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Álisson Hudson Veras Lima

Ana Paula Oliveira


José Natanael Nunes Pereira de Lima
organizadores

TEORIA E PRÁTICA
DOCENTE:
onde estamos
e para onde vamos?

2 0 2 0
São Paulo
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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PARECER E REVISÃO POR PARES

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para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta
Cultural, bem como revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
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Direção editorial
Raul Inácio Busarello
Diretor de sistemas Marcelo Eyng
Diretor de criação Raul Inácio Busarello
Assistente de arte Ligia Andrade Machado
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Editora executiva Patricia Bieging
Revisão Os autores e as autoras
Álisson Hudson Veras Lima
Organizador Ana Paula Oliveira
José Natanael Nunes Pereira de Lima

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


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T314 Teoria e prática docente: onde estamos e para onde vamos?


Álisson Hudson Veras Lima, Ana Paula Oliveira, José Natanael
Nunes Pereira de Lima (orgs.). São Paulo:
Pimenta Cultural, 2020. 334p..

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-86371-08-6 (eBook)
978-65-86371-07-9 (brochura)

1. Educação. 2. Docência. 3. Ensino. 4. Teoria. 5. Prática.


I. Lima, Álisson Hudson Veras. II. Oliveira, Ana Paula. III. Lima,
José Natanael Nunes Pereira de. IV. Título.

CDU: 37.01
CDD: 370

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086
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AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de todo o conhecimento.

Aos autores que, como seus preciosos


conhecimentos, contribuíram para
tornar possível esta empreitada.

À Editora Pimenta Cultural pelo espaço


de divulgação de nossas pesquisas.
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

SUMÁRIO

Prefácio........................................................................................... 11
Álisson Hudson Veras Lima

Capítulo 1
Implantação do projeto político-pedagógico
nas escolas municipais: uma análise
sobre limites e possibilidades........................................................... 14
Ana Paula de Oliveira Gomes

Capítulo 2
Gênero e sexualidade na educação brasileira:
uma análise teórica e crítica sobre concepções
e desafios frente aos contextos
reguladores contemporâneos.......................................................... 33
Edison Vieira Kiss

Capítulo 3
A educação inclusiva e seus efeitos
no contexto da escola regular....................................................... 60
Francisca Sueli Farias Nunes
Luiza Lúlia Feitosa Simões
Thaidys da Conceição Lima do Monte

Capítulo 4
Quando os temas transversais/
contemporâneos pedem passagem:
mais valores humanos na escola, por favor!..................................... 76
Raphaell Moreira Martins
Suraya Cristina Darido
Maria Eleni Henrique da Silva
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 5
Dos PCN a BNCC: o que muda no jogo
da educação física escolar?............................................................. 97
Raphaell Moreira Martins
Pedro Henrique Silvestre Nogueira
José Ribamar Ferreira Júnior

Capítulo 6
As veleidades do Plano
Nacional do Livro Didático:
do Estado Novo à contemporaneidade.......................................... 116
Julianne Rodrigues Pita
Iara de Sousa Nascimento

Capítulo 7
O tratamento da coerência textual
em um livro didático de Língua Portuguesa
do 9º ano do Ensino Fundamental.............................................. 131
Cícero Barboza Nunes
José Juvêncio Neto de Souza

Capítulo 8
O ensino de Língua Portuguesa nos anos
finais do Ensino Fundamental e sua relação
com as avaliações padronizadas................................................. 147
Lucivan de Sousa Barreto
Darlene Paiva Lima
Sirneto Vicente da Silva

Capítulo 9
O gênero narrativo miniconto: uma análise
de produções textuais no Ensino Fundamental.............................. 168
Alessandra Santa Rosa da Silva
Juzelly Fernandes Barreto Moreira
Maraísa Damiana Soares Alves
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 10
A produção textual no ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental II........................................ 190
Álisson Hudson Veras Lima

Capítulo 11
Ensino de libras nas escolas
municipais de Goiânia.................................................................. 209
Karime Chaibue
Núbia Flávia Oliveira Mendes
Weber Flávio Oliveira Mendes

Capítulo 12
Em meio à interação e à colaboração,
a desmotivação de adolescentes nas aulas
de língua inglesa na escola pública............................................ 231
Marco André Franco de Araújo

Capítulo 13
O patrimônio cultural nos livros didáticos:
contribuições para o ensino de História.......................................... 249
Olívia Bruna de Lima Nunes
Rogério Maciel Nunes
Ruan Carlos Mendes

Capítulo 14
O ensino de ciências naturais:
relatos de experiências pedagógicas............................................. 272
Ila Monize Sousa Sales
Yasmin Pereira de Oliveira
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 15
Uma análise sobre a seleção
de conteúdos e seus desdobramentos
no ensino de Educação Física Escolar....................................... 287
Pedro Henrique Silvestre Nogueira
Antônio Carlos de Sousa
Raphaell Moreira Martins

Capítulo 16
Pensamento computacional
no Ensino Médio EaD................................................................... 306
Gabryela de Oliveira Fernandes
Patrícia Cristina Petri Vilar
William de Almeida Silva

Sobre os(as) organizadores(as).................................................. 320

Sobre os autores e as autoras..................................................... 321

Índice remissivo............................................................................ 330


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

PREFÁCIO

A arte de educar, nos tempos atuais, parecer ter perdido


o ar de arte conforme proposto pelos gregos passando a ter um
novo sentido: desafio.

Educar, inicialmente, era visto pelo viés filosófico de Aristóteles


com a função da preparar o homem para viver em sociedade além
do fato de que o célebre filósofo acreditava que a maior meta do
homem era encontrar a felicidade e esta, por sua vez, só poderia ser
conquistada através da educação.

Com o passar dos séculos, a concepção de educação aristotélica


perdeu espaço para o conceito de educação exclusiva, sobretudo na
Idade Média, quando a educação era para poucos, já que somente os
filhos dos nobres estudavam.

A visão de uma educação exclusiva começou a perder força


com os ideais iluministas e as revoluções do final do século XVIII e
início do XIX, quando educar era dar autonomia aos ideais advindos da
razão humana, tendo como foco o conhecimento e a ciência.

Contudo, esta concepção racionalista que perdura até os


momentos atuais têm feito com que a educação deixe, para grande
parte das pessoas, de ser a meta que conduz o ato de estudar e passe
a ser o meio pelo qual se atinge determinado conhecimento.

Esta realidade pode ter diversos fatores que contribuem


para que exista como, por exemplo, o fato de a escola, protetora
e divulgadora da educação, ser ainda um espaço atrasado com
relação às tecnologias que atraem crianças, jovens e adultos; ser
ainda um espaço de bastante preconceito ideológico, afastando
SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.11-13 11
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

mais do que aproximando as pessoas e; ser, sobretudo, um divisor


de classes sociais.

No Brasil, a escola e a educação têm sido alvo de discussão em


relação ao seu papel e a sua função na sociedade, pois, para muitos
pais, o conceito de educação está atrelado ao ato de colocar os filhos
matriculados em algum estabelecimento e deixá-lo a carga do corpo
docente e administrativo para que a criança chegue em casa com boas
maneiras, conhecimento e não traga problemas, mas as soluções que
aprendeu ao estudar e desenvolver um pensamento crítico. Os pais
estão deixando a educação familiar a cargo da escola.

Para a escola em si, educar é, antes de mais nada, ajudar a


construir no aprendiz os valores éticos necessários para o convívio
em sociedade e para que, assim, seja capaz de conviver bem com
os demais em sociedade, bem nos preceitos aristotélicos, mas com o
conhecimento técnico-científico que pode ajudá-lo na construção de
uma sociedade melhor.

Na prática, o que se encontra são outras realidades: alunos


excluídos por cor, raça, religião, ideologia de gênero, classe social;
a inclusão de alunos com necessidades especiais que, de fato,
não são incluídos e, em geral, ocupam cadeiras nas salas como se
fossem apenas mais um, sem a devida atenção que ajudaria em sua
evolução/inclusão; realidades familiares trazidas para dentro dos
muros da escola que não condizem com o objetivo da escola em si e
a constante ameaça de violência física e/ou psicológica compartilhada
por todos os que compões a vida escolar.

Frente a tantas questões, esta obra reúne textos de professores


e/ou pesquisadores que estão atentos a como se deve conduzir a
educação em um cenário que abarca tantos desafios, muitos sem
resolução pronta e sem discussões frutíferas que levem a um consenso
SUMÁRIO sobre o como agir.

12
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Em um país marcado pela diversidade político-social-econômica,


o ato de educar não tem espaço para a arte proposta pelos gregos, mas
necessita de pessoas pró-ativas capazes de lidar não somente com
problemas, mas, sobretudo, sejam capazes de adaptar o inadaptável
e, assim, possam ajudar os aprendizes na concretização do educar,
tornando-os sempre educandos, pois enquanto vivos, nunca deixamos
de aprender dentro e fora dos muros da escola.

Desta forma, o objetivo maior deste livro é trazer a tona questões


de cunho teórico e relatos de experiências que levem os leitores a
reflexões críticas a ponto de buscarem soluções para as realidades que
aparecem ao longo dos capítulos e para que, assim, como uma grande
rede de discussão em prol da melhoria educacional de nosso país,
possamos ajudar a construir cidadãos melhores e, consequentemente,
uma sociedade melhor para se viver.

Neste contexto, é mister compreender que, para cada um de


nós, as palavras de Paulo Freire são de grande valia, pois acreditamos
e defendemos que a educação é uma prática construtora do ser
humano, tanto do homem quanto da mulher, pois educar é humanizar
e constitui-se num que-fazer social-político-antropológico-ético.

Álisson Hudson Veras Lima

SUMÁRIO

13
1
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 1

IMPLANTAÇÃO DO PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO NAS
ESCOLAS MUNICIPAIS: UMA ANÁLISE
SOBRE LIMITES E POSSIBILIDADES

Ana Paula de Oliveira Gomes

IMPLANTAÇÃO
Ana Paula de Oliveira Gomes
DO PROJETO
POLÍTICO-
PEDAGÓGICO
NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS:
uma análise sobre
SUMÁRIO
limites e possibilidades
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.14-32 14
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Este trabalho de pesquisa tem por intuito refletir acerca da terminologia do
projeto político pedagógico, sua conceituação e os principais percalços de
sua elaboração no âmbito escolar assim como a contribuição do mesmo para
construção e viabilização da gestão democrática nas escolas, a discussão
deste tema se justifica, tendo em vista a necessidade de se aprofundar a
reflexão sobre a estrutura e o processo de elaboração do projeto pedagógico
para uma prática pedagógica democrática, voltada à qualidade da educação.
Essa reflexão se faz necessária por se constatar que ainda existem escolas que
não possuem uma gestão democrática, que é um dos princípios observados
no Projeto Político Pedagógico, e não têm uma efetiva participação dos
professores na elaboração e construção da proposta pedagógica da escola.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Projeto Político-Pedagógico; gestão democrática; participação.

15
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Em 1988 uma nova Constituição Federal entra em vigor


trazendo novos direcionamentos para a Educação brasileira, a partir
deste ano considera-se a educação um direito fundamental a todo e
qualquer cidadão brasileiro, porém, esta reformulação não garantiu
aos cidadãos uma devida qualidade no sistema de ensino, sendo
necessárias políticas educacionais que proporcionassem uma melhor
organização da instituição escolar para que pudessem cumprir com
êxito as finalidades educativas.

Com as novas diretrizes em vigor, a escola assume sua função


social e abrange seu leque de possibilidades, ficando cada vez mais
complexa e diversa. Para resolver essas questões se faz necessária
vista minuciosa acerca das concepções e metodologias para que
possam atender as novas demandas da sociedade atual.

A grande parte da sociedade espera e cobra das escolas a


formação de indivíduos éticos, adaptáveis, criativos e que lidem com
rapidez, competência, criticidade e que estejam preparados para o
mercado de trabalho, porém, se faz necessário indagar: Proporcionamos
em nossa vida que essas qualidades sejam trabalhadas? Colaboramos
de forma participativa e cidadã com as escolas para que isso se realize?

Na construção de um modelo escolar que assegure aos


cidadãos o exercício de função social contribuindo para que a
população se aproprie e faça uso dos conhecimentos, é necessário
primeiramente a organização do currículo escolar pautados nessa
nova realidade colaborativa que realmente reflita os anseios desta
sociedade em questão, contextualizando-os na comunidade
local e global em que está inserida. Em um segundo momento,
as instituições escolares precisam avançar na construção de uma
SUMÁRIO gestão compartilhada, promover nas escolas abertura para o diálogo

16
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

e relação com a comunidade, assim os colegiados das escolas,


conselhos, grêmios estudantis, associações de pais são algumas
possibilidades importantes para uma gestão democrática.

Em contrapartida, não é uma única solução a existência dessas


possibilidades, é necessário que no interior escolar estes espaços de
construção e diálogos estejam abertos para que os participantes sintam
que colaboram efetivamente nas decisões tomadas, contribuindo e se
responsabilizando com os resultados alcançados.

É neste entorno que o Projeto Político Pedagógico se insere como


possibilidade de interação da comunidade escolar para a construção
de uma escola que possa atender os anseios da sociedade atual.

Conceitualmente o Projeto Político-Pedagógico (PPP) seria,


segundo Veiga (1998):
O Projeto Político-Pedagógico busca um rumo, uma direção.
É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um
compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto
pedagógico da escola é, também, um projeto político por
estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico
e com os interesses reais e coletivos da população
majoritária. (VEIGA, 1998, p. 43).

Neste ponto de vista o projeto político pedagógico compõe


um importante instrumento para a gestão democrática afim de uma
efetivação educativa, uma vez que para que aconteça de fato, o
mesmo obedece a princípios fundamentais em sua execução: a
autonomia e a participação dos membros para as decisões que
circundam a escola como um todo.

Nesta perspectiva, o PPP constitui-se de um instrumento


feito coletivamente que integra e direciona o processo de mudança
na escola, unindo todos os setores do ambiente escolar com a
comunidade em questão participando ativamente da feitura deste
SUMÁRIO

17
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

modelo de educação democrática que venha proporcionar a qualidade


educacional esperada. Deste modo, este instrumento é capaz de
estimular mudanças organizacionais, proporcionando de forma
coparticipativa a mediação e soluções de conflitos e necessidades
atuais efetivando assim, a função social da escola.

Para execução do projeto político-pedagógico nas escolas,


temos que ter em vista também que o mesmo está para além do mero
cumprimento de projetos burocráticos, em uma gestão democrática
a realização do projeto obedece aos quesitos que perpassam a
comunidade escolar. Espera-se que para a elaboração do PPP hajam
a participação do grupo gestor, pais, alunos e funcionários englobando
assim uma gama variada de sugestões e opiniões sobre as medidas
que deverão ser tomadas para a melhoria da escola.

Neste caso a comunidade escolar deve estar compromissada


a esboçar opiniões e soluções que proporcione a melhoria da
escola, envolvendo principalmente às decisões que dizem respeito
aos aspectos administrativos, pedagógicos e organizacionais que
permeiam o âmbito escolar. O eixo fundamental do projeto se dá com
a participação dos sujeitos que compõem a comunidade escolar,
efetivando a feitura de um PPP democrático rompendo com as velhas
estruturas que produzem relações hierárquicas de poder, marcadas
pelo centralismo e pelo autoritarismo na gestão, objetivando uma
maior abertura e uma efetiva participação dos diferentes segmentos
na definição e na construção dos rumos da escola.

O QUE É PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO?

Utilizando-se de discussões e análises de alguns autores,


um princípio fundante para o estudo da temática está ligado a
SUMÁRIO

18
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

própria conceituação do título do projeto. Afinal quais as intenções


e pretensões no uso das palavras político e pedagógico juntas para
intitular este projeto?

Perguntas como: o que é projeto? O que significa projeto


pedagógico? Porque é político e seu caráter pedagógico? São
apenas algumas indagações que tentaremos explanar neste trabalho,
assim como refletir acerca do seu processo histórico, implicações no
cotidiano escolar e suas repercussões no processo educacional para
que possamos compreender as limitações e problemáticas que o
projeto político-pedagógico perpassa desde sua inicial elaboração até
sua efetivação no cotidiano escolar.

Em uma breve conceituação dos termos que intitulam


esse instrumento, podemos citar alguns autores que debruçaram
estudos sobre a temática afim de esclarecer e conceituar as
terminologias. No que se refere ao uso da palavra Projeto, Veiga
(1995, p. 12) diz que “[...] ao construirmos os projetos de nossas
escolas, planejamos o que temos intenção de fazer, de realizar.
Lançamo-nos adiante, com base no que temos, buscando o
possível. É antever um futuro diferente do presente”. Refletindo,
portanto, o projeto político-pedagógico implica em uma discussão
em coletividade dos princípios e metas que darão subsídios à ação
educativa escolar, seja na metodologia utilizada, currículo ou marco
referencial proposto. A feitura do mesmo deve ter vistas além do
presente, projetando novas ações para o futuro da mesma.

Uma vez visto o porquê da intitulação Projeto para o instrumento,


refletiremos acerca do uso da palavra político. Segundo Vasconcellos
(2000, p. 35) “[...] planejar é antecipar mentalmente uma ação a
ser realizada e agir de acordo com o previsto.”. Assim, a ação de
planejar o PPP requer o conhecimento e a percepção da realidade
dos sujeitos envolvidos na ação educativa, assim como estratégias
SUMÁRIO que promovam as mudanças esperadas. Neste processo de decisões

19
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

envolvem opções, escolhas, posicionamentos, poder e prioridades,


que irão possibilitar a transformação no seio escolar e na comunidade,
características estas que fomentam um ato político.

Conceitualmente alguns autores utilizam a expressão projeto


político-pedagógico, enquanto outros preferem intitular apenas como
Projeto Pedagógico. Segundo estudos de Pereira (2006, p. 1), não há
diferenças entre os dois termos: ambos são “[...] usados para designar
o mesmo sentido de pro-jetar, de lançar, de orientar, de dar direção
a uma ideia, a um processo pedagógico intencional alicerçado nas
reflexões e ações do presente.”.

A autora utiliza-se do termo Projeto Pedagógico no qual explana


que: “[...] para alguns autores, o qualificativo Político da composição
do termo, já é assumido pelo adjetivo Pedagógico, uma vez que não há
ação pedagógica que não seja política e que todo Projeto Pedagógico
é voltado para uma ação transformadora” (PEREIRA, 2006, p. 2).

Como já explicado pela autora, embora a mesma opine pelo


não uso do termo político, em sua própria definição do significado do
termo pedagógico já está incutido o termo de ato político uma vez
que a mesma entende que a ação pedagógica constitui-se também
de um ato político.

Já os autores que preferem utilizar o termo político na definição


do projeto como: Paro (2002) diz que:
A escola não é considerada neutra, estando necessariamente
articulada com uma concepção particular de mundo e de
sociedade. Não se trata, portanto, de associar ou não a
educação escolar com a política: esta já está implícita na ação
da escola, que, longe de ser universal, numa sociedade de
classes, atende aos interesses dos grupos dominantes que,
por meio dela, incutem a concepção de mundo e de homem
que lhes é mais favorável. Essa maneira de abordar o papel da
escola com relação à política se restringe, em grande parte, aos
SUMÁRIO grupos que têm acesso a uma concepção crítica da escola e da
sociedade. (PARO, 2002, p. 01).

20
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Outro autor que defende o uso do termo Político, comungando


com a opinião de Paro, uma vez que partem da concepção de que
o Projeto pedagógico também tem uma concepção politizada,
Vasconcelos (2002) explicita que:
[...] faz-se referência ao compromisso com a formação do
cidadão para a sociedade. Considera-se importante manter o
político para jamais descuidarmos desta dimensão tão decisiva
do nosso trabalho, não nos esquecermos dos coeficientes de
poder presentes nas práticas educativas e nas suas interfaces
com a sociedade como um todo. (VASCONCELOS, 2002, p. 19).

Assim, podemos concluir com as citações acima que a própria


ação de feitura do projeto se enquadra como ato político ao trazer em
seu conteúdo a definição e pretensões do tipo de cidadão que devemos
formar. Indagações como: Formar cidadãos para emancipação ou
reprodução do sistema vigente? Para quem serve a sociedade e a
Escola atual? Quais são as referências para e elaboração do PPP? São
algumas reflexões que circundam a feitura do PPP e que devem estar
em pauta para que na formulação do mesmo possam gerar estratégias
para a construção de uma educação nova.

Deve-se ter em vista que a política auxilia o homem no seu


convívio social, com o advento da ação política, o indivíduo pode
organizar-se em sociedade estabelecendo direitos e deveres como
cidadão, possibilitando a escolha das prioridades e iniciativas para
solução de conflitos em esfera individual, como também em ações
coletivas para que surjam soluções que possam resolver os problemas
da maneira mais viável. Espelhando nestes objetivos o PPP tem a
função semelhante de agregar as pessoas de forma equilibrada e
participativa para que deliberem a resolução de problemas do seio
escolar assim como os caminhos a serem trilhados.

Em relação ao uso do termo pedagógico Veiga (1995, p. 13)


elucida que o uso do mesmo traduz a intenção/missão da escola, ou
SUMÁRIO

21
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

seja, que se quer formar o cidadão “[...] participativo, responsável,


compromissado, crítico e criativo, sendo assim, pedagógico, portanto,
com o objetivo de propor ações educativas para atingir suas metas,
propósitos etc”, assim desvelando a intencionalidade da escola, a
finalidade última de sua existência, porém como o autor Severino (1992,
p. 80) defende, se não existir uma “intencionalidade compartilhada”
pelos indivíduos na construção do projeto, o mesmo não atinge a
dimensão pedagógica.

O próprio projeto pressupõe que haja uma ação coletiva dos


indivíduos que compõe a comunidade escolar. Está para além de
um mero grupo de pessoas para realizar um plano, os indivíduos
envolvidos representam uma direção, um rumo, um compromisso
com a mudança e qualidade do que está e será lecionado na escola,
articulando os anseios de todos os setores.

O termo pedagógico faz referência à manutenção da efetivação


da função social exercida pela escola, garantido aos indivíduos uma
formação social, crítica e participativa para que possam modificar a
realidade em que estão inseridos. Veiga (1995, p.13) explana que: “[...]
temos que nos alicerçar nos pressupostos de uma teoria pedagógica
crítica e viável, que parta da prática social e esteja compromissada
em solucionar os problemas da educação e do ensino da nossa
escola”. Necessitamos de um planejamento pedagógico que ponha
em prática o novo paradigma educacional, uma vez que, a escola
também pode proporcionar aos indivíduos um local de se fazerem
cidadãos críticos e atuantes para que não sejam apenas reprodutores
da sociedade vigente, mas conscientes da realidade em que vivem
e com criatividade e dinamismo propor soluções aos problemas
vivenciados. Para isso, implica-se uma organização nos setores da
escola, desde a parte administrativa, financeira até a pedagógica,
abrangendo os princípios, métodos e eixos que delimitam a escola
SUMÁRIO como um todo, incluindo desde a gestão escolar até o trabalho do
professor na dinâmica interna de sala de aula.

22
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Após a reflexão do uso dos termos para definir o PPP, podemos


chegar em uma definição em que se aproxima a utilização dos termos
o autor Eyng (2002) conceitua os termos empregados: projeto político-
pedagógico da seguinte forma:
Denomina-se projeto porque faz uma projeção da intencionalidade
educativa para futura operacionalização, a teleologia, ou seja,
a finalidade de cada organização educativa expressada nos
seus processos e metas propostos. [...] Denomina-se político
porque é coletivo, político porque é consciente, político porque
define uma posição do grupo, político porque expressa um
conhecimento próprio, contextualizado e compartilhado. Político
porque supõe uma proposta coletiva, consciente, fundamentada
e contextualizada para a formação do cidadão. Denomina-se
projeto pedagógico porque define a intencionalidade formativa,
porque expressa uma proposta de intervenção formativa,
refletida e fundamentada, ou seja, a efetivação da finalidade da
escola na formação para a cidadania. (EYNG, 2002, p. 26).

Este documento durante toda sua feitura caminha para


a obtenção de um processo organizado e participativo, onde a
comunidade escolar possa exercitar de forma coletiva e democrática
sua autonomia na tomada de decisões para a melhoria da prática
escolar, Vasconcellos (2002), diz que o PPP é:
[...] o instrumento que define, mediante planejamento coletivo,
os processos da gestão da escola. O projeto pedagógico é,
portanto, o veículo do planejamento e a principal ferramenta
da gestão. Nesse são definidos, organizados, normatizados e
acompanhados os processos de aprendizagem e participação,
individual e coletiva, no espaço escolar. (VASCONCELLOS,
2002, p. 169).

Portanto os termos político e pedagógico têm uma significação


indissociável, uma vez que podemos considerar que o mesmo é um
processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola,
na busca de alternativas viáveis a efetivação de sua intencionalidade
(VEIGA, 2004, p.15). O instrumento deve promover através da integração
SUMÁRIO

23
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

coletiva algumas ações que possibilitem a organização pedagógica da


escola, e nesse processo ressaltar o caráter político da educação e
o compromisso com a mudança. Por tanto, a preferência pelo termo
projeto político-pedagógico à terminologia proposta pedagógica ou
até mesmo plano global, deve-se ao fato de considerar a primeira
mais abrangente e contemplar desde as dimensões mais especificas
da escola, administrativas, financeiras e pedagógica até as mais gerais
políticas, culturais e econômicas.

Para além dos significados incutidos na terminologia do projeto,


devemos pôr em pauta também os passos de elaboração do mesmo,
analisando as partes que compõe o projeto. Assim, para ser efetivado
como instrumento que favorece a mudança, em consonância com os
princípios de uma educação democrática e emancipatória, Veiga (1998)
define que o PPP precisa atender a alguns pressupostos norteadores:
filosófico-sociológico; epistemológico e didático-metodológicos.
Portanto, no que se refere ao pressuposto filosófico-sociológico:
a concepção de educação está relacionada ao tipo de homem e
sociedade que se quer construir, levando em consideração uma
prática educativa que vise a formação e o desenvolvimento humano;
no pressuposto epistemológico: está diretamente relacionada à
concepção democrática da produção do conhecimento, da construção
coletiva vinculado a uma concepção construtivista do conhecimento
como um processo contínuo e participativo; e os pressupostos didático-
metodológicos dizem respeito ao caráter sistematizado dos processos
de ensino e aprendizagem, devendo estar coerentes com os princípios
emancipatórios e democráticos que queremos consolidar.

A partir dos princípios norteadores, podemos citar também


algumas ações para operacionalização do PPP assim como sua
efetivação na escola, Padilha (2007) afirma que todas as ações do
PPP visam garantir a participação efetiva dos vários segmentos
SUMÁRIO nas ações educativas; precisa ser flexivo e portanto, ser sempre

24
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

um processo em conclusão; precisa proporcionar a melhoria da


escola também nos seus aspectos administrativos e financeiros, e
portanto integra a escola enquanto unidade articulando todos os
aspectos e setores que compõem uma instituição escolar; precisa
ter metas a médios e longos prazos, considerando a educação
um fenômeno social que se desenvolve em tempos específicos;
como um instrumento de mudança tem que promover reflexão da
prática pedagógica continua consequentemente garantir avaliação
periódica de todo processo implementado.

ANÁLISE SOBRE A ELABORAÇÃO DO


PPP NAS ESCOLAS MUNICIPAIS

Desde a implantação da Lei n° 9.394/96, já citada, pesquisadores


abordam esta temática, impulsionando cada vez mais trabalhos sobre
a gestão do Projeto Político-Pedagógico, uma vez que, como constitui-
se de um projeto bastante particular de cada escola, há uma variedade
de divergências dependendo da realidade de cada escola, cada bairro,
cada cidade, mostrando-se um trabalho bastante diverso englobando
um mundo de opiniões diversas sobre o que é realmente necessário
para a escola e para os indivíduos que à compõem.

Um exemplo da diversidade de problemáticas se verifica na


prática cotidiana, como já fora citado o PPP tem por objetivo central
a participação dos diversos grupos que compõe a escola, porém
nem sempre é seguido. Muitos dos projetos formulados pelas
escolas se quer são divulgados para comunidade escolar, ficando
restrito apenas ao grupo gestor da escola, não respeitando o intuito
fundamental do PPP e excluindo os outros grupos formadores da
escola, dando origem à um projeto que não representa os variados
SUMÁRIO seguimentos que à pertencem.

25
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Para assegurar que o projeto político pedagógico possa


efetivamente representar os seguimentos e que reflita os anseios dos
mesmos é de suma importância que os cidadãos possam exercer o
direito de participar ativamente do processo para que possa garantir
um modo de gerir mais democrático. Essa participação deve ser
igualitária entre todos os sujeitos, independente da sua classe social,
num sistema político de democracia integral. (ARRUDA e BOFF, 2000,
p. 19) dizem que: “[...] democracia integral seria o sistema político
que garante a cada um e a todos os cidadãos a participação ativa
e criativa, enquanto sujeitos, em todas as esferas de poder e de
saber da sociedade; o sistema que garante a cada um e a todos o
direto de sermos coautores do mundo”. Com isso, proporcionando
o exercício efetivo de cidadania aos indivíduos, considerando neste
estudo cidadania como:
Situação social que inclui três tipos distintos de direitos,
especialmente em relação ao Estado: 1) direitos civis, que
incluem o direito à livre expressão, de ser informado sobre o
que estão acontecendo, de reunir-se, organizar-se, locomover-
se sem restrição indevida e receber igual tratamento perante a
Lei; 2) direitos políticos, que incluem o direito de votar e disputar
cargos em eleições livres; 4) direitos socioeconômicos, que
incluem o direito ao bem estar e a segurança social, a sindicalizar-
se e participar de negociações coletivas com empregadores e
mesmo o de ter um emprego. (JONHSON, 1997, p. 34).

Portanto, a cidadania reflete o direito de todos de fazer uso dos


conhecimentos produzidos e acumulados historicamente profundamente
necessários para se conviver em sociedade. Este modo de cidadania
segundo Arruda (2000):
[...] refere-se a este modelo como cidadania ativa, requerendo
o movimento da sociedade civil para o seu próprio
desenvolvimento, capazes de redefinir o Estado e subordinar
a atividade econômica aos objetivos maiores da existência do
planeta, uma sinergia das consciências individuais em prol da
SUMÁRIO coletividade. (ARRUDA, 2000).

26
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Dentro desta perspectiva por enquanto utópica, o mercado


precisaria ser estruturado a serviço do exercício da cidadania a toda
a população, mas a realidade do país é de que apenas a minoria da
população possui estes direitos respeitados; a maioria, no entanto,
sobrevive muitas vezes sem as mínimas condições de subsistência e
excluídos das mínimas condições de convivência social digna.

A participação é um problema emblemático na construção


do PPP, há de se considerar que além da questão de ter que
assegurar a participação dos segmentos, podemos constatar que
há uma variada gama de modos de se participar. Uma vez que, a
participação não é o único problema a se enfrenta ou até mesmo a
fata desta, mas também pode ocorrer a falsa participação. Para isto
o gestor educacional necessita ter clareza, teórica e prática, de que
a participação não se realiza de uma única forma e nem sempre com
as mesmas características. Por fim, como reflete o estudioso Lucas
(1975): Apenas o ato de participar não implica que isso será de fato
bom. A participação é um tema que está em voga, mas precisamos
analisá-la compreendendo suas diversas faces. Todos a desejam, mas
por vezes os envolvidos estão poucos satisfeitos com as tentativas de
alcançarem suas pretensões.

Como ação coletiva, este instrumento é cerceado de opiniões,


discussões e diálogos múltiplos, uma vez que tratamos de um projeto
escrito a várias mãos, considerando as opiniões similares e também
as conflitantes, uma vez que tratamos de vários segmentos na
elaboração do mesmo.

Outra situação problemática se dá em relação a própria


nomenclatura do documento, ao se falar em projeto político é de certa
forma inevitável um certo afastamento, em relação aos pais, por muitas
vezes tratar o termo com sentidos pejorativos ao caráter político da
educação de maneira que tem contribuído para confundir as camadas
SUMÁRIO populares, afastando-as do exercício da ação política inerente ao

27
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

homem. Uma vez que nem todos são devidamente esclarecidos sobre
o que de fato compõe o projeto e o porquê do uso da palavra político do
mesmo. Deve-se esclarecer para todos os seguimentos que compõe
o PPP que, a dimensão política do projeto pedagógico é considerar
o ato político uma necessidade para o convívio social, um elemento
constituinte da relação humana e das relações que se constroem
no cotidiano escolar. Nesse processo, o diálogo tem uma função
essencial a prática do diálogo favorece a prática política. O diálogo
segundo Freire (1982, p. 43) é “[...] o encontro amoroso dos homens,
que mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam,
e transformando-o, o humanizam para humanização de todos”.

Diante as dificuldades que perpassam a feitura deste processo


Gadotti (1995, p 36), analisa estes entraves na execução democrática
efetiva do mesmo, onde cita as seguintes fragilidades:

a) a nossa pouca experiência;

b) a mentalidade que atribui aos técnicos e apenas a eles a


capacidade de planejar e governar e que considera o novo incapaz
de exercer o governo ou de participar de um planejamento coletivo em
todas as duas fases.

c) a própria estrutura de nosso sistema educacional que é vertical;

d) o autoritarismo que impregnou nossa prática educacional;

e) o tipo de liderança que tradicionalmente domina nossa


atividade política no campo educacional.

De acordo com este contexto que permeia a realidade atual,


cabe aos atores deste processo construir sua autonomia através do
projeto pedagógico contribuindo para um fazer democrático, onde cada
indivíduo do seio escolar percebam como atores de transformação. A
SUMÁRIO autonomia escolar é reafirmada na construção de vínculos de tomadas

28
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

de decisões com o objetivo de sanar as necessidades da escola. A


autonomia nas decisões compactuadas só poderá ser anulada por
força da lei, destacando assim tal importância para este documento.
Os autores Sousa e Corrêa (2002, p. 59), sobre a questão da autonomia
enfatizam que “[...] ao procurar construir sua autonomia, a escola
se depara com inúmeras dificuldades: umas de caráter burocrático,
outras pedagógicas e ainda outras de natureza histórica”.

O conceito de autonomia, neste caso específico, não está


diretamente ligado a uma total independência ou isolamento da escola,
assim como não é algo adquirido ou herdado de outrem, mas como
uma construção inter-relacional proporcionando à escola a elaboração
de sua própria identidade.

Segundo Veiga (1998), o processo de elaboração do PPP deve


seguir algumas características essenciais: deve ser um processo
participativo; preocupar-se na resolução de conflitos e contradições
do projeto educativo; explicitar princípios e fundamentos da autonomia
da escola, na solidariedade e ação coparticipativa entre todos; conter
direcionamentos claros e por fim explicitar o compromisso com a
formação do cidadão. Estas características que um PPP deve ter
estão ligadas a concepção do mesmo, onde os membros participantes
devem ter em mente.

Assim com as concepções bem definidas para os membros, o


PPP poderá ser concebido pela comunidade escolar contendo em seu
interior os dilemas, os princípios norteadores, os sonhos e entraves do
processo em busca da qualidade na educação.

SUMÁRIO

29
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, consideramos que a instituição escolar também detém


uma função transformadora da sociedade, tal que a importância do
projeto político pedagógico se torne tão importante no âmbito escolar
para que possibilite ações de mudança que proporcione uma efetiva
consolidação da democracia no país, como cita Matiskei (2006):
[...] compete a educação e a escola, nesse sentido, ser um
meio de contestação da ordem dominante, trabalhando para
a superação de projeto políticos pedagógicos que conformem
os sujeitos aos padrões de exclusões decorrentes do processo
capitalista de produção. Criar espaços para que o novo
modelo seja problematizado, com vistas a sua superação, é
o compromisso que cabe a escola, ainda que a mesma não
detenha todas as armas para as transformações das relações
vigentes. (MATISKEI, 2006 p. 4).

Como explanado acima, as reflexões expostas pelo autor


conduzem a interpretações do PPP como instrumento que pode ser
utilizado pela comunidade escolar para possibilitar uma mudança, e a
efetivação de um modelo de educação emancipatório e democrático
que tenha como finalidade a transformação da realidade vigente. Nesse
sentido, sua efetivação está intimamente vinculada à sistematização
das intenções escolares, sendo parte constitutiva da organização
permanente da unidade escolar, uma ação coletiva e coparticipativa
de todos os elementos que compõem a rede educativa.

Como explanado neste artigo o projeto político pedagógico


deve possibilitar a construção de uma discussão coletiva, onde
leve em consideração as igualdades e divergências de opiniões
para que possam chegar à um acordo acerca dos rumos que a
escola deve tomar, deve-se envolver a comunidade como um todo
de maneira tal que possam dar origem ao novo, não reproduzindo
SUMÁRIO os velhos problemas e dilemas que a escola perpassa ou passou e

30
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

sim dar origem a novos projetos buscando se aproximar ao máximo


da realidade social da comunidade. Necessita-se, para alcançar
seu objetivo primordial, ser um compromisso social e pedagógico,
garantindo a permanência e acesso dos alunos na escola, práticas
educacionais de qualidade, criando ações de organização de um
trabalho pedagógico focado em uma educação emancipatória, que
possa expandir as possibilidades de mudanças fundamentais no seio
escolar para uma melhoria na educação.

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econômicos, éticos e educativos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
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Revista Educação em Movimento. v. 1, n. 2, p. 59-69. Curitiba, mai.-ago./2002a.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
GADOTTI, M. Impacto da dívida externa na política educacional brasileira.
In:ROMÃO, J. E. (org.). Dívida externa e educação para todos. Campinas:
Papirus,1995.
JONHSON, Allan. G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem
sociológica. Rio e Janeiro: Jorge Zahaar,1997.
LUCAS, R. Democracia e participação. Brasília: Universidade de Brasília, 1985.
MATISKEI, Angelina. R. M. Políticas Públicas de Inclusão Educacional:
Desafios e perspectivas. In Revista da Escola Superior do Ministério Público,
UFPR, 2006.
PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: Como construir o projeto
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PARO, V. H. Implicações do caráter político da educação para a
administração da escola pública. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 28,
n. 2, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-
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SUMÁRIO

31
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

PEREIRA, E. M. de A. Subsídios para a elaboração do


projeto pedagógico. Disponível em: <http://webcache.
googleusercontent.com/search?q=cache:6TToyLH70g4J:ftp://
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Acesso em: 8 jun. 2019.
SEVERINO, J. O diretor e o cotidiano na escola. Idéias. v. 12. São Paulo:
FDE,1992.
SOUZA, S. A. F. Projeto Político-Pedagógico: historicizando conceitos para
deslocar práticas. Disponível em: <http:// uniprofes2.blogspot.com/2007/05/
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VASCONCELLOS, C. S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto
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VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento. Projeto de Ensino
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possível. Campinas: Papirus, 1995.
VEIGA, Ilma Passos A. (org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma
construção possível. Campinas: SP.Papirus, 2004.
VEIGA, Ilma Passos A.RESENDE, Lucia Maria Gonçalves (Orgs.) ESCOLA:
Espaço do Projeto político-pedagógico. 8ª Edição. Campinas: Papirus, 1998.

SUMÁRIO

32
2
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 2

GÊNERO E SEXUALIDADE NA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: UMA
ANÁLISE TEÓRICA E CRÍTICA
SOBRE CONCEPÇÕES E DESAFIOS
FRENTE AOS CONTEXTOS
REGULADORES CONTEMPORÂNEOS
Edison Vieira Kiss

GÊNERO
Edison Vieira Kiss

E SEXUALIDADE
NA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA:
uma análise teórica
e crítica sobre concepções
e desafios frente aos
SUMÁRIO
contextos reguladores
contemporâneos
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.33-59 33
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Este trabalho propõe uma revisão teórica crítica sobre o cenário sociopolítico
brasileiro, especialmente no que se refere aos contextos escolares,
concentrando análises discursivas acerca dos temas gênero e sexualidade,
buscando problematizar concepções, compreender processos e investigar
ideias sobre estes temas e sua relevância na sociedade e na educação. Busca-
se reafirmar a importância de uma educação pública socialmente crítica, laica,
democrática e emancipatória, analisando discursivamente os rumos que
temos tomado e seus possíveis efeitos. Encarar os desafios contemporâneos
e não desistir da luta por uma sociedade mais humanitária, plural e igualitária
em suas diversidades é tarefa essencial para repensarmos a educação e a
escola que construímos cotidianamente.

Palavras-chave:
Educação; sociopolítica; gênero; sexualidade.
SUMÁRIO

34
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

O QUE ENTENDEMOS POR EDUCAR?

Ao iniciar este estudo, é importante contextualizar algumas


definições e perspectivas basilares para esta leitura. Primeiramente,
é necessário estabelecer um lugar de entendimento sobre o que
significa educar. Em concordância com Rubem Alves, é possível
afirmar que o ato de educar se traduz essencialmente em cultivar
a alegria pelo pensar, pelo descobrir, pelo aprender. É através do
pensar que se constroem todos os saberes. E em um contexto
pós-moderno de facilidades nos acessos à informação, educar se
relaciona especialmente com o ensinar a pensar, ensinar o que fazer
com as informações (ALVES, 2011).

A educação também remete ao aspecto do inacabamento


ou da inconclusão do ser humano. Em nosso contexto, faz-se
criticamente relevante levar em consideração as naturalizações atuais
do determinismo material e as fortes demandas de uma estrutura
capitalista neoliberal que apresenta terríveis excitações e aspirações
bastante desumanizadas. Esta estrutura sistêmica se fundamenta
em bases discursivas, sociais e culturais que retroalimentam nossas
condutas e, de igual forma, as nossas próprias práticas pedagógicas.
Portanto, não podemos esquecer que o processo de educar requer
o cultivo da percepção que apreende o ser humano como um ser
essencialmente histórico-social, com potencial de autotransformação
e ação (FREIRE, 1986).

Influenciada fortemente por valores e concepções sobre vida


e trabalho, em especial pelos interesses tecnoburocráticos – estes
notavelmente imediatistas, não desenvolvimentistas e exclusivamente
econômicos, herdeiros de um capitalismo neoliberal desumano
(PEREIRA, 1972, p.30) - a escola encara mais do que nunca (em
um Estado ensaísta e ameaçador) a necessidade de repensar o
SUMÁRIO

35
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

significado, as funções e as potencialidades do ato de educar. Faz-se


necessário revisar nossos paradigmas e posturas diante da luta por
uma vida social mais justa. A escola precisa urgentemente repensar
filosoficamente sua identificação com o ser e sua afinidade com o ter,
não permitindo que uma nova onda de extremos retrocessos ofusque
sua percepção da dignidade humana e adormeça suas consciências
com o ópio do consumismo (GONZÁLES e DOMINGOS, 2005, p.78).

Educar não significa apenas transmitir e adquirir bons hábitos,


mas principalmente promover momentos, meios, reflexões e ações
voltados aos múltiplos desenvolvimentos e potencializações dos
seres humanos, enquanto seres histórico-sociais que lutam contra os
perigos constantes da desumanização e esforçam-se por humanizar-
se cada vez mais (GONZÁLES e DOMINGOS, 2005, p.9). Enquanto
instituição educativa, a escola está destinada a mediar a relação
sociedade/indivíduo, “contribuindo à construção do sujeito social” e
“intervindo na construção da sua personalidade”. (GUY COQ, 2001: 45
apud GONZÁLES e DOMINGOS 2005, p.49). Em um contexto humano
tão diverso, com a presença das pluralidades étnicas, de classe, e
sociocultural de nossa sociedade, a escola deve manter-se atenta
para que não se torne - ou não continue sendo - uma incubadora e
mantenedora de desigualdades sociais.

Na era da “emulação individualista” e do “salve-se quem


puder” da competição de mercado, educadores não podem
esquecer da responsabilidade social daquilo que fazem. Não
podemos esquecer que educar é aventurar-se coletivamente pelos
afetos e sensibilidades, pelos conhecimentos e saberes, pelas
expectativas e experiências, pelas atitudes e valores, pelos sentidos
da vida. Educação não se limita simplesmente a uma lógica
econômica e corporativa baseada exclusivamente na mera adição
de conhecimentos para o trabalho. (ALVES, 2012).
SUMÁRIO

36
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Ao afirmar que não há necessidade em se separar instrução de


educação, Guilherme e Picoli (2018) também sugerem que separar
estas duas dimensões, além de indesejável, é impossível. No entanto,
ao citar Morgan e Guilherme (2015), os autores denotam os dois
níveis interconectados da educação: o externo (instrução), que se
relaciona com a transferência de conhecimentos e habilidades (que
preparam para o trabalho e outras colaborações sociais), e o interno
(educar), que se preocupa com a formação do caráter, igualmente
conectado com sua forma de se relacionar em sociedade. Sendo
assim, tanto em seu nível interno quanto no externo, o ato de educar
em si, é sempre uma ação política, pois prepara para o convívio e
para a participação social, a cidadania.

No cenário brasileiro de reestruturação de poderes políticos


e pautas estatais, a educação democrática e emancipatória, a
liberdade crítica de pensamento e a diversidade de visões de mundo
são paradigmas em forte conflito e em processo de constante
reconfiguração no espaço e na dinâmica escolar.

Em um processo de ressignificação dos Direitos Humanos,


a agenda neoliberal conservadora (que tem conquistado notável
espaço político no Brasil desde 2015) compactua fortemente com o
movimento conhecido como Escola sem Partido (ESP). Alegadamente
“apartidário” e anti-ideológico - mesmo que ironicamente – este projeto
de lei (PL) n. 193/2016 foi apresentado, em 2016, com a autoria do
senador pelo estado do Espírito Santo, Magno Pereira Malta, do
Partido da República (PR). Em 2019, o ESP parece conquistar cada vez
mais espaço discursivo nas escolas, principalmente após a gerência
do MEC estar sob o governo de Jair Bolsonaro, aquele que detém
o mais alto cargo político do Estado e que, desde seus desconexos
discursos eleitorais, atua contra a pluralidade democrática, contra os
Direitos Humanos e contra o ideal de um sistema educacional público
SUMÁRIO de maior abrangência e melhor qualidade.

37
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Um dos principais objetivos do ESP é declaradamente impedir


que debates como gênero e educação sexual sejam abordados no
contexto escolar, cunhando teimosa e leigamente como “ideologia
de gênero” qualquer dedicação a estas discussões. Pesquisas
importantes feitas por especialistas na área da educação sobre este
movimento autoritarista, como a de Ramos e Santoro (2017), Saraiva e
Vargas (2017), a de Guilherme e Picoli (2018), e tantos outros estudos
têm contribuído para alertar sobre os perigos desta articulação
obscurantista que nos ameaça a nível nacional.

Estas pesquisas, dirigidas pela criticidade de educadores e


cientistas da educação, têm evidenciado o fato de que o movimento ESP,
além de (paradoxalmente) afirmar-se neutro política e ideologicamente,
deixa de atuar pela defesa da pluralidade e da valorização da cultura
democrática, reforçando e doutrinando a uma crescente cultura de
censura e de delação na escola. Como afirma Ribeiro, em A ideologia
do movimento Escola sem Partido: 20 autores desmontam o discurso
(2016), é importante reconhecer o conceito de ideologia obviamente
presente no movimento ESP e suas nocivas implicações no âmbito
das políticas públicas. Esta consideração, embora frustrante, se faz
essencial nas lutas pela preservação dos conjuntos de leis e conquistas
alcançadas no campo da educação, dos Direitos Humanos, e dos
direitos de grupos socialmente minoritários nas últimas décadas,
atualmente cada vez mais em risco.

Ao tratar da importância do contexto escolar nos processos de


transformação social, Miskolci (2012, p.51), nos alerta de que:
O grande desafio na educação talvez permaneça o mesmo: o
de repensar o que é educar, como educar e para que educar. Em
uma perspectiva não normalizadora, educar seria uma atividade
dialógica em que as experiências até hoje invisibilizadas, não
reconhecidas, ou mais comumente, violentadas, passem a ser
incorporadas no cotidiano escolar, modificando a hierarquia
entre quem educa e quem é educado e buscando estabelecer
SUMÁRIO mais simetria entre eles de forma a se passar da educação para
um aprendizado relacional e transformador para ambos.

38
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

EDUCAÇÃO, RESISTÊNCIA, DESAFIOS


E ENFRENTAMENTOS

As necessidades do cenário educacional no Brasil são


preocupantes e desafiadoras, não simplesmente pelo fato de
que diretrizes importantes têm sido cada vez mais tomadas por
representantes que nada entendem das áreas educativas, mas
também especialmente pelas articulações políticas e discursivas que
se movimentam cada vez mais fortemente, entre os diferentes níveis
do poder público, no esforço de sucatear, por completo, os setores da
Educação. Em um contexto escolar influenciado prioritariamente pela
educação de mercado, pela privatização das instituições escolares
e seus processos educativos, pela precarização da pedagogia (que
ignora as necessidades humanísticas de seus aprendizes e reduz o
pensar crítico de seus alunos pelo medo da complexidade multifacetada
da realidade), pelo apego às tradições e crenças religiosas dentro da
escola, educar na/para cidadania tem sido uma missão socioeducativa
cada vez mais árdua em nossos dias.

Pode-se dizer, todavia, que esta análise vai na contramão das


ideias reguladoras do ESP. Entende-se que o movimento busca coibir
posicionamentos discordantes, diferenças sociais, discussões e
temas, filtrando os debates escolares a partir do dito “crivo moral das
famílias tradicionais” – este representado principalmente por aquelas
estruturas familiares classistas, heteronormativas, e que buscam manter
hegemonicamente as estratificações sociais de maiores privilégios
sociais, de gênero e de classe. Esta revisão crítica, em contrapartida,
busca abrir portas de reflexão que aumentem os diversos debates
da agenda escolar, mas, ainda mais especificamente (devido ao seu
recorte) aqueles relacionados a gênero e sexualidade na educação.

Na medida em que se lança historicamente a debater temas


SUMÁRIO que têm sido foco de conflitos (entre famílias e escolas, políticos e

39
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

cientistas, líderes religiosos e professores, educadores e educandos),


este estudo (essencialmente teórico) busca promover reflexões que
fortaleçam a luta por uma escola mais pluralizada, democrática e livre,
onde não resistam censuras e falsas neutralidades. Onde as diferenças
não sejam naturalizadas como desigualdades. Na luta por uma escola
que não reforce os injustos e distintos padrões binários de gênero,
e que não contribua para assimetrias tão violentas dos privilégios de
homens sobre mulheres, nem naturalize as violências às diversidades
raciais, sexuais e de classe, tornando-se cada vez mais criticamente
empenhada no combate a todos os tipos de intolerância.

Assim sendo, a escola necessita urgentemente repensar sua


postura enquanto agente de transformação social. Rodrigues (2003,
p.58) sugere três posições que caracterizam o modo de ser, organizar-
se e praticar educação. A primeira, retrógrada, imagina que sua
atuação deve sempre ser no sentido de recuperar o tempo perdido, de
realizar educação hoje do mesmo jeito que se realizava há cinquenta,
sessenta ou cem anos atrás, focando em um passado que na realidade
não existe. A segunda, reacionária, ocorre quando a escola é incapaz
de compreender os processos de mudança na sociedade e suas
forças contraditórias, comumente eternizando momentos e ações.
Esta postura também se relaciona com a manutenção de privilégios
e prioridades de ações educativas de grupos socioeconomicamente
dominantes e exclusivistas da sociedade, deixando de respeitar os
interesses, valores e necessidades a partir dos processos de mudança
que ocorrem no tecido social popular. A última, progressista, assume
sua época e suas contradições, organizando-se considerando as
relações de forças e de poder existentes no seu tempo, tornando-se
instrumento de ação das vontades sociais circulantes e impulsionando
processos de mudança recorrentes. Frente às constantes, diversas
e mutáveis realidades sociais, é impossível para a escola assumir
posturas neutras (RODRIGUES, 2003, p. 57, 58 e 59).
SUMÁRIO

40
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Sendo um dos temas-chave, e talvez o tema central da


hostilidade política que movimenta discursos contrários e desfavoráveis
que se acreditam neutros, pesquisar sobre a relevância das reflexões
sobre gênero e sexualidade na escola é, inegavelmente, uma ação
educadora e científica necessária e imediata na luta por uma escola
transformadora e socialmente mais consciente e crítica. Os fatos
sociais que vergonhosamente colocam o Brasil nos primeiros lugares
no ranking de violência contra as mulheres e a violência contra a
comunidade LGBT representam uma justificativa alarmante para
desenvolver este estudo. Encarar os desequilíbrios e assimetrias de
gênero bem como os fortes níveis de preconceito que nos formam
enquanto sociedade é parte de nosso longo dever de casa atrasado,
uma tarefa de humanização urgente.

CONTEXTOS REGULADORES

De igual relevância, algumas diretrizes oficiais e reflexões


teóricas são importantes na revisão destes temas e sua relação com
os contextos escolares e as concepções humanas que os perpassam.
Nosso documento regente é a própria Constituição Federal de 1988.
No Art. 3º, a Constituição brasileira delimita os princípios filosóficos
humanistas que deveriam guiar as práticas educativas, reafirmando
condições essenciais como a liberdade e o pluralismo:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Art. 206 - O ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios: (...) II - liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas,
e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.
SUMÁRIO

41
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Outro importante guia para as práticas educativas é encontrado


na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996).
Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: (...) II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar
e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III -
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV -
respeito à liberdade e apreço à tolerância; XII - consideração
com a diversidade étnico-racial.

Outra ação válida é relembrar as convenções internacionais,


onde as discussões sobre gênero, raça e diversidade sexual estão
fundamentadas e das quais o Brasil é signatário.

Algumas destas convenções mais importantes são:

Declaração dos Direitos Humanos (1948); Convenção da


Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1951), que dispõe
sobre igualdade de remuneração entre gêneros; a Convenção da
OIT de 1952, que versa sobre o amparo materno; Convenção sobre
os Direitos Políticos da Mulher (1953); a Convenção da OIT de
1958, que dispõe sobre a discriminação em matéria de emprego;
Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do
Ensino (1960); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (1966); Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial (1968); a Convenção
Americana de Direitos Humanos de São José (1969); Convenção
Internacional sobre os Direitos das Crianças (1989); Convenção
para Eliminar Todas as Formas de Discriminação sobre a Mulher
(1979); Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher – CEDAW (2002).

Todas estas participações estatais são exemplos práticos


que servem como indicativos das trajetóriapolíticas em que o Brasil
almejava focar esforços nas lutas por maior expansão e preservação
SUMÁRIO dos Direitos Humanos. A partir de uma guinada da representação

42
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

político-partidária, no entanto, o atual governo (eleito e reconhecido


por suas paixões militaristas), que se fundamentou na promessa
da diminuição e da revogação de Direitos Humanos universais,
deixa amplo espaço para inquietações e incertezas sobre os rumos
presentes e futuros. Até que ponto o posicionamento do atual Estado
está seguro em relação à estabilidade dos Direitos Humanos? Não
sabemos. Ao contrário, sabemos da crescente guerra discursiva
contra estes direitos e contra a própria ONU.

OS CONCEITOS DE CONCEPÇÕES, GÊNERO E


SEXUALIDADE NOS PROCESSOS EDUCATIVOS

Para a continuidade desta reflexão torna-se necessário situar


o que se entende aqui por concepção. Tratando dos complexos
pressupostos teóricos que envolvem a conceituação de concepções,
Dilthey (1977) afirma que estas consistem sempre em conexões em
que, “sobre a base de uma imagem cósmica, se decidem as questões
acerca dos significados e dos sentidos da vida e daí se deduzem o
ideal, o sumo bem, os princípios supremos da conduta de vida”.

O autor segue explicando que uma concepção é:


(...) determinada pela legalidade psíquica segundo a qual
a apreensão da realidade, no decurso da vida, constitui o
substrato para a valoração das situações e dos objetos quanto
ao prazer e quanto ao desprazer, ao agrado e ao desagrado,
ao assentimento e à recordação, e esta avaliação da vida
constitui, em seguida, por seu turno, o estrato inferior para as
determinações da vontade. (p. 15).

Para o autor, concepções são valores, apreensões e julgamentos


que fazemos sobre a realidade que nos envolve. O nexo operativo de
SUMÁRIO nossa vida anímica se desenvolve a partir de nossas reações diante

43
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

do mundo de nossas ‘mundivivências’. Todos (as) existimos, vivemos e


coexistimos através de nossas representações e percepções daquilo que
avaliamos e compreendemos como realidade. Estas representações
do real, conjuntos de juízos e conceitos, desenvolvem-se nas
condições mais diversas.

Até certo ponto irregulares e mutáveis, as concepções variam até


mesmo a partir do clima, das etnias, dos povos e nações determinadas
pela história e pelas formações estatais, das delimitações de épocas e
períodos temporalmente condicionados, da cooperação entre grupos
sociais, entre outros. Perpassando todos os níveis de formação de visões
de mundo, as concepções expõem o próprio fundamento da cultura,
este constituído pelos domínios da economia, da convivência social,
do direito e do Estado. Investigá-las pressupõe buscar compreender as
formas como seres humanos entendem, idealizam, pensam e reagem
a determinados aspectos e fenômenos das realidades externas.

Ao tratarmos de concepções relacionadas a gênero e


sexualidade na educação, é importante situar as bases conceituais
que guiam a análise destes termos na (e) para a prática pedagógica.
Levando em consideração o documento que considero o mais
específico e significativo no tema, feito por militantes, pesquisadoras/
es, educadoras/es, estudantes, mães, pais, sindicatos, entidades
e instituições acadêmicas e movimentos feministas, LGBTs e de
Direitos Humanos, chamado de Manifesto pela igualdade de gênero
na educação: por uma escola democrática, inclusiva e sem censuras
(2015), sintetizarei alguns pontos cruciais.

Primeiramente, o próprio conceito de gênero é indispensável para


o aprofundamento desta análise. Diferente de práticas doutrinadoras
encontradas em grupos religiosos, a discussão deste conceito no
espaço escolar, amparada pelos parâmetros da investigação científica
de produção de saberes sobre o mundo, abre importantes espaços
SUMÁRIO de análise social crítica. Análise esta que se concentra, sobretudo, na

44
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

identificação de “processos históricos e culturais que classificam e


posicionam as pessoas a partir de uma relação sobre o que é entendido
como feminino e masculino”.

Gênero é entendido, portanto, como a construção social das


diferenças percebidas entre os sexos; a sociabilização, as atitudes,
comportamentos e expectativas com base nas diferenças (históricas,
políticas, econômicas) entre homens e mulheres. Essas expectativas
podem ser aprendidas e reproduzidas na família, na escola, no grupo
de amigos, nas instituições religiosas, no espaço de trabalho e nos
meios de comunicação. A palavra indica, portanto, uma rejeição ao
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou
“diferença sexual”. (SCOTT, 1995).

Assim sendo, o termo gênero configura-se como um


operador de criação de sentidos para as diferenças corpóreas
que nos caracterizam como homens e mulheres, articulando
pessoas, emoções, práticas e coisas dentro de uma estrutura de
poder. O entendimento dos termos poder ou biopoder pode ser
melhor explorado nos textos da obra Microfísica do Poder (1979),
de Michel Foucault, autor este que tem sido fortemente combatido
por opositores, comumente marcados por representações políticas
moralistas, alienadas cientificamente e socialmente reacionárias
aos temas progressistas e suas demandas populares.

Neste sentido, é possível perceber que as representações


sociais autointituladas “conservadoras” tecnicamente carregam a
responsabilidade, ainda mais agora que possuem o cargo presidencial
e o controle das decisões do país, de identificar mecanismos de
reprodução de desigualdades dentro e fora da escola. O desafio que
se encara trata, ironicamente, de sermos governados por simpatizantes
de regimes autoritários e ditos teocêntricos, facilitadores e promotores
inegáveis da manutenção do status de desigualdades e violências que
SUMÁRIO nos assolam há séculos.

45
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Outro importante termo que demanda exposição nesta análise


trata da ideia de sexualidade. Ao tratar de questões sobre a sexualidade
humana, a escola necessita repensar seu compromisso ético com
o desenvolvimento humanístico de seus sujeitos em formação.
A necessidade da escola de revisar seu compromisso ético está
intrinsecamente ligada à reflexão central sobre a sua própria finalidade
enquanto agente social de formação humana e de cidadania. A
pergunta mais básica aqui é: reconhece-se a sexualidade como uma
dimensão fundamental do ser humano? A resposta é tão óbvia quanto
parece, embora o possível nível de obscurantismo de algumas práticas
políticas e religiosas proponha dificultar sua investigação.

Sim, é inegável que a sexualidade é uma característica, atributo ou


dimensão humana, historicamente constituída nas muitas experiências
e etapas da vida. Sua abrangente complexidade terminológica refere-se
não apenas às elaborações culturais sobre os prazeres, intercâmbios
sociais e corporais, erotismo, desejos e afetos, mas também noções
relativas à saúde, à reprodução, ao uso de tecnologias e ao exercício
do poder na sociedade. Trata-se, portanto, de um conjunto de
definições que abarcam, nas ciências sociais, significados, ideais,
desejos, sensações, emoções, fantasias, experiências, condutas,
proibições, modelos e imposições políticas que são configurados de
modos diversos e em diferentes contextos sociais e períodos históricos
(Gênero e Diversidade na Escola, GDE, 2009).

Entender a sexualidade não apenas como dado da natureza,


mas também como dispositivo histórico de poder e controle social,
nos ajuda a lidar mais criticamente com os modos de sujeição atuais,
com novas formas de combate à violência, como forma eficaz de
quebra de cristalizações institucionais referentes ao sexo, e como
resistência contra esforços de hegemonias sociais que buscam
exercer domínio sobre os corpos dos indivíduos e suas formas de
SUMÁRIO viver suas sexualidades.

46
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Foucault (1999) nos lembra da necessidade atual de se falar


sobre sexo, não mais de forma obscurecida pela dúvida ou pela
desinformação, nem mais interditada e censurada por domínios
religiosos. Ainda é hora, mesmo que tardiamente, de aprendermos a lutar
contra nossas hipocrisias, na tentativa de desenvolver uma sociedade
mais humanizada e humanitária. Gênero e sexualidade nas discussões
escolares são inegavelmente importantes, pois podem contribuir para
o aprimoramento de nossas sociedades, ajudando a refletir sobre as
relações de poder em sua ampla rede de complexidades e assimetrias.

Outra questão decisiva sobre a discussão de gênero e


sexualidade trata da própria análise crítica introspectiva que a escola
e seus participantes precisam desenvolver cotidianamente em sua
prática: até quando nossa cultura será marcada pelo etnocentrismo
machista discriminatório que naturaliza e normatiza diferenças
como desigualdades?

Para Louro (1999) é importante se repensar a ideia socialmente


compartilhada de que a sexualidade é algo exclusivamente privado,
íntimo apenas, pessoal e particular. Romper com esta noção
implica também questionar a prerrogativa de que a sexualidade é
aspecto exclusivo da vida adulta e de que existe um padrão binário
heteronormativo que define as relações entre homens e mulheres como
as únicas legítimas. A proposta da autora é promover reflexões críticas
que ousem questionar as contingências sociais sobre os modos como
vivemos a sexualidade, especialmente sobre as imposições e marcas
deixadas pela vida escolar.

