Reconstrução de Trânsito Intestinal Após Confecção de Colostomia À Hartman
Reconstrução de Trânsito Intestinal Após Confecção de Colostomia À Hartman
Reconstrução de Trânsito Intestinal Após Confecção de Colostomia À Hartman
R E S U M O
Objetivo
Objetivo: O objetivo desse estudo foi avaliar as taxas de morbidade e de mortalidade da tentativa de reversão do procedimento de
Hartmann. Métodos: Foram estudados retrospectivamente 29 pacientes submetidos à operação para reconstrução do trânsito
intestinal após procedimento de Hartmann no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais no período de janeiro de
1998 a dezembro de 2006. Foram avaliados dados pré-operatório, intra-operatórios e pós-operatórios. Resultados: A média de
idade dos pacientes submetidos à operação para reconstrução de trânsito intestinal após realização de colostomia a Hartmann foi
de 52,6 anos, sendo 16 pacientes do sexo masculino (55,2%). O tempo médio da permanência da colostomia foi de 17,6 meses
(variando de 1 a 84 meses). O tempo operatório médio foi de 300 minutos (variando de 180 a 720 minutos). O sucesso na
reconstrução do trânsito intestinal foi alcançado em 27 pacientes (93%). Dois pacientes apresentaram fístula anastomótica (7%) e
seis tiveram infecção de parede (22%). Ocorreu um óbito (3,4%) em paciente com fístula anastomótica e sepse abdominal. Dentre
os fatores relacionados ao insucesso na reconstrução da colostomia a Hartmann observou-se associação estatisticamente significa-
tiva com a tentativa prévia de reconstrução (p = 0,007), a utilização prévia de quimioterapia (p = 0,037) e o longo tempo de
permanência da colostomia (p = 0,025) Conclusão: O intervalo entre a confecção e a tentativa de reversão não deve ser muito
longo e os pacientes devem ser alertados que, numa pequena porcentagem dos casos, a reconstrução do trânsito intestinal pode ser
impossível devido às condições locais do reto excluído.
Trabalho realizado no Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universi-
dade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – MG-BR.
1. Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais – Belo Horizonte – MG-BR. 2. Residente de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo
Horizonte – MG-BR. 3. Mestranda do Curso de Pós-graduação em Cirurgia Abdominal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais - Belo Horizonte – MG-BR.
risco cirúrgico elevado, por falha na tentativa de reversão dos pacientes apresentava doenças benignas e quadro clí-
ou mesmo por opção do paciente 1,7-10. Alguns autores re- nico prévio de peritonite (Tabela 1).
comendam o acompanhamento periódico com exames do A via laparotômica foi utilizada na reconstrução
coto retal uma vez que podem ocorrer colite de exclusão, em 27 pacientes (93%) e a via laparoscópica em dois paci-
pólipos e carcinoma11. entes. O tempo operatório médio foi de 300 minutos (vari-
O objetivo desse estudo foi avaliar as taxas de ando de 180 a 720 minutos). Nos dois pacientes operados
morbidade e de mortalidade da tentativa de reversão do por via laparoscópica, o tempo do procedimento cirúrgico
procedimento de Hartmann. foi de 180 minutos e 225 minutos. O preparo mecânico de
cólon foi realizado em 20 pacientes (69%). A presença de
aderências foi significativa em 31% das operações, sendo
MÉTODOS que lesões de alças intestinais ocorreram em seis casos
(20%). Houve necessidade de hemotransfusão em dois
Foram estudados retrospectivamente 29 pacien- pacientes (7%).
