47 7 PB PDF
47 7 PB PDF
47 7 PB PDF
Editor
Pedro Duarte (PUC-Rio)
Comissão Editorial
Irley Franco (PUC-Rio); Danilo Marcondes de Souza Filho (PUC-Rio); Déborah Danowski (PUC-
Rio); Luiz Carlos Pereira (PUC-Rio)
Conselho Editorial
Abel Lassalle Casanave (UFSM); André Duarte (UFPR); André Lepecki (Tisch School of the Arts,
NY/EUA); Edgard José Jorge Filho (PUC-Rio); Elsa Helena Buadas Wibmer (PUC-Rio); José
Alexandre Durry Guerzoni (UFRGS); Françoise Dastur (Université de Nice Sophia-Antipolis,
França); Gregory Chaitin (UFRJ); Howard Caygill (Kingston Univerisity, Inglaterra); Markus
Gabriel (Universität Bonn, Alemanha); Marcelo Perine (PUC-SP); Marcia Cavalcante (Södertörn
University, Suécia); Matthias Schirn (Ludwig-Maximillians Universität Munich, Alemanha); Maura
Iglesias (PUC-Rio); Mercedes Torrevejano (Universidade de Valência, Espanha); Newton Carneiro
Affonso da Costa (USP); Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio); Oswaldo Giacoia (UNICAMP);
Oswaldo Porchat Pereira (UNICAMP); Paulo Cesar Duque Estrada (PUC-Rio); Renato Janine
Ribeiro (USP); Ricardo Ribeiro Terra (USP); Roberto Markenson (UFPE); Vladimir Vieira (UFF);
Virginia Figueiredo (UFMG); Wilson John Pessoa Mendonça (UFRJ).
Equipe Técnica
Elir Ferrari - assessor editorial
Gabriel Costa - formatação
Revisão e normalização
Angela Dias
Projeto Gráfico
Marcos Martins Design
Imagem da capa
Jan de Bray, The Haarlem Painters' Guild /1675
Semestral
Descrição baseada em: Vol. 1, n. 1 (1989) ; título da tela de informação
geral (em 11 de dez. 2017)
Exigências do sistema: conexão com a Internet, World Wide Web browser
e Adobe Acrobat Reader
Disponível em: http://oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/
ISSN: 0104-6675
CDD: 100
5
5 Apresentação
Maxime Rovere
Giovanni Licata
entrevista
267 Spinozismo, or how to raise higher political consciousness
Com Jonathan Israel
Por Maxime Rovere
tradução
275 Karl Heinrich Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político
Por Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
resenha
305 Tradição e Iluminismo em Uriel da Costa
Felipe Jardim Lucas
varia
311 As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como
mística do tempo
Fabiano Lemos
339 Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos
dissimulados do animal-máquina cartesiano
Rafael Henrique Teixeira
APRESENTAÇÃO
Mais que os outros filósofos, a obra de Bento de Spinoza (1632 – 1677) apa-
rece aos leitores do século XXI, como situada fora da História. O hábito de
ler em particular a Ética fora de contexto está relacionado, especialmente, a
um método que os universitários franceses dos anos 1960 (Martial Gueroult,
Alexandre Matheron, Gilles Deleuze), que desempenharam um papel maior
na entrada recente de Spinoza no panteão dos grandes filósofos, apreciavam
acima de tudo: a análise estrutural. Tratava-se, então, de compreender o pen-
samento de Spinoza a partir duma articulação de conceitos internos naquilo
que seus comentadores chamaram de seu “sistema”.
No Brasil, esse método conheceu e desfrutou ainda de uma fortuna par-
ticular. Com efeito, até recentemente, essa abordagem correspondia a duas
especificidades brasileiras: de um lado, as fontes (tal como Regius, Da Costa,
Jellesz, Meyer, Van den Enden, etc.) eram até os anos 2010 dificilmente aces-
síveis ao Brasil, de sorte que propondo suas leituras internistas, comentadores
puderam prolongar a abordagem estrutural muito oportunamente (Marilena
Chauí, nesse sentido, aparece como uma exceção, equilibrando o texto e o
contexto); de outro lado, a leitura de Spinoza no Brasil e na América Latina
de modo geral respondia a uma forte urgência política, que era de fornecer
elementos filosóficos destinados a ajudar no desenvolvimento de um pen-
samento tanto laico como social; nesse sentido, o vínculo entre o estudo da
filosofia de Spinoza e a história do século XVII não era uma prioridade.
Hoje, a situação mudou. Ao longo dos últimos dez anos em particular, a
internet disponibilizou em alguns clicks fontes até então raríssimas. Novos
nichos de estudos sobre Spinoza desenvolveram-se nos Países Baixos, na Itá-
lia e nos países anglófonos. Os novos pesquisadores neerlandeses valorizaram
um milieu intelectual onde Spinoza figura como um pensador entre outros
(primum inter pares), e onde uma grande parte das ideias que se atribuem a
ele aparecem como elaboradas por outros. Os italianos, grandes filólogos, re-
alçaram a importância de tradições subterrâneas e a participação de todo um
coletivo na obra de Spinoza. Quanto aos anglófonos, eles souberam integrá-
-lo num quadro histórico mais vasto, onde a metafísica não figura mais como
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.5-7, jul.-dez. 2017
6 Maxime Rovere
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.5-7, jul.-dez. 2017
Apresentação 7
Maxime Rovere
ORGANIZADOR
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.5-7, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock
Filip Buyse*
Abstract
The pendulum clock was one of the most important metaphors for early modern
philosophers. Christiaan Huygens (1629-1695) discovered his pendulum clock
in 1656 based on the principle of isochronism discovered by Galileo (1564-1642).
This paper aims at exploring the broad historical context of this invention, showing
the role of some key figures such as Andreas Colvius (1594-1671), Elia Diodati
(1576-1661), Hugo Grotius (1583-1645) and Constantijn Huygens, the father of
Christiaan Huygens. Secondly, it suggests - based on this context - that it is hard
to believe that Huygens did not know about Galileo’s idea to construct a pendulum
regulated clock. Finally, this article illustrates how the Dutch philosopher Spinoza
(1632-1677) might have been inspired by Huygens’ discovery of the synchronization
of the pendulum clocks in his views on the agreement between bodies in the universe.
Resumo
O relógio de pêndulo foi uma das metáforas mais importantes para os filósofos
modernos. Christiaan Huygens (1629-1695) inventou o relógio de pêndulo em 1656
baseado no princípio do isocronismo descoberto por Galileo (1564-1642). Este
artigo busca explorar o amplo contexto histórico dessa invenção, demonstrando o
papel de algumas figuras-chave como Andreas Colvius (1594-1671), Elia Diodati
(1576-1661), Hugo Grotius (1583-1645) e Constantijn Huygens, o pai de Christiaan
Huygens. Em segundo lugar, sugere-se - baseado nesse contexto - que é difícil acreditar
que Huygens não sabia da ideia de Galileo de construir um relógio regulado por um
pêndulo. Por fim, este artigo ilustra como o filósofo holandês Espinosa (1632-1677)
pode ter se inspirado nessa invenção de Huygens da sincronização do relógio de
pêndulo em suas visões sobre o acordo entre os corpos no universo.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
10 Filip Buyse
1. Introduction1
1 In this paper, I use the following abbreviations: GG = Galilei Galileo (Ėd. par Favaro, A. et Del
Lungo, I.), Le Opere di Galileo Galilei (Edizione Nazionale). 20 vols, Florence, Barbera, 1890-1909,
OCH = Christiaan Huygens. Œuvres Complètes de Christiaan Huygens (Publ. par la Société hol-
landaise des sciences). La Haye: M. Nijhoff, 1888-1950 and G = C.I. Gerhardt, Die Philosophischen
Schriften von G.W. Leibniz. 7 vol., Berlin: Weidmann, 1875-90.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 11
2. The mechanical clock and the pendulum clock: Huygens’ invention and
Galileo’s teaching
2 Drawing from Christiaan Huygens’s treatise Horologium Oscillatorium, published in 1673 in Paris. It
records improvements to the mechanism that Huygens had illustrated in the 1658 publication of his
invention, titled Horologium.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
12 Filip Buyse
However, the difference between the pendulum clock and other mechan-
ical clocks is that a pendulum clock has a pendulum as a regulator. There is
no doubt that the Dutch physicist Christiaan Huygens of Zulichem designed
his pendulum clock, which he patented in 1657, based on the principle of
isochronism invented by Galileo. However, nowhere does the Dutch physi-
cist explicitly reveals how he actually came to the idea to design a mechani-
cal clock based on Galileo’s principle, although he wrote two books on his
invention: Horologium3 (1658) and Horologium oscillatorium sive de motu pen-
dularium4 (1673). In the first work, written directly after his invention, Huy-
gens obviously does not hide the link between his new design and Galileo’s
work. On the contrary, in his introduction he writes:
3 There is an English translation with the original Latin Text in facsimile of this work by Huygens
included in Edwardes, Ernest, L., The Story of the Pendulum Clock. Altrincham: John Sherratt and
son LTD, 1977, 60-95.
4 For an English translation of this work (originally published in Latin) by H.J.M. Bos, see:
Blackwell, Richard, J., Christiaan Huygens’ The Pendulum Clock or Geometrical Demonstrations Con-
cerning the Motion of Pendula as Applied to Clocks. Ames: The Iowa State University Press, 1986.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 13
6 Cf. Letter of Galileo to Guido Ubaldo dal Monte, from Padua, dated 29 November 1602, in GG
X 97-100. For an English translation of the letter see: P. Palmieri, Reenacting Galileo’s Experiments:
Rediscovering the Techniques of Seventeenth-Century Science. Lewiston, NY, 2008, 257–60
7 The term “Isochronism” is derived from the Greek roots “iso” and “chronos” and means, literally,
“in the same time.” As Palmieri has remarked, this term is not a Galilean word. The author of the
Dialogo uses other terms to refer what is known today as the property “isochronism”. Palmieri, P.,
A phenomenology of Galileo’s experiments with pendulums, BJHS, 2009, 1.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
14 Filip Buyse
and expressed them in the form of a physical law in the form of a modern
mathematical formula. Currently, we know the pendulum law written as
(with g = gravitational acceleration):
1 l
T=
2p g
3. The historical context before 1635: the relation between Galileo and Holland
9 The discussion who the inventor of the telescope was, is an ongoing debate. Traditionally,
Lipperhey and Zacharias (or Sacharias) Jansen (or Janssen) are presented as the most probable
candidates. However, both candidates are problematic. For a recent discussion of this question,
see: Zuidervaart, Huib, J., The ‘true inventor’ of the telescope. A survey of 400 years of debate.
In: van Helden, Albert, et. al., The origins of the telescope. Amsterdam: KNAW Press, 2010, 9-44.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 15
his last important work, the Discorsi (1638) would be published in Leyden.
The earliest mention of Galileo’s ideas is already in the works of Gorlaeus10
(1591-1612) written around 1610, just after the publication of his bestseller,
the Sidereal Messenger [Sidereus nuncius].
Amazingly, Galileo did not become not well-known in Holland because
of the rise of copernicanism. On the contrary, several Dutch historians such
as Reyer Hooykaas11 and more recentely Rienk Vermij12 , Eric Jorink13 and
Djoeke van Netten14 argue that copernicanism only became more influential
because of the works of Galileo and his condemnation by the Roman Church,
after the publication of the Dialogo in 1632. Indeed, Copernicius was not
popular in Holland before 1630 although the heliocentric/geocentric debate
was in other European countries already held in the first decades of the 17th
century. Even the Dutch editor15 of a new edition of Copernicus’s main work,
Nicolaus Mulerius (1564-1630), was not a real Copernican but rather an Ar-
istotelian16. Moreover, around 1625 there were only a handful Copernicans17
in the Dutch Republic, who were all Galileo sympathizers.
A few people played a major role in making Galileo well-known in the
Republic. Indeed, in the period before Christiaan Huygens, there were four
people who played a key role in the relation and communication between the
10 Cf. Lüthy Christoph: David Gorlaeus (1591-1612). An enigmatic figure in the history of philosophy
and science. Amsterdam, Amsterdam University Press, 2012, 27.
11 Cf. Hooykaas, R., The reception of copernicanism in England and the Netherlands. In: Wilson,
C., e.a. ed., The Anglo-Dutch contribution to the civilization od early modern society. Oxford: OUP,
1976, 33-44.
12 Cf. Vermij, Rienk, The Calvinistic Copernicans. The Reception of the New Astronomy in the Dutch
Republic, 1575-1750. Amsterdam: Koninklijke Nederlandse Akademie van Wetenschappen, 2002,
106-107 and Vermij, R., Het copernicanisme in de republiek, Tijdschrift voor geschiedenis, 16,
1993, 349-367.
14 Cf. van Netten Djoeke, Van Netten, Djoeke, Koopman in kennis – De uitgever Willem Jansz
Blaeu (1571-1638) in de geleerde wereld van zijn tijd. Proefschrift, Rijkuniversiteit Groningen,
Maart 2012,106.
15 Mulerus’s edition of Copernicus’s De revolutionibus was published in 1617, the original work
in 1543.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
16 Filip Buyse
Dutch Republic and Galileo’s Italy: Andreas Colvius, Elia Diodati, Hugo Gro-
tius and Elsevier. As Klaas van Berkel18 puts it: Isaac Beeckman was most con-
genial to Galileo in Holland in the period before Huygens. However, it was
the Dutch protestant minister and former diplomat Andreas Colvius (1594-
1671)19, who introduced the mechanical philosopher to the works of Galileo
and to members of circle around Galileo. From 1620 until 1627, Colvius
accompanied the diplomat Johannes Berck as a pastor to the Dutch Embassy
to Venice20. Interestingly, around 1620, towards the end of the Twelve Years’
Truce, Constantijn Huygens (the father of the Christiaan Huygens) also trav-
elled as a secretary of ambassador François van Aerssen to Venice, to gain
support against the threat of renewed war.
Colvius was an important intellectual who was interested in natural sci-
ence. During his lifetime, he was in contact with numerous important natu-
ral scientists such as René Descartes, Jacob Golius, Alexander de Bie, Mican-
zio and many other. In his correspondence with them, he discussed mainly
scientific topics. Importantly, while in Italy, he made others copies of Galileo’s
work which he brought to Holland when he returned. Importantly, he even
brought a copy of the unpublished Discorso sopra Del flusso e reflusso del mare.
Back in Breda, he lent books from his library to natural philosophers such
as Christiaan Huygens and Isaac Beeckman (1588-1637). Interestingly, in
March 1655 (only one year before he designed his pendulum clock), Chris-
tiaan Huygens sent a letter to Colvius, asking him to send him Galileo’s man-
uscripts. Importantly, this source makes clear that the Dutch physicist was at
that time especially interested in Galileo’s writings concerning the problem of
the determination of the longitude: “Expectabo invicem quae ad longitudinum
scientiam pertinent manuscripta, et si quae alia Galilaei posthuma possides; resti-
tuturus cum tibi visum fuerit.” Moreover, he was so eager to have these copies
of Galileo’s work that he tried very tactfully to give Colvius a new microscope
that he had just designed as a present in the hope of receiving Galileo’s works
18 Cf. Van Berkel, Galileo in Holland before the Discorsi: Isaac Beeckman’s reaction to Galileo’s
work. In: Maffioli, C.S. and L.C. Palm (Editors), Italian Scientists in the Low Countries in the
XVIIth and XVIIIth Centuries. Atlanta / Amsterdam: Rodopi, 1989, 101.
19 For more information about Colvius, see: Molhuysen, P.C. and Blok, P.J. (Editors), Nieuw
Nederlandsch Biografisch Woordenboek (NNBW). Leiden: A.W. Sijthoff’s Uitgevers-maatschappij,
Deel 1, 1911, 627-629 and Nauta, D. et al (Editors), Biografisch lexicon voor de geschiedenis van
het Nederlands protestantisme. Kampen: Uitgeversmaatschappij J.H. Kok, Deel 2, 1978, 134-135.
20 Thijssen-Schoutte, C.L., Andreas Colvius, een Correspondent van Descartes. In: Thijssen-
-Schoutte, C.L., Uit de Republiek der Letteren. ’s Gravenhage: Martinus Nijhoff, 1967, 67- 89.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 17
from him in return. During the same month, Colvius had already sent his
“Galilaei tractatus” and his “aliud manuscriptum ejusdem Galilaei” to Huygens.
The former treats the ‘longitudinum scientiam’, the latter was a copy of Galileo’s
“del flusso e riflusso del mare”.
Another person who played a major role in the process that made Galileo
more well-known and even popular in Holland was Elia Diodati (1576-1661).
He was a French jurist and lawyer of Swiss/Italian origin, working as an ap-
pointed ‘avocat du Parlement’ in Paris where he resided until his death in
1661. Importantly, he was a correspondent and good friend of Galileo. He
met him for the first time around 1620 during a visit in Italy. Diodati was a
member of the noble Diodati/Calandrini/ Burlamacchi family. This influential
family had branches in several countries of western Europe: not only in Italy
(Lucca), France (Paris, Lyon, Genève), and Germany (Nuremberg) but also
in Holland (Amsterdam) where the family was close to the Huygens family21.
Constantijn Huygens had a correspondence with several members of the Ca-
landrini/Diodati family and - as I will show in the next section - he mediated
in the negotiations between Galileo and the States General of Holland. It is
important to notice that Elia Diodati met Christiaan Huygens I (1551-1624) -
the father of Constantijn Huygens I and the grandfather of the Mathematician
(Christiaan Huygens II) - in Paris which was the start of a long-life friend-
ship. This friendship was the reason why Diodati would later contact his son,
the Diplomat and poet, Constantijn Huygens I – who had a correspondence
with several members of the Diodati/Calandrini Family - in order to ask for
mediation in the tough negations between Galileo and the States General; a
mediation which might be very important as background information for our
discussion of the question who the inventor was of the first pendulum clock.
Elia Diodati was extremely skillful in creating relations with other people.
Furthermore, he had a very particular relation with most of this other fam-
ily members. However, there is no doubt that he was in contact with other
family members in Europe, e.g. in Holland. For instance, during his entire
life, he was in close relation with his nephew, the leading Calvinist theologian
and bible translator Giovanni (Jean) Diodati (1576-1649) who attended the
21 For a detailed analyzes of Elia Diodati’s life, his activities and the relation between Elia Dio-
dati and the other members of his noble family, see: Garcia’s doctoral thesis entitled Elie Diodati
(1576-1661): un homme de réseau au service de la cause galiléenne. Meanwhile this thesis has been
published in the form of a book. The references of this work are : Garcia, S., Elie Diodati et Galilée
: Naissance d’un réseau scientifique dans l’Europe du XVIIe siècle. Bibliothèque d’Histoire des Sciences,
Leo Olschki Editions (1 janvier 2004).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
18 Filip Buyse
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 19
sympathizers. Practically, all the few Dutch Copernicans of that time were
linked in one or another way to this school. The first professor who taught
publicly heliocentristic ideas in Holland, Martinus Hortensius, was appoint-
ed in 1634 as mathematics professor at the Athenaeum. According to a let-
ter23 he wrote on the second July 634 to Grotius, his lectures on the elements
of astronomy which included a discussion of Galileo’s views were initially
very successful. According to this source, they attracted a wide audience, not
solely intellectuals and clergyman but also seafarers and trade people. Hor-
tensius had been introduced to heliocentristic astronomy by his teacher Isaac
Beeckman (1588-1637) who introduced him to the radical Copernican Philip
Lansbergen (1561-1632). Interestingly, Galileo had books of Lansbergen in
his personal library24 and Hortensius would later have a correspondence with
Galileo. Another Copernican, the cartographer and instrument maker, Wil-
lem Jansz Blaeu (1571-1638), was the publisher of the Athenaeum Illustre25.
Hugo Grotius would, after his second condemnation in 1632 (after his return
to Holland in 1631), never return to Holland. However, he stayed in close
contact with his Dutch publishers, his friends from the Athenaeum illustre
(such as Vossius), his and his son and several other family members who were
students at the newly founded school.
It is well-known that the Elseviers published Galileo’s Discorsi (1638) but
Elsevier (or rather the Elsevier family) did not play only a role in the printing
and publication; they were also important for the diffusion of Galileo’s ideas
in both protestant but also in Catholic countries. Needless to say, these pub-
lications and their selling in Elsevier’s bookshop in Amsterdam contributed
to discussions of Galileo’s works among intellectuals in Amsterdam and other
Dutch places.
In May 1636, Louis Elsevier visited Galileo in his house in Arcetri and
agreed to publish the Discorsi in Leyden. The Elseviers did not only play an
important role in the publication of Galileo’s last important dialogue but also
in the publication and diffusion of other works, such as the Latin translation
24 Cf. A. Favaro, La libreria di Galileo Galilei, in « Bullettino di bibliografia e di storia delle scien-
ze matematiche e fisiche», XIX, 1886, p. 219-293 and subsequent appendices of 1887 and 1896;
Michele Camerota, La biblioteca di Galileo: alcune integrazioni e aggiunte desunte dal carteggio.
In: Biblioteche filosofiche private in età moderna e contemporanea. Firenze: Le Lettere, 2010, p. 81-95
and Crystal Hall, Galileo’s library reconsidered. Galilaeana, a. 12 (2015), p. 29-82).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
20 Filip Buyse
of the Dialogo which appeared in 1635 under the title Systema cosmicum.
Moreover, Galileo was at the end of his life negotiating with the Dutch Pub-
lishing house concerning the publication of his complete works in one vol-
ume in Latin26. It is not so well known that Galileo really insisted on this
Latin publication. Rather, several scholars - such as Mark Davie27 - argue that
Galileo, in contrast to many of his contemporarie, abandoned Latin in favor
of the Italian vernacular.
In sum, different elements resulted in Galileo becoming well-known in
Holland in General and to the astronomer Christiaan Huygens in particular.
Besides the contacts on the political level between Venice and Holland, the
relation between Galileo’s circle and the people of Holland via several figures,
there was also Huygens’s personal affinity with Galileo’s work. Indeed, much
of Huygens’s work can been regarded as a prolongation of that Galileo’s. For
instance: his discovery of rings of Saturn which he documented in De Saturni
Luna observatio nova (1656).
The Dutch physicist and astronomer had almost all of Galileo’s works in
his personal library: the Opere di Galileo Galilei (Bologna, 1656), The Discorsi
e demonstrazioni Mathematiche e I movimenti locali (Leyda, 1639), Les Nouvelles
pensées de Galilée (translated by Mersenne, 1639), the Dialogo di Galil. Galilei
sopra i sistemi del Mondo (1632), the Trattato della Sfera di Gal. Galilei (1656), the
Discorso intorno alle cose che stanno in su l’acqua, the Historia e Demostrationi intor-
no alle macchie Solari in 3. Lettere al Sign. Mr. Velseri, (Firenze 1612) and L’usage
du quadrant ou de l’horologe [Galilei, 1639]. Furthermore, there were not only
books of Galileo in his personal library but also books about Galileo’s work such
as: Jo. Kepleri Dissertatio a Galilaeo (Pragae 1610) and Galilei scienza universale
delle Proportioni, & alia posthuma, Fiorenza, 1674. en veau [Viviani; BZ: 670], il-
lustrating his enormous interest in Galileo’s work and their interpretations.
However, besides his publications and his condemnation there was an-
other main reason why Galileo became well-known to intellectuals as well
as to ordinary people in Holland. This brings us to the next section on his
proposal to States General of the Netherlands for the determination of the
longitude at sea.
26 Cf. OG XVI 510-511, OG XVII 94-96, OG XVII 173, OG XVII 247-248, OG XVII 281, OG
XVII 308, OG XVII 347, OG XVII 369-372, OG XVIII 203-204 and OG II 398-399 and Favaro,
A., Adversaria galileiana: serie I-VII, Trieste, Lint, 1992, 177.
27 Prof. em Mark Davie is the co-editor and co-translator of Galileo, Selected Writings, Oxford:
OUP, 2012.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 21
The problem of the determination of the longitude at sea was for a very
long time a real problem for countries of seafarers such as Spain, Portugal,
England, not to mention Holland, which by the 17th century had developed
trade with different parts of the world. Hence, the Dutch States General de-
cided to offer a prize to anyone who could invent a method for the determi-
nation of the longitude at sea. The prize was 30 000 scudi. This was a very
important sum given the fact that Galileo, for instance, earned a salary of only
60 scudi per year when he was a professor in Pisa.
On 25 October 162729, Galileo received a letter from Alfonso Antonini
(1584-1657) in The Hague informing him about the prize:
.... Qui io sperava di trovar ocasione di scriverle nella curiosita delle os-
servationi che costoro fanno nelle loro nuove et ardite navigationi, e l’ho
trovata, ma in soggetto molto diverso da quelle che io cercava.
Trovo che le Compagnie de’ Mercanti 6) e gli Stati hanno messo insieme
una grossa somma di oro e depositata (dicono che sia intorno a m/30 scudi
29 S.A. Bedini mentions incorrectly that the letter was dated October 22 which should be Octo-
ber 25. Cf. Bedini, Silvio A., The Pulse of Time. Florence: Leo S. Olschki, 1991, 1991, 18.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
22 Filip Buyse
7)), per darli a chi potra insegnare il modo di trovare la longitudine per
uso della navigatione ....Ramentandomi questi particolari, ho risoluto di
scrivergliene et avisarla. Ella potra prender sopra l’afare quella resolutione
che le parera: se vora abbracciar la ocasione, che a me pare bella e grande,
io godero non solo di haverle fatto la propositione, ma d’impiegarmi per
far riuscire il negotio con tutta la prontezza maggiore. Et se desiderara per
aventura ch’esso negotio passi con secretezza, si asicuri della mia fede, che
non ha mai mancato a persona del mondo e non mancara mai ....30
Only eight years later, Galileo let the States General know that he had
found a method which he wanted to present for examination. More pre-
cisely, on 15 August 1636, Galileo sent his letter (written in Italian) with
his proposal to the States General together with three letters: one addressed
to Grotius, one addressed to Hortensius and one addressed to Laurens Re-
ael (1583-1637). Reael, who could read Italian, copied and translated the
letter into Dutch and presented it to the Dutch States General (hereunder
you can see the first page of that letter) on 11 November 1636.
31 For the integral, original text of this report with an English translation see Vanpaemel, G.,
1989. In: Maffioli, C.S. and L.C. Palm (Editors), op. cit., p.129.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 23
Fig. 1: This is the first page of Galileo’s first letter to the States General of the Netherlands with
his proposal for the determination of the longitude at sea. This document is currently stored in the
Dutch National Archives in The Hague (Holland). As you can see the document is in a terrible state.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
24 Filip Buyse
and the Grand Duke. However, his method was not accepted officially be-
cause a similar method by a Spanish mathematician was being investigated.
After his first condemnation by the Roman Chrurch in 1616, however, he
did in June put a second proposal to the king of Spain, this time on his own
behalf with the support of the Tuscan ambassador in Spain. Galileo even pro-
posed to come to Spain to demonstrate his method. Despite Galileo efforts
further negotiations did not lead to a successful decision by the Spanish State
Council. Around 1618, it became obvious that Galileo’s method was not ac-
cepted. The application of a high-performance telescope at sea in moving wa-
ter was regarded as far too problematic despite Galileo’s efforts to overcome
these problems by means of a special device, a headgear fitted with one or
two telescopes, which he named the celatone. Galileo’s proposal was renewed
in 1620, 1629 and 1631 but each time with a negative result32. A second
reason why Galileo do not answer more directly to Antonini’s invitation was
that he was very busy finishing his last chapters of his last big publication, the
Discorsi, during that period.
Diodati hat sent on 20 September 163633 Galileo’s letters to Laurent Reael
and Martin Hortensius and informed Reael that Grotius and himself would
mediate the negotiations between Holland and Galileo. Three days later,
more precisely on 23 September 163634, Diodati informed Galileo that he
had delivered the letter to Grotius and the people in Holland and that Grotius
and himself would do everything within their possibilities to promote his
method in Holland.
Reael submitted Galileo’s first letter with the proposal to the States Gen-
eral which on 11 November 1636 composed directly a committee that had
to evaluate Galileo’s proposal. The members of that committee were initially
Laurens Reael, Martinus Hortensius, the carthographer Blaeu and Jacobus
Golius. Initially, as mentioned in the report of 5 December 163535, it was
decided by the States General that not Golius but Isaac Beeckman would
32 Cf. Van Berkel, K., 1989. In: Maffioli, C.S. and L.C. Palm (Editors), op. cit., 113-17.
35 Obviously, in this report, it is mentioned that: “ … it was deliberated: agreed and accepted that
would be invited and authorized doctor Hortensius as president, mathematician of Amsterdam,
Willem Jansz Blaeu, also [living] in Amsterdam, Willem Jansz Blaeu, also [living] in Amsterdam,
Isaac Beeckman rector at Dordrecht to open [the negotiations on ] the Suppliant’s invention by
letter and to examine it, and to report to Her Great Power.”
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 25
Fig. 2: This is the first page of a copy of Galileo’s letter with his proposal. This document is also
stored in the Dutch National Archives in The Hague (Holland).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
26 Filip Buyse
37 Today, we know that there are not less than 69 objects turning around Jupiter and 18 of them
are considered to be moons.
