerações do que o ser humano pode fazer para a preservação de
seu ambiente, temos que “é possível reciclar o lixo urbano”.
Podemos ver que, embora haja uma boa linha de raciocínio adotando valores como
economia e respeito, em substituição ao reduzir e reciclar, que aparece sempre quando se fala
dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar, Reciclar), o assunto é pouco explorado e acaba centrando na
reciclagem.
Em outro livro, os autores tornam a falar do lixo (Gowdak e Martins, 2002b).
Inicialmente faz referência não à lixo exatamente, mas a resíduos: “atualmente, resíduos
industriais acumulam-se no ar, na água e o solo, comprometendo todos os ecossistemas” e “o
acúmulo de resíduos é o responsável pela poluição do nosso planeta” (p.235).
Quando falam dos “poluentes da água”, referem-se ao acúmulo de restos orgânicos,
assim como quando falam dos “poluentes do solo”, referindo-se aos restos orgânicos
acumulados nos lixões, que “permitem a proliferação de bactérias não só decompositoras, mas
também patogênicas, como estafilococos, estreptococos e bacilos do tifo e do tétano. Além
disso, atraem ratos e insetos, como moscas e baratas, que acabam propagando essas
bactérias”.
Os autores comentam um pouco mais profundamente quando das “medidas
antipoluentes” e do “controle da poluição do solo”. Nesta parte comentam sobre o destino do
lixo e que existem várias técnicas de “remoção, estocagem e reaproveitamento. Ele pode ser
depositado em aterros sanitários, queimado, utilizado para a produção de adubo e de gás ou
reciclado”. Comentam então sobre os aterros sanitários, sobre a incineração e sobre a
produção de adubo e gás. Continuando, afirmam que “a forma mais econômica e menos
poluidora de tratar o lixo é por meio do reaproveitamento”, comentando sobre as usinas de
reciclagem e o destino do material separado. Na parte destinada à questões para os alunos
responderem, inserem um pequeno texto onde tem dados sobre a quantidade de material que o
Brasil “joga fora” e as vantagens da reciclagem, afirmando ainda que “todo esse material
poderia ser reaproveitado, com amplas vantagens econômicas e ambientais. A reciclagem
resolve vários problemas” (redução de consumo de matéria-prima, redução da quantidade de
lixo, economia de energia e menos poluição do ar e água).
43
4.1.3 Informativos, Folhetos, Panfletos, Cartilhas
E também “Cuidar para não jogar lixo ou detritos nas áreas de nascentes, margens de
córregos e rios, ou mesmo diretamente na água”.
Em Minc (2000) novamente vemos a idéia da reciclagem como dominante e como
solução para os problemas. Na capa, uma foto de uma praia com montanhas de lixo coletadas
durante uma campanha de limpeza e pessoas de mãos dadas. Abaixo dela o texto “limpeza de
praia da Ilha do Fundão mostra necessidade de coleta e reciclagem de embalagens plásticas” e
a chamada “Recicle o Pet!”. Na matéria o autor comenta sobre a limpeza da praia, efetuada
com 100 catadores de uma cooperativa de lixo, e que, “jogadas no meio ambiente, as Pets se
acumulam em rios, praias e na Baía de Guanabara, provocando enchentes e doenças, como a
leptospirose, causada pela urina de ratos”.
São citadas as leis 3206/99 e 3369/00, ambas de sua autoria, que criam normas para a
coleta seletiva e recompra das embalagens plásticas pelas fábricas e de medidas para a
ampliação da coleta e reciclagem, como a melhora do preço pago aos catadores pelas Pets e a
proposta da construção, no Rio, de uma fábrica de reciclagem. Em nenhum momento é citado
outra alternativa para o problema do descarte das embalagens de garrafas Pet no ambiente.
4.1.4 Oficiais
Incluo nesta categoria algumas publicações elaboradas pelo poder público, seja nas
três esferas (Federal, estadual ou municipal) ou quaisquer órgãos.
45
Na Agenda 21 brasileira (Novaes, 2000, p.31), quando fala do “Desafio da
sustentabilidade” e da “Sustentabilidade nas cidades”, ao se referir ao lixo, indica que este
desafio impõe “mudanças profundas nos sistemas de limpeza urbana” e também
impõe-se a adoção de políticas que induzam à redução do lixo, a começar por uma
legislação que, abrangendo todo o ciclo do produto, leve os produtores a receber de
volta embalagens e sucatas e contribua para baixar o consumo de recursos naturais.
4.1.5 Mídia
Eu sei que a vida daquelas pessoas que trabalham no lixão é muito dura. Mas estar
ali é tão digno quanto qualquer outro trabalho. Ver aquela realidade fez com que esse
momento ficasse para sempre na minha memória. foi, sem dúvida alguma, um dos
dias mais emocionantes da minha vida. Por isso, quero voltar lá. Nossos problemas
não são nada quando a gente vai a um lugar daqueles.
48
A atriz, na ocasião, reparou em uma mulher que lá trabalhava, pegou seu telefone e a
chamou para um encontro, quando acertaram detalhes para ajudá-la a ser modelo, incluindo
correção de problemas dentários e mudanças nos cabelos.
Moreira (2004, b) fala de um novo programa de televisão em que há um quadro de
calouros (cantores novatos) onde um juiz decide o destino dos participantes. O melhor cantor
ganhará dinheiro e uma cesta básica, os que não forem aprovados serão lançados em uma cela
ou em um caminhão de lixo: “Existe coisa mais trash do que aprisionar uma pessoa numa
cadeia por ela cantar mal? Pior que existe: jogá-la na caçamba de um caminhão de lixo
cenográfico”.
Albuquerque (2000) faz reportagem especial sobre o lixo, com a chamada na capa
“Cuide do seu lixo, reciclar latinhas, pilhas, plástico e papel é fácil e preserva a natureza”,
com a foto de um jovem segurando latas de alumínio amassadas. A matéria é somente falando
da reciclagem e da sua importância para “proteger o planeta”. No corpo da mensagem frases
como:
não tem coisa mais inteligente, elegante e ecologicamente correta do que não apenas
jogar o lixo no lugar certo (a lixeira, claro) como também saber separá-los de acordo
com suas características. A Terra agradece.
“Lá em casa eu junto as latinhas e dou para a empregada. No colégio do filho dela,
vendem esse material e juntam o dinheiro par comprar computadores.” (fala de
estudante entrevistado)
4.2 Considerações
Diante do quadro analisado, nota-se uma certa lógica, uma coerência em todos os
textos. O lixo é visto como uma questão que deve ser resolvida, ele causa doenças e uma série
de outros problemas. Podemos destacar algumas questões recorrentes: de uma forma geral,
não há discussões sobre as causas reais desta questão, em suas dimensões cultural, social,
política, econômica. Podemos perceber a importância dada à reciclagem, em detrimento de
qualquer análise mais crítica sobre a questão. A solução para a problemática do lixo vem
sempre através de ordem técnica, ou seja, a tecnologia pode transformar a situação. Basta que
a população colabore, não jogando lixo no chão e separando o lixo para a coleta seletiva. A
coleta seletiva e a reciclagem são sempre vistas como as soluções, nunca se questionando as
verdadeiras causas do problema. Pensa-se sempre no destino final do lixo produzido: coleta
49
seletiva x coleta normal, reciclagem x descarte, lixão x aterro sanitário, em detrimento de uma
análise e de uma correlação entre a grande produção de lixo com o consumo e
descartabilidade em que estamos baseando a produção dos bens em nossa sociedade.
A reciclagem muitas vezes também é apontada em seu aspecto artístico, quando
utilizam-se materiais descartados como lixo para a realização de artesanatos. Este tipo de
reutilização de materiais, na maioria das vezes, é apontado como um benefício e solução ao
problema do lixo.
Outros aspectos que podemos observar como recorrentes são o lixo hospitalar e os
catadores. O lixo hospitalar apontado como fonte de doenças e infecções e quanto aos
catadores dando-se ênfase também às crianças que trabalham nos lixões e em como
transformar esta ocupação em uma profissão digna. Atribui-se à estes catadores outras
designações, tais como “agentes ambientais”.
Outras considerações serão feitas ao longo do trabalho, citando-se, inclusive, outras
fontes de pesquisa e comparando-se com as representações dos alunos, que serão descritas no
próximo capítulo.
50
CAPÍTULO 5
As redações foram analisadas uma a uma diversas vezes, buscando-se extrair todos o
discursos possíveis. Surgiram assim vários temas recorrentes nos trabalhos e esses temas
foram agrupados em 7 categorias. Tanto os temas quanto as categorias se intercruzam, pois há
idéias muito parecidas entre eles. A tabela 5.1 apresenta as categorias com seus respectivos
temas, os quais serão analisados um a um detalhadamente. Temos na primeira coluna a
categoria, na segunda os diversos temas dentro de cada uma delas e na terceira coluna os
números referentes a cada tema. Esta última coluna, por sua vez, dividida em três: a primeira
com o número de citações de cada tema, na segunda a quantidade percentual em relação ao
número de redações (148) e na terceira a percentagem em relação ao número total de citações
(758). Os temas foram colocados em ordem decrescente quanto ao número de citações.
Foram analisadas 148 redações, dos anos de 2002, 2003 e 2004. Destas, 54 redações
tiveram como tema apenas “lixo”, sem maiores direcionamentos. As outras (94) tiveram como
tema “O que eu sei sobre o lixo, a lixeira do Morro do Céu e a relação que eu e minha família
temos com ela”.
Das redações foram retiradas todas as citações que encaixassem com os temas
surgidos. Desta forma, tivemos um total de 748 citações distribuídas pelas 7 categorias e 41
temas. Serei fiel às redações transcrevendo-as conforme são; portanto, em todas as citações os
erros de português são originais. Muitas delas estão soltas na redação, apenas indicando que a
criança lembrou do tema e tem conhecimento sobre o mesmo. Nesta situação, quando no
recorte, a frase pode parecer incompleta. Coloquei as categorias em ordem de quantidade de
citações, da maior para a menor.
51
Frequência
Categoria Unidade de registro (tema) Citações % Red. % Cit.
Lixo e morte Lixo como transmissor de doenças 82 55,4 10,81
Atração / presença de vetores de doenças 59 39,86 7,78
Relação direta entre lixo e morte 36 24,32 4,75
Lixo hospitalar 22 14,86 2,9
Lixo contaminado ou contagioso 17 11,48 2,24
Relação entre a lixeira e a violência que vivem 11 7,43 1,45
Total 227 30
Lixeira como Pessoas que trabalham na lixeira 86 58,1 11,34
trabalho Crianças catando ou no lixo 27 18,24 3,56
Eu nunca fui, mas conheço alguém 20 13,51 2,63
Alguém da minha família vai (ou foi) 7 4,72 0,92
Na lixeira “a gente pode ...” 6 4,05 0,79
Vergonha 4 2,02 0,52
Eu já fui, já catei 3 2,02 0,39
Eu já fui, mas não catei 2 1,35 0,26
Total 155 20,45
Alternativas Discursos politizados 42 28,37 5,54
Propostas Referências à reciclagem / usina 40 27,02 0,52
Chamamento à ação 37 25 4,88
O lixo deve sair daqui 24 16,21 3,16
Relação entre o consumo e a produção de lixo 8 5,40 1,05
O lixo não deve sair daqui 3 2,02 0,40
Total 154 20,31
Aspectos Mal cheiro 52 35,13 6,86
Ambientais Chorume 19 12,83 2,50
Sujeira das ruas, chão e outros 15 10,13 1,97
Poluição do ar 14 9,45 1,84
Lixo no mar 9 6,08 1,18
Nojo 5 3,37 0,66
Lixo nos rios e valões 5 3,37 0,66
Lixo como causador de enchentes 2 1,35 0,26
Total 121 15,96
Referências ao poder público 19 12,83 2,50
Institucionais à escola 18 12,16 2,37
a trabalhadores do/no aterro 8 5,40 1,05
a garis / lixeiros 7 4,73 0,92
ao Projeto Chico Mendes 6 4,05 0,79
a médicos 5 3,37 0,66
à mídia 5 3,37 0,66
à creche e orfanato 2 1,35 0,26
à igreja 1 0,67 0,13
Total 71 9,36
Antes e Melhoras no aterro 15 10,13 1,97
depois Como era antes 6 4,05 0,79
Total 21 2,77
Outras Referência a Deus ou religiosidade 7 4,73 0,92
referências Referência a pobres x ricos 2 1,35 0,26
Total 9 1,18
Total geral 758
Tabela 5.1 – Categorias e Temas, com as quantidades absolutas e relativas de cada um
52
Ficaram aqui agrupados os temas que relacionam, de alguma maneira, o lixo com a
morte. Qualquer menção à problemas de saúde, doenças, ou algum aspecto que relacione o
lixo como causador ou tendo alguma relação com a morte, foi relacionado dentro desta
categoria.
Não é com surpresa que constatamos ser a categoria com maior número de citações:
30% do total (227 citações). Das 148 redações, 109 tocaram em algum assunto relacionado
aos seis temas desta categoria, ou seja, quase 74% das redações faz alguma relação do lixo
com a morte ou à problemas de saúde.
Lixo e doenças, lixo e morte, são sempre lembrados, tanto por aqueles que trabalham
no lixo quanto por aqueles que têm uma relação mais afastada. E as relações feitas nas
redações quase nunca têm uma relação causal lógica. Na maioria das vezes são advindas de
idéias pré-concebidas, juntando-se informações adquiridas em diversas fontes. Tanto que
algumas doenças citadas não têm relação nenhuma com o lixo.
Não nos causa surpresa a quantidade de citações desta categoria, pois o lixo sempre foi
associado a problemas de saúde e à morte. Esta relação não é recente, é bem esmiuçada no
livro de Eigenheer (2003) e também é discutida neste trabalho mais adiante.
(...) olixo ele é quase igual a uma fabrica que distribui doenças,(...)
Pela frase acima, podemos perceber um pouco da imagem que os alunos fazem do
lixo. Um dos temas mais citados, aparecendo em 55% das redações e tendo quase 11% das
citações é o lixo como transmissor de doenças.
As doenças citadas são diversas, numerosas e algumas improváveis. A seguir
transcrevo as doenças, seguidas do número de redações em que são citadas: leptospirose (8),
dengue (8), doenças respiratórias (7), dor de cabeça (5), hepatite (1), hepatite B (1), hepatite D
(2), febre (4), diarréia (4), gonorréia (3), infecção (3), pneumonia (3), bronquite (3), asma (2),
alergia (2), dor de cabeça (2), tonteira (2), vomito (2), AIDS (2), e com uma citação apenas,
sinusite, moleira, intoxicação, dor de barriga, feridas, verme, vírus, câncer, doença dos
rramites (sic), iptigo (sic).
53
O lixo ele e muito contaminado por isso muitas pessoas ficam doentes elas ficam com
todas as doenças que esistem (...)
Como vemos, o lixo é transmissor de todas as doenças, inclusive algumas bem pouco
prováveis de se pegar no lixo, como a gonorréia ou AIDS. E sintomas gerais de diversos
problemas também são colocados como causados pelo lixo, como dor de cabeça, febre,
tonteira, vomito.
Percebe-se em muitos casos, uma certa assimilação de campanhas contra determinados
tipos de doenças, como a leptospirose e a dengue. Há diversas citações sobre o perigo da urina
do rato e da acumulação de água em recipientes como pneus ou potes de vidro, embora as
vezes com idéias errôneas associadas:
(...) chovendo fica água nos penêus latas e vasilhas causa mosquito da denque o
mosquito da denque trais varios tipos de deoenças algumas pode a ter matar com
epatiti D (...).
Muitas se referem às doenças que as pessoas que trabalham no lixo estão sujeitas a
pegar. Outro aspecto relevante então, é quanto à necessidade, por quem trabalha na lixeira, do
uso de aparelhos de proteção, como luvas, botas ou máscaras.
Para se trabalhar no lixo tem que usar: luva, máscara, botas, calças compridas, etc...
Este tema está em estreita relação com os outros desta categoria, pois, segundo as
redações, a doença pode vir através de algum vetor, ou por que o lixo é contaminado, ou pelo
lixo hospitalar, ou ainda, pode levar à morte, assuntos tratdos nos itens a seguir.
Outro assunto recorrente, aparecendo em 40% das redações, são os animais a que o
lixo está associado. Os animais ou outros vetores que a lixeira atrai compõem quase 8% de
todas as citações selecionadas. São eles: ratos (44), baratas (21), moscas (19), mosquito (11),
sendo dois deles “mosquitos da dengue” e um mosquito “ aedesejipe”, urubu (11), bactérias
(6), lacraia (4), gatos (4), cobra (4), cachorro (3), insetos (2), cavalo (2), lesmas (2), porco (2),
e com apenas uma citação, larva, vermes, escorpião, gambá, formigas, abelha e até um
“bijinho micobris”.
54
Os animais citados podem ser transmissores de doenças, estarem presentes ou serem
atraídos pela lixeira ou ainda, invadir suas residências. Eles são associados também com
adjetivos do tipo “contagiosos” ou “nojentos”. Como transmissores de doenças o campeão das
citações é o rato, seguido do mosquito da dengue, barata e bactérias:
(...) se tem garrafas peneus com água pode ter mosquito aedesejipe gue pode da
dengue e e pode mata e tabem tem ratos (...).
O lixo é visto como atrativo dos vetores, inclusive atrapalhando a vida dos
moradores, mesmo dentro de casa:
Minha família e contra a lixeira poque alem do mau cheiro trás muita mosca para
dentro de casa e com elas pode vir algumas doenças.
Eu moro aqui mesmo no Morro do Céu e é orível porque quando está aquele solão a
casa fica cheia de moscas que nem o ventilador espantam elas, ninguém consegue
ficar dentro de casa (...)
Chamamos de relação direta entre lixo e morte quando a criança, em sua fala, diz que,
por algum motivo, o lixo pode levar à morte. Foram 36 citações (cerca de 5%) envolvendo a
morte diretamente, estando presente em mais de 24% das redações. O discurso de que “pode
até matar” aparece algumas vezes. Basicamente, o lixo pode levar à morte por causa dos
vetores e das doenças que pode transmitir, que é a maior parte das citações deste tema:
(...) lá tem ratos e se pesar no xixi deles pega lectstopirose essa doença pode até
matar (...) Baquiterias que pode matar pessoas (...)
Uma ves aconteceu um acidente úm medingo estava dormido com muitos jornais em
cima dele o trator passou por cima dele no lixão (...)
Porém, aspectos como a poluição que o lixo causa também podem matar:
O lixo nos prejudica com sua poluição, e por isso muitas pessoas morrem ou ficam
doentes (...)
Pelo que eu conheço o lixo transmite muitas doenças e muitas pessoas já morreram
por causa da poluição que tem lá e também por comer as coisas sem lavar.
Na sua fámilia por que sua casa ficando inundada você além de perder seus móveis e
outras coisas amais você pode perder também a sua familia.
(...) ou guando tiver no ônibus, espere descer procure uma lixeira, não faça como
outras pessoas que taca lata de refrigerate pela janela do ônibus pode pate no
capacete de um motogueiro e matar (...)
Este foi inserido nesta categoria por estar invarialvelmente ligado às idéias de doença e
de morte. Aparecendo em 15% das redações (22 redações), o lixo hospitalar vem sempre
ligado à transmissão de doenças e, consequentemente, à morte:
(...) O lixão tem coisas de ospital que pode passar doenças que pode ser fatal.
(...) la tem muitos materias hospitalares. Como exemplos ciringa contaminada (...)
O lixo ele e muito contaminado por isso muitas pessoas ficam doentes (...)
O lixo e uma coisa que contamina muitas pessoas, quando eles pissão no lixo pode
sair doentes, por que tém muitas siringas com doenças.
Ou ainda com uma pequena confusão com os termos, pois contagiar é transmitir
algo por contágio. Nos casos abaixo, nem o rato, nem o lixo, são “contagiosos”, mas
poderiam contagiar por estarem contaminados:
(...) e também o lixo e contagioso poriço quando alguém vai catar garrafas etc. bota
uma luva e uma bota por causa do xixi de rato e para não pega doencas (...)
(...) temvi uma epoca que deu uma chuva e o lixo deseu passava siria passa cabeca de
gente morta (...)
(...) no Morro do Céu você encontra resto de comida Coisas de hospital, Pessoas
mortas (...)
Nesta categoria foram colocados os temas que relacionam, de alguma forma, a lixeira
com o trabalho e a necessidade de sustentar a família. Vale frisar que o trabalho na lixeira,
nestes casos, é o de catação, daquelas pessoas que colocam a mão na massa dentro do próprio
aterro – em contraposição com outros profissionais que trabalham e vivem do lixo, mas não
têm contato direto com ele, tais como os garis, atravessadores, motoristas de caminhão.
Apesar de receber menos citações do que a categoria anterior (155 citações, 20%).
aparece em quase o mesmo número de redações (109 aquela, 107 esta), demonstrando serem
os dois temas mais abrangentes.
Como esperado e veremos abaixo, pouquíssimos foram os que admitiriam já ter
trabalhado na lixeira – nenhum admitiu que ainda trabalha. Alguns poucos admitiram que
alguém de sua família é catador. Muitos deixam transparecer pelas redações, o que será
analisado mais adiante, um certo conhecimento e uma certa intimidade com a lixeira que só
pode ter quem tem uma relação muito estreita com a mesma. Mesmo assim, não deixam claro
já terem trabalhado ou terem alguém muito próximo que trabalha.