Louro (1997) também chama a atenção para as maneiras


cotidianas como naturalizamos práticas, gestos e palavras carregados
de preconceitos e discriminação na escola, sem refletir e incentivar
questionamentos sobre as formas como ensinamos e sobre o que
ensinamos. Ao comentar sobre o uso da linguagem, a autora lembra
SUMÁRIO que esta é uma ferramenta e meio perspicaz, persistente e eficaz na

47
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

produção das distinções e das desigualdades ou, como argumenta,


“a linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os
institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças”.
Louro (1997) também recomenda:
Questionar não só o conteúdo ensinado, mas também a
forma como é ensinado e qual é o sentido que os/as alunos/
as dão ao que aprendem, atentar para o uso da linguagem,
procurando identificar o sexismo, o racismo e o etnocentrismo
que frequentemente a linguagem carrega e institui, são tarefas
essenciais da escola e de seus/suas educadores/as. (p. 65).

O APELO HUMANISTA NA LUTA POR


UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA CRÍTICA,
DEMOCRÁTICA E EMANCIPATÓRIA

Até quando iremos nos conformar com o fato de sermos a


nação com a quinta maior taxa de feminicídio no mundo (ONU)? Não
nos incomodamos, porventura, com a taxa de um estupro a cada 11
minutos (10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2016) e com o
balanço divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH, 2018),
mostra que o Ligue 180, canal para denúncias de violência contra a
mulher, recebeu 72.839 notificações apenas no primeiro semestre de
2018. A violência física foi o crime mais registrado no período, com 34
mil casos, seguida da violência psicológica, com 24.378, e da violência
sexual, correspondendo a 5.978 casos. Além de todo o amplo quadro
de violências, não incomoda a divisão desproporcional do trabalho
entre mulheres e homens, que submete as mulheres a duplas e triplas
jornadas de trabalho e a receberem até 30% a menos que os homens
nos mesmos cargos e funções? (OIT, 2018).

SUMÁRIO

48
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quanto mais estaremos insensíveis aos altos níveis de


intolerância e preconceitos que banalizam a violência contra lésbicas,
gays, bissexuais e demais pessoas não-heterossexuais? Quando
estaremos dispostos a enfrentar a evasão escolar da população LGBT,
em especial das pessoas trans, que sofrem inúmeras discriminações
e estigmas no ambiente escolar? Quanto mais seremos culturalmente
responsáveis pelo extermínio de pessoas transexuais, travestis e demais
pessoas transgênero? Estas e outras reflexões são absolutamente
indispensáveis no país que lidera o ranking mundial de assassinato de
pessoas LGBT, tendo 153 mortes (111 assassinatos e 42 suicídios) no
Brasil, no primeiro quadrimestre do ano passado. (Relatório “Mortes de
LGBT no Brasil, GGB, 2018).

De acordo com o documento oficial da Unesco/Brasil, é


interessante notar que, apesar da resistência em reconhecer a
sexualidade e as relações de gênero como dimensões fundamentais
das relações sociais, as políticas educacionais passaram, aos
poucos, a incorporar essa dimensão. O documento intitulado
Orientações Técnicas de Educação em Sexualidade para o cenário
brasileiro: tópicos e objetivos de aprendizagem (UNESCO, 2014)
destaca quatro iniciativas federais que vinham buscando impactar
a educação básica no campo da educação em sexualidade: 1) os
Parâmetros Curriculares Nacionais, com o termo Orientação Sexual
e Sexualidade enquanto temas transversais nos currículos escolares
e entendidos como eixos básicos da atuação pedagógica sobre
as dimensões do corpo, as relações de gênero e a prevenção das
infecções sexualmente transmissíveis/Aids, no terceiro e quarto ciclos
do ensino fundamental. (PCN – 1997 e 1999); 2) o Saúde e Prevenção
nas Escolas (SPE – 2003); 3) o Programa Brasil sem Homofobia –
Programas de Combate à violência e à Discriminação contra LGBT e
de Promoção da Cidadania Homossexual (PBSH – 2004); 4) Gênero
e Diversidade na Escola (GDE – 2006).
SUMÁRIO

49
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Estas iniciativas, no entanto, têm passado por processos de


enfraquecimento e desmonte, correndo atualmente sérios riscos
de anulação e extinção. Neste tempo de retrocessos, reduções e
simplismos, fica evidente a disputa discursiva que se concentra nos
debates acalorados sobre os papeis e funções da escola. É interessante
notar, de igual forma, que a forte negação política aos temas orientação
sexual e sexualidade no espaço escolar geralmente tem sido mais
fortemente defendida por aqueles indivíduos e grupos que pouco ou
nada entendem a respeito de contextos educativos.

Um bom exemplo prático que comprova a afirmação acima


é própria análise do caminho histórico da construção dos antigos
PCN’s, bem como a atual e terceira versão deste documento regulador,
atualmente convencionado e conhecido como Base Nacional Curricular,
que foi encaminhada do MEC ao CNE, com a supressão dos termos
gênero e orientação sexual.

Sendo aprovada em dezembro de 2017, esta nova versão


da Base suprimiu os termos citados sob a justificativa de que estes
provocariam muita controvérsia. Segundo apuração da plataforma De
Olho nos Planos (2018), das 235 contribuições enviadas por escrito à
3ª versão da Base, 75 citam explicitamente “gênero” e/ou “orientação
sexual”, sendo 23 contrárias e 51 favoráveis à inclusão dos temas. É
notável que, mesmo irônica e estranhamente, apesar do número maior
de contribuições favoráveis aos temas, sua retirada ainda assim foi
assegurada com sucesso.

É válido mencionar que dentre as entidades (prováveis


melhor conhecedoras dos temas e das necessidades educacionais)
que contribuíram com decisões favoráveis estão: três Secretarias
Estaduais (PR, PE, BA), 13 unidades acadêmicas, duas instituições
religiosas, cinco indivíduos, quatro Conselhos, três Sociedades
Civis, duas entidades de trabalhadores, seis empresas, quatro
SUMÁRIO fóruns e outros. Sobre aquelas que manifestaram decisão contrária,

50
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

destacam-se: cinco Câmaras (todas de interiores), uma unidade


acadêmica, três instituições religiosas, e 24 indivíduos. Absolutamente
nenhum Conselho, Sociedade Civil, de trabalhadores, empresariais,
fóruns e redes ou outros.

Ao comentar sobre as contribuições desfavoráveis aos temas,


Daher e Bandeira (2018) na plataforma De Olho nos Planos, afirmam que:
Entre as contribuições contrárias, predominam aquelas enviadas
por indivíduos. As argumentações apontam que conteúdos
provocariam uma crise de identidade e um processo de
assujeitamento, podendo afetar a família e a integridade moral
e intelectual dos jovens. Afirma-se também que a hipótese de
que o gênero é socialmente construído não se sustenta, pois
carece de premissas verdadeiras para embasar-se. Outra linha
de argumentativa aponta que seriam temas já vencidos no PNE
e, sendo a Base uma determinação do Plano, adicioná-los
contrariaria o já determinado pelo Congresso Nacional.

Ao comentarem sobre as contribuições favoráveis aos temas,


afirmam que:
Entre os aportes favoráveis, o campo acadêmico é o de maior
incidência e a variedade de setores participantes é mais ampla.
Nestes, o argumento central para a inclusão seria seu papel no
combate às discriminações, na educação para o respeito aos
direitos humanos e para a construção de uma sociedade mais
justa e menos desigual. Além de cartas em tom argumentativo,
há também sugestões de leitura ao CNE, como um livro sobre
os desafios para a garantia do direito à educação e uma
pesquisa quantitativa sobre não aceitação da população LGBT
no ambiente escolar.

Ao tratar da opinião pública brasileira sobre os temas, a mesma


fonte apresentou os seguintes dados:
Segundo pesquisa encomendada pela ONG Católicas pelo
Direito de Decidir ao IBOPE, 68% da população brasileira
concorda que se discuta igualdade entre homens e mulheres
SUMÁRIO na escola. Se somados aos que concordam parcialmente,

51
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

este número cresce para 84% do total. Mesmo a abordagem


da sexualidade, que costuma ser mais polêmica, é totalmente
aprovada por 54% dos entrevistados que, se somados aos
apoios parciais, tornam-se 62%. Apenas 9% acredita não se
deveria receber aulas de educação sexual nas escolas.

A investigação do cenário sociopolítico e educativo no Brasil


é verdadeiramente alarmante. Nos acúmulos de polarizações de
narrativas, um Congresso notavelmente conservador parece ver nestas
discussões um certo tipo de ameaça ao poder vigente. Instaura-se,
como efeito, um clima animoso de defesa bastante contundente de
manutenção de um status quo desumano, heteronormativo, machista,
misógino, LGBTfóbico e que ousa utilizar e ressignificar, à sua própria
conveniência, os princípios cristãos de conduta social. Troca-se
o ideal do amor ao próximo pelo apego à guerra das diferenças,
substituindo-o pela medíocre visão acrítica e limitada do ter sobre o
ser. Importa apenas fomentar a sociedade do consumo, do mercado,
e da globalização capitalista.

Além do problema social das várias formas de violência em si,


discutir esta temática no contexto escolar é importante para refletir
exatamente sobre como alunos e alunas estão sendo direta ou
indiretamente ensinados a ser homens ou mulheres padronizados
e normatizados, e como a escola pode estar falhando na busca por
minimizar as múltiplas formas de violência de gênero e seus efeitos
devastadores no reconhecimento da diversidade sexual e dos direitos
constitucionais igualitários de homens e mulheres.

Na tentativa de entender melhor as construções sociais, as


crenças e valores sobre papeis de gênero e sexualidade que são
ensinados e naturalizados desde a formação docente e até mesmo
antes disso, o objetivo primário desta pesquisa é refletir e problematizar
as práticas pedagógicas relacionadas especialmente a gênero e
sexualidade, bem como evidenciar a importância da escola enquanto
SUMÁRIO local de manutenção de práticas sociais e discursivas.

52
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

É dever especial daqueles que compõem a realização do serviço


escolar refletir sobre os direcionamentos que estão sendo construídos
na escola. Buscar novos conhecimentos e atualizar-se sobre estudos
e pesquisas relacionados à sexualidade, gênero, diversidade sexual
e Direitos Humanos é parte integral da responsabilidade atual da
demanda escolar. Se este dever for negligenciado, a escola corre
o sério risco de perder-se em seus objetivos e práticas. Um risco
previsível tem a ver com a formação de alunos voltada exclusivamente
para o mercado de trabalho, sem, contudo, construir componentes
humanitários, emancipatórios e igualitários na perspectiva da cidadania
crítica destes discentes. O ideal simplista de preparar seus aprendizes
primordialmente para se tornarem ferramentas de produção capitalista
representa, muito possivelmente, uma das mais preocupantes lacunas
sociais que a escola ainda perpetua.

REFLEXÕES CRÍTICAS URGENTES


NA PAUTA ESCOLAR

Onde chegamos e onde possivelmente chegaremos?

Não se buscou aqui responsabilizar a escola como o agente


único na tratativa destes temas. Tratou-se, porém, de se reconhecer
que, enquanto agente refletor das normas constitutivas da sociedade
em que se insere, a escola assimila e reproduz ideias, concepções
de mundo e formações discursivas que a legitimam como espaço
social de transformação e manutenção cultural. Neste sentido, a
escola possui função ativa, na medida em que busca transformar
realidades sociais, e passiva, na medida em que é sustentada em
SUMÁRIO padrões de ideias e comportamentos vigentes. Uma questão de

53
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

grande relevância aqui tem mais a ver, porém, com as divergências


entre paradigmas, metas e ideais democráticos versus autoritários
que confrontam escola e sociedade.

É de absoluta importância enfatizar e, conclusivamente,


indignar-se contra as normas e discursos sociais que resguardam e
retém o cenário estatal de formação de políticas públicas que tratem
dos temas gênero, sexualidade e diversidade sexual na escola. A
resistência crescente que estes temas têm enfrentado nas Câmaras
Municipais e Congresso denota a dificuldade de criar aberturas que
promovam a substituição de paradigmas arcaicos por outros mais
atuais, contemporâneos, contextualizados à luz das ciências sociais,
da saúde, sociológicas e psicológicas disponíveis hoje.

Pelo que se evidencia a partir de múltiplas análises do contexto


em que vivemos, os agentes estatais de criação e manutenção de
políticas públicas têm tomado partidos e se baseado em visões cada
vez mais anticientíficas, que não fornecem criticidade e análises próprios
de especialistas da Educação. Nesta conjuntura, busca-se manter um
cenário retrógrado fundamentado essencialmente em concepções e
dogmas próprios de práticas religiosas conservadoras, moralistas e
que negam as muitas realidades amplamente diversas e complexas
das sociedades brasileiras. Defende-se a visão exclusivista de um
padrão binário heteronormativo que ignora reflexões e conhecimentos
antropológicos e sociológicos. Opta-se pela manutenção de uma
cultura de assimetrias de direitos, de ódios, e pela não aceitação
da realidade no que diz respeito à diversidade das múltiplas e
multifacetadas identidades sexuais e de gênero.

Estes são alguns dos fatos e fenômenos sociais que se combinam


e explicam as razões de resistência para quaisquer transformações,
melhorias e reduções nos quadros de violências relacionadas a estes
temas. Falar de gênero, sexualidade e diversidade humana no educar
SUMÁRIO destaca riscos para a manutenção de um status quo amplamente

54
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

favorável àqueles que não são ameaçados por estas violências, e, por
que não dizer, até “beneficiados” ou “superiorizados” pelas mesmas.
Uma sociedade fortemente machista, sexista, racista, misógina e
LGBTfóbica irá procurar formas de manter estes padrões se os espaços
de luta e representatividade sociopolítica forem representados apenas
por sujeitos que defendam, direta ou indiretamente, conscientemente
ou não, visões e posturas antidemocráticas, injustas e que promovem
o desequilíbrio de direitos básicos para vários grupos sociais.

Neste caminho, a escola é tão política quanto a Câmara, o


Senado, ou o Planalto. A instituição do educar pode ser tão arbitrária
quanto um Estado que discrimina e marginaliza grupos sociais que
não cumprem com as delimitações e expectativas de quaisquer rigores
heteronormativos. Seria ingênuo afirmar, contudo, que os múltiplos
temas relacionados a gênero e sexualidade ficam ou ficarão do lado
de fora do contexto escolar. Todos os dias, na verdade, alunos e alunas
aprendem, dialogam, brincam, interagem e socializam afetos, dúvidas,
curiosidades e descobertas sobre seus corpos e sexualidades.

Nas brincadeiras, atividades, corredores e banheiros e salas,


testemunha-se formações discursivas sobre papeis de gênero e
identidades. Alunos e alunas existem, descobrem-se, exploram
e aprendem sobre estes temas diariamente. Afirmar que estas
experiências não estão presentes, em diferentes níveis e formas,
nas vivências de crianças e adolescentes constitui ignorar severa e
rudemente as próprias existências, necessidades e os cotidianos
destes seres humanos em constante formação.

Relutar, dificultar e censurar estes temas no contexto escolar


significa recusar as demandas próprias da formação humana cidadã
destes alunos e alunas, crianças, adolescentes e jovens. As descobertas
sobre o próprio corpo em seus vários estágios de transformação e
maturação, a interação com iguais nestas descobertas, os prazeres e
SUMÁRIO cuidados, os afetos e carinhos, a saúde física, mental e emocional que

55
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

todos buscamos são alguns dos itens básicos que fazem parte das
infinitas narrativas, histórias e eventos que formam a escola.

O que deixa espaço para problematizações, reflexões e críticas


é o conjunto de formas, caminhos, tratativas, medidas e ações que
usamos para tratar destes temas. As ideias e as concepções sobre
os masculinos e os femininos, as evidentes tendências assimétricas
nas expectativas e regulações dos comportamentos de meninos
e meninas, a inegável e constante presença da homofobia e das
múltiplas formas de discriminação baseadas nas distinções e papeis
de gênero são alguns dos alvos que merecem nossa mira. Uma
mira mais fortemente fundamentada na reflexão científica e crítica,
aportada em estudos de especialistas de diversas áreas, que ajude
a rever e questionar paradigmas conservadores e desatualizados,
mantenedores de ideias, posturas e comportamentos machistas,
reducionistas e heteronormativos.

Uma proposta de análise sobre a escola atual e a do futuro


é necessária para que sejam tomados rumos mais humanistas,
emancipatórios e socialmente necessários e relevantes aos
nossos contextos. Uma escola cada vez menos elitista, menos
segregacionista, menos racista, menos misógina e que se seja capaz
de apreciar e valorizar a pluralidade das diversidades humanas. Uma
escola mais racionalmente humanizada, com empatia e senso crítico
de coletividade como traços comuns a todos aqueles que fazem
parte da comunidade escolar.

As concepções aqui analisadas e discutidas expõem o caráter


democrático da escola que parece estar sendo cada vez menos
valorizado. Tratar das necessidades educativas reais dos educandos,
abordando quaisquer assuntos relevantes, conflitos e contradições
relacionados à sua formação cidadã é parte essencial do que se
espera de um espaço democrático de educação.
SUMÁRIO

56
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Em nossos dias, demanda-se urgentemente ampliar pesquisas,


debates e reflexões sobre o tipo de sociedade e de escola que visamos
construir/manter: uma mais inspirada em políticas autoritárias que
abafam e eliminam diferenças sociais, ou outra mais ancorada em
políticas democráticas que reconhecem e valorizam estas diferenças?
Continuamos esperançosos principalmente, portanto, na perseverante
luta contra a onda de desmontes e desvalorização das diferenças
e diversidades sociais, e na resistência contra políticas públicas
reacionárias e retrógradas. Que o pensamento crítico científico-
humanista nunca deixe de ser o farol de nossas práticas, políticas
sociais e educativas. Que nos sirva sempre de guia a máxima de
Boaventura de Santos Souza (2006, p. 316): “Temos o direito de ser
iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de
ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

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SUMÁRIO

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SUMÁRIO

59
3
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 3

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E
SEUS EFEITOS NO CONTEXTO
DA ESCOLA REGULAR

Francisca Sueli Farias


Francisca SueliNunes
Farias Nunes
Luiza
Luiza Lúlia Lúlia
Feitosa Feitosa Simões
Simões
Thaidys da Conceição Lima do Monte
Thaidys da Conceição Lima do Monte

A EDUCAÇÃO
INCLUSIVA
E SEUS EFEITOS
NO CONTEXTO
DA ESCOLA
SUMÁRIO
REGULAR
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.60-75 60
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O processo de construção de uma escola inclusiva, alicerçado sobre sólidos
argumentos históricos, teóricos e jurídico ganhou papel de destaque nos
estudos de professores, pesquisadores e estudiosos há algum tempo. Assim,
esta investigação buscou refletir sobre os impactos da política de inclusão
dos alunos da Educação Especial no contexto da escola de ensino regular.
A legislação brasileira preconiza a Educação como direito público subjetivo e
apresenta marcos fundamentais para a perspectiva inclusiva quando assevera
a igualdade de condições para o acesso e a permanência dos alunos na
escola. Assim, a escola que durante anos construiu sua base educacional
pautada no paradigma da segregação que separava os alunos em razão de
suas diferenças, vivencia o grande desafio de rever suas práticas para ensinar
todos os seus alunos.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Educação inclusiva; Ensino regular; Pratica docente; Desafios.

61
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

O processo de inclusão escolar torna-se praticamente irrefutável


por encontrar-se alicerçada sobre sólidos argumentos históricos,
teóricos e jurídicos que presume uma inovação no contexto educacional
para acolher a subjetividade e a diversidade de todos e de cada aluno,
em todos os níveis, etapas e modalidades de educação e ensino.
E apesar da recusa e do desconhecimento que ainda se constata
no ambiente escolar, o significativo crescimento no contingente de
alunos público da Educação Especial matriculados na escola regular,
sobretudo, nas duas últimas décadas é bastante evidente. (SCHLÜZEN;
RINALDI; SANTOS, 2011).

Mantoan (2010) aponta que a construção de uma escola


inclusiva é um dos grandes desafios dos sistemas de ensino, em razão
da necessária urgente revisão das práticas pedagógicas do professor.
Tal revisão precisa ter como pano de fundo o trabalho colaborativo entre
os alunos, por meio da flexibilização e democratização das atividades
sugeridas em sala de aula para que supram os impedimentos ao
desenvolvimento cognitivo e socioafetivo dos alunos, motivando-os a
alcançarem níveis mais elevados de conhecimentos (NUNES, 2018).

Os estudos propostos por Figueiredo (2010), Mantoan (2008),


Mittler (2003), Rodrigues (2013), Santos (2018), Santos (2011)
apresentam discussões importantes para questões relacionadas
a inclusão; enquanto os autores Nóvoa (1992), Tardif (2002), Farias
(2006), Imbernón (2009), discutem a formação e a prática pedagógica
dos professores. Contudo, ainda se percebe um vácuo quando a
discussão trata da formação continuada dos professores para inclusão
escolar dos alunos da Educação Especial na sala de aula comum.

Assim, este estudo procurou analisar a formação continuada


SUMÁRIO dos professores e sua prática pedagógica para atender aos alunos

62
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dessa modalidade de ensino, na sala de aula comum, buscando


desvelar os aspectos legais que garantem a educação inclusiva, bem
como apresentar e discutir os apoios e suportes para a inclusão do
aluno em sala de aula.

PERCURSO HISTÓRICO E MARCOS


LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

A Educação Especial no Brasil tem o marco histórico


estabelecido no final do século XIX, com a criação do Instituto dos
Meninos Cegos1 e o Instituo dos Meninos Surdos-Mudos2. Essas
iniciativas oficiais isoladas não suscitaram políticas educacionais
de atendimento às pessoas com deficiência (PcD). De acordo com
Mazzotta (2011), somente no final dos anos 1950 e no início de
1960, ocorreu a inclusão da “educação de deficientes” na política
educacional brasileira. Em tal circunstância, é importante situar as
quatro fases que caracterizam o seu desenvolvimento, marcadamente
pelas questões culturais de cada época (SASSAKI, 1997).

A fase da exclusão ocorrida anterior ao século XX, representou


o período no qual nenhuma atenção educacional era provida as PcD.
Esse período marcou a época em que a sociedade as considerava
indignas de quaisquer serviços e “[...] simplesmente ignorava, rejeitava,
perseguia e explorava estas pessoas”. (SASSAKI, 1997, p.126).

Quando a sociedade começou a admitir a capacidade


produtiva dessas pessoas, surgiram as escolas especiais (instituições

1 Atual Instituto Benjamim Constant, foi criado no Rio de Janeiro em 1854, pelo decreto nº
1.428, de 12 de setembro, para ministrar instrução (primária e secundária), Educação Moral
e Religiosa, Ensino de Música e Trabalho.

SUMÁRIO 2 Atual Instituto Nacional de Educação de Surdos, fundado em 26 de setembro de 1856, para
oferecer Educação Intelectual, Moral e Religiosa aos surdos de ambos os sexos.

63
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

voluntárias religiosas ou filantrópicas), os centros de reabilitação e as


oficinas protegidas de trabalho, caracterizando a fase da segregação.
Nessa fase, o sistema educacional brasileiro cria dois modelos de
escolas: a escola regular e a especial, com a mesma finalidade: “[...] o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).

O período da integração teve início nos anos de 1970, quando o


sistema educacional brasileiro implantou dentro das escolas regulares
as chamadas classes especiais para atender crianças e adolescentes
com deficiência, com o objetivo de adaptá-los e, posteriormente,
encaminhá-los às classes comuns desde que se adaptassem à rotina
da escola e demonstrassem potencial acadêmico, identificado através
do bom desempenho nos testes de inteligência. Para Poulin (2010), a
integração quebrou o muro da exclusão, ao promover maior interação
dos alunos com deficiência ou com dificuldade de aprendizagem e os
professores da escola comum, resultando na “pedagogia da inclusão”.

A fase da inclusão surgiu na segunda metade dos anos de


1980, quando uma pequena parcela da sociedade de vários países,
inspirada no Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começou
a discutir a educação das PcD por compreender que a escola deve
se adaptar para atender todos os alunos. Para Sassaki (1997) nos
anos de 1990, a democratização do ensino e as políticas públicas
educacionais voltadas para o acesso e permanência das pessoas com
deficiência na escola regular ganharam força, após a Declaração de
Salamanca. Nessa mesma década, especificamente no ano de 1994,
o Brasil aderiu ao grande desafio de constituir uma escola adequada
às necessidades dos alunos, a escola inclusiva e publicou a Política
Nacional da Educação Especial.

Para melhor compreender as mudanças ocorridas na organização


dessa modalidade de ensino no País, cumpre registrar alguns marcos
SUMÁRIO legais significativos. Assim, destaca-se inicialmente, a Constituição

64
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Federal (BRASIL, 1988), mais especificamente o seu Art. 205, que


assegura a educação como direito de todos e dever do Estado e da
família. Em seguida, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996, Art. 58), que assevera a Educação Especial, como uma
“[...] modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.

Outro importante marco inicial da reconfiguração da Educação


Especial foi a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) que delineou a disponibilização
do serviço do AEE e a formação continuada de professores para o
AEE e demais professores para a inclusão. Subsequentemente, a
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015)
que estabelece o direito da pessoa com deficiência à educação em
todos os níveis “[...] de forma a alcançar o máximo desenvolvimento
possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais
e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de
aprendizagem”. (Art.27).

A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva (PNEE) contribuiu para promover a inclusão3
dos alunos com deficiência, transtornos do espectro autista e altas
habilidades/superdotação nas escolas regulares, no sentido de
orientar que os sistemas de ensino garantam, dentre outras respostas
às necessidades educacionais dos alunos, a formação continuada
de professores para o Atendimento Educacional Especializado e dos
demais profissionais da Educação para a inclusão escolar. Contudo,
há ainda uma escassez da temática Educação Inclusiva na formação
dos professores e quando é ofertada não traz subsídios significativos

3 A inclusão da pessoa com deficiência no ensino regular se constitui um paradigma


pautado na concepção de igualdade e diferença como valores indissociáveis,
SUMÁRIO configurando-se em um tema de grande complexidade, que precisa ocorrer nas
formações e nos debates de todos os professores.

65
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

para os docentes da sala de aula comum atuarem junto ao público


da Educação Especial.

Embora os dados e os marcos legais mencionados há pouco


apontem para a Educação na perspectiva inclusiva como um direito
de todos, ainda observamos práticas segregacionistas no contexto
escolar, nas quais os alunos com deficiência não participam das
atividades de sala aula (RODRIGUES, 2003; MIRANDA, 2012).

Figueiredo (2010) aponta que a PNEE não é suficiente para


assegurar o acesso dos saberes escolares pelos alunos da Educação
Especial e destaca a necessidade de as escolas se transformarem em
espaço que garantam verdadeiramente o ensino e o aprendizado de
todos os seus alunos. Poulin (2010, p.38) corroborando o pensamento
da autora aponta que “[...] os valores de igualdade de direitos e
de respeito que sustentam a inclusão não são verdadeiramente
respeitados” na escola, porque esta não permite que seus alunos
vivenciem uma experiência de respeito e valorização das diferenças.

Mantoan (2006) assevera que, com a inclusão, a escola passou


a vivenciar um complexo processo de reorganização para se tornar
uma escola para todos e para cada um e, nesse desafio de incluir
todos, a escola revela sua incapacidade de responder eficientemente
ao processo de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência.

SERVIÇOS DE APOIO EDUCACIONAL


A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Das modalidades de ensino, a Educação Especial é a única


que percorre dentre todas as outras modalidades e etapas, da
Educação Infantil ao Ensino Superior. Essa modalidade tem alunos
SUMÁRIO com surdez, cegueira, baixa visão, surdocegueira, transtornos globais

66
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, além de


deficientes físicos e mentais.

Para atender as PcD, que podem estar inseridas em qualquer um


dos níveis de ensino, temos o Atendimento Educacional Especializado
(AEE), com recursos próprios para esse atendimento, que são oriundos
do poder público nas instituições da rede pública de educação.

A Educação Especial assume cada vez mais papel importante


na garantia de incluir todos em instituições de ensino regular. Segundo
a Constituição da República Federativa do Brasil no Artigo 208, que
trata da Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos, é
dever do Estado garantir atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Nos artigos 205 e 206, afirma-se, respectivamente, “a Educação como
um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o
exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho” e “a igualdade
de condições de acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988).

Para que as leis sejam garantidas nas escolas de ensino


regular, a Educação Especial faz atendimento ao aluno, segundo
Schlüzen, Rinaldi e Santo (2011): 1) organizando o tipo e o número
de atendimentos aos alunos com deficiência. 2) produz o material
necessário para cada tipo e atendimento; amplia no caso de baixa
visão, transcreve, confecciona materiais, grava, faz adaptações
de acordo com as necessidades dos alunos. 3) Identificação de
necessidades e elaboração de plano de atendimento: a- Identifica
as necessidades específicas do aluno com deficiência; b- Identifica
os resultados desejados; c- Identifica as habilidades do aluno; d-
Realiza levantamento de materiais e equipamentos; e- Elabora plano
de atuação para disponibilizar serviços e recursos de acessibilidade
ao conhecimento e à estruturação dos ambientes escolares. 4)
Aquisição de matérias: esses são mobílias, dicionários, softwares,
SUMÁRIO recursos e equipamentos tecnológicos, recursos ópticos, dentre

67
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

outros. 5) Acompanhamento do uso dos recursos em sala de aula;


verifica a funcionalidade e a aplicabilidade do recurso. 6) Impacto,
efeitos, distorções, pertinência, negligência, limites e possibilidades
do uso na sala de aula, na escola e em casa. 7) Orientação às famílias
e aos professores quanto ao recurso utilizado pelo aluno; orienta os
alunos, pais e professores das turmas do ensino regular sobre o uso
e a aplicação de recursos, materiais e equipamentos. 8) Formação:
Promove formação continuada para os professores do AEE, para os
professores do ensino comum e para a comunidade escolar em geral,
com a finalidade de proporcionar maior conhecimento sobre a inclusão
e melhorias ao entendimento das diferenças.

Os professores que trabalham na Educação Especial, devem ter


conhecimentos em áreas específicas, tais como: Língua Brasileira de
Sinais-LIBRAS; Sistema Braille; Técnica de uso do Sorobã; Orientação
e mobilidade para pessoas cegas; tecnologia assistiva; recursos
tecnológicos e informática aplicada à deficiência visual (sintetizadores
de voz, lupas eletrônicas, magnificadores de tela para baixa visão);
avaliação funcional da visão; desenho universal; comunicação para o
aluno surdo-cego etc.

Quando o professor tem a devida preparação e/ou formação


inicial e continuada para atuar na Educação Especial, esse profissional
tem uma variedade de campo de atuação, como professor de LIBRAS,
professor especializado do Centro de Apoio Pedagógico para
Atendimento à Deficiência Visual – CAP; professor de Português, como
segunda língua de alunos com surdez; revisor Braille.

Por Lei (BRASIL, 1988), deve ser assegurado, dentro de uma


perspectiva inclusiva, a inclusão escolar de alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, através da Política Nacional de Educação Especial;
orientando os sistemas de ensino a formar professores para o
SUMÁRIO AEE e demais professores para a inclusão; oferecer o AEE; prover

68
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

acessibilidade arquitetônica nos transportes, nos mobiliários,


comunicações e informação; promover a articulação intersetorial
na implementação das políticas públicas educacionais; estimular a
participação da família e da comunidade; garantir o acesso de todos
os alunos ao ensino regular, com participação, aprendizagem e
continuidade nos níveis mais elevados de ensino.

A tríade, escola comum, AEE e atendimento clínico é de


fundamental importância para o desenvolvimento integral do aluno
com deficiência, sobretudo para garantir seu direito a inclusão.
Destacamos a relevância de uma equipe multidisciplinar, que tenha
competência para prestar um serviço específico de acordo que atenda
às necessidades de cada aluno público da Educação Especial. Essa
equipe proporcionará um direcionamento mais eficaz, para que os
diferentes conhecimentos socializados entre os diversos profissionais
envolvidos, contribua de forma efetiva em cada área de atuação e
atingindo o objetivo maior que é a possibilidade de desenvolver as
potencialidades educacionais, sócio, afetiva e porque não dizer
profissionais, futuras da PcD.

A escola, torna-se a maior responsável, através do AEE em


formar os alunos, sem exceção, para uma vida autônoma, íntegra em
seus direitos e deveres. Dentro da escola, temos a possibilidade de
nos relacionarmos com o outro, buscar em cada um, sua divergência
e desigualdade, pois somos todos diferentes. Todos temos muito a
aprender com quem convivemos, temos inúmeras possibilidades
de ensinar por meio da reflexão, que nos faz perceber maneiras,
ações, estratégias, baseadas em estudos e conhecimento de como
desenvolver um bom trabalho com PcD.

SUMÁRIO

69
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

O PAPEL DO PROFESSOR DA SALA


DE AULA COMUM NA APRENDIZAGEM
DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA

Inicialmente entendemos ser necessário apontar elementos


sobre a diferença entre educação especial e educação inclusiva,
uma vez que são terminologias diferentes e com abordagens
específicas, que podem ocasionar uma compreensão equivocada
sobre as mesmas.

Sendo assim, matizamos que a educação inclusiva se ancora


em uma perspectiva paradigmática com vistas a uma transformação
que beneficie a todos e todas, compreendendo que a aprendizagem
deve ser o foco do professor, para alunos com desempenhos diferentes
no sentido de atingirem o objetivo do aprender. Aponta Sassaki (1998),
que a educação inclusiva: 
...é o processo que ocorre em escolas de qualquer nível
preparadas para propiciar um ensino de qualidade a todos
os alunos independentemente de seus atributos pessoais,
inteligências, estilos de aprendizagem e necessidades comuns
ou especiais. A inclusão escolar é uma forma de inserção em
que a escola comum tradicional é modificada para ser capaz
de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-
lhe uma educação de qualidade. Na inclusão, as pessoas com
deficiência estudam na escola que frequentariam se não fossem
deficientes. (SASSAKI, 1998, p. 8).

A inclusão nas escolas então deve perpassar qualquer nível de


ensino com o intuito de melhorar a qualidade do ensino para todos os
alunos, sendo democrática no sentido de perceber o sujeito em sua
singularidade e compreendendo que a escola deve ser um espaço em
que as diferenças não são o ponto principal, mas sim o as relações
existentes entre todos os sujeitos nela inseridos.
SUMÁRIO

70
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Já a educação especial segundo Mazzota (1996), se caracteriza:


[...] por um conjunto de recursos e serviços educacionais
especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns
casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo
a garantir a educação formal dos educandos que apresentem
necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das
crianças e jovens. (MAZZOTA, 1996, p.11).

Esse processo de segregação precisa ser superado, a escola


como lugar de aprendizagens, diversidades e vivências significativas,
deve ser compartilhado, a PcD necessita desse olhar inclusivo, que
acolhe, que respeita e entende seu contexto de aprendizagem.

Partindo desse aspecto conceitual, traremos a seguir elementos


que contextualizam a formação de professores nas Instituições de
Ensino Superior - IES no âmbito da graduação e especialização.

A formação de professores para atuação na educação especial,


se configurou com o marco legal da promulgação da Lei nº 5.692/71
que garantia a incorporação da educação especial pelas instituições
de ensino superior no Brasil, em seu artigo 29 definiu que a formação
de professores e também de especialistas para atuação no ensino do
então 1º e 2º sofresse uma elevação progressiva.

Com base nessa legislação, a formação de professores sofreu


uma mudança significativa, pois o Conselho Federal de Educação
ampliou o aporte sobre a formação de professores para essa área,
com resoluções que passaram a tornar obrigatória a formação de
professores de educação especial no Ensino Superior, nos cursos de
graduação em Pedagogia.

No entanto, mesmo com quase meio século de criação da Lei


5.692/71 ainda não percebemos uma ampliação significativa no que
concerne a formação de professores para o contexto da educação
SUMÁRIO inclusiva, nos cursos de licenciatura nas instituições de ensino superior

71
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

no Brasil, o que vem ocorrendo é a inserção, e ainda de forma incipiente,


de disciplinas que discutem e apontam reflexões sobre a inclusão na
escola, mas defendemos que para além dessas disciplinas nos cursos
de formação de professores, devemos efetivar as discussões sobre a
inclusão em todo o currículo formativo das IES.

Em relação aos cursos de especialização, a situação não é muito


diferente, segundo Bueno (2002), apesar de existirem inovações, o autor
lamenta a utilização dessa formação como processo preventivo de
fracassos escolares e para amenizar as dificuldades de aprendizagem:
[...] vale a pena destacar, por um lado, a existência de
algumas inovações, como cursos de educação em geral,
incorporando a educação especial( gestão escolar, educação
com ênfase na educação especial)e, por outro, lamentar a
inclusão de cursos como prevenção psicológica do fracasso
escolar, dificuldades de aprendizagem e psicopedagogia no
âmbito da educação especial. (BUENO, p.51, 2002).

Nesse contexto, a formação de professores em nível de


especialização passa a ter o que Bueno (2009) afirma ser uma “não
especialização” e, sendo assim, esse processo formativo não contribui
de forma efetiva para a preparação do professor que pretende atuar na
educação inclusiva ou na educação especial.

A formação de profissionais para atuação no âmbito educacional,


de forma mais específica na escola, precisa ser apreendida no sentido
de preparar esses professores para além de compreenderem a
educação inclusiva como necessária em nossa sociedade atual e/ou
refletir sobre os aspectos históricos, conceituais e legislativos, mas de
como se efetiva na práxis pedagógicas a necessidade de flexibilização
de atividades pedagógicas propostas para a turma que tenha alunos
com algum tipo de deficiência.

A efetivação de ações educativas que possam ampliar o olhar


SUMÁRIO voltado para a preparação em nível superior de profissionais que

72
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ofereçam no âmbito escolar um acompanhamento e prática pedagógica


voltadas para o atendimento no contexto inclusivo, e assim, contribuir
para a aprendizagem desses alunos, entendendo a relevância de seu
papel como formador é um desafio que teremos ainda que enfrentar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No aspecto da educação inclusiva, apreendemos que ainda


precisamos avançar, principalmente no que se refere a transposição
do que legalmente está no papel em relação as leis, resoluções e
decretos para o que se efetiva na prática diária nas escolas regulares.

Matizamos que o processo de incluir PcD nas escolas regulares


e em salas de aula comum, precisa de um aporte formativo para
os professores, preparando-os de forma efetiva e atual sobre a
diversidade de atividades que podem ser utilizadas, como também
a prática pedagógica com base em um olhar mais detalhado sobre
as dificuldades que enfrentam diariamente no contexto do ensino e
aprendizagem de alunos com deficiência.

Incluir PcD em salas de aula comum, não se constitui em apenas


colocá-los nesse ambiente juntamente com os demais alunos, mas antes
de tudo proporcionar a eles uma simbiose de vivências, experiências e
aprendizagens significativas, compartilhadas e enfrentadas por todos
os envolvidos no ambiente educativo, ou seja, professores da sala de
aula comum, professores do AEE, alunos com deficiência e alunos sem
deficiência e núcleo gestor da escola, propiciando assim um ensino
inclusivo e que passe a ser significativo para todos.

Entendemos assim que precisamos avançar mais em relação a


inclusão de PcD, mas vislumbramos que atualmente já demos enquanto
SUMÁRIO sociedade passos importantes e significativos em direção a esse

73
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

objetivo, com formações de professores, inclusão de disciplinas sobre


essa temática nos cursos de licenciatura, embora ainda precisamos
caminhar mais, dar passos maiores e firmes em direção a um sistema
educacional de fato inclusivo que garanta os direitos e traga efetivos
avanços na formação das PcD.

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Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal / Secretaria Especial de
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SUMÁRIO

74
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

SUMÁRIO

75
4
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 4

QUANDO OS TEMAS TRANSVERSAIS/


CONTEMPORÂNEOS PEDEM
PASSAGEM: MAIS VALORES
HUMANOS NA ESCOLA, POR FAVOR!

Raphaell Moreira Martins


Suraya Cristina Darido
Raphaell
MariaMoreira
Eleni Martins
Henrique da Silva

Suraya Cristina Darido

QUANDO OS TEMAS
Maria Eleni Henrique da Silva

TRANSVERSAIS/
CONTEMPORÂNEOS
PEDEM PASSAGEM:
mais valores humanos
na escola, por favor!
SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.76-96 76
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Sabe-se que parte da área acadêmica passou a discutir algumas questões
relacionadas aos problemas sociais ligados ao conhecimento dos componentes
curriculares, denominando essa proposta de temas transversais. Acredita-se
que é necessário discutir os valores humanos no âmbito escolar e a porta de
entrada pode ser a partir desses temas. Assim, o presente escrito tem como
intenção identificar as relações entre valores humanos e os temas transversais,
ressaltando suas contribuições nas aulas de Educação Física Escolar. A
estratégia metodológica utilizada nesse estudo bibliográfico foi elaborar uma
interlocução entre alguns teóricos, o dividindo em quatro grandes temas: 1 –
Valores humanos na escola; 2 – Apresentação dos Valores como potenciais
conteúdos da Educação Física Escolar; 3 – Educação Moral; 4 – Temas mais
que transversais. O estudo emergiu algo que precisa ser mais bem estruturado
na escola, a aprendizagem dos valores humanos.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Temas transversais; Valores humanos; Educação Física Escolar.

77
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Atualmente Desde a divulgação e promoção dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), parte da área acadêmica
passou a discutir algumas questões relacionadas aos problemas
sociais ligados ao conhecimento dos componentes curriculares,
denominando essa proposta de temas transversais. Mesmo com
quase 20 anos da primeira aparição dos PCN`s ainda se tem muito
a avançar em relação a inserção de tais temas transversais nas aulas
dos vários componentes curriculares da Educação Básica.

Foi homologado um novo documento federal denominado de


Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Na BNCC também
foi possível observar sua atenção em relação as grandes questões
sociais. Na primeira versão da BNCC essas temáticas paralelas aos
componentes curriculares foram denominadas de temas integradores,
em versão seguinte essas temáticas tinham sido suprimidas sem
nenhuma explicação e na versão final do documento, surgiu uma
nova terminologia para essas demandas contextuais, determinadas
como temas contemporâneos. Pela atualidade do documento, adota-
se neste texto o termo “temas contemporâneos” para o que seria a
discussão anterior dos temas transversais.

Dentro desse contexto, os valores humanos são perspectivas


afetivas universais que estão para além da esfera escolar. Porém, se
faz necessário discuti-los dentro do âmbito escolar e a porta de entrada
pode ser a partir dos temas contemporâneos. Dessa maneira, o presente
escrito tem como intenção identificar as relações entre valores humanos
e os temas contemporâneos, ressaltando suas contribuições nas aulas
de Educação Física escolar. Para tanto, a estratégia metodológica
utilizada nesse estudo de abordagem bibliográfica foi em elaborar uma
interlocução entre alguns teóricos, La Taille (2006) para discutir valores,
SUMÁRIO

78
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Araújo e Puig (2007) para compreender educação moral; Darido (2012)


que versa sobre temas transversais na Educação Física escolar, para
complementar a discussão sobre valores humanos, indica-se como
os princípios dos valores para o esporte de Hellison (2003) e do
Olimpismo (COB, 2012). Sendo assim, o texto foi dividido em quatro
grandes temas: 1 – Valores humanos na escola; 2 – Apresentação dos
Valores Humanos como potenciais conteúdos da Educação Física
escolar; 3 – Educação Moral; 4 – Temas mais que contemporâneos.

VALORES HUMANOS NA ESCOLA

Nos últimos anos do século XXI a temática dos valores humanos


se tornou bastante atrativa para o campo escolar. Essa atração não
foi necessariamente solidária a causa de formar estudantes de forma
integral e capaz de obter valores sociais e pessoais por meio das
componentes curriculares. Esse movimento ficou muito mais no campo
das intenções e do que da ação efetiva no ambiente escolar.

Por essa falta de materialidade e significação dos valores


humanos na prática escolar, inicia-se esse tópico, compartilhando
algumas definições que podem iluminar caminhos mais efetivos para
o tratamento dos temas contemporâneos na escola. Piaget (1977)
apud La Taille (2006) define valor como caráter afetivo do objeto, isto é,
um conjunto de sentimentos projetados sobre ele; constituindo, nesse
intento, uma relação com o sujeito, uma relação afetiva. Tratando de
escola é oportuno fortalecer que os alunos têm valores, os professores
têm valores, e tal instituição pressupõe valores. Então, olhar para ela
somente como instituição de ensino é limitar seu potencial de acolher a
humanidade pois quando se fala que a escola deve ser lugar de gente,
pois a escola é feita (por) e (para) gente. O primeiro valor que ela deve
SUMÁRIO adotar é o reconhecimento da “gentificação”.

79
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A escola deve valorizar o ser gente. Segundo Freire (2011, p. 52-53):


Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser
condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso
ir mais além dele. Gosto de ser gente porque, como tal, percebo
afinal que a construção de minha presença no mundo, que não
se faz no isolamento. Gosto de ser gente, mesmo sabendo
que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas,
culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase
sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de
nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os
obstáculos não se eternizam.

Para ampliar o debate sobre valores humanos na escola,


apresenta-se as contribuições de Araújo e Puig (2006, p. 132) ao
recorrerem aos pressupostos dos princípios e valores aludidos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que são: O
direito a vida; à inclusão social e econômica; à dignidade em suas
mais variadas formas; à participação na vida social, política e cultural.
Esses pressupostos podem e devem ser inseridos nas temáticas dos
componentes curriculares da Educação Básica.

Buscar suporte na discussão acerca dos valores humanos


em tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
fundamental para o enfrentamento do ódio e da crise democrática que
vários países atravessam, inclusive o Brasil. Nessa perspectiva, uma
escola que se apoia nos Direito Universais deve garantir inicialmente
uma escolarização igual, para seres humanos diferentes, por meio de
um currículo comum (SACRISTÁN, 2000). Como também, promover
a igualdade social na escola, proporcionando condições iguais ao
acesso aos conhecimentos da ciência, cultura, práticas corporais, da
arte e dos valores humanos.

A escola deve se preparar pedagogicamente para mediar os


valores humanos, mesmo com todas as possibilidades de interação
SUMÁRIO real/virtual as relações estão cada vez mais fluídas e a prática do

80
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

“desamor” está cada vez mais presente na vida das pessoas. A escola
não tem força para mudar sozinha a aplicabilidade autêntica dos
valores humanos universais, porém, ela deve ser um lugar de formação
de base, uma base calcada em valores humanos.

Nesse estudo não se optou por fazer recomendações de como


tematizar a dimensão dos valores humanos e mais particularmente
nas aulas de Educação Física, o foco discursivo se direciona para o
outro lado, que foi em sugerir questionamentos que dão suporte para
compreender o fenômeno como algo dinâmico e mutável, tendo em
vista que ao tratar os valores humanos, várias instituições: família, igreja,
escola, entre outras, historicamente, assumiram a responsabilidade
sobre os valores humanos, mas nem sempre o fizeram/fazem com a
intencionalidade e distanciamento crítico e epistemológico necessário.

Insistir em uma “vigilância epistemológica” para abordar os


valores humanos foi reconhecer o cuidado permanente com as
condições e os limites da validade da técnica adotada e do campo
plural que envolve essa temática. As atitudes de repensar cada
operação da proposta e do estudo em curso, no desejo de proceder
ao rigor da crítica dos princípios e das análises da ciência (BOURDIEU
et al., 1990). Esse cuidado deve ser destacado pelo simples aspecto
de assumir que os autores do estudo, possuem e expressam seus
próprios valores humanos, que podem contaminar, diminuir e depreciar
a temática, como também, podem contribuir, convidar e atrair novos
debates para esse assunto tão urgente para o campo escolar.

SUMÁRIO

81
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

APRESENTAÇÃO DOS VALORES HUMANOS


COMO POTENCIAIS CONTEÚDOS DA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Nesse tópico buscou-se entender melhor o conceito de


conteúdo, partindo do pressuposto de que os valores podem ser
um conhecimento ensinado e aprendido na escola. La Taille (2006,
p. 8) questiona se atualmente conhecemos melhor os conteúdos
curriculares do que as gerações passadas, tomando como referência
a sociedade da informação vigente. O autor é enfático em responder
que não, pela fugacidade dos interesses dos seres humanos em saber
apenas o “quê” e não ampliar para o “por quê”.

Conhecimento para La Taille (2006, p. 05) é um sistema de


informações articuladas, articulação essa que lhes confere significado.
Em uma perspectiva Freiriana conhecimento é o resultado do processo
de aprendizagem, não existe no abstrato. Ele só existe aderido a
pessoas, como significado por sujeitos cognoscentes, ou reconhecido
como tal. Para Freire (2011) o conhecimento se estabelece com e por
meio da relação com o(a) outro(a), é na relação com o(a) outro(a) que
o conhecimento se amplia, se modifica e se corporifica.

Um ato de conhecer implica, portanto, a cumplicidade do sujeito


que o realiza. Cumplicidade no sentido de necessitar “comparecer”
com seus sentidos e percepções prévias a fim de incrementá-las ou
refazê-las (STRECK; REDIN E ZITKOSKI, 2010, p. 85).

A discussão sobre conhecimento é pertinente para pensar em


valores humanos como um conhecimento a ser acessado também
na escola. No conceito citado foi indicado que o conhecimento deva
ser reconhecido e aderido para ter significado. Esse cuidado deve ser
SUMÁRIO

82
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

tomado a qualquer unidade temática a ser compartilhada na Educação


Básica. No entanto, quando se propõe tematizar valores humanos,
a discussão não pode ser qualificada só no campo do saber, tendo
em vista que, em cada ato humano existe uma expressão de valor
embutida. Dessa forma, para falar de valores humanos, a escola deve
ser primeiramente o próprio valor.

Coll, Et al. (2000) e Zabala (1998), definem conteúdo como


uma seleção de formas ou saberes culturais, conceitos, explicações,
raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças, sentimentos,
atitudes, interesses, modelos de conduta etc. Classificando a natureza
deles em três dimensões: Conceitual, “o que se deve saber?”,
Procedimental, “o que se deve fazer?”; e Atitudinal, “como se deve
ser?”. Importante frisar que na prática docente não há como dividir os
conteúdos na dimensão conceitual, atitudinal e procedimental, embora
possa haver ênfase em determinadas dimensões (DARIDO, 2007).

A dimensão de conteúdos pode ser uma estratégia interessante


para tematizar os valores humanos na escola. Apontando as
seguintes questões para os alunos e as alunas, não adianta somente
conhecer os valores humanos, é preciso experimentá-los e adotá-
los na vida cotidiana. Os(as) estudantes precisam compreender os
valores humanos por meio dos fatos, transformações históricas e
conceitos. Vivenciar situações que exija uma tomada de atitude que
garanta a responsabilidade social e pessoal. Mas principalmente
transferir e acolher os valores humanos como uma agenda política
do seu cotidiano.

Outro conceito clássico sobre conteúdo foi definido por Libâneo


(1994), ao explicitar que conteúdo retrata a experiência social da
humanidade relacionada a conhecimentos e modos de ação que
englobam, entre outros: conceitos, ideias, fatos, processos, princípios,
leis científicas, regras, habilidades cognoscitivas, modos de atividade,
SUMÁRIO métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudos, de trabalho,

83
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

de lazer e de convivência social, valores, convicções e atitudes.


Nesse sentido, os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos
ou formas culturais cuja assimilação e apropriação pelos alunos e
alunas são consideradas essenciais para o seu desenvolvimento e
socialização (COLL, 1998).

Para fortalecer e ensinar realmente na perspectiva dos valores


humanos, Darido (2012) alerta, no caso específico da Educação Física,
que não basta ensinar aos alunos e alunas a técnica dos movimentos,
as habilidades básicas ou mesmo as capacidades físicas. É preciso
ir além e ensinar o contexto em que se apresentam as habilidades
ensinadas e a maneira como se deve relacionar com o outro e com
o conhecimento. Não adianta correr pela quadra por correr, jogar
basquetebol como atividade em si mesmo, sem o sentido e a mediação
social desse conhecimento, o fazer pelo fazer perde valor no contexto
atual de Educação Física. É preciso enfim, que o aluno incorpore a
corrida e o basquetebol com um entendimento ampliado à sua vida
para que deles tire o melhor proveito possível (BETTI, 1992).

Nessa perspectiva, deve-se dar sentido e significado para que


seja possível o acolhimento autêntico desses valores humanos. Não
se pode falar sobre inclusão social, sem refletir sobre a sociedade e os
processos de inclusão. Ninguém chega lá, partindo de lá, mas de um
certo aqui. No mínimo, tem de levar em consideração a existência do
aqui do educando e respeitá-lo (FREIRE, 1992).

Pertinente exemplo para contextualizar a efetivação dos valores


humanos nas aulas de Educação Física foi abordado por Hellison (2003)
que já incorpora em sua proposta pedagógica a lógica de trabalhar
com valores no esporte, em outras práticas corporais e na Educação
Física. O modelo idealizado por ele é o “ensinando responsabilidade
pessoal e social” e tem cinco níveis, ou, etapas de aprendizagem:
Respeito (nível I); Empenho (nível II); Autonomia (nível III); Ajuda (nível
SUMÁRIO IV); Transferência para a vida (nível V).

84
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

De acordo com o autor a progressão em níveis pode auxiliar


os docentes a elaborar situações de aprendizagens em cada etapa
alcançada, favorecendo uma educação ancorada em valores. Em
síntese, no nível I (respeito), o estudante deve compreender e respeitar
os sentimentos e os direitos dos outros pares. Para o nível II (empenho),
a participação ativa, comprometimento e esforço apresentado nas
atividades propostas fazem parte desse nível. Já o nível III (autonomia),
os estudantes devem agir e expressar comportamentos autônomos
com o intuito de alcançar os objetivos propostos e individuais. O nível
IV (ajuda), refere-se a posturas solidárias, o interesse em ajudar e
contribuir com o outro. O nível V (transferência para a vida) é a última
etapa, nessa fase o estudante deve levar os valores para o cotidiano,
conseguindo transpor os muros da escola (HELLISON, 2003).

Outra possibilidade divulgada para abordar os valores nas aulas


de Educação Física foi proposta pela Confederação Olímpica Brasileira
e organizada por Binder (2012) se apropriando dos cinco valores
educativos do Olimpismo como proposta pedagógica, são eles: A) A
alegria do esforço; B) Jogo limpo (Fair Play); C) Respeito pelos outros;
D) Busca pela excelência; E) Equilíbrio entre corpo, vontade e mente.

Um bom exemplo dessa discussão foi indicado por La Taille


(2006, p.14), quando explica que na maioria das escolas, há muitas
“regras” de valores humanos, mas não se fala em “princípios”. Uma
regra é uma formulação verbal precisa que nos diz o que se deve ou não
fazer, sem ambiguidades. O problema é que o poder de convencimento
da moral está nos princípios, e não nas regras. Muitas vezes o excesso
de regras, ao invés de levar a boa convivência partilhada, leva para
individualidade sem afeto.

SUMÁRIO

85
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

EDUCAÇÃO MORAL

Dissertar sobre Educação Moral não foi assumir nesse


momento da Educação Brasileira o retorno do componente curricular
específica sobre Educação Moral. Não é objeto desse estudo discutir a
integralidade curricular, mas no futuro próximo não será interessante o
estudante fazer doze ou treze disciplinas escolares que não dialogam
entre si. Segundo La Taille (2006, p. 15) é claro que a escola não é
a única instituição responsável pela educação moral. A família tem
muita responsabilidade e os valores presentes nela podem entrar em
conflito, ou, podem contribuir com o trabalho dos professores. Mesmo
que seja uma relação conflituosa a escola não pode fugir de sua
responsabilidade de tematizar os valores morais.

Por isso, movimentos com o pensamento denominado: Escola


Sem Partido, estão caminhando no sentido totalmente contrário da
discussão abordada nesse tópico. Para Penna (2018) a defesa de uma
“escola sem partido” constitui uma grave ameaça para a Educação
Brasileira, com ou sem a transformação desse projeto em leis
municipais, estaduais ou federal. A adesão a esse discurso leva pais e
estudantes a assediarem professores que se enquadram na figura do
“inimigo” desenhado nessa paranoia persecutória.

Retomando ao sentido da discussão dos valores humanos e


mais peculiar a Educação Moral, indica-se o pensamento de Araújo e
Puig (2007, p. 117) que desejam uma educação que garanta a liberdade
de consciência de todos os cidadãos, que assegure uma formação
moral e cívica compartilhada por todos os jovens e que reconheça, por
exemplo, a religião como fato cultural e opção pessoal.

Dessa forma, existe um total acordo com a passagem levantada


por Santos (2003, p. 56):
SUMÁRIO

86
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos


inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma
igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença
que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
(SANTOS, 2003, p. 56).

Destaca-se que a educação moral não é consenso na


sociedade, por tratar de temas preciosos para uma parcela dela, essa
proposta de ensino para a moral levanta críticas bem articuladas,
pois pode trazer em seu bojo a visão de humanidade, sociedade e
escola que compactue com os pressupostos de um determinado
grupo socialmente dominante. Sendo assim, algumas posturas são
recorrentes, tais como, “a educação moral não é necessária porque
sua tarefa já está sendo realizada, e muito melhor, pela religião”. Outra
compreensão bastante comum é a de citar que “a escola não deve
intrometer-se na formação moral dos indivíduos, uma vez que esta
(formação moral) é uma questão privada a ser resolvida pela família
ou pela própria pessoa”. “Esse tipo de educação gera um prejuízo no
ponto de vista da perda de tempo em detrimento de uma educação
científico-técnica” (ARAÚJO; PUIG, 2007, p. 120-121).

Antes de confrontar as críticas à formação moral é oportuno definir


o que seria a moral e suas finalidades na escola. Para La Taille (2006,
p. 10) a definição de moral deve ser entendida em um patamar mais
complexo. Para não confundir a definição de moral, alerta que existe
um “plano moral” que seria a dimensão formal e a moral propriamente
dita com seu conteúdo escolhido, no caso “os valores”. O plano moral
corresponde às ações consideradas como obrigatórias àquelas que
não podem ser realizadas, resumindo seriam “os deveres”.

Sobre aprendizagem moral Araújo e Puig (2007, p 114)


explicam sobre um ponto que de certa forma, pode-se considerar
discutível, a existência de uma inteligência moral, amparados
SUMÁRIO na concepção de Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. A

87
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

inteligência moral é um conjunto de capacidades psicomorais


que tornam possível a deliberação e a direção moral. Para ilustrar
apresenta-se o quadro a seguir:

Quadro 1: Capacidades da inteligência moral.

CAPACIDADES DA
VALORES IMPLÍCITOS
INTELIGÊNCIA MORAL
Autoconhecimento Autenticidade
Empatia Reconhecimento dos demais
Julgamento moral Justiça
Habilidades dialógicas Vontade de entendimento
Compreensão crítica Tomada de consciência
Auto-regulação Coerência e responsabilidade

Fonte: Araújo e Puig (2007, p. 115).

Aproxima-se com as capacidades da inteligência moral os


princípios da dialogicidade, proposto por Freire (2013), porém,
seguem a estas outras características epistemológicas e relacionais.
Vale ressaltar, que algumas capacidades são até similares. A intenção
de agregar a dialogicidade na busca das capacidades da inteligência
moral ocorre pelo processo relacional que a escola deve consolidar ao
alcançar tais capacidades. Algumas capacidades não se alcançam
em uma aula utilizando exposição de conteúdos, principalmente as
habilidades dialógicas, que somente poderão ser alcançadas mediante
rigorosidade metodológica.

Sobre dialogicidade Freire (2013) apresenta alguns pressupostos.


Para haver o diálogo, seis pressupostos são imprescindíveis: amor;
humildade; fé nos seres humanos; confiança; esperança e pensar
verdadeiro/crítico. Não há diálogo, se não há um profundo amor ao
mundo e aos seres humanos. Não há, por outro lado, diálogo, se não
há humildade. A pronúncia do mundo, com que os seres humanos o
recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante. Não há
SUMÁRIO

88
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

também diálogo se não há uma intensa fé nos seres humanos. Fé


no seu poder de fazer e refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação
de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos de
homens e mulheres. O diálogo se faz em uma relação horizontal,
em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Não
existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria
essência da imperfeição dos seres humanos. Finalmente, não há o
diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro/
pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens,
reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade.

Entende-se que amparado a um viés dialógico pode-se


perpassar todo o ensino e sendo possível ampliar as possibilidades
de se pensar uma Educação Moral em um sentido ampliado. Sem a
imposição somente de deveres, mas com uma construção partilhada
e colaborativa entre os estudantes na educação escolar.

A colaboração de Freire (2013) sobre a dialogicidade como


possiblidade de entender o humano e aperfeiçoá-lo em busca do
ser-mais, não pode ser postura de um único componente curricular.
Insistir em uma formação moral é fortalecer que a escola deve ser um
ambiente de produção dos valores morais.

TEMAS MAIS QUE CONTEMPORÂNEOS

Desde a introdução do estudo indica-se que os valores humanos


devem ser tratados na escola. Mesmo desejando a visibilidade dos
valores humanos não foi apoiada a ideia da criação ou retomada de
um componente curricular exclusivo para mediar os valores na escola,
como por exemplo, uma disciplina de Ética. Estrategicamente também
não foi estabelecido grandes recomendações sobre a implementação
SUMÁRIO

89
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dos valores humanos da escola, a metodologia foi em propor questões


e perspectivas que mantém acesa a discussão desse tema complexo.

Todavia, foi necessário se firmar para não perder a oportunidade


de vislumbrar de forma autêntica a formação humana amparada
em valores na escola. Provisoriamente, a intervenção pedagógica
apropriada para esse momento da Educação Básica brasileira é a
aplicação dos Temas Contemporâneos da Base Nacional Comum
Curricular. De acordo com Darido (2012, p. 9) os temas transversais
podem ser definidos como os grandes problemas que a sociedade
brasileira enfrenta, em que o governo e a própria sociedade têm
dificuldade em encontrar soluções e, por isso, encaminham para a
escola e para outras instituições educacionais a tarefa de socializá-los.

Os temas transversais são definidos como questões sociais


atuais, urgentes, que necessitam ser trabalhadas no dia-a-dia. Nos
PCN se considera que também é da responsabilidade da escola tratar
dessas questões (INOUE, 1999).

A nomenclatura específica “temas transversais” aparece pela


primeira vez no Brasil nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997), lançados pelo governo federal, inspirada no modelo de reforma
curricular realizada na Espanha. Todavia, foi preciso deixar claro que
tanto na área da Educação, como na Educação Física muitos autores
defendiam nas suas propostas a tentativa de relacionar os grandes
problemas sociais com as disciplinas específicas (DARIDO, 2012).

Na Educação Física, por exemplo, vários autores (SOARES


et al., 2009) mencionam a necessidade e a importância de tratar os
grandes problemas sociais nas aulas, tais como: ecologia, papéis
sexuais, saúde pública, relações sociais do trabalho, preconceitos
sociais, raciais, da deficiência, da velhice, distribuição de solo urbano,
distribuição da renda, dívida externa; e outros, relacionados ao jogo,
SUMÁRIO esporte, ginástica e dança. De acordo com os autores, a reflexão sobre

90
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

estes problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar


ao aluno o entendimento da realidade social, interpretando-a e
explicando-a a partir dos seus interesses de classe social.