38 Cf. Matthews, Michael R., Time for Science Education. How Teaching the History and Philosophy
of Pendulum Motion Can contribute to Science Literacy. NY: Kluwer Academics/Plenum Publishers,
2000, 90-91.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 27
39 From Galileo’s letter (dated August 15, 1636) to the States General of the Netherlands. Opere,
XVI, 463-469. The English translation is by Silvio A. Bedini. In the original text, Galileo writes: “
[…] Finalemente, circa il 4° requisito, io ho tal misurator del tempo, che se si fabbricassero 4 o
6 di tali strumenti et si lasciassero scorrere, troveremmo (in confermazione della lor giustezza)
che i tempi da quelli misurati et mostrati, non solamente d’hora in hora, ma di giorno in giorno
et di mese in mese non differirebbero tra di loro nè anco d’un minuto secondo d’hora, tanto
uniformemente caminano : orologii veramente pur troppo ammirabili per gl’osservatori de i moti
e fenomeni celesti ; et è di più la fabrica di tali strumenti schiettissima e semplicissima, et assai
meno sottoposta all’alterazioni esterne di qual si voglia altro strumento per simile uso ritrovato.”
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
28 Filip Buyse
in mind. As Silvio A. Bedini puts it: “More likely they were a form of vibra-
tions counter, consisting of a pendulum bob suspended on a string which
was given impulse manually or by clockwork.”40 This seems to be confirmed
by the fact that around the same period Galileo wrote his “L’usage du cadran
ou de l’horloge physique universel” which was published in 1639 in Paris41. In
this work, the Tuscan physicist explained his views on the the motion of the
pendulum and its application for the determination of the longitude and ob-
serving eclipses. Galileo argued that for this application it is necessary to have
a pendulum that is “used for regulating the movement of the clock”42. Hence,
the clock in Galileo’s letter to the States General of the Netherlands must be
a kind of first version of a pendulum regulated clock.
According to a letter of Galileo’s last student and first biographer, Galileo
conceived of his pendulum regulated clock a few years later, more precise-
ly in 1641. This is 25 years before Christiaan Huygens would conceive of
his pendulum clock. However, it is important to notice that Viviani (1622-
1703) wrote this letter to Prince Leopold in 1659, after having heard about
Huygens’ invention:
One day in the year 1641, whilst I was living with him in his country house
in Arcetri, I recollect that it came into his mind that the pendulum could be
adapted to clocks driven by weight or spring, in the hope that the perfect
natural equality of its motion would correct the imperfections of mechani-
cal construction. But, being deprived of sight and unable himself to execute
the plans and models which would be required to ascertain which would be
best adapted for carrying out this project, he communicated his idea to his
son Vicenzio, who had come out one day from Florence to Arcetri. They had
several discussions on the subject, with the result that they fixed upon the
method, of which the accompanying drawing is a copy; and they decided
to proceed at once with its execution, in order to determine what were the
difficulties, which, as a rule, in the construction of machines, a theoretical
design does not reveal. But Vicenzio, being desirous to construct the instru-
ment with his own hands, for fear the artificers who might be employed
41 Galileo, Galilei, L’usage du quadran ou De l’horloge physique universel sans l’ayde du soleil ny
d’autre lumière. Paris : Hachette Livre BNF, 2016.
42 Cf. Robertson, J. Drummond, The Evolution of Clockwork. Wakefield: S.R. Publishers Ltd.,
1931, 93.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 29
should divulge it before it had been presented to the Grand Duke and to the
States-General of Holland for the measurement of longitudes, kept putting
off its execution, and a few months later Galileo, the author of this admi-
rable invention, fell ill, and died on January 8, 1642. As a consequence,
Vicenzio’s enthusiasm cooled, so that it was not until the month of April
1649, that he took in hand the manufacture of the present clock made in
accordance with the conception which his father had already imparted to
him in my presence.
In the passage above, the author of ‘Racconto istorico della vita del Sig.r Gali-
leo Galilei’ (1654), writes that Galileo even wanted to construct his pendulum
regulated clock that he had in mind. However, at this moment he was already
blind so he asked his son to construct his clock. Vincenzio started with this
work. However, his father died on January 8, 1642. Subsequently, his son
finished – according to Viviani – the construction with the help of a young
locksmith. It is important to notice that Viviani mentions that Galileo wanted
to present his clock not only to the Grand Duke but also to the States-General
of Holland. This confirms once again how the design of the pendulum clock
was linked to Galileo’s method for the measurement of longitudes and should
be understood in this context.
Christiaan Huygens explains in two books his design of his new pendulum
clock, its physics and its functioning. However, nowhere does he clarify how
he came to the idea of conceiving a clock based on a pendulum as a regulator.
Moreover, he seems to exclude quite explicitly this question from his writings.
In his Horologium (1658) he writes about this question: “But this matter will
occupy me or others later”. Did he want to hide something? Did he really
design his pendulum regulated clock completely independently as he always
argued?
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
30 Filip Buyse
Fig. 3 (Right): Drawing made in 1659 by Vincenzo Viviani of the Galilean clockmodel in its unfinished
state of 1649.
Fig. 4 (Left): reconstruction of this clock by Eustachio Porcellotti (1879) based on Vincenzo’s
Galilei’s model.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 31
might explain how his son came to the idea of designing a clock based on
isochronism. Initially, it took some time until Galileo had received an official
answer from the States General, although Hortensius had sent Diodati on 24
November 1636 a personal letter confirming that Galileo’s proposal had been
very well accepted by the States General and that a commission had been in-
stalled which would examine his proposal. However, after a year, he lost his
patience and Diodati started to take steps.
But, let’s give an overview of the history of the correspondence in order
to have a more detailed and better picture of Constantijn’s role. In his let-
ter43 of 16 mars 1637 to Hortensius, Diodati complains that Galileo had still
not received any official word nor sign of gratitude from the States General.
Four days later, he writes very tactfully a letter to the diplomat Constantijn
Huygens explaining the promising future of Galileo’s method for Holland and
asking him to intervene in this question. The father of Christiaan Huygens
replies in his letter44 of 13/23 Avril written in French.
Cristiaan Huygens’s father accepts Diodati’s invitation, but he underlines
very clearly that there are two major problems which are essential for the
success of Galileo’s method. First of all, Huygens asks for a performant tele-
scope so that he can test Galileo’s method and actually see the satellites of
Jupiter which was impossible to see with the telescopes that were at that mo-
ment available in Holland. Secondly, Huygens stresses that Galileo’s method
should work on boats at sea. It is important to notice that Huygens shows
here that he was very well informed of Galileo’s method and that he knew
extremely well the problems of Galileo’s method.
In his letter45 of 8 May 1637 to Constantijn Huygens, Galileo’s correspondence
thanks the diplomat for his mediation but repeats that he expects soon an official
answer from the States General of the Netherlands. Only after a word of gratitude,
he clarifies, Galileo will reveal some unknown, promising aspects of his method.
A week later, more precisely on 15 Mai 1637, Galileo’s correspondent writes once
more a letter46 to the States General (and another letter to Constantijn Huygens),
repeating that Galileo expects an official letter from the States General and that
Galileo will only reveal other aspects of his method after having received that letter.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
32 Filip Buyse
Interestingly, during the period of his correspondence with the States Gen-
eral, Galileo had a personal correspondence with the president of the commit-
tee that had to examine Galileo’s proposal. As I have mentioned already, Hor-
tensius, had written47 him already on the 24th November 1636 congratulating
him with his proposal and telling him that he would soon receive an official
letter from the States General. In his letter of 1 February 1637, Hortensius
explains that the evaluation by the committee took more time because the
Reael could not work permanently on it. In the same letter, he also reveals that
he had informed Jean-Baptist Morin about the importance of Galileo’s new
method. In his letter of 16 Mars to Hortensius, Diodati accuses the Duch pro-
fessor of mathematics of violating the secrecy of the correspondence concern-
ing Galileo’s methods and he repeats once more that is scandalous that Galileo
has still not received any official reply from the States General. However, Hor-
tesensius had already explained in his former letter that he thought he was
allowed to do this because another committee member, Isaac Beeckman, had
already informed Mersenne. And in his letter of 27 Avril, Hortensius defends
himself against Diodati’s allegations and argues that Diodati nor Galileo had
never asked for secrecy. Moreover, he could not have revealed all the secrets
of the method yet because Galileo had not yet delivered a solid proof of the
usefulness of the method at sea and not yet given all the details.
In the same letter, Hortensius assures Galileo’s correspondent that he is con-
vinced that Galileo’s method is applicable. He informs Diadati also that Galileo
will soon receive his award. A month later, more precisely, in his letter48 of 22
Mai 1637, Diodati accepts Hortensius’s explanation but complains once again
about the fact that Galileo has still not received any official reply from the States
General. Subsequently, he invites Hortensius to meet Galileo in the Embassy of
Venice where Galileo would reveal all the details of the method.
What had announced itself for Galileo as something really promising: the
proposal of his method for the determination of the longitude to the States
General and the publication of his complete works in Latin in one volume
by Elsevier, finished as a tragedy.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 33
Galileo never received the 30 000 scudi which would have awarded to
somebody who solved the problem of the determination of the longitude at
sea. He only received a collar worth 500 florins which he refused to accept49.
Unfortunately, he could never deliver the instruments that the committee had
asked for to test his method, because meanwhile, he was becoming blind. Fur-
thermore, there was no meeting between Galileo and Hortensius or any other
member of the committee because they all died in a short period of time: the
president of the committee that had to examine his proposal died on the 17th
of August 1639 and before, other members had died: Beeckman on the 19th
May 1637 and Reael on the 10th October 1637. Blaeu would die a year later, on
the 26th of October 1638. Meanwhile, Galileo had become completely blind
and he died a few years later, on January 8 in 1642 in Artcetri.
During the last years before his death, Galileo still did try to restore the ne-
gotiations between him and the States General. In his letter50 of the 30th Decem-
ber 1639 to Diodati, he proposes that if necessary one of his disciples, Vincenzo
Renieri, would go to Holland in order to explain his method. On the 28 of Feb-
ruary 1640, Diodati again asks Constantijn Huygens for assistance51. The father
of Constantijn Huygens answers two months later that he wants to help but that
given the new circumstances it will be necessary to start from the beginning,
and suggests contacting some influential Dutch people such as A. Boreel.
After Galileo’s death, more precisely on the 21th February 1657, Louis
Elsevier wrote a letter52 to Diodati saying that he had never had the plan to
publish Galileo’s complete works in one volume and that - after having heard
about the publication of Viviani edition of Galileo’s works in Italy - no Dutch
publisher would ever publish such a volume.
The end of Galileo’s life and that of the committee members, however, was
not the end of the relation between Galileo’s circle around Viviani and the
Dutch Republic. On the contrary, the publication of Horologium in 1658 by
Christiaan Huygens lead to an enormous dispute about who was the first to
have designed and constructed a pendulum clock. A dispute which had an
international dimension.
52 Cf. Favaro, A., Documenti inediti per la storia dei manoscritti galileiani nella Bibliotheca Nazionale
di Firenze. In: Bollettino di Bibliografia e di Storia delle Scienze matematiche e fisiche, 18 (1885), 113.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
34 Filip Buyse
53 The abbreviations applied for Spinoza’s works: E – Ethics (Ethica). Passages in Spinoza’s Ethics
will be referred to by means of the following abbreviations: a (axiom), ap (appendix), c (corollary),
d (demonstration), def (definition), p (proposition), le (lemma) and s (scholium). For instance:
E2p16c2 = Part 2 of the Ethics, proposition 16, corollary 2.
All citations in English from Spinoza’s work are translations by Edwin Curley unless otherwise
mentioned. All translations from Christiaan Huygens’ correspondence are from Alex Boxel. These
translations can be found on the following site: http://idolsofthecave.com
54 See Comenius, Opera didactica omnia (Oeuvres didactiques complètes) (1657) D 42; Comenius,
J.A., The Great Dictatic (Translated from the Latin, and edited by, M.W. Keatinge), London: Adam
and Charles Black, 1657/1910, 47-48; Comenius, The Great Didactic, 47-48; McReynolds, The
Clock Metaphor, 99 and Matthews, op. cit., p. 217 and Annotata ad Ethicam, Sämtlichen Schriften
[10.24], 3:211-12; cf. Annotata ad Metaphysicam, Sältkichen Schriften [10.24], 2: 307.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 35
“By coherence of parts I mean simply this, that the laws or nature of one
part adapts itself to the laws or nature of another part in such wise that
there is the least possible opposition between them. On the question of
whole and parts, I consider things as parts of a whole to the extent that
their natures adapt themselves to one another so that they are in the clos-
est possible agreement. Insofar as they are different from one another, to
that extent each one forms in our mind a separate idea and is therefore
considered as a whole, not a part.”57
This is for several reasons a very remarkable text. First of all, because Spi-
noza gives on other occasions very different explanations of similar questions.
Secondly, because the Dutch philosopher writes here “odd sentences” which
seem to be in clear contradiction with typical elements of his metaphysics.
Indeed, what Spinoza writes in the passage above seems to be in contradic-
tion with his radical, metaphysical determinism which is an essential and
characteristic part of his philosophy.
According to E1p28, a body which is determinate or finite (according to
the first definition58 of E2) is necessarily determined by another finite thing.
Moreover, according to E1p10 and E2p6 this finite59 thing should be of the
same attribution of the unique and eternal substance. Consequently, a body
(a mode of the attribute Extension) is always determined by another body
to act in a determinate way. Spinoza expressed this idea in Lemma 3 of the
Physical Interlude and he referred to it several times in the course of his Eth-
ics, highlighting the importance of this principle. In his Letter 58 (1674) to
57 Spinoza, B. Complete Works, Ed. M. L. Morgan and tran. S. Shirley, Indianapolis: Hackett, 2002, 848.
In the original version, we read : “Per partium igitur cohaerentiam nihil aliud intelligo, quàm
quòd leges, sive natura unius partis ità sese accommodat legibus, sive naturae alterius, ut quàm
minimè sibi contrarientur. Circa totum, et partes considero res eatenus, ut partes alicujus totius,
quatenus earum natura invicem se accommodat, ut, quoad fieri potest, inter se consentiant, qua-
tenus verò inter se discrepant, eatenus unaquaeque ideam ab aliis distinctam in nostrâ Mente
format, ac proinde, ut totum, non ut pars, consideratur. Ex. gr. cum motûs particularum lymphae,
chyli, etc. invicem pro ratione magnitudinis, et figurae ità se accommodant, ut planè inter se
consentiant, unumque fluidum simul omnes constituant, eatenus tantùm chylus, lympha, etc. ut
partes sanguinis considerantur : quatenus verò concipimus particulas lymphaticas ratione figurae,
et motûs, à particulis chyli discrepare, eatenus eas, ut totum, non ut partem, consideramus.”
58 In the Latin text, the definition of the body is: “Per corpus intelligo modum, qui Dei essentiam,
quatenus, ut re extensa, consideratur, certo, et determinatio modo exprimit; vid. Coroll. Prop. 25.p.1.”
59 Spinoza defines “a finite thing” in E1d2 as: “That thing is said to be finite in its own kind that
can be limited by another of the same nature. For example, a body is called finite because we
always conceive another that is greater. Thus a thought is limited by another thought. But a body
is not limited by a thought nor a thought by a body.”
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
36 Filip Buyse
G.H. Schüller, Spinoza explains his metaphysical determinism also, this time
through the example of a moving stone, emphasizing that what is true for a
stone is true for each individual thing.60
By contrast, in the passage quoted above from Letter 32, Spinoza does
not write that the parts (or natures) of a body are externally caused by other
bodies. On the contrary, he writes that they “adapt” themselves: “the laws or
nature of one part adapts itself to the laws or nature of another part.” More-
over, he does not write this once, as though it were a mere exception, but it
appears several times: “their natures adapt themselves to one another,” sug-
gesting here a spontaneous, internal cause.
Secondly, as Albert Rivaud61 already remarked, Spinoza explains in Letter
32 the coherence between the parts of a body in a very different way than
in the Physical Interlude and in a letter written in 1661/62. In letters known
as the Boyle/Spinoza correspondence,62 transacted after Oldenburg’s visit to
Spinoza during the summer of 1661, Spinoza writes in Letter 6 (December
1661) the following explanation:
To understand the first, it must be noted that bodies in motion never meet
other bodies with their largest surfaces, whereas bodies at rest lie on others
on their largest surfaces.
And, in Axiom 3 of the Physical Interlude of the second part of the Ethics,
just after his definition of the body, the Dutch philosopher writes:
60 What Spinoza writes here in this letter on freedom and necessity might be inspired by chap-
ter 21 of Hobbes’ Leviathan, a book translated in 1667 into Dutch by Spinoza’s friend Abraham
Van Berkel.
62 The correspondence between Baruch Spinoza and Henry Oldenburg is composed of 17 letters
from Oldenburg to Spinoza and 10 from Spinoza to Oldenburg. This correspondence was betwe-
en 1661 and 1676 with hiatuses between 1663 and 1665 and between 1665 and 1675. What is
known as the ‘Spinoza-Boyle’ correspondence forms a part of this larger whole and consists of the
letters 6, 11, 13 and 16 written between 1661 and 1663.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 37
large surface, I shall call hard; those whose parts lie upon one another
over a small surface, I shall call soft; and finally those whose parts are in
motion, I shall call fluid.
Thus, in both the Physical Interlude (1677) and Letter 6 to Boyle (1661),
Spinoza conceives of the agreement of coherence between the constituent
parts of bodies in a purely mechanistic way, in contrast to the explanation of
Letter 32 to Boyle (1665). In other words: coherence is conceived of in terms
of relative position, contact, motion and the rest of the parts that constitute
the whole.63 Nowhere in this context does Spinoza write that the natures of
bodies adapt themselves spontaneously to other bodies in order to form a
single unity. On the contrary, in the definition of a body that he gives in the
Physical Interlude, Spinoza states clearly that a new physical individuality is a
whole of bodies “constrained by other bodies” [a reliquis ita coërcentur]
How can this apparent paradox be resolved? This paper argues that Spi-
noza applied here a principle that Christiaan Huygens’s had just discovered.
This hypothesis would explain why the Dutch philosopher could write the
odd sentences in his Letter 32 without violating his mechanistic ideas.
Around the 22 February 1665, while Christiaan Huygens was sick and ly-
ing in his bed, he observed that two pendulum clocks, which were hanging in
front of him, started to beat in synchronicity. He couldn’t believe his eyes. Ini-
tially, he was unable to explain this phenomenon and referred to it as “some
sort of sympathy” [une espèce de sympathie]. He struggled to find a causal
explanation for this effect. Why did the clocks mysteriously synchronize with
each other? How could mechanical objects transmit an influence when they
were not touching? What is the cause of this “odd kind of sympathy?”
Initially, Huygens was convinced that there could not be any other cause
of the agreement of the clocks “than an imperceptible agitation of the air which
is produced by the movement of the pendulums.” However, a few days later he
wrote with a pencil in the margin of his notes: “causam hujus rei postea in-
veni ex communi fulcro.” More precisely, on the first of March, he conducted
some additional experiments and determined that not the air, but rather
the mechanical connection between the two clocks was essential for their
synchronization.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
38 Filip Buyse
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 39
69 See Wootton, D., The invention of Science. Milton Keynes: Penguin [2015] 2016),437-441,
484-486.
70 See North, J., God’s Clockmaker: Richard of Wallingford and the Invention of Time. Oxford: Oxbow
Books, 2004.
71 Galileo G, The Dialogue, New York: The Modern Library, 2001, 267.
72 Cf. Vincent Icke, Christiaan Huygens in de onvoltooid verleden toekomende tijd. Groningen :
Historische Uitgeverij, 2005.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
40 Filip Buyse
the analogy of the clock in a very explicit way. What is this so? Probably, the
reason is that he avoided using artefacts as models for natural things because
this might suggest that things are created by a creator distinct from his creation.
In the appendix of De Deo in the Ethics for instance, Spinoza radically refutes
this kind of “divine finalism” and instead argues that the human body should
not be conceived as mechanical artefact and is not created but generated.
6. Conclusion
This paper shows that the design of Huygens’s pendulum clock must be un-
derstood in the context of Galileo’s search for a method to determine the
longitude at sea, based on the satellites of Jupiter. The big historical question
- whether Galileo or Huygens was the first to have invented the pendulum
regulated clock - does not have an easy answer. Huygens always maintained
that he did not know about Galileo’s design of a pendulum regulated clock,
but Viviani argued that his master had invented the first pendulum clock a
long time before Huygens.
However, this paper shows that it is hard to believe that Christiaan Huy-
gens found his clock completely independently from Galileo given the fact
that: he knew Galilean physics extremely well, that he had almost all works
of Galileo in his personal library (also: L’usage du quadran ou De l’horloge phy-
sique universel sans l’ayde du soleil ny d’autre lumière) and that he had asked
Colvius for copies of Galileo’s writing on the longitude only one year before
his invention. Moreover, his father who knew the content of the correspon-
dence - that included Galileo’s idea of a pendulum regulated clock - very well
so that he could have informed his “Little Archimedes”. In sum, it is probably
more correct to state that the design of pendulum regulated clock is the result
of the work of Galileo and Huygens.
Pendulum clocks were much more accurate than traditional mechanical
clocks. Consequently, their application as timekeepers had an enormous
impact on the social and professional life of people. However, after Huygens’s
design in 1656, this device was also applied by philosophers as a mechanical
analogy. Moreover, it became a leading metaphor for early modern philoso-
phers in the 17th century.
Around 1665, Spinoza was in contact with Christiaan Huygens. As this this
paper argues the Dutch philosopher might have been inspired by Huygens’s dis-
covery of the synchronization of pendulum clocks in his views on the agreement
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 41
between bodies in the universe. This hypothesis resolves the otherwise para-
doxical phrases in his Letter 32 (1665) to the secretary of the Royal Society.
Bibliography
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
42 Filip Buyse
WILSON, C. et al. (eds.). The Anglo-Dutch contribution to the civilization of early modern
society. Oxford: OUP, 1976, p. 33-44.
HUYGENS, Ch. Œuvres Complètes de Christiaan Huygens publiées par la Société
hollandaise des sciences). La Haye: M. Nijhoff, 1888-1950.
ICKE, V. Christiaan Huygens in de onvoltooid verleden toekomende tijd. Groningen :
Historische Uitgeverij, 2005.
JORINK, E. Tussen Aristoteles en Copernicus. De Natuur filosofische opvattingen van
Nicolaus Mulerius (1564-1630). In: KROP, H. A.; VAN RULER, J. A. ; VANDERJAGT,
A. J. (eds.) Zeer geleerde professoren. De beoefening van de filosofie in Groningen, 1614-
1996. Hilversum: Verloren, 1997.
LÜTHY, Ch. David Gorlaeus (1591-1612): An enigmatic figure in the history of
philosophy and science. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2012.
MATTHEWS, M. R., Time for Science Education. How Teaching the History and
Philosophy of Pendulum Motion Can contribute to Science Literacy. NY: Kluwer
Academics/Plenum Publishers, 2000.
MOLHUYSEN, P. C.; BLOK, P. J. (eds.). Nieuw Nederlandsch Biografisch Woordenboek
(NNBW). Deel 1. Leiden: A.W. Sijthoff’s Uitgevers-maatschappij, 1911.
NAUTA, D. et al (eds.). Biografisch lexicon voor de geschiedenis van het Nederlands
protestantisme. Deel 2. Kampen: Uitgeversmaatschappij J. H. Kok, 1978.
NORTH, J. God’s Clockmaker: Richard of Wallingford and the Invention of Time. Oxford:
Oxbow Books, 2004.
PALMIERI, P. A phenomenology of Galileo’s experiments with pendulums, BJHS, v.
42(4), Dec. 2009.
PALMIERI, P. Reenacting Galileo’s Experiments: Rediscovering the Techniques of
Seventeenth-Century Science. Lewiston, NY: Edwin Mellen Press, 2008.
PANTALEONE, J. Synchronization of Metronomes. American Journal of Physics, p.
992-1000, vol. 70, No. 10, October 2002.
RIVAUD, A. La physique de Spinoza. Chronicon Spinozanum, p. 24-57, No. 4, 1924-
1926.
ROBERTSON, J. D. The Evolution of Clockwork. Wakefield: S.R. Publishers Ltd., 1931.
SPINOZA, B. Complete Works. Ed. M. L. Morgan and tran. S. Shirley. Indianapolis:
Hackett, 2002.
THIJSSEN-SCHOUTTE, C. L. Andreas Colvius, een Correspondent van Descartes. In:
______. Uit de Republiek der Letteren. Gravenhage: Martinus Nijhoff, 1967, p. 67- 89.
VAN BERKEL, K. Galileo in Holland before the Discorsi: Isaac Beeckman’s reaction to
Galileo’s work. In: MAFFIOLI, C. S.; PALM, L. C. Palm (eds.). Italian Scientists in the
Low Countries in the XVIIth and XVIIIth Centuries. Atlanta / Amsterdam: Rodopi, 1989.
VAN NETTEN, D. Koopman in kennis – De uitgever Willem Jansz Blaeu (1571-1638)
in de geleerde wereld van zijn tijd. Proefschrift, Rijkuniversiteit Groningen, Maart
2012.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Galileo Galilei, Holland and the Pendulum Clock 43
VERMIJ, R. The Calvinist Copernicans. The Reception of the New Astronomy in the
Dutch Republic, 1575-1750. Amsterdam: Koninklijke Nederlandse Akademie van
Wetenschappen, 2002.
VERMIJ, R. Het copernicanisme in de republiek, Tijdschrift voor geschiedenis, p. 349-
367, No. 16, 1993.
WAARD, C. de (ed.). Journal tenu par Isaac Beeckman de 1604 à 1634. Tome 4:
Supplément. Martinus Nijhoff: Den Haag, 1953.
WOOTTON, D. The invention of Science. Milton Keynes: Penguin [2015] 2016.
ZUIDERVAART, H. J., The ‘true inventor’ of the telescope. A survey of 400 years
of debate. In: VAN HELDEN, A. et. al. The origins of the telescope. Amsterdam:
Koninklijke Nederlandse Akademie van Wetenschappen (KNAW) Press, 2010, p.
9-44.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.9-43, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione
Giovanni Licata*
Riassunto
Questo articolo fornisce un resoconto della letteratura recente sul rapporto tra
Spinoza e l’averroismo di matrice ebraica. Secondo questo nuovo sviluppo della
ricerca storiografica, riconoscere in Spinoza l’influenza di alcune dottrine averroiste
può essere d’aiuto ad una migliore comprensione della genesi e dell’evoluzione del
suo pensiero.
Parole chiave: Averroismo ebraico; Gersonide; Elia del Medigo; Uriel da Costa.
Resumo
O artigo fornece uma pesquisa da literatura recente sobre a relação entre Spinoza
e o averroísmo judaico. De acordo com essa nova tendência de erudição, a leitura
de Spinoza à luz de algumas doutrinas averroístas ajuda a compreender melhor a
gênese e a evolução de seu pensamento.
Abstract
The article provides a survey of recent literature on the relationship between Spinoza
and Jewish Averroism. According to this new trend of scholarship, reading Spinoza
in the light of some Averroistic doctrines helps to better understand the genesis and
evolution of his thought.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
46 Giovanni Licata
Nella vasta mole di studi sul pensiero di Spinoza non è recente – seppur sia
stato fatto sporadicamente e senza alcuna sistematicità – il tentativo di ricon-
durre alcune tesi filosoficamente radicali ed eterodosse all’influenza della tra-
dizione averroista; quella multiforme corrente che, rifacendosi in modi diversi
all’eredità del grande filosofo andaluso Ibn Rushd (1126-1198), ha contribu-
ito, dal Medioevo alla prima età moderna, alla formazione dell’Illuminismo
europeo. E per Illuminismo – più o meno radical secondo l’etichetta tornata
in auge grazie agli studi di Jonathan Israel – si intenda qui, con una formula
riduttiva ma essenziale, quel processo di autonomizzazione della ragione dai
lacci, dagli interdetti e dai dogmi traenti la loro origine dalla rivelazione bibli-
ca1. Vorrei porre l’attenzione, in particolare, su cinque tesi appartenenti alla
tradizione averroista che si possono ritrovare nel sistema di Spinoza:
1 Cfr. Akasoy A. e Giglioni, G. (eds.). Renaissance Averroism and its Aftermath: Arabic Philosophy
in Early Modern Europe. Dordrecht: Springer Academic Publishers, 2013; Licata, G. (a cura di)
L’averroismo in età moderna (1400-1700). Macerata: Quodlibet, 2013.
2 Queste tesi erano già state enucleate, assieme ad altre, nell’importante studio di Filippo Mignini,
Spinoza e Bruno. Per la storia di una questione storiografica. In: Bostrenghi, D. e Santinelli, C.
Spinoza. Ricerche e prospettive. Napoli: Bibliopolis, 2007, p. 267-268.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione averroista ebraica 47
3 Per una prima introduzione ai filosofi ebrei citati nel corso di questo articolo si veda Colette
Sirat, La filosofia ebraica medievale secondo i testi editi e inediti. Brescia: Paideia, 1990 (anche in
versione inglese e francese).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
48 Giovanni Licata
Libro sono false – il che implica che solo la ragione, e non la rivelazione, è
la fonte del vero; [2] l’anima individuale è mortale; [3] il concetto di Dio ha
senso solo se inteso in senso filosofico, ovvero come causa prima e ragione
dell’esistente, e pertanto il Dio della rivelazione e ciò che ne consegue – cre-
atio ex nihilo, assoluta libertà del volere, miracoli, provvidenza – non hanno
nulla a che fare con il Dio della ragione:
4 Documento del fondo dell’Inquisizione (Madrid), riportato in Révah, I.S. Spinoza et le Dr. Juan
de Prado. Paris-La Haye: Mouton, 1959, p. 64.