Isto se deve claramente ao estigma que carrega aquele que é catador – o que também
será discutido mais adiante. Por isto, mesmo na escola, no convívio diário, esta relação com o
vazadouro é ignorada, até por aqueles colegas que o sabem. Quando acontece de alguém tocar
58
o assunto, é para menosprezo ou algum tipo de deboche, o que já pôde ser presenciado por
mim.
Segundo Ribeiro e Santos (2000), “os trabalhadores do aterro sofrem discriminação
por parte de outros moradores do bairro, que deles se envergonham” e “o trabalho na ‘lixeira’,
muitas vezes, significa para quem o pratica, a queda no círculo de amizades, principalmente
na escola”.
Este é o tema dentre todas as categorias que recebeu o maior número de citações (mais
de 11%), aparecendo em 58% das redações (86 redações). Foram inseridas aqui todas as
citações envolvendo o trabalho na lixeira ou o fato de alguém morar na lixeira, ou seja, a
lixeira como sobrevivência. Dentro deste tema, pode-se destacar vários aspectos e “sub-
temas” que por si só, dariam análises à parte.
Assim como em Ribeiro e Santos (op.cit.), em que o trabalho é encarado como
obrigatório por ser uma alternativa disponível de renda e complementação a ela, o discurso do
sustento, da necessidade e da sobrevivência permeia quase todas as redações que encaixam
neste tema:
(...) os moradores não tem como se sustentar em casa ai tem gue ir para o lixo (...)
(...) E muitas pessoas pesizar trabalra na licheira para sustentar seus filios si não tem
como se alimentar sua mulher e seu filhos.
(...) tém gente que não pode sustenta os filhos e vão catar comida no lixão.
(...) na lixeira tem gente que falam que eles são obrigados a trabalhar por que não
tem trabalho, e gente que moram lá falam que não tem casa para morar (...)
59
(...) muitas pessoas trabalha no lixo porque eles não tem trabalho. O lixo do morro do
céu tem muita gente morrano-lá porque eles não tem casa
E, mais diretamente, a fome também aparece como um dos grandes motivos para o
trabalho na lixeira, especialmente para catar os restos de comida que são despejados:
Várias pessoas não tem condições de comprar as coisas para comer por causa das
dívidas para pagar e comem coisas do lixo até sem lavar quando estão com fome.
(...) por isso que o projeto Chico mendes acolheu as crianças que viviam lá. (...)
Crianças no lixo nunca mais
(...) porque quando não tenha projeto as criança viviam tudo na lixeira se a prefeitura
não botava o projeto no morro do céu a támbém toda mundo na lixeira hoje não ficou
na lixeira nunca mais ficaram no lixão
Além dessas citações ao projeto, há outras que serão vistas mais adiante. Porém
apenas estas duas indicam que o projeto Chico Mendes retirou as crianças do lixo, as demais
não o fazem, como veremos.
As outras redações deste tema indicam que ainda há crianças trabalhando na lixeira,
conquanto haja uma placa, em uma entrada da lixeira (na verdade, a saída dos caminhões),
com os dizeres “proibido crianças na lixeira”. Talvez os alunos possam estar se referindo a
60
acontecimentos antigos, já passados, mas ainda vívidos em suas mentes. Algumas redações
apenas citam o fato:
Outras demonstram haver, inclusive, conhecidos dos alunos – e alunos – que ainda
frequentam a lixeira:
(...) Pior são meus amigos que catam lixo e quando eles vão para a escola eles vão
fedendo. (...) Coitada dessas crianças. (...)
(...) tenho tristeza de saber gue familias com crianças são meus conhecidos, fazem
dali sua sobrevivencia. (...)
Mas grande parte se refere a esse trabalho das crianças com o mesmo objetivo do
trabalho dos adultos: sustentar a casa. Esse aspecto também aparece em Ribeiro e Santos
(op.cit.), onde elas citam que o trabalho dos adultos na lixeira “é, via de regra, realizado com
a companhia dos filhos, que ‘ajudam’ na seleção do material”.
Alguns alunos se referem nas redações aos que trabalham como tendo a necessidade
(diga-se de passagem, quase obrigação) de “ajudar” no sustento da casa e da família:
(...) Eu sito mas temos que aguentar pos eles precisa do trabalho para sobreviver,
criança trabalhando para se alimentar ajudando seu pais (...).
(...) Tem varios jovens meninos e meninas que em vez de está na escola estão
trabalhando para ajudar em sua casa (...).
Outros se referem às crianças como responsáveis até mesmo pelo sustento da casa e
dos irmãos:
(...), têm filhos que até sustentam o pai a mãe e os irmãos. (...)
Algumas redações, além das que já dissemos lamentarem ou terem pena, demonstram
uma certa indignação, mais do que a simples constatação e lamento:
(...) As mãe bota as criança para trabalhar no lixo. Como as mãe pode ter corage
para botar as criança no lixo (...)
61
5.2.3. Eu nunca fui, mas conheço alguém
Este e os próximos quatro temas se referem a alguma pista, senão falado diretamente,
do trabalho ou de alguma relação mais próxima com a lixeira por parte de quem escreve.
Neste tema, envolvendo 20 citações (mais do que a soma dos outros quatro), as crianças ora
negam que já tenham ido na lixeira ou que tenham alguma relação com ela – mesmo dando
pistas ao contrário, como veremos –, ora afirmam que conhecem alguém que vai. Em vários
casos, ambas declarações.
Em alguns casos, as crianças citam que conhecem alguém que utiliza da lixeira para
sua sobrevivência:
(...) Eu conheço uma menina que trabalha no lixão e ja deve varias doenças trabalha
ela a mãe dela e os irmãos dela (...)
(...).A minha amiga já catou latinha e papelão, mais agora ela está trabalhando para
sustenta a sua família e ela até parou de estudar.
Em outros, citam os conhecidos, mas frisam que sua família não tem nada a ver com a
lixeira, ninguém trabalhou lá, nem depende dela:
(...) e tem muitas gente morando lá, a minha família não mora lá, por que lá não é
lugar para ninguém morar. mesmo assim tem gente que moram lá e tem gente que só
trabalha. e tém gente que pegão coisas para vender. latinhas de servejas mas (eu não
tenho família mas [rasurado]) a minha família não mora tenho meu melhor amigo que
paresse ser um irmão para mim eu gosto muito dele. (...) [sublinhado original]
(...) A minha família não possui nenhuma relação com o lixão do morro do céu, mais
a avó de minha prima possuí, ela mora muito perto da lixeira (...)
Agora, negam que eles próprios dependam, embora saibam que outros dependam. É
interessante notar neste trecho, que após descrever o que cai do caminhão apelidado pelos
catadores (“eles”) de “sacolão”, inclusive que podem cair biscoitos dentro da validade – “mas
é meio difícil” – a criança termina dizendo que, embora more perto, não tem nada a ver com a
lixeira:
(...), tem um caminhão lá que eles dizem que e o “sacolão” esse sacolão cai frutas que
eles podem comer, la cai biscoitos fora da validade alguns na validade mais e meio
difícil cai iorgut, leites, manteiga que os homens que traz pega do mercado que
fiquam fora da validade eu moro perto mais eu não tenho nada haver com a lixeira
62
Há os casos em que admitem que a lixeira deve ser boa, citam algumas qualidades,
conhecem pessoas que dizem que é bom, mas nunca foram, nunca trabalharam:
(...) eu não tenho nenhuma relaçao com o lixãomais eu conheso uma pesso que
trabalha la efala quela e bom. (...)
(...) Eu já pensei em ir trabalhar na lixeira, mais isso não vai ser preciso porque tudo
que meu pai e mãe me deram e estão me dando até hoje eu fico muito feliz pois a
minha vida está maravilhosa se um dia for preciso trabalhar na lixeira não tem
problema pois eu irei, porque ir para a lixeira não é vergonha.
E neste último caso, a única redação em que a conhecida que freqüentou a lixeira é
identificada. Embora ela diga que há coisas boas, ela diz que a lixeira é muito ruim e que ela
mesma não depende deste trabalho:
(...) Daniele da 1001 (nome trocado) já trabalhou na lixeira ela fala que la tem muita
coisas boa (...) Crasa a Deus que eu não tenho que trabalhar na lixeira (...)
Neste tema sete apontam o trabalho de alguém da família, embora não admitam o
trabalho próprio. Visto que uma destas redações é de uma das crianças que admitem ter
trabalhado, temos o total de 9 alunos que, entre eles próprios e a família, admitem um
envolvimento físico com a lixeira. Duas citações são em relação ao tio e referem-se ao
trabalho como algo bom, em que o parente ganha dinheiro, além de outras vantagens:
(...) o meu tio trabalha lá ele nunca trabalho em por ele estár desimpregado não teves
outraopisão por praele e melhor por que e mais perto da casa dele (...)
(...) o meu tio trabalha la e quanto ele volta ele vem cheio de latinha e de aluminio
para amasar e vender ele ganha um dinheiro bom na ligeira (...).
Uma se refere à mãe, mas que já não trabalha mais, o que, neste caso, é visto como
positivo e graças ao projeto Chico Mendes, do “Criança no Lixo Nunca Mais”:
63
Eu nunca trabalei no lixo mas eu se como e porque minha man já trabalho (...) mas
graças adeus autrojeto mia mãe não trabalha mas no lixão
Outras duas referem-se a outras pessoas da família. A mãe e a tia, no segundo caso, já
não catam mais, porém quem o faz é aqui defendido pela necessidade de sustento da família e
pelo fato disto não ser vergonhoso:
(...) Algumas das minhas familia nessecitam da lixeira ninguém tem vergonha de dizer
que trabalham lá. (...)
(...) minha mãe não trabalha no lixo ela trabalha fazendo faxina mais minha mãe já
trabalho no lixo mais agora não trabalha mais nem ela nem minha tia. (...)
Uma das que admitiram que já trabalharam na lixeira, mas que hoje não trabalha
porque o pai não deixa, se refere ao irmão, que ainda cata:
(...) Meu irmão trabalha lá hoje, e tem vergonha, ele cata latinha, fios de estalações
eletricas, metal e aluminio para vender. (...)
E, por último, a que mais detalhes contou sobre o trabalho da família na lixeira; pelo
que o aluno relata, todas as pessoas pararam: três sofreram um acidente, uma arranjou “um
serviço” e a outra foi assassinada:
(...) A minha bisa vó ela já trabalhou na lixeira (...) Minha vó também já trabalhou na
lixeira (...) meu primo (...) Os irmão da minha (...). (...) mataram o meu primo lá na
lixeira.
Outro discurso interessante, que foi agrupado neste tema, foi quando a criança, ao se
referir à lixeira ou ao lixo, não se referiu a ela própria diretamente ao discorrer sobre as
vantagens destes, mas utilizou frases na primeira pessoa do plural; ou nós ou “a gente”. Foram
6 redações com este discurso, não variando muito em suas formas.
Assim, temos os que falam do cuidado que “devemos” ter ao mexer com o lixo:
(...), por isso, temos que ter muito cuidado na hora que andamos descalsos na hora
que comemos algumas coisas que passou da validade (...)
(...) no lixo podemos achar muitas coisas para ser aproveitar (...) poriso devemos usar
mascarar cando for meche com o lixo.
64
E os que falam sobre a ajuda que o lixo “nos” dá, “nos” ajudando a sobreviver:
(...)e também o lixo ajuda muita vida da gente como garrafa, resto de comida
(...) O lixo nos ajuda a sobreviver o lixo tem muitas coisas que podem ajudar nossa
vida e a vida de outras pessoas e também da nossa vida.
5.2.6. Vergonha
(...) se um dia for preciso trabalhar na lixeira não tem problema pois eu irei, porque
ir para a lixeira não é vergonha.
(...) Meu irmão trabalha lá hoje, e tem vergonha, (...) Se for necessário, trabalharia
novamente.
(...) Algumas das minhas familia nessecitam da lixeira ninguém tem vergonha de dizer
que trabalham lá. Vergonha é não ter o que comer e quando chove não tem aonde
durmir as pess dizem que tem vergonha de dizer que trabalha lá por isso que o projeto
Chico mendes acolheu as crianças que viviam lá. (...)
(...) as pess dizem que tem vergonha de dizer que trabalha lá por isso que o projeto
Chico mendes acolheu as crianças que viviam lá. (...)
Apenas 3 declararam que já trabalharam na lixeira, porém que não trabalham mais.
Uma delas, inclusive, é a que foi apontada na última redação do tema 5.2.3:
65
Trabalha na lixeira e muito ruim poque e fendena e da doesa para gente poque eu cei
poque eu trabale muito ano e rangei muito bienro (...) oge eu só muito feiz para
sempe teamo Jesus. muito obigrado
Eu a muitos anos atrás, já trabalhei na lixeira, (...) Só trabalhei lá por que minha
precisava por alimentos dentro de casa, (...) Se for necessário, trabalharia
novamente.
É interessante notar que estas três redações trazem menos descrições da lixeira do que
muitas das outras. Na verdade, a única que faz uma pequena descrição é esta última, à qual
faz menção, inclusive, a um instrumento que os catadores utilizam para rasgar e separar o lixo
despejado pelos caminhões, citado também em Ribeiro e Santos (op.cit.) como “gadanha”:
(...) e também quando cai as caixa la na lixeira eles avança e também te que toma
muito cuidado com as gadanero por que cando eles catas pode pega e machuca.
Muitas outras redações nos dão pistas, como analisaremos em outra oportunidade, de
que conhecem bem a lixeira, mas não admitem o trabalho.
Duas das crianças admitiram que foram na lixeira uma única vez. Dois aspectos
interessantes são que a primeira redação tece elogios ao que o “colega” catador acha na
lixeira, e a segunda faz a ressalva de que “não era para catar lixo”, explicando depois que era
para pegar uma roupa, jogada fora por engano:
eu tenho um colega que trabalha la e quando ele gega lan casa ele vem com um monte
de coisa boas boneco carrinho boneca umonte de coisa. (...) e tambem um dia eu fui la
na lige muito orubu muitas sacola e tem já umas partes que já ta limpinho.
Só uma vez que eu fui lar mais não era para catar lixo. (...)
De certa forma, este tema foi uma surpresa: foram 42 redações nas quais, de alguma
maneira, transpareceu um sentimento de inconformismo com a situação em que vivem e que
se encontra a região do Morro do Céu, mas com alguma conotação política. O inconformismo
não surpreendeu, mas sim o discurso político em muitas delas, inclusive com nome citado. O
ex-prefeito da cidade foi lembrado duas vezes, equivocadamente, pois como vimos, não foi na
gestão dele que a lixeira foi implantada:
(...) esse Jorge roberto silveira trouxe o lixão para ca e agora tenta tira mais não
consegue mais tirar o lixão do morro do ceú
Eu tenho muita raiva do Jorge Roberto pois foi ele que fez tudo isso.
A lixeira do Morro do Cêu, ela tem maís de 15 anos aqui o Prefeito dise que ia tira
ela da qui, Mas nunca cunpril sua pronesa eles Falou, falou e falou e não cunpril e
agora a lixeira esta cada vez Jogando mais lixão (...)
Eu acho que o vereador deve tirar o lixão (...) Meu pai disse que é uma pouca
vergonha que o vereador deve tirar o lixão. (...)
(...) Ai eu pergunto cadê o governo que não vê isso será que eles não sabe que lixeira
e somente lugar de lixo e não um local de trabalho?
(...) Lá na minha rua a onde eu moro tem muitos lixos, os caminhos de lixo vai pegar
os lixos mas uma vez na vida e outra vez na morte Quando o caminhão vai pegar os
lixos eles não pegam tudo deixar sempre lixos espalhados (...).
(...) Falão que vão tirar o lixo da li mais eu não acredito neles (...).
(...) Pelo o tempo que ela esta estalada eu acho que as autoridades já poderia mudar
a lixeira de local. (...)
(...) E devia também tira a lixeira do morro do ceu e botar uma pracinha.
Todos os lixos são jogados ali pos não deveriam ali deveria ser construido uma área
de lazer com picinas, quadras de esportes porque isto sendo construido la as crianças
que vão para a lixeira brincar no lixo poderiam muito bem ir para área de lazer que é
muito melhor que ir brincar no lixo.
Protestos também contra as crianças no lixo, não apenas se referindo ao fato, mas
demonstrando indignação, embora somente três citações:
Alguns fizeram menção à necessidade de trabalho e a relação que isto tem com a
lixeira, inclusive com a possível desativação da mesma:
68
(...) temos ajudar estas pessoas com isso ou o trabalho eles vão pasar fome não quero
que tire o lixo da li se não eles vai passa fome hoje idia precisamos mais de iprego(...)
Por três vezes o discurso se verteu contra as pessoas que sobrevivem do lixo, como se
fosse opção ou falta de força de sair desta vida:
(...). As pessoas fala que a lixeira acabar muita gente morre de fome. Na morre não
por que eles naõ quer enfretar uma casa de familia se eles quiseste trabalhar no
jornal o fluminense tem muitos trabalho de casa de familia. Eles gosta de um mole
eles não pensao em contra um trabalho melho. (...)
(...) o governo está tomando provedencias agora. mais eu acho que não está
adiantando nada por que os moradores do morro do céu não colaboram em vez de
joga o lixo no lixo jogam na lixeira mas aí não adianta nada. quanto mais o governo
limpa mas os moradores do morro do céu sujão. (...).
Por fim, dentro deste tema, uma redação tem conotação política e inconformada do
início ao fim, da qual retiro os primeiros parágrafos:
A lixeira pode contrair muitas doença e tem muitas criança que trabalham na Lixeira.
Alguma delas o Pai e a mãe não tem condição de trabalho e os filhos não estuda e
vai trabalha na Lixeira se todo colaborace nós podia fazer o Brasil sem forme e sé de
alegia.
Por que as criança não tem estudo por que a familia e pobre se fose assim o Paiz
fose to colaborace tinha o Brasil melhor e as criança não ia se badida e a maioria
dele estão no crime por que não sabe nada.
(...) eu não concodo com isso tudo. (...).
Este é o tema da solução por excelência, pois os outros temas desta categoria não
apontam, necessariamente, caminhos para a resolução dos problemas. Também nos
dedicaremos detalhadamente mais adiante. Quarenta alunos se referiram à reciclagem e/ou à
usina de diversas maneiras, mais aprofundadamente ou apenas citando, apontadas como
soluções para o problema do lixo, provavelmente repetindo o discurso que ouvem nos meios
de comunicação e em outros lugares. Porém, nem sempre demonstram ter conhecimento do
que se trata exatamente, confundindo termos ou noções. Porém, nenhuma consideração à
69
reciclagem foi feita em benefício do “meio ambiente”. Alguns apenas indicam que no lixo há
materiais recicláveis:
(...). O lixo também tem algumas coisas para reciclar como o papel, ou uma latinha
de cerveja ou refrigerante ou também plásticos
Poucos são os que parecem ter consciência do que dizem; outros citaram uma riqueza
maior de detalhes, explicitando-se desde a coleta seletiva, até o retorno do material como
outro objeto:
(...) e outros materiais que podem ser reaproveitaos isso se chama reciclagem. A
reciclagem e o reaproveitamento de materiais que podem ser reaproveitados ex: o
papeu e feito a partir do tronco de uma arvore para fazer o papel e presizo cortar a
arvore ou seja ci eles reciclarem o papel não irão precisar recortar a arvore e isso
pode ser feito com outros materiais fazendo assim com que tenha menos lixo no lixão
e com que a natureza saia ganhando.
(...) O lixo também pode ser dividido em 5 classes, para ser reciclado. Ex: plástico,
vidro, papel, metal e materiais orgânicos.
Com o lixo nos podemos fazer varios objeto podemos como a garafa nois podemos
fazer taça deimfeite podemos fazer carinhos, (...)
(...) e dessas garrafas eles fazem pufs, poltronas e várias coisas mais interessantes
para vender e melhorar a sua escola.
A reciclagem ora é vista como uma ajuda àqueles que necessitam, como geração de
renda:
(...), acho que o licho que esta la podia ser reciclado assim alem de entrar um
dinheirinho a mais iria sobrar espasso para outras coisas. Si ouvesse mais insentivo
talvez iriam reciclar mais reciclagem e averia mais empregos
(...). nós devemos jogar o lixo nas reciclagens para conserva a natureza. (...)
A usina de triagem está no imaginário das crianças como algo que vai dar a solução ao
problema do lixo na região:
(...) O único jeito de acabar com isso era continuar as obras da usina e reciclar o
lixo!
(...) tem alguma coisa muito legal que está acontecendo e uma alzima que está
acontecedo lá tem algunas pessoas que vai trabalha lá (...).
(...) e o lixo tava criando uma uzina e não cei porque parou de continuar o trabalho e
grio muito mato(...)
(...) A usina elétrica que serve para separar o lixo demorou varios anos para ser
construida e ficou muito tempo com as obras paradas.
(...) nós asvezes Jogamos lixo depois quando vamos vêr, nós mesmos montamos uma
lixeira, nós podemos tirar-la naõ jogando lixo, (...)
(...), material que se for jogado sempre no mesmo lugar por muitas pessoas acaba se
acumulando. (...)
(...) o mundo deve ajudar nessa batalha (...) nada de lixo na rua junta guanharemos a
batalha contra o inimigo da vida o lixo.
(...) Pense nisso se cada um fazer a sua parte quem sabe um dia teremos controle
sobre o lixo.
Vários outros também escrevem sobre ações que devemos tomar para acabar com o
problema do lixo:
(...) Por isso tapem bem as lixeiras. junte o lixo no saco para que o caminhão do lixo
recolha.
(...) nós sempre devemos botar os lixos dentro de uma bolsa plastica e latas dentro do
galão de lixo ou pendurar no muro para quando o caminhão de lixo passa e leva.
(...). Se todas as pessoas separassem o lixo seria muito melhor e não existiria tanta
poluição (...).