Os temas transversais citados pelos Parâmetros Curriculares


Nacionais (Pcn/BRASIL 1997, 1998) são: ética, meio ambiente,
pluralidade cultural, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo.
Podem ser interpretados como as principais vias do currículo
escolar, que necessitam ser atravessadas por todas as disciplinas
(DARIDO, 2012, p. 10).

Os temas contemporâneos compartilhados na Base Nacional


Comum Curricular (BRASIL, 2017) são os seguintes: Direito da
criança e do adolescente; Educação para o trânsito; Preservação
do meio ambiente; Educação alimentar e nutricional; Processo de
envelhecimento, respeito e valorização do idoso; Educação em direitos
humanos; Saúde, sexualidade, vida familiar e social; Educação para o
consumo; Educação financeira e fiscal; Trabalho, ciência e tecnologia;
Diversidade cultural.

Segundo Darido (2012, p. 11) mais que ensinar a fazer, o


objetivo é que os estudantes obtenham uma contextualização das
informações, bem como aprendam a se relacionar com os colegas,
reconhecendo quais valores estão por trás de tais práticas. Para Freire
(1996, p. 154) um questionamento deve pautar a prática pedagógica
dos professores, “como ensinar, como transformar sem estar aberto ao
contorno geográfico, social, econômico dos educandos?”.

A transversalidade do ensino pode ser compreendida por


diferentes formas. Para Araújo (1998) apud Darido (2012), a primeira
seria que não deve haver distinção clara entre conteúdos disciplinares
e transversais, ou seja, que tudo que se ensina na escola passaria, de
acordo com essa visão, pelos temas transversais. A segunda forma de
SUMÁRIO compreender é de forma pontual ou eventual, por meio de módulos

91
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ou projetos específicos. A última possibilidade é defendida por


Busquets (1998) apud Darido (2012) ao citar que os temas transversais
deveriam ser o centro das preocupações do currículo em razão de sua
importância para as transformações sociais necessárias.

A ideia da transdisciplinaridade é não perder de vista a


permanente transformação que resulta da conexão e da interligação
de todas as coisas. A transdisciplinaridade é essencialmente o
reconhecimento de que tudo está em permanente transformação. Nos
temas transversais ou no sistema de valores, como quiser chamar, está
colocado intrinsecamente a esse pensar o fato de que tudo está se
transformando permanentemente (INOUE, 1999).

Porém, existem dificuldades para o desenvolvimento da


transversalidade: 1 – a extrema inércia da escola para mudar as formas
de comportamento e as escalas de valores; 2 – a necessidade de pôr
em prática os conteúdos das matérias transversais; 3 – a necessária
formação de professores nessas áreas; 4 – a pouca tradição do trabalho
em equipe, especialmente com os pais e com outras instituições; 5
– a escassez de materiais curriculares; 6 – o problema da avaliação
(NIEVES ÁLVAREZ, 2002).

Esse estudo apoia-se nas sugestões de Darido (2012, p. 19)


ao abordar os temas transversais/contemporâneos deve-se informar
que existem três possibilidades pedagógicas de recorrer aos temas
transversais. A primeira possibilidade seria em uma situação inesperada
e não planejada. O professor deve intervir quando surge alguma questão
problemática no contexto da aula. A segunda possibilidade ocorre em
uma situação quando o professor solicita aos estudantes que tragam
notícias da mídia a respeito de fatos interessantes e discutir essas
notícias com base nos temas transversais. A terceira possibilidade
ocorre na situação de estrutura planejada, antecipando e elaborando
propostas que englobam os grandes problemas sociais brasileiros.
SUMÁRIO

92
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Outra possibilidade efetiva de partilhar os temas contemporâneos


é a elaboração de ações interdisciplinares. Potencializar o entendimento
amplo da temática por vários pontos de vista. Esse mosaico de
olhares não é privilégio dos professores, quando se pensa em ações
interdisciplinares no sentido amplo da temática, com a contribuição
dos gestores, do grupo que faz a limpeza da escola, dos profissionais
da merenda e a comunidade escolar, formada pelos pais e moradores
vizinhos da escola.

A segunda versão da BNCC tinha ensaiado uma iniciativa


interessante para a área de Educação Física, para cada ciclo de
aprendizagem, existia paralelo um tema integrador as Unidades
Temática e seus objetos de conhecimento. Tornando os temas
contemporâneos mais próximos das discussões específicas dos
objetos de conhecimentos da área de Educação Física. Infelizmente
na última versão aprovada, essa iniciativa foi suprimida.

Para além dos temas transversais que apresenta caráter


universal as escolas podem definir suas temáticas emergentes.
Ancorando-se em Freire (2013, p. 136) quando propõe a investigação
do tema gerador. Investigar o tema gerador é pensar a humanidade
referida à realidade e seu atuar perante a realidade, que é sua práxis. É
importante reforçar que o tema gerador não se encontra nos homens
e mulheres isolados da realidade, nem tampouco na realidade
separadas dos homens e mulheres. Só pode ser compreendida nas
relações humanidade-mundo.

A tarefa dos professores e das professoras que trabalham para


uma formação mais humana e digna é recorrer a equipe multidisciplinar
este universo temático recolhido na investigação dos temas geradores,
devolvê-lo, como problema e questão emergente, não como dissertação
prescritiva, aos estudantes de quem recebeu a função de ensinar outra
forma de pensar o mundo (FREIRE, 2013, p. 142).
SUMÁRIO

93
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo tentou objetivar as relações entre valores humanos e os


temas transversais/contemporâneos, ressaltando suas contribuições
nas aulas de Educação Física escolar, reconhecendo a necessidade
de ampliar e manter o debate sobre a dimensão dos valores humanos
nas escolas e particularmente nas aulas de Educação Física. Identificar
e discutir as relações dos valores como tema transversal nas aulas de
Educação Física escolar foi desdobrado em quatro pontos.

No primeiro ponto tentou-se compreender como os valores


humanos são e devem ser tratados na escola. No segundo ponto,
já reconheceu os valores como um conteúdo da escola e suas
possibilidades de apropriação por parte dos estudantes. Já no
terceiro ponto foi abordado à formação moral na escola, diferenciando
da ideia de componente curricular e aproximando para um caráter de
temática transversal da escola. E o último ponto, foi sobre os temas
transversais como saída pedagógica frente ao imobilismo social
perante os grandes problemas. Foram indicadas três possibilidades
de discutir os temas transversais na escola, como também, indicou a
tentativa de desenvolvimento de ações interdisciplinares com apoio
dos temas geradores.

O estudo emergiu algo que precisa ser melhor estruturado na


escola: a aprendizagem dos valores humanos. Levantar a bandeira
de uma formação humana nas escolas é ter noção de totalidade e
perceber nos estudantes os futuros colaboradores sociais e possibilitar
a esperança de um mundo mais justo, digno e que seja possível amar
as pessoas acima de tudo.

Como últimas considerações, é válido sugerir algumas


inquietações que surgiram durante a feitura do texto e podem ser
SUMÁRIO caminhos a serem percorridos em futuras análises, tais como: nesse

94
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

sistema educacional que estão inseridas boa parte das escolas,


que visam somente à melhora no desempenho das avaliações
externas, insistir em uma educação em valores humanos é possível?
Considerando os valores humanos como conhecimento a ser
compartilhado nas escolas, como se deve avaliar esse conteúdo nas
aulas de Educação Física? Em que medida a escola deve transitar
entre a formação moral da escola e a formação moral na escola?
Concluir o texto com perguntas não foi fugir do debate, pelo contrário,
em um tema rico em discussão, a fagulha não se pode nunca acabar.

REFERÊNCIAS

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Amorim Arantes (Org.), Educação e valores. São Paulo: Summus Editorial, 2007.
BETTI, M. Ensino de 1º e 2º graus: educação física para quê? Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, v. 13, n. 2, 1992.
BINDER, D. L. Ensinando valores olímpicos: conceitos e atividades para a
educação olímpica. COB cultural, 2012.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: educação física. Brasília, DF:
MEC, 1997.
BRASIL. Base nacional comum curricular: Educação Física, quarta versão.
Brasília: MEC, 2017.
COLL, C. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos,
procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
DARIDO, S. C. Para ensinar educação física. Campinas, SP: Papirus, 2007.
DARIDO, S. C. Educação Física e temas transversais na escola. São Paulo:
Papirus, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
SUMÁRIO

95
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

HELLISON, D. Teaching Personal and Social Responsibility Through Physical


Activity. 3ª edicação. Human Kinetics, 2003.
INOUE, A. A. Temas transversais e educação em valores. São Paulo:
Peirópolis, 1999.
LA TAILLE, Y. A escola e os valores: a ação do professor. In: LA TAILLE, Yves;
PEDRO-SILVA, Nelson; JUSTO, José Sterza. Indisciplina/disciplina: ética,
moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação, 2006.
PENNA, F. A. O discurso reacionário de defesa de uma ‘escola sem partido’.
In: GALLENO, E. S. O ódio como política: a reinvenção da direita no Brasil.
São Paulo SP: Boitempo, 2018, p. 109-113.
NIEVES ÁLVAREZ, N. Valores e temas transversais no currículo. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
SACRISTÁN, J. G. La educación obrigatoria: su sentido educativo y social.
Madrid: Morata, 2000.
SANTOS, B. de S. Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007.
SOARES, C. L. et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo:
Cortez, 2009.
STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SUMÁRIO

96
5
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 5

DOS PCN A BNCC: O QUE


MUDA NO JOGO DA EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR?

RaphaellRaphaell
Moreira Martins
Moreira Martins
Pedro
Pedro Henrique
Henrique Silvestre
Silvestre Nogueira
Nogueira
José Ribamar Ferreira Júnior
José Ribamar Ferreira Júnior

DOS PCN
A BNCC:
o que muda
no jogo
da educação
física escolar?
SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.97-115 97
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O debate sobre Reformas Educacionais ganhou destaque nos últimos anos.
Porém, políticas públicas que fomentassem a elaboração dos currículos da
Educação Básica já estavam previstas na Constituição de 1988, posteriormente
reafirmada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de
1996 (NEIRA e JÚNIOR, 2016). Várias críticas foram apresentadas nesse
período, dentre elas, destacamos as levantadas por Goodson (1995), acerca
da interferência de instituições externas como o Banco Mundial e o FMI na
formulação das políticas educacionais no Brasil. Documentos como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem em seus textos as marcas
desses embates. No campo da Educação Física, a Base Nacional Comum
Curricular reforça a concepção vinculada às práticas corporais, valorizando a
democratização e acesso as práticas corporais, bem como o desenvolvimento
de sentidos e significados dos educandos para com elas. Desse modo,
estudos de Rocha et al. (2015) evidenciaram a presença de modelos
pautados nas teorias críticas na maioria dos trabalhos que se debruçam sobre
a produção curricular da Educação Física e na composição de documentos
estaduais. Portanto, o objetivo deste estudo é explanar os procedimentos para
elaboração do documento e investigar, na perspectiva adotada pela BNCC,
quais as concepções epistemológicas que nortearam os trabalhos e os efeitos
que se espera causar no âmbito educacional. Se justifica pelo fato de que no
texto da BNCC se configura de forma significativa a presença de teorias pós-
modernas, além do objeto da cultura corporal carece de debate, haja visto sua
presença na área das linguagens.

Palavras-chave:
PCN; BNCC; Educação Física; Proximidades; Desencontros.
SUMÁRIO

98
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Com o intuito de atender os anseios das diferentes demandas


sociais, surgem as políticas públicas educacionais que vislumbram à
garantia de direitos perante a sociedade, envolvendo compromissos
e tomadas de decisões para determinados fins. Desta forma, orientar
a construção de propostas curriculares para os sistemas e unidades
educacionais também são partes imprescindível das políticas públicas
destinadas a Educação. Dentre muitas, talvez a mais polêmica nos
últimos tempos, destaca-se a construção de uma Base Nacional
Curricular Comum no ano de 2015, conduzida pelo Ministério de
Educação em parceria com o Conselho Nacional de Secretários
de Educação – CONSED - e a União dos Dirigentes Municipais de
Educação - UNDIME.

Assim, o debate sobre currículo vem ganhando destaque ao


longo das últimas décadas, tendo em vista que currículo é espaço de
forças antagônicas que lutam intensamente pelo seu espaço. E nessa
totalidade, a elaboração dos currículos da Educação Básica no Brasil
já estava prevista em documentos anteriores. Muito diferente do que
parcela da população brasileira pensou anos atrás da BNCC ser uma
iniciativa de um governo específico. Pelo contrário, a historiografia da
discussão de currículos universais no Brasil se deu inicialmente na
Constituição Federal de 1988, seguido da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 9.394 de 1996. Tal objetivo também está
presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica de 2010 e posteriormente reafirmado no Plano Nacional de
Educação de 2014. (NEIRA; JÚNIOR, 2016).

Nesse contexto de contradições, estudos de Silva (2016)


sinalizam para as contundentes ações de instituições internacionais,
que a partir da década de 1990 modificaram as estruturas da educação
SUMÁRIO

99
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

brasileira. Dentre todas as mudanças no ensino público nesse período,


podemos destacar em especial, a criação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1996), o processo de municipalização da educação
no Brasil, o sistema de avaliação, o Projeto Mais Educação (BRASIL,
2007), dentre outros.

Várias foram as críticas tecidas por grandes teóricos nesse


período quanto a pauta do financiamento da educação, dentre
elas, destacamos as levantadas por Goodson (1995), acerca da
interferência do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
(FMI) na formulação das políticas educacionais no Brasil. Uma vez
que, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são apontados
como documentos influenciados diretamente por estas diretrizes, e
que trazem em seus textos as marcas dos embates do contexto.

No entanto, não podemos pecar no equívoco em pensar que


o advento dos PCN não foi algo relevante para a Educação brasileira,
pelo contrário, estudos de Neira (2015) analisaram as propostas
curriculares de vários Estados brasileiros publicadas no período de
2008 a 2014, entre elas, as propostas dos Estados do Acre, Alagoas,
Mato Grosso, Paraná, Pernambuco e São Paulo. Uma descoberta
importante foi a confirmação dos PCN como sendo a maior influência
teórica nas propostas curriculares estaduais.

De acordo com o grupo que organizou os PCN estes documentos


têm como função primordial subsidiar a elaboração ou a versão
curricular dos estados e municípios, dialogando com as propostas
e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica
interna às escolas e a elaboração de projetos educativos, assim
como servir de material de reflexão para a prática de professores.
(DARIDO et al., 2001).

Porém, os estudos de Zanlorenzi e Lima (2009), enfatizam que


SUMÁRIO o processo de construção dos PCN se fez unilateralmente devido sua

100
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

centralização nas mãos de poucos especialistas. Diferentemente,


o processo de construção das primeiras versões da BNCC se
deu aparentemente de uma forma mais democrática, segundo os
indicadores disponíveis até o presente momento.

Com base nesse processo, por meio dos PCN os conteúdos


de Educação Física passaram a ser abordados como expressão de
produções culturais, como conhecimentos historicamente acumulados
e socialmente partilhados. Por essa razão, se reconhece que o mais
interessante desse contexto foi oportunizar o debate sobre o currículo
que em muitas áreas, inclusive na Educação Física não era explorado
com tanta rigorosidade. (APPLE, 1998).

Nesse sentido, a portaria N° 592, de 17 de junho de 2015, institui


a comissão de especialistas para a elaboração de proposta da BNCC.
O grupo era composto por 116 profissionais que atuam em diferentes
níveis de ensino de todas as unidades da federação indicados pelas
entidades supracitadas CONSED e UNDIME. (BRASIL, 2015).

Para ilustrar melhor acerca do grupo de especialistas, discute-se


o grupo da área de Educação Física, os profissionais e as profissionais
que estavam fazendo parte da comissão, representavam excelência
acadêmica e não existiam dúvidas que dominavam com propriedade a
temática do currículo na área de Educação Física. No entanto, analisa-
se os achados de Moreira et al., (2014) ao alertar sobre a desconfiança
e a resistência por parte do grupo de professores e de professoras
a produções como a criação de um currículo. Mesmo sabendo que
no caso da BNCC se ensaiou uma proposta mais democrática de
construção curricular. A tradição desse tipo de produção educacional
sempre foi de subjugar a colaboração da comunidade escolar. Por isso,
sempre houve uma impopularidade para documentos curriculares.

Após a primeira versão do documento, elaborou-se uma


SUMÁRIO plataforma que permitia por meio de vários recursos, a participação

101
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

de pessoas e instituições devidamente cadastradas. O texto da


primeira versão da BNCC recebeu mais de doze milhões de sugestões
oriundas de todo o Brasil. Esse dado não demonstra que o documento
foi acolhido por toda a sociedade, como também, que todas as
manifestações citadas na plataforma digital mudariam as concepções
adotadas no documento. Esse número que foi muito explorado pelos
consultores da BNCC, apresentava a seguinte posição, que o debate
sobre o currículo estava mais presente no seio social.

Todo esse esforço tinha um objetivo claro e aponta-se até como


ousado, tomando como referência o tamanho do Brasil. A tarefa era
construir um documento de caráter normativo que definisse o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os(as)
estudantes deveriam desenvolver ao longo das etapas e modalidades
da Educação Básica (BRASIL, 2017).

Porém, apesar de se evitar ao longo da construção da BNCC, a


verticalização da construção do currículo no processo de construção,
que objetivava ser democrático, deixou de ser em algum momento.
Nos bastidores, a leitura de tudo o que foi possível ser acessado mostra
que muitas questões ainda precisam ser explicitadas, melhoradas
e debatidas profundamente. No entanto, não cabe nesse estudo
aludir todas as questões que giram em torno da BNCC. Inclusive,
reconhecemos que o documento já foi publicado em suas várias
etapas e o momento seria de pensar como as redes de ensino estão
se apropriando das recomendações da BNCC.

Na área da Educação Física a BNCC define como objeto de


estudo as práticas corporais, concebendo-as como um conjunto
de práticas sociais que envolvem movimento, realizadas fora das
obrigações laborais, domésticas, higiênicas, religiosas, realizadas
com propósitos específicos, não instrumentais (BRASIL, 2017).
Vale ressaltar, a mudança de perspectiva adotada no conceito de
SUMÁRIO Educação Física, observamos que os estudos culturais permanecem,

102
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

no entanto, o patamar apresentado as práticas corporais se tornam


um caráter inovador.

Considera-se a opção pelo objeto das práticas corporais um


excelente avanço para a área de Educação Física, nessa linha de
entendimento não existe um rompimento com a perspectiva dos
estudos culturais tão presente na área, simplesmente tornou o objeto
de estudo mais claro para um documento que visa ser uma Base
Nacional Comum Curricular. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
optou-se por cultura corporal em primeiro momento e posteriormente
por cultura corporal de movimento, essa alteração não ficou
devidamente clara nos PCN.

Para Bracht (2005), qualquer um pode representar a área,


desde que cultura, ou seja, desde que se coloque o peso maior neste
conceito. É ele que melhor expressa a ressignificação mais importante
e a necessária desnaturalização do objeto da Educação Física, que
melhor reflete a sua contextualização sócio-histórica.

Entretanto, o próprio conceito de práticas corporais não é um


consenso na área pedagógica, como também não é um termo muito
utilizado pelos(as) professores(as) de Educação Física escolar. Por
isso, insistimos que a crítica não se focaliza na opção pelo conceito de
práticas corporais. Mas, na forma que foi apresentada no documento,
transparecendo que os(as) professores(as) de todo o país se
reconhecem nessa terminologia.

Desta forma, para se alcançar o objetivo deste capítulo que é


de apresentar as características dos dois documentos, PCN e BNCC,
ao final definir as principais diferenças e aproximações entre eles,
utilizou-se uma pesquisa bibliográfica. Uma pesquisa bibliográfica na
concepção de Lima e Mioto (2007), implica sempre em um conjunto
ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto
SUMÁRIO de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.

103
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

DIÁLOGOS COM OS PCN DA EDUCAÇÃO FÍSICA

A partir desse momento compete a esse estudo apresentar o


que se muda, quais as diferenças entre os dois documentos. Para
isso, se faz necessário explicitar algumas considerações para que o
leitor possa se situar melhor em nosso texto. Mesmo sabendo a ampla
divulgação que esse documento obteve e seu impacto salutar na área
pedagógica da Educação Física, já se passaram mais de vinte anos
desde a divulgação da primeira versão dos PCN.

Como outros autores, reforçamos aqui que a proposta que


mais veio contribuir para elevar o status e promover maior visibilidade
da Educação física no território nacional foram os PCN. De tantas
discussões levantadas na área, especificamente na década de 1990,
podemos citar a que permeava a escolha do objeto de que trata a
Educação Física. Nesse bojo, os PCN’S entendem que a Educação
Física é uma área de conhecimento da cultura corporal onde o
objetivo é inserir os alunos na Cultura Corporal do movimento assim,
contribuindo para a formação do cidadão crítico. (BRASIL, 2000).

Na primeira parte de seu texto, fica nítido a concepção


de perspectiva crítica da Educação Física que visava romper
com os modelos tradicionais pautados na hegemonia esportiva
e no rendimento:
Buscando uma compreensão que melhor contemple a
complexidade da questão, a proposta dos Parâmetros
Curriculares Nacionais adotou a distinção entre organismo – um
sistema estritamente fisiológico – e corpo – que se relaciona
dentro de um contexto sociocultural – e aborda os conteúdos da
Educação Física como expressão de produções culturais, como
conhecimentos historicamente acumulados e socialmente
transmitidos. Portanto, a presente proposta entende a Educação
Física como uma cultura corporal. (BRASIL, 1997).
SUMÁRIO

104
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Estudos de Bracht (2005), apontam para a discussão que o


termo Cultura Corporal criou entre os teóricos da Educação Física
ao longo no final da década de 1990. Para este autor, tanto a
expressão corpo como movimento exigem tratamento conceitual,
no bojo do qual podem assumir um significado que transcenda ou
não sua conotação biológico-naturalista, e também, um tratamento
demarcatório de definições.

Uma vez que, o projeto de construção de uma escola ideal


precisa preocupar-se com conhecimento constituído historicamente,
mas também com valores, nessa perspectiva, os PCN propõem que a
integração se faça por meios dos temas transversais, que perpassam
o conjunto das disciplinas, propondo uma educação que valorize a
dignidade da pessoa humana e a co-responsabilidade na vida social.

A inserção dos temas transversais também pode ser explicada


devido o que se vem confirmando até o momento, ou seja, que apenas
o estudo das disciplinas tradicionais não dava conta de um conjunto
de questões posta pela realidade vivida pelos alunos em face dos
problemas sociais. (MACEDO, 1999).

De acordo com Oliveira (2002), um dos grandes problemas


da Educação Física está em organizar e sistematizar os conteúdos a
serem trabalhados ao longo da vida escolar. Assim, na elaboração dos
PCN um dos benefícios que contribui para melhoria da aprendizagem
dos conteúdos foi que proporcionou aos professores maior praticidade
para a elaboração dos conteúdos.

No entanto, os PCN não conseguiram avançar ao ponto do que


se esperava no ponto de vista da progressão e da complexidade dos
blocos de conteúdos que fazem parte da área de Educação Física,
mesmo reconhecendo sua evolução na época, ainda ficou aquém do
que se esperava para um parâmetro curricular. De acordo com Kunz
SUMÁRIO (1994) estabelece um alerta para a necessidade de um programa

105
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

mínimo de conteúdos e métodos para cada série escolar, com


características flexíveis, para atender, principalmente, problemas de
infraestrutura e material.

Se a Educação Física pretende ser uma disciplina escolar


com status semelhante ao adquirido pelas demais, precisa dizer
a que veio, o que ensina. Enquanto “engasgar” cada vez que for
questionada sobre o que pode ensinar, será uma disciplina marginal.
Os professores sentem muita dificuldade em responder perguntas
como: o que a educação física ensina na primeira série, ou na
segunda. (FREIRE; SCAGLIA, 2004).

Em resumo Martins (2015) apresenta as principais contribuições


dos Parâmetros Curriculares para a área de Educação Física. Os
PCN, especialmente os destinados aos dois últimos ciclos do
Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries), indicam uma possibilidade de
aproximação entre as abordagens e tendências pedagógicas já
propostas para o componente curricular Educação Física. Os PCN
propõem à construção crítica da cidadania, elaborando questões
sociais urgentes nos temas transversais: ética, saúde, meio ambiente,
pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e consumo.

Assim, a Educação Física na escola deve promover o princípio


da inclusão, com a inserção e integração dos estudantes à Cultura
Corporal do Movimento, por meio de vivências que problematizem
criticamente os conteúdos: jogos, esportes, lutas e ginástica.
Conhecimento sobre o corpo. E atividades rítmicas e expressivas.

Um aspecto interessante apresentado pelos PCN foram os


critérios para a seleção de conteúdos, baseados em três dimensões:
relevância social; características dos estudantes; características da
própria área. O documento também incentiva a problematizar os
conteúdos e trabalhar com os conhecimentos prévios dos estudantes.
SUMÁRIO (BRASIL, 1997).

106
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONTEXTUALIZANDO A BNCC
NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Como pesquisadores críticos, atentos no que o currículo


esconde por trás das entrelinhas e das intenções, nossa tarefa nesse
ponto parte da neutralidade da análise do documento da BNCC, haja
visto que tal documento é uma realidade, porém muitas são as dúvidas
e angustias de professores e professoras que ainda não conhecem
com certa propriedade este documento e para apresentar alguns de
seus princípios e características, nos reportamos a sua última versão.

Micarello e Linhares (2016), apontam para o período conturbado


que culminou com o golpe político de 2016, para os autores o texto da
BNCC do Ensino Médio é a expressão de uma reforma que altera a
composição dos currículos e sacramenta uma proposta sustentada na
meritocracia e nos privilégios institucionalizados dos jovens dos estratos
economicamente melhor assistidos. É inegável a intencionalidade de
destruição do ensino público e gratuito e da defesa do Estado Mínimo,
bem como, do ponto de vista específico da Educação Física, uma
ameaça à sua manutenção na formação dos jovens, adultos e idosos.

Observamos que a BNCC atravessa esses dois momentos, no


primeiro momento entre 2015 até meados de 2016, mesmo com todos
os receios que a comunidade acadêmica expressava. Houve uma
tentativa de tornar essa construção aparentemente mais democrática.
Todavia, com o golpe político-parlamentar-jurídico-empresarial-
midiático que impediu a continuidade da Presidente Dilma (PT) de seu
mandato. Um dos primeiros atos do, Presidente Michel Temer (MDB) foi
modificar os rumos da BNCC. O documento que já tinha seus receios,
assumiu uma impopularidade, maior do que deveria.

Mas retomando ao documento a BNCC é um documento


SUMÁRIO normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais

107
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e


modalidades da Educação Básica (BRASIL, 2017). Que se faz cumprir
o objetivo de documentos anteriores citados anteriormente, os quais
objetivavam que a educação brasileira tivesse um documento comum
que subsidiasse o ensino, servisse de base para consulta e ao mesmo
tempo norteasse atuação docente.

Nesse sentido, a BNCC cumpre seu papel, pois além nortear


os currículos dos sistemas e redes de ensino brasileiros, também
estabelece os conhecimentos, as competências e habilidades que se
espera que todos os estudantes desenvolvam e acessem ao longo da
Educação Básica.

Estudos levantados por Martins et al., (2017), confirmam


que um expressivo número de professores e professoras foram a
favor da criação e implementação de uma Base Nacional Comum
Curricular. O estudo também mostrou que os mesmos professores
e professoras entrevistados(as) gostariam de ter como conteúdos
no currículo de suas escolas, os tradicionais trazidos pelos PCN,
que são os Esportes, os Jogos e as Lutas. Nessa lógica, a BNCC
será um avanço para a Educação Física, pois permitirá uma melhor
sistematização desses conteúdos.

Nem tudo foram flores, no período de lançamento da BNCC,


foram tecidas críticas contundentes à versão elaborada para o ensino
médio. O Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), se
manifestou publicamente por meio de um parecer. Para esta instituição,
a BNCC do Ensino Médio torna o componente curricular invisível diante
de suas potencialidades.
Suas ideias e intenções desaparecem em meio à hegemonia da
Língua Portuguesa na Área das Linguagens e suas Tecnologias.
Embora o texto reconheça a produção cultural dos jovens
na Educação Física, conferindo-lhes certo protagonismo, é
SUMÁRIO extremamente genérico e insuficiente para a orientação curricular
dos professores nas diferentes Redes de Ensino. A BNCC do

108
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Ensino Médio reforça uma concepção instrumental de educação


escolar e simultaneamente extermina as potencialidades de um
projeto de Educação Física escolar em sua perspectiva histórica
e particular. (CBCE, 2018).

Neira (2016), denota que não é somente a existência de uma


base comum que garantirá a qualidade da Educação no Brasil. É
preciso um movimento amplo, que se tenha uma maior atuação da
comunidade escolar, que se promova menos as situações assimétricas
e de verticalização, que se tenha melhores condições de trabalho,
de formação de professores. Outro fator que este autor aponta é o
surgimento de movimentos conservadores na educação, e que por
este motivo é preciso discutir com caráter de urgência, as políticas
que visam discriminar a identidade dos professores, as quais estão
ganhando força nos discursos políticos.

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE OS


PCN E BNCC NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Ancorando-se na história dos dois referenciais curriculares


brasileiros, serão analisados, a seguir, de forma sistêmica e global, o
que, por conta dos limites deste trabalho não nos permite um maior
desmembramento das categorias. Atentamos que as semelhanças
e diferenças não são uma pauta de elementos restritos e estanques,
desta forma são descritos conforme o ponto de vista dos autores.

Enquanto os objetivos dos PCN eram possibilitar às novas


gerações a preservação e a reconstrução crítica da herança cultural
acumulada pela humanidade sob a forma de conhecimentos
sistematizados, a BNCC aborda os conteúdos da Educação Física
como expressão de produções culturais, como conhecimentos
SUMÁRIO historicamente acumulados e socialmente partilhados.

109
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Em relação ao trato com a cultura corporal, a BNCC passou


a tematizar as práticas corporais na escola concebendo-as
como um conjunto de práticas sociais que envolvem movimento,
enquanto os PCN visam introduzir e integrar o aluno na cultura
corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la,
reproduzi-la e transformá-la.

Avançando com nossa análise, ficou nítido o aumento da


quantidade de conteúdos na última versão da BNCC em comparação
com os PCN. Enquanto a BNCC traz em seu bojo seis Unidades
Temáticas (Brincadeiras e jogos; Esportes; Ginásticas; Lutas; Práticas
corporais de aventuras; Danças), os PCN trazem quatro unidades
em blocos de conteúdos. É válido ressaltar que a organização dos
dois documentos se constitui por ciclos de aprendizagem, diferente
do que se espera no ensino por série. O quadro a seguir ilustra os
conteúdos que compõem cada referencial. É importante destacar
que o alinhamento dos currículos a BNCC define as aprendizagens
essenciais no qual todos os estudantes brasileiros têm ao longo da
Educação Básica acessar. (BRASIL, 2017).

Quadro 01: Conteúdos da BNCC X Conteúdos dos PCN.

Conteúdos da BNCC Conteúdos dos PCN

Brincadeiras e jogos Conhecimento sobre o corpo


Danças Esportes, jogos, lutas e ginásticas
Esportes Atividades rítmicas e expressivas
Ginásticas (demonstração,
condicionamento físico e
conscientização corporal)
Lutas
Práticas corporais de aventuras

Fonte: Os autores.

SUMÁRIO

110
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

No que se refere às habilidades previstas na BNCC, na


Educação Física a terminologia também mudou. São contemplados
as ‘‘dimensões do conhecimento’’ para orientar a redação das
aprendizagens essenciais e estruturar a progressão pelo MEC.
Anteriormente, com os PCN, a terminologia utilizada era “Dimensões
de Conteúdos”, que se vislumbrava um “conhecer”, saber “fazer” e
saber “ser”. As duas concepções estão expostas no quadro abaixo.

Quadro 02: Dimensões do conhecimento BNCC


X Dimensões do conteúdo PCN.

Dimensões do conhecimento Dimensões do conteúdo

Experimentação Conceitual

Uso e apropriação Procedimental

Fruição Atitudinal

Reflexão sobre a ação

Construção de valores

Análise, compreensão

Protagonismo comunitário

Fonte: Os autores.

Por fim, mudou-se o termo utilizado para contextualizar os


temas que por ventura permeiam uma aula que se pretende ser
contextualizada. Enquanto Temas transversais são utilizados para os
PCN, a terminologia “temas contemporâneos” será utilizada para a
BNCC. Porém, as duas terminologias findam no objetivo de colaborar
com a contextualização dos temas e problemas sociais aos objetos de
conhecimento descritos na BNCC, contribuindo com que o estudante
conclua a sua educação formal, reconheça e aprenda sobre os temas
SUMÁRIO que são relevantes para sua atuação em sociedade coletiva.

111
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quadro 03: Temas emergentes BNCC X Temas transversais PCN.

Temas Contemporâneos Temas Transversais


Direito da criança e do adolescente Ética
Educação para o trânsito Orientação sexual
Preservação do meio ambiente Meio ambiente
Educação alimentar e nutricional Saúde
Processo de envelhecimento,
Pluralidade cultural
respeito e valorização do idoso
Educação em direitos humanos Trabalho e consumo
Saúde, sexualidade, vida familiar e social
Educação para o consumo
Educação financeira e fiscal
Trabalho, ciência e tecnologia
Diversidade cultural
Fonte: Os Autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar nosso trabalho se faz necessário enfatizar que um


ponto que culminou com a elaboração de uma base nacional comum
foram os referenciais anteriores como Constituição Federal, a LDB de
1996, as DCN e o PNE de 2014. Foi visto também que os PCN foram
constituídos sob a participação implícita de instituições econômicas
internacionais, influenciando diretamente a constituição dos currículos
escolares dos estados e municípios do Brasil.

Apesar da BNCC pretender ser democrática, recebendo


contribuições de profissionais e pessoas de todo Brasil, como afirmou
o ministério da Educação, em algum momento deixou de ser. Esse
SUMÁRIO fato foi desvendado devido a quantidade de críticas apresentadas

112
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

por vários profissionais da área e pela desconfiança por parte dos


professores. Apesar da BNCC possuir uma gama de problemas que
precisam ser melhores discutidos, se faz imprescindível tê-la como
um documento normativo, que consiga nortear a prática docente e
promover a qualidade do ensino, garantindo a aquisição de conteúdos
mínimos. Isso também não garante a salvação da educação brasileira,
pois se faz necessário outros mecanismos que apenas a BNCC não
carrega no seu texto.

Na segunda parte foram apresentados e brevemente


comentados os principais distanciamentos e aproximações entre
os dois documentos. Dentre as comparações, apresentamos as
mudanças nas terminologias, as mudanças nos conteúdos e os temas
emergentes que permeiam a contextualização das aulas.

Por fim, nosso estudo cumpriu o objetivo que foi desvendar


através das mudanças, os próximos caminhos que a educação
física deve trilhar, na certeza de que a BNCC é uma realidade.
Resta saber como os professores vão acolher e desenvolver
essas propostas diante de um contexto escolar tão complexo e ao
mesmo tempo tão contraditório. Algumas perguntas ainda precisam
serem esclarecidas, como promover a formação continuada para
implementação da BNCC? Quais serão as políticas de avaliação
para garantir a qualidade do Ensino? Adiante, quais serão os
impactos da BNCC na Educação Física Escolar?

REFERÊNCIAS
BRACHT, V. Cultura Corporal, Cultura de Movimento ou Cultura Corporal
de Movimento? In: SOUZA JÚNIOR, M. Educação Física Escolar: teoria
e política curricular, saberes escolares e proposta pedagógica. Recife:
EDUPE, 2005. p. 97-106.
SUMÁRIO

113
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Base nacional comum curricular: Educação Física, quarta versão.
Brasília: MEC, 2017.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: educação física. Brasília, DF:
MEC, 1997.
DA SILVA MICARELLO, Hilda Aparecida Linhares. A BNCC no contexto de
ameaças ao estado democrático de direito. EccoS Revista Científica, n. 41,
p. 61-75, 2016.
DARIDO, Suraya Cristina et al. A educação física, a formação do cidadão e os
parâmetros curriculares nacionais. Revista Paulista de Educação Física, São
Paulo, v. 15, n. 1, p. 17-32, 2001.
FREIRE, J. B.; SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. 1ª ed, São
Paulo: Ed. Scipione, 2003.
GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.
LIMA, Telma CS; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos
metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa
bibliográfica. Revista Katálysis, v. 10, n. 1, p. 37-45, 2007.
MACEDO, Elizabeth Fernandes de. Parâmetros curriculares nacionais: falácia
de seus temas transversais. IN: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. (org.).
Currículo: Políticas e práticas. Campinas, SP: Papírus, 1999.
Manifestação do GTT Escola do CBCE sobre a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) do Ensino Médio. Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte,
CBCE. Disponível em: http://www.cbce.org.br/noticias.php?all=1&id=0.
MARTINS, R. M. Contextualização do ensino e dialogicidade na Educação
Física escolar: fazeres docentes em ação no Ensino Médio. 2015. 313f.
Dissertação (Mestrado) – Curso em Educação Brasileira, Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.
MARTINS, R. M.; SILVA, M. E. H.; SILVA, A. J. F. BNCC: o que dizem os
professores. In: XX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, 2017,
Goiânia. Democracia e emancipação. Goiânia: UFG, 2017. v. 1. p. 1347-1352.
MOREIRA, E. C.; PEREIRA, R. S.; LOPES, T. C.; SANTOS, E. S. O.;
SCHÜLLER, J. A. P.; GOMES, C. F. Proposta pedagógica para o ensino da
SUMÁRIO

114
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Educação Física em Cuiabá: Relatos de uma formação continuada. Revista


Eletrônica de Educação, v. 8, p. 278-290, 2014.
NEIRA, M.G.; JÚNIOR, M. S. A Educação Física na BNCC: procedimentos,
concepções e efeitos. Motrivivência, v. 28, n.48, p. 188-206, setembro/2106.
NEIRA, Marcos Garcia; JÚNIOR, Wilson Alviano; DE ALMEIDA, Déberson
Ferreira. A primeira e segunda versões da BNCC: construção, intenções e
condicionantes. EccoS Revista Científica, n. 41, p. 31-44, 2016.
SILVA, Iraci Balbina Gonçalves. O Banco Mundial e as políticas
educacionais. Ciclo Revista, v. 1, n. 2, 2016.
ZANLORENZI, M. J.; LIMA, M. F. Uma análise histórica sobre a elaboração e
divulgação dos PCN no Brasil. In: Anais do VIII Seminário Nacional de Estudos
e Pesquisas, Campinas-SP, 2009.
VERONEZE, Daniela et al. Consensos e dissensos entre os parâmetros
curriculares nacionais e a base nacional comum curricular. Anais do X
Encontro Nacional de Educação Matemática–ENEM. São Paulo, 2016.

SUMÁRIO

115
6
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 6

AS VELEIDADES DO PLANO
NACIONAL DO LIVRO
DIDÁTICO: DO ESTADO NOVO
À CONTEMPORANEIDADE

Julianne Rodrigues Pita


Iara
Julianne de Sousa
Rodrigues Pita Nascimento

Iara de Sousa Nascimento

AS VELEIDADES
DO PLANO
NACIONAL
DO LIVRO
DIDÁTICO:
do estado novo
SUMÁRIO
à contemporaneidade
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.116-130 116
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O capítulo a seguir visa realizar um breve estudo acerca dos caminhos
percorridos pelo PNLD desde a sua criação construindo um histórico das
políticas públicas que surgiram ao seu redor a partir de meados dos anos
30 com a criação do Instituto Nacional do Livro e vai até a democratização e
sua distribuição gratuita até o momento atual de escolha dos livros didáticos
adotados pelo sistema de ensino público brasileiro. Concluímos, portanto,
que as mudanças ocorridas desde o Estado Novo até a contemporaneidade
refletem muito do contexto em que os programas foram elaborados, bem
como as ideologias que se encontram em voga e a disponibilidade do governo
em se adaptar ou não.

Palavras-chave:
SUMÁRIO PNLD; Livro Didático; Ideologia.

117
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Compreender a educação e os seus caminhos nunca foi


tarefa fácil para pesquisadores da área que se encontram dentro
da academia e dentro das escolas. Os seus mecanismos, métodos
e instrumentos são fontes inesgotáveis de estudos na busca de
contribuições pertinentes que floresçam essa seara. Assim, por
avaliarmos que é através dessas fontes que encontraremos possíveis
respostas para novos encaminhamentos nos processos educacionais
que constantemente a pergunta sobre a validade dos seus usos e
práticas sempre retorna às pautas educacionais.

Um item que nunca foge dessa indagação é o livro, principalmente


numa era cada vez mais digital, em que a desvalorização do papel
escrito é crescente em oposição à aquisição de aparelhos que
forneçam leituras instantâneas e tão atrativas virtualmente, tal como
celulares, tablets, computadores, entre outros dispositivos. Na esfera
escolar, o livro didático se torna o vilão por fazer o aluno perceber que
naquele espaço ele não poderá fugir do contato com o impresso.

Dessa maneira, é um desafio imenso para as editoras que


submetem as suas produções para candidatura e escolhas das
escolas públicas brasileiras tornar o livro didático atrativo e, para além
disso, ainda encaixá-los4 dentro de todos os parâmetros exigidos em
legislação vigente.

Por outro viés, é importante lembrar que o livro didático se


constrói através de uma política pública que se trata do Plano Nacional
do Livro Didático (doravante PNLD) que acompanha não somente as
mudanças das teorias e estudos no que concerne à educação, mas,

4 A expressão “encaixar” mesmo que apresentada de maneira essencialista, seria a


SUMÁRIO expressão mais adequada ao que é feito com os conteúdos apresentados dentro da matriz
dos componentes curriculares do ensino básico brasileiro.

118
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

também, processos políticos, sociais e econômicos pelos quais a


nação brasileira passa.

Nesse viés, faremos aqui um breve estudo acerca de como o


PNLD nasceu no Brasil construindo um histórico das políticas públicas
que surgiram envolta desde meados dos anos 30 com a criação do
Instituto Nacional do Livro e vai até a democratização e sua distribuição
gratuita e, posteriormente, discutiremos como se encontra atualmente
o processo de escolha dos livros que ganham o Brasil se fazendo
como um dos principais instrumentos de ensino nas escolas públicas
municipais e estaduais.

PLANO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO:


VELEIDADES DE UMA POLÍTICA
PÚBLICA TRANSFORMADORA

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) surgiu com


o intuito de avaliar e distribuir obras de cunho didático, literário e
pedagógico para uso nas escolas públicas brasileiras conveniadas
ao Poder Público, sejam elas de ordem municipal, estadual, federal,
distrital e, também, as de educação infantil.

Os primeiros suspiros de uma legislação voltada para a


legitimação e fomento do surgimento dos livros didáticos surgiu em
1929, durante o Estado Novo, com a criação do Instituto Nacional do
Livro (INL) que teria a responsabilidade de legislar enquanto órgão
de esfera pública.

Posterior a este momento, quase uma década depois, o Estado


institui, por meio de decreto-Lei 1.066, de 30/12/38, a primeira política
de legislação oficial através da Comissão Nacional do Livro Didático
SUMÁRIO

119
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

(CNLD) que terá sua consolidação através do Decreto-Lei nº 8.640,


de 26/12/45 versando sobre a restrição ao professor da escolha do
livro didático e também sobre as condições de importação, produção
e utilização deste.

Nos anos seguintes, em específico no fim dos anos 60 e início


dos anos 70, em um período que a tendência liberal tecnicista se
encontrava em alta na educação brasileira, surge um acordo entre
a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
(USAID) e o Ministério da Educação (doravante MEC) que dá luz a
um novo projeto de órgão público, a Comissão do Livro Técnico e
Livro Didático.

A Colted, como ficou conhecida, foi instituída através do Decreto


n. 59355/66 durante o período de Ditadura Militar que se estabelecia
dentro do território brasileiro. Nesse período caótico para a política
brasileira, o ensino básico busca sua expansão constante e o mercado
de livro didáticos está cada vez mais ascendente. Nesse contexto
a Colted surgirá com a competência de “gerir e aplicar recursos
destinados ao financiamento e à realização de programas e projetos
de expansão do livro escolar e do livro técnico, em colaboração com a
Aliança para o Progresso” (Decreto n° 58.653/66).
[...] entravam em cena os livros didáticos consumíveis e as
novas técnicas de ensino, como as instruções programadas e
os estudos dirigidos. Com a expansão da escolarização e do
mercado editorial de didáticos o Estado passou a estabelecer
medidas mais acentuadas de intervenção, por meio de políticas
para a regulação dos livros escolares. (FILGUEIRAS, 2015, p. 5).

Diante desse contexto, a Colted se estabelece através de seus


principais desígnios que são desdobramentos do objetivo principal:
tornar o preço do livro didático mais acessível e; estimular a expansão
da indústria responsável pela produção do livro fazendo com que essa
demanda pudesse ser atendida na pasta governamental da Educação.
SUMÁRIO

120
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Posterior a sua criação um convênio de colaboração para


publicações educacionais que incluía MEC, Sindicato Nacional
dos Editores de Livros (SNEL) e Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional (USAID) é assinado com o objetivo de
atender as escolas de nível primário e médio na distribuição de cerca
de 51 milhões de livros durante três anos. Esse acordo, fortaleceu as
relações entre Estados Unidos e Brasil, pois a USAID teria o papel de
assessorar e assistir tecnicamente os editores dos livros propostos e o
próprio Ministério da Educação na execução do Programa.

Em meados de 1969, com o enrijecimento cada vez maior da


Ditadura Militar, a fiscalização dos conteúdos abordados dentro dos
livros didáticos distribuídos se torna cada vez mais intensa. Uma
denúncia anônima marca este período. Um exemplar de “O livro
didático: sua utilização em classe” é acusado de subversão e gera
um desconforto entre os membros da Coltred causando a substituição
de seu Diretor Executivo que posteriormente foi substituídos por um
militar, membro do Exército.

Essa situação evidencia a relevância da parcela histórica-social


na implementação de políticas públicas como a do Livro Didático,
corroborando assim com o que diz Filgueiras (2015) quando a
autora afirma que “analisar as políticas educacionais para os livros
didáticos permite adentrar na história das tensões que envolvem
esses lugares de poder e as disputas no interior desses ambientes de
decisão sobre a escola e os saberes escolares.” (p. 03).

Ainda no período da Ditadura Militar, pouco tempo depois da


criação da Colted, é criada, por instrumento de lei n.5.327, de 2 de
outubro de 1967, a Fundação Nacional do Material Escolar (Fename).
Esta, por sua vez, teria a responsabilidade na produção e distribuição
dos matérias escolares e didáticos. Com o objetivo de facilitar o acesso
a estes itens, a Fename distribuía ou vendia – por um preço mais
SUMÁRIO

121
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

acessível – os materiais produzidos e, também, os enviava através dos


Correios ou pela compra em postos de distribuição.

Entretanto, apesar de sua apresentação como novidade e de


todo entusiasmo governamental apresentado em relação à Fename,
essa não se tratava de uma nova política pública de fomento à
distribuição do Livro Didático, mas apenas uma política de substituição
ao que já ocorria no governo de Juscelino Kubitscheck por meio da
Campanha Nacional de Material de Ensino – CNME. O órgão se tratava
de uma nova maneira de abordar a distribuição do material didático
e, de maneira mais autônoma e de maior produção, realizar o mesmo
trabalho da então extinta CNME.

Durante todo esse período, como resultado do término de


convênio de cooperação MEC/USAID, o Instituto Nacional do Livro (INL)
passa a ser responsável pelo Programa do Livro Didático, gerenciando
todas as demandas administrativas e financeiras antes realizadas pela
Colted. Entretanto, com a sua extinção, em meados de 1976, a Fename
passa a assumir suas funções de compra e distribuição de boa parcela
dos livros didáticos deixando em evidência a importância do órgão
frente ao governo.

É relevante salientar que a Colted e Fename foram políticas que


objetivavam o assistencialismo aos anos carentes, sob recomendação
da Unesco. Ambas surgiram durante o período de ditatura militar
instaurado no Brasil e marcaram de forma peculiar a história da
implantação de um programa de distribuição de livros didáticos.

Com o fim da Fename, em 1983, é criada a Fundação de


Assistência ao Aluno (FAE). Esta, por sua vez, teria como adicional,
perceber os erros que ocorressem nos Livros Didáticos distribuídos.
Aqui teremos a presença dos professores como partícipes no processo
de escolha dos livros e a incorporação do Plano do Livro Didático para
SUMÁRIO o Ensino Fundamental (Plidef) que teve seu desenvolvimento iniciado

122
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

com o Instituto Nacional do Livro. Conseguinte a essas mudanças,


outras mais viriam, como a promoção e maior ampliação do Plidef,
para o que hoje conhecemos como Plano Nacional do Livro Didático.

Assim surge o PNLD, em 1985, como uma promessa de


ampliação de todas as mudanças implementadas pelo Plidef, através
do Decreto nº 91.542 de 19 de agosto do referente ano. Tais mudanças
consistiam numa participação mais efetiva dos professores na
indicação do livro a ser utilizado; na proscrição dos livros descartáveis
e, como consequência, a reutilização dos livros a serem adotados;
entre outras medidas orçamentárias que mudariam a maneira de
produção e distribuição dos livros didáticos.
O PNLD, enfim, por meio dos debates que se seguiram a
implementação do processo de avaliação de livros didáticos,
envolveu um número crescente de segmentos sociais no
debate educacional, construindo, ao fim de seus primeiros
cinco anos, um consenso em torno de seu papel fundamental
para construir, com a comunidade escolar e universitária e com
as editoras envolvidas no esforço de melhoria dos materiais
didáticos, um novo padrão de qualidade para o livro escolar.
(BATISTA, 2001, p. 24).

Dez anos após todas essas mudanças, a distribuição efetiva


começa a ocorrer de maneira parcial dentro do Ensino Fundamental.
Primeiramente são escolhidas as disciplinas de Matemática e
Português, no ano de 1995, em seguida, Ciências, no ano de 1996 e,
por fim, História e Geografia, em 1997.

Com esse processo em andamento, a avaliação pedagógica


passa a acontecer nos livros escolhidos para compor o PNLD 1997.
Esta avaliação é realizada até os dias atuais quando se considera se
os conceitos abordados nos livros são ultrapassados ou coadunam
com a contemporaneidade, se fomenta ou combate o preconceito e a
discriminação, entre outros fatores que podem levar a obra à exclusão
SUMÁRIO do Guia do Livro Didático.

123
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Com o boom da virada do milênio e várias perspectivas para


o avanço da educação brasileira, o início dos anos 2000 é marcado
por várias inserções no PNLD. Inicialmente, é promovida a distribuição
de dicionários da língua portuguesa com público alvo estabelecido:
alunos de 1ª a 4ª séries. Todos deveriam iniciar o ano letivo de 2001
munidos de um exemplar.

Outra inserção de suma importância, foi a criação dos livros


didáticos em braile para estudantes que são portadores de deficiência
visual para que, junto aos demais, possam acompanhar o ano letivo
sem prejuízo no ensino possibilitando o início de uma inclusão mais
direcionada dentro das salas de aula.

Os anos que se seguem mostram um constante avanço na


tentativa de democratizar cada vez mais o acesso ao livro didático
evidenciando a evolução ocorrida no processo de distribuição
dos livros como é possível perceber nos documentos oficiais que
apontam 2008 como um ano marcado pela completa distribuição de
todos os componentes curriculares de 1ª, 5ª e 8ª série – como era a
nomenclatura da época.

É importante, dessa maneira, percebermos, por meio do histórico


realizado ao longo de toda esta sessão, que o Plano Nacional do Livro
Didático nada mais é do que um política pública que se molda aos
interesses do Estado no desenvolvimento educacional do país, pois
revela muito de como este se relaciona com a criação e distribuição
desse importante instrumento de ensino.

Na contemporaneidade, o livro didático e todas as veleidades


que envolvem o PNLD passam por novos obstáculos frente a um mundo
cada vez mais globalizado. A reformulação de um novo Programa é um
fato incontestável, pois sempre é necessário pensar maneiras mais
eficientes de distribuição e formulação para que os livros que chegam
SUMÁRIO

124
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

às escolas possam acompanhar as discussões contemporâneas


sobre o fazer educação.

É necessário compreender que os limites pedagógicos que


mudam com os passar dos anos precisam ser superados e, para
isso, discutiremos na sessão a seguir quais as projeções para essa
superação, em que momento essas discussões estão e quais as
perspectivas para a ampliação de um Programa considerado fulcral
como o PNLD.

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA
CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PNLD

A cada ano, a educação básica tem enfrentando novos e antigos


problemas que perpassam desde a falta de verbas até o contorno de
mazelas sociais que contextualizam as escolas públicas. Como efeito
disto, é constante a necessidade de readaptações e aperfeiçoamentos
tanto dos núcleos gestores, professoras e professores, bem como dos
documentos e materiais que guiam a prática educacional.

A exemplo disto, foi lançado um novo PNLD para o ano


de 2020, onde serão contempladas as séries correspondentes
aos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) que foram
corretamente registradas no censo escolar realizado em 2018. As
demais turmas, correspondentes à Educação Infantil, anos iniciais
do Ensino Fundamental e Ensino Médio, serão beneficiadas com o
novo programa apenas em caráter de reposição e complementação.
(BRASIL, 2018, p. 4).

Dessa forma, o novo PNLD, legislado pelo edital 1/2018,


apresenta importantes mudanças que objetivam superar alguns
SUMÁRIO desafios intrínsecos da nossa contemporaneidade. Uma das mudanças

125
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

de maior relevância é a exigência de que as coleções de materiais


didáticos estejam alinhadas com as novas diretrizes da Base Comum
Curricular (BNCC), que entrou em vigor em 2018 e tem até 2020 para
sua completa implementação.

Em consonância com tais mudanças, o programa excluiu


de seu componente curricular obrigatório a língua estrangeira (LE)
Espanhol, mantendo apenas o Inglês. Neste caso, outras LEs
poderão ser ofertadas, preferencialmente o Espanhol, mas apenas
em caráter facultativo, cabendo às escolas decidirem e alocarem ou
não esta disciplina ou outras de LE em seus horários, no entanto, sem
receberem o material didático gratuito. Tal mudança gerou dúvidas e
questionamentos, considerando que o Brasil é um país que faz fronteira
com países que tem a língua espanhola como língua materna, fato que,
por si só, já justificaria sua permanência e obrigatoriedade.

Além disso, tal decisão impacta diretamente na distribuição de


vagas de emprego às professoras e professores desta LE, revelando
também concepções colonialistas que consideram o Inglês como
língua universal, juntamente à cultura norte americana e que colocam
em segundo plano a nossa pluralidade linguística e cultural enquanto
país pertencente à América Latina.

Outro ponto que merece atenção são as temáticas sugeridas


a serem tratadas em obras literárias nos anos finais do Ensino
Fundamental. Na descrição para os temas “Encontros com a diferença”
e “Conflitos com a adolescência” (BRASIL, 2018, p. 51-52), não há
qualquer menção à diversidade de gênero ou à educação sexual. Outros
temas poderão ser incluídos desde que sejam definidos, nomeados e
justificados nos termos do edital. Contudo, a ausência de questões
como as mencionadas aqui, revelam uma tentativa de dificultar e/ou
excluir do rol de assuntos explanados em sala de aula discussões
que possam trazer à tona assuntos relacionados ao feminismo e à
SUMÁRIO homossexualidade, por exemplo, temas que, entre outros, tem sofrido

126
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

censura com frequência e que possibilitariam aos estudantes um


ensino mais democrático e coerente com a realidade do nosso país.

Contudo, o ministro da educação que assumia o mandato


na época do lançamento do novo PNLD, Ricardo Vélez Rodríguez,
anunciou que voltaria atrás com algumas mudanças que foram
altamente criticadas pela mídia e estudiosos da educação. Uma das
mudanças revogadas dizia respeito a não obrigatoriedade de que os
livros didáticos tivessem referências bibliográficas. Tal flexibilização
poderia tornar facilmente questionável o conteúdo dos livros, pois não
haveria o respaldo da produção científica e acadêmica para embasar
a produção de materiais.

Além disso, o ministro Vélez anulou algumas mudanças que


excluíam o compromisso educativo dos materiais didáticos para com o
combate à violência contra as mulheres, assim como a permissividade
para haver publicidade e propagandas comerciais nos livros. Diante
da repercussão negativas de tais alterações, ele se comprometeu
a corrigir os “erros” do novo edital do programa, alegando que sua
elaboração foi feita em um mandato anterior e reiterou o compromisso
do MEC com a proposta de uma educação de qualidade e igualitária.

Todavia, uma mudança positiva a ser ressaltada é a inclusão de


materiais didáticos digitais. Hodiernamente, crianças e adolescentes
em fase escolar estão cada vez mais envoltos em uma variada gama de
dispositivos eletrônicos que permitem acesso à informação de maneira
instantânea por meio de aplicativos, redes sociais, sites e jogos que
detém sua atenção e tornam desleal a competição com as salas de
aula tradicionais. Segundo o próprio PNLD:
Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem
promovido mudanças sociais significativas nas sociedades
contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multiplicação
das tecnologias de informação e comunicação e do crescente
SUMÁRIO acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores,

127
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

telefones celulares, tablets e afins, os estudantes estão


dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente como
consumidores. (BRASIL, 2018, p. 35).

Assim, é imperativo que o sistema de ensino esteja atento


a essas mudanças para que a escola tenha ferramentas que a
permitam acompanhar os novos perfis das/dos estudantes e torná-
la um ambiente atrativo e atualizado com o mundo tecnológico. Em
busca de superar essa dificuldade, inclui-se agora no PNLD materiais
complementares digitais que serão distribuídos às/aos professoras/
es em forma de DVDs.

Quanto ao consumo dos materiais didáticos, a mudança será


a quantidade de tempo que as coleções permanecerão em posse
dos alunos e da escola. As obras serão reutilizáveis e a duração de
cada ciclo passará a ser de 4 anos para os anos finais do Ensino
Fundamental. O edital anterior previa um ciclo de 3 anos e a partir do
novo programa, se estima que possa haver uma economia orçamentária
no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) já que
tais materiais permanecerão um ano a mais sem serem renovados.

Mais uma mudança que veio com o intuito de melhorar a


qualidade do ensino foi a inserção da produção e distribuição de livros
didáticos para o componente de Educação Física, que agora contará
com material para os (as) professores (as) e alunado. Além disso,
haverão os chamados livros Interdisciplinares para as disciplinas de
Língua Portuguesa e Arte nos anos finais do Ensino Fundamental. Tais
materiais deverão abranger as habilidades propostas pela BNCC e,
entre outras exigências, “não devem meramente justapor obras ou
componentes curriculares” e “devem trabalhar com temas, fenômenos,
conceitos ou projetos que mobilizem diferentes componentes
curriculares” (BRASIL, 2018, p. 42), buscando assim, promover um
ensino de modo interdisciplinar que contemple, em conjunto, os dois
SUMÁRIO componentes acima mencionados.

128
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, a contemporaneidade exige de todos (as) os


(as) envolvidos (as) no meio educacional uma enorme disposição e
abertura para as constantes atualizações necessárias às mudanças no
perfil do alunado e da sociedade como um todo. As dificuldades vão
desde um corpo docente que, por muitas vezes reluta em se adaptar
às novas exigências; o contexto social da comunidade escolar que
interfere diretamente no comportamento estudantil; a forte presença
da tecnologia no dia a dia dos (as) estudantes, até a elaboração de
um programa que seja capaz de contemplar a inclusão de temas
relevantes à formação cidadã de maneira democrática e ética.

Compreender também o percurso histórico dos documentos


legais que legislam sobre a educação, que alterações vêm sofrendo
e qual o plano de fundo sócio-político que está por trás de cada nova
modificação, nos auxilia em um melhor entendimento das diretrizes
que orientam o sistema de ensino em nosso país.

Assim, o papel dos materiais didáticos nesses processos revela


a constante necessidade da elaboração de programas que possibilitem
a estes abrangerem as novas exigências que surgem na atualidade.
Nesse processo, é fundamental a atuação de profissionais qualificados
e a possibilidade do envolvimento dos próprios profissionais da
educação que lidam diariamente com os desafios da prática docente.
A participação destes, inclusive, na escolha dos livros, possibilita que
chegue às instituições de ensino um material coerente com a realidade
de cada escola e que atenda as exigências em âmbito nacional.

Portanto, as mudanças que vêm ocorrendo desde o Estado


Novo até a contemporaneidade refletem muito do contexto em que
os programas foram elaborados, bem como as ideologias que se
SUMÁRIO encontram em voga e a disponibilidade do governo em se adaptar

129
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ou não. Desta forma, o conhecimento e reflexão sobre tais questões,


nos permitem um olhar panorâmico e fidedigno às veleidades que
envolvem o PNLD, assim como a projeção de melhorias para a
educação brasileira.

REFERÊNCIAS
BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política
pública de livros didáticos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Fundamental, 2001.
BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 2012. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_
content&view=article>. Acesso em: 23 jan. 2012.
BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 2020. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/consultas/editais-
programas-livro/item/11555-edital-pnld-2020>. Acesso em: 24 set. 2019.
FILGUEIRAS, Juliana Miranda. As políticas para o livro didático durante
a ditadura militar: a Colted e a Fename. História da Educação, [s.l.],
v. 19, n. 45, p.85-102, abr. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.
org/10.1590/2236-3459/44800.
MENEZES, Benzer Takuo de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático). Dicionário Interativo da Educação
Brasileira - Educa Brasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: <https://
www.educabrasil.com.br/pnld-programa-nacional-do-livro-didatico/>. Acesso
em: 20 de ago. 2019.

SUMÁRIO

130
7
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 7

O TRATAMENTO DA COERÊNCIA
TEXTUAL EM UM LIVRO DIDÁTICO
DE LÍNGUA PORTUGUESA DO 9º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Cícero Barboza Nunes


José
Cícero Juvêncio
Barboza Neto de Souza
Nunes

José Juvêncio Neto de Souza

O TRATAMENTO
DA COERÊNCIA
TEXTUAL EM UM LIVRO
DIDÁTICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
DO 9º ANO DO ENSINO
SUMÁRIO FUNDAMENTAL
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.131-146 131
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O objetivo deste artigo consiste em realizar uma análise sobre a forma como
é tratada a “coerência textual” em um livro didático de Língua Portuguesa.
Nossa investigação se fundamenta nos pressupostos teóricos de Koch e
Travaglia (2005), Bentes (2001) e Oliveira (2009), autores que contribuíram
para as discussões sobre a Linguística Textual e a coerência textual. O corpus
de análise foi o livro “Português: ideias & linguagens” (DELMANTO; CASTRO,
2009), referente ao 9º ano do Ensino Fundamental. A análise dos dados revelou
que a coerência foi abordada implicitamente quando se tratou de atividades de
leitura e interpretação de textos, destacando questões pragmáticas (situação
comunicativa, intenções do autor, público alvo, propósito comunicativo do
texto etc.) e cognitivas (inferências, intertextualidade, conhecimento de mundo
etc.). Assim, o livro dentro de suas possibilidades, consegue evidenciar a
importância da coerência na construção dos sentidos do texto.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Coerência Textual; Ensino Fundamental; Livro didático.