5 Cfr. Uriel da Costa. Examination of Pharisaic Traditions / Exame das tradiçoẽs phariseas, Facsimi-
le of the Unique Copy in the Royal Library of Copenhagen, Supplemented by Semuel da Silva’s
Treatise of the Immortality of the Soul. Translation, Notes and Introduction by H. P. Salomon and
I. S. D. Sassoon. Leiden: E. J. Brill, 1993. Si avverte il lettore che l’editio princeps del 1624, ri-
prodotta qui anastaticamente, è costellata da innumerevoli errori dovuti al tipografo ignorante
del portoghese, e che la traduzione di Sassoon è una parafrasi che spesso deforma e travisa il
pensiero dacostiano (per un giudizio critico sulla traduzione inglese si era già espressa Miriam
Bodian in The Jewish Quartely Review, v. 87, 1996, p. 167-169). Per un testo criticamente affi-
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione averroista ebraica 49
Dopo anni di preziosi studi sulla reale figura di Uriel da Costa – che
hanno comportato la dimostrazione di inautenticità della presunta auto-
biografia dacostiana, l’Exemplar humanae vitae7; e l’attribuzione a Da Co-
sta di una violenta opera antitalmudica, anch’essa non priva di venature
averroiste, pervenutaci in traduzione ebraica col titolo Qol sakhal8 –, Ome-
ro Proietti ha pubblicato nel 2014 il testo critico e la traduzione italiana,
entrambe corredate da un corposissimo apparato di note, dell’Exame das
tradiçoẽs phariseas9. Nel saggio che introduce l’opera, inoltre, Proietti ha
dato ampio spazio a tesi filosoficamente cruciali dell’opera: l’ordine della
natura, la negazione dei miracoli e l’eternità del mondo, che trovano una
chiara formulazione nella questão che chiude l’Exame: “Perguntase se os
dabile e una traduzione fedele si faccia riferimento all’edizione curata da Proietti, citata sotto, a
cui si aggiungano le ulteriori emendazioni al testo portoghese proposte nell’ultimo volume di
Proietti, Variazioni dacostiane (vedi sotto).
6 Proietti, O. «La voce di De Acosta [= 431]». Sul vero autore del Qol Sakhal. La Rassegna mensile
di Israel, v. 70, 2004, p. 40 n. 18.
8 La paternità dell’opera è stata assegnata nel XIX secolo al rabbino veneziano Leone Modena.
Nell’articolo citato sopra («La voce di De Acosta [= 431]». Sul vero autore del «Qol Sakhal») Proietti
ha tuttavia dimostrato che Uriel da Costa, tra il 1618 e il 1622, in risposta al Magen we-tzinnah
(«Scudo e corazza») di Modena, ha scritto Tres Tratados contra a Tradição. È questa l’opera, perduta
nell’originale portoghese, che ci rimane soltanto nella traduzione ebraica di Modena, intitolata in
modo dispregiativo Qol sakhal (“La voce dello stolto”) come lavoro preparatorio alla confutazione,
che però si interruppe dopo poche pagine. Per l’attribuzione dell’opera a Uriel di Costa si vedano
inoltre i molteplici loci paralleli tra Qol sakhal ed Exame in nota al testo dell’edizione dell’Exame
das tradiçoẽs phariseas curata da Omero Proietti.
9 Uriel da Costa. Exame das tradiçoẽs phariseas / Esame delle tradizioni farisee (1624). Saggio intro-
duttivo, testo critico, traduzione e commento di Omero Proietti. Macerata: eum, 2014, p. 1-723.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
50 Giovanni Licata
10 Cfr. Proietti, O. «Nas letras nasçi eu». Uriel da Costa tra falsificazioni e false attribuzioni. In:
Hermanin, C. e Simonutti, L. La centralità del dubbio. Un progetto di Antonio Rotondò. Firenze: L.
Olschki, 2011, vol. I, p. 417-456.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione averroista ebraica 51
***
12 Roth, L. The Abscondita sapientiae of Joseph del Medigo. Chronicon Spinozanum, v. 2, 1922,
p. 54-66.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
52 Giovanni Licata
13 Fraenkel, C. Spinoza on Philosophy and Religion: The Averroistic Sources. In: Fraenkel, C.,
Perinetti, D. e Smith, J. The Rationalists: Between Tradition and Innovation. Dordrecht: Springer
Academic Publishers, 2010, p. 27-43; Id. Reconsidering the Case of Elijah Delmedigo’s Averroism
and its Impact on Spinoza. In: Akasoy A. e Giglioni, G. op. cit., p. 213-236.
14 Cfr. Harvey, W.Z. Physics and Metaphysics in Hasdai Crescas. Leiden: Brill, 1998. È apparsa da
non molto la prima traduzione integrale dell’opera di Crescas. Lumière de l’Éternel. Traduction,
préface et notes par É. Smilévitch. Paris: Hermann, 2010.
15 Cfr. Birnbaum, R. An Exposition of Joseph Ibn Shem Tov’s Kevod Elohim (The Glory of God). Lewi-
ston: The Edwin Mellen Press, 2001.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione averroista ebraica 53
compresa nel secondo tomo dei già citati Abscondita sapientiae. Grazie all’ac-
curata e brillante monografia di Isaac Barzilay16, sappiamo infatti che quest’o-
pera affronta temi centrali della filosofia medievale ebraica: creazione versus
eternità del mondo; natura e immortalità dell’anima secondo i commentatori
di Aristotele; teoria della conoscenza e provvidenza. Essa è soprattutto una
miniera di citazioni da testi inediti o rari, tra cui quelli di averroisti come
Joseph ibn Kaspi e Moshè Narboni.
Maggiori studi invece si sono prodotti sul rapporto tra Spinoza e Gerso-
nide, la cui importanza, in relazione alla mediazione di dottrine averroiste,
era già stata sottolineata da Manuel Joël nel XIX secolo, i cui lavori costitui-
scono ancora oggi un punto di partenza imprescindibile per chi volesse stu-
diare il rapporto di Spinoza con la filosofia ebraica. Ebbene, Joël sosteneva
giustamente che erano innumerevoli i luoghi del capolavoro gersonideo, le
Milhamot ha-Shem (“Le guerre del Signore”), da cui Spinoza avrebbe potuto
attingere dottrine averroiste:
Bei der Gelegenheit muss ich meine Verwunderung ausdrücken, dass man
in Verlegenheit ist, die Quelle zu finden, aus der Spinoza Averroistische
Vorstellungen geschöpft habe. Aus Maimonides freilich nicht, denn der ken-
nt bei Abfassung seines Buches17 den Averroes noch nicht. […] Dagegen
ist Gersonides einer der grössten Kenner des Averroes […]. Von Gersoni-
des spricht Spinoza mit höchster Achtung, nennt ihn Rabbinum eruditissi-
mum18 und kennt ihn bis zur wünschenswerthesten Genauigkeit. […] Die
Beispiele, wo Gersonides Averroistische Lehren vorträgt, sind ausserdem zu
zahlreich, um sie einzeln anzuführen19.
19 Joël, M. Spinoza’s Theologisch-Politischer Traktat auf seine Quellen geprüft. Breslau: Schletter’sche
Buchhandlung, 1870, p. VI-VII. Si vedano anche i saggi Zur Genesis der Lehre Spinoza’s; Don
Chasdai Creskas’ religionsphilosophische Lehren in ihrem geschichtlichen Einflusse dargestellt; Lewi Ben
Gerson (Gersonides) als Religionsphilosoph, ripubblicati in Beiträge zur Geschichte der Philosophie.
Breslau: Skutsch, 1876, 2 voll. (rist. anast. Hildesheim: Gerstenberg, 1978). Per una traduzione
moderna delle Guerre del Signore si veda, oltre a quella inglese di Seymour Feldman, l’ottima tra-
duzione italiana di Roberto Gatti (Bari: Edizioni di Pagina, 2011).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
54 Giovanni Licata
Riferimenti bibliografici
20 Sulla problematica questione dell’eternità della mente, sviluppata da Spinoza nella V parte
dell’Ethica, si è vista da più parti la necessità di comprenderla alla luce della noetica averroista.
Per una esauriente chiarificazione del problema, analizzato secondo l’evoluzione del pensiero
spinoziano, rinvio al già citato articolo di Filippo Mignini, «Mortalità, immortalità ed eternità
dell’anima/mente in Spinoza». Si veda anche Sergio Landucci, L’intelletto infinito nell’Ethica di
Spinoza. Rivista di storia della filosofia, n. 3, 2013, p. 459-468.
21 Klein, J. Spinoza’s Debt to Gersonides. Graduate Faculty Philosophy Journal, v. 24, 2003, p. 38.
Si veda anche, più recentemente, Ead. “Something of it Remains”: Spinoza and Gersonides on
Intellectual Eternity. In: Nadler, S. Spinoza and Medieval Jewish Philosophy. Cambridge: Cambridge
University Press, 2014, p. 177-203. Pur avendo il merito di riconoscere l’importanza della filo-
sofia medievale ebraica per la comprensione della filosofia di Spinoza, nel suo Spinoza’s Heresy:
Immortality and the Jewish Mind (New York: Oxford University Press, 2001), così come nella più
recente curatela Spinoza and Medieval Jewish Philosophy, Steven Nadler ha il torto di sottovalutare
l’enorme impatto che i commenti e le opere di Averroè hanno avuto sui filosofi razionalisti poste-
riori a Maimonide.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Leggere Spinoza alla luce della tradizione averroista ebraica 55
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.45-55, jul.-dez. 2017
Adma Fadul Muhana*
Controvérsia religiosa:
os livros de Gabriel-Uriel da Costa
Religious controversy:
the books of Gabriel-Uriel da Costa
Resumo
Trata-se de avaliar o Exame das tradições fariseias como um livro resultante das
sucessivas recusas que as propostas do judeu-novo Uriel da Costa receberam
na nação portuguesa, depois de se desterrar de Portugal, por volta de 1615. A
uma pretensa unidade de pensamento, procura-se aqui evidenciar a unidade de
destinação das formulações do jurista hebreu Costa, a delimitar suas controvérsias
e a constituí-lo como desautorizado autor português.
Abstract
It is a question of evaluating the Examination of the Pharisaic traditions as a book
resulting from the successive refusals that the proposals of the new-Jew Uriel da
Costa received by the authorities of the Portuguese nation, after exiling of Portugal,
around 1615. Instead of one a pretended unit of thought, the purpose of this
paper is to demonstrate the unit of destination of the formulations of the Hebrew
jurist da Costa, to delimit his controversies and to compose him as an Portuguese
unauthorized author.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
58 Adma Fadul Muhana
Este estudo se iniciou como uma pesquisa em torno do livro Exame das tra-
dições fariseias (1624) e logo se revelou um assunto de maiores dimensões, a
envolver não só o escrito de Uriel da Costa (ca.1585-1640), mas a nação por-
tuguesa de Amsterdã.1 Envolve também questões relativas a conceitos-chave
das letras no século xvii, dada a própria ausência de concepção do seu manus-
crito como “livro”, entre os leitores pretendidos; a inserção dos seus escritos
em gêneros de disputa religiosa, e a instabilidade do seu escritor como indivi-
dualidade autoral. Apresenta-se aqui um extrato dessa mais ampla discussão,
desenvolvida em Uriel da Costa e a nação portuguesa: edição diplomática e
estudo do “Exame das tradições fariseias”, publicado no ano de 2017 pela
editora Humanitas, de São Paulo.
Junto com Bento de Espinosa (1632-1677), Uriel da Costa é um dos
mais notáveis membros da nação portuguesa de Amsterdã. Viveram ambos no
mesmo século de Ouro de uma Espanha que alcançava Portugal e os Países-
-Baixos, contestaram um e outro as instituições e as práticas das autoridades
judaico-portuguesas e, como consequência, receberam ambos o herem que os
expulsou da comunidade. Tem sido assunto debatido se formulações simila-
res que apresentaram frente à religião judaica resultaram de fontes comuns,
ou se Espinosa teria desenvolvido temas que primeiramente surgiram na pena
de Uriel da Costa. J.-P.Osier mostrou que argumentos presentes em escritos
de ambos – acerca da inautenticidade do certos livros bíblicos, como o de Da-
niel; o desprezo ao culto que os chamados fariseus faziam aos mártires do ju-
daísmo; a razão natural como princípio de legibilidade da Escritura; a exten-
são do domínio das autoridades religiosas sobre os membros da comunidade
–, todavia, inscrevem-se em questões de diversa ordem, filosófica no caso de
1 Como tal, é em grande medida devedor de estudos incontornáveis relativos aos descendentes
dos cristãos-novos portugueses, como os de J. M. dos Remédios, Os Judeus Portugueses em Ams-
terdam (1911), J. L. de Azevedo, História dos cristãos-novos portugueses (1921), I. Révah, Spinoza
et le Dr Juan de Prado (1959), A. J. Saraiva, Inquisição e cristãos-novos (1969), a introdução de H.
P. Salomon ao Tratado da Verdade da Lei de Moisés de Saul Levi Morteira (1988), Y. Kaplan, From
Christianity to Judaism. The Story of Isaac Orobio de Castro (1989), J. Faur, In the Shadow of History:
Jews and Conversos at the Dawn of Modernity (1992), B. Blumenkranz, Juifs en France au XVIIIe siècle
(1994), H. Méchoulan, Être Juif à Amsterdam au temps de Spinoza (1995), Y.H. Yerushalmi, Sefar-
dica. Essais sur l’histoire des Juifs, des marranes & des nouveaux-chrétiens d’origine hispano-portugaise
(1998), além de outros mais recentes, como os de G. Nahon, Juifs et Judaïsme à Bordeaux (2003), D.
Graizbord, Souls in Dispute, Converso Identities in Iberia and the Jewish Diaspora, 1580-1700 (2004),
N. Muchnik, Une vie marrane. Les pérégrinations de Juan de Prado dans l’Europe du XVIIeme siècle
(2005), C. Wilke, Histoire des Juifs Portugais (2007) e S. Sand, Comment le peuple juif fut inventé
(2008), entre os mais destacados. Nosso estudo se realizou no âmbito de um pós-doutorado na
EHESS, no ano de 2012, financiado com uma bolsa de estágio pós-doutoral da Capes.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 59
Espinosa, jurídica, no caso de Costa.2 O. Proietti, por sua vez – que escreve
quando já se conhecia o Exame das tradições fariseias –, supõe uma “cone-
xão inegável” entre os dois pensadores.3 Sem dúvida, a peculiar configuração
da nação de Amsterdã, composta quase que integralmente de judeus-novos,4
propiciou mais de uma vez questionamentos análogos e uma oposição aberta
às concepções político-teológicas das suas autoridades, não obstante a dife-
rença de enquadramento e de soluções que os autores apresentem.
As personagens
O livro escrito por “Uriel da Costa, jurista hebreu” e impresso sob o título
Exame das tradições fariseias, em Amsterdã, foi encontrado por Herman Salo-
mon em 1990, depois de 370 anos desaparecido.5
Até então não havia sequer certeza de sua existência, uma vez que não se
conhecia qualquer exemplar, desde que fora mandado queimar pelas autori-
dades holandesas a pedido do conselho diretivo da comunidade portuguesa-
-judaica de Amsterdã. O fato de ter sido atual por mais de cinquenta anos na
nação de Amsterdã, dando ensejo a diversas respostas, demonstra que ali teve
uma importância incomum. Os questionamentos, censuras e refutações ao
Exame das tradições fariseias evidenciam também o embate entre setores judai-
cos e cristãos no século xvii, na Holanda, no fito de arrebatar os descendentes
de cristãos-novos portugueses e espanhóis para suas respectivas fileiras.
A existência de um proselitismo judaico nas nações portuguesas europeias
do século xvii surpreende e parte deste trabalho foi dedicada a confirmá-lo.
Parto do pressuposto de que as nações portuguesas da Europa se formaram
paulatinamente e não de modo espontâneo, porém em resultado de um es-
forço, tanto de líderes religiosos como de autoridades civis, sobretudo as de
3 Omero Proietti, Uriel da Costa e L’«Exemplar Humanae Vitae». Macerata: Quodlibet, 2005.
4 Na feliz designação de Y. Kaplan, in Judíos nuevos en Amsterdam: Estudio sobre la historia social e
intelectual del judaísmo sefardí en el siglo XVII. Barcelona: Gedisa, 1996.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
60 Adma Fadul Muhana
6 A permissão para o culto público só foi dada aos judeus pelo Conselho de Amsterdã em 1616,
após o parecer de Hugo Grotius, intitulado Remonstrantie, no qual inseria tal permissão no direito
das gentes em viver livremente na República, mesmo que divergindo em termos religiosos e desde
que em quietação.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 61
de batismo Gabriel da Costa (que talvez tenha tornado a usar depois de sua
excomunhão), adota ainda o de Adão Romez7 e o de Uriel Abadot, nome pelo
qual é designado no papel de sua excomunhão em Amsterdã:
8 C. M. de Vasconcelos, “Uriel da Costa: notas relativas à sua vida e às suas obras”, Revista da Uni-
versidade de Coimbra (1922), p.295; e H. Salomon, “Introdução”, in U. da Costa, Exame..., p. 52.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
62 Adma Fadul Muhana
Os escritos
9 Uma abreviada versão em português feita por Moses Raphael de Aguilar, em 1639, foi publicada
por Carl Gebhardt, em Die Schriften des Uriel da Costa, pp. 22-26.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 63
13 Uma segunda cópia do Exemplar esteve na posse do luterano ortodoxo Johann Müller. Foi
ele quem primeiro noticiou o suicídio de Uriel da Costa, em seu livro de polêmica antijudaica
Judaismus oder Judenthum (1644), editado em Hamburgo.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
64 Adma Fadul Muhana
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 65
15 Lembre-se a novela picaresca de António Enrique Gómez El siglo pitagórico y la Vida de Don
Gregorio Guadaña (Ruão, 1644), em que se satiriza igualmente a transmigração das almas.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
66 Adma Fadul Muhana
16 Segundo quarteto de sonetos cujo incipit é Horas breves de meu contentamento, emulados por
diversos poetas quinhentistas portugueses.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 67
dos pecadores – nem, muito menos, noções a elas anexas como transmigração
de almas, rogativas pelos mortos, excelência moral dos martírios e tantas ou-
tras – que fundam o poder religioso sobre os membros da nação.
Como dissemos, trata-se na Reposta e nos mais escritos de Uriel da Costa
de uma discussão menos filosófica ou teológica do que uma que visa a uma
ação ética e do Direito. A ausência dos prêmios e castigos depois da morte,
anexos à imortalidade da alma, implica uma ética terrena, que desconsidera as
ilusões religiosas e as satiriza. É uma ética que se resume a alguns princípios
de ação, e independe de cerimônias e de ritos, a Tradição constituindo uma
excrescência à Lei divina, à qual necessariamente se conjuga a moral e a razão.
Desde as “Propostas”, esboça-se uma rejeição às autoridades, bem como
à razão entendida apenas como lógica aristotélica. A lógica, abstração “sem
fruto”, não corresponde ao pensamento divino expresso na Escritura, que é
regra de vida. Assim, o jurista hebreu dissocia-se das autoridades, quaisquer
que sejam, não as reconhecendo como adequados comentadores dos livros
sagrados e instituidores das práticas rituais. Não deixa de se valer, porém,
dos argumentos da razão natural e do texto da Lei, entendido literalmente.
Desse modo, e com sarcasmo, pode confutar as interpretações bíblicas que
repousam em metáforas, imagens supersticiosas e alegações do sobrenatural:
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
68 Adma Fadul Muhana
Essas afirmativas ganham dimensão quando temos presente que, para mui-
tos da nação portuguesa, a punição eterna dos pecados era tida por um dos
grandes erros das crenças cristãs recém-abandonadas e contrárias à prometida
salvação no “mundo por vir” a todos os que se tornavam parte do povo de
Israel. Os novos-judeus não aceitavam ser subjugados por essa ameaça, como
exclamava o também português rabino Isaac Aboab da Fonseca.20 Além disso –
argumenta com Agostinho o ex-estudante de Direito que leu as lições de Fran-
cisco Suárez, em Coimbra –, considerando ser o homem uma criatura limitada
e finita, não haveria justiça em Deus lhe dar prêmios ou castigos eternos.
Como término do seu replicado escrito, o Exame das tradições fariseias traz
um intitulado “capítulo extravagante”, formulado como Questão: “Pergunta-
-se se os céus, e a terra acabarão, e fará Deos consumação com as criaturas,
ou pelo contrário tudo estará sem fim”; ao que responde que “tudo estará sem
fim, e não fará Deus com as criaturas consumação”. Essa questão intercepta a
do juízo final, tido para judeus e cristãos como promessa de justiça divina e
profecia do fim do mundo e dos tempos. É justamente em relação ao fim dos
tempos que, entre cristãos como o padre Antônio Vieira, se especula acerca
do Quinto Império, ou, entre os judeus, acerca do Reino do Messias.
Ciente de que também a Escritura é um escrito que, assim, obedece a
preceitos retóricos, Uriel da Costa tão-somente destaca as passagens bíblicas
sobre as quais os autores se apoiavam para declarar a finitude do mundo,
interpretando-as retoricamente segundo as circunstâncias da persona que fala
e para quem. A principal autoridade para a opinião da finitude do mundo
era o salmo 102:
Nam obstam as authoridades com que alguns pretendem mostrar que o mun-
do terá fim, se forem entendidas com entendimento de homens, e nam com
entendimento de mininos, que realmente mininiçe he abraçar aquillo que
appareçe a façe sem juizo, nem respeito ao sentido de quem fala. Allegam os
versos do psalmo 102. que dizem que os çeos pereçeraõ, envelheçeraõ, e Deos
os mudará como se muda hum vestido, e nam atentam a que proposito alli se
trazem estas cousas, e a que fim atira aquelle que as diz, para assi formarem
conçeito, e entenderem o que quer dizer, mas indiscretamente se arrojam, e
arremessam as palavras nuas, e espidas. Hase, pois, de saber que aquelle
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 69
Nesse salmo 102, analisa Uriel, a pessoa que fala é um aflito que, para
comover Deus e fazê-lo agir em seu favor, compara hiperbolicamente a veloci-
dade com que as coisas mais firmes do mundo se modificam na temporalidade
humana, em relação à impassível eternidade divina. Saber quem fala, com
que afetos, dotado de que ethos e a que fim, portanto, é necessário – mesmo
quando se fala com Deus, no Livro de Deus. O que se fala, como vimos, isso
está enovelado em meio às demais falas, mormente aquelas que se lhe opõem.
Tendo visto então a quem falam os escritos de Uriel da Costa, como e o
que falam, resta-nos a nós também dizer quem é este que os fala.
A levar em conta o que ficou escrito no Exame das tradições fariseias, até aquele
ano de 1624, Uriel da Costa considera-se um membro da nação portuguesa,
judeu, não obstante já ter recebido o herem de Hamburgo e o de Veneza, que
o punham à margem da coletividade. Diz ele, ridicularizando Samuel da Silva:
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
70 Adma Fadul Muhana
E para que isso não falte, o meu nome, o que tive, como cristão, em Portu-
gal, Gabriel da Costa, entre os judeus, no meio dos quais oxalá eu nunca
tivesse chegado, com pouca alteração, fui chamado Uriel.23
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 71
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
72 Adma Fadul Muhana
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Controvérsia religiosa: os livros de Gabriel-Uriel da Costa 73
da Costa, esse duplo e judicioso Exame das tradições fariseias, prova que uma
controvérsia jurídico-religiosa foi se avolumando no centro de seus escritos
como delimitação de voz, até conduzi-lo à exclusão de suas duas nações. De
modo tal que lhe retirou qualquer possibilidade de proferição nelas, lançando-
-o numa morte que, com o Exemplar humanae vitae, gritava honra e soberania.
Referências
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.57-73, jul.-dez. 2017
Luis Filipe Silverio Lima*
Resumo
Este artigo pretende discutir o conceito de Esperança e seus câmbios semânticos no
século XVII, focando nas expectativas milenaristas construídas em torno de três
textos de intervenção: Esperança de Israel, Esperanças de Portugal e Door of Hope.
Escritos entre os anos 1640 e 1660 na Holanda, América Portuguesa e Inglaterra,
apresentavam como possível eixo articulador a atuação de Menasseh Ben Israel,
rabino da comunidade portuguesa de Amsterdã e com ligações com os Espinosa.
Para pensar as mudanças do conceito e sua importância nas disputas político-
religiosas, buscaremos primeiro traçar o campo semântico do conceito para depois
olhar para as ligações entre as três fontes e seus produtores.
Abstract
This article seeks to discuss the concept of Hope and its semantic shifts in the
Seventeenth Century, looking into the millenarianist expectations build upon three
intervention texts, Esperança de Israel, Esperanças de Portugal e Door of Hope.
Written in 1640s-1660s in the Netherlands, Portuguese America, and England, they
have as a possible common axis the agency of Menasseh Ben Israel, an Amsterdan
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
76 Luis Filipe Silverio Lima
1 Para uma descrição do que seriam os “Homens de Nação”, a “Gente de Nação” e a “Nação Por-
tuguesa”, ver o trabalho de Miriam Bodian, Hebrews of Portuguese Nation. Bloomington: Indiana
University Press, 1999. Seguindo a posição de Adma Fadul Muhana, evitaremos usar os termos
“marrano”, “sefaradi”, “sefardita” e congêneres, pela forte conotação essencialista e tautológica que
contém, supondo uma identidade cultural dos judeus de origem ibérica como parte do povo
hebraico, e menos tensionando as identidades múltiplas e sobrepostas que se evidenciavam, por
exemplo, no uso do nome cristão(-novo) português e no nome hebraico (ou judeu-novo, para
retomar a expressão de Kaplan). Adma Fadul Muhana, Uriel da Costa e a nação portuguesa. São
Paulo: Humanitas, 2016, p. 20, 28-32, 37-9, pass.. Cf. Yosef Kaplan, “Wayward New Christians
and Stubborn New Jews: The Shaping of a Jewish Identity”, Jewish History, Vol. 8, No. 1-2 (1994);
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 77
particularmente os ingleses, para quem fora feita uma versão em latim, Spes
Israelis, prontamente traduzida para o inglês, como Hope of Israel.2 O im-
presso tratava da notícia dada por um outro judeu “da Nação”, Antonio
de Montesinos (ou Aarão Levi), de que teria descoberto uma das Tribos
Perdidas de Israel na Amazônia (1644). O fato tinha implicações apocalíp-
ticas, pois apontaria a iminência da vinda do Messias (ou da segunda vinda
de Cristo) e o início da Quinta Monarquia, algo que despertara a atenção
de milenaristas do outro lado do canal da Mancha. O texto, em sua versão
em espanhol, fora dedicado aos parnassim, os líderes administrativos da
comunidade judaica de Amsterdã, entre os quais figurava “El Señor Michael
Espinosa”, o pai de Baruch Spinoza.3 Um exemplar do livro provavelmente
estivera na biblioteca dos Spinoza oferecido por Menasseh a Miguel de Spi-
noza, enquanto Baruch talvez fosse pupilo do mesmo Menasseh.4 É possível
que esse exemplar seja o mesmo que estava no inventário reconstituído da
Yosef Kaplan, Judios Nuevos en Amsterdam. Estudios sobre la historia social e intelectual del
judaísmo sefardí en el siglo XVII, Barcelona: Gedisa, 1996.
2 Menasseh Ben Israel, Miqveh Israel Hoc est, Spes Israelis, Amstelodami: 1650; Menasseh ben
Israel, The hope of Israel: written by Menasseh ben Israel, a Hebrew divine, and philosopher.
Newly extant, and printed in Amsterdam, and dedicated by the author to the High Court, the
Parliament of England, and to the Councell of State. Translated into English, and published by
authority. In this treatise is shewed the place wherein the ten tribes at this present are, proved
partly by the strange relation of one Anthony Montezinus, a Jew, of what befell him as he travelled
over the Mountaines Cordillære, with divers other particulars about the restoration of the Jewes,
and the time when, Printed at London: by R.I. for Hannah Allen, at the Crown in Popes-head
Alley, 1650; Menasseh Ben Israel, The hope of Israel: written by Menasseh Ben Israel, an Hebrew
divine, and philosopher. Newly extant, and printed at Amsterdam, and dedicated by the author,
to the High Court the Parliament of England, and to the councell of state. Whereunto are added
some discourses upon the point of the conversion of the Jewes: by Moses Wall, Londres: Printed
by R.I. for Livewell Chapman, 1651. Cf. Menasseh Ben Israel, The hope of Israel. Editado por
Henry Méchoulan e Gérard Nahon. Oxford/Nova York: Published for the Littman Library by
Oxford University Press, 1987.
3 Menasseh Ben Israel, Miqveh Israel, esto es, Esperança de Israel. Amsterdã: Semvel Ben Israel
Soeiro, 5410 [1650], “Dedicatória”.
4 É recorrente na literatura sobre Menasseh a afirmação de que Spinoza fora, de fato, seu aluno
e discípulo. Entretanto, como apontou Steven Nadler, não há indícios concretos de que Spinoza
tenha estudado sob Menasseh na Talmud Torah, havendo pelo contrário indicações que quando
Spinoza estava frequentando a escola o rabino não era o responsável pelas turmas da sua idade.