Assim como outras redações, as explicações para o que devemos fazer são, na medida
do possível, racionais e baseadas nas compensações e nos ganhos coletivos que teremos se
soubermos tratar bem o lixo:
O lixo e uma coisa que todos temos que ter igiene e não temos que jogar lixos, nos
rios, praia e no mar porque se você jogar lixo no meio anbiente o seu futuro pode ser
prejudicado.
(...). Nós temos que manter a casa sempre limpa dar fachina na casa 1 vez por semana
e assim não vai ter barata nem ratos (...)
(...) por que você e muitas outras pessoas jogam lixo nas ruas, (...) Então não jogar
lixo nas ruas e rios você vai estar popando a sua vida e a vida de sua fámilia. O lixo é
para ser jogado no lixo. (...). Lugar de liso e no Lixo!
(...) Temos que ajudar a natureza para nós termos a vida mais segura.
(...) temos ajudar estas pessoas com isso ou o trabalho eles vão pasar fome (...) vamos
ajuda
E, por fim, ao inverso dos que fazem um chamamento contra o lixo, há uma que pede
para que “ame” a lixeira, como ela também ama:
(...) não fale que ela fede pode fede mas ela ajuda bastante (...) então ame bastante a
lixeira eu amo ela então ame ela também. (...)
Vinte e quatro crianças fizeram o comentário de que o lixo deveria sair dali. Alguns
ficaram divididos, pois sabem que é a renda de muitas famílias; outros não fizeram menção ao
fato. Este desejo se manifestou apenas em cerca de 3% das 758 citações. Nota-se aqui também
o equívoco de querer que a lixeira, ou o lixo, saia do Morro do Céu, quando sabemos que isto
é impossível. O que pode acontecer é o aterro não receber mais lixo. Porém, o que já está lá,
durante algumas décadas deverá ser monitorado até que não apresente mais nenhum perigo ou
risco à região.
Algumas crianças opinam simplesmente, dentro de suas redações em que falam sobre
o lixo, comentando sobre os problemas que causa:
(...), eu acho gue a lixeira tem gue sair daqui do morro do céu e ir para outro lugar.
(...). A lixeira seria bem melhor ser ela sair de laí por que ser não vão deruba a minha
casa e eu não vou ter a onde morrar (...).
(...), e por isso que eu acho que a licheira deve ser destroida mas antes devem
arranjar trabalho para todos.
(...) Eu e minha familia achamos que a lixeira devia ser tratada e enterrada como
deve ser + as pessoas que dependem dela fossem beneficiadas. (...).
Apenas um citou um pouco mais de detalhes, como as reuniões que existiram sobre o
fechamento e o novo destino do lixo, a usina e o fato de parte do vazadouro já estar sendo
aterrado:
Já teve várias reuniões para acabar para acabar com o lixão. Então ião fazer uma
uzina, tapando o lixo com a terra já está sumindo uma grande quantidade.
Por fim, uma das crianças teve a visão do impacto que uma lixeira causa em um lugar,
visualizando-o em outro, pois se as atividades se encerrarem no Morro do Céu,
necessariamente irá para outro lugar:
(...) Eu quero que um dia vai acabar o que que adianta ela aqui acabar mais em
outro lugar ela ir não adianta nada mais para nois aui ficamos alegre. (...)
Como dito, esta relação aparece poucas vezes, em apenas 8 citações, embora seja uma
relação que cremos fundamental no trato e na solução do problema do lixo, como
discutiremos mais adiante. Reflete, de certa forma, o encontrado na análise do discurso
oficial, do capítulo anterior. Em geral a relação é bem direta, uso e descarte:
O lixo vem de coisas que não + precisamos, ou seja restos. (...) O ser humano, produz
muito lixo. (...)
(...), as pessoas que fizerão o lixo se não fose por nos não ia ter lixo
74
Lixo é uma coisa que quando nós usamos algo e depois joga fora é um lixo, por
exemplo eu uso uma lata de leite e jogo fora essa lata vai para uma licheira maior
tipo a que tem no morro do céu (...).
O lixo já vem sendo produzido há muitos anos, mas nunca foi levado a sério. Por não
ser levado a sério, com o passar dos anos viemos produzindo lixo que demora anos
para se decompor, sujando ruas, rios, matos, etc... (...)
O lixo é uma coisa todos fazem vários proveitos e jogam fora, mais não fazem o
aproveito certos por que tem a coleta dos lixos que são criados, por várias coisas
maneiras ou seja cestos, brinquedos, etc... (...)
Por último nesta categoria, os três que por conta da necessidade das pessoas, acham
que a lixeira não deveria acabar:
(...) não quero que tire o lixo da li se não eles vai passa fome
(...) si alixeira acaba muntas pessoas pasara fome em tam eu acho que alixeira não
deve acaba. (...)
(...). A minha mãe acha que o lixo não pode sair porque tem muitas pessoas que tem
que se sustentar lar no lixo e com tudo isso tem que respeitar o trabalho dos outros.
Apenas estes citaram diretamente o fato de que se a lixeira sair pessoas passarão fome,
pois não têm trabalho nem como se sustentar. Porém sabemos que muitos outros podem ter
dito isto de forma indireta, quando falam, por exemplo, do aterro como forma de trabalho ou
quando nos dizem tudo o que pode ser conseguido dentro da lixeira – inclusive comida (o que
será analisado mais adiante).
75
5.4. ASPECTOS AMBIENTAIS
São outros aspectos negativos do lixo, ligados ao meio ambiente, além dos que já
foram trabalhados na categoria “Lixo e morte”. A diferença é que aqui não se tem uma
ligação direta com a morte. Aspectos como o mau cheiro, poluição, a sujeira que causa em
certos lugares, entre outros, receberam 121 citações , ou seja, 16% do total, em 92 redações.
O mau cheiro do lixo é o campeão de citações nesta categoria. Foram 52 redações que
fizeram referência a este aspecto do lixo, de diversas formas. Como por exemplo,
simplesmente citando o fato:
(...). Eu e minha familia moramos distante mais quanto o sol esquenta é um mal
cheiro horivel. (...), as pessoa que mora lá não aquenta o cheiro. (...).
Como eu não moro no morro do Céu a licheira não me incomoda mas as vezes o
cheiro chega la na minha casa no morro da igrejinha, (...)
Em algumas redações, o mau cheiro foi relacionado a alguma doença ou outro mal:
(...) o lixo comtaminado pode comtaminar o ar que nois respiramo guanto o tempo
esta alrejado podemos cemtir o xeiro do lixo poluindo o nosso ar (...)
(...), nós não podemos entrar por que tem um fedor muito forte para criançar que
pode ficar doente. (...)
O lixo ele fede (...) fede tanto que pousa muitos mosquitosque bota ovo e dos ovos
nascem as larvas(...)
(...) Tem também uma água com chero muito forte e insuportavél (...).
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(...) de baixo de lixo tem um gais címico poriso a liseira fedi munto (...)
Apesar do cheiro, o lixo ainda é bom, pois alimenta e ajuda as pessoas, como já vimos:
(...) No lixo tem coisas boas e coisas ruim, a boa e que alimenta muitas gente, tem
gente que monta até casa, o ruim que (...) tem um geirro ruim (...).
(...) não e cherosa mas ela ajuda aquelas mães (...) não fale que ela fede pode fede
mas ela ajuda bastante (...)
(...) não sei como que ele consegue trabalha com o maul chero do alimento com as
moscas e iseto (...)
O lixo de manhã fedi muito e ainda mais quando da a quela chuva bem forte e quando
da a quele sol bem forte ai vem aquele fedo quado nos estamos tomando café (...).
Quanto ao cheiro incomodar a todos da região, apenas uma redação disse que não (a
primeira abaixo), enquanto outras disseram o contrário:
(...) O cheiro naõ incomoda mas aos moradores, porque eles já estão acustumados
com o mal cheiro.
A lixeira além de transmitir um mal cheiro horrível, (...) Todos que moram aqui em
cima, no morro reclamam do mal cheiro e com razão. (...)
5.4.2. Chorume
O lixo tem uma água preta que chamo de chorume agua preta fede muito (...).
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(...) e a água podre que sai do lixão pode cria muitos problemas muito grave (...)
(...) Um exemplo de um grande problema, é aquela água preta que existe na “lixeira
do morro do céu” chamada de, “churume” o maior problema do “churume” é que só
ao se aproximar dele você corre o risco, de pegar câncer. (...).
(...) Lá tem uma água poluida se ela ter espinhar em você você fica com os seus corpo
todo manchado. E tem uma agua quente e ingual uma água de café cando está
fervendo. (...)
Como era de se esperar, principalmente por quem mora perto, a reclamação em relação
ao cheiro:
(...) Tem também uma água com chero muito forte e insuportavél e o chorume á cor
da água preta e suja. (...).
E dois relatos de alunos que foram fazer uma pesquisa na saída do chorume quando
operários estavam fazendo a obra para contenção e coleta do chorume para tratamento:
(...) eu fui a onde estão fazendo uma obra perguntei algumas coisas sobre o chorume
e o chefe da obra disse que não podia dar nem uma informação sobre a obra eles
fizeram um muro e botaram um portão. pelo o que eu sei estão cavando onde estar
água do chorume e agora esta pouco chorume. O que será que eles estão temtando
fazer ali.
(...). 15/05/03 Nesse dia nos fomos fazer uma pesquisa lá no chorumo. Pedimos uma
informação. Eles não deram porque era proibido. E mandaram nós irmos embora...
Já houve época em que lançar lixo às ruas era comum e aceito social e legalmente.
Apesar de em Roma, já em 45 a.C., haver leis em relação à conservação das ruas – exigindo,
por exemplo, que a limpeza das calçadas até o meio da rua fosse feita pelo proprietário da
casa (Eigenheer, 2003, p. 44) –, a decadência e queda do Império Romano levaram muito das
conquistas sanitárias. Na idade média a situação era outra. Segundo Eigenheer (idem, p.53)
78
ainda no século XIV era costume a armazenagem e o despejo de excrementos humanos e
animais defronte às casas. E complementa: “até 1372 era permitido, em Paris, ‘lançar-se água’
direto das janelas, bastando que se gritasse três vezes: ‘Gardez léau’” – e não se constituía o
lançamento, certamente, apenas de água. Outro exemplo desta época temos em Bordeaux, na
França, onde o volume de dejetos nas proximidades dos portões da cidade eram tão grandes,
que poderiam se constituir em perigo de segurança, pois poderiam ser escalados e
atravessarem-se as muralhas (Juncá, 2004, p. 49).
Hoje no Brasil o hábito de lançar-se fora, em qualquer lugar, aquilo que não nos
interessa mais ainda persiste. Assim, por exemplo, se estamos com um refrigerante em lata na
mão, e ainda o queremos, ficamos e andamos com ele o tempo e distância que se fizerem
necessários. Quando este acaba, ou não mais o queremos, a lata vira lixo e deve ser descartada
– e quanto mais rápido melhor! Quem fuma anda com uma carteira de cigarros – no bolso, na
mão, na bolsa – pelo tempo que for, se ela ainda contiver um cigarro que seja; terminado
aquele último cigarro, a carteira vira algo sem valor e deve ser jogada fora. Muitas vezes estes
objetos, estando a pessoa na rua, vão para o chão.
Quanto a este aspecto, foi destacado pelas crianças a questão do lixo jogado ou
espalhado em lugares diversos. Neste tema entraram as referências ao lixo jogado nas ruas, no
chão – independente de onde – ou em outros lugares “em terra” (pois em mar, rios e valões
são temas em separado, descritos mais adiante).
Neste tema foram 15 citações. Dentre elas aquelas que fizeram a relação direta do lixo
no chão com as pessoas que jogam. Podemos perceber em alguns, inclusive, uma relação feita
entre este hábito e a formação de uma “lixeira”:
(...) O lixo aparece quando nós não cuidamos, jogando lixo nas ruas e assim vai
crescendo e quando vamos ver já está uma lixeira. (...).
(...) a lixeira comecou pasando em geração muitas pessoas jogando lixo na rua aqui
no morro do céu (...).
Há aqueles que dizem que este hábito é errado e não devemos fazer:
(...) nós não devemos jogar lixo nas ruas nas calçadas (...).
(...) O lixo nós nunca devemos jogar os lixos na beira da rua por que pode contaminar
e pode matar os animais (...).
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(...) por que você e muitas outras pessoas jogam lixo nas ruas, (...) o lixo é arrastado e
(...) entope boeros e (...) acaba inundando a sua cidade (...) Então não jogar lixo nas
ruas (...)
5.4.4. Poluição do ar
Houve também uma outra tentativa, embora se referindo à fumaça dos caminhões e o
equívoco de “poluir o ar carbônico”:
Eu vejo o lixo do morro do céu eu vejo como uma poluição do meio ambiente que
polui o ar carbônico e o nosso pumão como assim: assim a pueira dos caminhões
entram nos nossos pulmões fazendo agente torsir, (...). Também quando eles mandam
aquele vapor do lixo do morro do céu (...).
Considerando que as redações não especificam de que forma o lixo polui o ar, a
impressão é que a criança se refere mais especificamente ao cheiro do lixo. Impressão mais
acentuada na última frase da citação acima e também quando a criança se refere ao lixão,
como abaixo:
Eu vejo a lixeira do Morro do Céu não como a pior coisa do mundo, mais sim como
uma poluição do ar que só nos trás doenças e problemas. (...).
(...) o lixo comtaminado pode comtaminar o ar que nois respiramo (...) poluindo o
nosso ar (...)
Outra delas também se referiu às fumaças dos caminhões – que parece incomodar – e
nos disse como o lixo, sendo separado, não poluiria mais o ar:
80
(...), se colocassem filtros as fumaças dos caminhões não poluiriam o ar como o lixo
separado não poluiria o ar.
A praia (ou mar), foi outro local em que o lixo incomodou, aparecendo esta referência
em 9 redações.
(...), e tam- se um saco de lixo cair no mar pode poluir a água e os peixes morrer
porque tem coisas ali dentro tóxicas então tem que evitar de não cair na água, (...)
Também apareceram dicas do que não se deve fazer. Inclusive, das quatro vezes que a
palavra “higiene” apareceu nas redações, duas estão aqui:
(...) não jogue lixo nas praias porque é uma fauta de igiene (...)
O lixo e uma coisa que todos temos que ter igiene e não temos que jogar lixos, nos
rios, praia e no mar (...)
Aparece uma vez a relação, um pouco incompleta, do lixo sendo carreado às praias
pelas águas das chuvas:
(...) quando chove o lixo se espalha pra todos lados como a praia de charitas ele tem
lixo quando eu ia pra praia de charitas um dia chuveu e eu falei assim sabado eu vou
pra praia e quando eu cheguei sabe o que eu encontrei lixos sacola de lixo (...)
E a relação da lixeira, com sua produção de chorume, que irá desaguar na Baía de
Guanabara:
(...) A lixeira não prejudica so moradores local, o chorume que ela produz atravessa
Miterói, São Gonçalo, e vai cair na Baia de Guanabara prejudicando a vida marinha.
(...) E ainda tem o “chorume” (liquido de cor escura escorre dos lixos) que além de
fazer mal deságua na Baía de Guanabara. (...)
Da mesma forma que no mar, o lixo nos rios e valões também aparece, porém com
menos citações (apenas 5), embora eles vivam em uma região de rios. Como já dito, e aqui se
repete, aparece em quatro das cinco citações, as dicas do que não se deve fazer:
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(...). O lixo pode contaminar os rios, lago e cachoeira mas muitas das vezes, são as
pessoas que joga os lixo nos rios lago e cachoeira (...).
(...) nós não devemos jogar lixo nas ruas nas calçadas e nem nos valões. (...).
5.4.7. Nojo
Aqui, as referências à palavra “nojo”. Aqui, no caso, das 5 citações à palavra, três se
referem aos animais que o lixo atrai:
(...) O lixo atrair também muitos animais nojentos com rato, barata (...).
(...) as mosca fica deto de casa as mosca são um iseto muito no jentos. (...).
Na lixeira temos porcos, ratos, baratas, urubus e muitos outros animais nojentos. (...).
(...). Hoje minha relação com o lixo e totalmente distante, meu pai não deixa que
chegue perto do lixo. Só trabalhei lá por que minha precisava por alimentos dentro de
casa, mais ela morrei e hoje vivo com meu pai, que tem nojo do lixo. (...).
(...) Na sua casa por que você e muitas outras pessoas jogam lixo nas ruas, e quando
chove em 1o lugar o lixo é arrastado e em 2o lugar e entope boeros e em 3o lugar rios
transbordam e acaba inundando a sua cidade e também é obvel sua casa e a casa de
outras pessoas. (...)
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5.5. REFERÊNCIAS INSTITUCIONAIS
Como pelo fato, na visão deles, do poder público não fazer o que deveria:
(...) Ai eu pergunto cadê o governo que não vê isso será que eles não sabe que lixeira
e somente lugar de lixo e não um local de trabalho?
(...) Algum prefeito ou governado tinha que acabar com a lixeira tira as crianca do
lixo dar um imprego melhor para esta pessoa.
(...) Eu tenho muita pena nem muita por que eles quer saber se eles pudesem im na
prefeitura reclamar eles tirarar o lixo. (...).
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Além disso, há também reclamações das promessas não cumpridas de retirada da
lixeira o Morro do Céu:
(...) A lixeira do Morro do Cêu, ela tem maís de 15 anos aqui o Prefeito dise que ia
tira ela da qui, Mas nunca cunpril sua pronesa (...)
(...) Muitos políticos prometeram que iam acabar com esse lixo todo do Morro do
Céu, mais até agora nada. (...).
Por fim, há também cinco referências positivas ao trabalho que a prefeitura realiza. O
exemplo abaixo se refere ao trabalho feito na contenção e captação do chorume; o aluno mora
ao lado das obras:
(...) Hoje eu vejo que melhorou muito com o trabalho feito pela prefeitura, (...).
5.5.2. À escola
Por 18 vezes a escola foi citada nas redações. A maioria delas fazendo referência às
crianças que estão no lixo e que, por isso, não vão à escola:
(...) e também não ter um futuro melhor essas crianças inves de está na escola
aprendendo coisas legais elas estão trabalhando inlegalmente.
(...), crianças que ao inves de está na escola estão no meio de um monte de lixo para
poder ajudar em casa. (...)
Aliado ao fato das crianças não estarem estudando, temos a possibilidade de, através
da escola, sermos “alguém na vida” e termos um “futuro melhor”:
(...)Todas as criança deve está na escola todas elas pode ter um futuro melhor. (...) As
mãe desa criança deve trabalha e bota os filhos na escola para ter um futuro melho.
Todas as criança deve ter um futuro melhor não nas lixeiras mais na escola (...)
O que é reafirmado quando comparam o nível de instrução das pessoas (dos adultos),
que hoje trabalham no lixo:
(...) Porque eles não tem estudo sem os estudo eles não consegue emprego É não
consegue vense na vida (...)
(...), respeito quem tem dificuldade a ler, escrever e ter uma escola. (...).
84
Inclusive a escola e as possibilidades que ela traz para o futuro, também são uma
forma de fugir do caminho da violência que muitos traçam:
(...) por que muitas criança naõ estuda para para ter uma vida melhor e pode ir para
os crime porque não estudaram para ser cidadão.?
(...) E eu vejo a lixeira do morro do céu com muito muito lixo, gue eles tentão limpa
reforma mais não consegue (...)
(...) Agora no momento a lixeira está com menos mau cheiro, porque eles estão
aterrando, diz que vão fazer reciclagem (...).
A operação das máquinas é citada algumas vezes, mas como algo perigoso e
inconseqüente, como se estivessem utilizando as máquinas contra os trabalhadores (catadores)
do aterro. Embora acidentes sejam citados mais de uma vez, em uma delas o motorista é
citado em seu atropelamento involuntário:
Ai veio uma caçamba e o motorista já não tinha muito controle e passou com a roda
da caçamba por cima do monte de papelão justamente o monte de papelão que o meu
colega estava dormindo tapado com um papelão. (...)
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(...) Também quando eles mandam aquele vapor do lixo do morro do céu como melhor
dizendo da lixeira. (...).
E por duas vezes, o trabalho que realizaram na saída do chorume foi citado, quando
um grupo de alunos foi perguntar o que estavam fazendo, mas não receberam informações e,
pelo testemunho, não foram muito bem tratados (já citados no tema “Chorume”).
Como dito antes, aqui se encontram as referências aos profissionais que trabalham na
limpeza das ruas e na coleta domiciliar. Também foram poucas as referências, apenas sete.
Duas delas com reclamações:
(...) Lá na minha rua a onde eu moro tem muitos lixos, os caminhos de lixo vai pegar
os lixos mas uma vez na vida e outra vez na morte. Quando o caminhão vai pegar os
lixos eles não pegam tudo deixar sempre lixos espalhados (...).
(...) mais os trabalhadores também tenque colaborar não deixar saco voar como tem
acontecido e etc... (...).
(...) Uma ves na cemana os lixeiros recolhem o lixo que nos jogamos fora jogam no
camilhão oque os levara ate o lixão o lugar aonde fica o lixo de toda a cidane no no
nosso caso no Morro do céu. (...).
(...), la cai biscoitos fora da validade alguns na validade mais e meio difícil cai iorgut,
leites, manteiga que os homens que traz pega do mercado (...)
Foram feitas também algumas referências (6) ao Projeto Chico Mendes, o qual já foi
explicitado anteriormente. Estas referências aparecem também em outros momentos e faço
comentários sobre o projeto mais adiante.