tes submetidos à operação para reconstrução do trânsito O sucesso na reconstrução do trânsito intestinal
intestinal após procedimento de Hartmann no Hospital das foi alcançado em 27 pacientes (93%), sendo empregada
Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais no perío- derivação protetora em quatro casos (15%). A opção de
do de 1998 a 2006. Os dados colhidos dos prontuários dos estomia protetora após o fechamento do Hartmann foi por
pacientes foram registrados em protocolo que incluía iden- julgamento transoperatório do cirurgião. Em geral, ocorreu
tificação do paciente, indicação do procedimento de por grande dificuldade técnica da anastomose colorretal e
Hartmann, tempo de ostomia, realização de radioterapia consequente extravasamento de azul de metileno instilado
prévia, realização de quimioterapia prévia, tentativa prévia per anum para teste transoperatório da anastomose. Dois
de reconstrução, presença de peritonite, duração do proce- pacientes apresentaram fístula anastomótica em
dimento, preparo de cólon, transfusão de sangue, presen- anastomoses confeccionadas com grampeador circular
ça de aderências, lesão de alças intestinais durante o pro- mecânico (6,8%) e seis tiveram infecção de parede
cedimento, confecção de ostomia protetora, sucesso na (20,6%). Foi necessária a internação em Centro de Tera-
reconstrução, tempo de internação, necessidade de per- pia Intensiva em três casos (10,3%), sendo dois casos devi-
manência em centro de terapia intensiva (CTI), ocorrência do à sepse abdominal por fístula anastomótica e um devi-
de infecção de ferida operatória, fístula anastomótica e do a quadro de doença pulmonar obstrutiva crônica que
óbito. evoluiu com insuficiência respiratória. Um paciente apre-
Os dados foram armazenados e analisados usan- sentou evisceração. Ocorreu um óbito (3,4%) em paciente
do os programas de computador EpiData 3.1 e SPSS 11, com fístula anastomótica e sepse abdominal (Tabela 2).
respectivamente. Foram utilizados o teste do qui-quadra- Apesar do número pequeno de eventos, uma
do, para variáveis categóricas, e o teste Mann-Whitney, análise estatística univariada foi realizada. Com relação ao
para variáveis contínuas. Os valores encontrados foram con-
siderados estatisticamente significativos quando o valor de Tabela 2 - Tipo e frequência de complicações pós-operató-
p foi menor do que 0,05. rias em 29 pacientes submetidos à reconstrução
do trânsito intestinal após procedimento de
Hartmann no Hospital das Clínicas da UFMG.
RESULTADOS
Complicação N %
A média de idade dos pacientes submetidos à
operação para reconstrução de trânsito intestinal após rea- Evisceração 1 3,4
lização de colostomia a Hartmann foi de 52,6 anos (varian- Fístula anastomótica 2 6,8
do de 15 a 81 anos), sendo 16 pacientes do sexo masculino Infecção de parede 6 20,6
(55,2%). O tempo médio da permanência da colostomia Óbito 1 3,4
foi de 17,6 meses (variando de 1 a 84 meses). A maioria N = número de pacientes.
Tabela 1 - Características dos 29 pacientes submetidos à operação de reconstrução do Hartmann no Hospital das Clínicas da
UFMG.
Sim Não
Indicação por câncer 08 (27,6%) 21 (72,4%)
Tentativa prévia de reversão 03 (10,3%) 26 (89,7%)
Radioterapia prévia 03 (10,3%) 26 (89,7%)
Quimioterapia prévia 06 (20,7%) 23 (79,3%)
Peritonite prévia 16 (55,2%) 13 (44,8%)
tempo operatório, a tentativa prévia de reconstrução (p = operatório foi maior do que 300 minutos (p = 0,021), quan-
0,026), a utilização prévia de radioterapia (p = 0,045), a do havia a descrição operatória de grande quantidade de
presença de aderências (p = 0.001) e a ocorrência de le- aderências (p = 0,004), quando ocorreram lesões de alças
sões de alças intestinais (p = 0,010) estiveram significativa- intestinais (p = 0,022), fístula anastomótica (p = 0,017),
mente relacionadas a procedimentos com maior duração infecção de parede (p = 0,044), além da necessidade de
(Tabela 3). internação em CTI (p = 0,007). (Tabela 4).
O tempo de internação médio foi de 9,6 dias Os fatores que tiveram influência estatisticamen-
(variando de 3 a 39 dias), sendo maior quando o tempo te significativa para maior tempo de permanência da
Tabela 3 - Tempo operatório de tentativa de fechamento de Hartmann em 29 pacientes operados no Hospital das Clínicas da
UFMG.