Entretanto, como o próprio Nadler pondera, além da convivência dentro da comunidade, o fato
de Menasseh ter muitos contatos com pensadores cristãos fora da kehilá, de que certos temas
que interessaram Spinoza terem sido veiculados por Menasseh e de Spinoza ter contato com a
obra de Menasseh (além do Esperança, leu certamente o Conciliador), dá margem a hipóteses
de um contato mais direto entre eles e mesmo de alguma importância de Menasseh na formação
de Spinoza. Steven Nadler, Spinoza: a life. Cambridge; Cambridge University Press, 1999, p.
78, 93-4, 99-100.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
78 Luis Filipe Silverio Lima
6 Antônio Vieira, Esperança de Portugal, In: José van den Besselaar, Antônio Vieira. Profecia e
Polêmica. Rio de Janeiro: EdUerj, 2002, pp. 49-108, cf. Adma Fadul Muhana (org.), Os Autos do
processo de Vieira na Inquisição: 1660-1668 (São Paulo: Edusp, 2008), pp.39-70. Para uma das
versões apógrafas do manuscrito, ver: ANTT, Fundo da Inquisição, Conselho Geral da Inquisição,
Livro 206.
7 A door of hope: or, A call and declaration for the gathering together of the first ripe fruits unto
the standard of our Lord, King Jesus. [London: s.n., 1660].
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 79
9 Não caberia aqui distinguir e definir com rigor milenarismo e messianismo. Por razões de
ordem prática, optamos por usá-los de maneira intercambiável, mas dando preferência ao termo
aparentemente mais abrangente de milenarismo, por não remeter imediatamente à vinda de um
messias. A isso se acrescenta que os termos, apesar de vários esforços, não foram ainda delimita-
dos pela literatura a ponto de se chegar a um consenso, por vezes se tornando categorias fluídas
e homólogas, às quais ainda se adicionam a de apocalipticismo e outros termos derivados de
apocalipse. Ver: Adeline Rucquoi, “Medida y žŸn de los tiempos. Mesianismo y milenarismo en la
Edad Media” In: Angel Vaca Lorenzo (org.), En pos del tercer milenio. Apocalíptica, mesianismo,
milenarismo e historia, Salamanca: Universidad de Salamanca, 2000, p. 14–15; Luís Filipe Sil-
vério Lima, Ana Paula Torres Megiani, “An Introduction to the Messianisms and Millenarianisms
of Early Modern Iberian America, Spain, and Portugal” In: Luis Filipe Silverio Lima, Ana Paula
Torres Megiani (org.). Visions, prophecies, and divinations : early modern Messianism and Mille-
narianism in Iberian America, Spain and Portugal. Leiden, Boston: Brill, 2016, p. 8-10.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
80 Luis Filipe Silverio Lima
13 Como apontou Peter Burke há poucos anos, ainda está-se por escrever uma história da Espe-
rança (Peter Burke, “A esperança tem história?”, Estudos Avançados 26 (75), 2012, p. 207-208),
o que dificultou nossa tarefa de localizar o tema para além da história do milenarismo (e das
religiões) ou de estudos monográficos sobre fontes e autores que se valeram ou discutiram do
conceito. No campo da Filosofia, houve esforços de dar conta do problema, como na magistral
obra de Ernst Bloch (Princípio Esperança, Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, 3v.), ainda que
como tenha apontado Nicholas H. Smith o conceito tenha sido por vezes negligenciado ou tenha
havido dúvidas quanto à eficácia de seu uso e rigor, particularmente pela Teoria Crítica, Smith,
Nicholas. “Hope and Critical Theory” Critical Horizons, (2005), pp. 45-61.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 81
I.
Para o Cristianismo, Esperança, Fé e Caridade eram as virtudes teologais,
frutos da infusão da Graça divina nos humanos, enunciadas por Paulo na
epístola aos Coríntios. A partir da referência bíblica, complementariam as
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
82 Luis Filipe Silverio Lima
15 Para uma análise desses afrescos, ainda que centrada na questão das virtudes cívicas, ver:
Quentin Skinner, “Ambrogio Lorenzetti and the portrayal of virtuous government” e “Ambrogio
Lorenzetti on the power and glory of republics”, In: Vision of Politics - Volume 2: Renaissance
Virtues, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, esp. p. 80-82.
16 Andrea Alciato, Emblematum liber, Augsburgo: Heinrich Steyner, 1531; Andrea Alciato, Los
Emblemas, Lião: Macé Bonhomme for Guillaume Rouille, 1549, p. 56. Para as edições, consulta-
mos o site Alciato at Glasgow, http://www.emblems.arts.gla.ac.uk/alciato/index.php.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 83
18 Exemplos disso são as moedas romanas com a figura da “Spes” no verso, andando e segurando
uma flor: Sestércio, Moeda em liga de cobre, 41 E.C. - 54 E.C, Roma, Itália, Museu de Évora, ME
4.702; Sestércio, Moeda em bronze, 117 E.C. - 138 E.C. (Alto Império), s.l., Museu de Évora, ME
14.537; Sestércio, Moeda em liga de cobre, 41 d.C. - 54 d.C, Roma, Itália, Museu de Évora, ME
4.685; Sestércio, Moeda em bronze, 137 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston, aces-
sado em 9/4/1076, <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+67.630&object
=coin>; Sestércio, Moeda em bronze, 119-138 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston,
acessado em 9/4/1076, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+00.294&obj
ect=coin; Sestércio, Moeda em bronze, 80-81 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston,
acessado em 9/4/1076, <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+34.1416&o
bject=coin>; Sestércio, Moeda em bronze, 232 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston,
acessado em 9/4/1076, <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+68.476&ob
ject=coin>; Sestércio, Moeda em prata, 256 E.C., Síria, Museu de Belas Artes de Boston, acessado
em 9/4/1076, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+32.1405&object=co
in; Sestércio, Moeda em ouro, 196-197 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston, aces-
sado em 9/4/1076, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+67.1013&object
=coin; Sestércio, Moeda em ouro, 74 E.C., Lácio, Itália, Museu de Belas Artes de Boston, acessado
em 9/4/1076, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston+59.652&object=coin.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
84 Luis Filipe Silverio Lima
uma das qualidades boas ou más que restaram no vaso (ou caixa, como ficou
estabelecido a partir de uma leitura erasmista) que, a variar da versão, conte-
ria todos os infortúnios ou todas as bondades então espalhados pelo mundo.20
Essa acepção mais negativa entre os “Antigos” poderia ser corroborada pela
resposta, atribuída a Aristóteles por Diógenes Laércio, à pergunta o que seria
esperança: sonho acordado.21 Entretanto, o entendimento mais constante da
Esperança era ser uma paixão ou afeto da alma ligada às expectativas e dese-
jos futuros, mas que como tal deveria ser controlada para chegar ao equilíbrio
da justa medida.
Apesar da máxima em Diógenes Laércio, o julgamento de Aristóteles na
sua Arte retórica parece considerar a Esperança menos como devaneio a priori,
e sobretudo como uma paixão que variava conforme os caracteres (do jovem,
velho, adulto, etc). Como tal, deveria ser usada pelo orador conforme o gêne-
ro empregado, a audiência prevista e a matéria do discurso. A esperança, ao
contrário da memória, tratava sobretudo do futuro, e, junto à confiança, era a
contraparte do medo e temor.22 Assim, o velho, desprovido de energia, tinha
mais desconfiança do que esperança pois, como lhe restava pouco tempo,
ficava preso à memória das coisas experienciadas, criando uma prevenção
prévia a qualquer matéria; enquanto ao jovem, cheio de paixão, sobrava es-
perança, pois era destemido por conta da falta de experiência vivida.23 Tanto
mostra, che la Speranza è un desiderio di cosa buona con la cognizione dell’attitudine a potersi
conseguire, e aquistare, perché,seminando il Grano con debito modo, si sà per l’esperienze passa-
te, che moltiplica, e volentieri si gitta via il poco presente con la speranza del molto da venire. Il,
che può ancora essere impedito da molti accidenti.” Cesare Ripa. Iconologia del Cavaliere Cesare
Ripa Perugino Notabilmente Accresciuta d’Immagini, di Annotazioni, e di Fatti dall’Abate Cesare
Orlandi… 5 vols. Perugia: Stamperia di Piergiovanni Costantini, 1764-67, Versão On-Line, con-
sultada em http://www.asim.it/iconologia/ICONOLOGIAview.asp?Id=316.
20 Dora Panofsky e Erwin Panofsky, A caixa de Pandora. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
esp. pp. 20-22, 133-134, 162-165.
22 Aristóteles, The Art of Rhetoric, Londres: W. Heinemann, 1926 (Loeb Classical Library), Liv.
II, cap. V, 14-17, 1383a-b; cap. XIII, 11-12, 1390a. Agradecemos a João Adolfo Hansen por ter
chamado atenção para este aspecto da Retórica.
23 Ibidem, Liv. II, cap. XII-XIII, 1389a-1390a. Talvez essa definição da Esperança como afeto
dos jovens apaixonados esteja por trás de uma composição particular de um tema recorrente na
pintura europeia, a disputa entre Cupido/Eros, Vênus/Afrodite e Saturno/Cronos, muitas vezes
simbolizando a luta do amor (Cupido) e da beleza (Vênus) contra o tempo (Saturno). Em quadros
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 85
medo quanto à esperança das coisas vindouras deviam ser movidas, particu-
larmente, quando o assunto implicasse decidir sobre coisas futuras, matéria
do gênero deliberativo.
De certa maneira, foi essa percepção de Esperança como paixão ou afe-
to humano que organizou textos marcados por um novo entendimento do
direito natural no século XVII – ainda que rompendo com certa tradição
escolástica e mesmo humanista da autoridade dos “Antigos”. Buscando evi-
tar qualquer explicação metafísica dos fundamentos da lei e da República/
Cidade e baseá-los na razão natural e na civilidade e sociabilidade, inerentes
ao homem social e civil, o jurista alemão Samuel von Pufendorf, nos anos
1670, considerava a Esperança como um afeto da alma, tal qual o desejo e o
apetite, que foram dados por Deus e assim seriam parte do nosso estado de
natureza. Por ser uma paixão, contudo, se não fosse temperada, poderia fazer
perder o discernimento, seguindo a máxima aristotélica da esperança como
“sonho acordado”. Ao mesmo tempo, considerando haver uma Religião Natu-
ral, supunha ser dever dos “homens” amar e obedecer a Deus bem como ter
esperança nele, pois único do qual a felicidade humana dependia, e temê-lo,
visto ser o ente mais poderoso que, se ofendido, deixava os seres humanos
imputáveis do grande Mal. Menos do que virtudes, amor e esperança, mesmo
em Deus, eram frutos da natureza humana.24 Leitura mais radical do papel da
esperança se apresentava no Leviatã. Supondo todos os afetos semelhantes
entre os homens só variando nos objetos das paixões, Hobbes, ao pensar o
medo versus a esperança, remetia a escolha necessária de se fugir do estado
natural de guerra e na esperança de conseguir, pela indústria, a paz no corpo
artificial do Estado com poder soberano e absoluto. Para Hobbes, seria a
esperança, como afeto sobre o futuro, que permitiria a deliberação pela cons-
tituição, por meio de um contrato, de um novo modo de vida além daquele
do constante medo do estado natural.25
e gravuras do séc. XVII e XVIII, localizamos o tema com a adição da Esperança, nas quais a Espe-
rança (ladeada pela âncora), o Amor (na forma do Cupido), e a Beleza (personificada em Vênus)
atacavam o Tempo (como Saturno, um velho com asas e com uma foice).
24 Samuel von Pufendorf, The Whole Duty of Man According to the Law of Nature, Indianapolis:
Liberty Fund, 2003 [1673], consultado em 4/9/2017. <http://oll.libertyfund.org/titles/888>, cap.
IV, “Of the Duty of Man towards God, or, concerning Natural Religion”, p. 64-65; Pufendorf, Of
the law of nature and nations: eight books, Londres : Printed for J. Walthoe, R. Wilkin, J. and J.
Bonwicke, S. Birt, T. Ward, and T. Osborne, 1729 [1672], liv. II, cap. IV “The duties of Man with
regard to himself”, p. 171, consultado em 4/9/2017 <https://archive.org/details/oflawofnaturena-
t00pufe>.
25 Renato Janine Ribeiro, Ao leitor sem medo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, cap. 1.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
86 Luis Filipe Silverio Lima
26 Marilena Chaui. “Espinosa: poder e liberdade”. In: Filosofia política moderna. De Hobbes a
Marx. ed. Atilio Boron. São Paulo: CLACSO / FFLCH, USP, 2006, p. 113-143; Gábor Boros “A se-
cularização dos afetos religiosos nos escritos de Spinoza: esperança e medo, amor e generosidade”,
Cadernos Espinosanos, 21 (2009), p. 11-40.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 87
28 Hamm_TheReformationOfFaith, p. 156-8, Cf
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
88 Luis Filipe Silverio Lima
e não numa espera por ela pavimentada e confirmada nas boas ações.29 A
doutrina calvinista da predestinação forte veio ainda mais acentuar a impor-
tância da fé, à medida que indicava que já seriam evidentes os que estariam
salvos, e não haveria obras que poderiam remir ou pelas quais os condenados
poderiam se salvar. O fiel se sabia salvo, e por isso agia bem. Há, por assim
dizer, uma certa presentificação do destino salvífico. Não haveria espaço para
mudar algo expresso na confiança (presente) do fiel da sua salvação.
Esse deslocamento temporal das virtudes assumia um alvo adicional ao
combater qualquer possibilidade de expectativa ou esperança milenarista.
Fundada na iminência do Juízo Final, a perspectiva de futuro para o reino
mundano, em Lutero assim como em Calvino, era apocalíptica, pessimista,
final, cabendo menos do que esperar, saber da (e confiar na) sua salvação
nos céus – ou temer, se desconfiado em sua Fé, pelo derradeiro e definitivo
julgamento.30 No Calvinismo e no Luteranismo de meados do séc. XVI, fazia-
-se uma condenação forte ao milenarismo.31 Era uma questão teológica sobre
o fim dos tempos e a relação entre a Cidades de Deus e dos Homens, que
remetida à autoridade de Agostinho, mas também possuía desdobramentos
no âmbito dos modelos de governo e poder desenhados pelos Protestantes,
visto que essa condenação ao milenarismo – ou a sua violência ao menos – se
devia em parte aos levantes proféticos que tomaram Münster, em 1535, ou
mesmo às doutrinas anabatistas e radicais com suas esperanças comunitárias
que levaram às guerras camponesas nos reinos alemães.32
Diante da presentificação do solofideísmo, a Reforma Católica, da qual o
Concílio de Trento pode ser lido em certa medida como um sumário propo-
sitivo, reafirmou a necessidade da Fé mais as obras para a expectativa futura
29 Lowell C. Green, “Faith, Righteousness and Justification: New Light on Their Development
Under Luther and Melanchthon”, The Sixteenth Century Journal, 4:1 (April 1973). Cf. Lutero,
Commentary on the Epistle to the Galatians, Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House, 1949 [1535], cap. 5, pp. 194-216
30 Jean Delumeau, História do medo no Ocidente, São Paulo: Companhia das Letras, p. 225-8
31 Posição que mudará, entretanto na virada do XVI para o XVII, particularmente entre os Puri-
tanos, como mostra Jeffrey Jue: Jeffrey K. Jue, “Puritan millenarianism in Old and New England”,
In: John Coffey e Paul C.H. Lim (org.), The Cambridge Companion to Puritanism. Cambridg:
Cambridge University Press, 2008, p. 259-63.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 89
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
90 Luis Filipe Silverio Lima
36 John Leddy Phelan, The millennial kingdom of the Franciscans in the New World, 2a ed.,
Los Angeles: University of California Press, 1970; Jaime Lara, City, Temple, Stage: Eschatological
Architecture and Liturgical Theatrics in New Spain, Notre Dame, Indiana: University of Notre
Dame Press, 2004.
37 Adriano Prosperi, “America e apocalisse” in America e apocalisse e altri saggi, Pisa: 1999, pp.
16-18; Stefania Pastore, “Mozas Criollas and New Government: Francis Borgia, Prophetism, and
the Spiritual Exercises in Spain and Peru”, In: Luís Filipe Silvério Lima, Ana Paula Torres Megia-
ni (org.) Visions, Prophecies and Divinations: early modern Messianism and Millenarianism in
Iberian America, Spain and Portugal. Leiden/Boston: Brill, 2016, pp. 59-73, Luís Filipe Silvério
Lima, “Between the New and the Old World: Iberian Prophecies and Imperial Projects in the
Colonisation of the Early Modern Spanish and Portuguese Americas”. In: Andrew Crome. (Org.).
Prophecy and Eschatology in the Transatlantic World, 1550−1800. Londres: Palgrave Macmillan
UK, 2016, p. 33-64.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 91
II.
O pequeno tratado Esperança de Israel foi escrito entre 1649 e 50 (ano de
sua publicação), pelo “famoso rabino” de Amsterdã, Menasseh Ben Israel, de
origem cristã-nova, portuguesa e membro da “Gente de Nação”. Ben Israel,
até onde se saiba, respondia aos apelos dos milenaristas ingleses, como John
Dury, Henry Jessey e Nathanael Homes, que ficaram extremamente excitados
com a notícia da suposta descoberta de uma das “Tribos Perdidas de Israel”
na América Espanhola, mais especificamente na Amazônia. Tinham ouvido
que um judeu, também de origem cristã-nova portuguesa, Antônio de Mon-
tesinos, havia relatado perante a sinagoga de Amsterdã (e de Menasseh) a tal
descoberta. A notícia se somava a outras duas, a da descoberta de outros des-
cendentes das Tribos na América (mas agora na Nova Inglaterra) bem como a
conversão de centenas de índios por meio da pregação puritana ao norte de
40 Para uma perspectiva mais detalhada dessas conexões, ver, entre outros: Luís Filipe Silvério
Lima, “Prophetical Hopes, New World Experiences and Imperial Expectations: Menasseh Ben
Israel, Antônio Vieira, Fifth-Monarchy Men, and the millenarian connections in the seventeenth-
-century Atlantic”, AHAM, 17 (2016).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
92 Luis Filipe Silverio Lima
41 Para Menasseh, Montesinos, os milenaristas ingleses, ver, entre outros: Crome, Andrew. “Po-
litics and Eschatology: Reassessing the Appeal of the ‘Jewish Indian’ Theory in England and
NewEngland in the 1650s”, Journal of Religious History, 2015 (on-line preview only), doi:
10.1111/1467-9809.12301; Falbel, Nachman Falbel, “Menasseh Ben Israel e o Brasil” in Judeus
no Brasil (São Paulo: Humanitas, 2008), 121-133; Hessayon, Ariel, ‘Gold Tried in the Fire’: The
prophet TheaurauJohn Tany and the English Revolution. Aldershot: Ashgate, 2007.Hessayon,
Ariel, “Jews and crypto-Jews in sixteenth and seventeenth century England”, Cromohs, 16 (2011),
URL: http://www.cromohs.unifi.it/16_2011/hessayon_jews.html; Lévy, Florence, La prophétie et
le pouvoir politico-religieux au XVIIe. siècle au Portugal et en Hollande: Vieira et Menasseh Ben
Israel in La prophétie comme arme de guerre et des pouvoirs, Augustin Redondo, ed. (Paris: Presses
de La Sorbonne Nouvelle, 2000), Perelis, Ronnie, “ ‘These Indians Are Jews!’ Lost Tribes, Crypto-
-Jews, and Jewish Self-Fashioning in Antonio de Montezino’s Relation of 1644” In: Richard L
Kagan; Philip D Morgan (ed.), Atlantic diasporas : Jews, conversos, and crypto-Jews in the age of mer-
cantilism, 1500-1800, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2009, 195-211; Perelis, Ronnie,
“Dialectics of Travel: Reading the Journey in Antonio de Montezinos’s Relación (1644)”, Studies
in American Jewish Literature, 33:1 (2014): 13-34; Popkin, Richard, “Hartlib, Dury and the Jews”
in Samuel Hartlib and universal reformation, M. Greengrass et al., ed. (Cambridge: CUP, 1994);
Schmidt, Benjamin, “The Hope of the Netherlands: Menasseh ben Israel and the Dutch Idea of
America,” in The Jews and the Expansion of Europe to the West, 1450 to 1800, ed. Paolo Bernardini
and Norman Fiering, (Oxford and New York, 2001), 86-107; Schorsch, Ismar. “From Messianism
to Realpolitik: Menasseh Ben Israel and the Readmission of the Jews to England”. Proceedings of
the American Academy for Jewish Research, 45 (1978):187-208; Schorsch, Jonathan, Atlantic World
(Boston: Brill, 2009); Braude, Benjamin, Les contes persans de Menasseh Ben Israël. Annales.
49.5 (1994):1107-1138; Richard Popkin, “The rise and fall of the Jewish Indian Theory” in Me-
nasseh Ben Israel and his world, 62ss.; Benjamin Schmidt, “The Hope of the Netherlands: Menasseh
ben Israel and the Dutch Idea of America,” in The Jews and the Expansion of Europe to the West, 1450
to 1800, ed. Paolo Bernardini and Norman Fiering, European Expansion And Global Interaction,
vol. 2 (Oxford and New York, 2001), 86-107.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 93
el fin a que solamente se dirige, es mostrar que esta esperança em que vi-
vimos, de lavenida del Messiah, es de un bien, futuro, arduo, mas infalible,
por fundarse em la promessa absoluta del Señor bendido.42
42 Menasseh Ben Israel, Esperança de Israel, op. cit., .s.p. Este trecho na versão em latim e na sua
tradução para o inglês aparece no prefácio ao leitor.
43 Miqveh também pode se referir a coletar algo, esperar tempo para coletar, daí em decorrência
a banheira ritual na qual se coleta água da chuva. Menos do que curiosidade, isso explica tam-
bém o sentido da última parte do versículo (“a fonte de água viva, Iahweh.”) pelo qual Deus é
comparado a uma fonte de água viva, impoluta (pela qual se toma o banho ritual de purificação).
Agradecemos a Francisco Moreno por apontar algumas correlações com a referência à água, como
uma possível remissão ao rio Sabation.
44 Vale notar que o sentido de esperança e espera pode assumir muitas formas em hebraico,
como Tikvah, cuja raiz (qwh), ligada à corda, é a mesma de Mikveh/ah.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
94 Luis Filipe Silverio Lima
45 Ver, entre outros: Jonathan I. Israel, European Jewry in the Age of Mercantilism, 1550-1750,
3a. ed., Oxford: The Littman Libray of Jewish Civilization, 1998; Jonathan I. Israel (org.), Dias-
poras Within a Diaspora: Jews, Crypto-Jews and the World Maritime Empires (1540–1740),
Leiden: Brill, 2002; Jonathan I. Israel, “Dutch Sephardi Jewry, Millenarian Politics and the
Struggle for Brazil, 1650-54” in Conflicts of Empire: Spain, the Low Countries and The Struggle
For World Supremacy. 1585-1713, Londres: Hambledon, 1997; Jessica Roitman, The Same
but Different? Inter-cultural Trade and the Sephardim, 1595–1640, Leiden/Boston: Brill, 2011;
Ronaldo Vainfas, Jerusalém colonial, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010; Natalia Much-
nik, “Antonio Vieira y la diáspora sefardí en el siglo XVII” In: Pedro Cardim e Gaetano Sabatini
(org.), António Vieira, Roma e o universalismo das monarquias portuguesa e espanhola. Lisboa:
CHAM, 2011, p. 97-120
47 Por exemplo, no Dictionarium Linguae Latinae et Anglicanae, de 1587, consta “hope” como um
dos últimos significados, mas também “fear”, supostamente o antônimo de “hope”: “Expectatio,
Expectātĭo, ōnis, f.g. verb.Expectation, desire of things looked for, longirg, hope, feare of things
to come”. Para, além desta, ver outras acepções, consultar o LEME (Lexicons of Early Modern
English) http://leme.library.utoronto.ca
48 Não sabemos aqui se seria supor demasiado que essa aproximação da Esperança à confiança
não seria fruto da perspectiva católica portuguesa que, malgrado os esforços da conversão ao
judaísmo e de um atento policiamento (ou mesmo criação) de uma ortodoxia “hebraica” da co-
munidade judaico-portuguesa, ainda perpassava as expectativas messiânicas e, quem sabe, parte
da religiosidade da “Gente de Nação”. Sobre isso, ver: Bodian, op. cit., Kaplan, op. cit., Muhana,
op. cit., Vainfas, op. cit..
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 95
50 Leona Rostenberg, Literary, political, scientific, religious and legal publishing, printing and
bookselling in England, 1551–1700 (New York: Burt Franklin, 1965), v. 1, 203-236; Bernard
Capp, The Fifth-monarchy Men (London: Faber and Faber, 2008[1972]), 106-7, 129, 245, pas-
sim; Bernard Capp, “A door of hope Re-opened: The Fifth Monarchy, King Charles and King Jesus”
Journal of Religious History, Vol.32, Issue 1 (2008), 16-30; Mauren Bell, “Hannah Allen and the
Development of a Puritan Publishing Business, 1646-51”. Publishing History, 26 (1989):5-66;
Verônica Calsoni Lima, “Impresso para ser vendido na Crown em Pope’s Head Alley: Hannah
Allen, Livewell Chapman e a disseminação de panfletos radicais durante a Revolução Inglesa
(1646-1665)”, Dissertação de Mestrado, Unifesp, 2016.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
96 Luis Filipe Silverio Lima
outros deles (p. exemplo, William Aspinwall, de cariz mais moderado)51, ti-
nha estado na Nova Inglaterra, e lá se envolveram nas experiências de cons-
tituição de comunidades regradas pela Lei mosaica bem como nas disputas
antinomianistas.52 Não sabemos o autor do Door of Hope, mas Bernard Capp
sugere que o texto tenha sido baseado nos sermões de Venner para seu grupo
pentamonarquista53. Não deixa de ser instigante pensar essa referência a um
tratado que discorre sobre as expectativas vindas de novas da América num
manifesto de movimento liderado por um milenarista que experienciara o
espaço americano.
Do mesmo modo que o título do texto de Ben Israel, Door of hope vem
de um livro profético, agora de Oséias (2:15). As “portas da esperança”54 se-
riam abertas após a travessia difícil como quando da saída do Egito do povo
eleito por Deus, metaforizado na relação entre uma mulher e seu amante, e
a sua chegada à terra prometida. As portas da esperança indicavam que o
povo de Deus era o povo da Esperança, e, no texto, se transferia aos Santos e
bem-aventurados ingleses a eleição da espera, antes atribuída aos hebreus na
Bíblia. Entretanto, apesar da ideia da espera e mesmo da colheita, esse cha-
mamento pregado no Door of hope pressupunha a ação para, de certa maneira,
fazer abrir aquelas portas. Ser o título do panfleto de chamamento (calling,
beruf, vocação) para a luta contra os Infiéis (no caso inglês, também no poder)
ressaltava o caráter ativo que o conceito de Esperança (aqui misturado com a
ideia de uma eleição protestante dada na fiducia) ganhava cada vez mais em
meados do século XVII.
51 J. F. Maclear, ‘New England and the Fifth Monarchy’, William and Mary Quarterly, 32 (1975),
223–60; Stephen Lee Robbins. Manifold Afflictions: the life and writings of William Aspinwall,
1605-1662. Tese de Doutorado, Oklahoma State University, 1988; Verônica Calsoni Lima. “A
cronologia das bestas e o cumprimento das profecias: o conhecimento histórico nas obras penta-
monarquistas de William Aspinwall (1653-1657)”. Vozes, Pretérito & Devir, v. 3 (2014), p. 75-93.
52 Greaves, R.. “Venner, Thomas (1608/9–1661), Fifth Monarchist”. Oxford Dictionary of Natio-
nal Biography. Acessado em 30 Nov. 2017, https://doi.org/10.1093/ref:odnb/28191.
54 Aqui a Vulgata traz “ad aperiandam spem” (acusativo de Spes – trad. literal “para uma abertura
da/para a esperança”). Uma possível explicação para essa variação seria que em hebraico há duas
formas para esperança, ambas derivadas do verbo Qwah (esperar, confiar): Miqveh e Tikvah. Na
passagem de Oseias, está Tikvah. Não sabemos até que ponto isso era uma questão no século XVII,
mesmo com o interesse ressurgido desde o séc. XVI entre os letrados cristãos pelo hebraico; e
como também não dominamos hebraico para perseguir aqui algum sentido nessa variação, resta-
-nos somente apontar isto em nota.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 97
55 Oliver Cromwell, His Highness the Lord Proctetor Speeches to the Parliament in the Painted
Chamber. Londres: G.Sawbridge, 1654.
56 Thomas Goodwin, A sermon of the fifth monarchy, Londres: Livewell Chapman, 1654; John
Spittlehouse, An answer to one part of the Lord Protector’s Speech, Londres: Livewell Chapman,
1654.
57 The phanatiques creed, or A door of safety;: in answer to a bloody pamphlet intituled A door
of hope: or, A call and declaration for the gathering together of the first ripe fruits unto the stan-
dard of our Lord, King Jesus. Wherein the principles, danger, malice, and designe of the sectaries,
are impartially laid open. Londres: printed for Henry Brome at the Gun in Ivy-lane, 1661.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
98 Luis Filipe Silverio Lima
58 AREDA, Diogo de, Sermaõ que o Padre Diogo de Areda... prégou no acto da fé, que se cele-
brou na cidade de Goa, domingo 4. dias do mez de Settembro do anno de 1644. [Isa. 18; 1-2]
Impresso [em Goa?]: no Collegio de S. Paulo Novo da Companhia de Jesus, 1644. Agradeço meu
aluno Ricardo Egame, que está estudando esta questão nos sermões de Auto-de-Fé, por ter me
chamado a atenção para isto e me mostrado este e outros sermões.