86
Apenas uma citação nos diz claramente que não há mais crianças no lixo:
(...) porque quando não tenha projeto as criança viviam tudo na lixeira se a prefeitura
não botava o projeto no morro do céu a támbém toda mundo na lixeira hoje não ficou
na lixeira nunca mais ficaram no lixão
Enquanto outra diz que as crianças foram acolhidas pelo projeto, inclusive com o mote
da campanha na qual já nos referimos:
(...) as pess dizem que tem vergonha de dizer que trabalha lá por isso que o projeto
Chico mendes acolheu as crianças que viviam lá. lugar de crianças é na Escola é
estudando para ser alguém na vida. Crianças no lixo nunca mais
(...) A maioria se sustenta pelo pete do projeto se não fosse o pete os moradores do
morro do ceú (...). [refere-se ao PETI – Programa de erradicação do Trabalho Infantil]
(...) mas graças adeus autrojeto mia mãe não trabalha mas no lixão
(...)a minha mãe trabalha no progento que foi evitada para tira as criaça da lixeie (...)
(...) tem um projeto que ajudam as pessoas a conseguirem realizar o que quer
aprender O projeto é um lugar que encina ajuda na dificuldade e é um tipo de escola.
5.5.6. A médicos
(...) e ali pisa em vaso quebrado corta o pé vai pro medico e vouta sem o que cume e
vai pra lixeira não tem abrigo e não tem comida.
(...) eles podem fura o pé com a gulha de emgeção a gulha pode ta com algum
remedio e depois pode traze muitos ploblemas para os médicos mesmo assim depois
de sicora mesmo ele não tem casa e ele vai te que volta. mais se ele tivece uma casa e
um trabalho ele não poderia passa o que está passando.
Este fato reflete um pouco a situação citada em entrevista pelo médico do posto de
família segundo o qual, em situação de verminoses, eles curam os pacientes (notadamente as
crianças) e em pouco tempo, questão de talvez três meses, estão de volta com os mesmos
sintomas.
5.5.7. À mídia
(...) tem vezem que vão pessoas para fiumar a lixeira (...).
Outro se referiu a um acontecimento que teria aparecido até na televisão. Seria, talvez,
o mesmo acontecimento, em Olinda, de uma família que supostamente comeu carne humana e
que teria dado início, pela Unicef, ao projeto Lixo e cidadania:
(...) uma ves um casal comeu o peito da muler pensando que era carne até pasou na
televisão (...).
A televisão aparece de novo, mas agora como um fator negativo que envolve as
crianças que trabalham e vivem na lixeira – o fato de não assistirem TV:
(...) Eles vivem de catar lixo. Não vêem televisão, não brincam e o principal, muitos
não vam a escola (...).
E o jornal aparece duas vezes, uma sobre as notícias de morte, de alguma forma aqui
relacionadas como o lixo:
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(...) tome cuidado onde você joga lixo [do ônibus} tome cuidado essas vidas que
morrem que no anuncio no jornal diz essas vidas faz fauta no Brasil ou no mundo (...)
E na outra como fonte de trabalho, através dos anúncios de empregos. Aqui é uma
crítica a quem trabalha na lixeira que “só quer mole” e “se quisesse”, conseguiria um
emprego:
(...) Na morre não por que eles naõ quer enfretar uma casa de familia se eles quiseste
trabalhar no jornal o fluminense tem muitos trabalho de casa de familia. (...)
Não há orfanato no local, mas foi uma vez citado em uma redação que contestou o
racismo e a situação precária de crianças em geral. Em compensação, há anos existe uma
creche que atende aos filhos dos catadores e também só foi citada uma vez. Esta creche se
localizava em um terreno dentro da área do aterro, não encostado ao lixo, de forma precária.
Foi construído um novo prédio, em um terreno em frente ao aterro, perto de uma das entradas.
(...) Por que muitas criança fica no alfanato porque tem na que tem rasismo com
criança morena se alguma pessoa te pedise para adotar uma criança que está com
dõença o que você faria adotace ou não adotace?(...)
(...) Lá na lixeira eles agora tão aterrando vai dece mais para onde era a creche
agora a creche vai para o ponto final do ônibus (...)
5.5.9. À igreja
Uma única vez também foi a referência a uma igreja – sem a orientação religiosa –
citando-se o trabalho assistencialista que fazem com os catadores:
(...) UM DIA A MINHA IGREJA FOI NO LOCAL VER COMO ERA A SITUAÇÃO
DAS PESSOAS QUE CATAM LIXO E AXARAM MELHOR AJUDALAS. (...)
89
5.6. ANTES E DEPOIS
Como dito, algumas melhoras aos poucos o aterro vem sofrendo, e 15 das crianças se
referem a elas, seja por experiência própria (de morar perto, por exemplo, e ver e sentir
alguma mudança), seja de ouvir falar de algo, como a usina, ou ainda ter uma visão mais
externa, visto que, se não moram lá, ao menos estudam perto da lixeira.
Alguns se referiram às usinas, como já mostramos, relacionando-a com as melhoras
que crêem estar acontecendo, mesmo incorrendo em equívocos. Relacionam também o fato da
usina ser bom porque trará trabalho para os catadores:
(...) tem alguma coisa muito legal que está acontecendo e uma alzima que está
acontecedo lá tem algunas pessoas que vai trabalha lá as pessoa que trabalha na
lixeira.
E, além da usina, também o aterramento – que de fato está ocorrendo em certas áreas –
está sendo sentido:
(...) Já teve várias reuniões para acabar para acabar com o lixão. Então ião fazer
uma uzina, tapando o lixo com a terra já está sumindo uma grande quantidade. (...).
(...) como a lixeira já esta sendo aterado e muito bom por que as crianças não vão
ficar com chance de pegar um doença, (...)
Outro aspecto que aparece, junto com outros, é a mudança que ocorrem, como as casas
que são desapropriadas (e outras doadas em outro lugar) e a creche que foi removida:
(...) Alguns moradores estão sendo removidos das suas casas para outra, para dá
lugar a lixeira.
(...) agora a creche vai para o ponto final do ônibus e isso tudo que eu sei sobre a
lixeira do morro do Céu
90
Há algum tempo atrás a lixeira causava um mal para nossa saúde tinhamos que
conviver com mal cheiro moscas, ratos, mosquitos e o chorume que escorria do lixo.
Hoje eu vejo que melhorou muito com o trabalho feito pela prefeitura, as obras para
contenção do lixo e também está sendo construída uma usina p/ reciclagem do lixo.
Hoje mudou muito para melhor contribuindo para minha saúde e da minha família.
A lixeira já está sumindo. Mas não parece que está. (A prefeitura deu um prazo até
junho) (...)
Por motivos óbvios, aquelas crianças que citaram como era a região antes de começar
a receber o lixo, o fizeram através do que os adultos, moradores mais antigos, lhes disseram.
Dois têm uma visão um pouco distorcida da realidade, como se a própria população local
fosse responsável pela lixeira, jogando lixo no local, mas mesmo assim, tentando definir
como o lixo foi parar naquele local:
Eu sei que a lixeira do moro do ceu era um lago muito bonito e as pessoas poluiram
ele e ele secol e foi jogando mais lixo nele e ele agora e a lixeira no moro do ceu
(...). a lixeira comecou pasando em geração muitas pessoas jogando lixo na rua aqui
no morro do céu tinha muito mato arvores intam cortaram as arvore capinaram ate
deixar um bam espasso para jogar lixo entulho (...).
Outros apenas comentam de como era o local antes, sem entrar em detalhes de como a
lixeira pode ter ido para lá:
Há muitos anos que a lixeira já está aqui, mais ou menos 18 anos. Quando entrou a
lixeira, só tinha árvore era um lugar muito bonito, não tinha, mau cheiro, nem
mosquito. Os moradores tinha mais saúde, as suas casas tinha mais valor. Há única
coisa que melhorou foi que fizeram asfalto, e água encanada, rede eletrica e rede de
esgoto. (...).
91
5.7. OUTRAS REFERÊNCIAS
(...) e tem muita gente rica que ajuda os pobre para não passa fome e da casa para
eles não durmi na lixeira e não come coisa estragada do lixo porque faz muito mal
(...).
Na lixeira do Morro do Céu moram muitas pessoas pobres que catam restos de
comida para ter o que comer (...)
Seis alunos se referiram a Deus, dentre eles aquele que se referiu à igreja, já citado.
Três referências foram com as expressões “graças a Deus” e “se Deus quiser”, normalmente
utilizadas, o que sugere que possa ter sido apenas força de expressão:
(...) mas graças adeus autrojeto mia mãe não trabalha mas no lixão
(...). minha familia graças a deus nunca passou essas necissidades Minha mãe e meu
pai disseram que quando eles se casaram passaram sertaz nessecidades.
(...). A lixeira seria bem melhor ser ela sair de laí por que ser não vão deruba a minha
casa e eu não vou ter a onde morrar mais mesmo assim eu estou feliz por quê se não
fosser deus na minha vida eu estaria muito triste. (...)
(...) oge eu só muito feiz para sempe teamo Jesus. muito obigrado
92
5.8. OUTROS ELEMENTOS
Esta categoria está colocada à parte das outras, pois não entrou nas estatísticas
apresentadas na tabela 5.1. Considerei os temas aqui abordados muito subjetivos para se fazer
uma contagem, com o risco de se incorrer em erros. Porém, são temas extremamente
importantes para o estudo e para o entendimento da forma de pensar das crianças.
Temos aqui analisados os equívocos cometidos, algumas lendas ou histórias
repassadas de boca em boca, as possíveis apropriações do discurso oficial, a descrição que
alguns alunos fazem do que há na lixeira e a visão que eles têm do lixo e da lixeira como algo
bom ou ruim.
(...) E as vezes até uma lixeira tira a vida de um ser humano, como a do meu colega
que trabalhava a noite na lixeira, e teve um certo dia que ele foi trabalhar na lixeira
com os colegas há noite e estava muito cansado e deitou pra dormir num monte de
papelão, perto da estrada onde os caminhões passavam. Ai veio uma caçamba e o
motorista já não tinha muito controle e passou com a roda da caçamba por cima do
monte de papelão justamente o monte de papelão que o meu colega estava dormindo
tapado com um papelão. Foi tarde demais o motorista passou com a roda por cima da
barriga dele. Ele morreu no meio do lixo, mais justamente no meio desse lixo que ele
ganhava a vida trabalhando para sustentar a família dele
93
Este fato, pelo que pude perceber em conversas com pessoas que trabalham na região,
é verdadeiro e realmente uma pessoa morreu desta forma. Um outro que, certamente, não
passa de lenda – pois aparece em outros lugares como verdadeira – como vimos, é a da
família que comeu o seio:
(...) Eu já ouvi falar por ai que uma familia que trabalhava e morava na licheira
comeu um ceio que foi jogado lá e o ceio estava com cancer de máma e moreram.
(...) Teve uma vez que uma criança meteu a ciringa que ele achou no pai e o pai
pegou adis e infeslimente ele faleceu (...). Uma ves aconteceu um acidente úm
medingo estava dormido com muitos jornais em cima dele o trator passou por cima
dele (...) uma ves um casal comeu o peito da muler pensando que era carne até pasou
na televisão (...).
(...) a lixeira comecou pasando em geração muitas pessoas jogando lixo na rua aqui
no morro do céu tinha muito mato arvores intam cortaram as arvore capinaram ate
deixar um bam espasso para jogar lixo entulho varios lixos foi jogado fora nolixo
coisa que estam bom jogaram fora sem camdo que estava rum (...).
(...) Teve um dia que ia indo pra o serviço atarde acabei dando de cara com um pé
que os carros dos ospitais jogam ali. (...)
(...) Uma vez a colega da minha prima deu pra ela batata da lixeira para ela. Ela
comeu sorte que ela não morreu (...)
Quase cem redações citaram objetos que são encontrados no lixo. Alguns citaram
apenas os mais conhecidos: latinhas, garrafas Pet, papelão. Digo serem os mais conhecidos
porque são, de certa forma, sempre notícia nos meios de comunicação, seja com os problemas
que trazem (as garrafas Pet invadindo praias por exemplo), seja em projetos de coleta seletiva
– especialmente as latinhas. Inclusive são eles que estão presentes nos latões coloridos
característicos da coleta seletiva: papel/papelão, plástico, vidro, metais.
94
Outros alunos foram de uma riqueza de detalhes impressionante, com um grande rol
de coisas, objetos, alimentos; tudo aproveitado por eles. Nesta categoria podemos ver também
a relação que eles têm com o lixo: embora, com poucas exceções, como já vimos, eles
neguem ou omitam uma relação mais estreita com a lixeira, aqui muitos a descrevem
minuciosamente.
Os objetos podem ter sido citados pela criança com o intuito mesmo de dizer o que
tem na lixeira ou podem aparecer dentro de uma frase em que ela comenta o que as pessoas
catam e com o que sobrevivem. Considerei aqui qualquer citação a algo que se encontre no
aterro, que “cai14” ou que as pessoas jogam fora e vai parar no aterro.
Vou citar todos para dar uma visualização melhor, além dos recortes das redações.
Novamente cito o objeto e ponho em parênteses a quantidade que apareceu (se não há
quantidade, apareceu só uma vez). Faço uma separação entre duas coisas que são iguais, mas
que a criança tenha colocado um adjetivo. Por exemplo, “comida” e “comida estragada”.
Consertei também, aqui, os erros de português.
Objetos citados nas redações: roupas (4), roupa velha (2), roupas novas, sapato velho,
sapatos (2), tênis, martelo, prego, serrote, madeira (5), caixote, tábua, jogo de faca, jogo de
talheres, jogo de prato, jogo de cama, colchão (2), esponja de lavar, sabonetes, sabão, faca,
mesa (2), cadeira (2), cama, sofá, janela, porta, agenda eletrônica, cortina, coberta, meia, laço
para prender o cabelo, bolsa, pano, cd, radio relógio, radio, televisão (2), radinhos, armários
(2), panelas, dinheiro (2), mochilas (2), lousa, livro (2), caderno (4), lápis (2), caneta,
lapiseira, borracha (2), apontador (2), dicionário, quadro de giz, lápis de cor, hidrocor,
taboada, pedaço de bicicleta, pedaço de carro, fios, fios de instalações elétricas, pneus (3),
pilha, cachorro morto, bichos mortos (2), animais mortos, rato morto, passarinho morto,
barata morta, urubu morto, cocô (3), pessoas mortas (2), crianças mortas, neném morto,
boneca (2), carrinhos (2), roupinhas, bola furada, bonecos, boneco quebrado, rodas, brinquedo
velho (2), brinquedos, coisas de hospital, agulhas (2), agulhas contaminadas, agulha de
injeção, seringa, seringas contaminadas, luvas, gazes de hospitais, um pé, pernas amputadas,
braços amputados, peito de mulher, fraldas de neném com cocô, garrafas (14), garrafa de
álcool, garrafas de refrigerantes, garrafas Pet (3), garrafas de vidro, garrafas de plástico (33),
sacos plásticos, plástico (33), lata de leite, latas (10), lata de óleo, lata de massa de tomate,
latinha (33), latinhas de alumínio (2), latinhas de refrigerante (2), latinhas de cervejas, metais
(15), alumínio (10), cobre (3), Ferro (6), ferro velho, vaso quebrado, cestos, vasilhas, sujeira,
carniça podre, entulho (2), resto de terra (2), papel (18), papel branco (2), papel colorido,
14
Esta expresão é muito utilizada para designar os materiais que os caminhões levam para o aterro. Diz-se que lá
“cai” isto ou aquilo. Por exemplo, “Lá cai muita comida”.
95
papel de biscoito, papel higiênico sujo, papelão (23), caixa de papelão, jornal (5), revistas,
vidros (11), pote de vidro, vidro quebrado, vidro de copo, jarra de vidro, caixa de leite, pote
de manteiga, saco de açúcar, pote de vidro de maionese, saco de sal, materiais orgânicos,
legume (6), carne (4), biscoito (5), iogurte (4), arroz (5), feijão (4), macarrão (3), frutas (7),
frutas estragada, restos de frutas, uvas, maçãs, chuchu, caqui, tomate (2), batata (2), cenoura,
mamão, manga, pêra, banana, melão, verduras, leite (3), salsicha, queijo, mortadela, presunto,
doce, balas, chocolate, manteiga (2), comida que nós não comemos, resto de comida (15),
comida (11), comida estragada (2), restos de comida estragada, comida contaminada,
alimentos (3), alimentos contaminados, carnes contaminadas e estragadas, carne podre, carne
estragada, pedaços de coro de galinha, muita coisa que vem de mercado.
Podemos perceber a quantidade de materiais citados, chamando atenção a diversidade
e detalhamento dos alimentos que são achados. Muitas vezes nas citações, estes alimentos são
referidos como de consumo das famílias que lá trabalham.
Temos diversas redações que apenas citaram os tradicionais e mais conhecidos
materiais, como falamos:
O lixo, plasticos velhos, papeis rasgados, garrafas de vidro quebrado e ate restos de
comida (...) peganto latinhas de aluminio, papelão, papel ferro (...).
É interessante que estes lixos são, na maioria das vezes, relacionados à catação e à
reciclagem, chegando até a detalhes da separação:
(...) tem muitos lixo que pode ser reaproveitado como plastico papel, mental, vidro e
outras coisas mais (...).
(...) O lixo também pode ser dividido em 5 classes, para ser reciclado. Ex: plástico,
vidro, papel, metal e materiais orgânicos. (...).
(...) Por exemplo: lixo de hospital vem as vezes pernas e braços anputados, agulhas
contaminadas, luvas e roupas.
Alguns não escondem o que pensam: há muitas coisas legais. Há muita coisa ainda
boa e é uma satisfação achá-las. Como nos aponta Eigenheer (2004, p.56), “são outras as
‘coisas’ que fazem a alegria dos catadores (...) Que grande prazer este de ‘achar coisas’!”:
(...), tem a coleta dos lixos que são criados, por várias coisas maneiras ou seja cestos,
brinquedos, etc... (...)
(...) ele vem com um monte de coisa boas boneco carrinho boneca umonte de coisa.
(...) e as fezes eles acham ate dinheiro acha 1, 2, 3, 4, (...).
(...) O papelão da para fazer estantes A garrafa da para fazer cadeiras (...)
(...) com lixo, podemos faze vido, mesa, cardeira, livro, cardeno, pastico, metais. (...)
Os brinquedos...
(...) eles cantam bola furada e bonecos quebrado e roupas velha. (...)
As comidas são muito citadas também. Muitos se referem aos alimentos que caem
como fonte de alimentação das pessoas; muitas vezes a única fonte:
(...) têm um que morre de fome é quando trabalha encontra pedaços de coro de
galinha ou de carne estragado (...)
(...) caminhão cheio de biscoito, chocolate (...) tem vezes que vem ate macarrão,
manteiga, arroz muitos (...).
Outra questão que aparece com certa frequência são os corpos que aparecem, sejam
animais ou humanos:
E dinheiro:
(...) cha teve gente que cha ajou dinheiro (...) tem um esgoto de lixo (...) latinha e de
aluminio (...) garrafa plastico aluminio latinha cachote (...) caminhão de comida (...).
97
Por fim, algumas redações são bem detalhadas – apesar das crianças não admitirem a
frequência no aterro –, demonstrando a satisfação de encontrar coisas: comida, objetos,
utilitários...
(...) as vezes as pessoas coseque aranja biscoito iogurte leite aroiz e feijão carne
salsixa macarão coisas que ele não tia a ouder ele aranjar e as vezes eles aranja
legumes frutas e roupas novas e teneis sabonetes sabam (...) lar cai muita taubar e ela
pequar para fazer sua casa elar tabei já caiu martelo pergor e seronte jogo de faca e
de taleres e de pranto e de cama coichaõ espoxa de lava lousa e ater cai coisa de
hospital de colégio cai livro caderno lápis caneta lapizera borracha apodardo
dicionario genda eletronica grandro xiz lápis de cor edrocor lápida taboada janela
para ponta na casa para colocar nas escola cai porta para coloca no colégio e nas
casas que fauta porta mesa para colocar nas casas que não tei camar sofar radio
relog para as casas que não tei relogio radio televisão cortina corberta meia laço
para abeder o cabelo bousa para careca as coizas moxila para caregar material para
colocar material da escola para as crianças entra na escola (...).
(...) tem comida estragada tem rato morto e tem garrafa e tem roupa velha e sapato
velho e tem briquedo velho (...) caixa de leite e papel de biscoito e vidro de copo e de
jarra de vidro e tem passarinho morto e tem também lata de óleo e lata de massa de
tomate (...) e as frutas estragada (...) e tem urubu morto (...) barata morta tem papel
higiênico sujo tem caixa de papelão (...) pote de manteiga e saco de açúcar e pote de
vidro de maionese e saco de sal e outras coisas (...)
5.8.3 Equívocos
Nas falas das crianças percebemos diversos equívocos em relação aos assuntos
abordados. Seja em relação ao próprio lixo, às doenças relacionadas, aos processos de
reciclagem ou outros. Temos também o que pode não ser um equívoco, mas um exagero, um
excesso em relação ao tema; grande parte deste tema se refere aos exageros relacionados aos
perigos que o lixo traz.
As falas, em geral, refletem, como poderemos ver, os temas e os discursos oficiais,
porém quase sempre com estes equívocos associados. As visões sobre o lixo podem vir, por
exemplo, distorcidas, exagerando alguns de seus aspectos:
(...) voces conhesem o lixo toquicico ele e o mais perigoso poque ele pode fazer nos
animais multações que quase ninguem conhese es esas multações podem se pasadas
para você se isso passar para nos os humanos e mundo vai virar um caus pessoas
morrendo e sofrend florestas destruidas (...)