Tabela 4 - Tempo de internação de 29 pacientes operados na tentativa de fechamento de colostomia à Hartmann no Hospital
das Clínicas da UFMG.
colostomia foram a indicação do procedimento por câncer Após a recuperação do paciente e a resolução
(p = 0,014), a tentativa prévia de fechamento (p = 0,005) do processo inflamatório abdominal, pode-se proceder a
e a realização de quimioterapia (p = 0,035).(Tabela 5). reconstrução do trânsito intestinal, que é tido como uma
Dentre os fatores relacionados ao insucesso na cirurgia tecnicamente difícil e apresenta taxas considerá-
reconstrução da colostomia a Hartmann observou-se asso- veis de morbidade e mortalidade2. Em séries na qual a ten-
ciação estatisticamente significativa com a tentativa prévia tativa de reconstrução de trânsito foi feita exclusivamente
de reconstrução ( p = 0,007), a utilização prévia de por laparotomia, as taxas de fístula anastomótica variam
quimioterapia (p = 0,037) e o longo tempo de permanên- de 4% a 16% e as de estenose de 7%, respectivamente7,8.
cia da colostomia (p = 0,025). O presente estudo procurou avaliar retrospectivamente os
resultados da operação de reconstrução de trânsito intesti-
nal e identificar possíveis fatores relacionados a tais resul-
DISCUSSÃO tados. Deve-se salientar que pacientes selecionados para
tentativa de reconstrução de trânsito intestinal apresentam
Recentemente muitos trabalhos têm sido publi- condições clínicas mais favoráveis, além da ausência de
cados comparando os resultados da operação em um úni- doença tumoral em progressão, quando comparados com
co tempo versus o procedimento de Hartmann3,12. Extensa aqueles nos quais não foi oferecida a tentativa de rever-
revisão recente da literatura sobre o tratamento cirúrgico são.
da diverticulite englobando 963 pacientes (57% com No presente estudo, três pacientes já haviam sido
ressecção e anastomose primária e 43% com cirurgia à submetidos à tentativa prévia de fechamento da colostomia
Hartmann) mostrou que a mortalidade foi significativamente a Hartmann e em dois deles não se conseguiu a reconstru-
menor nos pacientes submetidos à operação em único tem- ção devido à presença de aderências abdominais associa-
po (4,9% vs. 15,1%). Até mesmo quando foram analisa- das à retite e enterite actínicas. Nos dois casos, o cirurgião
dos os casos com peritonite (Hinchey III e IV), onde se jul- julgou que a anastomose não seria segura em reto grave-
gava que o procedimento de Hartmann estaria mais indi- mente acometido, julgando que a inflamação decorrente
cado, não houve diferença significativa em relação aos dois da radioterapia ou da retite de exclusão foram os motivos
procedimentos (14,1% vs. 14.4%)3. No entanto, devemos da não confecção da anastomose, mesmo que uma
interpretar cautelosamente esses dados visto que, o proce- colostomia protetora fosse realizada. No paciente com retite
dimento de Hartmann é a opção do cirurgião em pacientes de exclusão, foi realizada ressecção de recidiva tumoral
mais debilitados. Por outro lado, no estudo de Meyer et em músculo psoas esquerdo, o que pode ter contribuído
al.13, entre 8825 casos de câncer de cólon esquerdo, o pro- para a decisão de não prosseguir com a tentativa da
cedimento de Hartmann foi utilizado em 422 casos (4,8%), anastomose. No paciente com retite actínica, ressecção
sendo a metade deles na urgência, resultando em menor extensa de intestino delgado acometido pela radioterapia
mortalidade quando utilizado nesse tipo de situação, quan- foi realizada, contribuindo também para a decisão de se
do comparado com outros procedimentos. não confeccionar a anastomose em reto doente.
A opção pelo procedimento de Hartmann frente O insucesso na realização da reconstrução de
a um paciente com abdômen agudo perfurativo, obstrutivo Hartmann pode estar relacionado ainda à inexperiência do
ou inflamatório, nos serviços de emergência, continua de- cirurgião em superar as dificuldades técnicas encontradas,
pendente da experiência do cirurgião e do seu julgamento. embora se deva que se ressaltar que, ao contrário da con-
O grau de contaminação peritoneal, a idade e as fecção da colostomia a Hartmann, sua reconstrução é rea-
comorbidades do paciente são também fatores que podem lizada eletivamente, muitas vezes por cirurgiões colorretais
influenciar na indicação do procedimento. experientes, como ocorreu na presente casuística4,5.
Tabela 5 - Taxa de sucesso na tentativa de fechamento de colostomia à Hartmann de 29 pacientes operados no Hospital das
Clínicas da UFMG.