59 António José Saraiva, “António Vieira, Menasseh ben Israel e o Quinto Império” in História e
utopia, Lisboa: ICALP, 1992, pp. 75-107.; Anita Novinsky, “Sebastianismo, Vieira e o messianis-
mo judaico” In: C.A.Iannone et.al. (org.), Sobre as naus da iniciação, São Paulo: EdUnesp, 1998;
Florence Lévy, “La prophétie et le pouvoir politico-religieux au XVIIe. siècle au Portugal et en
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 99
Vieira seria para indicar a dupla espera do povo português, cristão e judeu
(ou cristão-novo), e que, ao prever um futuro cheio de “esperanças de felici-
dades a Portugal”, supunha a inclusão (e conversão) do povo judeu no seio
do Quinto Império.60
A carta de Vieira fora escrita uma década após o encontro com Menasseh
(e da impressão do tratado do rabino), na mesma floresta que teria Montesino
encontrado as tribos perdidas, só que na parte portuguesa. Redigira a missiva,
afirmava (evocando um lugar retórico da captação da benevolência), de uma
canoa nas águas caudalosas do rio Amazonas a caminho do Maranhão, o
que nos faz lembrar os barcos em meio a tempestade em busca de um porto
evocados no emblema de Alciato. Vieira estava no Estado do Maranhão, di-
rigindo a missão jesuítica no norte da América Portuguesa, em contato com
as reduções e o trabalho de conversão, e em disputa com os colonos, ao
mesmo tempo em que buscava acompanhar os desenlaces da crise sucessória
no Reino, desde a morte de João IV em 1656. Na carta, endereçada ao bispo
do Japão, mas dirigida à rainha viúva, de quem o bispo era confessor, tra-
tava da ressurreição do rei recém-falecido, mas sobretudo do papel central
que Portugal desempenharia na conversão universal do globo – consolação
dupla para as tribulações de uma rainha enviuvada e regente de um Império
(talvez aí outra possibilidade do plural “esperanças”...). A carta foi a prova
central para que os inquisidores anos mais tarde (1663) chamassem Vieira à
frente do tribunal do Santo Ofício (algo que há muito queriam fazer), e numa
das sessões o interrogaram sobre a sua ligação com os judeus de Amsterdã.61
Vieira, obviamente, contou-a como circunstancial e buscando, em verdade,
mostrar-lhes seus erros para convertê-los, citando explicitamente seu contato
com Menasseh Ben Israel – mas não como momento de discussão sobre as
esperanças da vinda do Último e Final Reino na Terra e a conversão universal
de todo o orbe.
A carta “Esperanças de Portugal” é o primeiro texto conhecido no qual
Vieira esboça o seu projeto do Quinto Império, que viria a ganhar forma
(ainda que nunca de modo acabado) na História do Futuro e depois na Clavis
prophetarum, redigidos, segundo Adma Muhana, inicialmente como resposta
Hollande: Vieira et Menasseh Ben Israel” In: Augustin Redondo (org.), La prophétie comme arme de
guerre et des pouvoirs, Paris: Presses de La Sorbonne Nouvelle, 2000; Valmir Muraro, Padre Antônio
Vieira. Retórica e Utopia, Florianópolis: Insular, 2003, cap. 4.
60 Saraiva, António José, “António Vieira, Menasseh ben Israel e o Quinto Império”
61 Ver: Os autos do processo de Vieira na Inquisição. 2a. ed, São Paulo: Edusp, 2008.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
100 Luis Filipe Silverio Lima
III.
Rápida e superficialmente, tentamos mostrar que essas três Esperanças tinham
conexões para além daquelas que poderíamos atribui-las por proximidade
(temporal, temática...). Isto faz serem mais espantosos os pontos de toque
entre autores e espaços diversos e de religiões (e repúblicas) antagônicas, que
produziram textos de variado gênero e para audiências conflitantes. Carta,
tratado, panfleto; Padre, rabino, tanoeiro/pregador?; catolicismo, judaísmo,
protestantismo; Portugal, República dos Países Baixos, Inglaterra (todos em
guerra...). Além de provavelmente um ódio comum pela Espanha habsburga
(mas por diferentes razões), o que aproximava essas esperanças era a Améri-
ca e em algum grau, a “questão judaica”. Aproximações dadas também, em
parte, pelas articulações possíveis por meio de um porto, Amsterdã, no qual
uma comunidade judaica, mas de passado português-ibérico e cristão-novo
possibilitava uma mediação entre as diversas confissões em disputa. Podemos
supor, à guisa de conclusão provisória, que a questão americana e judaica
serviram, usando as categorias de Koselleck, como “espaço de experiência” e
“horizonte de expectativa” para os projetos milenaristas. No lado cristão (pro-
testante ou católico), experiências vividas na América e no contato com os
judeus de Amsterdã; expectativas apontadas para a expansão do orbe e con-
versão das novas gentes, e na volta das tribos perdidas e também de sua con-
versão ao cristianismo. No lado judaico (ou até cristão-novo), a vivência no
espaço americano (seja no Nordeste holandês ou português) e, reversamente,
a convivência com vários cristãos nos debates sobre o papel dos judeus e a
sua importância na orquestra dos reinos europeus; o horizonte da descoberta
das tribos, sinal da vinda do Messias, mas talvez mais importante, os horizon-
tes possíveis de negociação para a aceitação dos judeus nos reinos cristãos e
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 101
Referências
ALCIATO, Andrea. Emblematum liber. Augsburgo: Heinrich Steyner, 1531. Disponível
em: < http://www.emblems.arts.gla.ac.uk/alciato/index.php >. Acessado em: 09 mar.
2018.
______. Los Emblemas. Lião: Macé Bonhomme for Guillaume Rouille, 1549.
Disponível em: < http://www.emblems.arts.gla.ac.uk/alciato/index.php >. Acessado
em: 09 mar. 2018.
ANTT. Fundo da Inquisição. Conselho Geral da Inquisição, Livro 206.
AQUINO, Tomás de. A Caridade, a Correção Fraterna e a Esperança. Campinas:
Ecclesiae, 2013.
AREDA, Diogo de. Sermaõ que o Padre Diogo de Areda... prégou no acto da fé, que se
celebrou na cidade de Goa, domingo 4. dias do mez de Settembro do anno de 1644. [Isa.
18; 1-2] Impresso [em Goa?]: no Collegio de S. Paulo Novo da Companhia de Jesus,
1644.
ARISTÓTELES. The Art of Rhetoric, Londres: W. Heinemann, 1926 (Loeb Classical
Library), Liv. II, cap. V, 14-17, 1383a-b; cap. XIII, 11-12, 1390a.
BELL, Mauren. Hannah Allen and the Development of a Puritan Publishing Business,
1646-51. Publishing History, v. 26, p. 5-66, 1989.
BEN ISRAEL, Menasseh. Miqveh Israel Hoc est, Spes Israelis, Amstelodami: [s./ed.],
1650.
_______. Dedicatória. In.: ______. Miqveh Israel, esto es, Esperança de Israel. Amsterdã:
Semvel Ben Israel Soeiro, 5410 [1650].
______. The hope of Israel. Editado por Henry Méchoulan e Gérard Nahon. Oxford/
Nova York: Littman Library ; Oxford University Press, 1987.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
102 Luis Filipe Silverio Lima
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 103
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
104 Luis Filipe Silverio Lima
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
Aproximações para uma história do conceito de Esperança nas expectativas milenaristas do século XVII 105
PERELIS, Ronnie. ‘These Indians Are Jews!’ Lost Tribes, Crypto-Jews, and Jewish
Self-Fashioning in Antonio de Montezino’s Relation of 1644. In: KAGAN, Richard L.;
MORGAN, Philip D. (ed.). Atlantic diasporas: Jews, conversos, and crypto-Jews in the
age of mercantilism, 1500-1800. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2009, p.
195-211
______. Dialectics of Travel: Reading the Journey in Antonio de Montezinos’s Relación
(1644). Studies in American Jewish Literature, v. 33, n. 1, p.13-34, 2014.
PHELAN, John Leddy. The millennial kingdom of the Franciscans in the New World, 2a ed.
Los Angeles: University of California Press, 1970.
POPKIN, Richard. Hartlib, Dury and the Jews. In: GREENGRASS, M. et al. (ed.).
Samuel Hartlib and universal reformation. Cambridge: CUP, 1994.
______. The rise and fall of the Jewish Indian Theory. In: KAPLAN, Yosef;
MECHÓULAN, Henry; Popkin, Richard H. Menasseh Ben Israel and his World. Leiden:
Brill, 1989, p. 62ss.
PROSPERI, Adriano. America e apocalisse. In: ______. America e apocalisse e altri
saggi, Pisa: Ist. Editoriali e Poligrafici, 1999, p. 16-18.
PUFENDORF, Samuel von. Cap. IV, Of the Duty of Man towards God, or, concerning
Natural Religion. In.: ______. The Whole Duty of Man According to the Law of Nature.
Indianapolis: Liberty Fund, 2003 [1673], p. 64-65. Disponível em: < http://oll.
libertyfund.org/titles/888 >. Acessado em: 4 set. 2017.
______. Of the law of nature and nations: eight books. Londres : Printed for J. Walthoe,
R. Wilkin, J. and J. Bonwicke, S. Birt, T. Ward, and T. Osborne, 1729 [1672], liv. II,
cap. IV “The duties of Man with regard to himself”, p. 171. Disponível em: < https://
archive.org/details/oflawofnaturenat00pufe >. Acessado em: 4 set 2017.
RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, cap. 1.
RICHTER, Melvin. Reconstructing the History of Political Languages: Pocock,
Skinner, and the Geschichtliche Grundbegriffe. History and Theory, v. 29, n. 1, p. 38-70,
Feb. 1990.
SKINNER, Quentin. Vision of Politics - Volume 2: Renaissance Virtues. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
RIPA, Cesare. Iconologia del Cavaliere Cesare Ripa Perugino Notabilmente Accresciuta
d’Immagini, di Annotazioni, e di Fatti dall’Abate Cesare Orlandi… 5 vols. Perugia:
Stamperia di Piergiovanni Costantini, 1764-67. Versão On-Line. Disponível em: <
http://www.asim.it/iconologia/ICONOLOGIAview.asp?Id=316 >. Acessado em: 09
mar. 2018.
ROBBINS, Stephen Lee. Manifold Afflictions: the life and the writings of William
Aspinwall, 1605-1662. Oklahoma, 1988. Tese (Doutorado em Filosofia) – Faculty of
the Graduate College of the Oklahoma State University, 1988.
RODRIGUES, Rui Luis. Cidade Sitiada: o Cerco Militar no Século XVII como Espaço
de Utopia e de Contra-Utopia - Os Exemplos de Münster (1534-1535) e de Sancerre
(1573). Revista de História, n. 176, a04416, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/
issn.2316-9141.rh.2017.116661.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
106 Luis Filipe Silverio Lima
ROITMAN, Jessica. The Same but Different? Inter-cultural Trade and the Sephardim,
1595–1640. Leiden/Boston: Brill, 2011.
ROSTENBERG, Leona. Literary, political, scientific, religious and legal publishing, printing
and bookselling in England, 1551–1700. New York: Burt Franklin, 1965, v. 1.
RUCQUOI, Adeline. Medida y žŸn de los tiempos. Mesianismo y milenarismo en la
Edad Media. In: LORENZO, Angel Vaca (org.). En pos del tercer milenio. Apocalíptica,
mesianismo, milenarismo e historia. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2000.
SARAIVA, António José. António Vieira, Menasseh ben Israel e o Quinto Império. In:
______. História e utopia, Lisboa: ICALP, 1992, p. 75-107.
SCHMIDT, Benjamin. The Hope of the Netherlands: Menasseh ben Israel and the
Dutch Idea of America. In: BERNARDINI, Paolo; FIERING, Norman (ed.). The Jews
and the Expansion of Europe to the West, 1450 to 1800. European Expansion And Global
Interaction, vol. 2. Oxford; New York: Berghahn, 2001, p. 86-107.
SCHORSCH, Ismar. From Messianism to Realpolitik: Menasseh Ben Israel and the
Readmission of the Jews to England. Proceedings of the American Academy for Jewish
Research, v. 45, p. 187-208, 1978.
SCHORSCH, Jonathan. Atlantic World. Boston: Brill, 2009.
SMITH, Nicholas. Hope and Critical Theory. Critical Horizons, v.6, n. 1, p. 45-61,
2005.
SPITTLEHOUSE, John. An answer to one part of the Lord Protector’s Speech. Londres:
Livewell Chapman, 1654.
VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém colonial, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
VIEIRA, Antônio. Esperança de Portugal. In: BESSELAAR, José van den. Antônio
Vieira. Profecia e Polêmica. Rio de Janeiro: EdUerj, 2002, pp. 49-108.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.75-106, jul.-dez. 2017
tradução de Pedro H. G. Muniz
Resumo
“Ninguém ainda determinou o que pode o corpo”. Alguns leitores da Ética
entenderam esta sentença enigmática como a expressão da desconfiança de Spinoza
em relação ao conhecimento médico. Segundo esta leitura, Spinoza consideraria o
corpo humano como dotado de habilidades plásticas ou habilidades de inovação
para as quais o quadro cartesiano estreito das ciências médicas de seu tempo não
seria capaz de contabilizar. Neste artigo, argumento contra essa leitura levando
em consideração as dissecções anatômicas que Spinoza atendeu e os livros médicos
que ele leu. O objetivo deste artigo então é duplo: 1 / dar uma leitura histórica da
representação analítica de corpos complexos que Spinoza endossou; 2 / contribuir
para a discussão sobre as possíveis relações entre a interpretação semântica dos
textos filosóficos e o estudo histórico do seu meio cultural.
Abstract
No one has yet determined what the body can do. Some readers of the Ethics have
understood this enigmatic sentence as the expression of Spinoza’s mistrust
concerning medical knowledge. According to this reading, Spinoza would regard
the human body as being endowed with plastic abilities or innovation skills for
which the narrow Cartesian framework of the medical sciences of his time would
be unable to account. In this article, I argue against such a reading by taking into
consideration the anatomical dissections that Spinoza attended and the medical
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
108 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
books that he read. The purpose of this article is twofold: 1/ to give a historicized
reading of the analytic representation of complex bodies that Spinoza endorsed;
2/ to contribute to the discussion about the possible relationships between the semantic
interpretation of philosophical texts and the historical study of their cultural milieu.
“Até agora ninguém determinou o que pode o corpo”.2 Esta declaração de Spinoza
tornou-se uma verdadeira divisa, consensual o suficiente para conquistar o ou-
vinte no início do discurso, e ao mesmo tempo suficientemente subversiva, por
parecer portar combates e esperanças. Combates especialmente contra a doutrina
da qual a modernidade ocidental e cristã teria culpa (com Descartes na liderança)
ao dar toda a atenção, o poder e o valor para a mente, o pensamento ou a alma às
custas do corpo, de suas faculdades e de seu poder. Combate também contra o
desejo de conhecimento e domínio completo desse corpo humano que é menos
transparente do que pensamos, menos estupidamente mecânico. É por isso que
tal declaração é igualmente portadora de esperança. Esperança de que o corpo
seja muito mais capaz do que pensamos a priori: mais capaz de se orientar e de
agir em situações complexas nas quais o pensamento é cego, ou ainda de superar
situações patológicas aparentemente inexoráveis. Por uma ironia do destino, a
divisa que tomamos emprestada de Spinoza é um instrumento de luta contra a
ideia de um determinismo do qual Spinoza foi acusado durante séculos, já que,
a partir de agora, o determinismo que queremos eliminar é biológico. Tais inter-
pretações, hoje muito comuns, e frequentemente baseadas em uma compreensão
caricatural da história das representações do corpo humano, são, no entanto, ra-
dicalmente estranhas ao que diz Spinoza nesse escólio. Mas para compreendê-lo,
faz-se necessário um desvio pelo seu contexto científico imediato.3
2 Nota do tradutor: Citação traduzida do francês. No original: “Personne n’a jusqu’à présent
déterminé ce que peut le corps”. Forneço em nota o original em francês de todas as citações que
aparecem no corpo do texto. Nota da autora: Para todas as citações da Ética, refiro-me à tradução
de Ch. Appuhn (Paris, Garnier Frères, 1965). Agradeço ao organizador e ao auditório da jornada
“Spinoza autrement” por suas questões úteis, assim como a Jacques-Louis Lantoine, por sua leitura
e seus comentários.
3 Nem sempre é esclarecedor propor definições prévias. Digamos, rapidamente, que o que chamo
de “contexto” aqui corresponde ao conjunto de todas as obras das quais Spinoza dispunha, assim
como as correspondências e textos não publicados de seus amigos próximos: todo esse material
inclui descrições, discussões, mas frequentemente também imagens que ajudam a reconstruir as
técnicas e práticas que os fundamentam.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 109
4 Ver Denis Forest, Neuroscepticisme, Editions d’Ithaque, 2014, p. 107 em diante, especialmente
p. 112: “Réfuter une relation exclusive entre région corticale et fonction de celle-ci ne doit donc
pas conduire à postuler que la plasticité est source permanente d’innovation”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
110 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
I. Spinoza e a anatomia
5 Sobre a ligação entre a biografia de Spinoza, sua cultura e seu próprio sistema filosófico, P.-F.
Moreau nota que: “il ne suffit pas de repérer ce qui était à la disposition de Spinoza, ni même
d’énumérer ce qu’il en a retenu. Pour s’approcher de la ligne où une culture s’incorpore à une
philosophie, il faut mesurer, d’un terme emprunté à Spitzer, l’écart significatif par lequel il modifie
cela même qu’il reçoit” (Problèmes du spinozisme, Paris, Vrin, 2006, p. 10).
6 Ver R. French, William’s Harvey Natural Philosophy, Cambridge, Cambridge University Press,
1994, particularmente o capítulo “Back to Cambridge”, p. 296 em diante. Para ter uma ideia desse
consenso na época de Spinoza, ver o acréscimo sobre a circulação sanguínea na Anatomia refor-
mata de Bartholin, obra da qual Spinoza dispunha em sua biblioteca (terceira edição reformulada
de 1651): Epistola prima de motu chyli et sanguinis ad Thomam Bartholinum, Casp. Filium & Altera
Epistola de motu sanguinis ad eundem, de Johannes Waleus in Anatomia ex Caspari Bartholini paren-
tis Institutionibus, omniumque recentiorum propriis observationibus, tertium ad sanguinis circulationem
reformata, Leyde, F. Hackium, 1651, p. 531-576.
7 Ver Ph. Hamou, La mutation du visible 2. Microscopes et télescopes en Angleterre de Bacon à Hooke,
Villeneuve d’Ascq, Presses Universitaires du Septentrion, 2001, p. 100 em diante.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 111
até mesmo por aqueles que ressaltavam sua natureza enganosa, ou que se
dispuseram a redefinir seu significado – assim era a noção de “sede da alma”
(siège de l’âme)8.
Hoje é possível consultar livros didáticos para reconstruir esse conjunto
de conhecimentos consensuais ou compartilhados. Porém, por um lado, eles
estão sempre em processo de desuso no exato momento em que mais são
difundidos e, por outro, são mais ou menos disseminados na sociedade de
acordo com o que chamamos de meios e redes. No que diz respeito ao século
XVII, algumas fontes também estão disponíveis, mesmo que sejam menos
diretas. Por exemplo, os temas das dissertações escritas para os cursos de
doutorado em medicina, que muitas vezes são bons indícios da evolução do
conhecimento, mesmo que às vezes com alguns anos de atraso. A isso deve-se
acrescentar um trabalho de leitura da correspondência de Spinoza, das obras
de seus correspondentes e das obras dos autores que povoavam a biblioteca
pessoal do filósofo. Pois a princípio parece que a relação com esse conheci-
mento consensual e compartilhado é diferenciada: as cartas da marquesa de
Sévigné e as obras de Spinoza foram em parte escritas na mesma época e, no
entanto, elas só refletem parcialmente o mesmo conhecimento e as mesmas
terapias. Spinoza está relativamente bem informado, visivelmente interessado
(ele dispõe de um grande número de obras de medicina – que hoje chama-
ríamos de fisiologia),9 e tem muitos especialistas ao seu redor. Em primeiro
lugar, Spinoza contava com certo número de médicos próximos a ele – tendo
em mente que na época esse tipo de formação dava acesso a muitas carreiras
diferentes.10 Podemos ser um pouco mais específicos ao dizer que ele estava
8 Ver J.-G. Duverney, que apresenta a “sede da alma” como “a armadilha da filosofia e da anatomia
modernas” (Œuvres anatomiques, Paris,C.-A. Jombert, 1761, vol. 1, p. 55). De forma mais geral,
sobre este ponto, ver R. Andrault, La vie selon la raison. Physiologie et métaphysique chez Spinoza et
Leibniz, Paris, Honoré Champion, 2014 (a partir de agora citado como: La vie selon la raison), cap.
8, p. 304 em diante.
9 Ver o Catalogus van de Bibliotheek der Vereniging het Spinozahuis te Rijnsburg, Leiden, E. J. Brill,
1965: a biblioteca de Spinoza contém ao mesmo tempo obras médicas de referência (os Apho-
rismes de Hipócrates, a Anthropographia de Riolan, o Jovem, ed. 1626, o Syntagma anatomicum
de Veslingius, a Anatomia reformata de Bartholin, ed. 1651, as Observationes Medicae de Tulp, ed.
Nova 1672), mas também os trabalhos de médicos holandeses próximos a ele (em especial, Ker-
ckring, Velthuysen e Stenon). Para os detalhes e a análise da cultura médica de Spinoza tal como
podemos reconstitui-la a partir de sua biblioteca, ver R. Andrault, La vie selon la raison, p. 59.
10 E. Andretta, R. Mandressi, “Médecine et médecins dans l’économie des savoirs de l’Europe mo-
derne (1500-1650)”, Histoire, médecine et santé, Éditions Méridiennes, 2017, p. 9-18, aqui p. 11.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
112 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
11 Especialmente no campo da anatomia comparada. Não se trata de uma novidade per se, mas
era na época algo em plena ascensão. Sobre o sentido que tinha então a anatomia (próxima, na
verdade, do que chamaríamos de fisiologia experimental), ver Andrew Cunningham, “The pen
and the sword: recovering the disciplinary identity of physiology and anatomy before 1800. I:
Old Physiology – the Pen”, Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 33
(2002), p. 631-665, e também “– II : Old Anatomy – the Sword”, Studies in History and Philosophy
of Biological and Biomedical Sciences, 34 (2003), p. 51-76.
12 Ver, por exemplo, a carta XXVI a Oldenburg que menciona o livro de Hooke (Micrographia,
1665), o qual Huygens possuía. Sobre o uso que fez o médico Kerckring de um microscópio
fabricado por Spinoza, cf. abaixo.
13 Hooke, R., Micrographia, London, Martyn and Allestry, 1665, e Journal du lundi 20 décembre
1666, Journal des sçavans, Amsterdam, Pierre le Grand, 1685, I (1665-6), p. 499.
14 Sobre este assunto, pode-se fazer referência, dentre outros textos, à introdução ao Dictionnaire
des philosophes français du xviie siècle escrita por L. Foisneau, Paris, Classiques Garnier, 2015.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 113
15 Sobre este ponto, ver R. Andrault, “Human Brain and Human Mind. The Discourse on the Ana-
tomy of the Brain and Its Philosophical Reception”, in Steno and the Philosophers, ed. R. Andrault &
M. Lærke, Leiden, Brill, 2018, p. 87-112, aqui p. 104-105.
16 Ver, por exemplo, A. de Libera, “Le sens commun au XIIIe siècle. De Jean de La Rochelle à
Albert le Grand”, Revue de métaphysique et de morale, 1991, n° 4, p. 475-496.
17 Ver D. Antoine, L’homme cartésien, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2009, p. 31-37.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
114 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
19 Pina Totaro, “Ho certi amici in Ollandia: Stensen and Spinoza”, in Hans Kermit & Gunver
Skytte (ed.), Niccolo Stenone (1638-1686): anatomista, geologo, vescovo, Rome, 2002, p. 27-38, p.
32, e S. Spinoza, The Vatican Manuscript of Spinoza’s Ethica, ed. L. Spruit & P. Totaro, Leiden, Brill,
2011, p. 10 e p. 68.
20 Ver T. Huisman, The finger of God. Anatomical Pratice in 17th-Century Leiden, 2008-05-08, Doc-
toral Thesis, Leiden University, p. 137.
21 Journal des sçavans, I (1665-1666), ed. De Houdeville, Amsterdam, Pierre Le Grand, 1685, p.
155-6. No original: “il rend la plupart de ces choses si sensibles qu’on est obligé d’en demeurer
convaincu, & d’admirer qu’elles aient pu échapper à tous les Anatomistes qui l’ont précédé”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 115
O que quer dizer [Descartes], pergunto eu, com união da alma e do corpo?
Que concepção clara e distinta tem ele de um pensamento ligado de uma
maneira tão próxima a uma pequena porção do extenso? [...] Adicione aí
que procuramos em vão uma glândula localizada no meio do cérebro, de tal
forma que ela pode ser movida para cá e para lá com muita facilidade e de
muitas maneiras, e que todos os nervos não se estendem até as cavidades
do cérebro.23
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
116 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
É verdade que até agora ninguém determinou o que pode o corpo. Isto é,
até agora a experiência não revelou a ninguém, através apenas das leis da
natureza, e considerando esta apenas como corporal, o que o corpo pode
e não pode fazer, a menos que ele seja determinado pela alma. De fato,
ninguém conhece a estrutura do corpo de forma tão exata a ponto de ter
conseguido explicar todas as suas funções [...].26
25 Uma versão mais detalhada deste argumento se encontra em La vie selon la raison, p. 307-316.
26 “Personne, il est vrai, n’a jusqu’à présent déterminé ce que peut le corps, c’est-à-dire l’expé-
rience n’a enseigné à personne jusqu’à présent ce que, par les seules lois de la nature considérée
en tant seulement que corporelle, le corps peut faire et ce qu’il ne peut pas faire à moins d’être
déterminé par l’âme. Personne en effet ne connaît si exactement la structure du corps qu’il ait pu
en expliquer toutes les fonctions [...]”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 117
Como pode uma declaração negativa como “ninguém sabe o que pode o cor-
po” refletir um saber positivo? No escólio citado, Spinoza afirma literalmente
que a partilha recíproca entre o que está no controle da mente e o que está
no controle do corpo, entre o que pode ser causado por um e o que só pode
ser explicado pelo outro, nunca é percebida a partir do que conhecemos do
corpo. Ela é sempre percebida a partir do que ignoramos dele, isto é, de seus
supostos limites. Portanto, diremos que a mente é a causa dessa ou daquela
ação sempre que considerarmos que tal ação excede os limites do que os
corpos podem produzir. Contudo, de acordo com Spinoza, por lei deve ser
possível explicar todas as ações dos corpos considerando unicamente as leis
naturais reagindo nos corpos. Por exemplo, a ação de bater, “contanto que a
consideremos fisicamente, apenas com relação ao fato de um homem levantar
o braço, fechar o punho e mover com força o braço todo de cima para baixo,
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
118 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
é uma virtude [ou poder] que se concebe pela estrutura do Corpo humano”.28
A alma, ou a mente, ou o pensamento – pouco importa o termo aqui – não
deve ser concebida como uma espécie de caixa preta, ou Deus ex machina, que
é invocado sempre que a anatomia ou a física não seriam capazes de explicar
uma ação do corpo humano.
Alguns viram por trás dessa afirmação de Spinoza sobre o que pode o
corpo uma crítica virulenta do mecanicismo cartesiano, o qual reduziria de
forma abusiva os animais a relógios totalmente inteligíveis para o homem e,
assim, totalmente controláveis por ele. Isso é muito parcialmente verdadeiro,
se pelo mecanicismo cartesiano entendemos “a doutrina dos animais-máqui-
na”, isto é, o fato de considerar que os animais não têm alma; ou melhor,
como coloca Descartes, que só os homens são dotados de uma mente e da
capacidade de realmente pensar. Para Spinoza, conferir aos homens essa es-
pecificidade exclusiva seria considerá-los como um “império em um império”.