Equívocos e exageros sobre as doenças também são comuns, em parte já vistos quando
analisamos o tema “Lixo como transmissor de doenças”. Os equívocos aparecem seja
98
confundindo a doença pelo vetor, confundindo os próprios vetores ou superestimando o poder
de contaminação do lixo, com doenças que não têm nenhuma relação com este. Ainda assim,
se a doença pode ter alguma relação com o lixo, não há como provar que sua aparição se deu
por conta da lixeira. Ao lixo é até mesmo conferindo a culpa por toda e qualquer doença:
(...) olixo ele é quase igual a uma fabrica que distribui doenças, (...)
O lixo ele e muito contaminado por isso muitas pessoas ficam doentes elas ficam com
todas as doenças que esistem (...)
(...) Também á doenças como agonorreia (...) Doencas como parada respiratoria é
muito grave pode até matar. (...)
(...) Ela tem muito gais que podera estora a qualquer momento e algem jogar um
palito de fosforo ele pode esprodi ali podera esprodir a calquer momento (...)
Eu vejo o lixo do morro do céu eu vejo como uma poluição do meio ambiente que
polui o ar carbônico e o nosso pumão (...).
Nos parece que às vezes as informações são tantas que confundem a cabeça,
dificultando o registro de algum raciocínio lógico:
Eu acho que o lixo não e bom pras pessoas como alguns lixos como água chorume
doenças, população, hospital, posto farmacias etc. (...)
(...) O lixo aparece quando nós não cuidamos, jogando lixo nas ruas e assim vai
crescendo e quando vamos ver já está uma lixeira. (...) Em Niterói a uma lixeira no
morro do céu Caramujo, e nessa lixeira a muita coisas que vem de toda a cidade, (...)
(...) a lixeira comecou pasando em geração muitas pessoas jogando lixo na rua (...).
Ela é uma lixeira que ajuda as famílias que nesicitam e tambem pra fazer resiclagem
pra a Escola m. J. D. Anchieta (...) se não foce ela a Escola m. J. d. anchieta não ia
ter uniforme por que as coisas desa Escola e tuda resiclado (...)
(...), emfim tambem começaram alzinas de reciclagem que recicla o lixo ospitalar.
A responsabilidade da lixeira ter ido e estar no Morro do Céu, para algumas crianças, é
do recente ex-prefeito, que esteve no poder desde 1989:
(...) Eu tenho muita raiva do Jorge Roberto pois foi ele que fez tudo isso. (...)
(...) esse Jorge roberto silveira trouxe o lixão para ca e agora tenta tira mais não
consegue mais tirar o lixão do morro do ceú.
A lixeira do Morro do Cêu, ela tem maís de 15 anos aqui o Prefeito dise que ia tira
ela da qui, Mas nunca cunpril sua pronesa (...)
(...) na lixeira do morro do céu tem muito lixo os garis já trabalharam mais de cinco
anos para tirar todo o lixo e ainda não tiraram todo o lixo (...).
(...) isso tinha que acaba o governo está acabando com isso atá que fim mas os
moradores não colaboram (...)
100
Como vimos em diversos depoimentos, o cheiro incomoda às pessoas, ao contrário do
que afirma esta redação:
(...) O cheiro naõ incomoda mas aos moradores, porque eles já estão acustumados
com o mal cheiro.
Penso ser um equívoco achar que as pessoas não querem trabalhar. Diversos estudos
com catadores, em diversas fontes, já citadas, apontam a falta de opção como causa das
pessoas estarem trabalhando como catador. Pode acontecer de alguns estarem trabalhando
desta forma por opção, mas a grande maioria não parece ser o caso:
(...) As pessoas fala que a lixeira acabar muita gente morre de fome. Na morre não
por que eles naõ quer enfretar uma casa de familia se eles quiseste trabalhar no
jornal o fluminense tem muitos trabalho de casa de familia. Eles gosta de um mole
eles não pensao em contra um trabalho melho. Se eles quiseste trabalhar mesmo eles
se mostrava orculho do trabalho. Eles pensão que catar latinha leva au um fututo,
pensa mais não leva catar jornal, papelão, aluminio.
Eu sei sobre o lixo que as pessoas gostão de trabalha na lixeira do morro do céu (...)
Também consideramos um equívoco achar que não há mais criança (ou ao menos
adolescentes) trabalhando na lixeira. Ou ao menos que nunca mais irão:
(...) porque quando não tenha projeto as criança viviam tudo na lixeira se a prefeitura
não botava o projeto no morro do céu a támbém toda mundo na lixeira hoje não ficou
na lixeira nunca mais ficaram no lixão
O que eu sei sobre a lixeira é que milhares de pessoas vivem e trabalham no lixão(...).
Ou, até mesmo, em relação aos ganhos destas pessoas, que podem ser exagerados para
cima ou para baixo. Em Ribeiro e Santos (op.cit.), 15% dos entrevistados têm renda familiar
menor que um salário mínimo, 10% igual e 75% maior. Em Dib-Ferreira (op.cit., p.34), cerca
de R$ 600,00:
(...) Pessoas que por falta de oportunidade de emprego em outro lugar vai para
lixeira catar papelão e garrafas plásticas para ganhar as vezes menos da metade de
um sálario ou uma cesta básica que não dura nem um mês(...)
(...) Mas também as pessoas que trabalham na lixeira temque trabalhar na lixeira tem
suas casas e si arrumam melhor do que as pessoas que trabalham fora. Elas so andam
de roupas demarca saparos caros e ganham bem tem uns tem moto
101
5.8.4 Bom x Ruim
O lixo é uma coisa todos fazem vários proveitos e jogam fora, mais não fazem o
aproveito certos por que tem a coleta dos lixos que são criados, por várias coisas
maneiras ou seja cestos, brinquedos, etc... (o lixo é bom, tem coisas “maneiras”) O
lixo também transmite várias doênças incuráveis. (o lixo é ruim) Muitos precisam do
lixo para sobreviver, catam latinhas, papelões e plásticos vendem, e com o dinheiro
do lixo, eles compram os alimentos para suas famílias. (o lixo é bom, traz dinheiro
para quem precisa) E várias pessoas morrem com as doênças que as pessoas pegam
no lixo. (o lixo é ruim) Várias pessoas não tem condições de comprar as coisas para
comer por causa das dívidas para pagar e comem coisas do lixo até sem lavar quando
estão com fome. (o lixo é bom, trás comida para quem tem fome) Também o lixo tem
um cheiro nojento que embrulha os estomagos e dár moscas que causa doênças. (o
lixo é ruim)
Porém, considero este aspecto muito relativo, pois em certos momentos é difícil
decifar o sentimento da criança em relação ao lixo. Muitas vezes é neutro, apontando aspectos
ora técnicos, de quantidade, de atitudes, do que se deve fazer, de simples constatações. Outras
há opiniões expressas com mais clareza. Considerei aqui como positivo qualquer menção à
serventia do lixo, mesmo se a criança não diga se acha que seja bom ou ruim. Se serve para
algo, se alguém o utiliza, deve ser bom. Assim, menções à pessoas que o utilizam para
trabalho, moradia (no aterrro), ou comida, considerei como algo bom. Mesmo assim, dentro
do fato de “ser bom”, há nuances entre aqueles que afirmam o fato e aqueles que apenas
deixam a entender. Por outro lado, qualquer menção à problemas que pode trazer, considerei
como ruim. Desta forma, sem contar as palavras e pensamentos neutros, que aparecem
também na quase totalidade das redações, teremos algo em torno de 14% apontando somente
aspectos positivos do lixo, cerca de 25% apontando somente os aspectos negativos e cerca de
56%, apontando ambos. Estes últimos ora têm um discurso bem marcado, ora tendem mais
para um dos lados.
Para facilitar a compreensão, separei as análises em três grupos: o lixo como algo
bom, o lixo como algo ruim e o lixo como algo bom e ruim ao mesmo tempo.
102
Em primeiro lugar, aqueles que acham o lixo uma coisa boa. Estes não apontaram
nenhum aspecto negativo. A redação abaixo talvez seja a mais carcaterística deste grupo –
embora fazendo referência ao mau cheiro – pela reverência com que a lixeira é tratada, o que
demonstra um pouco a representação e a importância do lixo para certos alunos. Deixei em
negrito as duas conjunções “mas” que aparecem após a referência ao cheiro, demonstrando
que este pequeno aspecto negativo não faz diferença em sua opinião:
Ela é uma lixeira que ajuda as famílias que nesicitam e tambem pra fazer resiclagem
pra a Escola m. J. D. Anchieta e tambem da trabalho pra recicla mas ajuda. A minha
relação com ela e muito boa e da minha família tambem quanto eu vejo ela fico
emprecionada por causa disso não e cherosa mas ela ajuda aquelas mães que quer
abraça os seus filhos mas naõ pode por que não esta vivo por causa da nesecidade ela
que ver a quelas pessoas nesecitada comendo indo pra Escola e sendo feliz não fale
que ela fede pode fede mas ela ajuda bastante se não foce ela a Escola m. J. d.
anchieta não ia ter uniforme por que as coisas desa Escola e tuda resiclado então
ame bastante a lixeira eu amo ela então ame ela também. Essa e a minha Redação. E
a minha Relação com ela. A minha palavra a minha opinião. E o meu grande amor
por ela.
As outras redações foram mais comedidas nas palavras, mesmo apontando alguns
aspectos positivos. Algumas apenas apontaram serventias ao lixo, como por exemplo, para
catar coisas para a pessoa sustentar a família, ou seja, o lixo é bom porque ajuda aqueles que
têm dificuldade, não têm outra opção, não os deixando passar fome e outras necessidades.
As pessoas trabalha na lixeira para trazer dinheiro para compra alimentos para sua
familia (...)
Eu sei sobre o lixo que as pessoas gostão de trabalha na lixeira do morro do céu para
sustenta suas familhas, (...)
A lixeira é muito importante para a quela familia que não tem trabalho elis vive da
quele lixo para pode sobrevive a maioria da quela pessoa não tem serviço (...).
Outros defendem, inclusive, a manutenção do lixo, por ser ele a fonte de renda e
sustento de diversas pessoas:
103
O lixo tem muitas pessoas que trabalham para se sustentar. (...). A minha mãe acha
que o lixo não pode sair porque tem muitas pessoas que tem que se sustentar lar no
lixo e com tudo isso tem que respeitar o trabalho dos outros. (...)
Este sustento através do lixo foi também uma vez apontado como alternativas à
outras formas de se ganhar dinheiro, que seriam menos dignas:
Eu sei que na lixeira e uma forma de ganhar dinheiro e tem as coisas sem necessidade
de roubo. (...)
(...) Para algumas pessoas o lixo não passa de lixo! E ainda criticam pessoas que
dependem do lixão. Essas pessoas geralmente não dão a minima para a reciclagem, é
como já disse, para essas pessoas lixo é lixo.
O que eu sei sobre a lixeira do morro do céu é que ele pode ser resiclado (...).
Com o lixo nos podemos fazer varios objeto podemos como a garafa nois podemos
fazer taça deimfeite podemos fazer carinhos, e etc (...)
Por fim, a exaltação das coisas que se pode achar na lixeira, vista quase como que
uma “loja”, onde as pessoas podem conseguir “coisas que eles nem poderiam imaginar”:
O lixo e uma lixeira a ouder todo mundo não tei a ouder arajar trabalho e eles vão
trabalha na lixeira para aranja dinheiro para alimenta os seu filhos (...) as vezes as
pessoas coseque aranja biscoito iogurte leite aroiz e feijão carne salsixa macarão
coisas que ele não tia a ouder ele aranjar e as vezes eles aranja legumes frutas e
roupas novas e teneis sabonetes sabam e as vezes a te cai coizas que eles nem poder
imagina nas vidas dela esas coizas que eles nei imaginas com dinheiros eles nuncar ia
aranja coizas assim que cai no lixo (...).
104
5.8.4.2 O lixo como algo ruim
(...) muita poluição (...) muitas doensa (...) nestes alimento podem comte baquiterias
vermis (...) pode estar comtaminadas que podem trazer vareas duensa (...) podem
chamar muitos animais tipo rato animal muito perigoso que pode trazer muitos tipos
de doensa (...)
(...) o lixo pode acaba com a natureza poxa a coitada das planta das flores e dos
animais podem pega doensas e ate morrer (...) junta guanharemos a batalha contra o
inimigo da vida o lixo.
O lixo ele e muito contaminado por isso muitas pessoas ficam doentes elas ficam com
todas as doenças que esistem (...).
Nestas redações, o lixo é o inimigo da vida, transmite todas as doenças que existem,
polui tudo. O aterro se mostra um local maculado por diversos aspectos, como na redação
abaixo, onde temos, só nela, doenças, “faca”, insetos (vetores), lixo hospitalar, ligação com
a morte e a violência:
O lixo pode causar varios estrago e poluição as maiorias das vezes o lixo causa até
doença e pode até matar. O lixo pode contaminar os rios, lago e cachoeira (...).
(...) ela tem um tipo de chorume que solta um cheiro forte trazendo doenças
contagiosas prejudicando a saúde, é um tipo de gás contaminando todo o ambiente.
(...)
105
As duas redações seguintes são bem características neste grupo. Estão transcritas na
íntegra, porém separadas, por mim, por frases e com marcadores, pois creio que ficará
melhor a visualização:
O lixo trás os lixo ospitalar que pode trazer doenças que pode até matar as
pessoas que trabalha catando latinha
e tambem olixo ele atrai os ratos que podem até trazer doenças que podem até
matar
olixo ele é quase igual a uma fabrica que distribui doenças, para as pessoas que
frequentam lá
e tambem ele pode ser até acabar com a nossa linda natureza
olixo tambem pode acabar com o nosso bairro
olixo ele muitas mortes
olixo tambem estamdo lomge ou perto da sua casa ele pode atrair os rato para a
nossas casas
e o lixo atrai os urubus que pode atacar as pessoas
olixo vem de todas as fabricas que fabricam as coisas
lixo pode tambem pode acabar com a nossa preservação
os lixo ele pode acabar com as nossa felicidade
lixo ele pode acaba com a paisagem
lixo pode acabar com a nossa ortas
lixo pode acabar com os nossos campo de futebol
olixo pode acabar com o nosso pequeno espasso
olixo pode separar as nossas familias que morre trabalho lá catam papel e latinha
O lixão é uma coisa muito fedida que atrapalha a vida de muita gente, tem gente
que não aguenta este cheiro orrivel.
O lixão também é uma coisa que mata muita gente e mais aquelas pessoas que já
não são do lixão.
O lixão também atrapalha as vidas daquelas que já são do lixão.
O lixão também é um cheiro que atrapalha as pessoas que já são do lixão que j
não são do lixão e que já é muito distante do lixão.
O lixão é um lugar grande cheio de lixo, aquelas pessoas morrendo ali na quele
lugar cheio de fome cheio de frio e cheio de calor também não tem aonde morar.
O lixão também só tem coisa podre é uma coisa podre, eles também não tem
roupas para se agasalhar.
Enfim, do mesmo jeito que alguns acham que não deve acabar, pela ajuda que traz
a quem necessita, outros acham deve acabar, pelos problemas que causa:
Eu axo que e as lixera deve acaba porque a lixera trasmite duensa e faz mau para a
saúde de todas as crianças do mundo imtero (...).
As opiniões mais numerosas, entretanto, são as que vêem os dois lados do lixo: o
lado do trabalho, do sustento, da saciação à fome, ao mesmo tempo em que traz doenças, é
106
contaminado, cheira mal. Dentro destas, numerosas nuances de pontos de vista. Como já
citado, há desde aqueles que apenas apontam uma serventia do lixo – como às pessoas que
o utilizam como sustento –, até aqueles que exaltam suas qualidades de maneira mais
enfática. Mas a grosso modo, o pensamento pode ser resumido pela redação abaixo:
Quase todas as lixeiras tem seus dois lados. Um ruim e o bom, ruim para quem mora
perto dela e tem que conviver com ratos, moscas, mal cheiro e outros tipos de bichos e
até doenças. E bom para quem depende dela; porque pode até parecer estranho mas
tem gente que tira seu próprio sustento da lixeira, como é que pode um lugar tão
poluido ser muitas das vezes um meio mas facil de sobrevivência. (...)
Eu vejo a lixeira do Morro do Céu não como a pior coisa do mundo, mais sim como
uma poluição do ar que só nos trás doenças e problemas. (...)
A redação acima ilustra o pensamento destas crianças. O aterro não é a pior coisa
do mundo para elas – mas “só traz doenças e problemas”. Pode ser um conflito entre o que
pensa realmente e o que assimila do discurso oficial. Dos que iniciam com os aspectos
positivos do lixo e após os opõem aos negativos, vários iniciam com o aspecto do trabalho
e o contrapõem, entre outras coisas, com as doenças:
A lixeira para muitos é um meio de trabalho (...) [bom] A lixeira também trâz ratos e
outros insetos e isso trâz doenças. (...) [ruim]
Além das doenças, também as crianças que frequentam foram utilizadas como o
contraponto ruim:
Eu axo alixeira bom não ço paramim [bom também para ele] mas para aqueles que ta
passando nececidade e eu axo bom [e também para os outros que passam necessidade]
mais eu axo rum porque tem muita criança que deis de pequeno ta já no lixo
trabalhando e não estuda porque tem que alimenta teus irmãos. (...)
(...) O lixo também pode ser reciclado, por exemplo: jornais e garrafas etc, podem se
transformar em coisas útil e belos artesanatos. [interessante o uso das palavras “útil”
e “belo”, em que poderia se transformar o lixo, que não seria então nem uma coisa
nem outra] (...) O lixo também trás vários animais, ou seja insetos que acabam com o
sussego de muitas pessoas, exemplo: ratos, barratas etc. (...) Também o lixo trás
muita doença, causadas por exemplo do mijo de rato, etc. O lixo, quando o
queimamos poluir o ar, e não é muito bom para nós, e para a nossa respiração e
também quando jogamos em lugares públicos.(...).
Na lixeira temos porcos, ratos, baratas, urubus e muitos outros animais nojentos.
Mais tambem temos as criançsa e seus pais, que moram em casas de papelão e
comem resto de comida que as pessoas jogam fora. Eles vivem de catar lixo. (...).
[embora se alimentam da mesma fonte – restos –, a palavra “mas” contrapõe os
animais “nojentos” às famílias que necessitam do lixo]
Vejo que o lixo é uma coisa muito ruim além de causa doenças, suja a nossa cidade.
(...). Mais tem muita gente que não consegue emprego e pra não passa fome cata
latinha para dar o melhor para os seus filhos. (...).
R: eu so vejo poluição e sujeira para todo lado as coisas que agente ver para nos e
ruim mas para sertaz pessoas são bom por que da dinheiro como a latinha, papelão, e
muita gente que precisa vai para a lixeira trabalhar (...).
Trabalha na lixeira e muito ruim poque e fendena e da doesa para gente poque eu cei
poque eu trabale muito ano e rangei muito bienro (...)
Neste, a lixeira está “suja”, mas “pelo que o colega fala”, lá é bom e tem um monte
de “coisas boas”:
a ligeira do morro do ceu esta muito suja [único aspecto ruim] eu tenho um colega
que trabalha la (...) ele falou que não e ruim (...)
O lixo faz as pessoas muito bem porque da as coisas para comer e para beber e tudo
mas não atrapalha ninguém todo mundo gosta muito dele. [bom] as vezes alguém
dismaia pelo fedo quem não e acustumado a ir lar no lixo as vezes atrapalha um
pouquinho não muito [ruim] Eu nunca fui mas sei que e bom para quem precisa muito
dele gente trabalha para sustenta as familia porque precisa muito ir lar nele se Eu
precisace eu também ia trabalhar joga plastico garrafa lata precisamos do lixão para
sobreviver [bom] fica animais como porco cavalo e urubu e a água que ocorre do lixo
tem coisas estragada do lixo que faz muito mal tipo queijo mortandela e presunto tem
bastante bicho no lixo os porcos morrem os urubu procura carnisa podre e assim o
lixão termina pura ilusão do lixo [ruim] assim acaba a historia do lixo maravilhoso
para todo mundo sem ele o que seria da gente quem passa fome ia ter que passar
fome qume não trabalha ia ter que ficar sem trabalhar Eu acho que podia ser tudo
assim como er a vida se mudar Eu não quero ver os outros passando fome para
sempre isso e muito ruim para quem não passa fome e tanto pra quem passa fome
[bom].
Outras, em maior número, iniciaram pelo lado negtivo, alternando depois com os
aspectos positivos. Nesta primeira redação os pensamentos se confundem; há interrogações
mal colocadas, erros talvez, mas que podem querer dizer algo, assim como o uso confuso
das conjunções “mas” e “pois”, postas em negrito por mim (sublinhados originais):
O Lixo ele é muito ruim [ruim] pois tem pessoas que de pendem dele [bom] mais eu
não de pendo? [bom?] mais O Lixo tem muitas do enças ou melhor dizer comtem
doenças. Exemplos 1_ Bactérias. 2_ sugeira. 3_ E porcarias. tem umas pessoas que
trabalham é pega doenças mais tem peçoas que não gostam [ruim] ou uma que gosta
mais é muito de fisil? [bom] Ele provoca Enxente. polui o nosso ár que respiramos?