O insucesso parece se relacionar mais com as sos por ocasião da realização da colostomia à Hartmann e,
dificuldades técnicas inerentes ao procedimento cirúrgico conseqüentemente, em maior dificuldade técnica no mo-
prévio em presença de peritonite, como pôde ser obser- mento da reconstrução devido à presença de grande quan-
vado na maioria dos pacientes operados na presente sé- tidade de aderências. Além disso, nos casos em que o coto
rie. No entanto, nos dois casos em que o cirurgião julgou retal é pequeno ou foi excluído do trânsito intestinal por
que a tentativa falhou, o motivo estava no coto retal, iden- período prolongado e principalmente quando houve irradi-
tificado em ambos, mas que não apresentava segurança ação da pelve, é de se esperar grande dificuldade para
para uma anastomose, fosse ela manual ou grampeada. identificar o coto, liberar as aderências e realizar a
Ainda assim, poder-se-ia pensar em realizar um abaixa- anastomose, o que pôde ser observado em três casos da
mento colônico. Mas, nos dois casos, o cirurgião julgou presente casuística.
que prosseguir a operação em pacientes com enterite A realização de quimioterapia prévia influenciou
actínica ou com comorbidade importante não seria ade- de forma significativa no insucesso da reconstrução da
quado. colostomia. Entretanto, devido à pequena amostra de pa-
O tempo ideal de permanência da colostomia a cientes submetidos à terapia antiblástica (seis casos), esse
Hartmann é tema controverso na literatura. Os trabalhos dado pode não se constituir verdadeiramente como um fator
de Pearce et al.7 e Banerjee et al.9 sugerem que se deve adverso para o sucesso do procedimento.
aguardar no mínimo seis meses para a reconstrução do Alguns fatores não tiveram significância estatísti-
trânsito intestinal, a fim de que haja melhora clínica e ca para o sucesso do procedimento, tais como o preparo
nutricional do paciente. Além disso, admite-se que, após mecânico do cólon, a ocorrência de peritonite prévia, a
este período, as aderências intra-abdominais tendem a ser necessidade de transfusão de sangue e a presença de ade-
menos firmes, o que facilitaria a dissecção cirúrgica, sobre- rências. Apesar disso, há de se considerar que um fator
tudo do coto retal. Por outro lado, outros autores não con- limitante tecnicamente é o achado de fortes aderências
sideram que o período de permanência da colostomia à abdominais.
Hartmann deva ser tão longo14,15. No presente estudo ob- A tentativa de fechamento da colostomia de
servou-se que o tempo de uso da ostomia foi, em média, Hartmann resulta em sucesso na maioria dos casos. A taxa
comparativamente com outros estudos, ainda mais longo de morbimortalidade é aceitável. O intervalo entre a con-
(17,6 meses) e isso influenciou negativamente no sucesso fecção e a tentativa de reversão não deve ser muito longo
da reconstrução do trânsito intestinal, principalmente por- e os pacientes devem ser alertados que, numa pequena
que os dois casos de insucesso apresentavam 45 e 84 me- porcentagem dos casos, a reconstrução do trânsito intesti-
ses de ostomia, respectivamente. Tal demora na reconstru- nal pode ser impossível devido às condições locais do reto
ção do trânsito pode estar relacionada à gravidade dos ca- excluído.
A B S T R A C T
Objective: To study was to investigate the associated morbidity and mortality of the restoration of intestinal continuity after
Objective
Hartmann’s procedure. Methods: Hospital records of 29 patients undergoing surgery to restoration of intestinal continuity after
Hartmann’s procedure at Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais between January 1998 and December 2006
were retrospectively analyzed. Demographic, morbidity and mortality data were colleted. Results: There were 16 men and 13
women with mean age of 52.6 years. The median time between the Hartmann’s procedure and the attempt of closure of colostomy
was 17.6 months (range,1-84 months). The median operation time was 300 minutes (range, 180-720 min). The restoration of the
continuity was successful in 27 patients (93%). Two patients had anastomotic leakage (7%) and 7 had wound infection (22%). The
mortality rate was of 3.4% (1/29 patients). There were association between unsuccessful restoration of intestinal continuity and
previous attempt of closure (p=.007), chemotherapy (p=.037) and long term stay with colostomy (p=.007). Conclusion: The
interval between the Hartmann‘s procedure and the restoration of intestinal continuity should not be long. The patients should be
aware that in some circumstances the restoration of intestinal continuity after Hartmann‘s procedure is not possible due to local
conditions of the rectum.
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