E, como vimos, ele rejeita uma das consequências dessa tese: a ideia de que
o homem, e somente o homem, pelo poder de sua vontade e pela indetermi-
nação de seu livre-arbítrio, poderia provocar um movimento do corpo. Mas
essa divergência com Descartes é também o corolário de uma sistematização
da física cartesiana: Spinoza defende sem reservas a explicação mecânica dos
corpos dos animais. De fato, em sua base, a concepção spinozista do corpo
humano se opõe primeiramente aos teóricos que Descartes denuncia com
veemência – os que inventam pequenas “almas” para explicar a reprodução, a
digestão, as lágrimas e outras funções estritamente dependentes da estrutura
do corpo e das leis do movimento. Na verdade, a física spinozista dos cor-
pos complexos compartilha, de maneira geral, alguns pressupostos da física
cartesiana, combinada com a recusa de endossar certas hipóteses fisiológicas
particulares defendidas por Descartes (às vezes mais erroneamente do que
com razão). Tomemos um exemplo: quando Spinoza deve mencionar, a título
de explicações possíveis, alguns mecanismos corporais em segundo plano na
explicação da memória, ele invoca o movimento repetido de um fluido sobre
uma superfície macia que a modifica e se reflete de forma diferente29. Con-
trariamente à afirmação do comentador Martial Gueroult, que vê aí uma tese
contra Descartes, tal ideia está potencialmente de acordo com a explicação
28 Ethique, IV, prop. LIX, escólio : “[l’action de frapper] en tant qu’on la considère physiquement,
ayant égard seulement à ce qu’un homme lève le bras, serre le poing et meut avec force le bras en-
tier de haut en bas, est une vertu [ou puissance] qui se conçoit par la structure du Corps humain”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 119
Vemos assim como pode ser que consideremos como se estivesse presente
o que não está – algo que acontece com frequência. E é possível que isso
provenha de outras causas, mas basta que eu tenha mostrado apenas uma,
através da qual eu possa explicar a coisa como se a tivesse demonstrado
através de sua verdadeira causa. No entanto, não creio ter me afastado
muito da verdadeira causa, já que todos os postulados que admiti aqui não
contêm quase nada que não seja estabelecido pela experiência [...].30
30 Ethique, II, prop. 17, escólio. “Nous voyons ainsi comment il se peut faire que nous considé-
rions ce qui n’est pas comme s’il était présent, ce qui arrive souvent. Et il est possible que cela
provienne d’autres causes, mais il me suffit d’en avoir montré une seule par laquelle je puisse
expliquer la chose comme si je l’eusse démontrée par sa vraie cause ; je ne crois cependant pas
m’être beaucoup écarté de la vraie, puisque tous les postulats que j’ai admis ici ne contiennent à
peu près rien qui ne soit établi par l’expérience [...]”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
120 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
cuidado para não apreender o que Spinoza quis dizer sobre o corpo humano
como um diálogo exclusivo com Descartes ou os cartesianos. Certos
elementos que hoje consideramos característicos da física cartesiana estão na
verdade integrados ao pensamento de Steno ou de Spinoza como opiniões
comuns que não possuem assinatura filosófica particular, isto é, que não são
marcas da influência particular dessa ou daquela doutrina. Outros aspectos,
então percebidos como típicos do cartesianismo, como o fato dos animais
serem desprovidos de alma e de uma capacidade interior de se emocionarem
e de sentir, são, pelo contrário, em sua maioria rejeitados, ou pelo menos
apresentados como teses problemáticas.
Steno era em sua juventude um leitor e admirador de Descartes, vendo
em sua filosofia um modelo de rigor e a promessa da edificação de uma
ciência natural sólida e compartilhada. Não há dúvidas de que era o mesmo
para Spinoza. E como Spinoza, muito rapidamente Steno se tornou um
crítico esclarecido de Descartes: depois de ter tentado verificar através de
experimentos certas teses defendidas em L’homme, ele afirmou que sua
fisiologia era apenas uma ficção útil, sem semelhança com a configuração
real do corpo humano. Rapidamente seus contemporâneos utilizaram sua
anatomia para melhor destituir a filosofia cartesiana. Finalmente, depois de
sua conversão ao catolicismo e sem dúvida no contexto dessa conversão,32
Steno tentou demonstrar aos seus velhos amigos (incluindo Spinoza) os
impasses metafísicos e os erros morais do cartesianismo. Por vezes com um
zelo prosélito que não é benéfico para a sua honra.33 Ele acusa Spinoza, por
exemplo, apresentado como um diligente “reformador” da filosofia cartesiana,
de ter sido incapaz de realmente explicar esses fenômenos tão centrais: a
percepção sensorial, a volição e a dor sentidas pela alma ou pela mente,
mas que deveriam ser causadas pelas modificações do corpo ou pelo menos
desenvolvido modelos específicos e bem definidos dos seres vivos (como Willis). Ao fazê-lo, foi
principalmente projetada de maneira desmesurada nesses livros a leitura que a história da medi-
cina do século XIX e a história da filosofia do século XX nos deixaram como legado, esquecendo
o que nos parece “filosófico” (ou até mesmo digno de interesse) na medicina do século XVII, não
sendo necessariamente os elementos mais salientes ou reveladores da cultura científica dos filó-
sofos que nós estudamos.
33 Ver o tom de sua carta aberta a Spinoza, entitulada “Au réformateur de la nouvelle philosophie
à propos de la vraie philosophie”, in Spinoza. Correspondance, ed. e trad. M. Rovere, GF Flamma-
rion, 2010, carta 43a, p. 263.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 121
34 Idem, p. 270-1.
35 Epistolae et epistolae ad eum datae, quas cum proemio ac notis Germanice scriptis, ed. G. Scherz e
J. Raeder, Copenhague, Nyt Nordisk Forlag A. Busck, 1952, vol. 1, p. 142. A tradução do latim
para o francês é da autora. Em sua tradução: “j’ai reproduit l’expérience de Bils sur le mouvement
du chyle lorsque j’étais à Amsterdam ; mais je n’ai pas trouvé dans le sang la même diversité, bien
que jusqu’à trois heures j’ai maintenu en vie un chien qui avait survécu le jour entier dans de tels
tourments ; mais comme avoir essayé une seule fois ne suffit pas à conclure quoi que ce soit avec
certitude, à la première occasion je roulerai le même rocher, bien que j’avoue que je ne torture pas
sans horreur ces animaux par de telles cruautés. Les cartésiens se glorifient tant de la certitude de
leur philosophie ; je voudrais qu’ils me convainquent comme eux-mêmes sont convaincus que
les bêtes n’ont pas d’âme, et qu’il revient au même de toucher, disséquer et brûler les nerfs d’un
animal vivant ou les cordes d’un automate qui est mu par impulsion ; en effet, j’explorerais alors
pendant plusieurs heures, plus fréquemment et plus volontiers les viscères et vaisseaux d’animaux
vivants, puisque je vois bien que beaucoup restent à découvrir que l’on ne peut pas espérer trou-
ver d’une autre manière”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
122 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
36 Para confirmar ou invalidar uma opinião sobre a circulação sanguínea, o médico Johannes
Waleus afirma assim ter praticado mais de cem vivissecções de cachorros, in Bartholin, Anatomia
reformata, op. cit., p. 533.
37 Epistola, op. cit., I, 279, carta a M. Malpighi. A tradução do italiano para o francês é da au-
tora. Em sua tradução: “Ma difficulté tient toute entière à la question de savoir comment l’âme,
si spirituelle, peut sentir l’altération que le mouvement provoque en une chose corporelle, chez
l’homme, et comment chez les bêtes considérées comme dépourvues d’âme, il se peut produire
une perception de cette altération du mouvement qui se fait dans les nerfs”.
38 Para os rótulos “mecanicistas” e “corpuscular”, ver, por exemplo, Sophie Roux, “La philoso-
phie mécanique de Boyle”, L’atomisme aux xviie et xviiie siècles, textos reunidos por J. Salem, Paris,
Publications de la Sorbonne, 1999, p. 119-133. Entretanto, é preciso reconhecer que frequente-
mente “mecanicista” é uma categoria retrospectiva que reagrupa métodos e concepções do corpo
que não têm nada em comum (cf. R. Andrault, C. Crignon, “Les modèles du corps: mécanisme,
chimisme, humorisme”, in Andrault, Buchenau, Crignon & Rey (ed.), Médecine et philosophie de
la nature humaine de l’âge classique aux Lumières, Paris, Classiques Garnier, 2014, p. 137-143).
39 Sobre Spinoza e Huygens, ver a exposição de F. Chareix, em “Le bal des pendules: Spinoza et
Leibniz face à la mécanique théorique de Huygens”, in R. Andrault, M. Lærke, P.-F. Moreau (ed.),
Spinoza/Leibniz: rencontres, controverses, réception, Paris, PUPS, 2014, p. 245-267.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 123
40 Ver Steno, De solido intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus, Florentiae, ex
Typographia sub signo Stellae, 1669, p. 10-11.
41 Para o interesse da ordem geométrica e do modelo euclidiano nessa obra, ver R. Andrault,
“Mathématiser l’anatomie: la myologie de Stensen”, Early Science and Medicine, vol. 15, n° 4-5,
2010, p. 505-536. Para o interesse de Spinoza no que diz respeito às regras do choque, ver a carta
32, in Spinoza. Correspondance, op. cit., p. 210.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
124 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
42 Ver F. Chareix, “La maîtrise et la conservation du corps vivant chez Descartes”, Methodos, 3
(janeiro de 2003), p. 161-194.
43 Esses diferentes obstáculos são repertoriados e analisados por Steno no Discours sur l’anatomie
du cerveau (1665, publicado em 1669), citado a partir da edição a partir de agora citada como
Discours: ed. e anotações de R. Andrault, Paris, Classiques Garnier, 2009.
44 Discours, 2009, p. 79-80. “Ceux qui cherchent une science solide ne trouveront rien qui les
puisse satisfaire dans tout ce que l’on a écrit du cerveau. Il est très certain que c’est le principal
organe de notre âme [...] [Cependant] il ne faut que voir disséquer la grande masse de matière qui
compose le cerveau pour avoir sujet de se plaindre de cette ignorance”.
45 Ver Steno, Elementorum Myologiae Specimen seu Musculi descriptio geometrica, Florentiae, ex typ.
sub signo Stellae, 1667, p. 64.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 125
47 Discours, p. 81-82. “Si la substance [blanche du cerveau] est partout fibreuse, comme en effet
elle le paraît en plusieurs endroits, il faut que vous m’avouiez que la disposition de ces fibres doit
être rangée avec un grand art, puisque toute la diversité de nos sentiments et de nos mouvements
en dépend. Nous admirons l’artifice des fibres dans chaque muscle ; combien les devons-nous
admirer davantage dans le cerveau où ces fibres renfermées dans un si petit espace font chacune
leur opération, sans confusion et sans désordre”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
126 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
48 Discours, p. 125-126. “Le cerveau est différent dans les différentes espèces d’animaux, ce qui
est une nouvelle raison de les examiner toutes ; le cerveau des oiseaux et des poissons est fort
différent de celui de l’homme, et dans les animaux qui l’ont le plus approchant du nôtre, je n’en
ai pas vu un seul où je n’ai trouvé quelque différence fort manifeste. Or cette différence, quelle
qu’elle puisse être, donne toujours quelque lumière aux recherches, elle nous peut apprendre ce
qui est absolument nécessaire. [...] Je ne m’étendrai ici davantage, parce que je suis persuadé que
tout le monde avouera sans difficulté que nous devons à la dissection des animaux presque toutes
les nouvelles découvertes de ce siècle ; et qu’il y a des parties qu’on n’aurait jamais reconnues dans
le cerveau de l’homme si l’on ne les avait remarquées dans celui des animaux”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 127
49 Para a manteiga, ver a carta 6, in Spinoza. Correspondance, op. cit., p. 71: “les particules de
beurre, lorsqu’elles nagent dans le lait, constituent une partie du liquide. Mais une fois que le
lait a acquis, du fait qu’on l’agite, un nouveau mouvement auquel toutes les parties composant
le lait ne peuvent s’accommoder uniformément, cela seul fait que certaines parties deviennent
plus lourdes, […] elles se couchent les unes sur les autres et adhèrent entre elles”. A composição
do corpo humano é descrita na série de postulados que se seguem da Ética II, prop. 13, escólio.
52 É essa especificidade, que encontramos também em Leibniz, que forma o fio condutor dos
capítulos VII e VIII de La vie selon la raison: cela os distingue de autores como Malebranche, mas
também como Locke, que defende a hipótese tácita de uma sede cerebral da sensação.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
128 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
Não nos cansaremos de refutar essas opiniões, pois, no que concerne as três
almas atribuídas às plantas, aos animais e aos homens, já demonstramos
suficientemente que elas são apenas ficções, já que mostramos que não há
nada na matéria além de montagens e operações mecânicas.54
53 Para essa compreensão da antropologia, ver especialmente Bartholin, Anatomia reformata, op.
cit., prooemium, p. 1.
54 Pensées métaphysiques, trad. Appuhn, Paris, Garnier Frères, 1964, p. 368. “Nous ne nous
fatiguerons guère à réfuter ces opinions ; car, pour ce qui concerne les trois âmes attribuées aux
plantes, aux animaux et aux hommes, nous avons assez démontré qu’elles ne sont que des fic-
tions, puisque nous avons fait voir qu’il n’y a rien dans la matière sinon des assemblages et des
opérations mécaniques”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 129
55 “[Quand théologiens et métaphysiciens] voient la structure [fabrica] du corps humain, ils sont
frappés d’un étonnement imbécile et, de ce qu’ils ignorent les causes d’un si bel arrangement,
concluent qu’il n’est point formé mécaniquement, mais par un art divin ou surnaturel, et en telle
façon qu’aucune partie ne nuise à l’autre. Et ainsi arrive-t-il que quiconque cherche les vraies
causes des prodiges et s’applique à connaître en savant les choses de la nature, au lieu de s’en
émerveiller comme un sot, est souvent tenu pour hérétique et impie et proclamé tel par ceux que
le vulgaire adore comme des interprètes de la Nature et des Dieux. Ils savent bien que détruire
l’ignorance, c’est détruire l’étonnement imbécile, c’est-à-dire leur unique moyen de raisonner et
de sauvegarder leur autorité”.
56 O que não necessariamente nos permite traçar uma linha de compartilhamento muito clara
com os animais que seriam próximos a nós. Sobre o problema da espécie humana em Spinoza, ver
J. Busse, Le problème de l’essence de l’homme chez Spinoza, Paris, Publications de la Sorbonne, 2009.
57 Sobre esse ponto, ver R. Andrault, “L’individuation des corps animés: le ‘rapport aux choses
extérieures’ dans les annotations leibniziennes à l’Éthique”, dans Spinoza/Leibniz: rencontres,
controverses, réception, op. cit., chap. X, p. 194-217, aqui, p. 212-3.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
130 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
58 Ver Fokke Akkerman, “La pénurie de mots de Spinoza”, Lire et traduire Spinoza. Travaux et
documents du Groupe de Recherches Spinozistes n°1, Paris, Presses Universitaires de Paris Sorbonne,
p. 9-37.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 131
de certa forma sem nome alguns elementos que, no entanto, são perfeitamente
conhecidos. Steno ressalta o que a terminologia anatômica da época tem de
metafórico, de desvalorizador e de impreciso – por exemplo, chama-se de “nates
[nádegas]” e “testes [testículos]” as partes do cérebro que Steno propõe chamar
de tubérculos do terceiro e segundo pares (os colliculi da área tectal). Cientifica-
mente, o que está em jogo aí é importante, pois esse tipo de denominação induz
erros morfológicos (erros na forma precisa dessas partes), cartográficos (erros na
articulação dessas partes entre si e com o resto do cérebro) e funcionais (neste
caso, acreditar que a função dessas partes é a secreção dos “excrementos” do cé-
rebro). Contudo, tal reforma taxonômica, caso defendida, pode contribuir para
tornar difícil, por um tempo, fazer alusões aos detalhes da anatomia humana ou
animal, mesmo quando essas alusões são, em seu conteúdo, consideradas como
consensuais e em conformidade com a experiência.
De qualquer forma, essa especificidade tem efeitos históricos bastante es-
petaculares na medida em que ela não está associada a um estado de conheci-
mento anatômico que, por definição, em breve será obsoleto (ou pelo menos,
que pode parecer sê-lo). A teoria spinozista das paixões pode para ser recu-
sada, reutilizada e citada a nosso bel prazer durante os três séculos e alguns
anos que nos separam dela. O fisiologista Johannes Müller, por exemplo, cita
na íntegra a terceira parte da Ética em seu Manual de fisiologia (1833-1840)59,
e observa: “No que concerne às relações estáticas [paixões], não creio que
eu possa fazer melhor do que citar textualmente a excelente exposição que
Spinoza fez sobre elas. Observarei apenas que essa estática só expressa uma
lei necessária na medida em que supomos que o homem esteja inteiramente
sujeito ao império das paixões, e que a razão venha trazer modificações”.60
60 Manuel de physiologie, Paris, Baillière, 1851; traduzido por A.-J. -L. Jourdan, p. 526 (citado em
La vie selon la raison, p. 365). “Pour ce qui concerne les rapports statiques [des passions], je ne crois
pas pouvoir mieux faire que de citer textuellement l’excellente exposition qu’en a faite Spinoza. Je
ferai seulement remarquer que cette statique n’exprime une loi nécessaire qu’en tant qu’on suppose
l’homme soumis en entier à l’empire des passions, et que la raison y apporte des modifications”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
132 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 133
64 Ele não o diz precisamente, mas podemos imaginar um pianista, um organista e um cantor
reagir de forma diferente à leitura de uma mesma nota de música.
65 Ibid. “Cet intermédiaire qui est le mien entre les sens et les nerfs du mouvement, percevant et
déterminant le mouvement, ne peut pas être étendu”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
134 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
considerando esta apenas como corporal”, não pode fazer tudo; que certas
sequências de ações corporais permanecem inexplicáveis se os termos da ex-
plicação forem exclusivamente corporais. Claro, podemos responder a Steno
que sua conclusão é válida apenas porque ele concebe corpos como fluidos
ou sólidos extensos que transmitem suas modificações através de choques
visualizáveis, isto é, impulsos mecânicos simples – ou seja, porque Steno tem
uma ideia redutora do corpo, ou porque sua imaginação é limitada demais.
Ainda assim, ele tem uma ideia mecânica e analítica do composto do corpo
que responde, pelo menos parcialmente, à ideia que tem Spinoza. Pode-se
sempre dizer que Spinoza deixou aberta a possibilidade de um novo desen-
volvimento, não apenas na anatomia, mas também na física. Talvez esse seja o
caso, mas então devemos entender em termos de uma expectativa heurística
mais ou menos ampla os caminhos divergentes de Steno e Spinoza sobre o
que pode ou não pode o corpo, sobre a distância entre o que podemos, o que
poderemos e o que nunca poderemos explicar levando em conta apenas as leis
da natureza corporal.
Se Spinoza enfatiza tudo o que a ciência do corpo ainda não explica, é para
melhor mostrar que idealmente ela deveria ser capaz de explicar tudo, que
nada corpóreo escapa, por definição, ao seu campo de explicação. Da mesma
forma, nada corpóreo é subtraído das leis que enquadram as modificações
do corpo: um corpo não pode fazer qualquer coisa; suas modificações são
regidas por leis; ele não é uma fonte constante de inovações que escapariam
de qualquer abordagem científica e, ainda mais, a qualquer concepção ana-
lítica do corpo. Steno também enfatiza o que escapa ao nosso conhecimento
anatômico ao se esforçar de minimizar essa ignorância: também ele acha que
essa ignorância não tem nada de fatalidade e que podemos e devemos reduzi-
-la. No entanto, ao contrário de Spinoza, ele duvida que um dia a ciência dos
corpos fosse capaz de explicar todas as ações corporais.
Por que procurar determinar o significado dos textos Spinozistas em seu con-
texto imediato? Várias respostas podem ser propostas, mas talvez elas não
satisfaçam aqueles que, desde o início, estão convencidos de que o interesse
de uma leitura contextual e historicizada de Spinoza permanece marginal.
A minima, o contexto permite que apreendamos concretamente os signi-
ficados que a terminologia latina de Spinoza divide em um campo de repre-
sentações, experiências e doutrinas historicamente determinadas e plurais. O
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 135
66 Por exemplo, a que vê no uso da palavra fabrica por Spinoza uma originalidade reveladora de
sua compreensão própria da relação entre arte e natureza.
67 Por exemplo, Bayle, Dictionnaire historique et critique, 1740 (17021), “Rorarius”, remarque L, §
3, ed. A. McKenna & Gianluca Mori, Paris, Classiques Garnier Numérique, 2015, p. 1996.
68 Carta 32, in Spinoza. Correspondance, op. cit., p. 208: “Figurons-nous à présent, si vous voulez
bien, un ver vivant dans le sang. Il pourrait discerner par la vue les particules du sang, de la
lymphe […] Ce ver vivrait assurément dans le sang comme nous dans cette partie de l’Univers, et
c’est comme un tout, non comme une partie, qu’il considérerait chaque particule du sang”. Ver
também nosso comentário em La vie selon la raison, p. 65.
69 Para dar uma ideia do impacto do microscópio, ver especialmente a Pierre Borel, Henry Power
e Cyrano de Bergerac (por exemplo, em “Leibniz et la connaissance du vivant”, in Leibniz. Lectures
et commentaires, ed. C. Leduc, M. Lærke, D. Rabouin, Paris, Vrin, 2017, p. 173-175).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
136 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
Referências bibliográficas
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 137
ANDRAULT, R. Human Brain and Human Mind. The Discourse on the Anatomy of the
Brain and Its Philosophical Reception. In: ANDRAULT, R.; LÆRKE, M. (eds). Steno
and the Philosophers. Leiden: Brill, 2018, p. 87-112.
______. Leibniz et la connaissance du vivant. In: LEDUC, C.; LÆRKE, M.; RABOUIN,
D. (eds.), Leibniz. Lectures et commentaires. Paris: Vrin, 2017, p. 171-190.
______. Anatomy, Mechanism and Anthropology: Nicolas Steno’s Reading of L’Homme.
In: ANTOINE-MAHUT, D.; GAUKROGER, S. (eds.). Descartes’ Treatise on Man and its
Reception. Cham, Switzerland: Springer, 2016, p. 175-192.
______. L’individuation des corps animés: le ‘rapport aux choses extérieures’ dans les
annotations leibniziennes à l’Éthique. In: ANDRAULT, R.; LÆRKE, M.; MOREAU, P.-F.
(dir.). Spinoza/Leibniz: rencontres, controverses, réception. Paris: PUPS, 2014, chap. X, p.
194-217.
______. La vie selon la raison. Physiologie et métaphysique chez Spinoza et Leibniz.
Paris: Honoré Champion, 2014.
______. Mathématiser l’anatomie: la myologie de Stensen, Early Science and Medicine,
vol. 15, n° 4-5, 2010, p. 505-536.
ANDRETTA, E.; MANDRESSI, R. “Médecine et médecins dans l’économie des savoirs
de l’Europe moderne (1500-1650)”, Histoire, médecine et santé. Revue d’histoire sociale
et culturelle de la médecine, de la santé et du corps. Toulouse: Éditions Méridiennes,
n° 11 (été 2017), p. 9-18.
ANTOINE, D. L’homme cartésien. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2009.
BARTHOLIN, T. Anatome ex omnium Veterum Recentiorumque Observationibus imprimis
Institutionibus b.m. parentis Caspari Bartholini, ad Circulationem Harvejenam et Vasa
Lymphatica, Quartum Renovata. Cum Iconibus novis & Indicibus. Leyde: ex Officina
Hackiana, 1673.
______. Anatomia, ex Caspari Bartholini parentis Institutionibus, omniumque recentiorum
propriis observationibus, tertium ad sanguinis circulationem reformata. Cum iconibus
novis accuratissimi. Leyde: F. Hackium, 1651.
BAYLE, P. Dictionnaire historique et critique, 1740 (1721), ed. A. McKenna & Gianluca
Mori. Paris: Classiques Garnier Numérique, 2015.
BUSSE, J. Le problème de l’essence de l’homme chez Spinoza. Paris: Publications de la
Sorbonne, 2009.
CATALOGUS van de Bibliotheek der Vereniging het Spinozahuis te Rijnsburg. Leiden:
E. J. Brill, 1965.
CHAREIX, F. La maîtrise et la conservation du corps vivant chez Descartes, Methodos,
3 | 2003, p. 161-194. DOI : http://dx.doi.org/10.4000/methodos.112.
______. Le bal des pendules: Spinoza et Leibniz face à la mécanique théorique de
Huygens. In: ANDRAULT, R.; LÆRKE, M.; MOREAU, P.-F. (eds.). Spinoza/Leibniz:
rencontres, controverses, réception. Paris: PUPS, 2014, p. 245-267.
CUNNINGHAM, A. The pen and the sword: recovering the disciplinary identity
of physiology and anatomy before 1800. II : Old Anatomy – the Sword, Studies in
History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 34 (Mar. 2003), p. 51-76.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
138 Raphaële Andrault . tradução de Pedro H. G. Muniz
______. The pen and the sword: recovering the disciplinary identity of physiology and
anatomy before 1800. I: Old Physiology – the Pen, Studies in History and Philosophy of
Biological and Biomedical Sciences, 33 (Dec. 2002), p. 631-665.
DUVERNEY, J.-G. Œuvres anatomiques. Paris: C.-A. Jombert, 1761.
FOISNEAU, L. (ed.). Dictionnaire des philosophes français du XVIIe siècle. Paris:
Classiques Garnier, 2015.
FOREST, D. Neuroscepticisme. Paris, France: Editions d’Ithaque, 2014.
FRENCH, R. William’s Harvey Natural Philosophy. Cambridge: Cambridge University
Press, 1994.
HAMOU, Ph. La mutation du visible 2. Microscopes et télescopes en Angleterre de
Bacon à Hooke. Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2001.
HOOKE, R. Micrographia. London: Martyn and Allestry, 1665.
HUISMAN, T. The finger of God. Anatomical Pratice in 17th-Century Leiden, Doctoral
Thesis, Leiden University, 2008-05-08.
Journal des sçavans, Amsterdam, Pierre le Grand, 1685.
LIBERA, A. de. Le sens commun au XIIIe siècle. De Jean de La Rochelle à Albert le
Grand, Revue de métaphysique et de morale, 1991, n° 4, p. 475-496.
MOREAU, P.-F. Problèmes du spinozisme. Paris: Vrin, 2006.
MÜLLER, P. J. Manuel de physiologie. Paris: Baillière, 1851.
OLDEN-JØRGENSEN, S. Jesuits, Women, Money or Natural Theology? Nicolas
Steno’s Conversion to Catholicism in 1667. In: ANDRAULT, R.; LÆRKE, M. (eds.).
Steno and the Philosophers. Leiden: Brill, 2018.
ROUX, S. La philosophie mécanique de Boyle. In SALEM, J. (ed.), L’atomisme aux
XVIIe et XVIIIe siècles. Paris: Publications de la Sorbonne, 1999, p. 119-133.
SPINOZA, B. Spinoza. Correspondance. Ed. e trad. M. Rovere. Paris: Flammarion,
2010.
______. Œuvres. Trad. Ch. Appuhn [Paris, 1906], Paris, Garnier Frères, 1964-1966.
______.
______. Spinoza Opera. Ed. C. Gebhardt. Heidelberg: Carl Winter, 1925.
SPRUIT, L.; TOTARO, P. (ed.). The Vatican Manuscript of Spinoza’s Ethica. Leiden: Brill
2011.
STENO, N. [STÉNON, N. / STEENSEN, N.], Discours sur l’anatomie du cerveau, ed. R.
Andrault. Paris: Classiques Garnier, 2009.
______.Epistolae. Et epistolae ad eum datae, quas cum proemio ac notis Germanice
scriptis. Ed. G. Scherz. Copenhague: Nyt Nordisk Forlag A. Busck, 1952, vol. 1.
______. De solido intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus. Florentiae:
ex Typographia sub signo Stellae, 1669.
______.Elementorum Myologiae Specimen seu Musculi descriptio geometrica, Florentiae:
ex typ. sub signo Stellae, 1667.
TOLMER, L. Pierre-Daniel Huet, humaniste-physicien. Bayeux: Colas, 1949
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
O que pode o corpo? Spinoza, na cabeceira dos esfolados 139
TOTARO, P. Ho certi amici in Ollandia: Stensen and Spinoza. In: KERMIT, H.;
SKYTTE, G. (eds.). Niccolo Stenone (1638-1686): anatomista, geologo, vescovo, Roma,
2002, p. 27-38.
WALEUS, J. Epistola prima de motu chyli et sanguinis ad Thomam Bartholinum,
Casp. Filium & Altera Epistola de motu sanguinis ad eundem. In: BARTHOLIN, T.
Anatomia ex Caspari Bartholini parentis Institutionibus, omniumque recentiorum propriis
observationibus, tertium ad sanguinis circulationem reformata. Leyde: ex Officina
Hackiana, 1651.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.107-139, jul.-dez. 2017
tradução de Pedro H. G. Muniz
Delphine Antoine-Mahut*
Resumo
A história da filosofia é geralmente identificada com um estudo internalista e
contextualista dos textos. Às vezes, incluímos também a historiografia; isso é então
um primeiro passo para entender que vários cenários do mesmo texto são possíveis
e por que eles são. O objetivo desta contribuição é abrir as perspectivas ainda mais
amplamente. Propõe incluir na história da filosofia as histórias de suas recepções e
atualizações, a fim de lançar as bases de uma teoria das possíveis histórias. A figura
de Descartes é um caso paradigmático para testar essa teoria. Ao explorar os avanços
metodológicos das ciências sociais, da história intelectual ou até mesmo da filosofia
analítica, essa história da filosofia revivida revela todo o seu potencial filosófico.
Abstract
The history of philosophy is generally identified with an internalist and contextualist
study of philosophical texts. Sometimes historiography is included; in that case, a first
step is made to understand that several scenarios of the same text are possible, and
why. The aim of this contribution is to open windows even more widely. It suggests
including in the history of philosophy the history of its receptions and actualizations,
in order to lay the foundations of a theory of possible histories. The figure of Descartes
is a paradigmatic case to test this theory. By taking advantage of the methodological
advances of the social sciences, intellectual history or even analytic philosophy, this
history of revived philosophy thus reveals all its philosophical potential.