132
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

O livro didático sempre tem sido usado por professores e


alunos como auxílio na prática do ensino aprendizado, uma vez que
este material tem ajudado o professor na preparação das aulas e
consequentemente, na formação dos alunos. Assim sendo, este artigo
tem como objetivo fazer uma análise sobre a forma como é tratada
a “coerência textual” em um livro didático de Língua Portuguesa do
9º ano do Ensino Fundamental. Nosso intuito é investigar como a
coerência é trabalhada nos textos e demais elementos que compõem
o padrão e a estrutura do livro.

Nossa investigação se fundamenta nas ideias de Koch


e Travaglia (2005), Bentes (2001) e Oliveira (2009), autores que
contribuíram significativamente para as discussões sobre a Linguística
Textual e a coerência textual. A pesquisa teve como corpus de análise
o livro “Português: ideias & linguagens” (DELMANTO; CASTRO,
2009), referente ao 9º ano do Ensino Fundamental. Na ocasião, foram
coletadas informações do livro e também selecionamos textos por
apresentarem características que se encaixavam com os critérios
estabelecidos pela pesquisa que se trata da abordagem da coerência
no livro didático segundo a Linguística Textual.

A coerência textual está diretamente ligada à possibilidade de


estabelecer sentido ao texto. Trata-se de algo complexo que envolve o
texto como um todo, visto que a coerência é, sobretudo, uma relação
complexa que se manifesta entre os enunciados, em geral, de maneira
global e não localizada.

No seguimento deste trabalho, apresentaremos uma síntese


teórica, que pondera sobre questões de aquisição da coerência
existente no corpus, ou seja, no livro didático apresentado, com base
SUMÁRIO em autores da área da Linguística na medida em que no livro didático

133
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

trabalha-se com a questão da coerência enquanto ferramenta na forma


em que perpassa o texto para levar às sucessivas revisões da parte do
leitor nas suas interpretações textuais (BENTES, 2001).

Na sequência, exibiremos explanações e análise do corpus


selecionado, conforme delimitação dos nossos objetivos, discutindo
como é empregado o tema da coerência no livro didático de Português:
ideias & linguagens, de Delmando e Castro (2009), utilizado no 9º
ano do Ensino Fundamental. Por fim, na conclusão, retomamos os
resultados alcançados.

A LINGUÍSTICA TEXTUAL

A Linguística Textual é uma disciplina da Linguística que surgiu


como oposição à Linguística Estrutural, que “procura ir além dos limites
da frase, que procura reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e
a situação da comunicação” (BENTES, 2001) e toma o texto como
unidade de análise. De acordo com Oliveira (2009, p. 193), “a linguística
textual representa um momento em que se procura a superação do
tratamento linguístico em termos de unidades menores – palavra, frase
ou período – no entendimento de que as relações textuais são muito
mais do que um somatório de itens ou sintagmas”. Assim, a Linguística
Textual tem como objeto de investigação o texto, entendido como uma
unidade de sentido que é muito mais do que a simples soma dos
sentidos dos enunciados que o formam.

Dentro das discussões da Linguística Textual, um dos temas


mais abordado é o da coerência textual, entendida como uma relação
harmônica que se estabelece entre as partes de um texto, em um
contexto específico, e que é responsável pela percepção de uma
unidade de sentido do texto.
SUMÁRIO

134
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Para determinar a coerência, portanto, é importante levar em


conta o contexto em que o texto é lido, uma vez que “o(s) sentido(s)
do texto não está/estão no texto em si, mas depende(m) de fatores de
diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais”
(BENTES, 2001, p. 257). Um texto não é coerente ou incoerente por si
só, vai depender da situação em que ele é produzido e/ou recebido e
também da capacidade e disposição do leitor em buscar compreender
o sentido daquele texto.

Visto que a coerência é a relação harmônica entre as partes de


um texto, que é responsável pela percepção de uma unidade de sentido,
logo, podemos dizer que é a coerência que dá origem a textualidade.
A textualidade ou textura é, para Bentes, (2001, p. 257) “aquilo que faz
de uma sequência linguística um texto e não um amontoado aleatório
de palavras. A sequência é percebida como texto quando aquele que a
recebe é capaz de percebê-la como uma unidade significativa global”.

Koch; Travaglia, (2005) afirmavam que o que dá textualidade a


uma sequência linguística é a coesão. Hoje, não se aceita mais essa
ideia, visto que podemos encontrar diversos textos sem coesão que
apresentam coerência e são classificados pelos falantes como textos.
Já o contrário, ou seja, uma sequência linguística com coesão, mas
sem coerência, não é considerada um texto.

Bentes, (2001, p. 257) explica que “texto incoerente é aquele


em que o receptor (leitor ou ouvinte) não consegue descobrir qualquer
continuidade de sentido, seja pela discrepância entre os conhecimentos
ativados, seja pela inadequação entre esses conhecimentos e o seu
universo cognitivo”. Assim, texto coerente é o que “faz sentido” para
seus usuários, o que torna necessária a incorporação de elementos
cognitivos e pragmáticos ao estudo da coerência textual, ou seja, a
coerência envolve conhecimento e contexto de uso.

SUMÁRIO

135
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Cabe-nos perguntar: existe texto incoerente? Muitos autores


declaram que sim, mas Koch; Travaglia, (2005) defende que não há
propriamente um texto incoerente, pois o receptor do texto “age como
se este fosse sempre coerente e faz tudo para calcular seu sentido, e,
nesta tarefa, é sempre possível encontrar um contexto, uma situação
em que a sequência de frases dada como incoerente se torne coerente,
vindo a constituir um texto”.

Os autores Koch e Travaglia (2005) argumentam que:


Não existe o texto incoerente em si, mas que o texto pode
ser incoerente em/para determinada situação comunicativa.
Assim, será bom o texto quando o produtor souber adequá-lo
à situação, levando em conta intenção comunicativa, objetivos,
destinatários, outros elementos da situação de comunicação
em que é produzido, uso dos recursos linguísticos etc. Por tudo
isso, ao dizer que um texto é incoerente, temos de especificar
as condições de incoerência, porque sempre alguém poderá
projetar um uso em que ele não seja incoerente. (KOCH;
TRAVAGLIA, 2005, p. 35).

Todavia, os autores reiteram que se o produtor do texto violar em


alto grau o uso dos elementos linguísticos e estruturais responsáveis
pela conexão lógica entre os enunciados, “seu receptor não conseguirá
estabelecer o seu sentido e o texto seria teoricamente incoerente em si
por uma questão de extremo mau uso do código linguístico.” (KOCH;
TRAVAGLIA, 2005, p. 37).

Também para Oliveira (2009, p. 201), não existem produções


incoerentes em termos absolutos, “já que o contexto comunicativo
em que estão inseridas precisa ser levado em conta na atribuição
de sentido às mesmas”. Portanto, para essa autora, a coerência é
uma propriedade marcada pelo traço da interpretabilidade, ou seja,
depende do modo como os participantes constroem sentido para seus
textos no contexto de produção e recepção dos mesmos.
SUMÁRIO

136
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Um texto produzido por um aluno muitas vezes é avaliado


como incoerente pelo professor ou por uma pessoa qualquer, mas
se apresentado como escrito por um autor famoso, ganharia as mais
variadas interpretações. Isto é importante para a constatação de que
a coerência não está apenas no texto nem só nos usuários, mas no
processo que coloca texto e usuário em relação, numa situação. Dessa
forma, a coerência não deve ser vista como um traço característico
do texto em si, mas depende fundamentalmente da interação entre o
texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo.

Bentes (2001), Koch e Travaglia (2005) e também Oliveira


(2009) destacam que a coerência depende de aspectos diversos
pertencentes a três níveis: linguístico, pragmático e cognitivo. Embora
não seja suficiente calcular a coerência do texto apenas levando em
consideração as palavras que o compõem e sua estrutura sintática,
é indiscutível que os elementos linguísticos do texto precisam ser
considerados no estabelecimento de seu sentido global.

Os elementos pragmáticos, como o contexto de produção, o


contexto de recepção, a intenção do autor, o público a que o texto se
dirige, os papéis sociais do autor e do leitor etc., também são relevantes
para estabelecer a coerência textual. Não menos importantes são os
fatores cognitivos, os quais envolvem todo tipo de conhecimento que
temos armazenado em nossa memória e dos quais lançamos mão
para produzir e interpretar os textos.

Além disso, os autores supracitados mencionam a existência


de certos fatores de coerência, os quais caracterizam também os
chamados critérios de textualidade. A seguir, resumimos alguns
fatores principais:

• Conhecimento de mundo: é o conjunto de conhecimentos


adquiridos através de nossas experiências e no contato com
SUMÁRIO o mundo a nossa volta; e que armazenamos na memória em

137
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

blocos chamados modelos cognitivos (frames, esquemas,


planos, scripts e superestruturas);

• Conhecimento partilhado: é o conjunto de conhecimentos que


o receptor compartilha com o produtor com vistas a captar o
sentido do texto e preencher as lacunas deixadas por ele;

• Inferências: são as operações pelas quais, utilizando seu


conhecimento de mundo e o conhecimento partilhado com o
produtor, o receptor de um texto estabelece uma relação não
explícita entre dois elementos (normalmente frases ou trechos)
deste texto que ele busca compreender e interpretar, e assim ele
consegue preencher as lacunas de informação deixadas pelo
produtor;

• Intertextualidade: diz respeito ao fato de que para processarmos


cognitivamente um texto, devemos recorrer ao conhecimento
prévio de outros textos.

Os fatores da textualidade descritos anteriormente contribuem


para o bom funcionamento e interpretação do texto por parte do
autor e também do leitor, logo, percebemos que tais fatores podem
preencher lacunas operacionais que se fizerem presentes no corpo de
um texto, facilitando assim, a sua compreensão. Na próxima seção,
apresentamos a análise dos elementos que trazem à tona a presença
da coerência textual no livro didático, com o intuito de mostrar de que
modo o livro trata a coerência textual e seus fatores de operação.

SUMÁRIO

138
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A COERÊNCIA TEXTUAL NO LIVRO DIDÁTICO

Partimos agora para a análise do livro “Português: ideias &


linguagens”, de Delmando e Castro (2009), utilizado no 9º ano do
Ensino Fundamental.

As questões apresentadas pelas autoras Delmanto e Castro


(2009) neste material didático têm, ao que parece, como objetivo
principal trabalhar com o texto, conduzindo o aluno a operar tanto
interpretação como produção textual. O livro é organizado em
unidades; cada qual gira em torno do texto. As unidades vêm divididas
preponderantemente pelas seguintes seções: Texto 1 / Construindo e
reconstruindo os sentidos do texto / O tecido do texto / A linguagem do
texto / Texto 2 / Trabalhando com o texto / Refletindo / Usando outras
linguagens / Produção de texto / Estudo da Língua: Reflexão e uso.

Assim, o aluno é levado a ler dois textos relacionados a um


mesmo tema (intertextualidade), interpretar esses textos, trabalhar
com a gramática “dentro” dos textos, estender o sentido do texto para
outros contextos e outras formas de linguagem (cinema, teatro, artes
plásticas, fotografia etc.), produzir seus próprios textos e, também,
trabalhar com gramática numa seção específica.

Começaremos nossa pesquisa de análise pela unidade 6, em


que são trabalhados os diferentes tipos de texto e as várias formas
de sentido atribuídas a eles. Na seção destinada à produção de texto
(p.118/119), as autoras vão abordar de forma explícita o tema da
coerência textual, utilizando como exemplo uma charge de Veríssimo
que, segundo explicam Delmanto e Castro (2009), apresenta uma
“incoerência” intencional para causar humor.

SUMÁRIO

139
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A figura mostra a coerência textual presente no livro didático.

Figura 01: A coerência textual presente no livro didático.

Fonte: Delmanto; Castro. (2009).

Conforme vimos no percurso teórico desse artigo, a coerência


depende de diversos fatores, pertencentes a três diferentes níveis:
linguístico, pragmático e cognitivo.

No livro didático, é comentado que a coerência depende do


contexto (nível pragmático), quando compara a possibilidade de
um texto humorístico conter contradições (“incoerências”) como
recurso, mas que não ocorre em um texto de caráter dissertativo.
A questão do contexto ainda fica evidente quando as autoras
explicam a importância de haver coerência entre o texto e a intenção
do produtor e entre o texto e o público visado. As especificidades
contextuais também são abordadas no conceito que é dado de
coerência, presente num box no lado direito da página: “A coerência
SUMÁRIO

140
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

está ligada diretamente à possibilidade de estabelecer um sentido


para um texto, e de que ele apresente algum sentido para o
interlocutor” (DELMANTO; CASTRO, 2009).

Entretanto, é dada maior relevância à questão linguística


(semântica), ou seja, a relação entre os elementos, a importância
de evitar contradições. Isso pode ser visto na continuação do box
supramencionado: “Para haver coerência num texto, é preciso haver
alguma unidade ou relação entre seus elementos” (DELMANTO;
CASTRO, 2009); também pode ser percebido no seguinte trecho em
que menciona-se a importância de haver coerência entre as partes do
texto: “Em ocasiões anteriores, vimos que um texto não pode ser um
amontoado de frases, e sim um todo coeso e bem-articulado. Para
isso é necessário que haja coerência entre suas diversas partes.”
(DELMANTO; CASTRO, 2009).

Quanto à questão cognitiva, esta nem vem a ser mencionada e o


texto acaba sendo tratado como um produto acabado e não como um
processo que só se completa com o processamento cognitivo por parte
do leitor – as autoras chegam a usar a expressão “texto final” ao dizer:
“deve haver coerência entre o texto final e (...)” (DELMANTO; CASTRO,
2009). Vimos no percurso teórico que a coerência pode ser tratada como
uma propriedade marcada pelo traço da interpretabilidade, assim, o
processamento por parte do leitor do texto também é importante para
a construção do sentido.

Além disso, outro equívoco cometido pelas autoras é tratar a


coerência como um traço característico do texto, deixando a entender
que cabe somente ao autor do próprio texto a responsabilidade de
evitar que ele seja incoerente, evitando contradições entre as partes do
texto. Um exemplo disso está na página 119, em que é apresentado
um texto intitulado “O início de um romance”, no qual o autor deixa
entrever as diversas correções e adequações que ele promoveu a sua
SUMÁRIO própria escrita para impedir que fique incoerente. Na chamada desse

141
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

texto, Delmanto e Castro (2009) afirmam: “Leituras como essa são


muito úteis para que o texto produzido seja coerente e, portanto, bem
compreendido pelo leitor”.

Essa responsabilidade exclusiva colocada sobre o produtor


também pode ser percebida na continuação dessa seção (p. 120), em
que se pede aos alunos para produzir um texto argumentativo sobre o
polêmico tema “A mulher pode ocupar o mesmo lugar que o homem na
sociedade?”. Aqui pode-se encontrar um box no qual afirma: “Cuidado
com a coerência da argumentação. Apenas apresente razões,
exemplos que apoiem seu ponto de vista e mantenha-o até o final”
(DELMANTO; CASTRO, 2009).

No percurso teórico, vimos que não cabe somente ao autor


o encargo de dar coerência a um texto e, consequentemente, a
coerência não deve ser vista como traço característico do texto em si,
visto que “a coerência não é uma característica do texto, mas depende
fundamentalmente da interação entre o texto, aquele que o produz e
aquele que busca compreendê-lo” (KOCH; TRAVAGLIA, 2005, p. 38).

O fato de dar crédito demasiado ao produtor para o


estabelecimento da coerência e de não levar em conta os aspectos
cognitivos nessa lição talvez possam dever-se ao fato de que está,
por sua vez, explicitamente numa seção do livro didático voltada
à “produção de texto”. Na produção de um texto, é realmente mais
relevante se considerar os aspectos contextuais e linguísticos e cabe
ao autor dar as pistas e todas as informações necessárias para que o
leitor compreenda o texto. Prova disso é que as questões cognitivas
são tratadas pelo livro de Delmanto e Castro (2009) em outros lugares
do livro didático, mais especificamente, nas seções voltadas à
interpretação textual, como veremos mais adiante.

Nosso foco de análise agora é a unidade 2, mais especificamente,


SUMÁRIO a seção “Construindo e reconstruindo os sentidos do texto” (p. 38).

142
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Nessa seção, a coerência é vista de forma implícita. Para ser mais


específico, é trabalhado aqui um dos fatores de coerência que vimos
no percurso teórico: a inferência. No percurso teórico, vimos que a
inferência é um dos vários tipos de cálculos feitos pelo leitor utilizando
seu repertório cognitivo. Vejamos a figura 2 em que se pede na questão:

Figura 02: Questão 6.

Fonte: Delmanto; Castro. (2009).

Notamos, assim, que na chamada dessa questão, explica-se o


que é inferência, depois os alunos são levados a fazer inferência sobre
as passagens do texto. Bentes (2001) explica que a inferência é tratada
como muito importante para estabelecimento da coerência por parte
do leitor. Bentes, (2001, p. 266-267), afirma que “quase todos os textos
que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma série de inferências
para podermos compreendê-lo integralmente. Se assim não fosse,
nossos textos teriam que ser excessivamente longos para poderem
explicitar tudo o que queremos comunicar”.

Passamos agora para a unidade 6 do livro didático, em que


vamos nos deter também à seção “Construindo e reconstruindo os
SUMÁRIO sentidos do texto” (p. 132, 133). Notamos que, semelhante à unidade

143
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

2 analisada anteriormente, também aqui o tema da coerência


textual é tratado de forma implícita. Depois de apresentar um texto
intitulado “Lado bom”, que tem uma relação com o texto principal
apresentado no início da unidade. Delmanto e Castro (2009, p. 133)
sugerem as seguintes atividades, na figura 3 em que apresentam
as questões 3 e 4:

Figura 03: Questões 3 e 4.

Fonte: Delmanto; Castro. (2009).

Percebemos que, nas questões 3 e 4, o estudante é levado a


fazer inferências e a apontar as pistas textuais que o levaram a fazê-las.
Já vimos que a inferência é uma das operações cognitivas necessárias
para o cálculo da coerência por parte do leitor. Assim, tratar esse
tema é muito importante para o desenvolvimento da capacidade de
compreensão textual dos alunos.

A questão 5 está de acordo com a forma que essa seção foi


organizada, pois trabalha com a questão da intertextualidade, ao pedir
que os alunos estabeleçam relações de sentido entre o texto “Lado
bom” e o texto “Ponto de vista sobre o campo de batalha”, apresentado
SUMÁRIO no início da unidade. Bentes (2001) cita a intertextualidade como um

144
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dos fatores importantes para a compreensão do sentido global do


texto. Bentes, (2009, p. 269), a autora afirma que “a intertextualidade
é um fator de coerência importante na medida em que, para o
processamento cognitivo de um texto, se recorre ao conhecimento
prévio de outros textos”.

Nas questões 7 e 8, as autoras trabalham com as teses


relacionadas à intenção do autor e ao público ao que o texto se dirige,
questões essas, referentes ao contexto de produção de texto e que
são também relevantes para o estabelecimento da coerência. Isso
é dito pelas próprias autoras do livro didático na unidade 5 tratada
anteriormente. Nela, Delmanto e Castro (2009, p. 118) afirmam que
“deve haver coerência entre o texto final e: a intenção do produtor (...);
o público visado”. Assim, as autoras mostram-se coerentes a suas
próprias palavras e ao modo como organizaram o livro didático, ao
reafirmarem na unidade 6 a questão da importância de se considerar
intenção e público alvo que fora já tratada na unidade 5.

CONCLUSÃO

Este trabalho objetivou analisar o modo como é tratado o tema


da coerência textual em um livro didático de Língua Portuguesa do
9º ano do Ensino Fundamental. A partir disso, buscamos também
refletir sobre a importância da coerência para o trabalho com o texto
em sala de aula.

A análise dos dados revelou que o tema coerência foi abordado


implicitamente quando se tratou de atividades de leitura e interpretação
de textos, destacando questões pragmáticas (situação comunicativa,
intenções do autor, público alvo, propósito comunicativo do texto etc.)
e cognitivas (inferências, intertextualidade, conhecimento de mundo
SUMÁRIO

145
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

etc.). Também vimos que o tema da coerência foi abordado de forma


explícita, tendo uma parte do livro exclusiva para o assunto, presente
na seção de produção de textos, em que se enfatizou mais questões
pragmáticas e linguísticas (semânticas, lógicas, a importância de evitar
contradições entre as partes do texto etc.).

Concluímos assim que a coerência tem lugar no livro didático


pesquisado e está presente, implícita ou explicitamente, em mais de
uma seção do material. Assim, o livro consegue atingir o propósito
de evidenciar a importância da coerência na construção dos sentidos
do texto, ajudando a desenvolver no aluno a competência linguística
e as habilidades de lidar com o texto, tanto na sua produção, como
na sua leitura.

Os resultados dessa pesquisa podem lançar perspectivas


sobre os trabalhos dos autores dos livros didáticos de língua
portuguesa, que devem levar em consideração a importância de
trabalhar a coerência textual para formar, nas escolas, bons escritores
e também bons leitores. Podem ainda servir ajudar os professores de
língua portuguesa a refletir sobre o modo como usam essa relevante
ferramenta que é o livro didático.

REFERÊNCIAS
BENTES, A. C. Linguística textual. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Org.).
Introdução à linguística: domínios e fronteiras. v. 1. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
DELMANTO, D.; CASTRO, M. C. Português: ideias & linguagens, 9º ano. 13.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2005.
OLIVEIRA, M. R. Linguística textual. In: MARTELOTA, M. E. (Org.). Manual de
linguística. 1. ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.
SUMÁRIO

146
8
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 8

O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA NOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
E SUA RELAÇÃO COM AS
AVALIAÇÕES PADRONIZADAS

Lucivan de Sousa Barreto


Darlene Paiva Lima

Lucivan deSirneto Vicente da Silva


Sousa Barreto

Darlene Paiva Lima


O ENSINO DE LÍNGUA
Sirneto Vicente da Silva

PORTUGUESA NOS ANOS


FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
E SUA RELAÇÃO
COM AS AVALIAÇÕES
SUMÁRIO
PADRONIZADAS
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.147-167 147
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Os sistemas de avaliação em larga escala estão definindo os conteúdos de
Língua Materna que são ministrados aos alunos da escola pública cearense.
Nesse quadro, este capítulo pretende analisar as implicações dos testes
padronizados para o ensino de Língua Portuguesa nos anos finais da rede
pública do Estado do Ceará, buscando desvelar os objetivos colocados pelos
sistemas de avaliação, os quais se apresentam permeados pela meritocracia
e por rankings. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica a partir de
Freitas (2011; 2014), Luckesi (2018), Silva (2005) e Brito et al (2017), dentre outros,
seguida de uma análise documental da BNCC e das Matrizes de Referência de
Língua Portuguesa do SAEB e SPAECE. O estudo permite-nos constatar que
o currículo está sendo moldado pelas habilidades e competências exigidas
nos testes padronizados, restringindo os conhecimentos que são ensinados
em sala de aula.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Avaliação; Ensino; Língua Portuguesa; Currículo.

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Proficiência, descritores, itens, Matriz de Referência... todos


estes vocábulos, hoje, tão corriqueiros nos discursos de gestores e
professores da rede pública, seja ela municipal, estadual ou nacional
refletem um trabalho voltado para a leitura e a interpretação de textos
restritos às habilidades postas na Matriz de Referência de Língua
Portuguesa do 9º ano5, deixando à margem aspectos primordiais
como a escrita e a oralidade, por exemplo.

Em âmbito nacional, o estreitamento curricular se dá através


do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) composto por
testes padronizados, aplicados nas escolas de ensino fundamental e
médio, enquanto no Estado do Ceará, o currículo vem se configurando
mínimo não somente pela existência do Sistema Permanente de
Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE) e as avaliações
estandardizadas que são aplicadas, também pela implementação
do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (PAIC), responsável
pela oferta de formação docente voltada para o desenvolvimento de
uma prática pedagógica pautada no ensino das habilidades e dos
descritores postos na Matriz de Referência, e pelo Prêmio Escola
Nota 10, que implementa a meritocracia entre professores, escolas e
municípios cearenses.

Nessa seara, não aprender a própria língua em sua essência,


além de constituir um grande problema no tocante à formação
humana, reforça questões políticas e ideológicas historicamente
diluídas no contexto escolar, as quais reforçam a divisão social
em classes, cabendo aos filhos dos trabalhadores uma educação

5 A Matriz de Referência de Língua Portuguesa é um conjunto de descritores que são


selecionados para serem avaliados nos testes padronizados dos Sistemas de Avaliação
SUMÁRIO (Disponível em: <http://www.spaece.caedufjf.net/o-sistema/matriz-de-referencia/>. Acesso
em: 09.07.2019).

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

básica, no sentido estrito da palavra: ler, escrever e contar, a qual se


configura como o conjunto de conhecimentos aceitos para o ingresso
no mundo do trabalho.

Longe de ser uma defesa, este artigo pretende analisar as


implicações dos testes padronizados para o ensino de Língua
Portuguesa nos anos finais da rede pública do Estado do Ceará,
buscando desvelar os objetivos colocados pelos sistemas de
avaliação, os quais se apresentam permeados pela meritocracia e por
rankings. Para tanto, o estudo apoia-se, incialmente, em uma pesquisa
bibliográfica, a qual “[...] se utiliza fundamentalmente das contribuições
dos diversos autores sobre determinado assunto [...]” (GIL, 1991, p.
51), e em seguida em uma pesquisa documental, visto que “[...] os
documentos constituem fonte rica e estável de dados” (GIL, 1991, p.
52). Nesse sentido, fundamenta-se em Freitas (2011; 2014), Luckesi
(2018), Silva (2005), Brito, Lima e Silva (2017), dentre outros; e toma
como fontes documentais a Base Nacional Curricular Comum (BNCC),
a Matriz de Referência de Língua Portuguesa do 9º ano do SAEB e a
Matriz de Referência de Língua Portuguesa do 9º ano do SPAECE.

Este artigo está estruturado em três partes principais: a primeira


discute sobre os sistemas de avaliação em larga escala SAEB e SPAECE
e as Matrizes de Referência de Língua Portuguesa para os anos finais
do Ensino Fundamental; na sequência, apresenta uma discussão
acerca das avaliações em larga escala e o papel atualmente destinado
aos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade; por fim,
argumenta em torno das possibilidades e dos desafios postos ao
ensino da Língua Portuguesa no contexto dos testes padronizados.

SUMÁRIO

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

OS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO EM
LARGA ESCALA E AS MATRIZES DE
REFERÊNCIA DE LÍNGUA PORTUGUESA

Criado em 1990 sob a coordenação do Instituto Nacional de


Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Sistema
de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é composto por um
conjunto de avaliações em larga escala que, segundo o site oficial do
governo Federal6, possibilita diagnosticar os problemas em relação
à aprendizagem dos alunos da rede pública do país, por meio de
provas e questionários que fornecem indicativos sobre a qualidade
do ensino ofertado para planejar políticas públicas de intervenção
nas áreas apresentadas como deficientes, quais sejam: Língua
Portuguesa e Matemática.

As notas dessas avaliações compõem o Índice de


Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado somente em
2007, que se constitui como um indicador de qualidade da educação,
apresentado por meio de uma nota, que reúne as qualidades do
fluxo escolar e as médias de desempenho das avaliações aplicadas.
Conforme o INEP,
O Ideb agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das
avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados
sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas
de qualidade educacional para os sistemas. O índice varia de
zero a 10 e a combinação entre fluxo e aprendizagem tem o
mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino
retiver seus alunos para obter resultados de melhor qualidade

6 De acordo com o que apresenta o portal, “O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério
da Educação (MEC). Sua missão é subsidiar a formulação de políticas educacionais
dos diferentes níveis de governo com intuito de contribuir para o desenvolvimento
SUMÁRIO econômico e social do país.” Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/conheca-o-
inep>. Acesso em: 06.06.2019.

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

no Saeb ou Prova Brasil, o fator fluxo será alterado, indicando a


necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema
apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das
avaliações indicará igualmente a necessidade de melhoria do
sistema. (INEP, s/d, s/p).

Como podemos perceber, já foi pensado um mecanismo


para evitar “dribles” no sistema. A intenção é que as instituições
compreendam que o aluno deve ser aprovado sabendo que é exigido
o domínio das habilidades de uma matriz de “conteúdos mínimos”, ou
seja, com os conhecimentos considerados, por um determinado grupo,
básicos para série/ano que aluno estiver cursando. Uma aprovação
“automática” geraria uma nota ruim, já que o aluno estaria na série
avaliada sem as “devidas” condições cognitivas desenvolvidas. “Então,
seria só reprovar?” Esse é o outro lado da moeda: repetentes causam
barramento no fluxo, o que também diminui a nota. Nesse sentido,
torna-se um cálculo controlador que tem como objetivo reforçar o
ensino das habilidades que compõem a Matriz de Referência, ou seja,
o ensino dos descritores como se a assimilação destes garantisse a
aprendizagem e, portanto, a qualidade da educação.

Em relação à avaliação propriamente dita, os itens são


elaborados a partir de uma Matriz de Referência, na qual
Os conteúdos associados a competências e habilidades
desejáveis para cada série e para cada disciplina foram
subdivididos em partes menores, cada uma especificando o
que os itens das provas devem medir – estas unidades são
denominadas “descritores”. Esses, por sua vez, traduzem uma
associação entre os conteúdos curriculares e as operações
mentais desenvolvidas pelos alunos. Os descritores, portanto,
especificam o que cada habilidade implica e são utilizados
como base para a construção dos itens de diferentes
disciplinas. (INEP, s/d, s/p).

A análise da Matriz de Referência de Língua Portuguesa, permite


SUMÁRIO concluir que apenas os aspectos voltados para o ensino da leitura

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

com compreensão são avaliados. Logo, escrita, produção de textos e


oralidade não são contemplados nas avaliações, reforçando, portanto,
o ensino da leitura como fator principal na sala de aula.

Em 1992, é implementado no Ceará pela Secretaria de Educação


do Estado do Ceará (SEDUC), o Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE). Em síntese, é uma avaliação
estandardizada, aplicada anualmente que, segundo propagandas do
próprio governo, tem o objetivo de promover um ensino de qualidade
e equânime para todos os alunos da rede pública do Estado do Ceará,
permitindo detectar os problemas na rede e subsidiar as intervenções7.
Assim, o Sistema de Avaliação do Ceará sofreu ao longo do tempo
diversas modificações que vão desde aplicação das provas na versão
digital até oscilações entre censitária e amostral. Hoje, a estrutura
abrange o 2º ano dos anos iniciais, o 5º e o 9º ano dos anos finais e o
Ensino Médio, ora de 1ª a 3ª série, ora somente a 3ª série.

Quanto ao fluxo, variável considerada no SAEB, a avalição


estadual é menos rigorosa. Uma vez que como já é feito o controle
pelo SAEB, seria mais estratégico focar no desenvolvimento das
habilidades que serão avaliadas. Desta forma, temos o controle
duplicado no Estado do Ceará. E como os alunos já fazem esse
treinamento anual, isso sem fazer menção aos trabalhos com
simulados periódicos nas escolas, ao prestarem o teste estadual, os
resultados tendem parecer melhores, o que divulga nacionalmente o
estado e seus respectivos governos.

Segundo o portal do CAEd,


Uma Matriz de Referência é composta por um conjunto de
descritores que explicitam dois pontos básicos do que se
pretende avaliar: o conteúdo programático a ser avaliado
em cada período de escolarização e o nível de operação
mental necessário para a realização de determinadas
SUMÁRIO 7 Disponível em: <http://www.spaece.caedufjf.net/o-sistema/o-spaece/> Acesso em: 08.07.2019.

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

tarefas. Tais descritores são selecionados para compor a


matriz, considerando-se aquilo que pode ser avaliado por
meio de um teste de múltipla escolha, cujos itens implicam a
seleção de uma resposta em um conjunto dado de respostas
possíveis. (CAED, s/d, s/p).

Analisando, percebemos que o próprio vocábulo resume a ideia,


uma referência. Em hipótese alguma poderá substituir o currículo que
é complexo e flexível, “[...] resultado de uma seleção: de um universo
mais amplo de conhecimentos e saberes [...]” (SILVA, 2005, p.15), isso
porque a Matriz de Referência configura um recorte do currículo, não
podendo ser confundida com o currículo que deve ser ensinado. No
entanto, o que vemos é uma preocupação com o ensino dos descritores
de modo a substituir os conteúdos acumulados pela humanidade,
restringindo, desse modo, o currículo.

Retomando o conceito, o currículo deve ser compreendido como:


[...] conjunto de conhecimento ou matérias a serem superadas
pelo aluno dentro de um ciclo-nível educativo ou modalidade de
ensino; [...] o currículo como experiência recriada nos alunos
por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como tarefa
e habilidade a serem dominadas; o currículo como programa
que proporciona conteúdos e valores para que os alunos
melhorem a sociedade em relação à reconstrução da mesma
[...] (SACRISTÁN apud DOLIBAINA, 2014, p. 15).

Nessa consideração, temos um elemento essencial que a


matriz não leva em consideração: valores. Esse componente ativo
para o currículo vivo que vai além de conteúdo programático para
o desenvolvimento da linguagem, por exemplo, prepara o aluno
para áreas do conhecimento, mas o faz também ser instrumento
de mudança da sociedade em que vive. A Matriz de Referência não
possibilita a intervenção na realidade vivida pelo aluno, embora
sabemos que ler e interpretar adequadamente abre portas para
muitas outras aprendizagens, contudo a leitura que abre porta para
SUMÁRIO o mundo é a leitura crítica e diversa, não direcionada para pontos

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

determinados. Desse modo, é possível afirmar que são documentos


diferentes e com finalidades díspares.

AS AVALIAÇÕES E O PAPEL
SECUNDÁRIO DESTINADO AOS
CONTEÚDOS HISTORICAMENTE
ACUMULADOS PELA HUMANIDADE

Os conhecimentos historicamente construídos dão lugar à


padronização mínima dos currículos com apoio midiático defendido
por gestores inseridos na chamada Gestão por Resultados. No
clássico modelo empresarial em que os testes padronizados foram
baseados, as escolas começam a tratar tudo e todos por números
e padrões. As metodologias outrora pensadas como uma ponte,
agora passam a mais uma alternativa de fazer os alunos responderem
adequadamente itens de leitura numa prática repetitiva, desgastante e
sem um aprofundamento teórico.

Embora alguns possam pensar que essa atitude seja consciente


por parte dos atores envolvidos, enganam-se todos. Instituições
governamentais e empresariais se esforçam para que o ensino do
que está posto nas Matrizes de Referência ocorram, de modo que os
professores estão perdendo a autonomia da sua práxis, uma vez que
recebem, na maioria das vezes, aulas prontas para serem executadas.
Nessa perspectiva, JÚNIOR apud SILVA (2016, p.5) alerta que “[...]
é essa dimensão do trabalho autoral do professor que corre sério
risco de ser extinta, na medida em que o trabalho do professor, numa
velocidade muito grande, muito preocupante nos últimos anos, tende
a ser substituído pelo trabalho industrializado [...]”.

SUMÁRIO

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Mais que uma questão de controlar o quê e como vai ser o


currículo das escolas, existe outras questões ainda mais profundas:
o controle político e ideológico, como ressalta Freitas (2014, p. 8):
“A organização do trabalho pedagógico da sala de aula e da escola
ficou cada vez mais padronizada, esvaziando a ação dos profissionais
da educação sobre as categorias do processo pedagógico [...]”. E
quando um espaço está vazio é mais fácil ser preenchido por algo de
interesse de terceiros. Na ótica de Freitas (2011),
A indústria da avaliação, da tutoria, da logística de
aplicação de testes, das editoras, entre outras, compõe
um conglomerado de interesses que são responsáveis
por formar opinião e orientar políticas públicas a partir de
Movimentos, ONGs, institutos privados, industriais, mídia e
outros agentes com farto financiamento das corporações
empresariais (FREITAS, 2011, p. 9).

Assim, enquanto a escola se molda aos padrões, as massas vão


sendo criadas para as necessidades “braçais” do mercado, futuro grupo
submisso ao corporativismo velado das instituições governamentais
com o único objetivo: o lucro, sustentado pela “[...] implementação de
políticas, que se estruturam e se desenvolvem com base na cultura do
desempenho.” (SANTOS, 2014, p. 1151). Não é à toa que se percebe
cada vez mais a presença de grupos empresariais nas salas de aula
através de fundações, institutos e bancos financeiros como Fundação
Lemann, Instituto Natura e o Banco Itaú, que introduzem metodologias
focadas na gestão da sala de aula sob o pretexto da formação integral
dos alunos (SILVA, 2018, p. 176), quando na realidade verifica-se
que esta é pautada em uma formação para o desenvolvimento de
características voltadas para o mercado de trabalho.

Conforme Luckesi (2011, p. 51), a “[...] aferição da aprendizagem


escolar é utilizada, na quase totalidade das vezes, para classificar
os alunos em aprovados ou reprovados”. Contudo, uma epítome
SUMÁRIO das avaliações estandardizadas, divulgada de tempos em tempos,

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

é exatamente avaliar para planejar intervenções, sejam elas macro,


como as políticas de governo, ou específicas, como as de Língua
Portuguesa em sala de aula. Contudo, ficam as reflexões: como é
feito o uso desses dados? O objetivo de um suporte a mais para os
gestores replanejar pedagogicamente está sendo atingido? Como
é compreendido pelas escolas a associação currículo e Matriz de
Referência? E à escrita, quanto tempo lhe é destinado? Reescrita?
Existe espaço no programa? Oralidade... Uso apenas como uma
forma de trabalhar a Matriz ou proponho superação gradativa de
postura nas possibilidades orais sociocomunicativas existentes e
possíveis de serem vividas por nossos alunos?

Contrapondo a essa prática, Luckesi (2018) salienta que


[...] os resultados da avaliação serão subsidiários de uma
prática pedagógica consistente e transformará a avaliação
em parceira de todos nós, educadores, a nos avisar que
investimos o necessário e que os estudantes sob nossa
responsabilidade já aprenderam o necessário ou, ainda, a nos
avisar que investimos, mas que eles ainda necessitam de mais
cuidados para que aprendam aquilo que necessitam aprender.
(LUCKESI, 2018, p. 113).

Internalizar essa visão de avaliação é relevante para o uso


adequado da avaliação elaborada pelos docentes, não devendo estes,
tomarem como modelo para suas avaliações, as dos Sistemas de
Avaliação como o SAEB e o SPAECE. O termo “subsidiário”, usado por
Luckesi, figura de forma exata com a finalidade do todo: ajudar, colaborar,
corroborar com a prática pedagógica. Os resultados expressos em
números, denominados “proficiência” devem ser interpretados sob um
olhar de um professor investigador, que irá usar os resultados científicos
das avaliações em larga escala e das avaliações internas, realizadas
por ele e pautadas no currículo, de maneira a encontrar os desafios a
serem superados e, de tal modo, planejar as intervenções para que os
alunos desenvolvam as habilidades para o prosseguimento.
SUMÁRIO

157
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Sabemos que não é fácil aplicar essa visão no trabalho tão


cobrado e midiático como está hoje. Exige-se estudo, tempo que não é
disponibilizado para o professor na quantidade necessária e coragem
para defender algo que não traz resultados a curto prazo ou, muitas
vezes, não aferidos em avaliações de múltipla escolha. O que muitas
vezes acaba por “[...] estreitar o currículo, a partir da pressão que
escolas e professores sofrem para obterem proficiências conforme
as metas estabelecidas pelos governos [...]” (SILVA, 2018, p. 68). Os
resultados precisam aparecer de maneira consistente, para que não
oscile ora com bons resultados ora com resultados inferiores. Contudo,
essa laborosa compreensão do professor de trabalhar não somente
os descritores na Matriz de Referência, ainda é a melhor forma de
possibilitar ao aluno ver sentido no que o professor ensina, ajudando-
os a perceber “[...] uma relação para a vida, para o crescimento, para o
desenvolvimento, para a construção de si mesmo e de sua identidade,
assim, como da vida social.” (LUCKESI, 2011, p. 113).

Com uso tendencioso, as avaliações estandardizadas


disponibilizam informações periódicas e comparáveis sobre o
desempenho dos alunos e se, não comtempla todas as habilidades,
nenhuma avaliação fará isso em um único instrumento, ela deve ser
aproveitada nos aspectos que avalia. Assim, se o foco é leitura e
interpretação de texto, devemos analisar o desempenho dos alunos
avaliados somente nesse recorte, as outras habilidades deverão ser
acompanhadas de outra forma em sala, com metodologias diferentes
e que possam subsidiar outros aspectos tão importantes no estudo da
Língua Portuguesa.

Na prática, essa facilidade do discurso não acontece, Freitas


apud Silva (2018) explicita o que acontece no currículo das escolas
influenciadas pelos guias das avaliações externas:
As avaliações geram tradições. Dirigem o olhar de professores
SUMÁRIO e administradores e estudantes. Se o que é valorizado em um

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

exame são a leitura e a matemática, a isso eles dedicarão sua


atenção privilegiada, deixando os outros aspectos formativos
de fora. (FREITAS apud SILVA, 2018, p. 68).

Não que os professores, hoje, não possuam a reflexão de uma


educação completa, mas é difícil encontrar argumentos para convencer
esferas além do âmbito escolar, quando governos são os principais
interessados a reduzir o currículo ao mínimo, ao prático, ao essencial
para determinados objetivos, “visando a produtividade do mercado.”
(SILVA, 2018, p. 68).

Nesse contexto, perde-se o entendimento de que o conhecimento


“[...] não tem sentido em si mesmo: deve ajudar a compreender o
mundo, e a nele intervir. Assim sendo, entendemos que a principal
finalidade da avaliação no processo escolar é ajudar a garantir a
formação integral do sujeito pela mediação da efetiva construção do
conhecimento [...]” (VASCONCELOS, 2008, p. 57). Dessa compreensão,
podemos inferir que não há como ter compatibilidade entre objetivos
de uma verdadeira avaliação com os interesses políticos fiscalizados
por meio de avaliações externas ao ambiente escolar, instituições que
estão convencidas que obter a proficiência adequada significa a tão
almejada “aprendizagem significativa”, argumento frágil quando se
coloca aluno em situações reais de uso da língua como um seminário
oral em linguagem formal, por exemplo.

O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO


CONTEXTO DAS AVALIAÇÕES PADRONIZADAS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Contemporâneas do ensino de texto que vieram ganhando forma


a partir da década de 90, as avaliações estandardizadas pareciam
SUMÁRIO incorporar algumas das ideias, já que o foco era leitura. Longe ainda da

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

efetiva e sonhada aplicação das Estratégias de Leitura de Isabel Solé,


os estudos sobre o texto provocaram, na época, algumas mudanças,
pelo menos teórica. Já se sabia que o texto é o centro do ensino da
língua, faltava-se formação continuada dos profissionais da educação,
material adequado e mudança de ideologia da comunidade escolar.
Contudo, o ensino continuava, em grande parte do país, a contemplar
as regras e o texto como pretexto para o ensino da gramática
descontextualizada. E as avaliações seguiram o curso: aplicação e
divulgação dos resultados nos chamados boletins pedagógicos.

Esses boletins enviados pela Equipe Pedagógicas Estadual e


Nacional que supostamente deveriam servir de apoio para a tomada
de decisões pedagógicas iam para as gavetas, uma vez que ainda
não se haviam descoberto o marketing desses resultados. Assim, o
currículo continuava o mesmo e no final do ano se trabalhava algo
relativo à leitura e à interpretação de texto voltadas para a matriz com
o objetivo de que os alunos se saíssem bem nas provas, perdendo a
riqueza de compreender o texto como o “produto concreto da atividade
comunicativa” (TRAVAGLIA, 2009, p. 67). Ao final do ano letivo, tudo de
novo, na Semana Pedagógica apresentava-se a proficiência atingida e,
logo em seguida, projetava-se outro número a partir do atingido para
ser a meta, um trabalho sem uma devida análise e objetivos claros.

Nesse cenário que ainda se dava demasiada importância à


gramática normativa, as matrizes traziam uma visão que, sem um
olhar crítico, corroborava com algumas das futuras definições de
sentido que se queriam com o ensino do texto. Um bom exemplo da
atualidade são algumas referências às habilidades presentes hoje na
BNCC, documento que
[...] estabelece conhecimentos, competências e habilidades
que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo
da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos,
políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares
SUMÁRIO Nacionais da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

que direcionam a educação brasileira para a formação


humana integral e para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva. (BRASIL, s/d, s/p).

Criada conforme definição da Lei de Diretrizes e Base da


Educação (LDB nº 9.394/1996), a BNCC é base para elaboração
dos currículos e propostas pedagógicas das escolas públicas e
privadas da Educação Infantil ao Ensino Médio de todo o Brasil. O
documento, vale dizer, é mais complexo que a matriz, mas ainda não
condiz com os “princípios éticos, políticos e estéticos” como anuncia
seus defensores, já que continua a restringir o currículo. Analisando
o documento, percebemos alguns pontos que fazem remissão às
Matrizes de Referência do SPAECE e SAEB. Por exemplo, a habilidade
EF69LP038, objetiva
Identificar, em notícias, o fato central, suas principais
circunstâncias e eventuais decorrências; em reportagens e
fotorreportagens o fato ou a temática retratada e a perspectiva
de abordagem, em entrevistas os principais temas/subtemas
abordados, explicações dadas ou teses defendidas em relação
a esses subtemas; em tirinhas, memes, charge, a crítica, ironia
ou humor presente. (BRASIL, s/d, s/p).

Na leitura da habilidade em questão, notamos alusão aos


descritores D5 (SPAECE)/D6 (SAEB) – Identificar o tema ou assunto do
texto, D7(SPAECE)/D9 (SAEB) – Diferenciar informação principal das
secundárias em um texto e D7 (SAEB) – Identificar a tese de um texto.

Outro exemplo:
(EF69LP04) Identificar e analisar os efeitos de sentido que
fortalecem a persuasão nos textos publicitários, relacionando as
estratégias de persuasão e apelo ao consumo com os recursos
linguístico-discursivos utilizados, como imagens, tempo verbal,
jogos de palavras, figuras de linguagem etc., com vistas a
fomentar práticas de consumo conscientes. (BRASIL, s/d, s/p).

SUMÁRIO 8 Esse código corresponde à habilidade 03 do Ensino Fundamental, 6º ao 9º ano,


Língua Portuguesa. A habilidade do exemplo seguinte é a de nº 04, também do Ensino
Fundamental, 6º ao 9º ano, Língua Portuguesa.

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Observa-se que essa habilidade contemplada faz referência aos


descritores D4 (SPAECE)/D5 (SAEB) – Interpretar texto não verbal e
textos que articulam elementos verbais e não verbais, D10 (SPAECE)/
D12 (SAEB) – Reconhecer o propósito comunicativo em diferentes
gêneros e D20 (SPAECE)/ D17 (SAEB) – Identificar o efeito de sentido
decorrente do uso da pontuação e outras notações. Com esses dois
exemplos já podemos perceber muitos pontos de aproximação que
sugerem o retorno das mesmas restritas habilidades cobradas na
matriz com algumas ampliações e atualizações. Mas vale lembrar que o
recorte mínimo continua presente e exigido, aferidos sistematicamente
nos testes padronizados.

Não é preciso grandes discussões filosóficas para percebermos


que o trabalho exclusivo com a Matriz de Referência das avaliações em
larga escala é inadequado. A matriz do SPAECE tem 19 descritores,
a do SAEB, 21, e embora sabemos que elas têm ampliações em
seu aprofundamento, ainda assim, em hipótese alguma, conseguem
contemplar o currículo ou mesmo as ditas habilidades essenciais
elencadas pela BNCC; são habilidades negligenciadas que vão além
da leitura e interpretação de textos escritos, e que se constituem como
indispensáveis entres as práticas de produção, oralidade e análise
linguística/semiótica, elementos não contemplados na avaliação e
reduzidos ao mínimo na BNCC. As justificativas é que esses aspectos
precisam de estrutura mais complexa e demorada. Tempo que, talvez,
as urgências dos governos não queiram disponibilizar, mas que são
necessárias para o desenvolvimento integral dos alunos na área da
Língua Portuguesa.

Toda essa questão do currículo, matrizes, documento orientador


nos coloca na boa e velha discussão sobre o quê ensinar. Farias
(2011, p. 123) lembra que “É preciso colocar em xeque os critérios
de seleção, organização e trabalho dos saberes escolares [...]” para
SUMÁRIO refletirmos até que ponto essas influências externas são benéficas à

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

sociedade. A própria BNCC, numa atitude supostamente modesta,


deixa espaço para a pluralidade do currículo local, até mesmo porque
seria contraditório demais ir contra décadas de estudos voltados para
o círculo social onde o aluno vive, embora a urgência seja o ensino do
currículo mínimo proposto na BNCC, o qual, conforme dito, contempla
o disposto na Matriz de Referência. É preciso uma compreensão
social de uso do que deve ser ensinado, assim, habilidades como a
de reconhecer posição distintas entre duas ou mais opiniões relativas
ao mesmo fato ou ao mesmo tema, elencada nas matrizes e retomada
na BNCC, não deve ser somente um descritor para se aprender e
responder um item na prova, deve, antes de tudo, ser uma habilidade
que quando o aluno estiver diante de notícias de fontes diferentes,
possa reconhecer o posicionamento de quem escreveu, para defender
o quê, de quem e por quais interesses.

Embora tudo isso que tratamos até agora ocupe lugares


relevantes na discussão, nenhum agente tem tanta importância
quanto os professores nesse processo, pois são “[...] as únicas
pessoas em condições de encarar um trabalho de modificação [...].
(POSSENTI, 1996, p. 56). Contudo, faz-se necessário um trabalho
de formação continuada para, de fato, compreendermos além
dos resultados de proficiência, simulados e questões objetivas...
É preciso problematizar a discussão para fora da escola, a fim de
continuar evoluindo quanto na perspectiva de aperfeiçoamento do
ensino da língua. Valorizar a oralidade e a escrita são pontos positivos
para uma abertura curricular de nossas instituições, mas não deve e
nem pode parar por aí, ainda há muito o que fazer quando se almeja
desenvolver uma educação integral.

Outro desafio que também é uma possibilidade é o que


chamamos de Formação Continuada, não a que, muitas vezes,
vislumbramos hoje, mas uma em que os conteúdos não sejam
SUMÁRIO “escolhidos por ‘especialistas’ para serem ministrados aos

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

professores, e como extensão, aos alunos.” (BRITO; LIMA; SILVA,


2017, p. 15), descartando a “[...] criticidade, bem como a aprendizagem
que deve voltar-se para a transformação social.” (BRITO; LIMA;
SILVA, 2017, p. 15). Essa mudança não deve contemplar somente a
estrutura do estudo, mas da própria concepção do professor que,
muitas vezes, tende a não valorizar os poucos momentos de estudo,
sejam da própria área, num conhecimento mais aprofundado da
própria disciplina, ou reflexão da práxis pedagógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de mais nada é preciso deixar claro que “[...] não se


trata de negar o direito e o dever do Estado de avaliar, o que está
em questão é o método, o conteúdo [...]. (FRIGOTTO, 2003, p. 117).
Avaliar faz parte, pois somente podemos reorientar nossa prática
depois de termos elementos que ajudem a tomar uma decisão.
Contudo, a escola precisa ter em mente que não estamos formando
mão de obra para as necessidades do mercado, isso poderá ser
um desdobramento da vida de alguns alunos, não uma limitação
imposta. Somos responsáveis de proporcionar uma educação ampla
que os possibilite seguir o caminho que ele desejar.

É preciso que compreendamos que as formas de controle


social têm outras vertentes além dos castigos físico de 1964. Hoje, a
visão mantenedora da hierarquia é introduzida sutilmente em nossas
instituições escolares, já que é lá que se encontra a possibilidade de
mudança. Reduzir o currículo ou enchê-lo para que não haja espaço
para a reflexão do que se acontece ao seu redor são formas de
alienação. Desse modo, esse modelo de ensino contribui para que
a formação humana dos filhos dos trabalhadores seja precarizada,
SUMÁRIO proporcionando, quando muito, o acesso apenas ao mercado de

164
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

trabalho, restringindo desses indivíduos a possibilidade de continuarem


seus estudos.

Nesse contexto, ser proficiente em Língua Portuguesa no


SPAECE ou no SAEB não garante que nossos alunos sejam bons
usuários da língua e transformadores da realidade que lhe é imposta.
Qualquer situação que fuja aos padrões das avalições padronizadas
comprovam isso; o trabalho com a escrita e a produção de textos é um
exemplo bem conhecido nosso.

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SUMÁRIO

165
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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conseguiremos escapar ao neotecnicismo? SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO
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SUMÁRIO

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

SPAECE. Matriz de Referência de Língua Portuguesa 9º ano. Disponível em:


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SPAECE. Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará.
Disponível <http://www.spaece.caedufjf.net/> Acesso em 01 jul. 2019.
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gramática. 14ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação: concepção dialética-
libertadora do processo de avaliação escolar. 18ª edição. São Paulo:
Libertad, 2008. (Cadernos Pedagógicos do Libertad; v. 3).

SUMÁRIO

167
9
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 9

O GÊNERO NARRATIVO
MINICONTO: UMA ANÁLISE DE
PRODUÇÕES TEXTUAIS NO
ENSINO FUNDAMENTAL

Alessandra Santa Rosa da Silva


Juzelly Fernandes Barreto Moreira
Alessandra Santa Rosa da Silva
Maraísa Damiana Soares Alves
Juzelly Fernandes Barreto Moreira

Maraísa Damiana Soares Alves


O GÊNERO
NARRATIVO
MINICONTO:
uma análise
de produções
textuais no ensino
SUMÁRIO fundamental

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.168-189 168


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Este artigo focaliza a construção da narratividade por alunos do ensino
fundamental, buscando identificar estratégias por eles empregadas na
produção de textos narrativos representativos do gênero miniconto. Em
linhas gerais, objetivamos compreender os mecanismos através dos quais
os produtores constroem suas narrativas, bem como fornecer subsídios
para análise da produção desse gênero textual/discursivo. O trabalho
assenta-se nos pressupostos da Linguística Funcional de vertente norte-
americana, inspirada em Givón (2001), Thompson (2005), Furtado da Cunha
(2011), entre outros. Também abordamos a noção de gênero apresentada
em Marcuschi (2002), colocando em foco as seguintes categorias: gênero
discursivo miniconto; estrutura composicional da narrativa; informatividade
(progressão discursiva; coerência temática e narrativa; distribuição tópico-
referencial); relevo informativo (figura/fundo). Finalizamos buscando analisar
o desempenho dos alunos quanto à construção da narratividade, enfocando
as estratégias empregadas na construção dos textos.

Palavras-chave:
Narratividade; Linguística Funcional; Ensino Fundamental; Gênero miniconto;
SUMÁRIO Leitura e produção textual.

169
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta um trabalho desenvolvido a partir


do estudo da construção da narratividade por alunos do ensino
fundamental, tomando como base os pressupostos da Linguística
Funcional, de vertente norte-americana. Para desenvolver o estudo,
apresentamos noções e categorias analíticas relacionadas a gênero
textual/discursivo, à narrativa e sua estrutura composicional, ao relevo
informativo (figura/fundo) e à abordagem de aspectos relativos à
informatividade, a saber, progressão discursiva, coerência temática e
narrativa e distribuição tópico-referencial.

Após apresentar brevemente o suporte teórico que subsidiou


as análises, discorremos acerca dos resultados obtidos e as
conclusões a que chegamos ao término do trabalho. Os textos a
partir dos quais desenvolvemos as análises estão organizados por
grupo, de acordo com indicação relacionada à série e ao contexto
de ensino no qual foram produzidos, permitindo a nomeação dos
subgrupos: 6PA, 9PA / 6PU, 9PU, referindo-se, respectivamente, às
produções dos alunos de 6º e 9º anos da escola particular, e pelos
alunos de 6º e 9º anos da escola pública.

A LINGUÍSTICA FUNCIONAL:
CARACTERIZAÇÃO GERAL E PRESSUPOSTOS
TEÓRICO-METODOLÓGICOS

De acordo com a perspectiva funcionalista norte-americana,


os fenômenos linguísticos são analisados em condições reais de
uso. Dessa vertente teórica, desenvolveram-se os estudos que,
SUMÁRIO atualmente, são realizados sob o rótulo de Linguística Funcional

170
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Centrada no Uso, que identifica uma tendência funcionalista de estudo


da língua também conhecida como linguística cognitivo-funcional
(TOMASELLO, 1998). De certa forma, tal rótulo representa um novo
nome para estudos realizados a partir dessa Teoria Baseada do Uso,
ou Usage-Based Linguistics (BYBEE, 2010). Assim sendo, utilizamos
a Linguística Funcional na abordagem do nosso objeto de estudo,
tendo em vista o fato de que o fenômeno linguístico é tomado como
processo e produto da interação humana, da atividade sociocultural
(THOMPSON, COUPER-KUHLEN, 2005).

Nessa perspectiva teórica, a língua é vista como uma atividade


social que permite aos falantes nativos, em conjunto, construírem a
identidade cultural de sua comunidade linguística. Logo, a linguagem
é estudada com base nas regularidades apresentadas em situações
reais, observadas e explicadas no uso interativo da língua, analisando
as condições discursivas em que se verifica esse uso. Ao lado da
descrição sintática, investigam-se as circunstâncias discursivas que
envolvem as estruturas linguísticas, seus contextos específicos de uso.
Deste modo, o surgimento de diversas formas de narrar, dando origem
a tantos gêneros textuais/discursivos relacionados à ordem do narrar,
resulta das práticas discursivas que, por sua vez, têm sua origem em
um exercício constante de simbolização do mundo. A partir dessa
observação, pode-se dizer que tal fato evidencia a importância que
assume a narrativa como forma de codificar nossas experiências; daí
a relevância do presente estudo.

Uma vez que, ao analisar a produção textual de alunos de duas


realidades distintas, procuramos reconhecer comparativamente a
forma como as narrativas vão sendo construídas, buscamos nessa
teoria linguística a explicação para as escolhas feitas pelos produtores
dos textos. Assim é que, para nós, a seleção dos recursos empregados
durante a construção dos textos deve ser justificada com base na
SUMÁRIO situação comunicativa, envolvendo interlocutores, seus propósitos e o

171
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

contexto, pois, nesses elementos, conforme afirmam os funcionalistas,


é que se busca a motivação para os fatos da língua.

Como os trabalhos funcionalistas estão assentados na


concepção de que a língua é um instrumento de interação social,
cabe ao linguista a tarefa de investigar o modo como os falantes
se comunicam pela língua. Portanto, trabalhos com base nessa
perspectiva estão fundamentados na ideia de que a estrutura linguística
não pode ser descrita satisfatoriamente sem a consideração do evento
comunicativo. Por isso, consideramos, em nosso estudo dados obtidos
a partir de amostras de textos escritos em aulas de língua portuguesa,
nas quais os escreventes produziram textos narrativos do gênero
textual/discursivo miniconto.

Conforme afirmam Furtado da Cunha et al (2003), o funcionalismo


linguístico contemporâneo difere das abordagens formalistas, entre
outros aspectos, também devido ao fato de o foco de sua investigação
se concentrar no contexto discursivo, visto como principal motivação
para os fatos da língua, indo além da estrutura gramatical. De acordo
com esses autores, existe uma relação de interdependência entre os
domínios da sintaxe, da semântica e da pragmática, uma vez que cabe
investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as estruturas e
seus contextos específicos de uso, ao mesmo tempo em que se realiza
a descrição sintática.

Por esse motivo, ao analisar a produção textual de alunos de


duas realidades distintas, estudamos a estrutura narrativa, procurando
reconhecer comparativamente a forma como as narrativas vão sendo
construídas e buscando, nos contextos de uso das estruturas narrativas,
a explicação para as escolhas feitas pelos produtores dos textos,
realizando-a à luz da teoria funcionalista. Assim, compreendemos que
a seleção dos recursos empregados durante a construção dos textos
deve ser justificada com base na situação comunicativa, envolvendo
SUMÁRIO interlocutores, seus propósitos e o contexto, pois nesses elementos,

172
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

conforme afirmam os funcionalistas, é que se busca a motivação para


os fatos da língua.

CATEGORIAS ANALÍTICAS DA LINGUÍSTICA


FUNCIONAL UTILIZADAS NESTE TRABALHO

Neste estudo, elencamos algumas categorias observadas nas


narrativas em geral, investigando as produções de alunos do ensino
fundamental, de realidades distintas, especificamente no tocante ao
uso das seguintes categorias de análise: informatividade (progressão
discursiva; coerência temática e narrativa; distribuição tópico-
referencial) e relevo informativo (figura/fundo).

Informatividade

A informatividade corresponde a um dos elementos


organizadores do texto/discurso, referindo-se ao conteúdo que os
interlocutores compartilham, na interação. Do ponto de vista cognitivo
e pragmático, ao comunicar-se, uma pessoa o faz para informar algo
ao interlocutor. Essa informação que pretende compartilhar pode estar
relacionada ao mundo externo, ao seu próprio mundo interior, ou a
algum tipo de manipulação que o falante/escrevente pode exercer
sobre seu interlocutor.

Desse modo, a informatividade determina a seleção das


informações que irão compor o texto, bem como influencia a forma
como o produtor as organizará, de modo que o leitor do texto possa
compreender a mensagem com maior ou menor facilidade.

SUMÁRIO

173
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Prince (1981, p.235) traz a noção de conhecimento partilhado,


ao dizer que “o falante assume que o ouvinte conhece, admite ou pode
inferir algo particular (sem estar necessariamente pensando nisso)”,
organizando, ainda, as informações apresentadas pelos produtores de
textos em três grupos: novas, evocadas e inferíveis.

Em Furtado da Cunha et al (2003), temos que, ao ser introduzido


pela primeira vez no discurso, um referente é classificado como novo,
sendo novo-em-folha se é completamente novo. É considerado como
disponível, se já está na mente do ouvinte no caso de ser um referente
único em um determinado contexto. Porém, no caso de o referente
já ter sido empregado no texto, é chamado de evocado ou velho,
como também ocorre se esse referente está disponível na situação
comunicativa. Para ser considerado inferível, o referente precisa ser
identificado através de outras informações dadas no texto, por meio de
um processo de inferência.

A fim de ilustrar essa categoria, recorremos ao excerto a seguir:


(1) Em uma casa muito antiga moravam dois irmãos Luic o mais
velho, o mai novo Fernando e o mordomo. E depois da morte
de seus pais continuaram morando lá, e a herança seria dividida
entre os irmãos e uma pequena parte para o mordomo que já
trabalhava para a mesma família a muitos anos. (9PA).

No recorte apresentado, o produtor do texto traz informações


consideradas importantes para que o leitor compreenda os fatos
narrados. Ao informar a respeito da divisão da herança, após a morte
“dos pais” dos personagens Luic e Fernando, acrescenta que o
mordomo também foi beneficiado, juntando a tal informação à de que
esse profissional “já trabalhava para a mesma família a muitos anos.”