[ruim] têm um que morre de fome é quando trabalha encontra pedaços de coro de
galinha ou de carne estragado é tem um que a te come por não ter por não tem o
como comer? [bom] É o Lixo trás muito mal chero. [ruim] Isso eu acho do Lixo
(...) O lixão do moro do céu avezes tem animais e pessoas mortas [ruim] e tem pessoas
catando lixo pra come e pra brinca eles cantam bola furada e bonecos quebrado e
roupas velha. (...) [bom] O lixo pode crese a cada minuto o lixo tem muitas duença e
se tem garrafas peneus com água pode ter mosquito aedesejipe gue pode da dengue e
109
e pode mata e tabem tem ratos e se você pode piza no chichi do rato você pode pega
uma duença e pode tambem more. [ruim] O lixo pode ter metal e vidro madeira pano
boracha apontador caderno muchilas armarios panelas [bom] e no lixo não tem nada
bom sotem ruim e no lixão não pode brinca de nada. (...).[ruim, “não tem nada de
bom, so tem ruim”, embora catam brinquedos, e tenha todo aquele material que foi
descrito acima]
(...) Pense, sujar os lugares não é muito bom pois o lugar de lixo e no lixo.
(...) não jogue lixo no mar nem na rua nem na casa dos outros não polua o Brasil
(...) Pense nisso se cada um fazer a sua parte quem sabe um dia teremos controle
sobre o lixo.
As doenças estão presentes, como vimos, em grande parte das redações. E realçando a
periculosidade, assim como no discurso oficial, algumas vem acompanhadas da frase “pode
até morrer”, “pode até matar” ou avisos parecidos:
110
traméti doenças e as pessoas pode ate morre (...).
(...) O lixo é de uma matéria que é uma sujeira muito perigosa que pode provoca até
morte.
(...) nós não devemos jogar lixo nas ruas nas calçadas e nem nos valões. nós devemos
jogar o lixo nas reciclagens para conserva a natureza.
(...) Para isso precisamos de trabalho em conjunto este trabalho que vai ajudar a
natureza.
E algumas vezes, colocando a culpa nas pessoas, como também acontece em muitas
notícias sobre lixo no discurso oficial:
(...) isso tinha que acaba o governo está acabando com isso atá que fim mas os
moradores não colaboram (...)
(...) o governo está tomando provedencias agora. mais eu acho que não está
adiantando nada por que os moradores do morro do céu não colaboram (...)
Muitos apontaram a resolução dos problemas pela reciclagem, assim como no discurso
oficial. Depois de versar sobre os problemas do lixo, apresentam a solução:
(...) todas as pessoas tinham que separar os lugares para jogar o lixo, plastico, metal,
vidro papel, e restos de comida em uma lixeira para cada coisa.
(...) Para isso acontecer todos tem que cooperar para que a cidade o estado os
bairros e os municipios fiquem limpas faça a coleta celetiva.
Para algumas pessoas o lixo não passa de lixo! E ainda criticam pessoas que
dependem do lixão. Essas pessoas geralmente não dão a minima para a reciclagem, é
como já disse, para essas pessoas lixo é lixo. (...)
(...) Muitas coisas que jogamos no lixo não são lixo, isto é, que podem ser
reaproveitados: jornais, revistas caderno, latas, garrafas, vidros. (...)
111
E a reciclagem pela arte, tal qual aparece em várias publicações e também em vários
projetos, dos quais alguns alunos também participam, também tem o seu lugar entre as
soluções. Como se pudesse resolver os problemas do lixo, ou ao menos amenizá-lo:
(...) As pessoas acham que o lixo e umas coisas que não se pode aproveita mau sabe
eles que augumas coisas Que ele usa em casa vem do lixo nos podemos leva para
resiclagem e eles fazem trasformação que eles não podem acreditar (...)
(...) e dessas garrafas eles fazem pufs, poltronas e várias coisas mais interessantes
para vender e melhorar a sua escola. (...)
A questão do trabalho infantil também aparece com um discurso que parece absorvido
de outra fonte, com frases feitas e aparentemente copiadas de outro meio:
(...) essas crianças inves de está na escola aprendendo coisas legais elas estão
trabalhando inlegalmente.
E o lixo hospitalar é, como no discurso oficial, sempre visto como mais perigoso,
contaminado, transmissor de doenças:
(...) O lixão tem coisas de ospital que pode passar doenças que pode ser fatal. (...).
tem muita poluisa no lixo ospitalar muita gente pega os couchão que cai no lixo e
pode pegar muita duença momo a AID e outras.
Parece que as campanhas sobre determinadas doenças têm uma grande penetração no
imaginário das crianças, quando estas repetem os perigos destas e os avisos, dicas ou atitudes
que devemos ter contra as mesmas:
(...) no lixo tem penêus latas e vasilhas chovendo fica água nos penêus latas e vasilhas
causa mosquito da denque (...)
(...) A Dengue tambem pode vir da lixeira do morro do céu, por causa dos pneus
jogados pelo lixão, acumulando as águas da chuva. Por isso tapem bem as lixeiras.
junte o lixo no saco para que o caminhão do lixo recolha.
Eu acho que o lixo não e bom pras pessoas como alguns lixos como água chorume
doenças, população, hospital, posto farmacias etc. (...). [grifos originais]
(...) com lixo, podemos faze vido, mesa, cardeira, livro, cardeno, pastico, metais. A
lixeira e uma coisa que tem. O pastico dura mais de 600 anos. o metal dura mas de
3.000 bilhões de anos. com o pasticos.
(...) e voces conhesem o lixo toquicico ele e o mais perigoso poque ele pode fazer nos
animais multações (...).
(...) existem muitos tipos de lixo perigosos como o lixo toxco que sae das usinas
nocleares e tambem o lixo ospitalar. (...)
(...) A lixeira não prejudica so moradores local, o chorume que ela produz atravessa
Miterói, São Gonçalo, e vai cair na Baia de Guanabara prejudicando a vida marinha.
(...) E ainda tem o “chorume” (liquido de cor escura escorre dos lixos) que além de
fazer mal deságua na Baía de Guanabara. O único jeito de acabar com isso era
continuar as obras da usina e reciclar o lixo! “Não prejudique o meio ambiente, ou
será prejudicado”
113
CAPÍTULO 6
A riqueza de informações existentes nas redações colhidas fará com que a discussão
não seja esgotada neste trabalho. São muitas pistas que nos ajudam a entender melhor o
pensamento de crianças que convivem diariamente com o lixo, o que pode ser fundamental
em trabalhos de Educação Ambiental ou mesmo políticas púbicas, especialmente relacionadas
à questão dos resíduos sólidos. Além disso, como dito, as informações sobre o assunto
disponíveis à sociedade são cada vez mais fartas.
Neste capítulo pretendo analisar algumas das informações colhidas nas redações,
buscando paralelos e contrastes com o discurso oficial. De maneira geral, os temas são muito
parecidos, recorrentes em ambos. Podem ocorrer às vezes contradições nos discursos, mas
nem sempre.
A relação entre lixo (ou, anteriormente, dejetos ou resíduos) e morte sempre esteve
presente em nossa sociedade. Esta relação é muito bem explicitada no trabalho de Eigenheer
(2003), segundo o qual, por exemplo, na antiga Roma não se podem separar lixo de coleta e
destinação de cadáveres (idem, p. 46), notadamente entre os mais pobres. Ou ainda: “aos
pobres se reservava a incineração em massa, ou simplesmente o lançamento em vazadouros
de lixo além dos limites urbanos, juntamente com cadáveres de animais e outros dejetos”
(idem).
Esta relação mostra-se bem presente nos discursos das crianças, considerando que
encontra-se, através dos temas propostos, em quase 74% das redações. Inclusive, quanto à
destinação de cadáveres, certamente hoje na ilegalidade, fruto da violência, mas uma relação
que ainda persiste. Não podemos nos esquecer que esta relação é facilitada por estes espaços
(vazadouros de lixo) serem relegados às periferias da cidade, pois o lixo, ao nos remeter às
nossas degenerescências (da nossa produção e do próprio corpo) é mantido afastado, assim
114
como outros aspectos que nos remetam ao mesmo pensamento (doentes, velhos, inválidos...)
(Eigenheer, 2003).
Por conta disto, a região do Morro do Céu e o aterro são constantemente vítimas da
violência, que o poder público parece não ter capacidade para frear. Assim como cadáveres
parecem ser comumente encontrados, todo o comércio, a escola e o próprio aterro já foram
várias vezes fechados por “ordem” de traficantes – fato geralmente ligado à represália pela
morte de algum comparsa –, sendo estas notícias amplamente divulgadas nos jornais de
grande circulação. Se existe uma correlação entre a lixeira e a violência nas redações,
aparecendo em frases como “já virou até cemitério clandestino” ou “os bandidos matam as
pessoas e jogam lá”, os meios de comunicação a reforçam.
Como exemplos, podemos citar15:
Há indícios de que (...) para sumir com os corpos, teriam utilizado o forno para
incinerar lixo hospitalar existente no aterro sanitário (Trindade, 2003);
O lixão do Morro do Céu, na Zona Norte de Niterói, foi mais uma vez fechado por
traficantes ligados à facção criminosa comando Vermelho, na manhã de ontem (...)
em pouco mais de um mês, esta é a segunda vez que o aterro foi fechado por
traficantes (Emanuel e Kano, 2004);
Ititioca vive dia de medo , com escola e aterro fechados, após morte de homem
baleado pela PM (Trindade, 2004).
É interessante comparar este termo (contaminado) com as citações para lixo hospitalar
(ou RSS, Resíduos dos Serviços de Saúde). Se o lixo, de uma forma geral, é contaminado e
contagioso para 17 das redações, uma relação direta do lixo hospitalar com esta palavra
aparece somente em três delas, embora haja 22 citações sobre esta classe de lixo: “(...) e la
tem muitos materias hospitalares. Como exemplos ciringa contaminada(...)”; “O lixo tem
varios objetos sujos e contaminosos cono, agulhs, gáses de hospitais e poste de saude.” e “nas
maiorias das vezes o lixo causa muitas doenças. Por exemplo: lixo de hospital vem as vezes
pernas e braços anputados, agulhas contaminadas, luvas e roupas. (...)”.
Apesar disso, o lixo hospitalar aparece como causador de doenças: “ O lixo trás os lixo
ospitalar que pode trazer doenças que pode até matar (...)”. Esta relação do lixo hospitalar
15
Notícias que saíram em letras chamativas na primeira página e também em outros jornais, como em O São
Gonçalo e em O Dia.
116
com transmissão de doenças – relação mais forte do que com o “lixo comum” –, também é
recorrente no discurso oficial. Parece este um senso comum que a ciência ainda não consegue
sobrepor, embora haja diversos estudos demonstrando a similaridade entre o lixo proveniente
de sistemas de saúde e o lixo doméstico.
Como exemplo de publicação com este teor, temos uma coletânea de artigos editada
pela Comissão Consultiva de Resíduos Sólidos da Secretaria de Estado de Meio ambiente e
desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Eigenheer, org., 2000a). Logo na
apresentação do livro temos:
Antes de iniciar qualquer debate sobre a periculosidade dos RSS, devemos ter em
conta que
quando se afirma que não há relação entre lixo e transmissão de doença infecciosa,
cabalmente demonstrado pela literatura, estabelece-se um fato científico. Afirmar o
contrário é uma leviandade, uma insensatez ou um falso argumento para beneficiar a
indústria do lixo. (p.67)
Não se pode tolerar que recursos públicos estejam sendo desperdiçados com coleta e
tratamento especial de Resíduos dos Serviços de Saúde comprovadamente não
danosos à sociedade, enquanto faltam verbas para assistência básica à saúde da
população.
Vejamos o caso de Niterói. A cidade busca há anos soluções para seu aterrro, ficou
anos com as obras das usinas de triagem e desidratação paradas (hoje funcionando em fase de
teste), ainda não resolveu o problema do chorume. Porém a usina de incineração do lixo
hospitalar funciona. Esta usina foi financiada pelo Governo do Estado, com verba do
Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), projeto de saneamento iniciado há
118
dez anos, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Japonês
para Cooperação Internacional (JBIC). O projeto total está orçado hoje em U$ 1,04 bilhão
(cerca de R$ 2,8 bilhões) e para o saneamento da questão do lixo foram destinados U$ 16
milhões (cerca de R$ 43,2 milhões), dos quais já foram gastos cerca de 70% dos recursos,
utilizados prioritariamente na construção de usinas (de triagem, compostagem ou incineração)
e sem obter resultados significativos (Marqueiro e Brandão, 2005).
Em 2001, nota no jornal O Fluminense (Que horror, 2001) afirma que “há um forno
crematório no local”, mas que “só não funciona porque uma máquina foi roubada e até hoje
não foi encontrada nenhuma outra para substituí-la”. Hoje a usina, como afirmado antes, está
funcionando, porém nos fica a indagação se ela não estaria emitindo poluentes para o ar, o
que seria, como dito, extremamente prejudicial à saúde da população, principalmente do
entorno.
Além disso, a prefeitura de Niterói, através da Clin, tem grandes custos mensais com a
coleta, transporte e destino diferenciados do lixo hospitalar. Apesar disso, apenas 0,5 a 1% do
total de lixo recolhido na cidade é proveniente dos sistemas de saúde – do total de 700 a 800
toneladas diárias, apenas 5 toneladas são de lixo hospitalar (Lixo Hospitalar, 2003). Soma-se
a isto o fato de que, deste pequeno total, apenas 20% é considerado “perigoso” (idem).
E não podemos nos esquecer que, como afirma Zanon e Zanon (op.cit., p.75-76), um
incinerador queimando resíduos metálicos lança no ar compostos metálicos mais perigosos do
que os originais. A única maneira de evitar esta poluição, continuam os autores, seria instalar
sistemas de limpeza de gases, tecnologia que só pode ser utilizada em incineradores de grande
porte. Os de pequeno e médio portes teriam grandes dificuldades para atingir padrões
aceitáveis de emissão.
Talvez esteja aqui a grande diferença entre o discurso oficial e o pensamento dos
alunos. O tema “Pessoas que trabalham na lixeira” foi o que recebeu maior atenção entre eles,
aparecendo em 86 redações, ou 58% do total. Se é correto afirmar que o discurso oficial
também trata deste tema, especialmente nos últimos tempos, com a busca da “geração de
emprego e renda” através da associação e cooperativismo dos catadores, o mesmo não se pode
falar quanto à abordagem ao tema.
Enquanto algumas apontam o fato do lixão ser fonte de renda e trabalho para as
pessoas como se fosse uma fatalidade, triste e que dá pena (geralmente quem conhece o fato
mas não tem relação com a lixeira), outros apontam como se fosse algo muito bom, é a fonte
119
de renda de quem não tem trabalho e tem “que sustentar a família” (quem tem esta relação).
Os catadores não são vistos como miseráveis (como em Abreu, op.cit., p. 2) ou, como aponta
Juncá (2000, p.31), quando “tornam-se indiscriminadamente reconhecidos como ‘classe
perigosa’” pela população em geral.
O que sobressai nos discursos das crianças, mesmo que de forma implícita, é uma
postura de certa forma política, quando vincula a necessidade de sustentar a família e a falta
de oportunidades no mundo do trabalho formal. Muitas vezes, a impressão que nos passa, é
que elas não consideram isso um trabalho, mas a falta de um trabalho. Na falta de um
trabalho, de um emprego decente, o que se tem é a lixeira, ou seja, é um “não trabalho”,
simplesmente uma forma de sobrevivência:
mas para algumas pessoas que trabalha lá um serto ponto é bom por que as pessoas
não tem um inprego. e se elas não trabalha lá. vai morer de fome. é poriso que
trabalha por obrigacão senão. não ganha seu pão de cada dia...
Por outro lado, esta análise pode apontar também uma falta de análise crítica da
situação em que vivem. Não há trabalho, o lixo traz trabalho, comida, renda e muitas outras
coisas que eles não têm nem teriam como ter se não fosse o lixo, então ele é maravilhoso e
nem pensam na possibilidade de acabar com ele.
(...) vários moradores moram perto dessa lixeira e estão querendo acabar, mas as
pessoas que não tem trabalho e que trabalha nessa lixeira não querem acabar com o
lixo. (...)
(...), é muito triste vê as crianças e os adultos trabalhando no lixão mais agente não
pode fazer nada porque se eles não trabalhar eles não vão ter dinheiro para comprar
comida. [sublinhado meu]
(...) O lixo nos ajuda a sobreviver o lixo tem muitas coisas que podem ajudar nossa
vida e a vida de outras pessoas e também da nossa vida.
Embora haja discursos politizados também, que clamam por soluções e melhores
condições de vida para quem trabalha na lixeira, não aparece, porém, exatamente o conceito
de cidadania, de justiça social, inserção social e outros que são recorrentes no discurso oficial.
Muitas vezes não parecem ter a consciência de que estão, na verdade, catando os restos que
uma determinada classe social não quis e nem deu a alguém, jogou no lixo, para se dar um
desaparecimento.
Podemos observar também, que as crianças percebem os trabalhadores do lixo como
pessoas que não têm outra alternativa, que não têm um trabalho, um emprego decente, e por
isso, devem ser ajudados a sair desta situação. Não são “agentes ambientais”, não trabalham
120
em prol da reciclagem ou da “conservação da natureza e dos recursos naturais” (como aparece
em várias fontes, por exemplo, MMA, 2004, p. 47 e Gonçalves, et al, 2002, p.5). Para eles
tem de haver a mudança da situação dessas pessoas:
(...) e isso eu digo com toda cinseridade que isso que as pessoas vivem não é vida, e
isso é vergonha pro governo que não faz nada! que só qué comer o dinheiro das
pessoas, eu acho que o Brasil tinha que melhorar, e dá um jeito nessas pessoas
(...) Ai eu pergunto cadê o governo que não vê isso será que eles não sabe que lixeira
e somente lugar de lixo e não um local de trabalho?
Porém, parece que o discurso oficial procura mudar a situação, mas não muito. Quer
“reconhecer o catador de materiais recicláveis como agente ambiental” (Gonçalves, et al,
2002). Parece mesmo que os catadores estão – e continuarão – à margem da sociedade:
“Catadores, sociedade civil e poder público juntos na busca por uma melhor solução para a
questão do lixo” (idem, p. 12). Catadores não fazem parte da sociedade civil?
Segundo Abreu (op.cit., p.5), o Fórum Nacional Lixo & Cidadania foi constituído com
um dos objetivos “Inserir socialmente e economicamente os catadores, preferencialmente
apoiando e fortalecendo o seu trabalho em programas de coleta seletiva, reutilização e
reciclagem de lixo”. Será porque “esse exército de trabalhadores informais desvia entre 10 e
20% dos resíduos urbanos” e “Estima-se que os catadores sejam responsáveis por 90% dos
materiais que alimentam as indústrias de reciclagem no Brasil”? (idem, p. 3). Desta forma,
apropriando-me das palavras de Eigenheer (2004):
Onde está então o problema com eles, se são úteis às indústrias e ao meio ambiente,
ganham seu dinheiro, comem e se vestem de nossas sobras, sem aumentar o
contingente de deserdados pelas ruas?! Queremos também o lixo deles...
“(...) e também se as pessoas que trabalhão lá tivesse luvas, botas, roupa para o
trabalho, capacetes equipamentos, e si cada um deles recebece um salario eu acho
que a lixeira ia melhora e sem fala que tabém poderia fazer uma fabrica de
reciclagem”.
Embora tenha sido apontado, como vimos, o fato de várias crianças terem sido
hospitalizadas com intoxicação por terem ingerido lixo, no lixão de Aguazinha, em Olinda,
em 1994, onde “suspeitava-se haver carne humana no lixo hospitalar que era depositado a céu
aberto”, este fato não foi encontrado em nenhuma outra literatura. Nos perguntamos até que
ponto não pode ser este mais uma “lenda urbana”, como as apresentadas pelos alunos.
Um fato que provavelmente ocorreu e está registrado em várias fontes, foi o consumo
de um seio, proveniente de material hospitalar, neste mesmo lixão, por um casal de catadores
adultos. Seriam mãe e filho, ela com 65, ele com 39 anos. As reportagens da época e outras
fontes citam inclusive os nomes dos dois. Matéria do jornal Folha de São Paulo (Guibu, 1994)
123
inicia com a frase “favelados de Olinda (6km de Recife, PE) estão comendo pedaços de carne
humana recolhidos no lixo hospitalar”, para depois dizer que “pelo menos duas pessoas
admitiram à Folha terem se alimentado de carne humana recolhida do lixo”. Creio
interessante transcrever os trechos da entrevista com a catadora publicados no jornal:
Este assunto rendeu diversas outras matérias nos meios de comunicação, neste e em
outros jornais. Na reportagem, uma pastora da igreja anglicana que liderava um grupo de
evangelização entre os catadores sugeriu que a prática era comum entre os mesmos e que os
dois que admitiram o consumo não seriam os únicos, embora sem confirmações. Disse a
pastora que “nas conversas que tivemos com os catadores sentimos que a prática parece
comum entre eles. Mas todos se resguardam” (idem).