* Delphine Antoine-Mahut é professora da École Normale Supérieure (ENS) de Lyon. E-mail: dam8@gmx.fr.
Pedro Muniz é doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
E-mail: phgmuniz@gmail.com.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
142 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
2 As contribuições mais recentes sobre este ponto podem ser encontradas no volume coletivo
que eu codirigi com Samuel Lézé, Les Classiques à l’épreuve. Actualité de l’histoire de la philosophie,
Paris, Editions des Archives Contemporaines, 2017. Esse volume reúne apenas os capítulos dos
alunos do seminário que co-dirigimos na ENS de Lyon sobre “A atualidade dos Clássicos”. Trata-se
de um testemunho muito rico de seu compromisso e, às vezes, de sua iniciativa, no trabalho de
reflexividade coletiva que tentamos realizar em nossas práticas e nossos objetos.
3 Quine, citado em Alasdait MacIntyre, “The Relashionship of Philosophy to its Past”, in Philosophy
in History, ed. Richard Rorty, J-B. Schneewind & Quentin Skinner, Cambridge: CUP, 1984, p. 39-40.
4 Para dar apenas dois exemplos: 1 / a oposição, no século XIX, entre, por um lado, uma forma
de eclecticismo que se resolvia em um sincretismo impessoal, na época identificado com a história
da filosofia e por outro, o que poderia ou deveria ser uma verdadeira filosofia pessoal e engajada;
2 / o debate que caracterizou os anos oitenta do século XX na América do Norte e que depois se
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 143
(i) Quando os textos de um filósofo são pensados como uma “obra”, o(a)
historiador(a) da filosofia analisa relações entre as diferentes partes dessa
obra dentro de um “sistema” cuja coerência precisa ser trazida à luz, sendo
isso feito ao serviço do pensamento do autor em questão. Procuramos então
o significado que o autor desejava conferir ao seu próprio raciocínio (e o qual
o comentador se encarrega de identificar ou mesmo de reconstruir), ou o
sentido que ele lhe atribuiu de maneira explícita (às vezes em uma explicação
posterior, depois de uma polêmica, por exemplo). Um dos resultados mais
magistrais da implementação de tal método poderia ser a “ordem das razões”
cartesiana de Martial Gueroult5.
(ii) Às vezes um raciocínio genético é enxertado nessa perspectiva inter-
nalista. A atenção é então focada nos diferentes estratos de escrita e na inter-
pretação das eventuais evoluções conceituais, que nem sempre são fáceis de
distinguir de modificações que tratam unicamente de estratégias retóricas
diferentes. Tal método foi, por exemplo, implementado por André Robinet
para Malebranche ou por Michel Fichant no que diz respeito a Leibniz.
(iii) As palavras-chave aqui são: “rigor”, “coerência”, “objetividade” e
“cientificidade” (através do recurso à filologia, por exemplo), “autonomia” ou
“autos-suficiência” do texto, respeito das “intenções” ou dos “motivos” do au-
tor (podendo a esse respeito promover valores éticos da pesquisa, como a
“fidelidade” ao texto), etc.
perpetuou, através de diferentes mutações, como a filosofia analítica e a história da filosofia (“ana-
cronismo” e “antiquarianismo”, para retomar as duas principais etiquetas forjadas pelo adversário).
Hoje esses debates se renovam e, na minha opinião, são enriquecidos com o desenvolvimento das
histórias intelectuais e culturais. Sobre Descartes, darei como exemplos as duas obras de François
Azouvi, Descartes et la France. Histoire d’une passion nationale, Paris, Arthème-Fayard, 2002 e de
Stéphane Vandamme, Descartes, Paris, Presses de Sciences Po, 2002. E sobre Spinoza, o trabalho
de Jonathan Israël, Les Lumières radicales. La philosophie, Spinoza et la naissance de la modernité
(1650-1750). Traduzido do inglês para o francês (2001) por Pauline Hugues, Charlotte Nordmann
e Jérôme Rosanvallon. Editions d’Amsterdam, 2005.
5 Martial Gueroult, Descartes selon l’ordre des raisons. Paris, Aubier, 1953, 2 vol.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
144 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
6 Esta é a expressão utilizada por Dan Garber em sua discussão dos trabalhos de Jonathan Ben-
nett sobre Spinoza. Cf. especialmente “Au-delà des arguments des philosophes”, in Y-C. Zarka,
Comment écrire l’histoire de la philosophie?, Paris, PUF Quadrige, 2001, p. 231-245; D. Garber,
“Does History Have a Future? Some Reflections on Bennett and Doing Philosophy Historically”,
Jonathan Rée, “History, Philosophy and Interpretation. Some Reactions to J. Bennett’s Study of
Spinoza’s Ethics”, e J. Bennett, “Response to Garber and Rée”, in Doing Philosophy Historically, ed.
Peter H. Hare, Buffalo, Pergamon Press, Prometheus Books, 1988, p. 27-69.
7 Segundo a expressão de P.-F. Moreau em “Spinoza est-il spinoziste?”, in Qu’est-ce que les lumières
radicales? Libertinage, athéisme et spinozisme dans le tournant de l’âge classique, ed.: Catherine Secré-
tan, Tristan Dagron e Laurent Bove, Paris, Editions Amsterdam, 2007, p. 289-298. Esta contribui-
ção é uma discussão da categoria de “spinozismo” empregada por Jonathan Israël.
8 Penso especialmente no trabalho de Jean-Pierre Cavaillé, em “L’art d’écrire des philosophes.” Critique
631, dezembro de 1999, p. 959-980. Repr. em Les Déniaisés – Irréligion et libertinage au début de l’époque
moderne. Paris, Garnier, 2014 e em “Libertinage et dissimulation, quelques éléments de réflexion.” Liberti-
nage et Philosophie au XVIIe siècle 5, 2001, p. 57-82. No que concerne Descartes, cf. também Fermand Hal-
lyn, Descartes. Dissimulation et ironie. Genève, Droz, 2006. Estes trabalhos apresentam, entre outras coisas,
o interesse de se posicionar em relação à obra fundadora de Leo Strauss, La persécution et l’art d’écrire, trad.
francesa, Paris, Press Pocket, 1989 (primeira publicação em inglês em 1949).
9 Em geral esse contextualismo é citado nos trabalhos de Skinner. No entanto, o contexto deste
último é o do discurso, e não dos fatos e das circunstâncias.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 145
10 Isso implica outra ampliação decisiva: o do significado do que chamamos de “texto”. Cf. es-
pecialmente Quentin Skinner, La vérité et l’historien, Paris, Editions de l’EHESS, p. 41: “Il existe
toutes sortes d’historiens, qui étudient des choses diverses et variées. Je souhaite toutefois limi-
ter ici mon propos aux historiens qui, comme moi, font de l’histoire des idées et de la culture.
Il me semble juste de dire que ce que nous étudions principalement, ce sont des textes. Je n’en-
tends pas par là simplement des textes au sens évident où des romans – ou des journaux, des
comptes-rendus d’audience, des dicours au Parlement ou des traités philosophiques – sont des
textes. Je m’intéresse aussi à l’acception plus large selon laquelle des tableaux, des édifices et des
actions sociales peuvent également être interprétés comme des textes” (estas são as primeiras
palavras de sua conferência inaugural enquanto Barber Beaumont Professor of the Humanities,
em Queen Mary, universidade de Londres, no dia 2 de junho de 2010).
11 Organizado por Michael Ayers e Daniel Garber. A obra foi publicada em 1998. Tratava-se, se-
gundo os termos da introdução, de “turn upside down the history of philosophy”, para propor
“a new paradigm”, incluindo um novo paradigma para o ensino. A Cambridge University Press
também acolheu duas coleções prestigiosas co-organizadas por Quentin Skinner: “Ideas in Con-
text” e “Cambridge Texts in the History of Political Thought”. Esta última também reúne tanto
os grandes textos históricos da tradição (como o Léviathan de Hobbes, com uma introdução de
Richard Tuck) quanto escritos ocasionais de autores menos conhecidos (como os panfletos da
revolta holandesa do fim do século XVI, com uma introdução de Martin Van Gelderen).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
146 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
não apenas no espaço social. Obras como as de Roger Ariew sobre as relações
entre o cartesianismo e a escolástica ou as de Bohatec sobre Spinoza e a esco-
lástica14 constituem ilustrações férteis desse tipo de trabalho.
(iv) As palavras-chave aqui são as de “contexto” (muitas vezes sócio-po-
lítico, mas não unicamente: interessa-nos também suas dimensões estética,
científica...), de “redes de sociabilidade erudita”, de “agôn” (designamos com
isso a estrutura eminentemente polêmica e interlocutória de todos os textos
filosóficos, a qual, por sua vez, torna-se um suporte para a discussão em um
sentido agonístico), etc.
(v) Mas existe aí também uma contrapartida: assim como podemos proble-
matizar o ontologismo espontâneo do(a) historiador(a) da filosofia, podemos
questionar a possibilidade de se descontextualizar de seu próprio presente e
de suas próprias crenças para (re)contextualizar os textos do passado. Essa
objeção é apenas uma reformulação invertida da objeção de anacronismo fei-
ta pelos(as) historiadores(as) da filosofia àqueles(as) que “instrumentalizam”
“seus” autores e os consideram como caixas de argumento. Nos dois casos, o
problema seria o choque de dois momentos históricos distintos. E esse seria
um problema na exata medida em que não veríamos, ou pior, negaríamos
essa diferença entre as situações históricas ou as épocas.
(vi) Outra forma de criticar o contextualismo consiste a conduzi-lo até
suas últimas consequências, a fim de mostrar que é precisamente aí que se
esgota a dimensão filosófica da história da filosofia. Assim, na lógica de deter-
minada história cultural15, o texto pode ser totalmente dissolvido no contexto.
E então não resta nada mais do que interações, sem o suporte, as relações, o
ser, a história, a verdade ou a eventual perenidade dos argumentos.
Um caminho complementar aos dois anteriores, e uma forma de inte-
grar as críticas das teorias da dissimulação e da história intelectual, consiste
em propor que a vitalidade ou o poder de uma filosofia seja medida pela
variedade das explorações efetivas de suas potencialidades16.
14 Roger Ariew, Descartes and the Last Scolastics, Ithaca-London, 1999 e Descartes and the First Car-
tesians, Oxford, Oxford University Press, 2014. Para discussões dos resultados da obra (já antiga) de
Bohatec, cf. Spinoza en de skolastiek, Gunther Coppens (red)., Acco Leuven/Leusden, 2003.
15 Sobre Spinoza, poderíamos dar como exemplo os trabalhos de Stanislaus von Dunin
Borkowski. Para uma avaliação global, cf. Joseph Dropp, “Stanislaus Von Dunin Borkowski, Spi-
noza. Bd. II. Aus den Tagen Spinozas. Geschehnisse, Gestalten, Gedankenwelt. Erster Teil. Das
Entscheidungsjahr 1657”. Revue néo-scolastique de philosophie, 1934 Vol. 37, N. 44, p. 409-412.
16 Até onde sei, um dos primeiros historiadores da filosofia a tematizar essa ideia é Paul Ver-
nière, em Spinoza et la pensée française avant la Révolution. Le dix-septimère siècle (1663-1735). Le
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 147
dix-huitième siècle (primeira publicação em 1954), Genève, Slatkine Reprints, 2012, 2 vol. Para
um esclarecimento metodológico integrando os resultados de Vernière, cf. Pierre-François Mo-
reau, Problèmes du spinozisme, Paris, Vrin, 2006, Introdução.
18 Deixo de lado a eventual especificidade da atualização para me ater a essa declaração simples
segundo a qual toda recepção, toda leitura é uma atualização, para então me concentrar aqui no
que os dois raciocínios têm em comum.
19 Para um estudo historiográfico esclarecedor dos usos do termo “sistema de filosofia”, cf. Leo
Catana, The historiographical concept of “system of philosophy”. Its origin, nature, influence and legiti-
macy. Brill’s Studies in Intellectual History, vol. 165, Leiden-Boston, 2008.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
148 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
20 17 Sobre esse ponto, cf. Delphine Antoine-Mahut, “Le paradoxe des conséquences. Malebran-
che radicalisé”, La Lettre Clandestine, n° 25, julho de 2017, p. 181-200.
21 O primeiro trabalho coletivo de envergadura sobre os Princípios de filosofia data de 1994. Ele
foi publicado em 1996 por Jean-Robert Armogathe e Giulia Belgioioso em Descartes: Principia phi-
losophiae (1644-1994) Vivarium, Napoli. Quando o texto dos Princípios foi proposto no programa
da prova oral da agrégation em 1995, ele o foi apenas pelas partes I e II. E até hoje não possuímos
nenhuma edição completa de bolso em francês dos Princípios.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 149
22 Sobre as diferentes estratégias de Clerselier, La Forge e Schuyl e, de forma mais geral, sobre
as histórias possíveis de L’Homme, cf. Delphine Antoine-Mahut, “The Story of Man”, in Descartes’s
Treatise on Man and its Reception, ed. Delphine Antoine-Mahut & Stephen Gaukroger, Springer,
2017, p. 1-30.
24 É essa relação que serve como fio condutor em Descartes radical (op.cit.).
25 Não se trata aqui de retomar o princípio de simetria teorizado por David Bloor para propor
o que seria uma “contra-história” do cartesianismo. Meu objetivo é, antes, problematizar a rela-
tividade de uma forma de pensar, fazendo isso através de um retorno à história e se remetendo
unicamente ao que o autor em questão poderia ele próprio ter dito, a fim de apreciar os períme-
tros de um “ismo”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
150 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
26 Cf . em especial Desmond Clarke, Descartes’s Theory of Mind. Oxford: Oxford University Press,
1992 e “The Physics and Metaphysics of the Mind: Descartes and Regiu”, in Mind, Method, and
Morality: Essays in Honour of Anthony Kenny, ed. John Cottingham & Peter Hacker, Oxford: Oxford
University Press, 2010, p. 187-207.
27 Sobre este ponto, cf. D. Antoine-Mahut, “Reintroducing Descartes in the History of Mate-
rialism. The Effects of the Descartes/Hobbes debate on the First Reception of Cartesianism”, in
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 151
para todas as nossas ideias. La Forge recebe esses diferentes textos e seus dife-
rentes estratos no momento em que Clerselier tenta dar ao público a “obra” de
Descartes, e no momento em que ela é colocada no index, donec corrigantur28,
especialmente devido à identificação da matéria com a extensão e, portanto,
devido ao seu potencial materialista (combinação dos níveis 2 e 3).
Tendo sido posto tal cenário, é preciso retornar à primeira observação
de La Forge em sua introdução. Um cartesiano “escrupuloso”, enfatiza ele,
poderia se surpreender ao não encontrar nessa obra a definição material da
ideia que ele espera29. Esta é a primeira correção decisiva de nossas lentes
contemporâneas. Descartes não é mais primeiramente, ou pior, não é mais
somente o promotor de uma filosofia do sujeito espiritualista. Ele é o teó-
rico (e o receptor) de determinada concepção material da ideia através da
qual ele é, por sua vez, identificado por outros receptores (essencialmente
médicos, segundo o que escreveu La Forge). O segundo procedimento de
La Forge consiste em distinguir entre o sentido material e o sentido psicoló-
gico da ideia, a fim de se livrar do que ele identifica como sendo equívocos,
explicando que a partir de então o termo “ideia” será reservado ao segundo
sentido (o sentido psicológico).
Mas ao fazer isso, La Forge reabre todas as possibilidades que o texto pú-
blico de Descartes havia fechado. Ele reinsere L’Homme em uma posição espe-
cífica dentro de um conjunto de textos no qual as Meditações só podem fazer
sentido se articuladas com os outros, e o qual Descartes não havia considerado
oportuno divulgar. Assim, La Forge legitima as explorações posteriores dessas
Cartesian Mind and Nature. Essays on honor of Desmond Clarke. Stephen Gaukroger & Catherine
Wilson eds, New-York, OUP, 2017.
28 Sobre este ponto, e para um retorno aos termos precisos da inclusão no index, cf. R. Ariew.
Descartes’ Meditations. Background Sources and Materials.
29 “Encore que dans les écrits de M. Descartes le nom d’Idée soit aussi bien donné aux espèces
corporelles, c’est-à-dire aux impressions des objets sur les sens, auxquelles les pensées de l’esprit
sont attachées, comme aux idées qui appartiennent particulièrement à l’esprit, et qui sont les
formes de ses pensées, néanmoins (…) dans tout ce Traité, pour éviter la confusion et l’équivoque,
je ne prends jamais le nom d’idée que dans ce dernier sens, et j’appelle les autres idées du nom
d’espèces corporelles. Cela étant supposé, nous définissons avec M. Descartes les idées ou notions
spirituelles, cette forme de chacune de nos pensées par la perception immédiate de laquelle nous
avons connaissance de ces mêmes pensées, en telle sorte que nous ne pouvons rien exprimer par
paroles, lorsque nous entendons ce que nous disons, que de cela même il ne soit évident que nous
avons en nous l’idée de la chose signifiée par nos paroles, et nous appelons espèces corporelles,
l’impression que fait l’objet intérieur ou extérieur sur nos sens intérieurs ou extérieurs (à laquelle
la pensée ou le sentiment que nous avons à son occasion est attachée)” (La Forge, Oeuvres philo-
sophiques. Avec une étudi bio-bibliographique. Edição anotada e apresentada por Pierre Clair, Paris,
PUF, 1974, Cap. X, p. 15).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
152 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
tendências, tanto de uma quanto da outra, mesmo que eles sejam contrárias
ou contraditórias entre si, porque elas coabitam ou são compossíveis na obra
que Descartes concebe como um todo. Além disso, estrategicamente, La For-
ge cria para si um meio de responder, em um contexto que não é mais o de
Descartes, às objeções de materialismo ou dos materialistas que são feitas
contra este último. Assim, poderemos defender o equilíbrio e hierarquização
propriamente cartesiana entre a ideia no sentido psicológico e a ideia material,
contra os materialistas ou contra as acusações de materialismo formuladas
contra Descartes. E poderemos igualmente discutir passo a passo a concep-
ção material da ideia de seus próprios adversários, o que Descartes havia se
recusado a fazer com Hobbes. Os dois procedimentos são complementares
para La Forge. Além disso, esta recepção indica implicitamente que é porque
Descartes não reservou um tempo para (ou não se preocupou com) realmente
dar uma resposta a Hobbes, que em outro contexto outra pessoa deve fazer
isso por ele, e se possível em seu nome.
Podemos agora voltar à questão de François Azouvi: como determinar o
conjunto das recepções/atualizações pelas quais Descartes não é nem total-
mente responsável nem totalmente inocente?
30 Para Desmond Clarke, ver a nota 26. Para Theo Verbeek, cf. principalmente Descartes and the
Dutch. Early Reactions to Cartesian Philosophy. 1637-1650. Carbondale, Southern Illinois University
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 153
deles, Destutt de Tracy, em seu artigo “Sur les lettres de Descartes”, Renouvier,
em seu Manuel de philosophie moderne, ou Marx, em A Sagrada Família31. Além
disso, podemos interrogar novamente as relações familiares entre os filósofos,
aproximando, por exemplo, Locke e Malebranche32, portanto energizando e
complexificando uma concepção da história da filosofia compreendida como
um simples cara a cara entre Deuses e Gigantes33.
(ii) Uma teoria das histórias possíveis implica que renovemos a questão
das “intenções” através dos efeitos produzidos pelas potencialidades do(s)
texto(s). Trata-se, portanto, de des-psicologizar ou até mesmo desmoralizar
a história da filosofia, liberando-se em especial da exigência de “fidelidade
a qualquer preço” e da consequente propensão a denunciar como “falsa” ou
“ruim” qualquer leitura que derrogue o que é identificado como sendo a “in-
tenção” do autor. Assim, o ganho teórico imediato deste método é a revelação
de novos objetos para o(a) historiador(a) da filosofia: um conjunto variado de
recepções efetivas e eventualmente “contrárias” a essas “intenções”. Mas, en-
tão, como explicar que o autor não é inteiramente inocente disso? Em outras
palavras, como conservar a relação com o texto original?
Press, 1992, p. 13-32 (“The Utrecht Crisis”); (ed.) Descartes and Regius. Autour de l’explication de
l’esprit humain. Amsterdam, Rodolpi, 1993 e “Regius’s Fundamenta physices”, Journal of the History
of Ideas 55, 533-551. Para Erik-Jan Bos, ver The Correspondence between Descartes and Henricus
Regius. Utrecht, the Leiden-Utrecht Institute of Philosophy, 2002 e “Henricus Regius et les limites
de la philosophie cartésienne », in D. Kolesnik-Antoine (Antoine-Mahut), Qu’est-ce qu’être carté-
sien ? Lyon, ENS Editions, p. 53-68. Para Tad Schmaltz, cf. Early Modern Cartesianism. Dutch and
French Constructions. Oxford, Oxford University Press, 2016, especialmente as páginas 239 a 259.
31 Para Destutt de Tracy, ver “Sur les lettres de Descartes”, 1º de junho de 1806, in Josiane Bou-
lad-Ayoub, ed., La Décade comme système, vol. I, L’Encyclopédie vivante, Rennes, PUR, 2003, p. 411-
417. Destutt apresenta Regius como tendo trazido o verdadeiro núcleo da nova metafísica, reins-
creve-o assim em uma linhagem que vai até Locke e os Ideólogos. Em seu Manuel de philosophie
moderne (Paris, Paulin, 1842), Renouvier exibe, para fins críticos, a filiação médico-materialista
que une Regius, La Mettrie e Cabanis. É essa passagem que é retomada por Marx e Engels em A
Sagrada Família (1844), com um juízo apreciativo bem diferente. A ligação entre os dois textos foi
evidenciada e estudada por Olivier. R. Bloch em “Marx, Renouvier et l’histoire du matérialisme”,
in Matière à histoire, Paris, Vrin, 1997, p. 384-441. Volto a questão de outro modo, isto é, para
pensar um cartesianismo empírico por si mesmo, em Descartes radical, op.cit.
32 Cf. a minha contribuição “Is the History of Philosophy a Family Affair? The examples of Locke
and Malebranche in the Cousinian School”, in Philosophy and its History. New Essays on the Methods
and Aims of Research in the History of Philosophy. Dir. Eric Schliesser, Justin Smith et Mogens Laerke,
New-York, Oxford University Press, 2013, p. 159-177.
33 Cf. a minha contribuição “L’historien des idées au travail: un corps à corps avec des Dieux et
des Géants?”, in Liberté de conscience et arts de penser (XVIe-XVIIIe siècles). Mélanges en l’honneur
d’Antony Mc Kenna. Dir. Christelle Bahier-Porte, Pierre-François Moreau et Delphine Reguig. Pa-
ris, Champion, 2017.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
154 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
34 Este é o assunto do meu artigo “Le paradoxe des conséquences. Malebranche radicalisé”, op. cit.
35 Cf. meu verbete “Malebranche” no Dictionnaire des anti-Lumières et des anti-philosophes. France,
1715-1815, dir. Didier Masseau, Paris, Champion, 2017, vol. 2, p. 1013-1018.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 155
36 Esta é uma grande diferença entre uma teoria como a dos textos possíveis, forjada por Michel
Charles em Literatura (Introduction à l’étude des textes, Paris, Seuil, 1995) e uma teoria das histó-
rias possíveis. Uma questão a aprofundar seria a de saber se essa distinção permite também de
distinguir uma abordagem literária de uma abordagem filosófica, por exemplo a partir de uma
diferenciação entre a variedade infinita das interpretações possíveis e o caráter indefinido, ou seja, ao
mesmo tempo plural e limitado, das histórias possíveis.
37 Por exemplo, o de Vincent Jullien sobre Descartes (Les ombres de la place royale. Paris, Stock,
2006). A diferença entre a abordagem de Vincent Jullien e a de Maxime Rovere em Le clan Spinoza.
Amsterdam 1677. L’invention de la liberté. Paris, Flammarion, 2017, estaria, portanto, na função que
é destinada aos documentos históricos na reconstituição final da intriga.
38 A sistematização das regras de leitura dos teóricos da dissimulação leva, assim, a resultados
filosoficamente tão possíveis quanto os que desenvolve Anne Staquet em Descartes et le libertinage.
Paris, Hermann, 2009.
39 Encontramos uma formulação muito clara dessa diferença entre “história imaginária” e
“história real demais” no trabalho de um dos críticos mais sutis do ecletismo de Victor Cousin:
Jean Saphary, em L’école éclectique et la philosophie française, Paris, Joubert, Libraire-Editeur, 1844,
Prefácio, p. XXXII, nota 1: “La date de nos troubles à l’université coïncide avec la date de cette phi-
losophie qui, brisant les limites anciennes d’un enseignement circonscrit par des mains prudentes,
nous a jetés sans boussole sur une mer sans rive, nous voulons dire cette histoire imaginaire de
la philosophie qui n’a été que l’histoire trop réelle des cerveaux les plus désordonnés”. Com isso,
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
156 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
Um dos pontos essenciais do que foi dito, no entanto, continua sendo que
uma história impossível, porém real, pode incluir a história que é contada
pelo próprio autor sobre seus próprios textos. Essa ficção torna-se, em segui-
da, a história oficial ou dominante, repetida ou contada pelos outros leitores.
Tomemos novamente o exemplo de La Forge. Em 1666, ele se encontra
frente a outras histórias reais do cartesianismo, diferentes da que foi contada
por Descartes. Em especial a Philosophia naturalis de Regius, que é uma das
(ou até mesmo a única) referências cartesianas em fisiologia para seus con-
temporâneos. O conteúdo dessa obra foi banido publicamente por Descartes
como sendo impossível, com base em seus próprios princípios. Enquanto
Clerselier opta por uma estratégia de condenação de Regius (por uma promo-
ção da história dominante, portanto), La Forge, de sua parte, leva em conta
esse modelo concorrente. Assim, a abertura à alteridade da teoria das histó-
rias possíveis tem uma ampla dimensão política.
(v) O que há então de simultaneamente histórico e filosófico em uma te-
oria de histórias possíveis? Eu diria que ela desloca a oposição clássica entre
história e verdade por um estudo da historicidade dos argumentos filosóficos.
Insistir na noção de argumentos é uma maneira de responder a Quine.
O que faz com que o autor original nunca seja totalmente inocente do que
fazemos dele é um conteúdo filosófico, ou um conjunto de teses ou filosofe-
mas, que reorganizamos e reinvestimos em contextos e estratégias argumen-
tativas diferentes, mas que permanecem identificáveis como provenientes
desse autor.
Além disso, insistir na historicidade é uma maneira de responder a uma
objeção do tipo da que fez Quentin Skinner e, através de Skinner, teóricos
da história intelectual: “Until I was thirty years old and upwards I rarely
looked at a history – except histories of philosophy, which don’t count”40. Se
a história da filosofia entendida como um estudo das histórias possíveis de
uma filosofia não é precisamente a-histórica, isso é porque, de fato, ela se
preocupa em estar aberta a todas as transformações e deformações que pode
sofrer essa filosofia em uma história na qual, mesmo assim, continuamos a
identificá-la como essa filosofia.
o Descartes dualista e metafiísico de Cousin permite muito bem reconhecer este outro, sob as
deformações da estátua de Glauco. A pressão de circunstâncias políticas singulares pode assim
servir como critério para discriminar o possível real do possível imaginário. Mas não é certo que
o critério permaneça então plenamente filosófico.
40 F.W. Maitland para Lord Acton, 1896. Citado na epígrafe de Quentin Skinner, Liberty before
Liberalism. Cambridge, Cambridge University Press, 1998.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 157
41 “Regius on the passions (1650)”, in Cartesian Mind and Nature. Essays on honor of Desmond
Clarke. Stephen Gaukroger and Catherine Wilson eds, New-York, OUP, 2017.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
158 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
Referências
43 Cf. Pierre-François Moreau, “Le Bord du précipice. Dortous de Mairan entre Malebranche
et Spinoza”, in: Raffaele Carbone, Chantal Jaquet, Pierre-François Moreau: Spinoza et Male-
branche. À la croisée des interprétations, ENS-Éditions, 2017.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 159
_____. L’historien des idées au travail: un corps à corps avec des Dieux et des Géants?
In: BAHIER-PORTE, Christelle; MOREAU, Pierre-François; REGUIG, Delphine (dir.).
Liberté de conscience et arts de penser (XVIe-XVIIIe siècles). Mélanges en l’honneur
d’Antony Mc Kenna. Paris: Champion, 2017.
_____. Malebranche (verbete). In: MASSEAU, Didier. Dictionnaire des anti-Lumières et
des anti-philosophes. France, 1715-1815. Paris : Champion, 2017, vol. 2, p. 1013-1018.
ARIEW, Roger. Descartes and the First Cartesians. Oxford: Oxford University Press,
2014.
______. Descartes and the Last Scolastics. Ithaca/NY;London, Cornell University Press,
1999.
ARMOGATHE, Jean-Robert; BELGIOIOSO, Giulia (org.). Descartes: Principia
philosophiae (1644-1994). Atti del Convegno per il 350. anniversario della
pubblicazione dell’opera: Parigi, 5-6 maggio 1994, Lecce, 10-12 novembre
1994. Napoli: Vivarium, 1996.
AZOUVI, François, Descartes et la France. Histoire d’une passion nationale. Paris :
Arthème-Fayard, 2002.