A informatividade designa a possibilidade de uma informação


ser esperada ou não esperada pelo leitor/ouvinte, previsível ou não
previsível para os receptores do texto. Assim, no trecho transcrito, a
SUMÁRIO

174
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

informação quanto ao tempo que o mordomo servia àquela família


parece ser necessária para justificar aos leitores o motivo pelo qual
esse personagem veio a receber parte da herança.

Progressão discursiva

A construção de um texto pressupõe a sucessão de seus


segmentos numa progressão constante, de modo a garantir a
compreensão do leitor quanto ao seu conteúdo. Assim, a progressão
discursiva diz respeito à introdução e retomada de referentes textuais,
por meio de diversas estratégias que garantem o encadeamento dos
termos, e, consequentemente, das ideias apresentadas no texto.
Desse modo, cada segmento que o constitui deve ir acrescentando
informações novas aos enunciados anteriores, por meio de mecanismos
linguísticos que encaminham/orientam a leitura, atribuindo “fluidez” ao
texto. De igual modo, a retomada adequada de itens já apresentados
também faz parte dos recursos que auxiliam a progressão discursiva.
É possível observar tal fenômeno neste trecho:
(2) (a) - Olá meu nome Zézinho eu moro na Africa e surfo muito,
um dia eu tava surfando e apareceu uma coisa imensa no mar
mas continuei. No outro dia apareceu na TV que um surfista
desapareceu e apareceu na margem da praia cheio de mordida
e sem os braços e sem as pernas, mas continuei surfando. (b)
No outro dia eu fui pescar no barco do meu pai, fui la no fundo
do rio e pegei um Baiacu bem Grandão mas depois eu pegei
um Pirarocú, amanhã e o dia que jamas Aconteceu o interro de
um amigo, que morreu atacado por um tubarão muito grande.
No outro dia eu fui no interro de pois eu fui tomar banho com o
sabonete melhor do mundo O protex, Depois eu peguei minha
prancha pra viajar para o Avai e pegar uma onda gigante e
falei e fiz, mas se eu cai eu me ferro e depois de 1 semana eu
voutei pra casa. (6PA).

O que se pode perceber, através da observação dessa amostra,


SUMÁRIO é que em (a) a progressão discursiva se dá de forma satisfatória, sem

175
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

comprometer o entendimento dos leitores quanto à sequência dos


fatos apresentados. No entanto, em (b), ao dar prosseguimento à sua
narrativa, o produtor vai, aos poucos, “se perdendo” em relação aos
fatos narrados, ou melhor dizendo, em relação à forma de narrar os
fatos. Estes são apresentados em construções linguísticas truncadas,
como em: “mas depois eu pegei um Pirarocú, amanhã e o dia que
jamas Aconteceu o interro de um amigo”.

Também é possível observar, no excerto apresentado, que o


produtor compromete a progressão discursiva na medida em que não
mantém o encadeamento das ideias apresentadas em: 1º) “fui la no
fundo do rio e pegei um Baiacu bem Grandão mas depois eu pegei um
Pirarocú,” e 2º) “amanhã e o dia que jamas Aconteceu o interro de um
amigo, que morreu atacado por um tubarão muito grande.”

Coerência temática e narrativa

À relação que se estabelece entre as partes de um texto,


responsável pela formação de uma unidade de sentido, atribui-se o
nome de coerência. Em relação às narrativas, esse aspecto se constrói
na medida em que se respeitam as implicações lógicas existentes
entre as partes que as constituem.

A coerência diz respeito à construção do sentido textual, seja


na perspectiva da produção, seja na da recepção linguística pelos
interlocutores envolvidos na situação comunicativa. Trata-se, portanto,
da possibilidade, e mesmo da necessidade, de atribuição de sentido
às produções textuais, condição básica para que sejam entendidas e
assumidas como tais. Desse modo, a coerência corresponde a uma
propriedade articulada no âmbito da situação comunicativa, levando-
se em conta os domínios linguístico e extralinguístico para se chegar
a essa articulação.
SUMÁRIO

176
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A coerência narrativa diz respeito àquela que observamos ao


longo de uma sequência de fatos narrados, os quais não podem estar
em contradição uns com os outros. Segundo Koch (1997, p. 41), a
coerência “diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à
superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma
configuração veiculadora de sentidos.”, definindo-a ainda como um
princípio de interpretabilidade e compreensão do texto.

Observemos a coerência no trecho de narrativa apresentado:


(3)- Quando Eu fui surfa eu peguei uma onda com um tubarão
atrás de mim so que um goufinho me ajudou mas o tubarão
matou ele e continuei Na onda mas o tubarão tentou me atacar
mas eu dei umchute Nele e ele dismaiou. Quando eu estava
saindo do mar ele estava morto Na margem sem a barbatana,
No outro dia eu fiquei com trauma dele me atacar mas fui sufar,
quando eu peguei a onda ele pulo e Arranco minha cabeça e
eu morri! (6PA).

Percebe-se que a coerência, na amostra em questão, fica


comprometida no momento em que o produtor informa que, após o
chute dado por ele no tubarão, este desmaiou. No período seguinte,
acrescenta que, quando estava saindo do mar, o tubarão estava morto,
na margem. E prossegue informando que, no dia seguinte, foi surfar
e, ao pegar a onda, não somente foi atacado pelo tubarão, como teve
sua cabeça arrancada pelo animal e morreu: “ele pulo e Arranco minha
cabeça e eu morri!”.

Distribuição tópico-referencial

A progressão referencial parte do pressuposto de que, no


entendimento da relação entre a linguagem e o mundo, a referenciação
é uma atividade discursiva (MONDADA, 2003; KOCH, 2004, 2006;
MARCUSCHI, 2002, 2006), pois língua e linguagem são vistas como
SUMÁRIO não-referenciais, ou seja, na relação entre palavras e coisas, há

177
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

uma instabilidade resultante da ação dos sujeitos em determinados


contextos interacionais. Diferentes estratégias de referenciação são
fundamentais para a manutenção da progressão referencial e tópica
na estrutura de um texto. Algumas dessas estratégias podem ser
observadas nesta amostra:
(4) [...] Na minha conversa com a senhorita Lionel ela parecia
muito nervosa, pois sabia por que havia sido chamada,
inicialmente procurei acalmá-la para então conversarmos. A
senhorita Lionel me falou que foi chamada para a sala do reitor
por um pequeno erro que houve em sua matrícula, nada muito
grave, mas oque mais me chamou atenção foi que de acordo
com a senhorita antes de entrar na sala do reitor ela havia ouvido
uma briga entre a vítima e seu irmão Marco Grogan, o vice
diretor da universidade, depois de conversar com a senhorita
ela me fez uma última pergunta que era o porque de eu estar ali
e não na cena do crime [...] (9PA).

Percebe-se que o produtor, ao referir-se à senhorita Lionel, o faz


empregando o termo senhorita repetidas vezes, bem como empregando
os pronomes ela e la em substituição ao termo referido anteriormente.
Também faz a retomada do termo através de referência não explícita,
ao omitir o sujeito em construções como “havia sido chamada” e “foi
chamada para a sala do reitor”.

Desse modo, percebemos que um referente, a senhorita


Lionel, é apresentado no texto e depois reaparece, por meio de várias
estratégias que contribuem para a progressão textual (senhorita, ela,
-la). Assim sendo, o encadeamento dos termos relacionados entre si
garante a compreensão do todo.

Relevo informativo (figura/fundo)

O relevo informativo corresponde a um aspecto que está


SUMÁRIO diretamente relacionado ao fluxo de informação do texto, sendo

178
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

representado pelo par figura (linha principal do enunciado) e fundo


(porção adicional), conforme apresentado por Givón (1990).

No estudo das narrativas, a categoria plano foi utilizada


inicialmente na busca de identificar a oposição entre as sequências
de movimento (figura) e as sequências estáticas (fundo). A exemplo
disso, Hopper (1979) distingue os eventos dinâmicos, responsáveis
pela progressão sequencial do enredo, daquelas situações que se
caracterizam pelos comentários do narrador. Assim, estabelece
a relação entre figura, isto é, os eventos dinâmicos, e fundo,
correspondente aos eventos estáticos. O contraste entre figura e fundo
pode ser observado no trecho a seguir:
(5) Era uma vez uma princesa que não sabia que era uma
princesa, o pai dela era um príncipe e ele já tinha falecido, a
mãe da princesa não contou a princesa sobre ela e seu pai.

Certo dia a rainha (avó da princesa) convidou a sua neta


(princesa Mia) para tomar um chá em seu castelo, e a Rainha
inssistio muito para que Mia aceitace o cargo de Princesa de
Genovia” (6PU).

Na amostra apresentada, percebemos que os trechos em


negrito representam as informações que podemos associar à ideia
de figura, por serem as informações principais em relação à narrativa
que está sendo apresentada. Enquanto isso, os demais trechos
representam o fundo no qual as ações principais se desenrolam, são
informações complementares que servem para compor “o cenário”,
para explicar a situação comunicativa, ajudando o leitor a construir o
sentido global do texto.

SUMÁRIO

179
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ESTRUTURA DA NARRATIVA

Labov e Waletzky (1967), em seus estudos, demonstraram que


o esforço para compreender uma narrativa é responsável por uma
estrutura formal, particularmente na definição de narrativa como a
escolha de uma técnica linguística específica para reportar eventos
passados. Segundo esses autores, a narrativa é o protótipo, talvez o
único exemplo de um evento de fala bem formado, com um começo, um
meio e um fim, e pode ser definida como “um método de recapitulação
de experiências passadas, combinando uma sequência verbal de
orações a uma sequência de eventos que ocorreram efetivamente.”
(1967, p. 20).

Ao produzir textos, o escritor/escrevente9 constrói sentidos,


conjuntamente, numa atividade de simbolização do mundo. Nessa
atividade constante de produção textual e, portanto, de simbolização
do mundo, destaca-se a estrutura narrativa, uma das mais conhecidas
e utilizadas pelos falantes, uma vez que está presente em nosso
cotidiano desde a infância, quando aprendemos a falar e a fazer uso
dessa estrutura nas mais variadas situações de comunicação.

O modelo de estudo proposto por Labov e Waletzky (1967),


relacionado à estrutura da narrativa – a macroestrutura laboviana
–, organiza a narrativa em seis elementos: resumo, orientação,
complicação, avaliação, resolução e coda. O resumo, de caráter
facultativo, é uma introdução do texto que, em geral, traz os principais
pontos que serão apresentados durante a construção da narrativa.
A orientação dá informações sobre tempo, pessoas, lugares e

9 O escritor é aquele que trabalha a sua palavra e absorve-se funcionalmente nesse


trabalho. Ele tem finalidade estética, postula o belo, o alargamento da realidade através do
encantamento, da arte literária. Já o escrevente é um profissional que não postula um fim
estético com seu discurso (quer, por exemplo: testemunhar, explicar, ensinar, catequizar).
SUMÁRIO Para esse profissional, a palavra não é um fim em si mesma, mas apenas um meio na
consecução de outros objetivos.

180
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

situação, necessárias para a compreensão dos eventos narrados. A


complicação é basicamente o conteúdo da narrativa e descreve os
fatos ocorridos. A avaliação, que geralmente faz uma interrupção
da narrativa propriamente dita, revela a atitude do narrador frente à
narrativa. A resolução (ou desfecho), em geral, é a solução para o
conflito da narrativa. E, finalmente, a coda, também facultativa (como
o resumo), encerra a narrativa, retornando os leitores/ouvintes ao
momento da enunciação.

Essa estrutura, desenvolvida inicialmente para análise


de narrativas orais de experiência pessoal, mostrou-se útil na
abordagem de diversos gêneros textuais/discursivos relacionados
às narrativas, de contos tradicionais a histórias banais da vida
diária, entre outras, evidenciando que textos narrativos são formas
privilegiadas do discurso.

Segundo o esquema proposto por Labov e Waletzky (1967), a


narrativa, além de uma dimensão cronológico-sequencial que ordena
os elementos um após outro, compreende também uma dimensão
figuracional, na forma de uma macroestrutura semântica, na qual
é a “figura” que ordena os elementos um ao lado do outro. Dessa
forma, a narrativa apresenta uma superestrutura textual composta das
macroproposições de orientação, complicação, ação ou avaliação,
resolução, conclusão ou moral, dentro das quais se agrupam as
proposições, estas as menores unidades da narrativa. As proposições
são as sentenças, frases ou subfrases que compõem o texto, podendo,
conforme suas características, ser divididas em uma dessas categorias
ou macroproposições. Labov e Waletzky (1967) definem uma narrativa
mínima como “uma sequência de duas proposições narrativas restritas,
temporalmente ordenadas, de maneira que uma mudança em sua
ordem resultará na mudança na sequência temporal da interpretação
semântica original” (p. 27).
SUMÁRIO

181
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

NOÇÃO DE GÊNERO TEXTUAL/DISCURSIVO

A noção de gênero apresentada por Marcuschi (2002) o


considera como fenômeno histórico, vinculado à vida cultural e social.
Todo gênero textual/discursivo surge de uma necessidade comunicativa
como entidade sociodiscursiva e, de acordo com o autor, os gêneros
contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do
dia a dia. São, portanto, entidades sociodiscursivas e formas de ação
social em qualquer situação comunicativa.

Pelo fato de se caracterizarem como eventos textuais altamente


maleáveis, dinâmicos e plásticos, os gêneros se multiplicam no
âmbito da narração, apresentando-se, no dia a dia, nos mais variados
modelos. A esse respeito, Marcuschi (2002) declara que o surgimento
dessa variedade de gêneros textuais/discursivos está relacionado a
necessidades e atividades socioculturais, assim como também na
relação com as inovações tecnológicas. Esse fato pode ser percebido
ao se comparar a quantidade de gêneros hoje existentes em relação a
sociedades anteriores à comunicação escrita.

Por esse motivo, justifica-se a grande quantidade de gêneros


que circulam na sociedade. E com o tipo narrativo não é diferente, uma
vez que encontramos, entre os textos de esquema narrativo, muitas
variações que vão desde os minicontos a narrativas de aventura, com
estrutura mais elaborada, envolvendo mais personagens e ações.

A expressão gênero textual/discursivo é usada para se fazer


referência aos textos materializados que encontramos em nossa
vida diária e que possuem determinadas características, de ordem
sociocomunicativa, relacionadas ao conteúdo, às propriedades
funcionais, ao estilo e à composição característica. Logo, apresentam-
se em número quase ilimitado. Em nosso estudo, faz-se necessária tal
SUMÁRIO distinção, uma vez que compreendemos ser a narrativa um tipo básico,

182
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

no sentido de que faz parte da vida dos falantes/escreventes desde


cedo. Portanto, acreditamos ser necessário não haver dúvidas quando
nos referimos a essa estrutura.

• Gênero textual/discursivo miniconto

Em nossa investigação acerca das produções de cunho


tipicamente narrativo, achamos necessário abordar, de forma
complementar, a noção de gêneros do discurso com base em
Marcuschi (2002). Tal abordagem se justifica pelo fato de a escolha
do gênero exercer influência na estruturação da narrativa, conforme
constatamos na análise dos textos do corpus.

De acordo com Marcuschi (2002), é impossível se comunicar


verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível
se comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Assim sendo, a
comunicação verbal só é possível por meio de algum gênero textual.
Essa posição, defendida por Bakhtin (1997) e também por Bronckart
(1999), é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em
seus aspectos discursivos e enunciativos.

O enunciado, visto como uma unidade discursiva estritamente


social, que provoca uma atitude responsiva por parte do sujeito,
é produzido para alguém, com uma intenção comunicativa pré-
definida. Estas intenções, conforme o autor, determinam os usos
linguísticos que originam os gêneros. Assim, cada situação social
origina um gênero, com suas características que lhe são peculiares.
Ao pensarmos na infinidade de situações comunicativas e que cada
uma delas só é possível graças à utilização da língua, podemos
perceber que infinitos também serão os gêneros, existindo em
número ilimitado e heterogêneo.

Desse modo, podemos observar, entre os textos que circulam


socialmente, que grande parte desses gêneros se constitui de
SUMÁRIO

183
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

sequências narrativas, com características linguísticas próprias,


tais como a materialização através de fatos e ações e a progressão
temporal essencial para seu desenrolar, em uma linha de tempo e em
um determinado espaço.

Apesar de sabermos que o texto narrativo não está restrito


a contos, ao mencionarmos a palavra “narrativa”, aparentemente,
acionamos na memória comunicativa dos produtores de texto uma
‘fórmula textual’ que, via de regra, leva-os a produzirem narrativas,
mais ou menos semelhantes, em seu modo de organização.

Desse modo, é comum os produtores de textos tipicamente


narrativos optarem por produções as quais podem ser denominadas
de miniconto, por serem narrativas pouco extensas, com pequeno
número de personagens, concentração de espaço, tempo e ação,
cujo início se dá, geralmente, através do uso da expressão “Era uma
vez...” ou outra equivalente a um passado longínquo e indeterminado.
No final, geralmente terminam com “... e viveram felizes para sempre”.
As indicações de tempo são sempre limitadas e vagas e não permitem
determinar com rigor a duração da ação ou a localização dos fatos
num contexto histórico preciso. O mesmo acontece em relação ao
espaço: um palácio, um castelo, uma fonte, uma floresta...

As referências espaço-temporais aparecem pelo fato de ser


uma exigência da narrativa, já que nada acontece fora do tempo e
do espaço. Os personagens, o espaço e o tempo indeterminados
permitem que as histórias adquiram um caráter atemporal e universal,
admitindo uma constante reatualização, pois é algo que poderia
acontecer em qualquer tempo e em qualquer lugar.

Assim sendo, em nosso corpus, observamos a recorrência a


esse gênero textual/discursivo, visto que a maioria dos alunos reproduziu,
na estruturação dos textos narrativos, as características supracitadas.
SUMÁRIO

184
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao darmos início ao trabalho, nosso objetivo geral foi realizar


um estudo comparativo entre narrativas, representativas do gênero
miniconto, produzidas no ensino fundamental, por alunos do 6º e 9º
anos, matriculados em uma escola particular e uma escola pública
da Grande Natal. Através desse estudo, pretendíamos enfocar a
construção da narratividade, buscando identificar e descrever as
estratégias utilizadas na produção dos textos.

Nossa hipótese inicial centrava-se na ideia de que os alunos do


9º ano apresentariam mais facilidade em relação à produção do texto
narrativo, considerando que, à medida que os alunos avançam nas séries
de ensino, também vão ampliando seu conhecimento com relação às
estratégias de construção do texto narrativo. Em se tratando dos alunos
da escola particular, havia a dúvida de que esse contexto influenciaria
nas narrativas, principalmente levando em conta as produções de
alunos do 9º ano, tanto em razão de estarem na série que encerra o
ensino fundamental, como também pelo fato de terem acesso mais
facilmente a recursos pedagógicos diversificados, os quais poderiam
contribuir positivamente no processo de aprendizagem. Assim sendo,
os alunos do 9º ano da escola particular poderiam demonstrar um
maior “amadurecimento” quanto à competência narrativa.

Para tanto, investigamos se os alunos faziam uso das


mesmas estratégias, nessa atividade de construção da narratividade,
considerando 6º e 9º anos de contextos distintos, escola particular
e escola pública. Também pretendíamos confirmar ou negar a
possibilidade de os alunos da escola particular apresentarem mais
facilidade na estruturação escrita de seus textos. Em contrapartida,
considerando o contexto público de ensino, hipotetizamos que
os alunos dessa realidade específica poderiam demonstrar mais
SUMÁRIO

185
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dificuldade em construir textos narrativos, evidenciando uso de menos


estratégias na construção de tais textos.

Apesar de os resultados não poderem ser generalizados, visto


tratar-se de um estudo de caso em apenas duas instituições de ensino,
pode-se afirmar que o trabalho é válido, posto que a realização desse
estudo trouxe contribuições significativas quanto ao nosso objeto de
estudo, a construção da narratividade, desmistificando a ideia de que o
contexto discursivo, nesse caso, influenciaria no melhor desempenho
dos alunos com relação à escrita de textos narrativos.

Portanto, tendo como base a interpretação dos resultados, foi


possível identificar que a hipótese inicial não pôde ser confirmada
no corpus da pesquisa, uma vez que, ao estabelecer a relação de
comparação entre os grupos de textos (6º X 9º ano; contexto privado
X contexto público), os resultados obtidos apontaram que os textos
são, de certa forma, equivalentes no que se refere às estratégias de
estruturação das narrativas.

Desse modo, ao considerarmos a estrutura da narrativa proposta


por Labov como base para nossas observações, associando-a
aos quatro grupos de textos narrativos observados neste estudo,
percebemos que os minicontos apresentam, em sua estruturação, a
maioria das seções labovianas, a saber: todas as narrativas analisadas
apresentaram as seções de orientação, complicação e resolução, isso
por se tratarem de seções que apresentam informações indispensáveis,
pois correspondem ao início da narrativa, às ações que constituem o
ponto alto da narrativa e ao desenlace dos acontecimentos.

O resumo, apontado por Labov (1967) como uma seção


facultativa, foi encontrado em doze das quarenta narrativas analisadas.
No entanto, comparando a ocorrência de tal seção nos minicontos
oriundos da escola particular, constatamos que estes apresentam
SUMÁRIO onze narrativas iniciadas com a seção do resumo. Interpretamos essa

186
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

informação como um indício de que, no contexto da escola pública,


os alunos reproduzem em seus minicontos aquelas seções que
constituem o núcleo da narrativa, as partes principais, sendo o resumo
dispensável à compreensão total do que está sendo narrado.

Assim sendo, no contexto particular de ensino, as narrativas


produzidas pelos alunos do 6º ano evidenciaram uma estruturação
mais elaborada do que aquelas produzidas pelo grupo do 9º ano, visto
que as seções a partir das quais Labov estrutura a narrativa aparecem
de forma mais completa na maior parte dos textos. Essa evidência
contraria nossa hipótese inicial de que os alunos do 9º ano empregariam
mais recursos e estratégias em suas produções narrativas.

Essa mesma constatação pode ser feita em relação aos


textos produzidos no contexto público de ensino, cujas narrativas
se assemelham às do 9º ano (PA) no que tange à estrutura. Nesses
três grupos (9PA, 6PU e 9PU), o que ocorre é a presença das seções
orientação, complicação e resolução em todas as narrativas, tal como
acontece nos textos do 6º ano. As demais seções (resumo, avaliação
e coda) tornam-se menos frequentes.

Destarte, o estudo comparativo conduzido neste trabalho nos


permite concluir que, à medida que os alunos/produtores de textos de
ordem narrativa vão avançando nas séries de ensino, as estratégias
por eles utilizadas na produção dos textos não vão se “sofisticando”,
tampouco se tornam mais “elaboradas”. Eles continuam empregando
aquelas que formam a base das narrativas, a parte essencial que
se concentra no “miolo” correspondente às seções de orientação,
complicação e resolução.

Se no 6º ano da escola particular percebemos uma tentativa,


por parte dos alunos, de enriquecer suas narrativas por meio do uso
de mais elementos, mais informações, o mesmo não ocorreu nos
SUMÁRIO demais grupos de narrativas analisadas, talvez pelo fato de o conteúdo

187
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

“narrativa de aventura” fazer parte das aulas de Redação, na ocasião


da produção das narrativas.

Outra conclusão a que chegamos ao término desta dissertação


é a consciência da necessidade de continuação de pesquisa que
enfoquem a competência escrita dos alunos, abordando uma
quantidade mais expressiva de instituições e de alunos, a fim de
investigar melhor o fenômeno da narratividade. Dessa forma, partindo
de textos de estrutura tipicamente narrativa, familiar à maior parte dos
falantes/escreventes, acreditamos poder contribuir com estratégias que
possam aprimorar a competência da escrita, inclusive considerando
outros gêneros textuais/discursivos.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação
verbal. São Paulo: Martins Fontes, [1997] 2003. p. 261-306.BRONCKART,
J. P. Atividades de linguagem, textos e discurso: por um interacionismo
sócio-discursivo. Trad. de Anna Rachel Machado e Péricles da Cunha.
São Paulo: Educ, 1999.
BYBEE, J. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge
University Press. 2010.
FURTADO DA CUNHA, M. A.; COSTA, M. A.; CEZARIO, M. M. Pressupostos
teóricos fundamentais. In: FURTADO DA CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R. de;
MARTELOTTA, M. E. Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro:
Faperj/DP&A, 2003.
GIVÓN. T. Syntax: a functional-typological introduction. Amsterdam: John
Benjamins. 1990.
HOOPER, J. P. Child morphology and morphophonemic change.
Linguistics 17: 21–50.
Reprinted in J. Fisiak (ed.) 1980. Historical morphology, 157–87. The Hague:
Mouton. 1979.

SUMÁRIO KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

188
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

KOCH, I. G. V. Introdução à Linguística Textual. São Paulo: Martins


Fontes, 2004, p. 51-78.
KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
LABOV, W. & Waletzky, J. Narrative analysis: oral versions of personal
experience. In: HELM, J. (ed.). Essays on the verbal and visual arts.
Washington: Washington University Press, 1967.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONÍSIO, A. et al. Gêneros textuais e ensino. 2. ed. 2002. p. 19-36.
MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização:
uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M. et al.
(orgs.). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17-52.
PRINCE, H. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (ed.)
Radical Pragmatics. New York: Academic Press, 1981.
THOMPSON , S. A.; COUPER-KUHLEN, E. The clause as a locus of grammar
and interaction. In: Discourse Studies, v. 7, p. 481-506, 2005.
TOMASELLO, M. Introduction: a cognitive-functional perspective on language
structure. In: TOMASELLO, M. (Ed.). The new psychology of language: cognitive
and functional approaches to language structure. New Jersey: LEA, 1998, p. vii-xxiii.

SUMÁRIO

189
10
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 10

A PRODUÇÃO TEXTUAL NO
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Álisson Hudson Veras Lima


Álisson Hudson Veras Lima

A PRODUÇÃO
TEXTUAL
NO ENSINO
DE LÍNGUA
PORTUGUESA
NO ENSINO
SUMÁRIO FUNDAMENTAL II
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.190-208 190
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Desde a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério
da Educação em 1998, o ensino de Língua Portuguesa tem sido voltado para a
leitura e para a oralidade, ficando a gramática e a produção textual com déficits
(MICOTTI, 2009; ELIAS, 2011) encontrados a partir da produção dos alunos
do Ensino Fundamental II, sobretudo em textos de gêneros que exigem a
norma-padrão (VERAS-LIMA, 2019), além de problemas de coesão/coerência
(KOCH e ELIAS, 2014). Levando em consideração que as normas gramaticais
(BECHARA, 2009; PERINI, 2017) embasam a escrita e dão segurança aos
alunos, discutimos, neste texto, a partir de um relato de experiência em uma
escola da rede pública municipal de Russas – CE sobre como é e como
deveriam ser as aulas de produção textual, vislumbrando a projeção de
ensino da língua escrita para os próximos anos de acordo com o que é dito
no documento da Base Nacional Comum Curricular (MEC, 2017) para os anos
finais do Ensino Fundamental.

Palavras-chave:
Produção textual; PCN; BNCC; Prática docente.
SUMÁRIO

191
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O ensino de língua portuguesa foi, durante muitos anos,


considerado normalista por ter o foco no ensino das normas/regras
gramaticais e tendo, ao longo dos anos, sido modificado e adaptado
em prol do ensino de Leitura, que despontou nos anos de 1970
com os estudos resultantes da Linguística Textual (KOCH, 2015) e,
posteriormente, focando no ensino de Escrita, desde meados dos anos
1980 (OLIVEIRA e MONTEIRO, 1990; REGO, 1992; KOCH e ELIAS, 2013).

Entretanto, o ensino das regras gramaticais persistiu e ainda


persiste como um problema em todas as etapas do ensino de língua
portuguesa, pois, mesmo com a mudança de foco no ensino, o
tradicionalismo criticado desde 1970 ainda não foi solucionado e os
professores de língua portuguesa continuam, até hoje, sem conseguir
adaptar o ensino dos jogos das regras gramaticais (BECHARA, 2009;
PERINI, 2017) para a grande maioria dos seus alunos.

Levando em consideração que, para as séries do Ensino


Fundamental, no Brasil, os alunos são avaliados tanto de forma interna
quanto externa à escola, é preciso considerar que a forma de mensurar
o aprendizado em língua portuguesa, na atualidade, passou a ser o
reflexo da capacidade de leitura e interpretação textual, havendo
pouquíssimas questões relacionadas à Gramática e nada relacionado
à Produção Textual.

O cerne da questão pousa, portanto, no que tange à produção


textual, pois, uma vez que é consenso o fato de que a escrita difere
da fala (LYONS, 1987; LOPES, 1999), podemos afirmar que o Ensino
Fundamental leva os alunos, série após série, a não estar apto à
realidade de escrita exigida no Ensino Médio, sobretudo com relação à
principal prova externa de nível nacional, o Exame Nacional do Ensino
SUMÁRIO

192
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Médio (ENEM), sendo, assim, reflexo da defasagem proporcionado no


sistema de ensino brasileiro com relação ao ensino da língua materna.

A fim de aprofundar a discussão acerca de como é e como


deve/deveria ser trabalhada a produção textual no Ensino Fundamental
II, trataremos, neste texto, sobre como os professores são norteados
acerca dos conceitos de língua, linguagem e a função da língua em uso,
sobre como deve ser trabalhada a produção textual de acordo com os
documentos norteadores do Ministério da Educação, perpassando por
um breve relato de experiência, findando no que se espera sobre a
escrita em língua portuguesa nos próximos anos.

Ao final de nosso texto, esperamos que o leitor seja capaz de


ter uma visão crítica da realidade dos alunos do Ensino Fundamental
II com relação à capacidade escrita da grande maioria e que, a
partir de reflexões próprias, seja capaz de ajudar a propor soluções
para um problema que assola a todos: por que a maioria de nossos
alunos não são bons na escrita, sobretudo em atender aos textos que
necessitam da norma-padrão?

O QUE SE ESPERA DO ENSINO DE


LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

No Brasil, o ensino de língua portuguesa é norteado pelo


documento entitulado Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2001)
publicado em sua primeira versão em 1998. É neste documento que
constam as premissas básicas para o ensino regular tanto no Ensino
Fundamental quanto no Ensino Médio, havendo versões específicas
para cada um destes níveis de ensino.

Neste trabalho, buscamos analisar como a língua deve ser


SUMÁRIO ensinada no Ensino Fundamental, sobretudo nos anos finais deste

193
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

nível de ensino e, por isso, trazemos ao nosso texto aquilo que tange
ao ensino de língua portuguesa.

Logo no início dos PCN são apresentados os objetivos


esperados que os alunos alcancem durante e/ou ao final do Ensino
Fundamental, sendo elencados 10 (dez) objetivos, dos quais 02 (dois)
estão diretamente ligados ao uso da língua portuguesa, sendo eles:
utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica,
plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e
comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções
culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a
diferentes intenções e situações de comunicação;

questionar a realidade formulando-se problemas e tratando


de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico,
a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica,
selecionando procedimentos e verificando sua adequação.
(MEC, 2001, p. 10).

Tratando de maneira ainda mais específica, encontramos a


seguinte afirmação:
O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a
participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem
se comunica, tem aceso à informação, expressa e defende
pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo,
produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a
responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso
aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da
cidadania, direito inalienável a todos. (MEC, 2001, p. 15).

E aqui encontramos um ponto que merece destaque, pois, há


um problema no documento dos PCN já que se afirma nos objetivos
que o aluno deve utilizar diferentes linguagens, dentre elas, a linguagem
verbal, sem ser citado a linguagem não-verbal que pode compor textos
de forma integral ou parcial. Além disso, neste documento, recebem
destaque as formas oral e escrita da língua, não sendo considerada a
SUMÁRIO linguagem de gestos, o que é compreensível, uma vez que a Língua

194
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Brasileira de Sinais (LIBRAS) passou a ser a segunda língua oficial


no Brasil em 2002 e, de qualquer maneira, grosso modo, podemos
entender que os gestos estavam contemplados no documento no que
é chamado de linguagem corporal.

Para melhor compreender o que é proposto nos Parâmetros


Curriculares Nacionais, analisaremos abaixo as concepções de língua
e linguagem que constam neste documento e, posteriormente,
o que é esperado com relação ao uso destas dimensões de
expressividade humana.
A língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita
ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é
aprender não só as palavras, mas também os seus significados
culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu
meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.
(MEC, 2001, p. 24).

O que podemos notar é que, de certa forma, a língua é entendida


como o meio pelo qual as pessoas dão e constroem significados que
podem estar diretamente ligados às palavras ou não. O importante é
perceber que o sentido de língua dos PCN está intimamente ligado à
noção de interpretação seja das palavras ou do mundo.

Já a concepção de linguagem nos leva a entendê-la como a


“forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica;
um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais e
existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos
momentos da sua história” (MEC, 2001, p. 23) e remete diretamente
à noção de uso.

Esta noção de uso da linguagem faz entender que ela existe em


uma conversa entre amigos em uma calçada, ao escrever um lembrete
para si mesmo ou ao enviar um e-mail a alguém, pois são as práticas
sociais que fazem com que a linguagem se concretize através de uma
SUMÁRIO interação verbal entre sujeitos.

195
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

É ainda mais interessante notar que nos Parâmetros Curriculares


Nacionais a concepção de língua e linguagem estão indissociáveis
da noção de discurso, uma vez que, neste documento, podemos
compreender que a linguagem é um produto da comunicação humana
e que é por meio desta comunicação que as pessoas constroem modos
de compreender o mundo e, por conta disto, “produzir linguagem
significa produzir discursos” (MEC, 2001, p. 25).

Ao levarmos esta afirmação em conta, não podemos deixar de


buscar a concepção de discurso e de texto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais e temos que o discurso “refere-se à atividade comunicativa
que é realizada numa determinada situação, abrangendo tanto o
conjunto de enunciados que lhe deu origem quanto as condições nas
quais foi produzido” (MEC, 2001, p. 26) e, assim, percebemos que o
conceito de discurso e interdiscursividade bakhtiniano foi utilizado na
construção da conceitualização do termo neste documento.
O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente
por meio de textos. Assim, pode-se afirmar que o texto é
produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um
todo significativo e acabado, qualquer que seja sua extensão. É
uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações
que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse
conjunto de relações tem sido chamado de textualidade. Dessa
forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido
como unidade significativa global, quando possui textualidade.
Caso contrário não passa de um amontoado aleatório de
enunciados (MEC, 2001, p. 25-26).

Já aqui percebemos dois pontos importantes a serem


tratados por nós neste texto, sendo (i) o discurso é manifestado
por meio de textos e (ii) sem textualidade, os enunciados não
tem sentido e, por conta disto, focamos nos textos escritos, pois,
grosso modo, é mais provável que um texto oral seja incoerente a
incoeso (KOCH e ELIAS, 2014).
SUMÁRIO

196
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Entramos, pois, em um terreno complexo, pois é sabido que a


escrita tem sido um problema no ensino de língua portuguesa, como é
sinalizado nos próprios PCN ao afirmar que
a dificuldade dos alunos universitários em compreender os
textos propostos para a leitura e organizar as ideias por escrito
de forma legível levou as universidades a trocar os testes
de múltipla escolha dos exames vestibulares por questões
dissertativas e a não só aumentar o peso da prova de redação na
nota final como também a dar-lhe um tratamento praticamente
eliminatório. (MEC, 2001, p. 19).

Esta afirmação nos faz pensar que a escrita, talvez mais do que
a leitura, seja o grande problema do ensino de língua portuguesa no
Brasil, pois os alunos aprendem a ler e, em grande parte, não a ler
mecanicamente, mas a interpretar textos, tendo grande dificuldade
na escrita (ELIAS, 2011), o que chega a estágios avançados na vida
estudantil, como é o caso de alunos universitários com grande déficit
de escrita (MICOTTI, 2009).

Tal problema reside dentre outras coisas ao fato de que os alunos


acreditam serem incapazes de produzir textos escritos e recusam a ideia
de que a escrita “representa graficamente a linguagem” (MEC, 2001, p.
21) e, dentre outros fatores, deixam de se esforçar na prática escrita,
mas não se pode deixar de buscar soluções para este problema que
perdura até os dias atuais, uma vez que “ser um usuário competente da
escrita é, cada vez mais, condição para a efetiva participação social”
(MEC, 2001, p. 22).

Com vistas a oferecer um panorama da realidade enfrentada


no ensino regular de língua portuguesa no Ensino Fundamental,
passaremos a um pequeno relato de experiência do ensino da
forma escrita em turmas dos anos finais em uma escola da rede
pública de ensino.

SUMÁRIO

197
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

O ENSINO DA PRODUÇÃO TEXTUAL

Tratamos, nesta seção, sobre como a língua portuguesa é


trabalhada no estado do Ceará, especificamente no município de
Russas, uma vez que, em geral, nos municípios deste estado, seguimos
o Plano Estruturante da Secretaria de Educação (SEDUC – CE), sendo
feitas as adaptações necessárias à realidade de cada cidade.

De acordo com a proposta de ensino da SEDUC – CE, levando


em consideração que no Ensino Fundamental II há 05 (cinco) horas/aula
por semana para Língua Portuguesa, 02 (duas) horas devem ser
voltadas para o ensino da leitura e oralidade, 02 (duas) horas para o
ensino/prática de produção textual e 01 (uma) hora para as atividades
e conceitualizações de análise linguística/gramática.

Entretanto, como a carga horária das disciplinas podem ser


adaptadas à realidade de cada município, em Russas – CE, como
os professores efetivos têm 20 ou 40 horas/aulas semanais, a
programação de aula de língua portuguesa teve uma pequena alteração
sendo mantidas as 02 (duas) horas voltadas para o ensino da leitura e
oralidade, 02 (duas) horas para as atividades e conceitualizações de
análise linguística/gramática e 01 (uma) hora para o ensino/prática de
produção textual.

No chamado Plano Estruturante, é proposto como deve ser


trabalhada a língua portuguesa a partir da quantidade semanal de
horas/aula e, assim, adaptar de maneira que melhor atenda ao que
fora proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais para que depois
o aprendizado possa ser mensurado a partir de avaliações externas
como o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do
Ceará (SPAECE) e o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB).

SUMÁRIO

198
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Levando em consideração estes fatos, exporemos a realidade


do ensino de língua portuguesa nas turmas de 9º ano do Ensino
Fundamental II da Escola Municipal Manuelito Maia Meireles em
Russas – CE, escola onde trabalhamos desde o início do ano de 2019,
nas séries na qual lecionamos desde 2017 quando entramos para o
quadro de funcionários efetivos deste município.

Os alunos do 9º ano, última série do Ensino Fundamental,


deveriam ser capazes de reconhecer e de produzir gêneros textuais
das mais diversas esferas, desde textos cotidianos como bilhetes
até textos jornalísticos como o editorial e/ou opinativos como a
dissertação, além de se esperar que estes alunos fossem capazes
de transitar nas variedades linguísticas e tivessem conhecimentos
da norma-padrão de maneira que pudessem escrever textos nesta
variedade com segurança.

A fim de mostrar a realidade destas turmas, selecionamos 03


(três) pontos importantes que merecem reflexão quando do trabalho
de produção textual, sendo eles: (i) a adequação vocabular de acordo
com a variante linguística do gênero ou tipo de texto em estudo, (ii) a
escrita das palavras em consonância ao acordo ortográfico vigente e
(iii) a capacidade de adequação ao gênero textual estudado/praticado.

No que diz respeito a (i), podemos afirmar que, em geral, os


alunos, durante e ao final do 9º ano não são capazes de transitar
entre as variantes linguísticas para produzir textos, pois têm domínio
da forma coloquial, mas quase desconhecem as variantes regionais,
técnicas e formal da língua portuguesa.

Em geral, mesmo em atividades de reconhecimento sem


produção, os alunos desta série não conseguem distinguir a variante
linguística empregada nos textos, o que aponta para o fato de serem
quase incapazes de produzir textos que não sejam de linguagem
SUMÁRIO

199
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

informal (VERAS-LIMA, 2019) e este ponto recai diretamente em (iii),


como veremos mais adiante.

Com relação a (ii), adentramos em um problema que pode


ser ainda mais grave do que (i), pois desde a tenra infância, os
alunos fazem atividades ligadas à correta escrita das palavras em
língua portuguesa.

Desde muito cedo, os aprendizes são convidados a fazer


atividades para o reconhecimento de quais letras representam
os sons e quais são os casos específicos de uso, além de ser
costumeiro que se façam atividades de ditado e correção assim
como atividades de cópia de textos a fim de que a escrita seja fixada
na memória de cada um.

Porém, mesmo com mais de 10 (dez) anos de escola e


aulas de língua portuguesa, os alunos do 9º ano ainda mostram
dificuldades ortográficas, sobretudo em palavras que iniciam com a
letra h, as possíveis grafias do som /s/ e, sobretudo, problemas com
acentuação gráfica.

Além da questão de como grafar o som /s/, muitos alunos têm


dificuldades em saber quando usar e ou i e o ou u no final de palavras,
não respeitam o uso de m e n quando não iniciam sílabas, dentre
outros problemas ortográficos.

Ainda no tocante à grafia do texto, é necessário que se alerte para


o fato de que a grande maioria dos alunos do 9º ano desconhecem
o uso de letras maiúsculas quando não em nomes próprios, visto que
a grande maioria não inicia parágrafos com este tipo de letra. Além
disso, muitos dos alunos não fazem o espaçamento necessário para
paragrafar e, em muitos casos, desconhecem a estrutura do texto,
fazendo um único parágrafo para o texto inteiro, independente da
quantidade de linhas escritas, o chamado monobloco.
SUMÁRIO

200
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

No que diz respeito a (iii), é preciso levar em consideração que,


de acordo com os PCN, os alunos devem ter contato com o maior
número possível de gêneros textuais ao longo de cada ano letivo e
que eles devem reconhecer a forma, o estilo e a variante linguística que
cada gênero exige por natureza e, assim, mostrar-se um bom escritor.
Um escritor competente é alguém que, ao produzir um
discurso, conhecendo possibilidades que estão postas
culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso
se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus
objetivos e à circunstância enunciativa em questão. (…)
Um escritor competente é alguém que planeja o discurso e
consequentemente o texto em função do seu objetivo e do
leitor a que se destina, sem desconsiderar as características
específicas do gênero. (…) Um escritor competente é,
também, capaz de olhar para o próprio texto como um objeto
e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou
incompleto. Ou seja: é capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até
considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um leitor
competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos
quando precisa utilizar fontes escritas para a sua própria
produção. (MEC, 2001, p. 65-66).

Vemos, portanto, que o conceito de escritor vai totalmente


na contramão do que os alunos costumam ser e fazer em sala de
aula, pois espera-se, de acordo com os PCN, que o bom escritor
seja também um bom leitor e este conceito está diretamente atrelado
ao fato de ler diversos tipos de textos e ser capaz de interpretá-los,
independentemente do tamanho do texto.

Em geral, os alunos do 9º ano demonstram preconceito com


leituras mais extensas, o que pode ser um reflexo de sua incapacidade
de ler com atenção e/ou a preguiça de realizar tarefas que exigem
maior esforço cognitivo e, em contrapartida, são os mesmos alunos
que não se sentem seguros em produzir textos.

SUMÁRIO

201
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Levando em consideração a aplicação de sequências didáticas


em aulas de produção textual conforme proposto por Dolz e Schneuly
(2004), deve-se apresentar gêneros textuais aos quais os alunos têm
algum tipo de contato até àqueles aos quais estão mais distante de
suas realidades, mas ajudá-los a interpretar os textos, reconhecer
forma e estilo de escrita de cada gênero para, finalmente, serem
capazes de produzi-los, corrigi-los e lançá-los na esfera social para
que, enfim, atinjam seus leitores.

Contudo, deparamo-nos com alguns problemas para que estas


sequências didáticas sejam cumpridas não apenas de forma eficaz,
mas de forma qualitativa e para que seja, de fato, internalizado nos
alunos, pois percebemos que com a grande gama de gêneros aos
quais os alunos são postos em contato servem para que eles passem
a interpretar melhor os textos, mas eles não são capazes de produzi-los
porque, geralmente, desconhecem as formas características de cada
gênero e, muito menos, dominam o seu estilo que está mais voltado
para (i), o vocabulário utilizado a depender da variante linguística
predominante no gênero textual.

Além disso, não podemos esperar que os alunos do Ensino


Fundamental II sejam bons escritores se eles deveriam criar textos
para leitores hipotéticos, sempre prevendo que alguém leria os seus
textos e, por conta disto, tendo a preocupação não somente com a
escrita, mas com a correção e reescrita para ver os problemas que
seus textos poderiam gerar nos leitores, o que raramente é feito por
estes aprendizes.

O fato é que, de acordo com o que se prevê na aplicação


de uma sequência didática (DOLZ e SCHNEULY, 2004), o tempo
de aula previsto na carga horária do município de Russas – CE, 01
(uma) hora/aula por semana, não pode dar conta de fazer emergir em
nossos alunos um bom escritor e não somente por conta do tempo,
SUMÁRIO mas também e, principalmente, pela falta de consciência dos alunos

202
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

em fazer da atividade de produção textual uma ferramenta para o uso


em seus cotidianos.

Com relação ao tempo de aula, acreditamos que sempre haverá


prejuízo por um lado ou por outro, pois se levarmos em consideração o
tempo proposto pela SEDUC – CE para as aulas de produção textual (02
horas/aulas semanais) e de análise linguística/gramática (01 hora/aula
semanal) ou como é proposto pela Secretaria Municipal de Educação
de Russas, onde foram adaptadas a quantidade de aulas de produção
textual e de análise linguística, os alunos não atingirão competência
linguística necessária para serem bons escritores antes de mais nada
pelo uso da variante linguística, pois muito se fala nos documentos
oficiais sobre a leitura e a produção estarem diretamente ligadas, mas
pouco se fala sobre como o conhecimento das normas gramaticais
está atrelado à produção do texto e à segurança dos alunos quando
da leitura/correção do texto.

O fato é que, ao levarmos em consideração o quadro atual das


aulas de produção textual no ensino municipal de Russas – CE a partir
da realidade dos alunos do 9º ano da Escola Municipal Manuelito Maia
Meireles, sabemos que não formamos, no Ensino Fundamental II,
alunos capazes de produzirem bons textos e de serem bons escritores
pois, além de não serem bons leitores, são incapazes de projetar os
leitores hipotéticos de seus textos para, assim, verem sentido em
atividades de correção e reescrita.

De todo modo, acreditamos que esta realidade de nossas


turmas não está distante da realidade de muitos de professores tanto
da rede pública quanto privada, além de sabemos que isso é reflexo
da política linguística atualmente defendida no Brasil e nos resta
buscar medidas de melhorar este quadro alarmante no qual alunos
com mais de 10 (dez) anos de escolaridade não são bons escritores
em suas próprias línguas.
SUMÁRIO

203
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As aulas de língua portuguesa no Ensino Fundamental trazem


um grande desafio aos professores que precisam, em 05 horas/aulas
semanais, no Ceará, ensinar quatro nuances distintas da língua: leitura,
oralidade, produção e análise linguística.

Dentre as quatro nuances supracitadas, duas fazem com que


o aprendizado dos alunos esbarre e, de certa forma, dentro de nosso
contexto de ensino, não avance de maneira satisfatória: a produção
textual e a análise linguística.

Mesmo nos anos finais do Ensino Fundamental II, os alunos


geralmente não conseguem transitar entre variedades linguísticas e os
vocabulários específicos que tornam o texto em determinado gênero
mais usual em uma esfera social e, comumente, sequer são capazes
de imaginar um leitor a quem seu texto seja dirigido, o que daria razão
a atividades de revisão e reescrita.

Esbarra-se, portanto, em concepções de bom escritor conforme


previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2001) e vê-se
que os alunos tendem a terminar o Ensino Fundamental com grande
defasagem no uso da língua, sobretudo quando é preciso mostrar
domínio da norma-padrão, ficando a cargo dos 03 (três) anos do Ensino
Médio o dever de recuperar alunos despreparados para avaliações de
longa escala como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ao final
do 3º ano do Ensino Médio.

Esperando encontrar soluções para problemas como este, o


Ministério da Educação divulgou em 2017 a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) com vistas a ser o documento que norteará o ensino
público e privado no Brasil a partir de 2020 e, assim, é esperado que
SUMÁRIO

204
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

este documento substitua os Parâmetros Curriculares Nacionais que


foram divulgados em 1998.

Entretanto, a concepção de como deve ser feito o ensino de


produção textual ainda é bastante vago e, mesmo com as mudanças
previstas, não há menções sobre o como fazer, somente o assunto a
fazer e, assim, não se sabe ao certo o futuro destas aulas.

Grosso modo, o texto da BNCC revisita os conceitos dos PCN


em suas definições e reutiliza-os a fim de cumprir os objetivos mais
atuais sendo, ainda, o conceito de bom escritor mantido, mesmo que
este termo não seja mais usado, uma vez que no documento é dito que
“o Eixo da Produção de Textos compreende as práticas de linguagem
relacionadas à interação e à autoria (individual ou coletiva) do texto
escrito, oral e multissemiótico, com diferentes finalidades e projetos
enunciativos” (MEC, 2018, p. 74).

O que indica ainda uma reedição do que fora proposto nos


PCN é o fato de, na BNCC, ser esperado que, por meio da produção
textual, os alunos sejam capazes de refletir sobre “as condições de
produção dos textos que regem a circulação de diferentes gêneros
nas diferentes mídias e campos de atividade humana”, ser capaz de
criar “dialogia de relação entre textos”, buscar maneiras de deixar
a temática de seus textos mais ricos e argumentativos ao ponto de
levar o leitor a reflexões e dominar o mecanismo coesão/coerência a
partir dos conhecimentos da língua necessários para a “construção
da textualidade” (MEC, 2018, p. 75).

Além disto, ainda consta no tópico nomeado de Competências


específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental um ponto
contundente sobre o que é esperado dos alunos com relação à escrita
ao ser afirmado que é necessário fazer o aprendiz
apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma
SUMÁRIO de interação nos diferentes campos de atuação da vida social

205
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da


cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares)
e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida
social. (MEC, 2018, p.85).

Além disso, é fato que, ao longo do documento supracitado,


fica claro que as aulas de produção textual devem levar os alunos a
ter contato com o maior número de gêneros possíveis de cada esfera
social estudada em determinada série e que, assim, por meio de
sequências didáticas, possam produzir textos socialmente relevantes.

Uma vez analisadas tais premissas que ditam o futuro das aulas
de língua portuguesa, fica-nos uma dúvida: como podemos chegar ao
ensino efetivo da escrita?

Temos, no Brasil, ao menos dois documentos que ditam este


modo de fazer, os Parâmetros Curriculares Nacionais, implementados
em 1998, e a Base Nacional Comum Curricular, implementada em 2018, 20
anos depois de uma tentativa que não teve seus objetivos concretizados.

No texto mais recente, tem-se mudanças sobre o ensino de


Leitura, de Oralidade, de Análise Linguística, mas, de maneira geral,
Produção Textual parece ser mais do mesmo: colocar o aluno em
contato com diversos gêneros, ajudá-lo a produzir textos do gênero
estudado imaginando um leitor ideal para seu texto e, a partir desta
ótica, ser capaz de corrigir e reescrever seu texto de forma a deixá-lo
mais claro e objetivo.

É sabido das dificuldades que os alunos têm de escrever


e da recusa da grande maioria, o que nos leva a uma primeira
indagação: como podemos trabalhar produção com alunos que
se recusam a produzir?

Posteriormente há questionamentos como: se não há texto


produzido, como trabalhar na correção de problemas ortográficos
SUMÁRIO

206
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

e gramaticais? Além disso, como é possível corrigir textos como


dissertações quando os alunos sequer conhecem a norma-padrão e
fazem uso quase que totalmente de formas coloquiais em textos nos
quais não cabem esta variante? E como trabalhar a produção textual
em 01 (uma) ou 02 (duas) horas/aulas por semana quando a tarefa
de escrever requer conhecimento e reflexões que demandam não
somente tempo, mas esforço intelectual?

Questões como estas servem para ilustrar o insucesso do ensino


da escrita nas aulas de língua portuguesa no Ensino Fundamental, pois
se os alunos do 9º ano, a última série deste ciclo, são incapazes de
produzir textos na norma-padrão e recusam-se a atividades deste tipo,
quem dirá o que ocorre nas séries anteriores.

Seria interessante que novos textos mostrassem a realidade das


aulas de produção textual sem o ideal utópico que nós, professores
de Português, fazemos de algumas turmas que podem destoar do
geral e, assim, pudéssemos nos ajudar na busca de soluções para um
problema cheio de soluções teóricas, mas que, na prática, continua
sem resolução, afinal de contas: por que nossos alunos geralmente
são tão ruins na produção de textos?

REFERÊNCIAS
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª Edição Revista e
Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria da Educação Fundamental
(SEB). Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. 3. ed.
Brasília: MEC/SEB, 2001.
_______. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica (SEB). Base
Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília:
MEC/SEB, 2017.
SUMÁRIO

207
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernand. Gêneros orais e escritos na escola.


Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.
ELIAS, Vanda Maria. Ensino de língua portuguesa. São Paulo: Editora
Contexto, 2011.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos
do texto. 8ª imp. São Paulo: Contexto, 2013.
_______. A coesão textual. 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014.
KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes
temas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015.
LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea. Editora Cultrix, 1999.
LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.
MICOTTI, Maria Cecília de Oliveira. Leitura e escrita: como aprender com êxito
por meio de pedagogia por projetos. São Paulo: Contexto, 2009.
OLIVEIRA, Maria Helena Cozzolino de; MONTEIRO, Conceição Perkles.
Didática da linguagem: como aprender, como ensinar. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 1990.
PERINI, Mário Alberto. Gramática descritiva do português brasileiro. Editora
Vozes Limitada, 2017.
REGO, Marion Villas Boas Sá. A teoria na prática é outra. Rio de Janeiro: Ao
Livro Técnico, 1992.
VERAS-LIMA, Alisson Hudson. O ensino de língua portuguesa no Ensino
Fundamental II – uma discussão pautada em resultados de avaliações.
IN: SILVEIRA, Ederson Luis; SANTANA, Wilder Kleber Fernandes de.
Educação: ressonâncias teóricas e práticas. Volume 1. São Carlos: Pedro
e João Editores, 2019.

SUMÁRIO

208
11
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 11

ENSINO DE LIBRAS NAS ESCOLAS


MUNICIPAIS DE GOIÂNIA

Karime Chaibue
Karime Chaibue
Núbia Flávia Oliveira Mendes
Núbia Flávia Oliveira Mendes
Weber Flávio Oliveira Mendes
Weber Flávio Oliveira Mendes

ENSINO
DE LIBRAS
NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS
DE GOIÂNIA
SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.209-230 209


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
Este trabalho tem como objetivo explanar acerca do ensino de Libras na Rede
Municipal de Educação (RME) de Goiânia. Para isso, houve uma explanação
acerca de documentos nacionais que regulamentam o ensino de Libras nas
escolas regulares e de estudos que revelam a importância desta prática. As
informações sobre como o ensino de Libras está ocorrendo na RME de Goiânia
foram obtidas mediante a consulta de recursos midiáticos e entrevista com
profissionais. Foi identificado que a responsabilidade desse ensino recai aos
profissionais Tradutores e Intérpretes de Libras, os quais recebem a titulação de
professores para que, além de intermediarem a comunicação entre ouvintes e
surdos, ensinam também a Libras na escola, sendo que na maioria dos casos,
não possuem formação específica tal função como determina a legislação.

Palavras-chave:
Ensino; Libras; Rede Municipal de Educação de Goiânia.
SUMÁRIO

210
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Atualmente, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é segunda


língua mais falada no Brasil. No entanto, sendo a língua natural dos
surdos, configura-se em sua primeira língua (L1). Geralmente a
maioria dos surdos nasce no ambiente familiar em que os pais são
ouvintes e que desconhecem a necessidade linguística de seus filhos,
quanto menos, sabem sobre sua Cultura. Assim, a realidade de seus
filhos é imposta a uma prática de mundo que não os contemplam
satisfatoriamente, a começar pela língua oficial do seu país e usual
dos seus familiares: “A língua portuguesa não será a língua que
acionará naturalmente o dispositivo devido, à falta de audição da
criança. Essa criança até poderá vir adquirir essa língua, mas nunca
de forma natural e espontânea, como ocorre com a língua de sinais.”
(QUADROS, 1997, p. 27).

Por desconhecimento e/ou herança ouvintista10, esses pais


tendem a envolver seus filhos em contextos de mundo que não faz
parte de sua língua e Cultura. Além de os surdos enfrentarem essas
experiências no ambiente familiar, se deparam também com essa
realidade no contexto escolar. Muitas vezes, as práticas educacionais
advêm de hábitos ouvintistas, sendo então necessário haver articulações
dos próprios surdos para comprovação de que o ensino ideal para a
educação de surdos se difere das idealizadas pelos ouvintes.

As legislações nacionais, apresentadas a seguir no embasamento


teórico, tratam a Libras como L1 dos surdos, os documentos orientam
como deve se dar o processo de ensino nas escolas regulares, em
geral. Porém, o norteamento para o ensino e aprendizagem voltado

10 “controle da sociedade, o que os ouvintes visam sobre a surdez, a falta de acessibilidade, o


conviver com colegas que não sabem Libras, a falta de intérpretes em diferentes situações
SUMÁRIO do cotidiano, as barreiras na comunicação com as famílias ouvintes, entre outras temáticas”
(MARTINS; KLEIN, 2012, p. 1).

211
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

aos surdos ainda não estão claras. Para que todos os surdos tenham
acesso linguístico em todos os âmbitos, diretamente em sua língua,
a sociedade brasileira deve utilizar a Libras em seu cotidiano. Nesse
sentido, é imprescindível a implementação do ensino de Libras nas
escolas, desde a educação infantil ao ensino superior. 

Na capital de Goiás, em Goiânia, o ensino de Libras já acontece


nas escolas municipais. O objetivo da proposta de ensino da língua
é que os educandos surdos se socializem com demais pessoas
ouvintes que compõem as instituições de ensino. O pré-requisito
para que esse ensino aconteça é que tenha pelo menos um discente
surdo no ambiente escolar. Contudo, essa responsabilidade tem
recaído aos profissionais que não são necessariamente licenciados
em Libras, são os Intérpretes de Libras, concursados e empossados
para a função de interpretar.

Diante do exposto, este artigo tem como objetivo explanar acerca


do ensino de Libras Rede Municipal de Educação (RME) de Goiânia. A
primeira seção expõe sobre documentos nacionais que regulamentam
o ensino de Libras nas escolas regulares. A segunda seção apresenta
fontes que revelam a importância desta prática. Em seguida, serão
expostas informações de como está ocorrendo esse processo na RME
Goiânia. Tais informações foram obtidas mediante a consulta de recursos
midiáticos e entrevista com profissionais da RME. Na sequência, são
apresentadas as considerações finais e as referências.

AS DIRETRIZES DO ENSINO DE LIBRAS


NOS DOCUMENTOS LEGAIS

A Libras é reconhecida pela Lei nº 10. 436 que a define da


seguinte forma:
SUMÁRIO

212
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma


de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico
de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
(BRASIL, 2002, art.1º, parágrafo único).

O trecho supracitado reconhece a especificidade linguística


da Libras e expõe seu status de língua natural dos surdos brasileiros.
Devido à modalidade visuoespacial11, a Libras é percebida pela visão
e produzida pelos movimentos do corpo, principalmente os das mãos.
Ao contrário da língua oficial do País, a Língua Portuguesa, que é
percebida pela audição e produzida pelos canais orais. 

O fato da Libras ser a língua utilizada pelas pessoas surdas


brasileiras torna esta a segunda língua mais falada no Brasil, pois
de acordo com os dados do último censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE12), há quase 10 milhões de pessoas
com deficiência auditiva13, sendo que dentre este número, 2.143.173
possuem deficiência auditiva severa.

Uma língua que é utilizada em situações comunicativas do


cotidiano brasileiro por um número significativo da população deveria
também ter seu ensino bastante abrangente e garantido legalmente,
a fim de proporcionar uma maior acessibilidade dessas pessoas. No
entanto, apesar do art. 2º da Lei nº 10. 436 mencionar o apoio ao uso
e a difusão da Libras, a obrigatoriedade do seu ensino existe apenas
para os cursos de formação de professores (em nível médio e superior)
e de Fonoaudiologia.

11 Os termos “visual-motora” e “visuoespacial” são equivalentes, sendo o último mais


utilizado atualmente.
12 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/apps/snig/v1/?loc=0&cat=-1,-2,-3,128&ind=4648>.
Acesso em 21 de junho de 2019.
13 O IBGE trata a falta de prestígio de audição como “deficiência auditiva severa”. Contudo,
SUMÁRIO culturalmente estes sujeitos são tratamos como surdos. Da mesma forma, serão tratados
neste artigo.

213
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002) é regulamentada pelo Decreto


nº 5.626 (BRASIL, 2005), o qual possui nove capítulos, sendo um deles
sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular e outro sobre a 
garantia do direito à educação das pessoas surdas.

Sobre a inclusão da Libras na grade curricular, a obrigatoriedade


é a mesma contida na Lei nº 10.436, ou seja, obrigatória nos cursos
de formação de professores e Fonoaudiologia. Entretanto, o decreto
menciona que a disciplina de Libras deverá ser optativa nos demais
cursos superiores e de educação profissional (BRASIL, 2005, inciso 2º). 

A respeito da garantia do direito à educação das pessoas


surdas, contém a opção de o surdo frequentar sala ou escola bilíngue
de ensino, onde os professores sejam bilíngues e a instituição esteja
aberta a receber alunos surdos e ouvintes. Outra opção contida é
de o surdo frequentar escolas regulares de ensino com a presença
de docentes cientes da especificidade linguística dos educandos
surdos e de Tradutores/Intérpretes de Libras /Língua Portuguesa.
A definição sobre educação bilíngue contida no decreto é a que “a
Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas
de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo
educativo” (BRASIL, 2005).

Posteriormente, surge a Lei nº 13.146, conhecida popularmente


como a “Lei de Inclusão”, a qual além de apontar a oferta da educação
bilíngue para surdos, da mesma forma que o decreto supracitado,
responsabiliza o poder público para o ensino de Libras “de forma
a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo
sua autonomia e participação” (BRASIL, 2015). Todavia, não há
especificações sobre este ensino, como por exemplo, público alvo e
carga horária, entre outras informações.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é definida


SUMÁRIO como um documento “orientado pelos princípios éticos, políticos e

214
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

estéticos que visam à formação humana integral e à construção de


uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2018, p. 5,
grifo nosso), apresentando como uma das competências gerais da
educação básica, a utilização de diferentes linguagens verbais, sendo
de modalidade oral ou visuoespacial, citando assim a Libras como
exemplificação desta última modalidade. 