Esta é uma questão delicada e, de certa forma, polêmica. Em primeiro lugar, mesmo
tendo ocorrido tal fato (mãe e filho comerem o seio humano), não se pode justificar a
periculosidade do lixo hospitalar por isto. Depois, não creio ser prática recorrente. Via de
regra há abundância de comida nos lixões: sacolões, feiras, mercados, restos domésticos. Os
catadores recorrem com frequência à estas fontes, como vimos nas redações das crianças e
pelas listagens de coisas que existem e encontram. Duas delas, inclusive, citaram o fato de
haver um caminhão, vindo de um supermercado, apelidado de “sacolão”:
Eu sei que existe várias crianças trabalhando para cosegui o pão de cada dia, tem
um caminhão lá que eles dizem que e o “sacolão” esse sacolão cai frutas que eles
podem comer, la cai biscoitos fora da validade alguns na validade mais e meio difícil
cai iorgut, leites, manteiga que os homens que traz pega do mercado que fiquam fora
da validade
e augus dia veo um caniau chamado de sacolar que leva alineto para as pessoas
124
Este caminhão também é citado no relatório de Ribeiro e Santos (op.cit.):
Juncá (2004) nos mostra também que os catadores sabem como conseguir comida, e
quais os melhores caminhões neste sentido:
6.5 Nojo
Como já apontado, o fato de crianças que teriam passado mal por ingerirem comida de
um lixão (supostamente lixo hospitalar), serviu como impulsionador para a Unicef lançar o
Fórum Lixo & Cidadania e, posteriormente, a campanha “Criança do lixo nunca mais”,
inserindo a erradicação do trabalho infantil no lixo como uma de suas prioridades, por estarem
“sujeitas a problemas sociais como a gravidez precoce, abuso sexual e uso abusivo de drogas”
(Abreu, op.cit.). Creio que todas as crianças estão sujeitas a estes problemas, principalmente
as que são lançadas no mercado de trabalho, seja ele qual for.
Partindo deste princípio – da igualdade de todas as crianças – fazemos alguns
questionamentos à campanha e a forma de abordagem ao problema. Em primeiro lugar em
relação à quantidade de crianças que trabalham no lixo. Segundo dados do IBGE (Ciranda,
2003), 5,5 milhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil. Ainda de acordo com o
IBGE, pesquisa baseada no censo 2000 (Rodrigues e Lins, 2004), são 14% das crianças e
adolescentes, entre 10 e 17 anos, que trabalham no Brasil. A situação é pior em cidades
menores, diminuindo a proporção quanto maior a cidade. Por exemplo, em municípios com
126
até 5 mil habitantes 22,5% trabalham, enquanto são 17,6% nos municípios de 20 mil a 50 mil
habitantes e nos que têm mais de 500 mil habitantes, 8,4%.
Dados quanto à exploração sexual infantil, por exemplo, mostram como é complexo o
problema do trabalho de crianças e adolescentes. Estudo do Ministério da Justiça, Unicef e da
Universidade de Brasília (in Brígido, 2005) apontam a exploração sexual infantil em 16,88%
dos municípios brasileiros – 937 municípios (considerando-se prostituição, tráfico de
menores, pornografia e turismo sexual). A maior parte deles no interior, em cidades com 20
mil a 100 mil habitantes, embora também esteja presente em todas as capitais. Não há
números quanto à quantidade de crianças envolvidas.
Frente ao problema, segundo os autores, o governo pretende articular ações de todos
os programas sociais (como o Bolsa Escola e o Saúde em Família) para dar mais atenção às
vítimas. O governo traçou uma meta de reduzir a 50% o número de cidades onde se praticam
crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Por outro lado, segundo Abreu (op.cit., p. 8), “a
adequada Gestão de Resíduos Sólidos pressupõe [entre outros aspectos] a inclusão escolar de
todas as crianças que trabalhavam com lixo”. E explica:
Lugar de criança é na escola, aprendendo. Toda criança tem direito a ter nome,
registro civil gratuito, atendimento prioritário em postos de saúde e hospitais, acesso
a vacinas no momento apropriado, moradia digna, pré-escola, vaga na escola mais
perto de casa, lazer e informação. E isso não é utopia. É lei. Está no estatuto da
Criança e do Adolescente. E precisa ser garantido para TODAS as crianças em todo
o Brasil.
Conforme pesquisa da Unicef (in Abreu, op.cit.), em 1998, teríamos 45 mil crianças
trabalhando na catação de lixo. De acordo com informações do boletim Prioridade Absoluta
(Ciranda, 2005), são cerca de 40 mil crianças e adolescentes que trabalham e vivem em lixões
espalhados pelo Brasil16. Em notícia sobre o lançamento da campanha “Criança no lixo nunca
mais”, no sítio do Ministério do Meio Ambiente17, são 50 mil crianças. Já na Agenda 21
Brasileira (Novaes, 2000, p. 83), há um trecho em que, também segundo o Unicef, no Brasil
mais de 40 mil pessoas (grifo meu) vivem diretamente da catação em lixões, sendo a presença
de crianças e adolescentes “significativa”.
Assim, comparando o número de crianças que trabalham no Brasil (5,5 milhões) com
o número de crianças estimado pelo Unicef que trabalham catando lixo (45 mil), já temos uma
grande diferença entre os dois números, ou seja, a quantidade de crianças que supostamente
trabalham no lixo é apenas uma pequena porcentagem da quantidade total de crianças que
16
Estimativas do Unicef, baseadas em pesquisas da ONG Água e Vida de 1998 e do Fórum Nacional Lixo &
Cidadania
127
trabalham no Brasil. Além disso, como visto no capítulo 3, apesar de terem sido distribuídas
46.742 bolsas para que crianças saiam do lixo, Abreu (op.cit.) nos diz que não se pode dizer
que o trabalho infantil nos lixões tenha sido erradicado. De fato, não se pode e por vários
motivos. Em primeiro lugar, estas informações são muito difíceis de se conseguir com
precisão. Podemos considerar também, como já apontado, a diferença entre as regiões
Sudeste/Centro-oeste e a região Nordeste. Enquanto as primeiras receberam mais que o dobro
de bolsas do que a pesquisa da própria Unicef havia indicado de crianças, a segunda recebeu
menos da metade do que necessitaria. Ou seja, o número de crianças é bem maior do que a
estimativa e nem todas receberam. Há o problema também, não controlado, de a criança
receber a bolsa e continuar no lixo, ainda para complementar a renda familiar (como vimos
exemplo em revista analisada no capítulo 4).
Além disso, como ainda nos aponta Abreu (idem), a criança só entra neste programa
de bolsas (PETI) quando em idade escolar. As que ainda não estão (abaixo de 7 anos), muito
provavelmente acompanham os pais no trabalho nas lixeiras. E devemos considerar, por fim,
que o fluxo de pessoas que entram e saem das lixeiras é contínuo; há um constante rodízio: a
criança recebe a bolsa, sai do lixo, vem outra.
Em relação à situação em Niterói, no projeto Chico Mendes, já esclarecido aqui por
mim, soube de diversas crianças que sabidamente não trabalhavam no lixo mas recebiam o
PETI. A razão é, de certa forma, lógica: aqueles que não estão no lixo, não quer dizer que não
precisem. Se só os outros, que catam no lixo, receberem, haverá um fluxo de crianças indo à
lixeira, para também poderem receber o auxílio. Ainda assim, há dados interessantes. Mesmo
recebendo o benefício, os agentes Jovens (bolsa auxílio para quem tem de 14 a 16 anos) ainda
catam lixo. E muitas crianças não catam mais por uma razão mais forte do que a bolsa: o
tráfico e a violência, que cresceu muito na região. Os próprios pais não deixam. E, segundo
informações igualmente colhidas no projeto, eles ganham mais catando lixo do que recebendo
o auxílio financeiro do PETI.
Estas questões nos levam a pensar se um projeto deste tipo não se torna demagógico,
tendendo inclusive ao seu uso político. Em Niterói, o Projeto Chico Mendes aparece em
muitos meios de comunicação, porém na maioria das vezes citando-se apenas a Secretaria
Municipal de Integração, Cidadania e Promoção Social, embora sabendo que, para que ocorra,
são fundamentais as bolsas do PETI distribuídas às crianças, base de todo o projeto.
Por exemplo, temos na página da internet do vereador da cidade à época como
secretário, onde cita suas realizações frente à secretaria:
17
Notícia de 08/06/99, disponível em: http://www.mma.gov.br/ascom/imprensa/junho99/lixo.html – em:
14/01/05
128
Na Secretaria Municipal de Integração, Cidadania e Promoção Social de Niterói,
durante a gestão de Rodrigo, foram implantados (...) o Centro de Cidadania Chico
18
Mendes, entre diversas ações de combate da exclusão social
Outro jornal local (Caramujo, s/d), a notícia da inauguração do Centro, citando apenas
um acordo com a Unicef:
18
Disponível em: http://www.vereadores.com.br/rodrigoneves/rodrigoreal.htm - acesso em: 10/03/05
19
Disponível em: http://www.vereadores.com.br/rodrigoneves/rodrigoproj.htm - acesso em: 10/03/05
129
Godofredo Pinto. Desde a sua fundação, o objetivo da instituição é evitar que
crianças trabalhem como catadores de lixo, atividade que sustenta muitas famílias do
morro, que abriga o aterro sanitário da cidade. O Centro oferece atividades
educacionais e esportivas, como cursos de informática e capoeira. A comunidade
também é beneficiada por uma bolsa-auxílio destinada à educação dos menores.
Por diversas vezes, soluções para os problemas apontados (doenças, morte, aspectos
ambientais) foram propostas pelos alunos. Iniciamos esta categoria com aqueles que fizeram,
de alguma forma, uma relação entre o lixo e o que usamos. Como vimos, a problemática que
hoje existe sobre os resíduos sólidos teve origem com a instalação e fortalecimento de nossa
sociedade industrial e de consumo. Inicialmente a Revolução Industrial, com a produção em
série dos bens e, posteriormente, após a II Guerra Mundial, com o incremento do consumo de
massa (Eigenheer, 2003, p. 62). A relação consumo x lixo é muito pouco apontada, apenas
oito o fizeram, seja em relação ao consumismo, seja em relação ao desperdício de quem gera
o lixo. Como exemplo, temos um trecho de redação de quem parece conhecer o que tem no
aterro e faz uma relação, com as suas palavras, com as pessoas que não sabem consumir:
O lixo é uma coisa todos fazem vários proveitos e jogam fora, mais não fazem
o aproveito certos por que tem a coleta dos lixos que são criados, por várias
coisas maneiras ou seja cestos, brinquedos, etc... (...)
A relação que ela faz, neste caso, é, de certa forma, muito lógica: se há no lixo tantas
coisas “maneiras”, como cestos, brinquedos, entre outras coisas que podem ainda ser
aproveitadas, é porque não era lixo, e as pessoas não souberam aproveitar, jogando-as fora.
Na realidade, quando os poucos alunos apontam esta relação, não aprofundam o tema,
nem o dão importância como parte da solução. Ou seja, o lixo é produzido pelo ser humano,
mas como solução para o problema do lixo não aparece a diminuição do consumo, nem o
cuidado com as coisas, nada contra a descartabilidade. Esta pouca reflexão acerca desta
relação reflete, em parte, as informações disponíveis no discurso oficial. Neste, muitas vezes
se fala da quantidade de lixo produzido, da relação entre esta quantidade e o nível de
desenvolvimento de uma sociedade (quanto maior este, maior aquele) e da necessidade, cada
vez maior, em nossa sociedade, de consumir. Como solução, porém, poucas vezes citam, ou
pouco exploram, a necessidade de reduzir a produção.
Algumas vezes se aponta a necessidade de “evitar a sua produção desnecessária” ou
“diminuir o desperdício”, dando, inclusive, dicas de como fazê-lo. Várias vezes estas noções
130
estão dentro do chamado 3R’s (Reduzir, Reutilizar, Reciclar), o que leva à estas dicas. Porém,
assim como nas redações dos alunos, o grande foco está na reciclagem. Poucas vezes o foco
principal está na sociedade de consumo, na descartabilidade, no desperdício. A relação é
direta e apresentada como lógica: se existe muito consumo e desperdício, devemos reciclar.
Assim terminaremos com o desperdício do lixo, apresentado no discurso oficial como sendo
matéria-prima, como renda, como diminuição dos gastos de produção. Por exemplo, entre
outros: “O lixo bem administrado é capaz de gerar renda e emprego” (Lixo, 2001,a, p.10); “O
lixo passou a ser visto não só como rejeito, mas também como matéria-prima, gerando renda,
através do mercado da reutilização, da reciclagem” (Cozetti, 2001, p.17); “O lixo é matéria-
prima fora do lugar” (Minc, 2003). Já a descartabilidade ou o desperdício de materiais antes
de se tornarem lixo, não são assuntos abordados profundamente em todos os textos.
(...) tem alguma coisa muito legal que está acontecendo e uma alzima que está
acontecedo lá tem algunas pessoas que vai trabalha lá as pessoa que trabalha na
lixeira.
20
Em 2003. Informação retirada do sítio do Cempre – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, disponível
em http://www.cempre.org.br/fichas_tecnicas_latas_aluminio.php (acesso em 09/02/05)
131
de extração de bauxita – minério de onde é retirado o alumínio. Layrargues (2002) faz em seu
artigo uma pormenorizada análise desta situação, onde nos diz que
“O fato é que o Brasil não deixou de extrair bauxita, nem reduziu sua
produção de alumínio primário em função da reciclagem. Ocorre que, como
qualquer outro negócio, o investimento na produção de alumínio depende da
demanda interna ou externa”. (p.194)
Outro exemplo podemos ter com as garrafas Pet. Segundo gráfico da revista Ecologia
e desenvolvimento (Neiva, 2001), tanto a produção quanto a reciclagem das garrafas Pet vêm
crescendo a cada ano. Há dados para a demanda nacional da resina Pet, dados da demanda
para refrigerantes (um pouco menores) e dados da reciclagem pós–consumo. Em 1997, por
exemplo, a demanda da resina para refrigerantes foi 185,7 mil toneladas, enquanto a
reciclagem pós-consumo foi de 30 mil/ton. A diferença é de 155,7 mil/ton, com um nível
percentual de reciclagem de 16,2%. Em 1998, com uma demanda de 223,6 mil/ton. e 40
mil/ton. de reciclagem, a diferença agora é de 183,6 mil/ton, com uma percentagem um pouco
maior (17,9%). Em 1999 a diferença entre consumo e reciclagem sobe para 187,4 mil/ton e a
percentagem reciclada sobe para 20,42%. Finalmente em 2000, a diferença entre a demanda
nacional da resina Pet e a reciclagem pós-consumo, que subiu para 26,27%, é de 188 mil/ton.
Isto considerando a demanda apenas para refrigerantes, pois se considerarmos a demanda total
da resina Pet, o fosso entre esta e a reciclagem é bem maior.
Podemos ver por este exemplo que, embora a reciclagem esteja crescendo, não alcança
o crescimento do consumo, sendo a diferença entre eles sempre maior. Mesmo supondo que,
em determinado ano, tudo o que seja produzido retorne para reciclagem, o que é pouco
provável, com a crescente demanda e consumo sempre haverá uma diferença a ser produzida.
Estes números são apresentados como sendo positivos, pois a tendência está sendo ver
apenas a porcentagem da reciclagem. De que nos adiantará chegar ao nível de consumos dos
Estados Unidos por exemplo, em que a reciclagem, em muitos lugares, já está bem adiantada,
como o exemplo de Seattle (Mahler, 2001), mas com a cultura da descartabilidade cada vez
mais acentuada? Segundo Layrargues, o foco na reciclagem produz um efeito tranquilizante
na consciência das pessoas, que podem então consumir mais produtos, pois agora são
recicláveis e, portanto ecológicos. O próprio símbolo da reciclagem nos produtos “cria a
suposição da reciclabilidade garantida e infinita” e “torna-se um componente da
descartabilidade, reforçando a ideologia do consumismo” (Layrargues, op.cit., p. 188).
132
350
315
300 286
260
255,1
250 237,4
223,6
211
200
Demanda
185,7
150
150
120
100
80
67
50
50 40
30
18 22
3
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Ano
Figura 6.1 – Resina PET – Produção e reciclagem (in Cozetti, 2001, p.19)
Temos o exemplo também da Alemanha, onde não obstante ter um dos mais
avançados programas de coleta seletiva do mundo (o DSD, conhecido como ponto verde, em
que os produtores de embalagens e comércio em geral recolhem as embalagens que produzem
e vendem), não implicou na redução do volume de lixo gerado (Eigenheer, 2003, p. 76). Além
disso, com este programa há mais geração de lixo reciclável do que sua própria capacidade
industrial em absorvê-los (Eigenheer, idem, p.77 e Araujo Junior, 2004), o que pode explicar
em parte os “escândalos episódicos” envolvendo a exportação de materiais recicláveis para
países do Terceiro Mundo (Wiedemann, 1999, p. 22 e Eigenheer, 2003, p. 77).
Nos jornais também a reciclagem é vista como panacéia para os problemas. Como em
Medeiros (2001, a), onde o próprio título leva a pensar isto: “A reciclagem é a solução”, e
onde temos, no sub-título e no corpo do artigo, a indicação que as usinas acabariam com os
aterros sanitários: “cidades investem na construção de usinas de lixo para acabar com os
transtornos causados por aterros sanitários” e “Todo o lixo de Tanguá vai para a usina. Graças
a isso, a cidade não precisa recorrer aos aterros sanitários, o que evita danos ao meio ambiente
e a proliferação de insetos” (o que é contestado por um diretor da Comlurb, como vimos no
capítulo 4 – em Cozetti, op.cit.).
Não se tem notícia, por enquanto, de cidade que não utilize uma destinação final para
seus resíduos (lixão ou aterro), mesmo com coleta seletiva ou usinas de triagem. Nem sempre
a separação do lixo equivale ao seu posterior aproveitamento pela indústria. Como exemplo
temos novamente a Alemanha, que, como vimos, país dos mais avançados neste setor de
133
coleta seletiva, algumas vezes “exporta” resíduos para países do Terceiro Mundo e, todavia,
ainda mantém aterros sanitários.
pode haver vários tipos de reciclagem, p.ex.: (a) reutilização de materiais com
um mínimo de reprocessamento (garrafas de vidro, p.ex.); (...) (c) reciclagem
de materiais pós-consumo, que envolve separação prévia na fonte geradora,
coleta seletiva, limpeza e reprocessamento”. (p. 194)
“as mantas de Tetra Pak são uma boa solução para favelas, habitações
populares e galpões, já que a instalação tem custo muito baixo, não exige mão-
de-obra qualificada e também não há compromisso com a estética.”
6.10 Usinas
As usinas aparecem 12 vezes nas redações das crianças, seja nominalmente, seja
considerada como uma “fábrica de reciclagem”. Oito delas referem-se às próprias usinas que
estão sendo construídas no local. Estas usinas, assim como o aterro, foram alvo de diversas
denúncias, discussões e manchetes nos jornais. As crianças apontaram o que estava
acontecendo: “(...) e também está sendo construída uma usina p/ reciclagem do lixo. (...).”;
apontaram que as obras pararam: “(...) e o lixo tava criando uma uzina e não cei porque parou
de continuar o trabalho e grio muito mato(...)”; e também o que deve aontecer: “(...) O único
jeito de acabar com isso era continuar as obras da usina e reciclar o lixo!”
134
As obras de duas usinas (triagem e compostagem, e incineraçao do lixo hospitalar)
tiveram início em 1998, através do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, pelo
governo do Estado. Porém foram paralisadas em novembro do mesmo ano (Medeiros, 2001),
foram finalmente retomadas, mas nem tudo está concluído. Diversas notificações foram feitas
pelo Ministério Público, com prazos não cumpridos e multas aplicadas. Posteriormente, foi
acoplada à usina de triagem e compostagem uma usina de desidrataçao de lixo, que segundo a
então presidente da Clin, levaria a um volume de lixo em 30% do total que entrasse no aterro.
Em reportagem de Medeiros (2002, b), de julho de 2002, temos a promessa de que
todas as obras estariam prontas em três meses: “15 dias para a conclusão da usina de seleção
de lixo; 30 dias para operação do incinerador de lixo hospitalar e três meses para a
inauguração da usina de compostagem”. Esta fase de finalização das obras estava orçada em
R$ 2 milhões. Já em Trindade (2003,b), de maio de 2003, a usina de desidratação ficaria
pronta em mais dois meses. No incício do ano seguinte, em Borges (2004), a conclusão das
usinas ainda é notícia, quando a Clin assina um contrato de R$ 8,3 milhões com a empresa
responsável por gerir o aterro, determinando a conclusão das obras e também a construção de
um muro no perímetro do aterro, a pavimentação dos acessos e modernização das balanças
responsáveis pela pesagem dos caminhões. Finalmente, em Malta (2004), temos a notícia da
inauguração da usina de desidratação, em julho de 2004. Porém, a usina funciona ainda em
fase de testes, sendo inclusive, alvo de investigação pelo MP, como atesta a notícia Lixo
(2004).
Como há diversos equívocos encontrados na literatura em relação às usinas, tanto aos
nomes, quanto às suas funções, colocamos aqui algumas definições que podem ajudar a
entender melhor algumas leituras:
Usina de lixo – Instalação onde é efetuado o processamento de resíduos sólidos, como a
triagem, a prensagem, a incineração, a compostagem etc. (IBGE, 2004); Instalação onde se dá
o processamento de resíduos sólidos, p.ex. triagem, prensagem, incineração, pirólise, etc.
(Lima-e-Silva et al., op.cit.);
Usina de triagem – Instalação onde é efetuada a separação dos materiais presentes no lixo,
após sua coleta e transporte (IBGE, op.cit.); Instalação onde é feita a separação dos materias
do lixo, após sua coleta e transporte (Lima-e-Silva, et al., op.cit.);
Usina de compostagem – Instalação industrial onde se processa a transformaçao do lixo
orgânico em composto orgânico para uso agrícola (IBGE, 2004); Usina onde é feita a
compostagem da fração orgânica do lixo (lima-e-Silva, et al., op.cit.).
Compostagem – Método de tratamento dos resíduos sólidos (lixo) através da fermentação da
matéria orgânica contida nos mesmos, conseguindo-se a sua estabilização, sob a forma de um
135
adubo denominado composto. Na compostagem sobram normalmente cerca de 50% de
resíduos (IBGE, op.cit.); Processo de provocar a decomposição da matéria orgânica (lixo de
origem animal ou vegetal - restos de comida, folhas, etc.) pela ação de microorganismos
(bactérias e fungos), transformando-a no composto, um húmus produzido artificialmente, que
serve como adubo (Lima-e-Silva, et al., op.cit.).