A BNCC apresenta ainda a importância dos diferentes tipos de


linguagens para a formação de conhecimentos e valores, bem como
subsídio para as interações sociais. No entanto, no documento, não há
menção da Libras como componente curricular da educação básica,
sendo citada como itinerários formativos, os quais são definidos como
opções de escolha dos estudantes. 

Conforme exposto, as diretrizes sobre o ensino de Libras são


bastante sucintas nos documentos tanto da educação como na
legislação específica da língua. Não há obrigatoriedade para o ensino
desta língua na educação básica, apesar de ser apontada de forma
breve sua importância para o processo socioeducativo. 

Sobre a educação de surdos, se o uso da Libras e da Língua


Portuguesa escrita devem estar presentes no processo pedagógico
para que assim seja uma educação bilíngue de fato, quais seriam
então as implicações do ensino de Libras nas escolas onde há alunos
surdos? Como é a relação dos integrantes desta escola com as duas
línguas em uso e quais as consequências vivenciadas pelo surdo
diante do contexto atual? 

SUMÁRIO

215
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

AS IMPLICAÇÕES DO ENSINO DE LIBRAS


NAS ESCOLAS E O BILINGUISMO

Ao tomar como referência a definição supracitada de educação


bilíngue para surdos encontrada no Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005)
pode parecer algo bastante simples a sua efetivação. Com a vigência
da política educacional inclusiva, os surdos estão matriculados em
escolas regulares de ensino, onde legalmente contam com a presença
de professores “cientes de sua especificidade linguística” e um
tradutor/intérprete de Libras/Língua Portuguesa, logo teriam acesso às
duas línguas em todo seu processo de ensino educativo. Entretanto,
o acesso às referidas línguas, denominado bilinguismo, é mais
complexo do que pode parecer, devido a algumas questões expostas
com propriedade por Quadros (2005):
Se não fosse a diferença na modalidade, todos teriam
tranquilidade em reconhecer as pessoas surdas enquanto
bilíngues. Elas nascem no Brasil e, portanto, falariam a
língua portuguesa. Convivem com surdos, portanto, usam a
língua de sinais brasileira. No entanto, não é dessa forma que
caracterizamos a situação bilíngue dos surdos brasileiros,
se é que podemos considerá-los genericamente com este
status. Vários aspectos devem ser considerados no caso
específico dos surdos: 

a) a modalidade das línguas: visual-espacial e oral-auditiva; 

b) surdos filhos de pais ouvintes: os pais não conhecem a língua


de sinais brasileira; 

c) o contexto de aquisição da língua de sinais: um contexto


atípico, uma vez que a língua é adquirida tardiamente, mas,
mesmo assim tem status de L1; 

d) A língua portuguesa representa uma ameaça para os surdos; 

SUMÁRIO

216
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

e) A idealização institucional do status bilíngue para os surdos:


as políticas públicas determinam que os surdos “devem”
aprender português; 

f) os surdos querem aprender na língua de sinais; 

g) revisão do status do português pelos próprios surdos:


reconstrução de um significado social a partir dos próprios
surdos. (QUADROS, 2005, p. 29).

O bilinguismo que de início é visto como um direito conquistado,


também pode ser interpretado como um “dever”, pois a mesma
legislação que reconhece a Libras como a língua utilizada para a
comunicação dos surdos brasileiros apresenta uma supremacia da
Língua Portuguesa ao afirmar que: “A Língua Brasileira de Sinais - Libras
não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.”
(BRASIL, 2002, art. 4º, parágrafo único).

A legislação garante ao surdo o direito de se expressar


verbalmente14 na Libras, bem como ter acesso nesta língua às
informações que são expressas oralmente na Língua Portuguesa
mediante a atuação do profissional intérprete, no entanto, a escrita
da Língua Portuguesa é obrigatória. Tal obrigação justifica o termo
“ameaça” utilizado por Quadros (2005). 

A problemática não está em si no bilinguismo, pois a mesma


autora afirmou anteriormente que a educação bilíngue é a proposta
mais adequada para a criança surda. A proposta bilíngue deve então
assegurar uma aquisição natural da Libras pelas crianças surdas
mediante o seu uso espontâneo, partindo então para o ensino da
Língua Portuguesa escrita, bem como os demais conteúdos escolares.
(QUADROS, 1997).

14 O uso de “verbalmente” é cabível no contexto da comunicação de surdos, tendo como


SUMÁRIO referência o significado de expressar por palavras ou sinais, extrapolando ao atrelamento
de verbal à comunicação exclusivamente por vias sonoras.

217
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quadros (2005) aponta aspectos existentes no contexto dos


surdos no Brasil que refletem as limitações impostas à efetivação do
bilinguismo de fato. O fato de a maioria dos surdos brasileiros serem
filhos de pais ouvintes ocasiona uma dificuldade na comunicação
familiar, pois geralmente os pais não possuem um bom domínio
da Libras e nem conhecimento sobre Cultura Surda, ocasionando
prejuízos ao desenvolvimento da criança surda em comparação à
criança ouvinte. O processo de aprendizado da língua e adaptação
com a chegada de um filho “diferente” requer tempo para a família,
privando os surdos de muitas experiências vividas pelos ouvintes,
inclusive um vasto vocabulário anterior ao ingresso à escola. 

Apesar da Libras  ser considerada a primeira língua (L1) do surdo,


geralmente não é utilizada naturalmente no seu cotidiano e ao ingressar
na escola, esta língua passa a ser interpretada simultaneamente na
rotina escolar sem que o aluno ainda a domine. O ensino da Libras
na maioria das vezes acontece no horário contrário à escolarização
do aluno surdo, bem como da Língua Portuguesa pois conforme
afirma Fernandes (2006, p. 6): “a maioria dos encaminhamentos
metodológicos envolvendo alunos surdos utiliza-se dos mesmos
recursos e estratégias realizadas na alfabetização de crianças e jovens
não-surdos, pressupondo a oralidade como requisito fundamental ao
domínio da escrita.”

A privação auditiva impossibilita que o surdo tenha uma aquisição


natural da Língua Portuguesa, sendo seu acesso exclusivamente por
contato visual, vivendo numa sociedade majoritariamente ouvinte.
A complexidade da realidade do surdo acarreta uma situação
que pode denominá-lo como “estrangeiro no próprio país”, pois
“mesmo nascendo no Brasil e compartilhando aspectos culturais que
constroem a identidade nacional, não aprendem a língua pátria como
língua materna, tal como acontece com a maioria dos brasileiros.”
SUMÁRIO (FERNANDES, 2006, p. 5).

218
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quadros (2005) mostra que as complicações na questão


linguística do surdo no modelo vigente inclusivo de educação tende a
rotulá-lo como incapaz pelo fato de sua especificidade com relação ao
aprendizado da Língua Portuguesa, desvalorizando não apenas a sua
língua (Libras) como a sua forma particular de percepção de mundo.
A falta de conhecimento da singularidade linguística do aluno surdo
por parte dos professores é um dos fatores que colabora para que
haja tal rotulação. Infelizmente tal desconhecimento é uma realidade
constatada em muitas pesquisas conforme exposto por Stumpf (2009): 
As pesquisas publicadas, Góes, Quadros, Souza, Machado
e muitas outras, mostram que no conjunto das propostas de
Educação Bilíngue, em curso nas escolas regulares brasileiras,
muito poucas mostram ter noção da diferença linguístico-
cultural dos surdos e quando o fazem, a única preocupação
que se manifesta é com a ausência de intérpretes. Mostram
também que os resultados para os surdos não estão bons.
(STUMPF, 2009, p. 437).

Conforme já exposto na seção anterior, a prática de ensino de


Libras carece de mais diretrizes a fim de colaborar para a efetivação de
uma educação de fato bilíngue para os surdos. A disciplina de Libras
apesar ser obrigatória para os cursos de formação de professores, não
há muitas orientações na sua legislação específica acerca da forma
como deve ser realizada. Os cursos de Letras Libras (licenciatura
ou bacharelado), Pedagogia Bilíngue e  Língua de Sinais Brasileira/
Português como Segunda Língua, por serem cursos voltados para o
ensino da Libras, educação de surdos, ou interpretação, possuem em
sua grade curricular diversas disciplinas específicas da área de Libras.
Entretanto, com exceção do curso de Letras com habilitação em Língua
Portuguesa, as demais licenciaturas (incluindo Letras com habilitação

SUMÁRIO

219
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

em Línguas Estrangeiras15) possuem apenas uma disciplina de uma


média de 30 a 80 horas em sua grade curricular16. 

Se existe a carência de diretrizes para o ensino de Libras nos


cursos superiores de formação de professores, nos quais possui a
obrigatoriedade legal, a carência se torna mais acentuada na educação
básica, onde os alunos surdos estão matriculados. Tal carência é
existente nas escolas inclusivas brasileiras por pesquisadores de
educação bilíngue, os quais ressaltam o impacto do ensino de Libras
para o desenvolvimento do aluno surdo. 

Quadros (1997) discorre em seu trabalho sobre a eficácia


da escola bilíngue para surdos na Suécia, local em que o surdo
tem acesso desde os primeiros anos à língua de sinais de forma
espontânea e sendo que esta língua é o principal meio para o ensino
escolar. O ensino da língua de sinais faz realmente parte do currículo
escolar sueco. A autora defende que uma das medidas que deve ser
urgentemente inserida nas escolas brasileiras bilíngue é a aplicação
de programas de ensino de Libras para alunos, pais e profissionais. 

Além do apontamento mencionado anteriormente por Stumpf


(2009) sobre a exclusiva preocupação da contratação de intérpretes,
a autora pôde constatar em sua pesquisa um isolamento vivenciado
pelo surdo na escola brasileira e a ineficácia do currículo escolar

15 Os cursos de Letras com habilitação em Língua Portuguesa costumam ter em sua grade
curricular uma disciplina de Libras e outra de ensino de Língua Portuguesa para surdos.
Tais informações podem ser encontradas em diversos sites de instituições de ensino,
como por exemplo: <https://le.letras.ufg.br/>; <http://cursos.ifg.edu.br/info/lic/lic-letras/
CP-GOIANIA>. Acesso em 04 de julho de 2019.
16 Grande parte das grades curriculares consta carga horária de 64 horas para a disciplina
de Libras, mas foi encontrado também carga horária bem inferior, como por exemplo na
Universidade Federal de Uberlândia que é de 30 horas: <http://www.portal.famat.ufu.br/sites/
famat.ufu.br/files/Anexos/Bookpage/grade%20curricular%20da%20licenciatura.pdf> e carga
horária de 80h no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFG): <http://
SUMÁRIO www.ifb.edu.br/attachments/article/1691/PPC%20CursoTecnico%20Subsequente%20em%20
Eventos%20-%20IFB%20CBRA.pdf>. Acesso em 04 de julho de 2019.

220
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

perante suas necessidades particulares, sendo sua história e


identidade ignoradas. 

Stumpf (2009) defende que para garantir o bilinguismo ao


aluno surdo, as línguas oficiais do país (oral e de sinais) devem ser
trabalhadas tanto para alunos surdos como para alunos ouvintes. Em
sua pesquisa sobre a educação bilíngue para surdos na França, um
ponto destacado nestas instituições foi a garantia de um ensino da
língua de sinais na escola, descentralizando a exclusiva preocupação
com a contratação de intérprete, proporcionando ainda uma efetiva
inclusão entre os alunos: 
Os alunos ouvintes e surdos interagem bastante e a Língua de
Sinais é conhecida por todos. Percebi que as crianças ouvintes
perguntam para as crianças surdas o significado de sinais. Na
hora do intervalo, no pátio, todas as crianças, surdas e ouvintes
brincam, correm e fazem sinais. Eu não percebia qual criança
era ouvinte ou surda. (STUMPF, 2009, p. 433).

Da mesma forma, Lacerda e Lodi (2014) mencionam a


necessidade do ensino de Libras nas escolas, bem como o isolamento
que o surdo pode vivenciar por ser parte de uma minoria, sendo que
muitas vezes ele é o único aluno que se comunica por Libras. 

Lacerda e Bernardino (2014) concluem que a contratação


de intérpretes nas escolas regulares tende a ocasionar um
comodismo por parte dos professores e um acúmulo de funções
ao intérprete de Libras:
Ensinar língua de sinais, atender a demandas pessoais do aluno,
cuidados com os aparelhos de amplificação, atuar frente ao
comportamento do aluno, estabelecer uma posição adequada
em sala de aula em relação a alunos surdos e ouvintes, atuar
como educador frente a dificuldades de aprendizagem do
aluno. (LACERDA; BERNARDINO, 20014, p. 66).

SUMÁRIO

221
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Diante do exposto, é possível constatar as implicações


desencadeadas sobre a o ensino de Libras nas escolas regulares.
Sendo assim, partiremos então para a forma como a RME de Goiânia
se comporta perante tal prática que embora seja de suma importância
para a efetivação da educação bilíngue e  inclusiva do aluno surdo,
ainda carece de diretrizes.

A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE SURDOS E


O ENSINO DE LIBRAS NA RME DE GOIÂNIA

Atualmente a RME possui 80 educandos surdos distribuídos


em 56 instituições, as quais oferecem educação infantil e ensino
fundamental. A grande maioria destes educandos está matriculada
no ensino fundamental sob a organização de Ciclos de Formação
e Desenvolvimento Humano17, porém alguns na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos, e na Educação Infantil, representando
um percentual médio de 80, 12 e 8% respectivamente. 

Nas escolas onde há alunos surdos, há um professor intérprete


na sala de aula a qual eles pertencem. Foi realizada uma reportagem
numa das escolas municipais, mostrando a importância da atuação do
professor intérprete para o desenvolvimento de um educando surdo
do 9º ano. O aluno teve progresso na socialização com os colegas, no
respeito às normas e no entendimento ao conteúdo ministrado. Os seus
colegas de sala recebem aulas de Libras as quais são ministradas pelo
professor intérprete da escola. Pode-se perceber que este profissional
desenvolve uma atividade polivalente, pois:

17 Para mais informações sobre Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano, consultar:


SUMÁRIO <https://www.sme.goiania.go.gov.br/dcgyn/wp-content/uploads/2019/04/texto-ciclo.pdf>.
Acesso em 09 de julho de 2010.

222
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Ele fala um pouco da sua experiência com o aluno, que vai


além da interpretação e como todos participam do processo de
inclusão. Ele ensina Libras para os colegas de sala e os alunos
amam essas aulas e o quanto isso facilita a comunicação entre
eles. No dia a dia, interpreta as aulas de português para Libras
e, de forma sucinta, sempre se preocupa em ensinar um pouco
da língua aos outros professores e os conscientiza sobre como
lidar com os surdos18.

O profissional em questão realiza atividades relativas à


interpretação e ao ensino de Libras para os alunos, e, conforme exposto
anteriormente, para os professores de forma “sucinta”. A nomenclatura
utilizada na reportagem “professor intérprete” já indica a realização
de ambas atividades. Apesar de a referida prática ter apresentado
resultados positivos nesta escola, a ambiguidade de função e a
falta de diretrizes norteadoras das aulas de Libras têm composto as
pontuações de vários destes profissionais modulados na RME.

Os profissionais denominados na reportagem como “professores


intérpretes” foram aprovados no concurso público da Secretaria
Municipal de Educação e Esporte regido pelo Edital nº 001/201619.
No edital houve a previsão de vagas para o cargo “Profissional da
Educação” e dentre as 17 áreas, duas delas estavam nomeadas como
“Professor de Libras” e “Intérprete de Libras”. Os requisitos exigidos e
a descrição das atribuições para estas vagas foram:

18 Retirado de <http://www.sme.goiania.go.gov.br/site/index.php/ultimas-noticias/750-escolas-
municipais-e-cmei-atendem-80-alunos-surdos>. Acesso em 08 de julho de 2019.

SUMÁRIO 19 Disponível em: <https://www.goiania.go.gov.br/sistemas/sicon/downl oad/Administracao/Concurso%20


001-2016/ANEXO_II_RETIFICADO_1_E_2.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2019.

223
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quadro 1 - Requisitos e atribuições de profissionais da


área de Libras contidos no Edital nº 001/2016.

Área Requisitos Descrição das atribuições

Exerce atividades docentes na


Educação Infantil e no Ensino
Fundamental, elaborando
planos de curso e de aula;
preparando e selecionando
Licenciatura Plena em
material didático; elaborando,
Letras/Libras; ou  Licenciatura
aplicando e corrigindo testes
Plena em Pedagogia e
e trabalhos para assegurar a
Certificação de Proficiência
formação do aluno, bem como
Professor para o ensino de Libras, emitida
atividades de suporte pedagógico
de Libras pelo MEC (PROLIBRAS);
direto, incluídas as de direção,
ou Curso Normal Superior e
planejamento, capacitação,
Certificação de Proficiência
pesquisa, coordenação,
para o ensino de Libras, emitida
supervisão, inspeção e orientação
pelo MEC (PROLIBRAS).
educacional em unidades
escolares, unidades regionais
de ensino e nas unidades
técnicas da Secretaria Municipal
de Educação e Esporte. 

Traduzir/interpretar da Língua
Licenciatura Plena em qualquer
Portuguesa para a Libras e vice-
área do conhecimento e
versa, de maneira simultânea
Intérprete Certificação de Proficiência para
ou consecutiva em todas as
de Libras a tradução/interpretação de
atividades didático-pedagógicas,
Libras/Português/Libras, emitida
intermediando a comunicação
pelo MEC (PROLIBRAS).
entre surdos e ouvintes. 

Fonte: Os autores.

O PROLIBRAS é uma prova de proficiência do Ministério


da Educação (MEC), aplicada no período de 2006 a 2015, a fim de
proporcionar certificações às pessoas com competência no ensino
ou na tradução/interpretação de Libras/Língua Portuguesa, período

SUMÁRIO

224
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

necessário para que as universidades pudessem se organizar para


ofertarem a formação superior na área de Libras20. 

De acordo com o Decreto nº 5.626, a formação dos profissionais


na área de Libras deve ser:

Quadro 02: Formação de profissionais na área de Libras


conforme Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005).

Profissional da área de Libras Formação

- Séries finais do
Licenciatura plena em Letras
ensino fundamental
Libras ou em Letras Libras/Língua
- Ensino médio
Portuguesa como segunda língua.
- Educação superior
Professor
de Libras Pedagogia ou curso normal superior, em
- Educação infantil
que Libras e Língua Portuguesa escrita
- Anos iniciais do
tenham constituído línguas de instrução,
ensino fundamental 
viabilizando a formação bilíngue.

Curso superior de Tradução e


Intérprete de Libras Interpretação, com habilitação
em Libras/Língua Portuguesa.

Fonte: Os autores.

A comparação entre os quadros 1 e 2 aponta uma discrepância


da formação exigida no Edital nº 001/2016 em relação a que está contida
no Decreto º 5.626 para desempenho da atividade interpretativa, visto
que no edital exige-se licenciatura e a certificação do PROLIBRAS e o
decreto exige o curso superior em Tradução e Interpretação. Como já
mencionado, o PROLIBRAS foi uma medida tomada a fim de certificação
enquanto não existiam cursos superiores na área de Libras, no entanto,
a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) graduou no ano de
2012 na modalidade a distância (EaD), 312 discentes espalhados em
vários pólos brasileiros (dentre eles, um em Goiânia)  para atuarem

SUMÁRIO 20 Informações obtidas em <http://www.prolibras.ufsc.br/>. Acesso em 10 de julho de 2019.

225
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

como Tradutores e Intérpretes de Libras em diferentes contextos


sociais, sendo que após este período foram criados o curso de forma
presencial nas universidades21.

As atribuições contidas no Edital nº 001/2006 para as vagas na


área de Libras parecem estar bem definidas com relação à função de
cada profissional, onde o professor de Libras seria responsável por
ensinar esta língua e o intérprete traduzir as informações da Língua
Portuguesa para a Libras e vice-versa, no entanto a reportagem indica
que as aulas de Libras são ministradas pelo professor intérprete. 

Em entrevista com profissionais da RME, nota-se a mesma


nomenclatura utilizada na reportagem supracitada, bem como a
constatação de acúmulo das duas funções, de ensino e de tradução
da língua de sinais, pelos professores intérpretes. Os professores de
Libras, pertencentes ao mesmo edital dos intérpretes, estão modulados
em coordenadorias regionais de educação a fim de proporcionarem
apoio pedagógico às escolas com alunos surdos.

Além da duplicidade de função, estes profissionais intérpretes


de Libras relatam a inexistência de diretrizes mais voltadas às suas
atividades, visto que as escolas têm reagido de diferentes formas
perante estes profissionais. Em seus relatos, há exposição de casos
em que a escola espera que o intérprete seja cuidador dos demais
alunos com necessidades especiais, além do surdo. Outros relatos
são de escolas que solicitam aos intérpretes ministrarem aulas de
Libras em diversas salas, a fim de substituírem professores faltosos,
sendo que nestas ocasiões o aluno educando surdo ficará prejudicado
pela falta de interpretação. Dúvidas como carga horária e público alvo
destas aulas são latentes, visto que o intérprete é um profissional
empossado recentemente e as orientações sobre seu trabalho ainda
estão em construção.

SUMÁRIO 21 Informações obtidas em <https://libras.ufsc.br/libras-distancia/>. Acesso em 10 de julho de 2019.

226
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

O aluno surdo entrevistado na reportagem supracitada, apesar


de todo o desenvolvimento mencionado, apresenta dificuldades com
relação ao aprendizado da Língua Portuguesa, visto que esta é uma
realidade de vários surdos e uma das causas é o modo como esta
língua é ensinada, tendo sua metodologia pautada em práticas voltadas
para a oralidade, sendo inadequadas para o surdo, conforme exposto
na seção anterior por Fernandes (2006) e Quadros (2005). Em relação
a esta dificuldade, a RME possui dois Centros Municipais de Apoio à
Inclusão (Cmais), os quais oferecem no contraturno aos educandos
surdos da rede, um suporte para o aprimoramento da aprendizagem
na Libras e na Língua Portuguesa escrita.

Além das atividades já desenvolvidas, o coordenador de Políticas


de Educação Bilíngue de Surdos da Gerência de Inclusão, Diversidade
e Cidadania informa que a RME está lançando um projeto “Educação
e Recursos Midiáticos” que visa oferecer cursos semipresenciais para
que os profissionais da educação possam apropriar de conhecimentos
acerca da Libras e também da singularidade linguística e cultural do
surdo. O coordenador destaca a preocupação que a RME possui em
incluir todos os educandos, tratando especificamente em relação aos
surdos, ele aponta que as ações visam garantir o direito essencial do
surdo em se comunicar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os documentos nacionais normatizam sobre a necessidade


do ensino de Libras nas escolas regulares, no entanto, as práticas
dessas não são satisfatórias, devido à falta de diretrizes para
nortearem claramente os processos pedagógicos na educação de
surdos. Entretanto, sabe-se que a proposta oportuna para a educação
SUMÁRIO de surdos é o bilinguismo, e para que este aconteça de fato, faz-se

227
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

necessário o ensino de Libras nas escolas, bem como diretrizes mais


específicas para sua efetivação.

De acordo com os estudos levantados neste artigo, a


complexidade da educação de surdos consiste em questões que
perpassam pelo reconhecimento dos surdos enquanto sujeitos
bilíngues. Os status quo institucionais e políticos idealizam o ensino e a
aprendizagem dos surdos, porém, os ideais propostos não corroboram
o objetivo da educação bilíngue, visto que a realidade consiste no
engessamento da Língua Portuguesa que se sobrepõe ainda à Libras
(QUADROS, 2005, p. 9). 

Por conseguinte, entendemos que se a legislação e a proposta


bilíngue tem como finalidade reconhecer o sujeito surdo na sua
estrutura linguística e cultural, depreendemos que há uma disparidade
entre a teoria e ao que se aplica. Pois, a língua portuguesa ainda vem
com herança ouvintista que “assombra” os aspectos da língua e da
cultura dos surdos. 

Considerando que este estudo sobre o ensino de Libras na


RME de Goiânia fez um levantamento acerca dos usuários das duas
línguas envolvidas, apesar dos esforços realizados em decorrência
da preocupação da instituição em incluir os educandos surdos
e garantir um dos seus direitos primordiais que é a comunicação,
percebe-se que há uma relação desconecta de comunicação entre
seus membros, visto que a presença do intérprete de Libras nessas
escolas como profissionais polivalentes gera comodismo, o tornando
ainda o ponto único de comunicação entre seus integrantes, o que de
certa forma torna uma barreira para o desenvolvimento da educação
bilíngue de surdos.

A proposta fundamentada em Stumpf (2009) pode trazer


soluções à problemática supracitada, no sentido de não colocar total
SUMÁRIO evidência no intérprete de Libras para efetivação do ensino bilíngue ao

228
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

surdo, mas também associar o ensino de Libras e a Língua Portuguesa


nas escolas. Uma proposta oportuna à educação bilíngue da RME
de Goiânia foi um Projeto de Lei nº 165 de 19 de junho de 2019 que
inclui o ensino de Libras nas escolas, contudo, o projeto foi vetado
pelo atual prefeito da cidade com a justificativa de falta de recursos
orçamentários22. Diante disso, constata-se a necessidade urgente de
discussões e medidas para melhoria da educação bilíngue de surdos,
sendo o ensino de Libras um dos pontos centrais da discussão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
BRASIL. Decreto n° 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei
nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/Secretaria de
Educação Básica, 2018.
Fernandes, S. F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos.
Curitiba: SEED, 2006.
Lacerda, C. B. f.; bernardino, b. m. A inclusão escolar de alunos surdos:
princípios, breve histórico e perspectivas. In: Lacerda, C. B. f.; LODI, a. C.
B. (Orgs.). Um escola, duas línguas: letramento em língua portuguesa e
língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. 4 ed. Porto Alegre:
Mediação, 2014, p. 65-79.

SUMÁRIO 22 Mais informações, consultar: <http:file:///C:/Users/usuario/Downloads/Libras%20nas%20


Escolas.pdf>. Acesso em 10 de julho de 2019.

229
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Lacerda, C. B. f.; LODI, a. C. B. O papel do intérprete de língua de sinais


nas etapas iniciais de escolarização. In: Lacerda, C. B. f.; LODI, a. C. B.
(Orgs.). Um escola, duas línguas: letramento em língua portuguesa e
língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. 4 ed. Porto Alegre:
Mediação, 2014, p. 11-32.
MARTINS, F. C.; KLEIN, M. Estudos da contemporaneidade: sobre ouvintismo/
audismo. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL,
9., 2012, Caxias do Sul-RS. Anais... Caxias do Sul-RS: UCS, 2012, p. 1-15.
QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
QUADROS, R. M. O ‘Bi’ em bilinguismo na educação de surdos. In
FERNANDES, E. (Org.). Surdez e bilinguismo. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2005, 27-37.
Stumpf, M. R. A educação bilíngue para surdos: relatos de experiências e
a realidade brasileira. In: QUADROS, R. M.; Stumpf, M. R.(Orgs.). Estudos
Surdos IV. Petropólis, RJ: Arara Azul, 2009.

SUMÁRIO

230
12
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 12

EM MEIO À INTERAÇÃO E À
COLABORAÇÃO, A DESMOTIVAÇÃO
DE ADOLESCENTES NAS
AULAS DE LÍNGUA INGLESA
NA ESCOLA PÚBLICA.

Marco André Franco de Araújo

Marco André Franco de Araújo

EM MEIO À INTERAÇÃO
E À COLABORAÇÃO,
A DESMOTIVAÇÃO DE
ADOLESCENTES NAS
AULAS DE LÍNGUA
INGLESA NA ESCOLA
SUMÁRIO PÚBLICA
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.231-248 231
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O ensino de inglês na escola pública perpassa por diversas dificuldades
encontradas pelo professor como, por exemplo, salas superlotadas, falta de
material didático adequado, carga horária reduzida. No entanto, o professor,
mesmo diante todos esses percalços, procura oportunizar momentos de
aprendizagem significativa para os seus alunos. Nessa perspectiva, surge um
desafio para o professor, que é a motivação. Assim, apresento neste capítulo os
resultados oriundos de um estudo de caso de cunho qualitativo conduzido em
uma turma de 7° ano do Ensino Fundamental nas aulas de inglês com o uso de
atividades interativas e colaborativas. Os resultados do estudo mostraram que
ao utilizar atividades interativas os alunos se mostram mais interessados em
participar das aulas e têm a oportunidade de ter momentos de aprendizagem
significativa. No entanto, muitos alunos ainda se mostram desmotivados em
participar das aulas fazendo com que os desafios emergentes da sala de aula
ainda dificultem o trabalho do professor.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Ensino de Língua Inglesa; Escola Pública; Matérias didáticos.

232
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

A sala de aula de língua estrangeira é um lugar que pode


proporcionar aos alunos o contato com uma nova língua e uma nova
cultura diferentes da sua. Porém, no contexto da escola pública,
em que nos deparamos com salas superlotadas, com escassez de
material, entre outros percalços, essa oportunidade se restringe a
meros exercícios gramatiqueiros.

Dessa forma, o professor, buscando meios para levar momentos


significativos para os seus alunos e motivá-los a participar das aulas,
encontra, também, dificuldades ao encarar esse desafio, visto que nem
todos os alunos que estão ali se encontram dispostos em fazer parte do
seu próprio processo de aprendizagem, se mostrando desmotivados e
não vendo sentido em aprender uma nova língua.

Assim, várias perspectivas podem ser utilizadas pelo professor


para suprir essa lacuna em sala de aula como, por exemplo, as práticas
colaborativas oriundas da interação e o uso de recursos lúdicos
como os jogos. No entanto, mesmo com todo esse aparato que o
professor pode se valer, ainda haverá momentos de embate, levando
em consideração a desmotivação dos seus alunos.

Neste trabalho, apresento um recorte dos resultados oriundos da


dissertação de mestrado de Araújo (2016), que objetivou compreender
de que forma os jogos em sala de aula promoviam a aprendizagem
significativa da língua inglesa na escola pública. Aqui, por outro lado,
analiso os dados oriundos das interações e das entrevistas realizadas
com os participantes dando foco na motivação dos alunos para
aprender inglês na escola pública.

Inicio o capítulo traçando alguns aspectos teóricos utilizados


SUMÁRIO para a pesquisa como a motivação, a interação e a colaboração em

233
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

sala de aula de língua inglesa e, em seguida, pontuo a metodologia


adotada para o estudo, os participantes e instrumentos utilizados
para gerar os dados. Após, discuto os resultados obtidos e, por fim,
teço algumas considerações finais sobre o processo de ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras na escola pública.

A (DES)MOTIVAÇÃO NAS AULAS


DE LÍNGUA INGLESA

Vemos, atualmente, nas aulas de língua inglesa, a desmotivação


dos alunos em relação à aprendizagem de uma nova língua, permeada
pelo famoso discurso “professor, eu não sei nem português, para que
vou aprender inglês?” ou, ainda, “professor, nunca vou viajar, então
para que aprender inglês?” e, dessa forma, os professores de línguas
estrangeiras se veem em um grande impasse diante esse desafio de
ensinar alunos desmotivados para aprender.

Nessa perspectiva, o ensino de língua inglesa na escola pública,


pautada em uma perspectiva que vise a motivação do aluno em aprender
se faz necessário. Assim, o professor pode se valer de metodologias
de ensino que visem proporcionar aos seus alunos situações reais
de uso da língua que estão aprendendo, fazendo, assim, que os
estudantes vejam e usem a língua de maneira significativa (BRITO;
SCHMITZ, 2009; SILVA; SCHEYERL, 2009; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2017;
PAES; JORGE, 2009).

A motivação, segundo esclarece Brown (1994), se refere a


impulsos que direcionam os alunos a uma ação particular. Para o
autor, a motivação ainda pode ser considerada de acordo com fatores
internos e externos. Dessa forma, conforme sugere Dalacorte (2005,
p. 44), os fatores internos podem se referir, por exemplo, no interesse
SUMÁRIO

234
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dos alunos em realizar determinadas tarefas, ou, ainda, no “valor


atribuído pelo aprendiz à atividade, as suas crenças sobre si mesmo”.
Em contrapartida, a autora afirma que “pode-se verificar o papel da
interação com os outros e as suas experiências mediadas” como
sendo um dos fatores externos da motivação.

Gardner (1985), sugere que a motivação na aprendizagem de


uma língua estrangeira se define como “o grau até o qual um indivíduo
trabalha ou se esforça para aprender a língua, por causa de um desejo
de fazê-lo e pela satisfação experimentada nessa atividade” (GARDNER,
1985, p. 10). Já para Scarcella e Oxford (1992) a motivação possui
características externas como, também, comportamentais e, ainda,
uma estrutura atitudinal interna. Para as autoras, as três características
comportamentais da motivação são:
decisão, persistência e nível de atividade. O aluno decide
escolher, prestar atenção e se envolver em uma atividade,
mas não em outras; persiste durante um período prolongado
e retorna à atividade após quaisquer interrupções; e
mantém um alto nível de atividade. A estrutura interna
da motivação é importante e inclui esses quatro fatores
atitudinais: interesse, relevância, expectativa e resultados.
(SCARCELLA; OXFORD, 1992, p. 52).

Dessa forma, notamos que o professor tem um papel importante


no que se refere à motivação do aluno, podendo, então, proporcionar
aos aprendizes atividades que tragam para a sala de aula o interesse
e a participação. No entanto, mesmo com esses esforços advindos do
professor, os alunos ainda apresentam resistência quanto ao ensino de
uma língua estrangeira, como veremos na análise deste estudo.

Um dos caminhos que o professor pode percorrer para


fazer emergir a motivação dos alunos em sala de aula é o trabalho
com atividades que promovam a interação e a colaboração entre
os aprendizes.
SUMÁRIO

235
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CAMINHOS POSSÍVEIS: A INTERAÇÃO


E A COLABORAÇÃO

Em sala de aula, o papel da interação sempre foi importante,


pois pode criar oportunidades de aprendizagem e envolvimento
entre os alunos (HALL, 2001; RIVERS, 1987). Dessa forma, conforme
esclarece Brown (1994), na era do ensino comunicativo de línguas,
a interação se torna essencial à comunicação. Em suas palavras,
então, “nós enviamos mensagens, nós recebemos mensagens, nós
as interpretamos em um contexto, nós negociamos significados, e
nós colaboramos para alcançar certos propósitos.” (BROWN, 1994, p.
159). Nesse sentido, a interação é, para o autor, “a troca colaborativa
de pensamentos, sentimentos ou ideias entre duas ou mais pessoas,
resultando em um efeito recíproco.” (BROWN, 1994, p. 159).

Assim, quando nos referimos à sala de aula de línguas


estrangeiras, entendemos que a interação pode proporcionar um
espaço para a troca de informações e de conhecimento entre os
alunos e isso ocasionará na aprendizagem do idioma por meio da
troca colaborativa de ideias entre eles.

A interação, então, se apoia na teoria sociocultural que, por


sua vez, tem sido objeto de vários estudos na área da Linguística
Aplicada (ARAÚJO, 2016; DALACORTE, 1999; FIGUEIREDO, 2003,
2019; LANTOLF, 2000; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2017), entre outros.
Concomitante à teoria sociocultural e de acordo com os apontamentos
de Vygotsky (1998), o homem é um ser social e, assim, constrói o
seu conhecimento por meio da interação com outros homens. Nesse
sentido, o conhecimento é socialmente construído e adquirido por
meio de relações dialógicas e de interação com o outro.

A teoria sociocultural tem como principal pressuposto o


SUMÁRIO de analisar e “explicar o desenvolvimento cognitivo das crianças”

236
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

(FIGUEIREDO, 2001, p. 60) e um dos principais conceitos desta teoria


é a interação, pois o conhecimento é uma coconstrução social e é
por meio da interação com seus semelhantes que o homem aprende
(VYGOTSKY, 1994, 1998). Paralelo a isso, Oliveira (1998, p. 71) afirma
que “o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado
que realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com
os outros indivíduos da sua espécie”.

Visto isso, os jogos se constituem em atividades que promovem


a interação e a colaboração entre os aprendizes, podendo, pois,
ocasionar momentos de aprendizagem significativa entre eles.

A LUDICIDADE E OS JOGOS

Há muito discutido, o lúdico no processo de ensino e


aprendizagem é um grande aliado para o ensino de línguas estrangeiras
pois, conforme afirma Piaget (1975, p. 156), “os jogos e as atividades
lúdicas tornam-se significativas à medida que a criança se desenvolve,
com a livre manipulação de materiais variados, ela passa a reconstituir
reinventar as coisas.”

Assim, compreendemos que as atividades lúdicas em sala de aula


podem estar ligadas aos brinquedos, as dinâmicas que os professores
realizam com os alunos como, também, através dos jogos. Dessa
forma, essas atividades atreladas ao processo de aprendizagem de
uma língua estrangeira podem propiciar aos estudantes oportunidades
de refletir sobre a língua que estão aprendendo (FERNANDÉZ;
CALLEGARI; RINALDI, 2012; RICHARD-AMATO, 1998).

Para Huizinga (2004) os jogos são elementos culturais e, ainda,


segundo o autor, assumem um papel importante visto que proporcionam
SUMÁRIO aos alunos tomadas de consciência no que diz respeito à relação e a

237
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

interação com os outros, não somente no contexto escolar, mas, sim,


na sociedade da qual o aluno faz parte.

Teixeira (1995) discute a importância do jogo pontuando que


esta atividade se constitui em mais do que um simples passatempo
em sala de aula. Segundo o autor, a educação pelo jogo pode ser uma
das principais preocupações de professores que veem a necessidade
de motivar os seus alunos para a aprendizagem.

Segundo os apontamentos de Hadfield (1984) os jogos


são atividades que possuem regras, possuem objetivos a serem
atingidos e se constitui também em um elemento de diversão. Assim,
compreendemos que esse recurso deve ser considerado como parte
integrante das aulas, pois a inclusão de jogos no ensino de uma língua
estrangeira oportuniza a prática do idioma e oferece possibilidades de
uso significativo da língua.

Tendo discutido as perspectivas teóricas que abarcaram este


estudo, na próxima seção, apresento o contexto em que se desenvolveu
o estudo de Araújo (2016).

O ESTUDO

A pesquisa se configurou como um estudo de caso (NUNAN,


1992; YIN, 2005), pois foi investigada uma turma de 7º ano do Ensino
Fundamental que estava envolvida em atividades com jogos durante
um semestre letivo. Os alunos participantes deste estudo eram
oriundos de uma escola pública da cidade de Goiânia. Para a coleta
de dados foram utilizados questionários, entrevistas (JOHNSON, 1995;
MOREIRA; CALEFFE, 2008; NUNAN, 1992) com os alunos e com a
professora da turma, além de notas de campo das aulas e gravações
SUMÁRIO das interações dos alunos enquanto realizavam as atividades.

238
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

A análise apresenta aqui, no entanto, vai se pautar, com maior


ênfase, nas entrevistas realizadas com os alunos e com a professora
da turma que, nas suas falas, pontuaram as suas percepções sobre o
uso de jogos nas aulas de língua inglesa.

A seguir, apresento exemplos das atividades que foram


realizadas com os alunos durante as aulas.

AS ATIVIDADES (JOGOS)

Conforme mencionado anteriormente, os jogos foram os


instrumentos utilizados pela professora durante as aulas. Foram
escolhidos três jogos: o jogo da memória (Memory Game), o jogo de
tabuleiro (Board Game) e o jogo de descrever (Describing Game) e
cada jogo foi utilizado duas vezes em duas aulas distintas. Vale ressaltar
aqui o fato de a professora e o pesquisador terem adequado os jogos
para os conteúdos que estavam sendo trabalhados nas aulas, com
vistas a auxiliar seus alunos no processo de ensino e aprendizagem
da língua inglesa.

Todos os jogos foram elaborados pelo pesquisador em parceria


com a professora da turma e visavam a revisão de vários aspectos da
língua inglesa como vocabulário (colors, clothes, sizes, entre outros) e
estruturas linguísticas (Simple Present, entre outros).

SUMÁRIO

239
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Memory Game

Fonte: Araújo (2016).

Board Game

SUMÁRIO Fonte: Araújo (2016).

240
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Describing Game

Fonte: Araújo (2016).

ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise dos dados, optei por dar maior enfoque nas
entrevistas realizadas com os alunos e com a professora da turma, mas,
também, apresento alguns momentos de interações entre os alunos
para ilustrar momentos de desinteresse em relação à aprendizagem
da língua inglesa.

Neste primeiro excerto, oriundo de uma interação entre os


alunos, podemos perceber o interesse e engajamento deles em relação
a atividade que estavam realizando.

SUMÁRIO

241
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

[01] Miquelângelo: O que é isso?

Jogue novamente. One, two, three, four, five,


Messi:
six. Animals. Bear, bear, pig, horse, tiger.

Miquelângelo: One.
Professora: Bring it to me!
Messi: Espera aí, professora, me deixa jogar!

Fonte: Araújo, 2016.

Podemos observar, nesta interação entre os alunos, que a


professora solicitou que eles entregassem o jogo para concluir a aula.
No entanto, como estavam inteirados da atividade, não gostaram de
ter de terminar o jogo, conforme podemos notar na fala de Messi, que
pede para que a professora os deixe terminar de jogar.

Dessa forma, notamos a importância do jogo na sala de aula,


visto que proporcionou momentos de interação entre os alunos e
os deixou motivados em realizar a atividade e que, ainda, levou os
alunos a tentar se comunicar na língua estrangeira durante o jogo.
(FERNÁNDEZ; CALLEGARI; RINALDI, 2012; RICHARD-AMATO, 1998).

Mesmo notando o empenho da professora em trazer aulas


mais significativas para os alunos, alguns deles não faziam questão
de participar das aulas e se mostravam sempre desmotivados para
realizar as atividades propostas, como podemos observar no trecho
seguinte de interação.

Anda logo pra terminar isso aqui porque


[02] Larissa:
eu quero mexer no celular.
Light: Dog is...
Messi: Marrom.
Carol: The dog is brown.
SUMÁRIO

242
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Larissa: Aí, anda logo! Eu quero terminar esse negócio.


Carol: The pool is blue. The sky is blue.
Larissa: O que é sky?
Carol: Sei lá. Sky é uma árvore? Vento? Cabelo?
Larissa: A nuvem? Eu já pintei. É o céu.

Fonte: Araújo (2016).

Em contrapartida da motivação que Messi teve ao continuar


a realizar a atividade, apresentado no excerto 01, vimos aqui que
nem todos os alunos estavam dispostos a participar das atividades
realizadas. Neste trecho, notamos que a aluna Larissa estava sempre
preocupada em mexer no celular e não em participar da aula.

Nas respostas dadas nas entrevistas, notamos que alguns alunos


pontuaram alguns aspectos negativos das atividades realizadas, visto
que a desmotivação de seus colegas foi um empecilho para que as
atividades fossem feitas de maneira significativa.

Você teve dificuldade ou achou


[03] Pesquisador:
fácil realizar aquele jogo?
Star: Eu fui mais ou menos.
Pesquisador: Por que você foi mais ou menos?
Porque os do meu grupo estavam
Star:
fazendo muita gracinha.
Pesquisador: E você acha que isso atrapalhou?
Star: Atrapalhou.
Fale um pouco da sua experiência
Pesquisador:
em participar do jogo.
Eu achei que foi bom, que essas aulas,
assim, diferentes são boas, porque eu
Star:
gosto, mas eu acho que o que deveria ter
acontecido era os outros terem participado.
[...]
SUMÁRIO

243
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Que avaliação você faz do seu


Pesquisador:
desempenho no jogo?
Star: Uai, foi mais ou menos.
Pesquisador: Por quê?
Porque eu acho que eu deveria ter
Star:
participado mais também.

Fonte: Araújo, 2016.

Notamos aqui, neste relato de Star, que a falta de participação,


ocasionada pela desmotivação dos alunos para se envolver nas
atividades propostas tirou o foco do objetivo da aula. Ainda notamos
também que a própria aluna justifica que poderia estar mais engajada
na realização da atividade.

Ao responder a entrevista, a professora pontuou inúmeros


benefícios que a utilização dos jogos trouxe para a sua sala de aula,
mesmo tendo que lidar continuamente com a desmotivação e o
desinteresse dos alunos para participar dos jogos propostos por ela.
Para a professora, esse recurso trouxe para suas aulas

1. possibilidades de maior interação entre os alunos;

2. possibilidades de aprendizagem de pronúncia;

3. possibilidades de colaboração;

4. possibilidades de uma participação mais ativa no processo


de aprendizagem;

5. possibilidades de aulas mais dinâmicas que beneficiem os


alunos na aprendizagem da língua;

6. possibilidades de revisão e uso do conhecimento da LE


do aluno;

SUMÁRIO

244
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

7. possibilidades de aumento da autonomia do aluno quanto ao


processo de aprendizagem da língua;

8. possibilidades de mudanças na prática da professora em


sala de aula.

(Araújo, 2016)

Em contrapartida, a única coisa que a professora pontuou


como aspecto negativo da inserção dos jogos nas aulas foi o tempo
despendido para a organização da sala, dos alunos em seus grupos,
do comportamento dos alunos e da realização das atividades.

A meu ver, a única coisa que vejo como ponto


negativo é a organização da sala, do tempo, por
exemplo, se eu tivesse uma aula dupla, seria perfeito.
[04] Professora:
Por que eu teria o tempo pra organizar, explicar o
jogo, e ter esse momento pra eles jogarem, e pra eu
poder assistir e ficar mais próximo deles mesmo.

Fonte: Araújo (2016).

Nos dados apresentados aqui, notamos que a motivação para


aprender, seja uma língua estrangeira ou qualquer outro conteúdo se
faz essencial em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos notar, por meio do estudo apresentado aqui, que a


sala de aula de língua estrangeira se constitui em um espaço que
pode proporcionar momentos de aprendizagem significativa da
língua por meio de atividades interativas, e que consequentemente
promovem a colaboração entre os alunos como, por exemplo, os
SUMÁRIO jogos, tratados neste capítulo.

245
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

No entanto, nem todos os esforços do professor em instigar a


motivação do aluno para a participação nas aulas são válidos, visto
que, vários alunos, como pudemos notar nos exemplos apresentados
neste trabalho, não estão dispostos a se inteirar das aulas e das
atividades que são propostas pelo professor.

Diante disso, visualizamos a dificuldade de professores


que atuam nas escolas públicas no nosso país, mas que, mesmo
tendo seus alunos desmotivados, não se desanimam e continuam a
enfrentar o desafio de ensinar. E, conforme pontuou este trabalho, o
professor pode se fazer valer de mais momentos de interação entre
os alunos para que surjam momentos de uso da língua estrangeira
da qual estão aprendendo.

REFERÊNCIAS
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colaborativa na aprendizagem de inglês por alunos adolescentes de uma
escola pública. 2016. 155 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade
de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2016.
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Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 13-20.
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pedagogy. New Jersey: Prentice Hall Regents, 1994.
DALACORTE, M. C. F. A participação dos aprendizes na interação em sala de
aula de inglês: um estudo de caso. 1999. 222 f. Tese (Doutorado em Letras) –
Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1999.
______. A Participação dos aprendizes na interação em sala de aula. In:
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estrangeira. Goiânia: Editora da UFG, 2005. p.39-62.

SUMÁRIO

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

FERNÁNDEZ, G. E.; CALLEGARI, M. V.; RINALDI, S. Atividades lúdicas para


a aula de língua estrangeira – espanhol: considerações teóricas e propostas
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FIGUEIREDO, F. J. Q. A aprendizagem colaborativa: foco no processo de
correção dialogada. In: LEFFA, V. J. (Org.). Interação na aprendizagem das
línguas. Pelotas: Educat, 2003. p. 125-157.
______. Correção com os pares: os efeitos do processo de correção
dialogada na aprendizagem da escrita em língua inglesa. 2001. 340 f. Tese
(Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2001.
______. Vygotksy: a interação no ensino/aprendizagem de línguas. São Paulo:
Parábola, 2019.
GARDNER, R. C. Social psychology and second language learning: the role of
attitudes and motivation. London: Edward Arnold, 1985.
HALL, J. K. Classroom interaction and language learning. Ilha do Desterro,
Florianópolis, n. 41, p. 17-39, 2001.
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In: OMAGGIO HADLEY, A. (Ed.). Research in language learning: Principles,
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LANTOLF, J. P. (Ed.). Sociocultural theory and second language learning. Hong
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MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia cientifica para o professor
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NUNAN, D. Research methods in language learning. Cambridge: Cambridge
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OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo
sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1998.
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LIMA, D. C. (Org.). Ensino de línguas: conversa com professores da escola
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SUMÁRIO

247
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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University Press, 1987.
SCARCELLA, R. C.; OXFORD, R. L. The Tapestry of Language Learning.
Boston: Heinle & Heinle Publishers, 1992.
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: O desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre:
Bookman, 2005.

SUMÁRIO

248
13
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 13

O PATRIMÔNIO CULTURAL
NOS LIVROS DIDÁTICOS:
CONTRIBUIÇÕES PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA

Olívia Bruna de Lima Nunes


Olívia Bruna deRogério
Lima Nunes
Maciel Nunes
Ruan
Rogério Maciel Carlos Mendes
Nunes

Ruan Carlos Mendes

O PATRIMÔNIO
CULTURAL
NOS LIVROS
DIDÁTICOS:
contribuições
para o ensino
SUMÁRIO de História

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.249-271 249


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O presente texto visa analisar uma coleção de livros didáticos de História,
adotada pela rede de educação básica, fundamental II, da cidade de
Russas-Ce. O objetivo principal é compreender como o Patrimônio Cultural
é abordado na referida coleção. Metodologicamente iniciamos aprofundando
os referenciais teóricos sobre patrimônio cultural, educação patrimonial e
ensino de história, em seguida tratamos de problemáticas que envolvem o
livro didático. Esses dois momentos são embasados a partir de autores como
Circe Bittencourt (2006) e Ricardo Oriá (2006). Em um terceiro momento
abordamos o patrimônio cultural na coleção escolhida para análise, tomando
por base o que foi debatido nos momentos anteriores. Concluímos que noções
referentes aos bens culturais estão presentes em todos os livros, porém de
forma “secundária”, exceto o primeiro livro da coleção que destina um capítulo
exclusivamente para esse assunto.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Ensino de História; Patrimônio cultural; Livro didático.

250
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

A sala de aula tem se tornado um espaço cada vez mais


complexo. Não é difícil perceber essa complexidade nas questões
acadêmicas, relativas aos saberes que devem ser ensinados, e nas
pedagógicas, relativas às formas de transmissão desses saberes.
Essa complexidade se agudiza ao passo que temos a entrada massiva
das classes populares na escola, depositando nela esperanças de
ascensão social ou mesmo de transformação da própria sociedade.

Saviani (1999; 2013) compreende que o acesso ao acevo


de conhecimentos produzido pelos seres humanos é fundamental
para a própria humanização, ou seja, para participar da humanidade
construída coletivamente. Desse modo chama a atenção para o
papel da escola como transmissora de conhecimentos, como uma
instituição destinada a dotar os indivíduos com as ferramentas
culturais produzidas pelo conjunto da humanidade no transcurso do
processo histórico.

Assim, compreendemos que a escola é um espaço social


dos mais relevantes e visamos discutir elementos presentes no
seu cotidiano. Dada a amplitude e a complexidade da temática,
estabelecemos alguns recortes para nossas discussões, de modo que
nos ateremos à disciplina de História, em nível de ensino fundamental
II (6º ao 9º ano, ou seja, os anos finais do ensino fundamental), na
Rede Municipal de Ensino da cidade de Russas, no estado do Ceará.
Escolhemos essa rede de educação em vista de nossa relação
pessoal com ela, seja como alunos, em período mais recuado, ou
como professores em anos recentes.

Segundo site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE), a cidade de Russas, situada na região do Vale do Jaguaribe,
SUMÁRIO apresentava no ano de 2018 uma população de 76.884 pessoas. O

251
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Salário médio mensal dos trabalhadores formais em 2017 era de 1,5


salários mínimos, estando 14,5 % do pessoal ocupado. O Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)23 registrado para os
anos finais do ensino fundamental na Rede pública em 2017 era de 5,9.
Em 2018 o total de matrículas para o ensino fundamental foi de 9.802.

Já segundo o site Qedu.org, o número de matrículas na rede


pública em 2018 foi de 8.609, sendo que destes 3.908 estavam
nos anos finais do ensino fundamental. Nesse mesmo ano, de
acordo com o mesmo site, havia 35 escolas públicas com ensino
fundamental regular.

Nesse meio, a disciplina de história foi escolhida por conta da


formação inicial dos três autores nessa área do conhecimento, sendo
que dentro do contexto dessa disciplina o elemento que abordaremos
é o livro didático.

A referida rede adota para o ensino dessa disciplina, no nível


fundamental II, uma coleção única de livros didáticos, trabalhada
em todas as escolas com turmas nesse segmento, das maiores às
menores, presentes no centro da cidade, na periferia ou localizadas no
campo (perímetro rural).

A coleção adotada chama-se História, Sociedade e Cidadania,


sendo assinada por Alfredo Boulos Júnior. A mesma é dividida em
quatro livros, um para cada uma das séries do Ensino Fundamental II.

Assim, diante da percebida polarização em torno do Livro


didático enquanto ferramenta do processo de ensino aprendizagem,

23 De acordo com site portral.inep.gov o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica


(IDEB) foi criado em 2007 e reúne os resultados de dois conceitos: o fluxo escolar e as
médias de desempenho nas avaliações. Ele é calculado a partir dos dados sobre aprovação
escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho nas avaliações do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Sistema
SUMÁRIO de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – para as unidades da federação e para o país,
e a Prova Brasil – para os municípios.

252
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ora representado como vilão, ora aparecendo como ferramenta única


de trabalho na sala de aula, nos sentimos instigados a investigá-lo.
Todavia, na coleção indicada, como é comum para o ensino nos
quatro anos do Ensino Fundamental II, temos uma proposta que
aborda desde a pré-história até a segunda década dos anos 2000,
tornando-se bastante difícil analisá-la sem fazer recortes de alguns
aspectos específicos.

Deste modo, daremos ênfase às abordagens relativas às


discussões de patrimônio cultural, percebido como parte do acervo
de conhecimento construído pela humanidade, tendo em vista que
percebemos um descompasso entre nossas experiências formativas
nessa temática e as poucas possibilidades de trabalho com ela no
cotidiano das salas de aula.

Logo, ao analisarmos as noções de Patrimônio Cultural nos


livros de História do Ensino Fundamental II da Rede Municipal de
Educação de Russas, buscaremos saber qual(is) as discussões
sobre Patrimônio Histórico – materiais e imateriais - estão presentes
ou ausentes, levantando como hipótese inicial que os livros didáticos
negligenciam, em alguma medida, a discussão sobre Patrimônio
Cultural, suas formas de preservação e a relação com a memória e a
construção de identidade, com base no pensamento crítico.

Para aprofundar essa discussão, levaremos em conta as


caracterizações e concepções de Livro Didático definidas por Circe
Bitecourt (2006): mercadoria, depósito de conteúdos escolares,
instrumento pedagógico. No tocante às discussões referentes às
noções de Patrimônio Histórico e Cultural, bem como suas formas de
preservação, utilizaremos a obra de Carlos Lemos (2004), intitulada “O
que é Patrimônio Histórico”. Ricardo Oriá (2006), por seu turno, nos
auxiliará na relação estabelecida entre Memória e Ensino de História, e
a importância da discussão sobre Patrimônio Histórico.
SUMÁRIO

253
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Pautando-nos nesses autores analisaremos a coleção de livros


didáticos citada acima, direcionando nossa abordagem principalmente
pelo que é apresentado no texto do livro, mas sem desconsiderar a
problemática que cerca a sua construção e seus usos em sala de aula
com intermédio do professor.

Assim seguiremos uma estrutura na qual inicialmente


analisaremos as concepções de patrimônio Histórico. Em seguida
aparecerá uma abordagem geral acerca da coleção apontada. Em um
terceiro momento trabalharemos com as concepções de Patrimônio
Cultural presentes no texto do livro didático, sendo o texto aqui
compreendido em sua dimensão mais ampla: linguagem verbal e não
verbal. Por fim, aparecerá uma conclusão em que, levando em conta
os debates de cada um desses momentos, iremos nos posicionar
acerca da hipótese indicada acima.

PATRIMÔNIO CULTURAL E
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

A educação patrimonial pode ser compreendida como


uma alternativa para romper com o ensino tradicional de história,
buscando conscientizar todos os sujeitos envolvidos da importância
da preservação do patrimônio cultural. Nesse texto adotaremos o
conceito de patrimônio cultural em detrimento de patrimônio histórico,
pois acreditamos que essa nomenclatura é mais abrangente e abriga
toda uma diversidade de patrimônios. Assim, “[...] sai-se do limite
estreito da terminologia tradicional para falar-se em ‘patrimônio
cultural’, em vez de ‘patrimônio histórico, artístico e paisagístico’, pois
há outros valores culturais que não se enquadram na terminologia
antiga.” (ORIÁ, 2006, p. 132).
SUMÁRIO

254
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Objetivando o melhor agrupamento dos bens culturais, Hugues


de Varine Boham, assessor internacional da UNESCO, classificou a
noção de patrimônio cultural em três categorias: bens naturais e do
meio ambiente, consistindo nos rios, cachoeiras, montanhas, peixes,
árvores e demais elementos naturais que são utilizados e significados
pelo homem; a categoria dos bens imateriais ou intangíveis, que
abrange as técnicas, as tradições, os ritos, os mitos, as crenças,
as danças, o saber e saber fazer de um povo, como as técnicas de
confecção de panelas de barro ou de chapeis de palha; e a categoria
corresponde aos bens materiais, também chamados de tangíveis: um
machado de pedra, um automóvel, um joia, uma obra de arte, uma
igreja ou até mesmo uma cidade inteira. (LEMOS, 2004).

Importante destacar que todos esses bens culturais só fazem


sentido dentro de uma sociedade quando há a identificação por parte
dos sujeitos que a compõem. Desse modo, a educação patrimonial
desempenha o papel de gerar conhecimento a partir dos elementos
culturais de um povo, em especial, promover a identificação, o
reconhecer-se nos bens culturais, e, por conseguinte, fomentar a
preservação da memória dos diferentes grupos sociais: “[...] a História
tem como papel central a formação da consciência histórica dos
homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do
vivido, a intervenção social e praxes individual e coletiva.” (FONSECA,
2003, p. 89). Diante disso, pontuamos a importância da educação
patrimonial como mecanismo de preservação da memória coletiva,
individual, social e construção da identidade.
A abordagem sobre o patrimônio cultural reflete também o que
grupos sociais definem como representantes das identidades
de cada região, de cada grupo, de construções subjetivas
que estão ao alcance de todos/as no espaço público, o que
impulsiona a relação com a memória, pois, o uso do patrimônio
cultural relaciona-se com a memória social e coletiva e também
com a história local. (ZARBATO, SANTOS, 2015, p. 67).
SUMÁRIO

255
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

No Brasil sempre se priorizou a preservação da memória do poder,


das elites, da classe dominante, memória que não gera identidade com
os outros segmentos sociais, principalmente as camadas mais baixas,
criando-se a falsa ideia de um passado homogêneo e pacífico. Desse
modo, a educação patrimonial, atrelada ao ensino de História, deve
fazer parte da construção da libertação do sujeito do tempo presente
e da “[...] imobilidade diante dos acontecimentos, para que possa
entender que cidadania não se constitui em direitos concedidos pelo
poder instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes e em suas
diversas dimensões.” (BITTENCOURT, 2006, p. 20).

A memória do povo sempre foi “esquecida” no modelo de


preservação brasileiro: “No Brasil, a prática preservacionista seguiu
a tendência europeia, ligando-se intimamente à ideia de formação e
afirmação de Estado-nação.” (TOLENTINO, 2018, p. 43). No entanto,
a educação patrimonial, reafirmamos, deve ser tomada como um
modo de reverter essa situação, priorizando a história local, ajudando
o “homem” a perceber os elementos culturais que fazem parte do seu
cotidiano e buscando meios para que ele sinta-se sujeito histórico,
respondendo pela história da qual faz parte e tendo senso crítico
desenvolvido: “[...] este sentido de formar o pensamento crítico do
aluno para a compreensão da realidade em que vive transformá-la é,
assim, um objetivo político possível de ser inserido em várias situações
e condições.” (BITTERNCOURT, 2006, p. 21).

Desse modo, compreendemos que “[...] ao socializar o


conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras
gerações para a construção de novos conhecimentos, a escola está
cumprindo seu papel social.” (ORIÁ, 2006, p. 130). Dentro dessa
perspectiva a discussão sobre patrimônio cultural é ampla e perpassa
por diversas áreas do conhecimento, mas é na aula de história que
esse tema encontra maior espaço, pois “[...] o papel da História como
SUMÁRIO disciplina encarregada da formação do cidadão político não é velado

256
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ou implícito, como ocorre com as demais disciplinas curriculares.”


(BITTENCOURT, 2006, p. 20).

Assim, consideramos que todo ser humano produz cultura,


devendo ter acesso ao usufruto dos bens culturais de sua comunidade,
não podendo esse acesso ser privilégio de uma determinada elite
ou grupo social. Por cultura compreendemos todas as formas que o
homem tem de expressar seu modo de ser, de maneira que “[...] todos
somos, direta ou indiretamente, produtores de cultura.” (ORIÁ, 1992,
p. 271). Assim, ela se manifesta como a capacidade que os seres
humanos têm de produzir o novo e não apenas reproduzir o mesmo
como ocorre com os seres naturais. (LESSA, 2015).

A educação patrimonial deve respeitar a multiplicidade de


culturas, gerando o respeito e contribuindo de forma efetiva para
“[...] construir em cada indivíduo singular a humanidade que
é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos seres
humanos.” (SAVIANI, 2013).

Valendo ressaltar, ainda, que da mesma forma que os seres


humanos devem ter o direto de usufruir dos bens culturais da sociedade,
eles também devem contribuir para a preservação dos mesmos. Por
isso que é tão importante o “elo” de identificação do sujeito com o
patrimônio cultural e a educação patrimonial reforça esse “elo”. Nessa
perspectiva adotamos o conceito de Oriá, quando este diz que
A Educação Patrimonial nada mais é do que a educação voltada
para questões atinentes ao Patrimônio Cultural, que compreende
desde a inclusão nos currículos escolares de todos os níveis de
ensino, de disciplinas ou conteúdos programáticos que versem
sobre o conhecimento e a preservação do Patrimônio Histórico,
até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para
os educadores e a comunidade em geral, a fim de lhes propiciar
informações acerca do Patrimônio Cultural, de forma a habilitá-
los a despertar nos educandos e na sociedade o senso de
SUMÁRIO

257
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

preservação da memória histórica e o consequente interesse


pelo tema (ORIÁ, 1992, p. 273-274).

Desse modo, é interessante que o próprio aluno ou aluna


formule perguntas para o bem cultual, pois assim a sua capacidade
de questionar a realidade será ampliada, e ele terá consciência de
sua função enquanto membro da sociedade, compreendendo qual o
valor e importância da preservação dos bens culturais. Neste sentido,
um bem cultural não deve ser preservado somente pelo valor estético.
Devem-se buscar, através da educação patrimonial, as relações
humanas presentes no “objeto” (bem cultural), pois só assim ele terá
significado para o individuo que o analisa e o questiona.
Atualmente se preserva um bem cultural não só pelo seu valor
estético, arquitetônico ou histórico. Ele é preservado se tem
alguma significação para a comunidade em que está inserido
e se essa preservação possibilita a melhoria da qualidade de
vida de seus moradores e contribui para a construção de sua
identidade cultural e o exercício da cidadania. A preservação
do patrimônio histórico deve pautar-se no binômio indissociável
identidade cultural e qualidade de vida (ORIÁ, 2006, p. 138).

Devem-se buscar no bem cultural os aspectos da sociedade


da qual este pertence ou pertenceu e não somente contemplá-lo. O
objeto ou bem cultural deve ser preservado dentro do seu contexto e
fora dele deve ser compreendido como um fragmento de um conjunto
maior. Desse modo, o bem cultural será compreendido melhor e
consequentemente a visão de mundo do aluno se ampliará. No entanto,
cabe ressaltar que a educação patrimonial não substitui os conteúdos
para além da História local, visto que “[...] o estudo de sociedades de
outros tempos e lugares pode possibilitar a constituição da própria
identidade coletiva na qual o cidadão comum está inserido, à medida
que introduz o conhecimento sobre a dimensão do ‘outro’, de uma
‘outra sociedade’, ‘outros valores e mitos’, de diferentes momentos
históricos.” (BITTENCOURT, 2006, p. 27).
SUMÁRIO

258
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Assim, diante da discussão exposta, sobre patrimônio cultural


e sua relação com o ensino de história, iremos discorrer sobre um
dos veículos que possibilita a entrada da discussão sobre o patrimônio
cultural nas aulas de história: o livro didático.

O LIVRO DIDÁTICO COMO UM INSTRUMENTO


LIMITADO NA SALA DE AULA

O livro didático tem sido o centro de diversas discussões nos


últimos tempos, ora positivamente, ora negativamente, sempre está
sendo adjetivado e avaliado pelos sujeitos que dele fazem usos. Apesar
das avaliações contraditórias, Bittencourt (2006) lembra-nos que o livro
didático continua sendo o material didático referencial de professores,
pais e alunos que [...] consideram-no referencial básico para o estudo.
A autora também chama atenção para que os pesquisadores adotem
uma abordagem que compreenda o livro didático como um objeto
de ‘múltiplas facetas’ que possui uma natureza complexa. Assim,
iremos destacar algumas concepções referentes ao livro didático:
Uma mercadoria, ou seja, “um produto do mundo da edição que
obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização
pertencente à lógica do mercado”. É também um depositário dos
conteúdos, “sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados
pelas propostas curriculares”. Assim como também é um instrumento
pedagógico, “elabora as estruturas e as condições do ensino para o
professor.” (BITTENCOURT, 2006, p. 71). Por último a autora destacou
outra caracterização/concepção para o livro didático:
o livro didático é um importante veículo portador de um
sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias
pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras
didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos
SUMÁRIO dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia,

259
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa.


(BITTENCOURT, 2006, p. 72).

Desse modo, nosso investimento maior no presente texto é


pautado em investigar/analisar como as questões sobre o patrimônio
cultural são abordadas nos livros didáticos de História do Ensino
Fundamental I, das escolas do município de Russas/CE. Ao nos
propormos analisar uma coleção de livros didáticos específica
algumas questões gerais devem ser esclarecidas. Em primeiro
lugar devemos ter em mente a importância e a solidificação que o
instrumento livro didático adquiriu no cotidiano escolar, sendo hoje
difícil imaginar a possibilidade dos alunos não disporem dele. Assim,
cabe compreendermos os significados desse instrumento, bastante
complexo, diga-se de passagem. Mesmo confirmando a importância
do livro didático no cotidiano escolar, não podemos deixar de perceber
suas limitações, contradições ou ausências, pois como diz Bittencourt
(...) o livro didático é limitado e condicionado por razões
econômicas, ideológicas e técnicas. A linguagem que produz
deve ser acessível ao público infantil ou juvenil e isso tem
conduzido a simplificações que limitam sua ação na formação
intelectual mais autônoma dos alunos. Autores e editores, ao
simplificarem questões complexas impedem que os textos dos
livros provoquem reflexões ou possíveis discordâncias por parte
dos leitores. Sua tendência é de ser um objeto padronizado,
com pouco espaço para textos originais, condicionado formatos
e linguagens, com interferências múltiplas em seu processo
de elaboração associadas a lógica da mercantilização e das
formas de consumo. (BITTENCOURT, 2006, p. 73).

Essas críticas são bastante significativas e apontam a limitação


encontrada por professores e alunos para o uso do livro didático,
de modo que elas serão levadas em conta nas análises que nos
propomos aqui. Por outro lado não podemos tomar o livro didático
como algo maior do que ele é. Devemos ter em vista que ao chegar ao
seu momento final, na sala de aula, ele é um instrumento limitado na
SUMÁRIO

260
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

mão de professores e alunos. Logo nem poderia ser o vilão maior dos
insucessos na sala de aula e nem pode ser superdimensionado, como
sendo capaz de garantir que a aprendizagem aconteça, desde que
superadas algumas de suas limitações. Assim, compreendendo o livro
didático como uma obra complexa, devemos analisá-lo com cautela.

Não perdendo de vista todas essas questões, pretendemos


abordar o patrimônio cultural na obra selecionada para esse estudo,
de modo que buscaremos fazer as devidas críticas. Assim, cabe
perguntar, o que de fato significa o livro didático para os protagonistas
da sala de aula, professores e alunos? Essa pergunta pode ser
respondida por diferentes caminhos, mas é importante percebermos
que cada livro encerra uma disciplina, e que cada disciplina tem seus
meios próprios de construir seus conhecimentos e particularidades
para a sua transmissão. Logo, como já dissemos, trabalharemos com
o debate relacionado ao campo da História, onde temos que tomar
cuidado com certas visões, a exemplo do que é colocado por Neta e
Novais, quando dizem que
Ensinar História tendo como instrumento apenas o livro didático
é uma atitude que contribui para empobrecer, limitar e restringir
o conhecimento. Os conteúdos apresentados pelos manuais
didáticos são, na maioria das vezes, uniformizantes, não
levando em consideração as particularidades regionais e as
especificidades locais. (NETA e NOVAIS, 2011, p. 03).

Essa visão em um aspecto abstrato, descolada da realidade,


é plenamente acertada; porém, ao analisarmos - mesmo que
superficialmente - a realidade do cotidiano escolar veremos uma
complexidade maior. É difícil imaginar que professores e alunos que
não dispõe de quase nada além do livro possam dispensar esse
recurso, por mais limitado que ele seja, visto ser o que eles têm à mão.
Esses sujeitos esbarram ainda em muitas limitações para a execução
de propostas que pudessem superar essa realidade, pois o livro muitas
SUMÁRIO das vezes é o que possibilita visualizar as imagens, ler fragmentos de

261
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

textos, acessar charges, fotografias e uma diversidade de fontes que


foram usadas na construção do conhecimento que se está estudando,
sem ele, fatalmente muitas aulas se resumiriam a exposições orais,
lousa e pincel, ou teríamos que cobrar dos professores verdadeiros
“lances de criatividade” todos os dias de sua trajetória profissional,
o que não parece cabível, pois estaríamos colocando neles toda a
responsabilidade e peso da falta de condições de trabalho.

Logo, o livro didático oferece algumas possibilidades, mesmo


existindo muitas limitações que vão desde as materiais, relativas à falta
de outros recursos e meios, até outras como as avaliações externas
que retiram dos professores, e até das escolas, o controle sobre o
processo de aprendizagem, que passa a ser feito de forma remota - a
distância. Tudo isso influi fortemente nos conteúdos e nas formas que
se deve ensiná-los, nos levando a perceber que o livro é uma peça de
toda essa engrenagem, mas não é a mais decisiva, não se tratando de
uma simples questão de querer ou não usá-lo mais ou menos.

Tudo isso não nos impede de fazer a crítica a esse


instrumento, pois visto que quanto mais qualificado e sintonizado
com as necessidades de professore e alunos ele for, mais estaremos
caminhando para superar as dificuldades citadas por Neta e Novais.
Isso se faz sem esquecer que existe toda uma estrutura educacional
que precisa ser transformada, pois muito mais vantajoso seria poder
aliar ao livro as possibilidades de visitas a locais importantes para
o conhecimento histórico - museus, comunidades tradicionais -,
e o acesso a recursos tecnológicos qualificados e a toda sorte de
material que pudesse auxiliar a relação principal, que é a transmissão
e assimilação dos conteúdos.

Foi considerando toda a complexidade envolvida nessas


questões que estabelecemos nosso recorte, de modo que optamos
por conduzir nossa analise tomando o livro didático como instrumento
SUMÁRIO pedagógico, especialmente no que se relaciona com o tema do

262
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

patrimônio cultural. Nesse sentido, passaremos para a análise da


coleção que selecionamos: “História, Sociedade e Cidadania” de
Alfredo Boulos Júnior, conforme indicamos na introdução.

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NA


REDE MUNICIPAL DE RUSSAS

De início chamamos a atenção para uma apresentação


com a qual o autor iniciou todos os quatro volumes que compõe a
coleção. Nessa apresentação aparecem algumas das questões que
abordamos até aqui e dão conta de todo o aparato e da quantidade
de profissionais e interferências por trás da produção do livro didático,
para além do autor.

Boulos Júnior destaca seu papel como autor de pesquisar e


escrever textos e atividades, de sugerir imagens e produzir uma
versão original. A partir disso aponta a ação de diferentes sujeitos,
como o editor e seus assistentes, que avaliam e sugerem mudanças.
Os profissionais da iconografia, que pesquisam, selecionam, tratam
e negociam as imagens. Os profissionais da arte, responsáveis pelo
projeto gráfico, preparo e trato das imagens, distribuindo textos e
imagens através da diagramação. Os profissionais da preparação e
da revisão, que corrigem palavras, frases e padronizam o texto. Uma
equipe jurídica que solicita autorizações legais para o uso de textos e
frases de outros autores e das imagens. Tendo-se ainda o processo
para a impressão do livro, feito por uma gráfica que conta com técnicos
especializados, de onde segue para uma equipe de divulgação que
cuidará de apresentá-lo aos professores. (BOULOS JÚNIOR, 2015).

Todo esse processo, logicamente, faz interferir diversos outros


interesses além dos que inicialmente tinha o autor. Se considerarmos
SUMÁRIO

263
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

que o livro ainda passará por avaliações e escolhas até chegar ao


uso de professores e alunos, percebe-se por que dizíamos tratar-se
de um elemento complexo, isso sem nem mesmo considerarmos as
possibilidades de usos que se fazem do mesmo.

Dentro de toda essa complexidade, a obra específica assinada


por Boulos Júnior apresenta-se dividida em quatro volumes, um para
cada ano do ensino fundamental II. Os volumes dos 6º, 7º e 9º anos
encontram-se divididos em quatro unidades cada, que variam entre
três e cinco capítulos cada uma delas, com exceção apenas da
primeira unidade do livro do 6º ano que possui apenas dois capítulos.
O livro do 8º ano, por algum motivo, foge um pouco a essa estrutura
e apresenta apenas três unidades, sendo a terceira delas composta
por sete capítulos.

Nos dois capítulos iniciais do livro dos 6º anos aparecem,


respectivamente, uma discussão sobre “História e fontes históricas”
e “Cultura, patrimônio e tempo”. Essa unidade aparece com uma
espécie de introdução aos estudos da disciplina de História, na qual o
professor deverá trabalhar diretamente alguns conceitos utilizados no
decorrer dos estudos.

Para nossa proposta é bastante significativo o que aparece no


segundo capítulo. O primeiro conceito trabalhado pelo autor é o de
cultura, trazendo uma definição de Darcy Ribeiro, compreendendo
cultura como toda produção humana e que o acesso aos bens
culturais é um direito, frisando que não há uma hierarquia entra as
culturas dos diferentes povos. Aparece também uma classificação de
cultura material e imaterial.

Essa classificação abre margem para a classificação do


patrimônio cultural, que é feita em natural, material e imaterial,
inclusive com a apresentação de imagens relativas a cada uma dessas
SUMÁRIO categorias. Essa discussão é feita conforme discutimos em tópico

264
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

anterior, demostrando que o autor tem uma compreensão atualizada


do patrimônio cultural, o que inclusive é demostrado nas variadas
imagens e textos que complementam o texto central ao longo da
coleção. Ficando evidente que ele não limita a sua compreensão sobre
patrimônio apenas as construções de pedra e cal, e nem negligencia a
necessidade da preservação do patrimônio, aparecendo inclusive um
pequeno tópico onde se destaca o papel do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

De modo geral, a coleção busca articular a História de caráter


mais eurocêntrico com a História do Brasil e de outras partes do mundo
através de diferentes sistemáticas. Assim, o livro do 6º ano apresenta
além da já citada unidade introdutória, dois capítulos referente à “pré-
história brasileira” e aos “indígenas: semelhanças e diferenças”, e em
seguida adota a sistemática de capítulos abordando povos diferentes
da antiguidade, com destaque para os Gregos, que ocupam dois
capítulos, e os Romanos, que também ocupando dois capítulos
mantendo ainda relação com um terceiro capítulo, específico sobre
o Império Bizantino.

O livro do 7º, em sua maior parte, aborda a Europa, desde a


Queda do Império Romano do Ocidente até as Grandes Navegações
e a colonização da América, mesclado com um capítulo sobre “os
árabes e o islã”, um sobre “povos e culturas africanos” e outro sobre
“China e Japão”. Nos quatro capítulos finais aborda a “colonização
da América”, um destacando algumas sociedades pré-coloniais
(Mais, Incas, Astecas e Tupis), outro sobre a “colonização de
espanhóis e ingleses”, encerrando-se com dois capítulos sobre a
“colonização portuguesa”.

O livro do 8º ano é um pouco diferente, composto por apenas


três unidades, ele traz na primeira delas apenas temas da “História
do Brasil Colonial”, enquanto a segunda se especifica nas chamadas
SUMÁRIO “Revoluções burguesas” (na Inglaterra, EUA e França). Já a última

265
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

unidade, a maior da coleção, composta por sete capítulos, inicia com


um capítulo sobre a “Independência do Haiti e da América latina,”
depois apresenta cinco capítulos sobre a História do Brasil, dando
sequência ao que era tratado no livro anterior, para finalizar com um
capítulo sobre os EUA e a Europa no século XIX.

Já o livro do 9º ano, que é o mais volumoso, apresentando


dezesseis capítulos, enquanto os outros apresentam apenas
quatorze. Ele se inicia com uma primeira unidade que trata de
temas entre o século XIX e XX, como Imperialismo, Revolução
Russa, Primeira Guerra Mundial e Primeira República no Brasil. Na
sequência vai alternando entre temas da História do Brasil com temas
relativos a Europa e EUA, dedicando ainda um capitulo para tratar
das independências da África e da Ásia e outro para o “Socialismo
Real” (China, Cuba e Vietnã). Este livro, e consequentemente toda
a coleção, se encerra com um capítulo chamado “O Brasil na Nova
Ordem Mundial”, onde se trata de temas bastante atuais como os
eventos que se deram do Governo de Fenando Collor até o início do
segundo mandato de Dilma Rousseff, apresentando ainda um tópico
sobre os povos indígenas brasileiros na atualidade.

Percebemos assim que a coleção segue uma estrutura bastante


linear, onde a disposição dos conteúdos segue uma ordem cronológica
distribuídas em duas grandes linhas formadas pela História do Brasil
e pela História de caráter eurocêntrico, mas abrindo espaços, embora
limitados e por vezes até sem muita relação com as linhas centrais,
para temas de outras culturas e regiões.

Essa forma de organização dos conteúdos por tempo e espaço,


tem a vantagem de tocar em uma variedade de temas, porém muitas
vezes restringindo-se o estudo de uma região ou povo a um certo
período de tempo. Via de regra esse período de tempo é demarcado
pela temática da unidade, direcionada pela História do Brasil ou pela
SUMÁRIO História eurocêntrica. É assim que, por exemplo, mesmo se fazendo

266
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

um esforço para tratar de Árabes e Islã o mais amplamente possível


nos limites de um capítulo do livro do 7º ano, torna-se bastante difícil
desprendê-lo da tônica geral da primeira parte desse livro que é a
Idade Média, sendo ainda mais difícil relacionar esse capítulo com as
outras vezes em que aparecera essa temática ao longo da coleção.

Já no que se refere à forma como o livro apresenta os


conteúdos dentro de cada capítulo, temos uma prevalência do texto
escrito e do uso de imagens. Tanto textos escritos como imagens são
apesentados de forma bastante ampliada facilitando a visualização.
As imagens suscitam reflexões sobre o assunto tratado no texto
escrito, elas são bastante variadas, estando presentes fotografias,
gravuras, charges, imagens de paisagem e monumentos, obras
artísticas, entre outras que fornecem um suporte interessante se
considerarmos que o professor encontra limitações para exibir em
sala outras imagens fruto de seu critério.

Em alguns casos as imagens não são fundamentais para a


compreensão do texto escrito, podendo ser desprezadas. Porém é
justamente nessas imagens que aparecem possibilidades de abordar
muitos dos elementos acerca do patrimônio cultural, seja material,
imaterial ou mesmo natural. Um exemplo dessa percepção pode ser
tomado do livro do 8º ano em seu capítulo 11, na parte em que se
aborda a Revolta dos Malês. Nesse momento específico aparecem
duas imagens atuais de mulheres negras, uma brasileira outra
nigeriana, junto a uma gravura de africanos trazidos para o Brasil. Nas
caixas de textos abaixo das imagens o autor chama a atenção para
as semelhanças físicas e dos trajes dos personagens representados,
suscitando reflexões sobre a influência das culturas africanas na
construção do patrimônio cultural imaterial brasileiro, porém esse
aspecto não ganha destaque no tópico em questão.

Outro aspecto interessante são as citações de obras de


SUMÁRIO historiadores e de textos referentes a outros documentos. Elas

267
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

aparecem em vários momentos e constitui interessante possibilidade


de análise e crítica às formas como se percebe cada tema, porém
também passam pelo risco de serem facilmente desprezadas visto que
não se integram plenamente ao texto escrito central, já que na maioria
dos casos aparecem nas sugestões de atividades ou em caixas de
texto que sugerem ser um complemento.

O texto central é composto por um texto escrito, divido em tópicos


e mesclado com imagens que lhe dão suporte e suscitam reflexões,
mas, além disso, os capítulos são pontuados ainda por algumas caixas
de textos em cor diferente e que trazem pontos específicos, às vezes
com citações e imagens que a despeito de serem importantes para
o conteúdo do capítulo suscitam a ideia de que são opcionais. Os
próprios títulos dessas caixas de texto, “Para refletir” e “Para saber
mais”, corroboram essa ideia de serem opcionais.

A discussão de patrimônio cultural, para além do que é


apresentado no segundo capítulo do livro do 6º ano, aparece por
vezes diluída nessas caixas de textos e imagens ao longo dos
livros, não ganhando aspecto de destaque e nem sendo retomada
no texto central.

A coleção é bastante rica em atividades, algumas são sugeridas


discretamente ao longo dos textos, mas as mais significativas
aparecem ao final de cada capítulo. A primeira atividade que aparece
tem um caráter de revisão e se chama “Retomando”, nela se alterna
análises de imagens e citações, questões objetivas e subjetivas,
palavras cruzadas, entre outras formas, seguindo a estrutura do
que foi disposto no capítulo. Em seguida aparece uma interessante
modalidade de atividade, “Leitura e escrita em História”, onde os
alunos são instigados a lerem textos mais longos e produzirem seus
próprios textos, e também a analisarem imagens. Têm-se ainda mais
duas modalidades de atividades na sequência, em que se busca
SUMÁRIO integrar o conhecimento trabalhado com alguma outra área do saber

268
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

e na outra se propõe reflexões sobre temas da atualidade, relativos


ao que foi estudado.

Ao longo dos textos e imagens que dão suporte a essas


atividades voltam a aparecer oportunidades de estudar a temática
específica sobre o patrimônio cultural, sua identificação e preservação,
porém poucas vezes é adotada a abordagem da educação patrimonial,
visto ter-se um espaço considerável para essas atividades.

CONCLUSÃO

Por fim, em nossa percepção, não existe problema em relação à


compreensão de patrimônio cultural, pois a conceituação e classificação
dos bens culturais apresentados está em conformidade com a atual
perspectiva acerca do tema. No entanto, a coleção de livros didáticos
analisada negligencia a discussão do patrimônio cultural, na medida
em que aborda essa temática diretamente apenas em um capítulo,
deixando nos demais momentos apenas a possibilidade de uma
abordagem secundária a partir de imagens e fragmentos de textos.

Justifica-se essa crítica a partir da percepção de que a


dinâmica da sala de aula, marcada pela imposição de ritmos
acelerados, em relação ao que seria condizente com os processos
de ensino e aprendizagem, influência para que de fato essas
possibilidades secundárias de discussões sobre patrimônio sejam
realmente negligenciadas. Toda via, parece que esse aspecto não
é um problema que tenha como elemento central apenas o livro ou
a abordagem do professor, pois devemos considerar as exigências
externas, que influenciam para que se cobre e se avalie um volume
grande conteúdos em espaço pequeno de tempo. Essa constatação
não esvazia a crítica feita, pois o livro como ferramenta didática deve
SUMÁRIO

269
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

atender aos referidos processos de ensino e aprendizagem, por


vezes em descompasso com essa dinâmica.

REFERÊNCIAS
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curriculares de História. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na
sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2006.
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BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11 ed. São
Paulo: Contexto, 2006.
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São Paulo: FTD, 2015.
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Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí, 2011 – Realização Cursos
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ORIÁ, Ricardo. Educação patrimonial e cidadania: uma proposta alternativa
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25/26, p. 265-276, 1992.
SUMÁRIO

270
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe (org.).


O saber histórico na sala de aula. - 11 ed. - São Paulo: Contexto, 2006.
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SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. – 32ª ed. – Campinas: Autores
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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11ª
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SITE DO IBGE. Brasil/ Ceará/ Russas. Disponível em https://cidades.ibge.gov.
br/brasil/ce/russas/panorama. Acesso em: 05 de julho de 2019.
TOLENTINO, Átila Bezerra. Eduacação patrimonial de colonial: perspectiva e
entraves nas práticas de patrimonialização federal. Sillogés- V. 1, n.1, jan./jul. 2018.
ZARBATO, Jaqueline A. M.; SANTOS, Caio Vinicius dos. Memória e
patrimônio na aula de história: o uso do monumento histórico-cultural na
aprendizagem histórica. Fronteira: Revista de História. Dourados, MS, V. 17, n.
30, p. 64-79, jul./ dez. 2015.

SUMÁRIO

271
14
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 14

O ENSINO DE CIÊNCIAS
NATURAIS: RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS

Ila Monize Sousa Sales


Ila Monize Sousa Sales
Yasmin Pereira de Oliveira
Yasmin Pereira de Oliveira

O ENSINO
DE CIÊNCIAS
NATURAIS:
relatos
de experiências
pedagógicas
SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.272-286 272


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O ensino de ciências voltado para o ensino fundamental II vem sofrendo
modificações ao longo dos últimos anos, que aperfeiçoa a prática docente em
sala de aula e facilita o processo de aprendizagem dos alunos. As mudanças
atuais em relação a nova proposta da Base Nacional Comum Curricular trazem
uma nova realidade de conteúdos para os anos finais do Ensino Fundamental,
dando foco na exploração de vivências, saberes, curiosidade dos alunos sobre
o mundo. Os professores dispõem de metodologias diversificadas tais como:
mapas conceituais e mentais, jogos didáticos, atividades de laboratório, mídias
audiovisuais e kits didáticos (estruturas anatômicas), estratégias estas que
beneficiam a motivação interna, o raciocínio, a argumentação, e a interação
em sala de aula. Porém, agregado a esses fatores estão o desinteresse,
indisciplina e a ausência da família na escola. Diante desta realidade, o capítulo
trará relatos do cotidiano de professores de ciências em sala de aula, fazendo
uma reflexão sobre as novas mudanças da BNCC.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Ensino de Ciências; Experiências pedagógicas; BNCC.

273
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A educação e o ensino em escola pública gratuita e obrigatória


para todos, tem sido uma batalha travada pelos educadores afim de
atender as diferenças sociais e pedagógicas buscando uma educação
de qualidade. Porém, ultimamente é notável que a contradição entre
qualidade e quantidade nas questões pedagógicas dentro da escola
pública se divergem, além dos fatores socioculturais que afetam esse
meio diretamente. (LIBÂNEO, J. C. 2012).

Atualmente, a educação ainda apresenta várias características


de um ensino tradicional, no qual o professor é visto como possuidor
do saber, enquanto os alunos são considerados sujeitos passivos
no processo de ensino e aprendizagem (NICOLA, J. A. e PANIZ, C.
N.2016). No ensino de ciências é reconhecido as dificuldades para
lecionar conteúdos de ciências no ensino fundamental por conta da
necessidade da memorização de termos científicos, da definição de
conceitos e suas variações. Torna-se então necessário a utilização
de metodologias diversificadas como alternativas para complementar
muitas lacunas deixadas pelo processo de ensino-aprendizagem.

É perceptível a presença das ciências naturais no nosso dia


a dia. Progressivamente precisamos dos conhecimentos científicos
para avançarmos e sobrevivermos conforme as mudanças sequentes.
Compreendida como um método de descobrimento de acontecimentos
e procura de leis, a ciência, ajuda a esclarecer os fenômenos e
engrandecer de forma sistemática e engenhosa os conhecimentos do
homem a respeito da natureza. Para BRITTO e MANATTA (1994, apud
Ferreira, 2013) o estudo de ciências para o educando deve consistir em
descobrir e conhecer seu mundo, esclarecer suas dúvidas, valorizar o
ambiente que o cerca. 

SUMÁRIO

274
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

O ensino de ciências voltado para o ensino fundamental II vem


sofrendo modificações ao longo dos últimos anos, que aperfeiçoa a
prática docente em sala de aula e facilita o processo de aprendizagem
dos alunos. A forma como os conteúdos são trabalhados, a sua
compreensão, é fundamental para que o desenvolvimento do ensino-
aprendizagem seja satisfatório.

As propostas formais a respeito do que deveria ser ensinado


nas escolas são, indiscutivelmente, uma das ocorrências que facilita na
compreensão do quadro do ensino de ciências no nível fundamental
(REIS, P. 2013). Na rotina do dia a dia em sala de aula, na maioria das
vezes os recursos mais utilizados são o quadro e o pincel atômico, o
que acarreta no desinteresse por não despertar a atenção dos alunos
sobre os temas abordados. Sendo assim, com o passar do tempo
o aluno perde o interesse pelas aulas de ciências, pois muito pouco
de diferente é feito para tornar a aula mais atrativa e que motive o
mesmo a aprender e construir seu próprio conhecimento. Não existe
duvida do quanto é rico em aprendizagem a utilização dos diversos
recursos didáticos, tais como: mapas conceituais e mentais, jogos
didáticos, atividades de laboratório, mídias audiovisuais e kits didáticos
(estruturas anatômicas), estratégias estas que beneficia a motivação
interna, o raciocínio, a argumentação, e a interação em sala de aula.

A ciência é um assunto muito rico, de chegar e extasiar. Os


professores fortemente falam sobre determinar uma ciência que
satisfaz a curiosidade do aluno, uma ciência experimental, que conta
os fenômenos naturais; e outra, repleta de classificações, necessária
a uma escola de qualidade. Nosso ensino de ciências está defasado
da realidade do aluno. As atividades práticas são ainda realizadas
em visitas, com a saída dos alunos das dependências da escola
e em salas ambiente, em que os alunos podem manipular seres
vivos, bonecos, materiais instrucionais preparados para o ensino de
SUMÁRIO ciências. Se durante a aula pegar um copo, realiza uma experiência.
Eles ficam impressionados.

275
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Sabe-se que a compreensão necessária da natureza da


ciência é bastante importante para permitir aos alunos participarem
em debates e em processos de tomada de decisão, contribuindo
para a construção de uma sociedade mais democrática. Igualmente,
o que se almeja é que os alunos passem da sensibilização para a
ação fundamentada, ou seja, que se transformem em agentes ativos
de conhecimento, por meio da investigação e da tentativa de mudar
situações e comportamentos. (REIS, 2013).

Olhar o sistema de ensino de ciências quanto a suas dificuldades


é retratar sobre os vários componentes deste sistema, os elementos
que estão ligados ao processo educacional principalmente a falta de
infraestrutura das escolas e a carência de recursos didáticos, tempo e
material pedagógico na rede pública de ensino, além da preparação
a qual recebemos os alunos para os anos finais, os quais chegam
com bastante defasagem básica, dificultando a aquisição de novos
conhecimentos necessários para os eixos finais do ensino fundamental,
pois sabe-se que é ao longo do ensino fundamental que acontece a
aproximação ao conhecimento cientifico que ocorre gradualmente,
onde nos primeiros ciclos o aluno constrói um repertorio de imagens,
fatos e noções, e nos ciclos finais apenas se estabelece os conceitos
científicos. Sendo importante ressaltar que o grau de amadurecimento
intelectual e emocional do aluno e sua formação escolar são relevantes
na elaboração desses conhecimentos prévios. Existe a fator de que
algumas turmas possui um grande número de alunos, a falta de
estrutura e até mesmo de tempo, são desafios enfrentados pelos
professores nos momentos de utilizarem recursos diferenciados.

Para SANTOS (2013), por vezes, os educadores, em razão das


realidades encontradas nas escolas acabam atribuindo o fracasso na
aprendizagem, como resultado da falta de interesse do aluno, sem
perceber que o próprio aluno é também influenciado pelas precárias
SUMÁRIO condições que muitas escolas oferecem, tendo ainda o agravante que

276
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

muito professores precisam trabalhar em várias escolas, o que lhes


impedem de conhecer a realidade de seus alunos. Agregado a esses
fatores está a ausência da família na escola. Entrelaçado as estas
condições os professores estão sobrecarregados de responsabilidades
e cobranças por bons resultados nas avalições externas.

Portanto, torna-se indispensável que as instituições escolares


públicas procurem uma trilha diferente da já projetada e que coloque
na sala de aula, ações realmente participativas para que a educação
se dê de forma significante na vida do aluno, afim de que ele possa
entender a sociedade em que vive e sua relação com o resto do mundo,
entendo sua própria história.

O ENSINO DE CIÊNCIAS DE ACORDO COM


OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
(PCN) E A MUDANÇA PROPOSTA PELA BASE
NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)

De acordo com o Pcn, 1997 a meta que se propõe para o


ensino da área na escola fundamental é mostrar a Ciência como um
conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas
transformações, para reconhecer o homem como parte do universo
e como indivíduo. Desse modo, a técnica de ensino aprendizagem
das ciências naturais deve apresentar-se a preparar o aluno para uma
conduta positiva em relação às mudanças e de maneira atenta levar o
aluno a refletir, sentir e agir em prol da vida de forma a encontrar o seu
mundo assim como compreende-lo para poder enaltecer o ambiente
que o cerca o instruindo a tomar as decisões mais pertinentes para
com o meio em que vive (Ferreira, 2013).

SUMÁRIO

277
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Tirar esse posicionamento “cientificista” que se carregou por


muito tempo é fundamental para deixar de pensar o ensino de ciências
como sinônimo da definição de ferramenta teórica ou experimental.
É essencial, que o professor tenha com referência que o ensino das
ciências naturais é relevante para o desenvolvimento de posturas e
valores pertinentes às relações entre os seres humanos, o conhecimento
e o ambiente (Pcn, 1997).

É notório no espaço escolar a transição do ensino tradicional


para as propostas colocadas pelos Pcn. O aluno precisa ver as
diferentes explicações sobre o mundo e as transformações e
fenômenos da natureza originadas pelo homem de forma exposta e
comparada. O aluno precisa ser capaz de ter uma postura reflexiva,
crítica, questionadora e investigativa. Ter autonomia de pensamento e
ação. É indispensável que nesse processo de ensino e aprendizagem
haja relações com a tecnologia e sociedade, e que seja considerado
as estruturas de conhecimento envolvidos no processo - do aluno,
do professor e das ciências. De acordo com os Pcn em ciências
naturais são procedimentos fundamentais aqueles que permitem a
investigação, a comunicação e o debate de fatos e ideias.

Tendo como base os Pcn os conteúdos são montados em


blocos temáticos que são apontados conceitos, procedimentos e
atitudes centrais para a compreensão do tema abordado. São quatro
os blocos temáticos propostos para o ensino fundamental: Ambiente;
Ser humano e saúde; Recursos tecnológicos; e Terra e Universo. A
variedade de conteúdos teóricos das disciplinas cientificas, como a
Astronomia, a Biologia, a Física, as Geologias e a Química, de vem
ser considerados pelo professor, para que o aluno não fique defasado
desses conhecimentos.

Os Pcn trazem uma perspectiva interdisciplinar, com conceitos


de energia, matéria, espaço, tempo, transformação, sistema, equilíbrio,
SUMÁRIO variação, ciclo, fluxo, relação, interação e vida que estão presentes em

278
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

diferentes campos das ciências, adotando um conjunto de conceitos


centrais. De acordo com Pcn os objetivos de Ciências Naturais no
ensino fundamental são concebidos para que o aluno desenvolva
competências que lhe permitam compreender o mundo e atuar como
indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos de natureza
científica e tecnológica.

Para a BNCC, 2017 nos anos finais do Ensino Fundamental,


a exploração das vivências, saberes, interesses e curiosidades dos
alunos sabre o mundo natura e material continua sendo fundamental.
Os conhecimentos atingidos por meio dos conteúdos de ciências vão
desde o entendimento de uma receita, até a mais alta tecnologia das
nanoestruturas tornando o ensino de ciências naturais importante para
a percepção do mundo.

Em relação as diversos conteúdos presentes no dia a dia


dos alunos, tais como alimentos, medicamentos, combustíveis,
transporte, saneamento e manutenção da vida na terra, entre outros,
são primordiais tanto conhecimento éticos, políticos e culturais quanto
científicos. Por esse motivo, a BNCC defende a presença da área de
Ciências da Natureza, na educação formal, e de seu compromisso
coma a formação integral dos alunos. Para que eles possam, ao
longo do ensino fundamental, ter um desenvolvimento do letramento
cientifico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar
o mundo - seja ele natural, social ou tecnológico – e transforma-lo
com base nos aportes teóricos e processuais das ciências. Além de
aprender a respeito de si mesmas, da diversidade e dos processos de
evolução e manutenção da vida.

A nova BNCC, que terá sua implantação nas escolas até


2020, traz uma nova realidade de conteúdos para os anos finais do
Ensino Fundamental. Para a elaboração dos currículos de Ciências,
as aprendizagens essenciais a ser asseguradas neste componente
SUMÁRIO curricular foram organizadas em três unidades temáticas que se repetem

279
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ao longo de todo o Ensino fundamental. A nova proposta trabalha em


forma de espiral, onde todas as séries ao logo dos quatros anos finais
do Ensino Fundamental estudam as três unidades temáticas, aumento
o nível de acordo com a série.

Na unidade temática Matéria e energia o foco é no estudo de


materiais e suas transformações, fontes e tipos de energia utilizados
na vida em geral, na perspectiva de construir conhecimento sobre a
natureza da matéria e os diferentes usos da energia. Desde o 6º ano os
alunos terão contato com a química. Entendendo as transformações
que sofrem os materiais. No 7º ano ocorre o primeiro contato com
a física, compreendendo funcionamento das máquinas. No 8º ano
ocorre um aprofundamento do já visto nos anos anteriores, assim
como no 9º ano.

A segunda unidade temática Vida e Evolução propõe o estudo


de questões relacionadas aos seres vivos, caracterizando-os e
entendendo suas necessidades, vendo a vida como fenômeno natural
e social. Já no 6º ano os alunos terão contato com a unidade básica
da vida, a célula, e os primeiros sistemas do corpo humano. No 7º
ano os alunos terão contato com o meio ambiente, conhecendo os
ecossistemas e os impactos ambientais causados pelo homem. No 8º
ano o aluno terá contanto com a sexualidade e o sistema reprodutor.
No 9º ano a genética e a biodiversidade serão o foco.

A terceira e última unidade temática Terra e universo propõe


a busca pela compreensão de características da Terra, do Sol, da
Lua e de outros corpos celestes – suas dimensões, composição,
localizações, movimentos e forças que atuam entre eles. No 6º ano
os alunos estudaram a parte geográfica tais como forma, estrutura
e movimentos da Terra, entendendo por exemplo as camadas que
estruturam o planeta terra. No 7º ano ocorre um aprofundamento
do meio ambiente, destacando a composição do ar e o efeito estufa.
SUMÁRIO Ao chegar no 8º ano pela primeira vez os alunos terão contato com

280
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

a astronomia e astrologia, assim como no 9º ano, entendendo, por


exemplos, o ciclo evolutivo do sol e o sistema solar.

As dificuldades para a implantação da nova BNCC serão


enormes, uma vez que, as mudanças ocorreram muito rapidamente
dentro das escolas públicas. Implantar um novo sistema trará prejuízos
e benefícios ao mesmo tempo. Implantada no ano de 2020, os alunos
de 9º anos não terão a base nos anos anteriores, que prejudicará nas
avaliações externas e no entendimento dos conteúdos, uma vez que
não será possível ficar retornando os conteúdos. Para os alunos do 6º
ano, tudo dependerá da forma que ele chega.

Para a BNCC à medida que se aproxima a conclusão do Ensino


Fundamental, os alunos são capazes de estabelecer relações ainda
mais profundas entre a ciência, a natureza, a tecnologia e a sociedade,
o que significa lançar mão do conhecimento científico e tecnológico
para compreender os fenômenos e conhecer o mundo, o ambiente, a
dinâmica da natureza.

O LIVRO DIDÁTICO ATUAL VERSUS O


LIVRO DIDÁTICO PAUTADO NA BNCC

A escolha do livro didático contribui bastante, ou não, para as


aulas de ciências. Segundo Núñez (et al 2005), o livro é considerado
uma ferramenta da educação política e ideológica e com a atual
perspectiva, o livro didático não pode continuar como fonte única de
conhecimentos e de referência para acesso ao conteúdo disciplinar
(por vezes equivocados) a serem transmitidos pelo professor a fim de
serem memorizados e repetidos pelos alunos.

No Brasil o governo federal desenvolveu o Programa Nacional


SUMÁRIO do Livro e do Material Didático (PNLD) que tem como objetivo

281
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

disponibilizar de forma gratuita livros e materiais didáticos de


qualidade para atender escolas públicas de educação básica. A
responsabilidade para realização do PNLD, com a avaliação, compra
e distribuição são dos órgãos do Ministério da Educação (MEC) e
o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Para
os anos finais do ensino fundamental no PNLD 2020 quanto a
sua aquisição e distribuição, terá a implantação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), sendo assim os materiais didáticos
devem conversar com a BNCC, logo, funcionam como uma forma de
realizar os conceitos da Base nas instituições. 

A maioria dos docentes utilizam o livro didático com bastante


frequência, pois é um de recurso de fácil acesso, já que é disponibilizado
nas escolas públicas. Sendo um recurso acessível, diversas vezes
acaba sendo a única maneira do professor implementar suas aulas,
não integrando outras metodologias que poderiam auxiliar os alunos na
aprendizagem dos conteúdos. Sendo assim, é de grande importância
o professor estar preparado para selecionar os livros didáticos e
também a forma de trabalhar esse material, capacitado para participar
como profissional, com seus saberes, competências, nessa atividade.
A nos docentes, tem que ser dado oportunidade de dominar esses
conhecimentos se é desejável que o trabalho com o Livro Didático para
Ensinar Ciências se transforme num exercício profissional do docente.

Os novos livros didáticos propostos pelo PNLD 2020 já vêm de


acordo com a BNCC e seus eixos temáticos para o ensino de ciências,
que mudou bastante de acordo com a realidade vivenciada nas
escolas públicas, pois em alguns livros atuais unidade temática Terra
e Universo, não estavam presentes, nele busca-se a compreensão de
características da Terra, do Sol, da Lua e de outros corpos celestes
- suas dimensões, composição, localizações, movimentos e forças
que atuam entre eles, sendo uma unidade bastante geográfica, onde
SUMÁRIO

282
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

exigira do professor de ciências um maior conhecimento da geografia


como também o seu preparo para ministrar essas aulas.

Outro fator que afetara diretamente aos alunos serão as


mudanças de conteúdo dentro da grade curricular dos livros atuais aos
livros da nova base, pois todos os anos finais do ensino fundamental,
de 6º a 9º ano, trarão todas as unidades temáticas a cada ano, que são
Terra e universo, matéria e energia e vida e evolução. Sendo assim os
estudantes verão as ciências biológicas, físicas e químicas em todos
os anos finais do ensino fundamental, onde apenas o 9º ano que
abrangia essas ciências citadas. Além de que a ordem de conteúdos foi
alterada, como exemplo, os seres vivos e o reino animal era abordado
apenas no 7º ano, e com a alteração passará a ser visto logo no 6º ano,
outro exemplo que podemos citar o conteúdo de sistema reprodutivo e
sexualidade que em alguns livros eram abordados no 7º ano e agora se
encontra no 8º ano. Sendo assim com a implantação da base, algumas
turmas ficarão carentes e sem ver alguns determinados conteúdos.

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

Na literatura encontra-se depoimentos dos docentes da área de


ciências, na qual afirmam que a disciplina tem um caráter biológico
elevado. A listagem dos conteúdos abordados nos anos finais do ensino
fundamental esclarece que não se trata de uma ciência integrada:
no sexto ano, se ministra o ar, a água e o solo, onde se vê a parte
biológica, a parte física e a parte química; no sétimo ano se estuda os
seres vivos e a ecologia; no oitavo ano, o corpo humano; e finalmente
no nono ano, uma iniciação à química, à física e à biologia. A ausência
de integração é, não apenas notável, como obviamente assumida na
escola, onde o 9º ano conta com aulas das três ciências e funciona
SUMÁRIO mais como uma introdução ao ensino médio do que como fase final do

283
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ensino fundamental. Sendo que a partir de 2020 nacionalmente estará


em vigor a base nacional comum (BNCC), o que mudará bastante essa
realidade pois desde o 6º ano os estudantes verão todas as ciências:
biológicas, físicas e químicas.

Uma das primeiras tensões para o ensino de ciências se iniciam


nos primeiro ano do ensino fundamental II, correspondente ao 6º ano,
começam a partir do qual os alunos veem sem nenhum conhecimento
prévio no que diz respeito a ciências, e algumas vezes até problemas
de leitura e compreensão dificultando ainda mais a compreensão dos
conteúdos que serão vistos na disciplina, o que vai em contradição
a BNCC (2017) na qual diz que o conhecimento deve ser construído
desde os alunos iniciais no qual ao chegar nos anos finais do ensino
fundamental já tenha algum conhecimento dos eixos de conhecimento.

Atualmente, em relação ao nono ano, que se caracteriza como


o ano final do ensino fundamental, segundo Milaré e Filho 2010,
as características dos conteúdos propostos existem o alto grau
de complexidade e especificidade de alguns conteúdos quando
comparados ao grau de escolaridade e necessidades dos es­tudantes.
A forma de se trabalhar a Química e a Física é totalmente desvinculado
dos outros assuntos trabalhados em Ciências desde as séries iniciais,
os alunos encontram-se bastante temerosos, com bastante dificuldade
de interpretar e retirar dados. Ressaltando que será um desafio para
todos os anos finais do ensino fundamental a partir de 2020.

Outro desafio que nós professores de ciências teremos que


enfrentar é a adesão e implantação da BNCC dentro de nossas salas
de aula, pois nos dias atuais a nossa realidade diverge muito da
proposta, os livros didáticos não são qualificados, os alunos vindo
dos anos iniciais chegam aos anos finais sem nenhum conhecimento
prévio das ciências naturais, o que dificulta bastante a introdução e
entendimento da área, sendo que há também uma exploração mais
SUMÁRIO ampla da geografia dentro da ciências, o que necessita de uma

284
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

intensa formação aos docentes para aperfeiçoamento e adaptação


a essa mudança. Essas formações continuadas para os professores
deveriam ter sido executadas durante os anos seguintes a proposta
da BNCC que foi aprovada desde 2017 para a implantação ocorrer no
ano de 2020, os anos sequentes 2018-2019 deveriam ter se voltado ao
estudo e preparação dos professores, que são os agentes direto do
conhecimento ao aluno.

A meta que cabe a nós, professores, é a reflexão na nossa


atuação, em como podemos melhorar cada vez mais a nossa forma
de ensinar, se reformular apesar das mudanças e dos obstáculos que
encontramos nessa jornada seja a falta de recursos, seja físico ou
didático, como também do desafio que será a implantação da base
nacional comum (BNCC) para nos professores como também para os
nossos alunos.

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SUMÁRIO

285
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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científicas: uma questão de cidadania. Ensino de Ciências e Tecnologia em
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SUMÁRIO

286
15
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 15

UMA ANÁLISE SOBRE A SELEÇÃO


DE CONTEÚDOS E SEUS
DESDOBRAMENTOS NO ENSINO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Pedro Henrique Silvestre Nogueira


Antônio
Pedro Henrique SilvestreCarlos de Sousa
Nogueira
Raphaell Moreira Martins
Antônio Carlos de Sousa

Raphaell Moreira Martins

UMA ANÁLISE
SOBRE A SELEÇÃO
DE CONTEÚDOS E SEUS
DESDOBRAMENTOS
NO ENSINO DE EDUCAÇÃO
SUMÁRIO
FÍSICA ESCOLAR
DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.287-305 287
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O presente trabalho discorre sobre a seleção dos conteúdos educacionais na
disciplina de educação física. Com base na análise da composição da matriz
curricular da disciplina em estudo, constatou-se que há uma predominância
dos conteúdos esportivos em detrimento dos demais. Em um amplo contexto,
nosso objetivo repousa na investigação da forma de como os conteúdos
curriculares são postos aos professores e quais as maneiras que são
reorganizados para que, posteriormente, seja aplicado aos alunos. A pesquisa
será realizada na Secretaria de Educação e do Desporto Escolar (SEMED),
com 21 professores. Pretende-se identificar se os professores defendem a
existência de um livro didático, uma vez que utilizam diferentes sites para retirar
o conteúdo que serão abordados em suas aulas.

Palavras-chave:
SUMÁRIO Educação física; currículo; seleção de conteúdos.

288
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O artigo que ora tecemos se trata de uma pesquisa de campo,


de cunho qualitativo, realizada no município de Russas-CE. A referida
pesquisa volta-se para a análise da seleção dos conteúdos – aqui,
tratado como conhecimento - a serem compartilhados e tematizados
nas aulas de Educação Física na rede municipal de ensino do
município de Russas-CE.

Apesar do tema possuir vários caminhos, nos enveredamos


apenas pelos aspectos de seleção dos conteúdos e não nos
aprofundaremos aos estudos relacionados ao processo de utilização
desses conteúdos. Tomando como luz teórica o que preconiza Coll
(1998) ao comentar que a escolha do conteúdo para a organização do
ensino de uma matéria deve estar diretamente relacionada à natureza
da mesma como também ao resultado desejado na aprendizagem
deste conteúdo por parte dos alunos.

Assim, o referido estudo se mostrou relevante devido ao fato


de não haver uma bibliografia básica na proposta curricular da
disciplina de Educação Física dessa rede municipal investigada.
Desta forma, pretende-se verificar as formas como os conteúdos
curriculares são postos aos professores e professoras e quais as
maneiras que são reorganizados para que, posteriormente, seja
implementado aos alunos?

Por meio de relatos e diálogos informais, desvendamos que


foi significativa a dificuldade dos professores e das professoras com
os assuntos pertinentes a falta de materiais, organização do material
didático e principalmente em aplica-los em suas aulas, sem a ajuda de
um referencial teórico adequado. Desta forma, é tido como algo comum,
o fato de os professores e professoras buscarem corriqueiramente
SUMÁRIO informações derivadas de diferentes sites na internet. Agrava a situação

289
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

quando tal escolha foi realizada sem nenhuma orientação pedagógica


e critérios metodológicos de seleção.

As mudanças na prática docente em Educação Física geraram


novos entendimentos e comportamentos por parte dos professores e
das professoras. Nesse contexto, um sentimento aparentemente entre
parte significativa dos(as) docentes, a necessidade de novos materiais
didáticos que auxiliem suas práticas pedagógicas (RODRIGUES;
DARIDO, 2011; SOUZA JÚNIOR et al., 2015). Por isso, não estamos
defendendo a inserção do livro didático como único critério para
a seleção dos conteúdos para as aulas de Educação Física. Ao
percebermos que a inclusão do livro didático para a Educação Física
Escolar gera um conflito de posições, seja para promover ou depreciar
esse tipo de material nas aulas de Educação Física (DARIDO et al.
2010; BOTELHO; NEIRA, 2014).

Logo, Fursari (1990) ressalta que compete ao professor e a


professora, a tarefa cotidiana de elaborar suas aulas, o que implica
ter claro, também, quem é seu aluno e aluna, o que deseja com o
conteúdo, como inicia rotineiramente suas aulas, como as conduz e
se existe a preocupação com uma síntese final da aula. O aluno e a
aluna precisam ir percebendo, sentindo e compreendendo cada aula
como um processo por ele e ela vivido para que, na especificidade
da educação escolar, avance, como diz (SAVIANI, 1980), do “senso
comum” à “consciência filosófica”.

Para Dewey (1974) as experiências educativas só podem ser


planejadas tendo em mente os(as) aprendizes, porque dessa forma
é que oferece condições de crescimento. Em consonância com o
posicionamento apresentado, Freire (1991) reforça que é fundamental,
contudo, partimos de que o homem e a mulher são seres de relações
e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo.

SUMÁRIO Não obstante, é curioso o fato de como alguns professores e


professoras escolhem imagens, ilustrações e conectam em textos,

290
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

apostilas ou materiais utilizados em suas aulas. Assim, Martins (2006)


relata que as imagens definitivamente frequentam as salas de aula,
mesmo que apenas como convidadas tímidas sentadas ao lado de
textos ou conteúdos, esses sim considerados os principais visitantes.

Tal afirmação também se reproduz em nosso estudo,


por diversas afirmações dos professores e das professoras
envolvidos(as). Assim, Utuari (2005, p. 137), reforça que apresentar
imagens requer técnica e poética, condições tão importantes na
formação de um professor e uma professora quanto saber aspectos
teóricos, já que os alunos e as alunas fazem parte de uma “geração
visual” e que a imagem na sala de aula possibilita a “discussão
estética com alunos e alunas” e o “exercício do pensamento crítico
da criança e seu conhecimento cultural”.

Dado o exposto, surge o seguinte questionamento: como


os professores e as professoras de Educação Física da prefeitura
municipal de Russas selecionam os conteúdos a serem ministrados
nas suas aulas? Como objetivos secundários procuramos quais
as fontes de pesquisa consultadas e ainda se possibilita de fato o
conhecimento sistematizado?

EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E ESCOLA:


PRECEITOS BÁSICOS

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na


escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços
da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-
ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos
os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com
várias: educação? Educações. (BRANDÃO, 1985, p. 7).

SUMÁRIO

291
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Muitos são os conceitos encontrados para o termo “Educação”.


Educação, em seu sentido amplo, configura-se na atuação de uma
sociedade sobre os indivíduos no tocante ao seu desenvolvimento
psicossocial e cultural com o intuito de conscientizá-los de suas
reponsabilidades enquanto membro de um corpo maior: a sociedade.
Cientes de suas responsabilidades, os sujeitos são capazes de
refletirem sobre a realidade na qual estão inseridos e, com isso, podem
transformá-la, tornando-a mais justa e igualitária.

Haydt (2006) menciona que “a palavra ‘educação’ tem sido


utilizada, ao longo do tempo, com dois sentidos: social e individual.”
Em uma outra extremidade, Libâneo (2002, p.26) define a educação
como “[...] fenômeno plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares,
institucionalizado ou não, sob várias modalidades”. Logo, não há uma
única forma de se fazer educação.

É público que a educação institucionalizada é o veículo pelo


qual tal responsabilidade é materializada e que tal materialização é
realizada por meio da seleção dos conteúdos a serem ministrado
em sala. No entanto, de que forma esse conteúdo é selecionado
nas escolas?

De antemão, faz-se necessário que entendamos sobre que


seleção(ões) estamos falando. Assim, aqui nos reportamos à(s)
seleção(ões) dos conteúdos curriculares da Educação Física. Que
exige uma atenção especial pela historiográfica dificuldade de se pensar
essa componente curricular pela ótica da progressão e complexidade
de conteúdos, que em paralelo, compromete a seleção e organização
dos conteúdos pelas séries. Para Palma et al. (2010), os professores,
de uma maneira geral, têm muita dificuldade em sistematizar os
conteúdos. Os pontos conflitantes são: quando ensinar, o que ensinar
e para que ensinar em cada uma das séries.

SUMÁRIO

292
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Em Russas, local escolhido para nosso estudo, a seleção


e aquisição do livro didático provém das reuniões entre docentes e
gestores em períodos pré-determinados pela Secretaria Municipal
de Educação e do Desporto Escolar (SEMED), os quais analisam os
livros de várias editoras e por meio de votação, escolhem os melhores
elaborados para a área de Educação Física. A escolha foi realizada
por meio de grupos de professores(as) que fazem a defesa dos livros,
catalogando os pontos positivos de cada exemplar, justificando porque
esses são mais interessantes dentre tantos outros.

Contudo, analisando os planos de ensino e a composição dos


currículos de Educação Física dos municípios de abrangência da 10ª
Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação, doravante
CREDE 10, entre eles o município de Russas, observou-se que alguns
destes não dispõe de uma bibliografia básica e/ou complementar da
referida disciplina.

O professor e a professora podem então, e quase sempre o faz,


retirar informações de outras fontes de pesquisa. A partir dessa situação,
o professor e a professora são inteiramente responsáveis por elaborar o
conteúdo a ser ensinado por conta própria. Mesmo reconhecendo que
essa aparente autonomia é relativa, tendo em vista que não oportunizar
materiais didáticos atualizados e com autoridade conceitual para as
aulas de Educação Física, os professores e as professoras se sentem
inseguros para inovar e tematizar pedagogicamente os objetos de
conhecimento da área de Educação Física.

Eis aqui um oculto paradoxo! Por um lado, essa situação é


favorável, pois permite que o professor tenha total autonomia para
selecionar os conteúdos que julgue ser essencial para os alunos, por
outro, preocupa o trato com a confiabilidade dos conteúdos pesquisados.

Em tempo, o conteúdo só adquire significado se vinculado à


SUMÁRIO necessidade real e significativa, capaz de fornecer instrumentais

293
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

teóricos e práticos com propósito na vida social do aluno e da aluna.


Nessa perspectiva, não basta ter o olhar apenas científico sobre
o conteúdo escolar, é necessário compreender bem o processo de
seleção e organização, que são instrumentos de um fazer educativo
politicamente definido e engajado com uma escola pública republicana
e com sentimento democrático.

Assim, defendemos uma ligação intrínseca entre conteúdos


e realidade vivida pelos alunos, principalmente no que se refere ao
ritmo e as formas de aprendizagem e não a escolha de informações
realizadas sem critérios. Garantindo assim um dos objetivos principais
do currículo ao ordenar a reflexão pedagógica do aluno e da aluna de
forma a pensar a realidade social desenvolvendo determinada lógica
(COLETIVO DE AUTORES, 2009).

A SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO
DOS CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO
FÍSICA EM EVIDÊNCIA

Ao longo da história, a Educação Física escolar recebeu


influências da área médica, com ênfase nos discursos pautados na
higiene, saúde e eugenia, do militarismo e dos grupos políticos que
encontravam no desporto um instrumento complementar de ação.
Assim, as propostas e os objetivos educacionais da Educação Física
foram se transformando ao longo dos anos, entretanto, todas as
tendências e abordagens, de alguma forma, acabam por influenciar
a formação do profissional e sua prática docente até os dias de hoje.

Para Darido (2000) é relevante compreender que existem várias


maneiras de se pensar e conceber a Educação Física na escola.
SUMÁRIO Vários são os estudos que mostram a disciplina de Educação Física

294
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

como uma disciplina essencial para a formação do bom cidadão.


Cidadão este, que vai usufruir dos seus conteúdos em benefício do
exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.
(Betti apud Darido 1994).

Segundo Gonzalez (2012), o conhecimento de que trata a


Educação Física é, parte da cultura humana. Entende-se que, para que
as pessoas possam exercer plenamente a cidadania, elas devem ter
acesso também a essa parte da cultura, entretanto, não é um acesso
apenas no sentido de aprender a praticar seus conteúdos, mas de
compreendê-los densamente.

Com base na análise da composição da matriz curricular da


disciplina em estudo, constatou-se que há uma predominância dos
conteúdos esportivos em detrimento dos demais. Os esportes como
o futsal, voleibol, basquete, handebol, ginástica esportiva e atletismo,
aparecem como protagonistas em todas as etapas do Ensino
Fundamental, contabilizando um percentual de 62,5% da soma de
todos os conteúdos. Para ilustrar esse dado relevante, apresentamos
o gráfico a seguir.

Gráfico 1: Predominância dos conteúdos esportivos


no currículo da Educação Física.

SUMÁRIO Fonte: elaboração dos autores.

295
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

É fato que os conteúdos da Educação Física são importantes


como os conteúdos de qualquer outra disciplina, Cool et al., (2000)
definem os conteúdos como uma seleção de formas ou saberes
culturais, conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, valores,
crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de condutas etc.
cuja assimilação é considerada essencial para que se produzam um
desenvolvimento e uma socialização adequados ao aluno.

Estruturar um programa de Educação Física e selecionar seus


conteúdos é um problema metodológico corriqueiro, assim, quando
se determina o conhecimento e os métodos para sua apropriação,
torna-se evidente a natureza do pensamento teórico que se busca
desenvolver nos alunos (COLETIVO DE AUTORES, 2009).

Logo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Pcn), como forma


de garantir e efetivar os seus objetivos, traz em seu bojo algumas
sugestões destinadas aos critérios de seleção dos conteúdos baseados
em três aspectos, são eles: a relevância social dos conteúdos, as
características dos alunos e as características da área (BRASIL, 1997).

Desta forma, é de suma importância a preocupação com a


vida extraescolar dos alunos para uma melhoria da ação didática,
desvelando numa educação humanizadora que perpassa os
muros da escola.

González e Fraga (2012) destacam que por meio dos


conhecimentos específicos adquiridos com as aulas de Educação Física
espera-se que os alunos e as alunas, além de outros atributos, sejam
capazes de apreciar e desfrutar a pluralidade de práticas corporais
sistematizadas, utilizar a linguagem corporal para produzir e expressar
ideias, usar práticas corporais sistematizadas para fruir a natureza,
compreender o universo de produção de padrões de desempenho,
saúde, beleza e estética corporal e o modo como afetam a educação
SUMÁRIO

296
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

dos corpos, analisando criticamente os modelos disseminados na


mídia e evitando posturas redutoras, consumistas e preconceituosas.

Acreditamos que com uma formação adequada do professor


e da professora de Educação Física possa se tornar um agente
transformador da sociedade, ser um indivíduo ativo contra as formas
de reprodução da violência, seja ela nos esportes, como também,
em outras práticas corporais ou em qualquer ambiente, combater a
manipulação das mídias perante a população, e enfrentar todas as
formas de preconceito. Desta forma, entende-se a aula como um espaço
destinado a produção do conhecimento específico da Educação
Física e dos variados aspectos das suas práticas na realidade social.
Portanto, exige-se coerência com tal objetivo, e defendemos que se
deve analisar a gênese dos conteúdos e conhecer o que determinou a
necessidade do seu ensino.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

O delineamento do estudo se deu por meio de uma pesquisa


de campo, composta por uma abordagem qualitativa, que segundo
Minayo (2012), é caracterizada pela compreensão e na vivencia do
cotidiano por meio da experiência dos fatos com um nível que não
poderá ser mensurado de forma quantitativa, pois em sua grande parte
utiliza meios subjetivos para a complementação do estudo.

O cenário da pesquisa ocorreu na SEMED do município de


Russas, no Ceará, durante os meses de junho a outubro de 2018.
O estudo envolveu um total de 21 professores que participavam
das formações continuadas mensais oferecidas pela coordenação
de Educação Física. Tem como instrumento de coleta de dados um
questionário semiestruturado composto por 9 questões discursivas.
SUMÁRIO

297
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Foram incluídos na pesquisa: A) os professores e as professoras


lotados nas escolas no período mínimo de 01 ano, B) possuir formação
em Licenciatura em Educação Física e C) aceitarem a participação
de forma voluntária.

Todas as informações essenciais sobre a pesquisa estavam


presentes no Termo de Consentimento Livre e Consentido – TCLE que
foi devidamente assinado por todos(as) os(as) pesquisados de forma
espontânea e voluntária. Foi reforçado que os participantes teriam
sua identidade preservada, podendo desistir a qualquer momento do
estudo e não sofreram nenhum risco ou dano físico, mental ou social.
A pesquisa está de acordo com a resolução 510/16 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADO E DISCUSSÕES

Com o intuito de facilitar o acompanhamento dos resultados,


uma síntese dos principais achados da pesquisa será apresentada
abaixo no Quadro 1.

Quadro 1: Principais resultados da pesquisa.

1 Entrevistados 21 professores efetivos de educação física escolar

2 Achado principal Solicitação de um referencial teórico (livro didático)

• Apenas 1 professora consulta os Pcn e BNCC.


• As ilustrações facilitam a assimilação
3 Outros achados dos conteúdos pelos alunos.
• Os sites da internet são mais
pesquisados que livros e artigos.

Fonte: elaboração própria dos autores.


SUMÁRIO

298
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Em suma, ao serem questionados sobre terem recebido


orientações sobre os conteúdos da disciplina, 8 entrevistados
alegaram que, ao adentrarem na docência na rede municipal, não
receberam nenhuma informação sobre como é constituído o currículo
de Educação Física, e que apenas foram orientados a seguirem uma
proposta curricular elaborada pela SEMED flexível às mudanças
pertinentes ao processo educativo, porém que os professores tinham
autonomia para incrementar os conteúdos que considerem relevantes
para os alunos.

A fim de extraírem informações a serem trabalhadas em sala


de aula, os participantes na sua grande maioria, relataram que, para
complementar a proposta pedagógica, fazem consultas em sites
da internet. No entanto, os livros e artigos científicos são menos
consultados por parte dos professores. Tal estratégia é sempre
válida, pois o conhecimento pedagógico do conteúdo, de acordo
com o COLETIVO DE AUTORES (2009) é compreendido como o
trabalho docente que sistematiza as explicações pedagógicas a
partir de uma lógica, de uma pedagogia e da apresentação de um
conhecimento científico.

Em contrapartida, nossa preocupação foi quanto aos critérios


de seleção desses conteúdos, pois foi constatado empiricamente que
existe informações divergentes sobre determinados assuntos em sites.
As informações consultadas, se referem a erros em períodos históricos,
regras de competições, nome de pessoas, atribuições etc.

As respostas coletadas sobre a pergunta relacionada


a importância de o professor e a professora ter domínio dos
conteúdos, estão contidas em categorias na tabela 2, que apresenta
os seguintes motivos:

SUMÁRIO

299
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Quadro 2: Conhecimento profundo dos conteúdos.