Usina de reciclagem – Instalação industrial onde materiais misturados ao lixo são separados
por triagem manual, tais como papéis, plásticos, vidros, pedaços de pano, ou também através
de sistema magnético como no caso de materiais ferrosos. Os materiais separados do lixo são
encaminhados para a reciclagem (IBGE, op.cit.); Unidade onde materiais pré-selecionados
dos resíduos sólidos são processados e transformados em produtos (Lima-e-Silva et al.,
op.cit.).
Usina de incineração – Instalação onde se processa a queima controlada do lixo, com o
objetivo de transformá-lo em matéria estável e portanto inofensiva a saúde pública. Pode
ainda ser utilizado forno especialmente projetado para tal finalidade (IBGE, op.cit.).
Usina de Desidratação – Tecnologia nova em fase de testes onde, após triagem de certos
materiais do lixo para o reaproveitamento (plásticos, metais e papéis, por exemplo), o lixo é
desidratado e mineralizado em circuito fechado, quando pode-se reduzir seu volume a cerca
de 5% do original.
... o Ministério Público tem laudos comprovando que o aterro está saturado e precisa
de obras emergenciais para evitar que o chorume, líquido tóxico gerado a partir da
decomposição do lixo, continue poluindo o local.
Temos ainda a notícia de que a Clin teria mesmo que arrumar outro local, até o final
de 2004, após o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ter indeferido recurso da
prefeitura contra a desativação do aterro (Risso, 2003). O Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro entrou com requerimento (Processo nº 2002.002.022998, ajuizado na 6ª Vara
Cível Comarca Niterói), realizado por meio de Ação Cível Pública, solicitando a desativação
definitiva do vazadouro de lixo, sendo apoiado pelo CONAMA.
As notícias continuam; sobre as investigações: “MP investiga ações da Clin” (Lima,
2003a), “Presidente da Clin nega informação” (Lima, 2003b); sobre a multa: “Ibama multa
Clin em R$1 milhão” (Borges, 2004), “Ibama vistoria aterro e multa Clin em R$ 1 milhão”
(Duarte, 2004b); ainda sobre as usinas: “Lixo sob suspeita: Ministério Público investiga
funcionamento de usina de desidratação em Niterói” (Lixo, 2004); entre muitas outras
referentes às investigações, às usinas, ao aterro.
Cremos que por conta desta superexposição da situação do aterro, seus problemas e
suas soluções não cumpridas (tratamento do chorume, usinas), o assunto seja muito
comentado pelos moradores, o que reflete também nas redações das crianças.
Outro ponto de vista que apareceu nos discursos com tons politizados foi quanto ao
trabalho, de adulto ou de crianças, e a necessidade de se arrumar emprego ou “trabalho
honesto” para as pessoas que utilizam o lixo por necessidade. Este discurso encontra paralelo
também no discurso oficial, particularmente após o Fórum Lixo & Cidadania e as campanhas
que ocorreram e ocorrem após elas. De fato, creio que estas campanhas surtiram efeito no
imaginário e nas representações das pessoas, a ponto, inclusive, do IBGE apontar, na PNSB,
como um dos fatores que contribuíram para a tendência de melhora registrada na disposição
final do lixo no Brasil “a força e o apelo popular do programa da UNICEF, Lixo e Cidadania
(Criança no Lixo, Nunca Mais) em todo o Território Nacional” (IBGE, 2000, p. 50).
Os discursos politizados também se voltaram contra a própria população, como vimos,
tanto em relação ao trabalho no lixo:
137
(...). As pessoas fala que a lixeira acabar muita gente morre de fome. Na morre não
por que eles naõ quer enfretar uma casa de familia se eles quiseste trabalhar no
jornal o fluminense tem muitos trabalho de casa de familia. Eles gosta de um mole
(...)
(...) o governo está tomando provedencias agora. mais eu acho que não está
adiantando nada por que os moradores do morro do céu não colaboram.
Estes discursos encontram paralelos, junto com os do tema “chamamento à ação”, nos
textos e campanhas vinculadas pelo discurso oficial, que analiso no item seguinte.
No meio desta discussão, temos aqueles 24 alunos que disseram em suas redações que
gostariam que o lixo saísse do Morro do Céu, enquanto outros 3 acham que não deva sair. O
fato é que os argumentos para que o lixo saia são, de certa forma, inconsistentes, quando
existem. Praticamente toda a discussão em torno do aterro que ocorre no discurso oficial,
sobre os impactos que traz para região – como a poluição pelo chorume, o lixo hospitalar que
não era incinerado, a falta da licença ambiental ou as condições insalubres dos catadores –,
fica à margem destas citações. Os únicos argumentos apresentados, embora coerentes com
suas representações e raciocínio, não refletem o discurso oficial. Foram: “as pessoas ficarão
felizes”, “ficaria um lugar melhor para a convivência das pessoas”, “não queremos que o lixão
estrague o mundo”, “para não sujar os bairros” ou até mesmo utilizando o mesmo argumento
empregado para dar início ao Fórum Lixo & Cidadania ou para justificar a incineração do lixo
hospitalar (neste caso apresentando certa semelhança):
(...) Eu já ouvi falar por ai que uma familia que trabalhava e morava na licheira
comeu um ceio que foi jogado lá e o ceio estava com cancer de máma e moreram, e
por isso que eu acho que a licheira deve ser destroida mas antes devem arranjar
trabalho para todos.
Por outro lado, os alunos que assinalam que o lixo não deve sair tem argumentos mais
claros: a fome, falta de emprego, trabalho, sustento.
Considero este um dos temas mais interessantes surgido nas redações. A relação entre
o fazer e o discurso sobre o fazer. Diversos alunos, mais precisamente 25% deles, parece que
absorveram vários motes de campanhas e textos sobre o lixo do discurso oficial, e os emitiram
nas redações. Frases como “vamos dar um basta no lixo” ou “nós precisamos colaborar”,
138
pedidos de colaboração ou trabalho em conjunto para não sujar e não jogar lixo no chão,
apresentação de ações que devemos ter, convites à participação na coleta seletiva, entre outros
tantos, são também redundantes no discurso oficial.
Este discurso nos remete à noção de cidadania, hoje em dia também tão difundida e
debatida no discurso oficial, pois a idéia da participação da população na resolução dos
problemas ambientais (lixo em particular) e, portanto, como parte responsável dos problemas,
é recorrente.
Além dos problemas relacionados às doenças e estas associadas aos vetores, temos
também no discurso os outros problemas, chamados aqui de “ambientais”. O mais citado
neste grupo, como vimos, foi o mal cheiro do lixo, que, embora também apareça em algumas
das literaturas analisadas, creio que possa ser o aspecto que mais diretamente afeta às
crianças, e por isso o mais espontâneo e o menos influenciado pelo discurso oficial. Por
experiência própria sei que o cheiro não atinge a escola de forma contundente; poucas vezes
podemos sentir daquele local, embora próximo. Porém, depoimentos de alunos e moradores
apontam para uma rua localizada no extremo oposto à escola, por trás de um monte limítrofe
ao aterro, onde o cheiro se faz mais presente, o que aparece também em algumas redações. E
também quando há uma chuva e depois, no dia seguinte ou no mesmo dia, sol. Nestes casos o
cheiro fica mais intenso.
Porém em algumas redações nos parece haver a influência do discurso oficial, quando
o mal cheiro é relacionado à transmissão de doenças e contaminaçao do ar. As referências
sobre a poluição do ar, com a produção dos gases, a queima do lixo, a poeira e o próprio
cheiro são recorrentes, e unidas a elas, as doenças respiratórias. Nesta influência também
estão, então, as referências à poluição do ar nas redações.
O lixo visualmente causa repulsa. Um local cheio de lixo, seja uma rua, um quintal,
uma praia, é visualmente menos atrativo que um local limpo. Esta sujeira “visual” também
esteve presente nas redações, onde foram citados o chão, as ruas, o mar (praia), rios e valões
como algo negativo e que deve ser evitado. Porém, como vimos, este hábito de jogar lixo em
qualquer lugar é antigo, datando de épocas medievais, persistindo, em parte, até hoje. De certa
forma, este hábito talvez seja explicado pela relação que temos – e diferenciação que fazemos
139
– entre a casa e a rua, como nos esclarece daMatta (1991, p.22/23). Em casa podemos fazer
coisas que não faríamos e que talvez sejam condenadas na rua; somos, dentro de casa, como
diz o autor, “supercidadãos”, podemos requerer uma posição na hierarquia da família, um
espaço só nosso. Enquanto que na rua somos “subcidadãos”, somos anônimos, submissos às
“autoridades”, “não temos nem paz, nem voz”. Por conta disso, nosso comportamento na rua,
com as coisas públicas, é negativo. Uma das atitudes apontadas pelo autor é a de jogar lixo
nas ruas, mesmo pelas portas e janelas. O problema da sujeira – como também apontado, de
certa forma pelos alunos – é um “problema do governo”. Assim “limpamos ritualmente a casa
e sujamos a rua sem cerimônia ou pejo” (idem). De certa forma, esta relação também está
presente dentro da escola, em que o lixo também é jogado no chão, apesar de haver lixeiras
em todas as salas.
Uma aluna assinalou que “nós temos que manter a casa sempre limpa dar fachina na
casa 1 vez por semana e assim não vai ter barata nem ratos...”. Baratas e ratos que são
apontados como os transmissores de doenças, os sujos, o limite, para esta aluna, entre a casa e
a rua, entre a saúde e a doença, os transgressores da fronteira entre estes dois mundos, tão
presentes em suas representações.
Vários comportamentos populares observados por mim também podem referendar esta
posição. Não é raro vermos alguém limpando sua calçada (somente em frente à sua casa) e
jogando o lixo na sarjeta. Certa vez pude observar a dona de um quiosque de lanches
localizado em uma calçada varrer esta. Eram seis da manhã, ela havia trabalhado a noite toda
e estava varrendo a sujeira deixada pelos clientes. Percebi que ela limpou toda a calçada em
volta e em frente a sua barraca, levando o lixo para a rua e, empurrando o lixo pela sarjeta, o
tirou de frente de seu comércio, até chegar a um ponto mais afastado. Não coletou o lixo para
colocá-lo em uma lata ou algum recipiente. Ficou na sarjeta, longe de seu espaço. O lixo já
não era mais seu. Ali cessava sua responsabilidade para com ele. Já era “problema do
governo” e o gari que o retirasse.
Porém, vários alunos apontaram o quanto negativo é ter lixo nas ruas, nas calçadas, na
praia, e também deram dicas às pessoas, nas redações, para que não o joguem:
(...) não jogue lixo nas praias porque é uma fauta de igiene (...)
Poderíamos supor então que fazem o que pregam? Não é tão simples. Em outras
redações trabalhadas na escola21, sobre onde jogam o lixo, onde pode ou não pode jogar e por
quê, dizem:
21
Há mais redações sobre o lixo que não entraram neste estudo
140
Quando eu estou no ônibus que não tenha aquelas lixeirinhas e que esteje passando
por uma pista onde passa varios veiculos eu seguro até deser do ônibus e encontrar
uma lixeirinha e quando eu não acho eu jogo no cantinho.
(...) Vou ser cincera quando eu não acho lixeira nenhuma eu boto dentro do meu
bolso quando eu não tenho bolso jogo no chão. (...)
(...) Vou falar a verdade eu também jogo lixo na rua é porque não tem outro lugar
para jogar e eu fico com preguiça de jogar na lixeira. (...)
(...) O lixo nem sempre é destinado para o lugar certo, nós jogamos no chão em vez de
jogar na lixeira por preguissa ou também por não ter nenhuma lixeira por perto, (...)
Ou seja, embora reclamem do lixo nos lugares que frequentam e preconizem o não
sujar, sujam.
6.14 Chorume
Outro aspecto ambiental que apareceu foi a questão do chorume. Acredito que parte
destas 19 citações seja pelo fato de algumas das crianças morarem em ruas perto da saída do
líquido, sendo diretamente influenciadas, ao menos pelo cheiro. Destas redações, sete foram
feitas por alunos que têm esta convivência direta. As outras também têm o conhecimento do
líquido, embora algumas não tenham citado o nome, mas chamado de “água preta”, por
exemplo.
Por outro lado, o chorume também aparece com freqüência no discurso oficial, mais
especialmente nos jornais, pois dentro da problemática do aterro, que já falamos, assim como
as usinas, o chorume é um caso problemático e de difícil solução. Como dissemos, as
atividades do vazadouro foram iniciadas como um lixão a céu aberto, sem cobertura e sem
impermeabilização do solo, o que fez com que o chorume gerado percolasse.
Após a criação da Clin e posterior expansão da área do aterro, este sofreu tratamentos,
quando a área de expansão recebeu impermeabilização, a antiga área recebeu aterramento e o
gás e o chorume gerados foram canalizados. Porém, por muitos anos o chorume canalizado
foi despejado diretamente no valão onde antes havia o leito do córrego Matapaca:
Muito se discutiu em relação ao que iria se fazer com esta situação. Várias alternativas
foram apontadas, entre elas a captação do líquido por um caminhão-pipa e transporte até uma
estação de tratamento de esgoto. Para isto foram feitas obras no local, colocando-se um muro
(que não havia, o acesso era “livre”) e construindo uma piscina de captação. Esta obra foi
apontada por alguns alunos:
Há algum tempo atrás a lixeira causava um mal para nossa saúde tinhamos que
conviver com mal cheiro moscas, ratos, mosquitos e o chorume que escorria do lixo.
Hoje eu vejo que melhorou muito com o trabalho feito pela prefeitura, as obras para
contenção do lixo e também está sendo construída uma usina p/ reciclagem do lixo.
Hoje mudou muito para melhor contribuindo para minha saúde e da minha família.
[aluna que mora ao lado da saída do chorume]
(...) eu fui a onde estão fazendo uma obra perguntei algumas coisas sobre o chorume
e o chefe da obra disse que não podia dar nem uma informação sobre a obra eles
fizeram um muro e botaram um portão. pelo o que eu sei estão cavando onde estar
água do chorume e agora esta pouco chorume. O que será que eles estão temtando
fazer ali. [o aluno foi fazer uma “pesquisa” na obra, para sber o que estava havendo.
Mora em rua próxima]
fomos fazer uma pesquisa lá no chorumo. Pedimos uma informação. Eles não deram
porque era proibido. E mandaram nós irmos embora... [idem]
22
Entrevista realizada em 15 de julho de 2003
143
CAPÍTULO 7
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Com relação às representações sociais, Franco (2004) nos diz que são expressas pelo
uso de gestos ou palavras e que estas últimas podem se dar pela linguagem oral ou escrita,
pelas quais as pessoas expressam o que sentem, como percebem e o que pensam sobre
determinadas situações. Essas idéias são construídas socialmente e “estão necessariamente,
ancoradas no âmbito da situação real e concreta dos indivíduos que as emitem” (idem, p.
170).
Conhecemos, em parte, o meio em que as crianças estudadas estão inseridas: um bairro
dos mais pobres da cidade, para onde vão de 700 a 800 toneladas de lixo diariamente, refém
da violência imposta pelo tráfico de drogas. Local de urbanização precária, com pouca
intervenção pública em relação a aparelhos urbanos (parques, praças, asfalto, calçamento,
pontos de ônibus) e serviços (transporte, água, esgoto, educação). É uma região que, de certa
forma, serve como modelo às que Eigenheer (2003, p. 21) aponta como sendo lugares
“malditos”, “cantos” e “periferias” das cidades, aos quais são relegadas as “produções”
indesejadas da sociedade.
Retornando às representações sociais, Franco (op.cit., p. 170) afirma que
Proponho que devemos perseguir uma solução que proteja todas as crianças e quebre o
círculo da miséria. Não simplesmente pensar em “retirá-las do lixão” (conseqüência); pensar
em retirá-las do lixão e ir além disso, dar às famílias condições de sustentá-las sem ter que
recorrer ao lixo (causa). Isso equivale então, a não só apoiar as famílias que hoje vivem do
lixo, mas também aquelas que vivem em situação precárias, para que não venham a precisar.
Na Agenda 21 brasileira (Novaes, 2000, p. 98), temos dados esclarecedores:
A produção final do lixo pelo consumidor e as pessoas que sobrevivem destas sobras
são apenas uma ponta do problema, o final do processo. Ao gerar um quilo de lixo, seja qual
for a composição, o consumidor ajudou a gerar quantos outros resíduos antes? Na extração da
matéria-prima, na produção, nos transportes, na venda...
Creio que devemos olhar a questão do lixo indo além do quadro de um lixão com
pessoas sobrevivendo às suas custas – resultante de todo o processo de construção de nossa
sociedade. Vê-lo desta forma, como um quadro separado da realidade que construímos, como
um fato isolado em si, nos faz tender a soluções técnicas e imediatistas, com grandes chances
de não solucionar nenhuma das questões – do lixo e da miséria –, ou soluções temporárias,
com o perigo de que os problemas retornem com mais intensidade e dificuldades
multiplicadas.
Parto do princípio que o lixo e a degradação ambiental que traz são frutos de nossos
próprios costumes consumistas, perdulários, cada vez mais individualistas, socialmente
construídos, descartáveis. E as pessoas que sobrevivem do lixo são consequência da miséria e
esta, por sua vez, é consequência também da sociedade que estamos construindo.
Por tudo isto, creio que devemos procurar um outro caminho na educação, mais
especificamente na educação ambiental. Creio que devemos procurar desmistificar o lixo,
149
diminuir os preconceitos, desconstruir mitos e certezas para que possamos caminhar para uma
educação mais realista, ajudando na busca de soluções verdadeiras e definitivas.
A partir destas reflexões percebo que, tanto as idéias refletidas no discurso oficial
quanto, muitas vezes, o trabalho desenvolvido pela educação ambiental (chamada por
Layrargues, op.cit., de dicurso ecológico alternativo) têm contribuído para uma visão
equivocada da problemática do lixo. Focaliza-se nas consequências (geração e acúmulo cada
vez maior de resíduos, catadores e os problemas decorrentes), buscando-se soluções baseadas
em tecnologias que são, muitas vezes, apenas paliativas.
Com isto, creio estarmos aprofundando ainda mais as verdadeiras causas do que
buscamos combater. Como aponta Layrargues (op.cit., p. 214)
Devemos nos comprometer com uma educação ambiental e com políticas públicas que
questionem o modelo de sociedade que estamos construindo – baseada no consumo, na
descartabilidade e na injustiça social, a qual poderá fatalmente nos levar a uma crise
ambiental e social de grandes proporções e solução cada vez mais complexa.
Querer retirar as pessoas do lixo proibindo-as (pois seriam “inaceitáveis” em um aterro
sanitário), ou pagando-as para que não mais necessitem recorrer ao lixo (bolsa-escola) não
resolverá o problema, pois a miséria continua e, com ela, a necessidade de sobrevivência.
Retira-se as que estão lá hoje, outras surgem. Segundo Eigenheer, (2003, p. 157), “com que
argumento se pode negar a esses indivíduos a chance de sobreviver, ainda que em condições
7de trabalho adversas, em sociedades que não lhes oferecem outras oportunidades de
emprego?”.
A via das cooperativas de catadores tem se apresentado como alternativa à quem hoje
sobrevive do lixo, mas é recurso limitado e não resolverá o problema da miséria nem das
injustiças sociais, que continuarão gerando mais necessitados. Desta forma não estaríamos
gerando mudanças, pois para sustentar este modelo teríamos que incentivar o padrão da
sociedade que estamos ora construindo, intensificando o consumo e a descartabilidade e, desta
forma, o uso insustentável dos recursos naturais.
Considerando a proximidade dos discursos analisados e a possível influência que o
discurso oficial pode ter nas representações, pensamentos e atitudes da sociedade em geral,
150
proponho questionarmos a forma de trabalho com o lixo, especialmente àqueles que
trabalham com educação ambiental nos mais diversos níveis.
Devemos refletir se uma pedagogia baseada na descartabilidade e seu posterior
aproveitamento pela coleta seletiva/reciclagem é de fato sustentável. Soma-se à esta discussão
a obsolescência planejada e a obsolencência planejada simbólica (Layrargues, op.cit.) e
teremos um ciclo de consumo e uso dos recursos naturais inevitavelmente insustentáveis.
Assim, se a degenerescência de nossas produções nos remete à questão a finitude da
vida fazendo-nos lembrar da morte, podemos dar prosseguimento, como nos aponta o
caminho Eigenheer, com o que chama de pedagogia da degenerescência (2003, p.153), à uma
discussão sobre a aquisição e acumulação de bens que, cada vez mais rápido, se tornam lixo.
Segundo Eigenheer,
o lixo, por suas carcaterísticas e presença diária nos espaços públicos e privados,
pode tornar-se um instrumento propício, se assim se desejar, para uma reflexão de
viés pragmático da vida urbana e da sociedade industrial (op.cit., p. 153).
23
Reduzir, Reutilizar e Reciclar, pedagogia muito utilizada em trabalhos de educação ambiental com resíduos
sólidos.
151
consumo, estaremos agindo para aprofundar os valores desta sociedade que queremos
transformar. Devemos, o “discurso ecológico alternativo”, nos preocupar prioritariamante
com os outros dois R’s: reutilizar e reciclar, o que implica, como nos indica Eigenheer
(op.cit., p.155), em contrariar a lógica do consumo de massa, incentivando o zelo e o cuidado,
valorizando o durável e o bem feito. Implica em repensar valores, não apenas atitudes.
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