Categorias Respostas encontradas

Para ter segurança e domínio do assunto 10 respostas

Para ser um facilitador da aprendizagem 5 respostas

Para promover o conhecimento diversificado 1 resposta

Para ganhar a confiança dos alunos 1 resposta

Para gerar impacto na vida dos alunos 1 resposta

Para promover a interdisciplinaridade 1 resposta

Para promover o processo ensino-aprendizagem 1 resposta

Para mudar a visão de alguns


1 resposta
alunos sobre a disciplina

Fonte: Elaborado pelos autores.

Um dado interessante foi perceber que 18 professores


responderam que conhecem as características da área em que atuam
e que as atividades que os alunos e as alunas realizam fora da escola
são, os jogos de ruas, brincadeiras tradicionais, a prática do futsal em
maior número e uma pequena parcela dos alunos se apropriam dos
jogos eletrônicos. Entre os jogos mais praticados pelos alunos, se
destaca o FREEFIRE24.

Resende e Soares (1997) ressaltam que a seleção de conteúdos


de ensino, na perspectiva da cultura corporal, pode ajudar a desenvolver
nos alunos a noção de historicidade, uma vez [...] “que a produção
humana representa apenas um estágio da humanidade - ou seja, não

24 JOGO FREEFIRE é um jogo eletrônico mobile de ação-aventura do gênero batalha, porém,


predomina neste jogo, conteúdo violente de cenas de mortes o tempo todo. Desenvolvido
SUMÁRIO pela 111dots Studio e publicado pela Garena. O jogo obteve um beta aberto em novembro
de 2017 e foi lançado oficialmente para Android e iOS em 4 de dezembro de 2017.

300
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

existiam em determinadas épocas e serão superadas em outras.”


(RESENDE E SOARES, 1997, p. 34).

Na pergunta que remonta a existência de critérios de seleção de


conteúdos pelos professores, 4 responderam que não selecionam os
conteúdos por critérios, escolhem os que surgem nas primeiras fontes
consultadas. Os outros 17 professores relataram diversos fatores que
os levam a ter zelo com a escolha, entre eles se destacam: o grau
de abstração dos educandos, a opção por conteúdos mais simples,
a cultura regional, que abordem a diversidade, relevância social,
sequencia lógica, interdisciplinaridade, dimensão atitudinal e por fim,
que envolvam a comunidade escolar.

Consideramos um número expressivo de professores e


professoras que adotam critérios pertinentes para a seleção de
conteúdos para as aulas de Educação Física. Respeitam os critérios
de relevância social, permitindo que os alunos e as alunos acessam
conteúdos que são direitos de aprendizagem em todo o território
nacional, como foi possível perceber que os(as) docentes valorizam
critérios peculiares a própria regionalidade e a contextualidade do
conteúdo na comunidade dos(as) estudantes.

No tocante ao uso de imagens/ilustrações nas aulas, os(as)


docentes afirmaram que a utilização desses recursos serve,
especialmente, para facilitar a assimilação dos conteúdos pelos
alunos e alunas. Um exemplo mencionado por um dos professores,
foi o impacto que uma foto de um praticante de musculação com os
braços deformados por fazer uso de anabolizantes causou na turma,
despertando o interesse pelo assunto sobre anabolizantes.

Rossi (2009) afirma que, segundo as teorias cognitivas, o


pensamento formal sucede o pensamento concreto no início da
adolescência, proporcionando um acréscimo no nível de abstração.
SUMÁRIO Pode-se dizer o mesmo sobre a interpretação estética, ao passo

301
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

que, pelas habilidades do pensamento abstrato, o educando pode


transcender a concretude do que está representado na imagem,
interpretando-a simbolicamente.

Acerca dos recursos tecnológicos, usa-se comumente os


aparelhos eletrônicos como retroprojetores e notebook nas aulas
“teóricas”. Atualmente, o aplicativo de conversas instantâneas
denominado WhatsApp é comumente utilizado como ferramenta de
comunicação e troca de informações entre professor e aluno.

É visível em algumas escolas do município, a falta de


infraestrutura física, o comprometimento das instalações elétricas,
infiltrações em laboratórios de informática etc. Para tanto, não bastam
computadores, impressoras, softwares, scanners. É necessário
arquitetar uma proposta pedagógica e oferecer formação continuada
para os professores envolvendo o planejamento metodológico com o
emprego das tecnologias. (BIANCHI, 2009).

Um entrevistado relatou que não utiliza recursos didáticos-


metodológicos nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pois as aulas
de Educação Física resumem-se em meras atividades recreativas. Ou
seja, o professor e a professora torna-se um mero cuidador de crianças.
Defendemos que o papel da Educação Física é possibilitar situações
nas quais a criança entre em contato com as diferentes manifestações
da cultura corporal, sobretudo aquelas relacionadas aos jogos e
brincadeiras, os esportes, às ginásticas, às danças, tendo em vista a
dimensão lúdica como elemento essencial para a ação educativa na
infância. (AYOUB, 2001).

No tocante às sugestões, os professores e as professoras foram


unânimes em solicitar a adoção de um livro didático para subsidiar
a prática docente. Um total de 5 professores cogitaram a formação
de um grupo de estudos para discutir assuntos pertinentes à área
SUMÁRIO de Educação Física. Apenas 1 professora respondeu que tem como

302
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

subsídio a BNCC para a elaboração das aulas. Entendemos que esse


achado foi relevante, tendo em vista que a Base Nacional Comum
Curricular é um documento bastante recente. Insistimos que no futuro a
BNCC deve ser um dos documentos fundamentais para a consulta de
seleção dos conteúdos da área de Educação Física, tomando como
referência a obrigatoriedade desse documento no ensino brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que nosso estudo foi concluído com êxito, uma vez
que os objetivos propostos foram alcançados. É importante salientar
que os assuntos abordados como a composição do currículo escolar e
a seleção dos conteúdos é acentuadamente relevante, principalmente
na atualidade, pois há um emaranhado de concepções pedagógicas,
ideologias, ou seja, várias formas de se pensar a Educação,
conjeturando diretamente nos currículos educacionais.

O estudo é indicado à professores e estudantes não só de


Educação Física, mas de todas as áreas, também a pessoas que se
interessam pela temática abordada, já que traz à tona os conflitos reais
vivenciados pelos professores de Educação Física no que concerne,
ao caminho perigoso que este componente curricular está percorrendo
no referido município, no trato da sistematização dos conteúdos.

Portanto, enfatizamos que os estudantes possam usufruir das


aulas de Educação Física forma sistematizada, reconhecendo-se como
protagonistas do processo ensino-aprendizagem. Que os professores
sejam instigados a elegerem para suas práticas conteúdos que elevem
a qualidade da escola pública brasileira.

Ficou claro o apelo geral a favor da importância de se ter um


SUMÁRIO referencial teórico comum para uso e apropriação. E não cometer o

303
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

risco dos conteúdos de Educação Física tornarem-se mecanizados,


perderem a essência e significado. Tomemos como exemplo um aluno
que se transfere de escola no decorrer do ano letivo, este por sua vez,
corre um grande risco de estudar o mesmo conteúdo que viu a poucos
dias em sua escola anterior.

Entendemos que os nossos esforços possam contemplar à


expansão e melhoria da escola pública e sua extensão a toda população
brasileira, que os conteúdos possam favorecer a leitura da realidade, os
problemas político-sociais que se configuram no presente momento.

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TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

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SUMÁRIO TADEU, Tomaz. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Autêntica, 2016.

305
16
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Capítulo 16

PENSAMENTO COMPUTACIONAL
NO ENSINO MÉDIO EAD

Gabryela de Oliveira Fernandes

Patrícia Cristina Petri Vilar


Gabryela de Oliveira Fernandes
WilliamPatrícia
de Almeida Silva Petri Vilar
Cristina
William de Almeida Silva

PENSAMENTO
COMPUTACIONAL
NO ENSINO
MÉDIO EAD

SUMÁRIO

DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.086.306-319 306


TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Resumo:
O presente artigo, por meio de entrevista e pesquisa-ação, fará um estudo
sobre a modalidade de educação a distância na formação de um aluno do
ensino médio em uma escola pública do Distrito Federal que utiliza deste
recurso como suporte para sua formação. O letramento digital faz parte da
educação há pouco mais de 10 anos e trata-se de uma realidade na sociedade
brasileira. Esta pesquisa será fundamentada em Ramal (2002), Dudeney,
Hockly e Pegrum (2016), Freire (2005), Ausubel (2001) e trata-se de uma
pesquisa bibliográfica. Assim, pretende-se compreender como a metodologia
de ensino EAD atende às PCN´s no processo de ensino-aprendizagem, de
que maneira a metodologia de ensino EAD contribui para a formação do aluno.

Palavras-chave:
SUMÁRIO EAD; Ensino Médio; Letramento digital; Pensamento computacional.

307
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

INTRODUÇÃO

A denominada Geração Z, nos demonstra que o processo de


ensino-aprendizagem deve se adaptar à realidade vivenciada pelos
alunos em sociedade. Na educação básica, uma das principais
modalidades de ensino, a aproximação da tecnologia com a
educação propõe um conhecimento que pauta-se na criatividade e
desenvolvimento de habilidades importantes para o meio social.

Dentre estas etapas da educação básica, surge o ensino médio


como a última etapa no qual sua preparação para o trabalho e formação
cidadã apresentam-se como finalização de um ciclo de conhecimento
o qual o indivíduo aplicará o que foi aprendido na prática. Conforme a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB) Nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996:
Dispõe no Art. 35 O ensino médio, etapa final da educação
básica, e Inciso II - a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do educando, para continuar aprendendo, de
modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
Blikstein (2008) define pensamento computacional como “a
habilidade de transformar teorias e hipóteses em modelos e
programas de computador, executá-los, depurá-los, e utilizá-
los para redesenhar processos produtivos, realizar pesquisas
científicas ou mesmo otimizar rotinas pessoais, é uma das mais
importantes habilidades para os cidadãos do século XXI. (Brasil,
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996).

Desta forma, o autor ainda afirma que, curiosamente, é uma


habilidade que nos faz mais humano. De modo geral, é possível dizer
que a inclusão de conceitos de Pensamento Computacional na Escola
Brasileira é uma ação concreta na busca do desenvolvimento de TICs
no Brasil (CARVALHO et al., 2013). A computação contribui para os
processos produtivos dos usuários, contribuindo para o ensino bem
SUMÁRIO

308
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

como o acesso às informações importantes para a atuação cidadã.


Vale ressaltar ainda que o ensino tanto público quanto particular ao
adotar esta plataforma na promoção do aprendizado apresenta-se
como proposta importante para o atendimento às necessidades de
cada estudante.

Segundo o site referente ao jornal G1 (2018) na reportagem


“Saiba tudo sobre a carreira em Ciência da Computação” através da
plataforma LEGO EV3, para o ensino do Pensamento Computacional,
facilitando a compreensão de conteúdos curriculares e diferentes
habilidades, como o trabalho colaborativo, o raciocínio lógico e a
criatividade dos alunos. Entre os diversos espaços à disposição dos
alunos, o destaque é para os laboratórios de circuitos eletrônicos,
redes convergentes e visão computacional. SBC (2018) afirma que,
A precariedade da infraestrutura nas escolas públicas brasileiras faz
com que muitos alunos não tenham acesso às novas tecnologias.
Atualmente, 48,8% das escolas do ensino fundamental não possuem
laboratórios de informática e 5,5% sequer possuem energia elétrica.

Nota-se que as tecnologias proporcionam maior comodidade


tanto na prestação de serviços como no processo de comunicação
que ocorre de forma rápida e consegue atingir o mundo. Tanto as
empresas quanto os órgãos públicos têm utilizado as tecnologias
para beneficiar as vantagens que estes oferecem, e tem feito parte
do cotidiano nas escolas.

Isto posto, o intuito deste artigo é propor uma abordagem


sobre o pensamento computacional com ênfase no ensino médio,
expondo o impacto na formação do aluno para o mercado de
trabalho. Introduzindo conceitos fundamentais da computação sem
depender diretamente de uma linguagem de programação, Software
e Equipamentos tecnológicos específicos, manuseando a teoria do
pensamento computacional através de atividades “desplugada” na
SUMÁRIO educação básica.

309
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

LETRAMENTO DIGITAL NO ENSINO MÉDIO

O processo de ensino-aprendizagem engloba conhecimentos


e habilidades essenciais para o desenvolvimento do indivíduo tanto
para o mercado de trabalho como para o exercício da cidadania,
como defendido, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Por
conseguinte, a alfabetização e o letramento são primordiais para a
concretização deste ensino.

Cabe destacar o que difere ambos, primeiramente a alfabetização


destaca-se como o processo que envolve o sistema linguístico no
desenvolvimento da leitura e escrita por meio da habilidade. Já o
letramento ocorre quando a leitura e escrita adquirida pelo indivíduo
é aplicada nas práticas sociais. Conforme Soares (2003), o letramento
é visto como uma forma de encontrar prazer em diferentes atos de ler,
ao se considerar os locais de leitura mais e suas diferentes condições,
destaca ainda que não somente a escola lê. Assim, o ensino deve
pautar-se tanto na alfabetização quanto no letramento.

Vale ressaltar que o letramento propõe ao indivíduo ou grupo


social atingir, após familiarização da leitura com a escrita, alcançar
maior experiência para os desenvolvimentos das práticas sociais
nos mais diversos contextos. Logo, um indivíduo letrado é capaz, por
exemplo, de interagir com receitas, discutir, interpretar textos.

Ao compreender a importância da alfabetização e letramento


juntos no ensino, nota-se que a sociedade contemporânea está
vivenciando a globalização que propõe a rapidez e a agilidade que a
tecnologia tem no dia a dia. Consequentemente, percebe-se que surge
o conceito de letramento digital o qual faz parte das a necessidade de
os discentes aplicarem a este o aprendizado adquirido em sala. De
acordo com Behrens (2000),
SUMÁRIO

310
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Para romper com o conservadorismo, o professor deve


levar em consideração que, além da linguagem oral e da
linguagem escrita que acompanham historicamente o processo
pedagógico de ensinar e aprender, é necessário considerar
também a linguagem digital. Neste processo de incorporação,
ele precisa propor novas formas de aprender e de saber
se apropriar criticamente de novas tecnologias, buscando
recursos e meios para facilitar a aprendizagem. Portanto, o
professor, ao propor uma metodologia inovadora, precisa legar
em consideração que a tecnologia digital possibilita o acesso
ao mundo globalizado e à rede de informação disponível em
todo o universo. A sala de aula passa a ser um locus privilegiado
como ponto de encontro para acessar o conhecimento, discuti-
lo, depurá-lo e transformá-lo. (BEHRENS, 2000, p. 75).

A busca por meios que contribuam para a aprendizagem torna


o ensino significativo aliado a uma metodologia inovadora com a
tecnologia, pois o acesso à informação tem feito parte da realidade
dos alunos. Logo, o autor apresenta a necessidade do letramento
digital neste processo.

No século passado, para se considerar cidadão bastava que


o indivíduo soubesse ler e escrever. Entretanto, para o exercício
da plena cidadania, atualmente, além da alfabetização o discente
deve agregar aos seus conhecimentos habilidades que envolvam o
letramento digital.

O simples fato de os docentes utilizarem os recursos tecnológicos


em sala de aula não significa que os trabalhos de inclusão digital bem
como o letramento são ensinados. Antes mesmo de se aplicarem estes
recursos em sala de aula, torna-se importante, que os professores
sejam capacitados e saibam usá-los nas aulas bem como instruir os
discentes sobre seu uso no dia a dia. Segundo Behrens (2000)
O reconhecimento da era digital como uma nova forma de
categorizar o conhecimento não implica descartar todo o
caminho trilhado pela linguagem oral e escrita, nem mistificar o
SUMÁRIO uso indiscriminado de computadores no ensino, mas enfrentar

311
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

como ferramentas para construir processos metodológicos


mais significativos para aprender. (BEHRENS, 2000, p. 74).

Ao usar o computador com acesso à internet nas aulas não


significa dizer que ocorre o letramento nem muito menos negar o
caminho trilhado na educação o concebendo como arcaico, mas unir
estas duas formas. Assim, a utilização desta ferramenta como auxiliar
no processo de ensino.

Além disto, o uso das tecnologias destaca a importância de que


o professor esteja preparado para esta nova realidade vivenciada por
todos e que possam conduzir os alunos na realização de atividades
significativas para a aprendizagem.
Lembremo-nos de que nenhuma técnica de comunicação,
do telefone à Internet, traz por si mesma a compreensão.
A compreensão não pode ser qualificada. Educar para
compreender a matemática ou uma disciplina determinada é
uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela
encontra-se a missão propriamente espiritual da educação;
ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e
garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade.
(MORIN, 2000, p. 93).

As exigências presentes no meio social são grandes,


principalmente, quando se refere ao uso das novas tecnologias.
Entretanto, o manuseio desta máquina deve ser ensinada aos
alunos para que, assim, sejam direcionados a utilizarem estes
recursos de maneira a contribuir para a aprendizagem. Desta
forma, as aulas quando trabalhadas de forma contextualizada
tendem a preparar o indivíduo para a nova realidade, promovendo,
assim, a inclusão destes alunos para que tenham autonomia na
utilização das novas tecnologias.

Incluída nesta realidade, a educação passa a atender a um


público de forma virtual a partir de plataformas as quais os usuários
SUMÁRIO podem garantir sua qualificação profissional em um período que

312
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

o tempo para a realização de demais atividades torna-se cada vez


mais “preciosas”, pois na era digital agilidade, eficácia e eficiência na
resolução das atividades do dia a dia tornam-se essenciais. Logo, o
letramento digital faz parte não apenas para uma atuação mais cidadã,
mas também como contribuinte para a qualificação profissional.

PONTOS POSITIVOS DA EAD

É importante entender o porquê do exponencial crescimento


dessa mais “nova” modalidade de ensino, e para isso, faz-se necessário
enumerar os essenciais pontos a favor da EAD, isto é, quais são as
causas de sua grande disseminação pelo país.

Chaves (1999) aponta a virtualidade, a qual é típica da EAD


do século XXI como sendo um dos pontos que a torna tão eficaz e
popular, pois graças a ela, hoje em dia, para que o professor ensine o
conteúdo ao aprendiz não é necessário que estejam em proximidade
espaço-temporal, ou seja, que estejam no mesmo espaço e no
mesmo tempo. Ele elenca ainda outros tipos de vantagens da EAD
em relação ao ensino presencial: maior alcance, ou seja, um grande
número de pessoas, ao mesmo tempo, pode fazer o curso, já que não
é ministrado em um espaço convencional; razão custo/benefício mais
favorável, e, mormente, maior flexibilidade – tanto para os ensinantes
quanto para os aprendizes.

O autor executa a seguinte compilação: hoje, o caráter “pessoal”


de um relacionamento ocorre independentemente da proximidade no
espaço e no tempo. Então, segundo ele, é possível, atualmente, manter
relacionamentos extremamente pessoais, e até íntimos, à distância,
fazendo uso dos meios de comunicação que estão ao dispor, os quais
envolvem o som, o texto, a música e a imagem. Por outro lado, a mera
SUMÁRIO

313
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

vizinhança espaço-temporal não garante que um relacionamento seja


pessoal. À vista disso, está a EAD, cuja metodologia física é exatamente
voltada para as condições explicitadas por Chaves (1999), as quais,
conforme ele, não são convertidas em obstáculos para um futuro êxito
na aprendizagem, mas sim em pontes e canais que levam até ela.

Na comparação supracitada, ele leva à reflexão as diferentes


classes sociais existentes em algumas escolas, as quais, muitas vezes,
mantêm relacionamentos implacavelmente impessoais, apesar da
proximidade no espaço e no tempo. Há situações nesses contextos
em que o professor nem sequer sabe o nome de seus aprendizes e
desconhece totalmente as suas características individuais, as quais,
segundo Chaves (1999), são extremamente relevantes para um ensino
proficiente e de qualidade. Portanto, o escritor destaca sua posição
afirmando que a EAD é, sem dúvida, um modelo de ensino bastante
eficaz, desde que esta saiba gerir uma série de empecilhos que possam
surgir em meio a seu processo de efetivação.

De um lado, Chaves (1999) está a delinear mais um dos pontos


positivos que fazem a EAD tornar-se cada vez mais popular, que é
a personalização e a individualização do aluno, isto é, o estudante
recebe um atendimento mais particular, individual, o que nem sempre
ocorre no modelo de ensino convencional.

Flexibilidade de horários no ensino EAD o estudante pode escolher


os melhores dias e horários para estudar. Já os cursos presenciais
exigem o cumprimento de ao menos 75% da carga horária de aulas
presenciais, que acontecem em dias e horários pré-estabelecidos.

Menor custo o aluno economiza com transporte e alimentação, já


que não há a necessidade de comparecer regularmente na instituição
de ensino. Além disso, as mensalidades dos cursos a distância
costumam ser mais baixas se comparadas ao presencial.
SUMÁRIO

314
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

PONTOS NEGATIVOS DA EAD

Há um debate em torno desse “novo” modelo de ensino, o qual


é mais aguçado ainda quando se extravia dos pontos positivos para
o patamar dos pontos negativos da EAD. Embora haja correntes que
vão ao encontro da mesma, há grupos de pessoas e até mesmo de
estudiosos que ficam meio reticentes e duvidosos quanto à eficácia
desse “novo” tipo de ensino. Criticam acerca de várias lacunas
existentes nesse meio, isto é, para determinados profissionais da área
educacional sobretudo, a EAD deixa a desejar em diversos âmbitos.

Para Belloni (2008), por exemplo, apesar de a EAD focar uma


metodologia voltada para a descontiguidade, é importante o convívio
diário entre aluno e professor no ambiente da sala de aula, pois,
conforme alega a escritora, não se deve deixar esse tipo de contato
em segundo plano e tampouco negligenciá-lo, porquanto para que
haja a enriquecedora influência mútua entre as pessoas, não se pode
menosprezar esse contato aluno/professor.

A principal desvantagem é não desfrutar do convívio de estar em


uma sala de aula, em um mundo onde as pessoas estão cada vez mais
sozinhas e ligadas ao celular, essa falta de relacionamento pode ser
um prejudicial, pensando nisso, listamos alguns pontos para diminuir
essa desvantagem:

Autodisciplina: para estudar a distância é necessário que


tenha muita, saber separar o que é horário de estudar para o
horário da diversão;

Distrações: na educação a distância o aluno não possui o


professor para controlar o ambiente. Dessa forma, o aluno precisa
lidar com as distrações de forma individual. Uma dica é desligar o
SUMÁRIO

315
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

aparelho celular e de televisão no momento em que se dedicar as


lições e vídeo aulas;

Não possuir turma, aquele momento em que você encontra as


pessoas. Evite a solidão e sentir-se isolado, faça contato frequente com
os tutores e demais alunos do Curso através de fóruns, se possível
marque eventos para que se conheçam e grupos de estudos, essa
ação com certeza irá diminuir esse sentimento;

Falta de Networking, ou seja, pessoas que possam te ajudar a


entrar no mercado de trabalho;

Exige mais organização e planejamento do estudante: o sucesso


do aprendizado depende da organização e planejamento do estudante
em definir e cumprir os horários e uma rotina de estudo bem elaborada;

Autonomia: apesar de ser um ganho para a vida estudantil,


a autonomia pode ser um desafio para muitos estudantes que
precisa buscar outras fontes de conhecimento para além do
professor em sala de aula. O aluno tem papel ativo e participativo
em seu processo de aprendizado.

PENSAMENTO COMPUTACIONAL
NO ENSINO MÉDIO

Bill Gates afirma que “Quando o PC (personal computer) foi


lançado, as pessoas sabiam que era algo importante. Blikstein (2008)
define pensamento computacional como “a habilidade de transformar
teorias e hipóteses em modelos e programas de computador, executá-
los, depurá-los, e utilizá-los para redesenhar processos produtivos,
realizar pesquisas científicas ou mesmo otimizar rotinas pessoais, é
SUMÁRIO uma das mais importantes habilidades para os cidadãos do século

316
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

XXI.” O autor ainda afirma que, curiosamente, é uma habilidade que


nos faz mais humano.

Segundo (CARVALHO et al., 2013) especificamente, o


pensamento computacional pode auxiliar na resolução de problemas
das mais diversas áreas, através de conceitos como abstração,
decomposição, entre outros. Além disso, pode liderar a busca pelo
aperfeiçoamento das tecnologias ligadas à informação e comunicação.
SBC (2018) afirma que, A precariedade da infraestrutura nas escolas
públicas brasileiras faz com que muitos alunos não tenham acesso
às novas tecnologias. Atualmente, 48,8% das escolas do ensino
fundamental não possuem laboratórios de informática e 5,5% sequer
possuem energia elétrica.

O SBC exibe os conhecimentos da área de computação


em 3 eixos:

Imagem 01: Três eixos da computação.

Fonte: SBC - Ensino de Computação na Educação Básica.

Para o SBC No Ensino Médio a ênfase é na elaboração de


SUMÁRIO projetos aplicando as diversas habilidades e conhecimentos adquiridos

317
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

na etapa do Ensino Fundamental, e no desenvolvimento de habilidades


relacionadas à análise crítica e argumentação, sob diferentes aspectos.
No eixo de Pensamento Computacional, são trabalhadas a técnica de
transformação de problemas e o paradigma de metaprogramação
(algoritmos que recebem outros algoritmos como entrada), que são
conceitos necessários para a compreensão dos limites da computação,
ou seja, dos limites da formalização/racionalização.

Para o ensino médio o SBC propõe:

Imagem 02: Indicações do SBC para o Ensino Médio.

Fonte: SBC - Ensino de Computação na Educação Básica.

Ao final do Ensino Médio, o aluno deve ter a habilidade de


argumentar sobre algoritmos (processos), tendo meios de justificar
porque a sua solução resolve de fato o problema, bem como analisar
os tipos e quantidade de recursos necessários à sua execução. Além
destas habilidades, o aluno deverá dominar a técnica de refinamento,
compreendendo que a solução de problemas complexos normalmente
exige não somente decomposição, logo a utilização de várias camadas
de abstração diferentes SBC são necessárias igualmente.
SUMÁRIO

318
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

REFERÊNCIAS
BEHRENS, M. A. Projetos de Aprendizagem colaborativa num paradigma
emergente. In: MORAN, J. M. MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. (Orgs.).
Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed. Campinas: Papirus,
2013, p. 73-140.
BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. São Paulo: Editora Autores
Associados, 2008.
BRACKMANN, C. P. Desenvolvimento do Pensamento Computacional
Através de Atividades Desplugadas na Educação Básica. Tese (Doutorado
em Informática) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro de
Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Programa de
Pós-Graduação em Informática na Educação, Porto alegre, BRRS, 2017.
BRACKMANN, C. P. O que é Pensamento Computacional?. Disponível em
http://computacional.com.br – Acessado em 2019.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDB) Nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996.
BUCKINGHAM, D. Beyond Technology: Children’s learning in the age of digital
culture. Cambridge, UK: Polity Press, 2007.
Carvalho, M. L. B; Chaimowicz, L.; Moro, M. M (2013). “Pensamento
Computacional no Ensino Médio Mineiro”. In: XXI Workshop sobre Educação
em Computação, 2013, Maceió. Anais do XXXIII CSBC.
CHAVES, Eduardo O. C. Tecnologia na Educação, Ensino a Distância, e
Aprendizagem Mediada pela Tecnologia: Conceituação Básica.
SBC. Proposta de diretrizes para ensino de Computação na Educação Básica.
Ensino de Computação na Educação Básica.
SOARES,Magda, Letramento e alfabetização: as muitas facetas*, 2003.
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita.
UNIFOR, Saiba tudo sobre a carreira em Ciência da Computação. Disponível
em: <https://g1.globo.com/ce/ceara/es pecial-publicitario/unifor/ensinando-
e-aprendendo/noticia/2018/ 09/17/saiba-tudo-sobre-a-carreira-em-ciencia-da-
computacao.ght ml> Acesso em: 12/ago/2019.

SUMÁRIO

319
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

SOBRE OS(AS)
ORGANIZADORES(AS)
Alisson Hudson Veras Lima
Doutorando e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e graduado em Letras Português/Francês: Língua e Literatura pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI). É ligado à linha de pesquisa de
Aquisição, Desenvolvimento e Processamento da Linguagem da UFC,
tendo interesse em pesquisas que tratem do processamento linguístico
pela vertente do Gerativismo e do estudo da referência pelo âmbito
Semântico e Pragmático, além de questões acerca da pronominalização
em Português Brasileiro. Interessa-se também por Literatura, Crítica
Literária, bem como pela interface Literatura-História. Possui trabalhos
publicados sobre Educação e ensino de Português como língua materna,
sobretudo no que concerne ao ensino de Leitura, Escrita e Gramática.
E-mail: [email protected]

Ana Paula de Oliveira Gomes


Graduada em História pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
(FAFIDAM/UECE) e pós-graduada em Gestão Escolar pela Universidade
Vale do Acaraú (UVA), em Educação Global, Construção da Cidadania e
Inteligências Humanas pela FADIRE, em História e Cultura Afro-brasileira
pela Faculdade de Selvíria (FAZ). Atua como professora de História no
Ensino Fundamental II como professora efetiva da Secretaria Municipal de
Educação em Russas – CE, tendo experiência também como professora
interdisciplinar no Ensino Fundamental II e no Ensino de Jovens e Adultos,
além de já ter atuado como professora de Ensino Superior, colaboradora
na elaboração de questões. Foi também coordenadora municipal de
turmas do Ensino Fundamental I e diretora da escola municipal.
E-mail: [email protected]

José Natanael Nunes Pereira de Lima


Graduado em Licenciatura Plena em Geografia pela Faculdade de Filosofia Dom
Aureliano Matos (FAFIDAM) da Universidade Estadual do Ceará - UECE (2015).
Atualmente é Professor efetivo da Rede Municipal de Ensino de Russas, Ceará.
SUMÁRIO E-mail: [email protected]

320
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

SOBRE OS AUTORES
E AS AUTORAS
Alessandra Santa Rosa da Silva
Graduada em Letras pela UFRN, com Especialização em Educação
de Jovens e Adultos. Mestre em Linguística Aplicada (UFRN/2015) é,
atualmente, aluna do doutorado do Programa de Pós Graduação em
Estudos da Linguagem, PPGEL/UFRN, onde desenvolve pesquisa a respeito
do valor do rascunho na escrita escolar. Professora de Língua Portuguesa
e revisora linguística, é vinculada à Liga de Ensino do Rio Grande do
Norte, ministrando aulas de Português e Redação na Escola Doméstica
de Natal e Complexo de Ensino Henrique Castriciano, onde também
colabora com a revisão linguística de textos produzidos no complexo.
E-mail: [email protected]

Antônio Carlos de Sousa


Graduado em Pedagogia (UEVA), Especialista em Teoria, Metodologia e
Práticas de Ensino (IFCE), Professor da Prefeitura Municipal de Russas.
E-mail: [email protected]

Cícero Barboza Nunes


Possui graduação em Licenciatura em letras pela Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Mestrado em Linguística e ensino pela Universidade
Federal da Paraíba. Doutorando em andamento pelo programa de
Pós-graduação da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
Especialização em Gestão Pública pela Universidade Federal do Vale do
São Francisco. Especialização lato sensu em Ensino de Língua portuguesa
pela Faculdade de Educação Montenegro e Especialização lato sensu
em Letras e Literatura pela Faculdade de Formação de Professores
de Serra Talhada. Atua como professor de Língua Latina, Metodologia
da pesquisa e Metodologia do Ensino de Língua portuguesa, Língua
portuguesa, Estágio supervisionado e Prática de Ensino. Professor
efetivo da Autarquia Educacional de Serra Talhada. Coordenador
Institucional dos programas PIBID e Residência pedagógica.
E-mail: [email protected]
SUMÁRIO

321
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Darlene Paiva Lima


Mestranda em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em
Letras (PROFLETRAS) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN). Professora da Educação Básica – Rede Municipal.
E-mail: [email protected]

Edison Vieira Kiss


Professor de inglês e português como línguas estrangeiras. Possui
mestrado em Letras, com concentração em Estudos da Linguagem, pela
Universidade Federal do Amazonas (2013). Tem experiência no ensino
de língua inglesa como língua estrangeira e ênfase de pesquisa nos
seguintes temas: bilinguismo, educação bilíngue, contextos bilíngues,
crenças linguísticas, e perda de línguas. Especialista em Sexualidade,
Gênero e Direitos Humanos (2019) e Educador com ações voltadas à
humanização sociocultural, ao desenvolvimento humano, à cidadania
contemporânea crítica e ao aprimoramento das múltiplas inteligências.
E-mail: [email protected]

Francisca Sueli Farias Nunes


Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Especialista em Educação Especial/Atendimento Educacional Especializado
pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Alfabetização de
Crianças pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduada em
Pedagogia pela Universidade Vale do Acaraú (UVA). Professora do curso
de Pedagogia da Faculdade Cearense (FaC) e do município de Fortaleza/
CE; Experiência na área da Educação Especial, com ênfase em Formação
de Professores Alfabetizadores e da Educação Especial. Membro do grupo
estudos e pesquisa em Educação Física Escolar (GEPEFE/UECE).
E-mail: [email protected]

Gabryela de Oliveira Fernandes


Possui graduação em Letras magistério Português e Espanhol pelo Instituto
Superior de Educação (2012). Tem experiência na área de licenciatura em
língua portuguesa para o ensino fundamental e ensino médio. Trabalhou na
Secretaria de Educação do Distrito federal como contrato temporário (2013-
2014), no Colégio Olimpo de Brasília como corretora de redação(2015).
SUMÁRIO

322
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Atualmente, professora titular em curso profissionalizante no Instituo


Saber de Educação do Paranoá (2016- até o momento) coordenadora
pedagógica de cursos profissionalizantes (2017-até o momento).
E-mail: [email protected]

Iara de Sousa Nascimento


Especialista em Língua Portuguesa: Redação e Oratória pela Faculdade de
Educação São Luís - Jaboticabal - SP (2016). Graduada em Letras-Português
pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE -
2016) - Campus Crateús. Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID - 2014 a 2016). Atuou na área de Educação, com
ênfase em Educação de Língua Portuguesa e Língua Inglesa para crianças
e adolescentes (2014 a 2017). Foi integrante do Grupo de pesquisa na área
de Linguística e ensino (IFCE) e do Grupo “Sociolinguística variacionista”
(IFCE). Tem interesse pelos estudos críticos da linguagem, incluindo a
Análise do Discurso e Pragmática. Atualmente é mestranda em Linguística
Aplicada na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e integrante dos grupos
de pesquisa da mesma universidade: Pragmática Cultural e Linguagem e
Interdisciplinaridade e GPADC (Grupo de pesquisa Análise do discurso) e
é bolsista CAPES/CNPq. Sua atual pesquisa, sob orientação da professora
Dina Maria Martins Ferreira (UECE), tem como objeto de estudo a identidade.
E-mail: [email protected]

Ila Monize Sousa Sales


Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela
Universidade Federal do Piauí – UFPI. Tem experiência como
Bolsista de Iniciação à Docência - PIBID e também como Bolsista
de Iniciação Científica do CNPq de 2012 à 2016. Especialista em
Meio Ambiente, Desenvolvimento e Sustentabilidade. Professora
de ciências da Rede Pública Municipal de Ensino desde 2017.
E-mail: [email protected]

José Juvêncio Neto de Souza


Doutorando em Letras pelo DINTER PPGL-UERN/IFSertão-PE. Mestre
em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Possui
graduação em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e suas
SUMÁRIO respectivas Literaturas pela Universidade do Estado do Rio Grande

323
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

do Norte (UERN), Campus Pau dos Ferros. Atualmente é membro do


grupo de pesquisa: Lexicologia, Terminologia e Ensino LETENS.
E-mail: [email protected]

José Ribamar Ferreira Júnior


Graduado em Educação Física (UNIFOR), Mestre em Educação Física
(UFRN), Membro do grupo de estudo Veredas (IFCE/UNIFAMETRO),
Membro do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC),
Coordenador do curso de Educação Física (UNIFAMETRO).
E-mail: [email protected]

Julianne Rodrigues Pita


Mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará.
Especialista em Língua Portuguesa pela Faculdade de Educação São
Luís de Jaboticabal (2018). Graduada em Letras - Língua Portuguesa pelo
Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação de Crateús, Ceará
(2016). Integrante do grupo de pesquisas Pragmática Cultural, Linguagem
e Interdisciplinaridade, da Universidade Estadual do Ceará. Professora de
Língua Portuguesa e Redação. Interesse nas áreas de estudo da Filosofia e
Sociologia da Linguagem, Sociolinguística, Pragmática e Teorias descoloniais.
E-mail: [email protected]

Juzelly Fernandes Barreto Moreira


Mini-currículo. Juzelly Fernandes Barreto Moreira, natural de Martins- RN, é
mestra e doutoranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), onde também é vinculada ao grupo de
pesquisa “Texto, Gramática e Ensino”. Atualmente, é professora do quadro
efetivo do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Norte (IFRN). Sua produção intelectual é composta por trabalhos que
versam sobre os estudos linguísticos do texto e, dentro desse domínio,
seus interesses de pesquisa voltam-se, principalmente, para os seguintes
temas: referenciação textual, estilo e linguística do texto coseriana.
E-mail: [email protected]

Karime Chaibue
Doutoranda e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal
SUMÁRIO de Goiás (UFG). Graduada em Pedagogia e em Letras Libras. Possui

324
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

especialização em Educação Infantil e Especial; e em Libras. Já trabalhou


como intérprete de Libras e professora regente na Educação Infantil da
Rede Estadual de Ensino de Goiás, em salas de aulas com alunos surdos e
ouvintes. Trabalhou como coordenadora pedagógica, professora e intérprete
no Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação e de Atendimento
às Pessoas com Surdez (CAS-GO). É professora na área de “Libras e
Estudos Surdos” no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás (IFG) – Câmpus Goiânia. Possui certificação de proficiência em Libras:
Estadual (CAS-GO, 2009) e Nacional (FENEIS-RJ, 2001 e PROLIBRAS, 2013).
E-mail: [email protected]

Lucivan De Sousa Barreto


Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras
(PROFLETRAS) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Professor da Educação Básica – Rede Municipal.
E-mail: [email protected]

Luiza Lúlia Feitosa Simões


Doutora no Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da
Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestra em Computação Aplicada
a Informática Educativa - UECE. Especialista em Mídias na Educação -
UFC. Especialista em Gestão Escolar - UDESC/UECE. Especialista em
Alfabetização de Crianças - UECE. Pedagoga - Universidade Estadual
Vale do Acaraú - UVA. Professora Formadora da Educação Infantil na
Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza. Professora Formadora
da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UECE. Experiência na área
de Educação, com ênfase em Formação de Professores, Educação
Especial, Educação a Distância, Gestão Escolar e Informática Educativa.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física
Escolar - GEPEFE. Membro do Núcleo de Documentação, Informação,
História e Memória da Enfermagem no Ceará – NUDIHMEN.
E-mail: [email protected]

Maraísa Damiana Soares Alves


Mestra e doutoranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, é professora de espanhol
do quadro efetivo do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN). Sua produção intelectual é composta
SUMÁRIO por trabalhos que versam sobre os estudos linguísticos do texto e da

325
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Sociolinguística. Seus interesses de pesquisa voltam-se, principalmente,


para os seguintes temas: variação e mudança, dialetologia e ensino de ELE.
E-mail: [email protected]

Marco André Franco de Araújo


Professor de Inglês da Rede Municipal de Ensino de Goiânia desde
2012. Possui graduação em Letras, habilitação – Português/Inglês
pela Universidade Estadual de Goiás (2008). Mestre em Letras e
Linguística (2016) e Doutorando em Letras e Linguística, ambos
realizados pela Universidade Federal de Goiás. Participou do Programa
de Desenvolvimento para Professores de Língua Inglesa (PDPI),
em Kansas State University (2018). Interessa-se por pesquisas que
envolvam a escola pública, em especial no que se refere a aspectos
pertinentes à interação e a colaboração em sala de aula.
E-mail: [email protected]

Maria Eleni Henrique da Silva


Graduada em Educação Física (UFC), Mestra em Educação (UFC), Doutora
em Educação (UFPI), Professora Adjunta do Instituto de Educação Física e
Esportes (UFC), Coordenadora do Grupo de Pesquisa Saberes em Ação.
E-mail: [email protected]

Núbia Flávia Oliveira Mendes


Mestra em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Especialista em Docência do Ensino Superior pela
Faculdade Brasileira de Educação e Cultura. Possui graduação em
Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em
Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Tem experiência na
área de docência com ênfase em Libras, bem como na área de Tradução/
Interpretação da Língua Portuguesa para Libras e Libras para Língua
Portuguesa. É professora de “Libras” no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), Câmpus Brasília. Possui certificação
nacional de proficiência em Libras (PROLIBRAS, 2006) na área de tradução
e interpretação de Libras/Língua Portuguesa e Língua Portuguesa/Libras.
E-mail: [email protected]

Olívia Bruna de Lima Nunes


Licenciada em Historia (UECE). Mestre pelo Mestrado Interdisciplinar de
SUMÁRIO História e Letras (MIHL – FECLESC/UECE). Pesquisa a ação pastoral católica

326
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

no município de Limoeiro do Norte-CE, dentro da conjuntura da Igreja


Popular. Professora de História da Rede Estadual de Educação do Ceará.
E-mail: [email protected]

Patrícia Cristina Petri Vilar


Especialista em Engenharia de Requisitos de Software - UniCEUB
(2018) e em Gerenciamento de Projetos PMBOK - UniCESP (2008),
Licenciada em Informática por meio do PEL (Programa Especial
de Licenciatura) - IEESS (2018), Licenciada em Pedagogia -
IEESS (2018) e Tecnólogo em Programação de Computadores
- UNEB (2006). Docente de Pós-Graduação Lato Sensu.
E-mail: [email protected]

Pedro Henrique Silvestre Nogueira


Graduado em Educação Física (UNIFAMETRO), Especialista em
Psicomotricidade (IESF), Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação Física Escolar (GEPEFE/UECE), Membro do Grupo de Estudo
Veredas (IFCE/UNIFAMETRO), Professor da Prefeitura de Eusébio.
E-mail: [email protected]

Raphaell Moreira Martins


Graduado em Educação Física (UEVA), Mestre em Educação Brasileira
(UFC), Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias (UNESP), Membro
do grupo de estudo Veredas (IFCE/UNIFAMETRO), Membro do grupo de
pesquisa em Educação, Saúde e Exercício Físico (IFCE), Professor do (IFCE).
E-mail: [email protected]

Rogério Maciel Nunes


Licenciado em História (FAFIDAM/UECE). Mestrando pelo Mestrado
Intercampi em Educação e Ensino (MAIE – FAFIDAM e FECLESC/
UECE). Pesquisa a escolarização em áreas atingidas pela dinâmica do
agronegócio. Professor de História da Rede Municipal de Russas – Ceará.
E-mail: [email protected]

Ruan Carlos Mendes


Licenciado em História (FAFIDAM/UECE). Mestre pelo Mestrado
Interdisciplinar de História e Letras (MIHL–FECLESC/UECE). Pesquisa as
relações entre memória, religiosidade, literatura e ensino de história.
SUMÁRIO E-mail: [email protected]

327
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Sirneto Vicente Da Silva


Mestre em Educação e Ensino pelo Programa Mestrado Acadêmico
Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Professor da Educação Básica – Redes Municipal e Estadual.
E-mail: [email protected]

Suraya Cristina Darido


Graduado em Educação Física (UEVA), Mestre em Educação Brasileira
(UFC), Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias (UNESP), Membro
do grupo de estudo Veredas (IFCE/UNIFAMETRO), Membro do grupo de
pesquisa em Educação, Saúde e Exercício Físico (IFCE), Professor do (IFCE).
E-mail: [email protected]

Thaidys da Conceição Lima do Monte


Doutoranda em Educação (PPGE/UECE); Mestre em Educação (PPGE/
UECE); Especialista no Ensino de Educação Física (FFB); Especialista
em Atendimento Educacional Especializado (UFMG); Especialista em
Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pela USP (2004).
Professora de Educação Física; Docente efetiva do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE campus Canindé; Tem
experiência na área de Educação Física, com ênfase em formação para
a pesquisa em Educação Física, Formação de professores, Didática
e Educação Física e Esporte Adaptado. Membro do grupo estudos e
pesquisa em Educação Física Escolar (GEPEFE/UECE); membro do
grupo de pesquisa educação, saúde e exercício físico (GPESEF/IFCE).
E-mail: [email protected]

Weber Flávio Oliveira Mendes


Especialista Multiprofissional em Saúde da Família pela Universidade
Federal de Goiás (UFG). Graduado em Fonoaudiologia e Letras-
Libras. Graduando em Pedagogia Bilíngue pelo Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES). Já trabalhou como tradutor/intérprete
de Libras/Português na Faculdade SENAC (Goiás) e como professor
substituto na UFG nos cursos de Letras/Libras (tradução e licenciatura).
Tem experiência nas áreas de Libras, com ênfase em docência e
tradução/interpretação no ensino superior, e de Fonoaudiologia, com
ênfase em Saúde Pública e Audiologia (ocupacional e hospitalar).
Atualmente é professor/intérprete efetivo de Libras e professor formador na
SUMÁRIO

328
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

Gerência de Formação da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. Possui


certificação nacional de proficiência em Libras (PROLIBRAS, 2007).
E-mail: [email protected]

William de Almeida Silva


Mestrando em Governança, Tecnologia e Inovação - UCB (2020), Especialista
em Segurança de Redes de Computadores - Estácio (2019) e Metodologia
do Ensino da Matemática - FAEL (2017). Licenciado em Matemática por
meio do PEL (programa especial de licenciatura) - UNIJALES (2016) e
Tecnólogo em Gestão da Tecnologia da Informação - CEUCLAR (2015).
Atuando na área de educação desde 2011, desenvolvendo atividades em
docência, liderança e coordenação. Atualmente, Docente dos cursos de
graduação EAD do Centro Universitário IESB na área de tecnologia da
informação, Docente de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade da Serra
Geral na área de educação e 3º Sargento do Exército Brasileiro na área
de Tecnologia da Informação. Ampla experiência na área de educação,
gestão da tecnologia da informação, gestão de pessoas e matemática.
E-mail: [email protected]

Yasmin Pereira de Oliveira


Graduada em Licenciatura plana em Ciências Biológicas pela Universidade
Estadual do Ceará – UECE – Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
– FAFIDAM. Especialista em Gestão de Recursos Hídricos, Ambientais
e Energético e em Psicopedagogia clínica, institucional e educacional.
Professora de ciências da Rede Pública Municipal de Ensino desde 2013.
E-mail: [email protected]

SUMÁRIO

329
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ÍNDICE REMISSIVO
A aula 22, 32, 62, 63, 66, 68, 70, 73, 88, 92,
alunos 12, 18, 31, 39, 48, 52, 53, 55, 61, 111, 124, 126, 127, 145, 148, 153, 156,
62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 79, 157, 198, 201, 202, 203, 221, 222, 224,
83, 84, 104, 105, 108, 124, 128, 133, 142, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 242,
143, 144, 148, 151, 152, 153, 154, 155, 243, 244, 245, 246, 247, 251, 253, 254,
156, 157, 158, 160, 162, 164, 165, 169, 256, 259, 260, 261, 269, 270, 271, 273,
170, 171, 172, 173, 184, 185, 186, 187, 275, 277, 284, 290, 291, 297, 299, 311,
188, 191, 192, 193, 194, 197, 199, 200, 315, 316, 326
201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 214, avaliação 25, 43, 68, 92, 100, 113, 123,
215, 218, 220, 221, 222, 223, 226, 229, 148, 150, 152, 153, 156, 157, 158, 159,
232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 162, 167, 180, 181, 187, 244, 282
241, 242, 243, 244, 245, 246, 251, 259,
260, 261, 262, 264, 268, 273, 274, 275, B
276, 277, 279, 280, 281, 282, 283, 284, Base Nacional Comum Curricular 78, 90,
285, 288, 289, 291, 293, 294, 296, 298, 91, 98, 103, 108, 114, 191, 204, 206, 207,
299, 300, 301, 308, 309, 311, 312, 316, 214, 229, 273, 277, 282, 285, 303
317, 325
C
análise 14, 39, 44, 46, 47, 50, 56, 59, 107,
110, 115, 132, 133, 134, 138, 139, 142, carga horária 198, 202, 214, 220, 226,
145, 148, 152, 160, 162, 169, 173, 181, 232, 314
183, 194, 198, 203, 204, 235, 239, 241, ciências 46, 54, 165, 273, 274, 275, 276,
263, 268, 287, 288, 289, 295, 318 277, 278, 279, 281, 282, 283, 284, 285,
aprendizagem 23, 24, 32, 49, 59, 64, 65, 286, 323, 329
66, 69, 70, 71, 72, 73, 77, 82, 84, 87, 93, coerência 132, 133, 134, 135, 136, 137,
94, 95, 105, 110, 151, 152, 156, 159, 164, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145,
166, 185, 211, 221, 227, 228, 232, 233, 146, 169, 170, 173, 176, 177, 191, 196,
234, 235, 236, 237, 238, 239, 241, 244, 205, 297
245, 246, 247, 248, 252, 261, 262, 269, coerência textual 132, 133, 134, 135, 137,
270, 271, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 138, 139, 140, 144, 145, 146
282, 285, 289, 294, 300, 301, 303, 304,
competências 108, 148, 152, 160, 215,
307, 308, 310, 311, 312, 314
279, 282
atividades 55, 62, 66, 72, 73, 85, 95, 106,
comunicação 45, 68, 127, 134, 136, 180,
132, 144, 145, 182, 198, 199, 200, 203,
182, 183, 194, 196, 210, 211, 213, 217,
204, 207, 223, 224, 226, 227, 232, 235,
218, 223, 224, 228, 236, 278, 285, 302,
237, 238, 239, 242, 243, 244, 245, 246,
309, 312, 313, 317
263, 268, 269, 273, 275, 300, 302, 309,
SUMÁRIO 312, 313, 329 construção 12, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24,
27, 28, 29, 30, 32, 36, 45, 50, 51, 59, 61,

330
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

62, 80, 89, 99, 100, 101, 102, 105, 106, 292, 296, 298, 304, 305, 307, 308, 309,
107, 114, 115, 125, 132, 141, 146, 152, 312, 315, 322, 328, 329
158, 159, 161, 169, 170, 171, 172, 175, educação a distância 307, 315
176, 180, 185, 186, 188, 196, 205, 215,
Educação Especial 61, 62, 63, 64, 65, 66,
226, 253, 254, 255, 256, 258, 262, 267,
67, 68, 69, 74, 75, 322, 325
276
educação física 95, 97, 106, 113, 114, 288,
contextos 34, 41, 46, 50, 56, 139, 171,
298, 304
172, 178, 185, 194, 211, 226, 310, 314,
322 Educação Física 75, 77, 78, 79, 81, 82, 84,
85, 90, 93, 94, 95, 96, 98, 101, 102, 103,
currículo 16, 19, 72, 80, 91, 92, 96, 99,
104, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 113,
101, 102, 107, 108, 148, 149, 154, 156,
114, 115, 128, 287, 289, 290, 291, 292,
157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164,
293, 294, 295, 296, 297, 298, 299, 301,
166, 220, 288, 294, 295, 299, 303, 305,
302, 303, 304, 305, 322, 324, 325, 326,
324
327, 328
currículos 49, 98, 99, 107, 108, 110, 112,
educação pública 34, 48
155, 161, 257, 279, 293, 303
ensino 16, 22, 24, 41, 42, 49, 61, 62, 63,
D 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 73, 79, 87,
democratização 62, 64, 98, 117, 119 89, 91, 95, 96, 100, 101, 102, 107, 108,
110, 113, 114, 117, 118, 119, 120, 124,
diferenças 20, 39, 40, 45, 47, 48, 52, 57,
127, 128, 129, 133, 148, 149, 150, 151,
58, 61, 66, 68, 70, 87, 103, 104, 109, 265,
152, 153, 154, 155, 159, 160, 163, 164,
274
165, 166, 167, 169, 170, 173, 185, 186,
docente 12, 52, 61, 74, 83, 108, 113, 129, 187, 189, 191, 192, 193, 194, 197, 198,
149, 165, 191, 273, 275, 282, 290, 294, 199, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 210,
299, 302 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218,
219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226,
E
227, 228, 229, 232, 234, 235, 236, 237,
educação 11, 12, 13, 15, 16, 18, 20, 21, 238, 239, 247, 250, 251, 252, 253, 254,
22, 24, 25, 27, 29, 30, 31, 34, 35, 37, 38, 256, 257, 259, 264, 269, 270, 271, 273,
39, 40, 44, 48, 49, 51, 52, 56, 58, 59, 62, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 282, 283,
63, 64, 65, 67, 70, 71, 72, 73, 79, 85, 86, 284, 285, 286, 287, 289, 293, 297, 300,
87, 89, 95, 96, 97, 99, 100, 105, 106, 108, 303, 304, 305, 307, 308, 309, 310, 311,
109, 111, 113, 114, 118, 119, 120, 124, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 319,
125, 126, 127, 129, 130, 149, 151, 152, 320, 321, 322, 323, 326, 327, 328
156, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 211,
escola 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21,
212, 214, 215, 216, 217, 219, 220, 221,
22, 23, 24, 25, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36,
222, 226, 227, 228, 229, 230, 238, 250,
38, 39, 40, 41, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51,
251, 254, 255, 256, 257, 258, 269, 274,
52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 61, 62, 64,
277, 279, 281, 282, 286, 288, 290, 291,
66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 77, 79, 80,
SUMÁRIO
81, 82, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92,

331
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

93, 94, 95, 96, 105, 106, 110, 121, 128, gramática 59, 139, 160, 166, 167, 191,
129, 148, 156, 163, 164, 165, 166, 170, 198, 203, 207
185, 186, 187, 191, 192, 194, 197, 199,
200, 208, 210, 214, 215, 218, 220, 221, H
222, 223, 226, 229, 230, 231, 232, 233, habilidades 37, 65, 67, 68, 83, 84, 88, 108,
234, 238, 246, 247, 251, 256, 273, 274, 111, 128, 146, 148, 149, 152, 153, 157,
275, 277, 283, 285, 291, 294, 296, 300, 158, 160, 162, 163, 214, 246, 296, 302,
303, 304, 305, 307, 310, 320, 326 308, 309, 310, 311, 316, 317, 318
escolas 15, 16, 17, 18, 19, 25, 37, 39, 52, História 58, 75, 123, 130, 250, 251, 252,
63, 64, 65, 66, 67, 70, 73, 85, 93, 94, 95, 253, 255, 256, 258, 260, 261, 263, 264,
100, 108, 118, 119, 121, 125, 126, 146, 265, 266, 268, 270, 271, 320, 325, 326,
149, 153, 155, 156, 157, 158, 161, 210, 327
211, 212, 214, 215, 216, 219, 220, 221,
222, 223, 226, 227, 228, 229, 246, 248, I
252, 260, 262, 275, 276, 277, 279, 281, ideologias 117, 129, 303
282, 286, 292, 298, 302, 309, 314, 317 igualdade 42, 44, 51, 57, 58, 59, 61, 65,
estratégias 19, 21, 69, 161, 169, 175, 178, 66, 67, 80, 87
185, 186, 187, 188, 218, 273, 275 inclusão 12, 50, 51, 61, 62, 63, 64, 65, 66,
estudiosos 61, 127, 315 68, 69, 70, 72, 73, 74, 80, 84, 106, 124,
127, 129, 214, 221, 222, 223, 229, 238,
F 257, 290, 308, 311, 312
formação 16, 21, 22, 23, 24, 29, 37, 44, informatividade 169, 170, 173, 174
46, 52, 53, 54, 55, 56, 58, 62, 65, 68, 71,
inglês 232, 233, 234, 246, 322
72, 74, 75, 81, 86, 87, 89, 90, 92, 93, 94,
95, 104, 107, 109, 113, 114, 115, 129, interpretação 132, 138, 139, 142, 145, 149,
133, 149, 156, 159, 160, 161, 163, 164, 158, 160, 162, 181, 186, 192, 195, 219,
166, 176, 210, 213, 214, 215, 219, 220, 223, 224, 226, 301, 326, 328
224, 225, 248, 252, 255, 256, 260, 276,
J
279, 285, 286, 291, 294, 295, 297, 298,
302, 307, 308, 309, 328 jogos 106, 110, 127, 161, 192, 233, 237,
238, 239, 244, 245, 273, 275, 300, 302
G
L
gênero 12, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44,
45, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, larga escala 148, 150, 151, 157, 162
58, 126, 169, 170, 172, 182, 183, 184, legislação 61, 71, 118, 119, 210, 215, 217,
185, 199, 201, 202, 204, 206, 300 219, 228
gestão democrática 15, 17, 18 leitura 35, 51, 102, 132, 145, 146, 149,
governo 28, 37, 43, 90, 99, 117, 122, 129, 152, 153, 154, 155, 158, 159, 160, 161,
151, 153, 157, 281 162, 175, 191, 192, 197, 198, 203, 204,
SUMÁRIO 284, 304, 305, 310

332
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

letramento 229, 230, 279, 307, 310, 311, O


312, 313 oralidade 149, 153, 162, 163, 191, 198,
letramento digital 307, 310, 311, 313 204, 218, 227
Libras 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, ouvintes 181, 210, 211, 212, 214, 216,
217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 218, 221, 224, 325
225, 226, 227, 228, 229, 325, 326, 328,
329 P
Língua Portuguesa 108, 128, 132, 133, participação 15, 17, 18, 23, 24, 25, 26,
145, 148, 149, 150, 151, 152, 157, 158, 27, 31, 37, 69, 80, 85, 101, 112, 123, 129,
161, 162, 165, 166, 167, 191, 198, 205, 194, 197, 214, 235, 244, 246, 298
213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, patrimônio cultural 250, 253, 254, 255,
224, 225, 226, 227, 228, 229, 321, 323, 256, 257, 259, 260, 261, 263, 264, 265,
324, 326 267, 268, 269
Linguística Textual 132, 133, 134, 189, 192 pedagógico 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23,
livros 117, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 24, 26, 28, 30, 31, 32, 119, 151, 156, 165,
127, 128, 129, 130, 146, 250, 252, 253, 215, 224, 226, 253, 259, 262, 276, 299,
254, 260, 268, 269, 282, 283, 284, 286, 311
293, 298, 299, 304 permanência 31, 61, 64, 67, 126
livros didáticos 117, 119, 120, 121, 122, pesquisadores 12, 25, 61, 107, 118, 220,
123, 124, 127, 128, 130, 146, 250, 252, 259
253, 254, 260, 269, 282, 284, 286, 304 PNLD 117, 118, 119, 123, 124, 125, 127,
128, 130, 281, 282
M
política 20, 21, 27, 28, 31, 37, 38, 41, 50,
material didático 122, 126, 139, 224, 232,
55, 61, 63, 74, 80, 83, 96, 113, 118, 119,
259, 289
120, 122, 124, 130, 203, 216, 281
matriz curricular 288, 295
políticas públicas 38, 54, 57, 64, 69, 98,
mecanismos 45, 113, 118, 169, 175 99, 117, 119, 121, 151, 156, 217
meritocracia 107, 148, 149, 150, 166 práticas 21, 31, 32, 35, 41, 42, 44, 45, 46,
metodologias 16, 155, 156, 158, 234, 273, 47, 52, 53, 54, 57, 61, 62, 66, 80, 84, 91,
274, 282 98, 102, 103, 110, 114, 118, 161, 162,
miniconto 169, 172, 183, 184, 185 171, 195, 205, 208, 211, 227, 233, 271,
275, 290, 296, 297, 303, 310
motivação 172, 173, 232, 233, 234, 235,
243, 245, 246, 273, 275 produção textual 139, 169, 171, 172, 180,
191, 192, 193, 198, 199, 202, 203, 204,
N 205, 206, 207
narrativas 52, 56, 169, 171, 172, 173, 176, professores 12, 15, 40, 61, 62, 64, 65, 68,
179, 181, 182, 184, 185, 186, 187, 188 71, 72, 73, 74, 75, 79, 86, 91, 92, 93, 100,
101, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 113,
SUMÁRIO narratividade 169, 170, 185, 186, 188
114, 122, 123, 125, 126, 128, 133, 146,

333
TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

149, 155, 158, 159, 163, 164, 165, 166, sociedade 11, 12, 13, 16, 17, 20, 21, 22,
192, 193, 198, 203, 204, 207, 210, 213, 24, 26, 30, 34, 36, 37, 40, 41, 46, 47, 51,
214, 216, 219, 220, 221, 223, 226, 234, 52, 53, 54, 55, 57, 63, 64, 72, 73, 75, 82,
237, 238, 246, 247, 251, 259, 260, 261, 84, 87, 90, 99, 102, 111, 129, 142, 154,
262, 263, 264, 273, 275, 276, 277, 284, 161, 163, 182, 195, 211, 212, 215, 218,
285, 288, 289, 290, 291, 292, 293, 297, 238, 251, 255, 257, 258, 260, 276, 277,
298, 299, 300, 301, 302, 303, 305, 311, 278, 281, 292, 297, 307, 308, 310
328 sociopolítica 34, 55, 286
profissionais 65, 69, 72, 93, 101, 112, 113, surdos 63, 210, 211, 212, 213, 214, 215,
129, 156, 160, 210, 212, 220, 223, 224, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223,
225, 226, 227, 228, 263, 315 224, 226, 227, 228, 229, 230, 325
programas 117, 120, 129, 130, 220, 308,
316, 321 T
projeto pedagógico 15, 17, 19, 23, 28, 32 terminologia 15, 24, 78, 103, 111, 254
projeto político 15, 17, 18, 19, 20, 23, 24, testes 64, 148, 149, 150, 155, 156, 162,
26, 27, 30, 31, 32 197, 224
textos 12, 45, 98, 100, 132, 133, 135, 136,
Q 137, 138, 139, 143, 145, 146, 149, 153,
qualidade 15, 16, 18, 22, 29, 31, 37, 70, 161, 162, 165, 169, 170, 171, 172, 174,
109, 113, 123, 127, 128, 151, 152, 153, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187,
258, 274, 275, 282, 295, 303, 314 188, 191, 193, 194, 196, 197, 199, 200,
201, 202, 203, 205, 206, 207, 259, 260,
R 262, 263, 265, 267, 268, 269, 270, 290,
Reformas Educacionais 98 291, 310, 321

S V
segregação 61, 64, 71 valores 12, 35, 36, 40, 43, 52, 65, 66, 77,
sentidos 27, 36, 43, 45, 82, 98, 132, 134, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 89,
139, 142, 143, 146, 177, 180, 188, 189, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 105, 111, 154, 215,
208, 292 254, 258, 259, 278, 296
sexualidade 34, 39, 41, 43, 44, 46, 47, 49, valores humanos 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83,
50, 52, 53, 54, 55, 58, 59, 91, 112, 280, 84, 85, 86, 89, 90, 94, 95
283
sistemas de avaliação 148, 150

SUMÁRIO

334

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