BENNETT, J. Response to Garber and Rée. In: HARE, Peter H. (ed.). Doing Philosophy
Historically. Buffalo: Pergamon Press ; Prometheus Books, 1988, p. 27-69.
BLOCH, Olivier R. Marx, Renouvier et l’histoire du matérialisme. In: ______. Matière
à histoire. Paris: Vrin, 1997, p. 384-441.
BOS, Erik-Jan. The Correspondence between Descartes and Henricus Regius. Utrecht: the
Leiden-Utrecht Institute of Philosophy, 2002.
______. Henricus Regius et les limites de la philosophie cartésienne. In D. Kolesnik-
Antoine (Antoine-Mahut), D. (ed.). Qu’est-ce qu’être cartésien ? Lyon: ENS Editions, p.
53-68.
CATANA, Leo. The historiographical concept ‘system of philosophy’: Its origin, nature,
influence and legitimacy. Leiden ; Boston: Brill, 2008. 384 p. (Brill’s studies in
intellectual history; No. 165).
CAVAILLE, Jean-Pierre. L’art d’écrire des philosophes. Critique, n. 631, p. 959-980,
dez. 1999.
______. Les Déniaisés - Irréligion et libertinage au début de l’époque moderne. Paris:
Garnier, 2014.
______. Libertinage et dissimulation, quelques éléments de réflexion. Libertinage et
Philosophie au XVIIe siècle, n. 5, p. 57-82, 2001.
CLARKE, Desmond. The Physics and Metaphysics of the Mind: Descartes and Regiu.
In: COTTINGHAM, John; HACKER, Peter (ed.). Mind, Method, and Morality: Essays in
Honour of Anthony Kenny. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 187-207.
______. Descartes’s Theory of Mind. Oxford: Oxford University Press, 1992.
CHARLES, Michel. Introduction à l’étude des textes. Paris : Seuil, 1995.
COPPENS, Gunther (red). Spinoza en de skolastiek. Leuven/Leusden: Acco, 2003.
DESTUTT DE TRACY, Antoine. Sur les lettres de Descartes. 1º de junho de 1806.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
160 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Cartesianismos e spinozismos: rumo a uma teoria das histórias possíveis em filosofia 161
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
162 Delphine Antoine-Mahut . tradução de Pedro H. G. Muniz
______. Descartes and the Dutch. Early Reactions to Cartesian Philosophy. 1637-1650.
Carbondale: Southern Illinois University Press, 1992, p. 13-32.
VERNIERE, Paul. Spinoza et la pensée française avant la Révolution. Le dix-septimère
siècle (1663-1735). Le dix-huitième siècle. Genève: Slatkine Reprints, 2012 [1954], 2
vols.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.141-162, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture
Maxime Rovere*
Résumé
Cet article étudie le spinozisme comme une philosophie collective, à partir d’une
comparaison entre les deux versions de la préface aux œuvres posthumes – Opera
Posthuma – de Spinoza (1677). Après une discussion sur l’attribution de la
version néerlandaise à Jarig Jellesz (1619 ou 1620 - 1683) et de la version latine
à Lodewijk Meyer (1629 - 1681), il montre que les menues différences entre les
deux textes témoignent des tensions problématiques, notamment concernant le
statut ontologique de la connaissance et le rapport entre philosophie et religion,
contribuant à penser le spinozisme comme la philosophie d’un groupe - dans ce cas,
Jellesz, Spinoza, Meyer - et à comprendre les relations interpersonnelles comme les
sujets de la production d’idées.
Resumo
Este artigo estuda o spinozismo como uma filosofia coletiva, a partir de uma
comparação entre as duas versões do prefácio para a edição das obras postúmas
– Opera Posthuma – de Spinoza (1677). Após uma discussão sobre a atribuição
da versão holandesa a Jarig Jellesz (1619 ou 1620 - 1683) e da versão latina a
Lodewijk Meyer (1629-1681), ele mostra que as pequenas diferenças entre os dois
textos testemunham as tensões problemáticas nas áreas da ontologia e da relação
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
164 Maxime Rovere
Abstract
This article studies Spinozism as a collective philosophy, based on a comparison
between the two versions of the preface to Spinoza’s Opera Posthuma (1677). After
a discussion on the attribution of the Dutch version to Jarig Jellesz (1619 or 1620
- 1683) and of the Latin version to Lodewijk Meyer (1629 - 1681), it shows that
the small differences between the two texts testify to the problematic tensions in the
field of ontology and the relationship to religion, and help thinking Spinozism as the
philosophy of a group - in this case, Jellesz, Spinoza, Meyer - and to understand the
interpersonal relationship as the subject of the production of ideas.
Peu après la mort de Spinoza, le 21 février 1677, ses amis se réunissent pour
s’occuper des documents qu’il leur a confiés. Il laisse derrière lui trois traités
inachevés (le Traité de l’Amendement de l’Intellect, le Traité Politique et l’Abré-
gé de Grammaire Hébraïque), quelques lettres (assez peu comparativement à
d’autres philosophes de son temps) et un livre déjà préparé en 1675 pour
une publication finalement annulée (Ethique). Sous l’égide de l’éditeur Jan
Rieuwertsz, plusieurs générations de ses proches décident de se lancer dans
une double édition de ces textes, en latin et en néerlandais, sous le double
titre Opera Posthuma et Nagelate Schriften1.
Ce travail d’édition a été jusqu’à présent considéré par la majorité des
chercheurs comme un travail périphérique, qui intervient de manière secon-
daire par rapport à l’élaboration de la-philosophie-de-Spinoza. Comme chacun
croit savoir, la philosophie consiste à inventer des concepts et pas seulement
1 Voir PROIETTI, Omero et LICATA, Giovanni (eds.), 2013. Il carteggio Van Gent-Tschirnhaus
(1679 – 1690). Storia, cronistoria, contesto dell’‘editio posthuma’ spinoziana, Macerata, eum-Edizioni
Università di Macerata.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 165
à faire des livres. Cette distinction, qui demeure souvent à l’état de non-dit
chez les universitaires et les étudiants, exprime un présupposé plus difficile à
déraciner qu’il n’y paraît : il consiste à distinguer le monde des idées philoso-
phiques et leur merveilleuse articulation conceptuelle, d’avec la manière dont
les livres se fabriquent, dont les feuillets se couvrent de mots et se mettent à
circuler, transformant les textes en œuvre. Avant d’entrer dans l’étude de la
préface aux Opera Posthuma, qui aide à revoir cette question, il convient donc
de faire deux remarques préliminaires.
D’abord, il n’est pas difficile de montrer en quoi les choix d’édition
brassent de grands enjeux philosophiques. Par exemple, les amis de Spinoza
ne publient ni le Court Traité, ni le Traité de l’arc-en-ciel dans l’édition que
nous appellerons « OP/NS ». Du premier, ils estiment qu’il ne contient rien
que Spinoza ne dise mieux dans l’Ethique2. Quant au second, ils déclarent
qu’il est introuvable probablement parce que Spinoza l’a jeté au feu3. Ces
observations doivent attirer notre attention, parce qu’elles mettent en ques-
tion l’unité du parcours philosophique de Spinoza. Ce qui est dit du Court
Traité suggère une grande continuité dans sa pensée, mais la désinvolture
des amis quant au Traité de l’Arc-en-ciel laisse à penser qu’une rupture sépare
ce texte des œuvres ultérieures4. Par là, les amis éclairent la question diffi-
cile de savoir si la philosophie de Spinoza constitue à proprement parler un
« système » philosophique : ils semblent répondre « oui, mais pas toujours ».
L’Index des OP permet de développer cette réponse plus amplement, mais
comme je l’ai fait ailleurs, je n’y reviens pas ici5.
2 « Et bien que l’on puisse croire que quelque chose de notre philosophe se cache encore chez tel
ou tel que l’on ne trouvera pas ici, on peut néanmoins estimer qu’on n’y rencontrera rien qui ne
soit souvent formulé dans ses écrits » (Préface aux Opera Posthuma, § 9, in JELLESZ, J. et MEYER,
L., Spinoza par ses amis, ROVERE, M. (ed.), Paris, Payot & Rivages, 2017, p. 32), également cité
par MIGNINI, Filippo, 2009. « Introduction au Court Traité », dans SPINOZA, B. de, Œuvres I.
Premiers écrits, Paris, Presses Universitaires de France.
4 Il n’est pas impossible que le Traité de l’Arc-en-ciel ait suivi les principes mécaniques des Mé-
téores de Descartes, où l’arc-en-ciel fait l’objet d’une analyse poussée. Dans le Court Traité, Spinoza
s’appuie encore sur des principes utilisés par la médecine cartésienne, notamment le concept
d’« esprits animaux », dont il n’aura aucun usage dans l’Ethique. Ces deux exemples montrent
que le Spinoza de la maturité rejette des éléments qui jouent un rôle important dans ses œuvres
de jeunesse.
5 Voir ROVERE, M., « Présentation de l’index rerum », dans JELLESZ, J. et MEYER, L., Spinoza
par ses amis, op. cit., p. 81 et suiv.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
166 Maxime Rovere
6 AKKERMAN, Fokke et STEENBAKKERS, Piet (eds.), 2005. Spinoza to the Letter. Studies in Words,
Texts and Books, Leyde/Boston, Brill, et PROIETTI, Omero et LICATA, Giovanni (eds.), 2013, op. cit.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 167
7 L’essentiel de ces informations est présenté dans ROVERE, M., 2017. Le Clan Spinoza, Paris,
Flammarion. On trouvera des bibliographies dédiées à Jellesz et à Meyer à l’adresse http://www.
leclanspinoza.com/clan/.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
168 Maxime Rovere
entreprise de son père. Quelques années plus tard, ils avaient tous les
deux renoncé aux affaires pour se consacrer à la « recherche de la vérité8 ».
Il a activement participé à un mouvement, celui des collégiants, qui ne
sont rien d’autre que des groupes de travail où l’on pratiquait une lecture
du Nouveau Testament autorisant une prise de parole extrêmement libre9.
Lorsque ce mouvement est entré en crise (la guerre des Agneaux, en 1664),
Jellesz s’est probablement rangé aux avis de Galenus Abrahamsz et de Pie-
ter Balling – le dernier étant connu comme l’un de ses proches amis10. Peu
après l’invasion des Pays-Bas, il dut faire face à des accusations d’athéisme,
et il rédigea pour se défendre une Profession de Foi que Spinoza a relue et
corrigée avec attention11.
En d’autres termes, Jellesz n’est pas un philosophe conceptuel, mais un
homme qui incarne la montée en puissance d’une population aisée et lettrée,
qui s’exprime en néerlandais et pas en latin, dont la spiritualité anticléricale
est globalement tournée vers la lecture et le commentaire du Nouveau Tes-
tament, ainsi que vers l’étude de la philosophie naturelle.
Quant à Lodewijk Meyer (1629 - 1681), docteur de l’Université de Leyde
en philosophie et en médecine, il est principalement un homme de théâtre :
il a écrit et traduit de nombreuses pièces, il a été régent à deux reprises
du Schouwburg, le plus grand théâtre d’Amsterdam, et il figure parmi les
membres fondateurs d’une intéressante académie littéraire (Nil volentibus ar-
duum) très active dans les années 167012. Sa conception du langage l’a conduit
à publier (probablement avec l’aide de son ami Johannes Bouwmeester) un
ouvrage nommé La Philosophie Interprète de l’Ecriture Sainte. Traité Paradoxal
d’un disciple de René Descartes (en latin, 1666), véritable manifeste pour une
exégèse biblique rationnelle. Ce livre a eu une si grande importance en son
8 Selon l’expression employée par Jan Rieuwertsz dans son « Epilogue » à la Profession de foi uni-
verselle et chrétienne de Jarig Jellesz, citée dans SPINOZA, B. DE, Correspondance, ROVERE (ed.),
Paris, GF, 2010, p. 288.
9 Voir FIX, Andrew Cooper, 1991. Prophecy and Reason. The Dutch Collegiants in the Early En-
lightenment , New Jersey, Princeton University Press.
11 JELLESZ, J., Profession de foi chrétienne et universelle, in SPINOZA, B. DE, Correspondance, op.
cit., p. 415 - 416..
12 Voir BORDOLI, Roberto, 2001. Etica Arte Scienza tra Descartes e Spinoza. Lodewijk Meyer (1629 –
1681) e l’associazione Nil Volentibus Arduum, Milan, Franco Angeli. VAN SUCHTELEN, Guido, 1987.
« Nil volentibus arduum. Les amis de Spinoza au travail », Studia Spinozana, vol. III, p. 391 – 404.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 169
13 LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, 1999a [1710]. Essais de Théodicée, Paris, GF/Flammarion, § 14.
15 J’ajoute que l’œuvre d’Erasme en question a été publiée par Jan Rieuwertsz, celui-ci pourrait
aussi être un bon candidat à l’écriture collective de la préface.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
170 Maxime Rovere
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 171
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
172 Maxime Rovere
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 173
« (…) comment [[notre effort pour]] avoir des idées adéquates et pu-
rement intellectuelles des articles nécessaires au Salut, comment le
fait de vivre et d’agir en fonction d’elles sous la dictée de la raison
pourraient-ils ne pas être conformes aux fondements de la religion
chrétienne ? D’une part, les Lettres saintes, qui – comme tous les
Chrétiens l’admettront – ne peuvent pas renfermer d’éléments contra-
dictoires entre eux, l’enseignent en bien des passages, comme on vient
de le montrer. Ensuite, la Nouvelle Alliance, que Dieu a instituée par
le Christ et dont le Christ est le médiateur, consiste en ceci que les
Lois que Dieu avait fait connaître aux Hébreux par des tables sculp-
tées19, il les a gravées dans l’esprit des humains20, c’est-à-dire qu’il a
fait en sorte qu’ils comprennent le sens de ces mêmes Lois. Enfin, les
ministres de cette alliance ne s’orientent pas en fonction de la lettre,
autrement dit de l’Ecriture – cela est seulement le cas de ceux qui
officient selon l’Ancienne Alliance21 – mais selon l’esprit22, c’est-à-dire
(…) par l’intellect. [Il est donc évident que tout cela concorde avec les
fondements de la religion chrétienne.] »
19 Epître aux Hébreux, chap. 8, vers. 6 ; chap. 9, vers. 15 ; chap. 12, vers. 24.
20 Livre de Jérémie, chap. 31, vers. 33-34 ; Deuxième Epître aux Corinthiens, chap. 3, vers. 3 ;
Epître aux Hébreux, chap. 8, vers. 8-10 ; chap. 10, vers. 16.
21 Epître aux Romains, chap. 2, vers. 27-29 ; chap. 7 vers. 6 ; Deuxième Epître aux Corinthiens,
chap. 3, vers. 6, 7, 9 ; Epître aux Hébreux, chap. 7, vers. 16.
22 Mêmes passages ; voir aussi Epître aux Romains chap. 8, vers. 1-17 ; Epître aux Galates, chap.
2, vers. 18-25.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
174 Maxime Rovere
les ministres des Eglises chrétiennes pour les inciter à s’éloigner de l’idolâtrie
de la lettre. Et c’est dans ce travail d’éloignement que prend sens une sorte
d’émancipation de l’esprit, puisque à mesure que l’on s’oriente par l’esprit, il
devient plus clair qu’il s’agit ni plus ni moins de… l’intellect.
Il semble que cette jonction entre l’esprit et l’intellect fasse consensus
parmi le groupe d’amis – on peut en trouver des indices textuels un peu par-
tout, chez Meyer, chez Jellesz et même chez d’autres auteurs dont Spinoza est
proche. De ce point de vue, il est clair qu’en ce qui les concerne, le spinozisme
n’est pas seulement un rationalisme au sens large (le rationalisme se fonde
sur l’adage « rien ne naît de rien », autrement dit, tout a une raison23) ; il s’agit
plus précisément d’un « intellectualisme » : il consiste à privilégier un certain
type d’idées, celles qui relèvent de l’intellect, qui apparaissent ici dans la
dénomination technique que leur a donnée Spinoza : les « idées adéquates ».
Or, dans cette préface, cet intellectualisme est également un purisme, car
les idées adéquates sont considérées comme « purement intellectuelles ». On
trouve cette identité affirmée ailleurs, § 43 : « la connaissance spirituelle,
autrement dit purement intellectuelle ». Un passage du § 30, légèrement an-
térieur à celui qu’on vient d’étudier, explicite un peu ce purisme.
23 Peu après la publication des OP, ce principe fera l’objet d’un débat intense entre Sténon et
Leibniz, noté par ce dernier. Voir LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, 2001. « Conversation avec Sténon
sur la liberté », Discours de métaphysique et autres textes. 1663 – 1689, C. Frémont (ed.), Paris,
Flammarion, p. 117 – 134.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 175
comprendre que ces termes définissent, par contraste, une position anti-fidé-
iste qui interprète la relation entre salut et vérité en termes de connaissance,
et non pas de foi.
Le second moment articule l’intellect et le comportement, ce qui permet
de préciser deux points. D’une part, le rapport à la vérité se trouve décrit
d’une manière plus explicite : il s’agit de « pures perceptions intellectuelles ».
D’autre part, l’articulation entre ces idées pures et le concret de la vie est
exprimée selon la métaphore cicéronienne du dictamen rationis. Laissons le
second point, peu développé ici, et étudions la connaissance que le texte
identifie comme indispensable au salut. Que signifie la « pureté » de ces
perceptions ? Elle exclue tout ce qui relève de l’imagination. L’intellect seul
est le dépositaire de la vérité religieuse, et celle-ci se compose exclusivement
d’idées qui interdisent le doute mais qui rejettent aussi l’imprécision des
images. Le texte s’inscrit ainsi dans le courant du spinozisme qui interprète le
rapport à Dieu sous la forme la plus abstraite possible.
Qu’est-ce que les idées peuvent bien contenir pour être à la fois au fonde-
ment d’un comportement moral et rester absolument pures ? En employant
le terme de « perception », le texte oriente sa réponse vers un rationalisme
ontologique, qui renvoie aux écrits de jeunesse de Spinoza – Traité de l’Amen-
dement de l’Intellect ou Court Traité – beaucoup plus qu’à l’Ethique. En effet,
dans ces ouvrages, Spinoza considère que l’intellect reçoit les idées vraies,
autrement dit que son accès à la vérité la plus pure est passif24. En choisissant
de parler de « perceptions » intellectuelles, la préface reste fidèle à cette pre-
mière version de la philosophie de Spinoza.
Ce détail est très important, parce qu’il nous permet de tracer un premier dé-
crochement des éditeurs avec leur ami défunt. En effet, dans l’Ethique, Spinoza a
explicitement écrit qu’il préférait parler de conception, « qui indique une action
de l’esprit25 ». Selon la précision apportée par l’Ethique, la pureté de l’intellect
semble moins se référer à une vérité divine que l’intellect reçoit, qu’à un travail
de l’esprit par lequel celui-ci purifie ses idées par un effort d’abstraction. L’insis-
tance de Jellesz sur la perception constitue donc est une variante interprétative
au sein de la philosophie commune au groupe de Rijnsburg, comme il l’indique
lui-même explicitement dans sa Profession de foi chrétienne et universelle :
24 Spinoza écrit notamment : « comprendre est une pure et simple passion » (SPINOZA, B. DE,
Court Traité, II, chap. 15, § 5, in Œuvres I. Premiers Ecrits, p. 329).
25 Spinoza, Ethique, II, définition 3, « explication » : « Je dis concept plutôt que perception, parce que
le nom de perception semble indiquer que l’Esprit pâtit d’un objet. Alors que concept semble exprimer
une action de l’Esprit. » (SPINOZA, B. DE, Ethique, trad. B. Pautrat, Paris, Seuil, 1988, p. 98-99)
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
176 Maxime Rovere
« Je crois et je professe qu’il y a un Dieu, ou que Dieu existe réellement (...)
Qu’il est Un ; (...) Eternel, (...) Immuable, (...) Tout-puissant, (...) D’une
omniscience et d’une sagesse suprêmes ; (...) Qu’il est la source de tout
Bien, (...) Qu’il a créé le Ciel, la Terre, la Mer et tout ce qui s’y trouve, (...)
Que toute chose vient de lui, est à travers lui et va vers lui, (...) Que nous
aussi nous sommes en lui, que nous vivons en lui et nous mouvons en lui,
(...) Qu’il maintient en vie toutes ses créatures et chacune d’entre elles
en particulier, qu’il les gouverne et qu’il agit à travers elles. (...) Et en-
fin, qu’il a bien (autrement dit parfaitement) fait ses œuvres, et qu’il agit
toujours de la manière la plus parfaite. (...) Il existe une autre façon de
comprendre la vérité de ce que je professe ici – et dont les Ecritures Saintes
témoignent – au sujet de Dieu : l’intelligence naturelle nous permet d’être
complètement assurés de cette vérité, et de voir de manière infaillible qu’il
s’agit de la vérité. »
26 « Soit une définition explique une chose comme elle est hors de l’intellect, et alors elle doit
être vraie, et elle ne diffère pas d’une proposition ou d’un axiome (…), soit elle explique une chose
en tant que celle-ci est conçue ou peut être conçue par nous, et alors elle (…) n’exige rien, sinon
d’être conçue absolument, et non, comme un axiome, sous le rapport du vrai. » SPINOZA, B. DE,
2010. Correspondance, Lettre 9 de B. de Spinoza à Simon De Vries, § 3, p. 85.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 177
27 JELLESZ, J., Profession de foi chrétienne et universelle, in SPINOZA, B. DE, Correspondance, op.
cit., p. 415 - 416.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
178 Maxime Rovere
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 179
leur lumière intérieure pour s’orienter dans la vie pratique, des rationalistes
qui étudient les causes et les effets – devraient finalement s’entendre, car
ils parlent de choses qui ne peuvent pas être contradictoires entre elles. On
retrouve là un mode de pensée qui prolonge une tradition averroïste très
présente au XVIIe siècle28.
Lodewijk Meyer semble, lui, avoir beaucoup moins confiance dans un
accord possible entre les hommes. D’une manière tout à fait symptomatique,
à un moment où le texte néerlandais affirme que le Christ n’avait besoin
d’aucun signe extérieur pour connaître la loi divine, le latin ne traduit pas
les mots « gelijk yder zal toestaan » (§ 42) : « [[tout le monde l’accordera,]]
la science qui s’adosse à des témoignages extérieurs n’avait pas lieu d’être29 »
pour le Christ. Tandis que le néerlandais veut faire fond sur une sorte de
sens commun, le latin semble avoir une conscience plus aiguë des débats
théologiques et des divisions sectaires. A un autre moment (§ 52), tandis
que le néerlandais affirme à la première personne « wy Christenen », « nous,
les Chrétiens », le latin traduit à la troisième personne : « Ici, les Chrétiens
pourront relever une chose tout à fait notable (…)30 ».
Est-ce à dire que Jellesz se considérait comme chrétien, et Meyer, pas ?
A bien y regarder, il ne semble pas raisonnable de surinvestir la différence
dans les tournures des phrases pour en déduire que le traducteur latin
ne se considérait pas lui-même comme chrétien, car la tournure latine n’a
rien d’explicitement exclusif – seule la comparaison avec le néerlandais,
en biaisant le regard, produit cette impression. Néanmoins, la dissonance
entre les deux versions laisse bel et bien entendre un rapport différencié
à la communauté que confirme une lecture moins pointilliste. En effet,
l’un des principaux angles de cette préface est d’assurer la conciliation du
spinozisme et du christianisme en partant des principes fondamentaux de
la philosophie (rationalisme) et de la religion (réduite aux enseignements
du Christ) ; pour ce faire, elle s’appuie sur la conception « purement intel-
lectuelle » de l’esprit. C’est un projet qui, avec quelques réserves, reste assez
fidèle à l’Ethique. Pourtant, en s’appuyant sur la spiritualité rationnelle de
l’Ethique, les auteurs de la préface se trouvent en porte-à-faux par rapport
au Traité Théologico-Politique. Ainsi est mise à jour une nouvelle tension
28 Voir LICATA, G. (ed.), L’averroismo in età moderna (1400-1700), Macerata, Quodlibet Studio,
2014.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
180 Maxime Rovere
Selon le Théologico-Politique tel qu’il est résumé ici, la religion vise à enca-
drer des pratiques, de sorte que son critère fondamental est « l’obéissance » ;
en revanche, une recherche proprement philosophique ne vise que des
« idées », dont la préface souligne une fois encore la pureté avec une lourde
insistance (des idées « intellectuelles », la redondance fait sourire). Pourtant,
ce n’est pas sans finesse que le texte réaffirme que cette différence pivote
autour d’objets communs : la recherche de la vérité et les enseignements de
l’Ecriture, autrement dit la raison et la lettre, visent les mêmes « choses », en
d’autres termes, ont le même esprit. Donc, soutient la préface, même chez
Spinoza, la différence entre théologie et philosophie ne doit pas être comprise
de manière unilatérale. C’est ce que suggère la suite de la préface (§ 63) :
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 181
auteur « si subtil » (rajoute le latin non seulement comme éloge, mais comme
avertissement) sans tenir compte de raisons au pluriel. De quelle nature sont
ces raisons ? Le terme latin (« propugnare », « beweren » en néerlandais ; je
traduis par prendre position) montre qu’il s’agit de postures de combat, qui
se comprennent en fonction d’un conflit. Or, comme chacun sait, le traité de
Spinoza n’est pas seulement théologique, il est aussi politique. Cela ne signifie
pas que la distinction entre la recherche de la vérité et l’impératif d’obéissance
soit seulement le fruit d’une stratégie circonstancielle, mais qu’elle exprime
une position militante destinée à articuler des pouvoirs, certainement pas à
théoriser et aggraver les divisions de la société. Au contraire, les auteurs le
soulignent une nouvelle fois : il n’y a pas chez Spinoza d’opposition entre
« religion » et « raison », mais une différence entre deux types d’études (celle
des dogmes qui poussent à l’obéissance, celle des idées qui démontrent la
vérité). On peut se demander si, par son effort de réconciliation, la préface ne
force pas un peu Spinoza à rejoindre une cause œcuménique qui n’était pas
la sienne. Mais on doit accorder à Jellesz et à Meyer que Spinoza lui-même
mobilise, à l’occasion, la notion de « religion universelle » pour appuyer son
plaidoyer en faveur de la liberté :
33 SPIINOZA, B. DE, Correspondance, lettre 43 de B. de Spinoza à Jacob Ostens, § 9, op. cit., p. 262.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
182 Maxime Rovere
« Si à l’avenir quelqu’un élabore une syntaxe hébraïque sur les bases
qu’il a jetées, eh bien, il trouvera chez les amateurs d’hébreu plus qu’une
légère reconnaissance pour avoir fait mieux connaître le génie de la langue
hébraïque, jusqu’ici fort peu connu37. »
35 « Et certes, s’agissant d’un livre où [presque] tout est démontré mathématiquement, cela n’a
guère d’importance de savoir de quelle famille son auteur est issu, ni quelles règles de vie il a
adoptées. » JELLESZ, J. et MEYER, L., op. cit., p. 29.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 183
n’est pas présentée comme utile au monde entier, mais elle se définit par un
groupe de référence – le cercle (assez large, cependant, au XVIIe siècle) des
amateurs d’hébreu.
Cette différence entre deux sortes d’œcuménismes, l’un extensif et l’autre
intensif, l’un compatibiliste et l’autre critique, permet d’éclairer les traitements
différenciés que Jellesz et Meyer accordent à la Bible des Etats (Statenvertaling).
Il semble en effet naturel que Jellesz cite, sans autre forme de procès, la version
la plus largement répandue, afin de donner à sa base de lecteurs la plus grande
extension possible. En revanche, il est évident que Meyer, qui exige une com-
préhension intensive et un partage cumulatif des connaissance, n’avait aucune
raison de vouloir se contenter d’une version aussi fautive.
Cependant, il faut encore y insister : identifier deux formes d’œcumé-
nisme parmi les amis de Spinoza, cela ne signifie pas marquer des fractures
nettes au sein du spinozisme, mais plutôt repérer une tension heuristique
dont l’étude nous éclaire sur le sens profond de cette philosophie.
« Vous lui répondrez : il se dit chrétien. Notez que vous ne lui répon-
drez pas : il est, mais il se dit chrétien38. »
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
184 Maxime Rovere
En d’autres termes, le christianisme n’a rien à voir avec une vérité histo-
rique, elle ne concerne même pas un certain prophète originaire de Galilée,
le déroulement de sa vie ou la lettre de ses sermons. Le christianisme, tel que
Jellesz l’entend, est une « connaissance » (ce qui ne nous surprend guère, et
doit s’entendre en un sens rationnel) « de son Esprit », autrement dit (Jellesz
ayant tendance à utiliser la conjonction de coordination « et » comme un
marqueur de synonymie) « de sa force ». On ne saurait indiquer plus nette-
ment que le Christ ne s’identifie pas à Jésus de Nazareth en tant qu’il aurait
réalisé une prophétie juive annonçant le Messie, mais une chose agissante qui
se trouve chez tous, et dont Jésus de Nazareth a donné un exemple éclatant
et constitue le parangon. Cette définition du christianisme, par l’éloignement
39 JELLESZ, J., Profession de foi chrétienne et universelle, in SPINOZA, B. DE, Correspondance, op.
cit., p. 415 - 416.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 185
qu’elle prend avec le personnage historique, penche du côté des thèses les
plus radicales, violemment anti-cléricales, de rationalistes néerlandais tels
que les frères Koerbagh. Pourtant, les deux épithètes qui chez Jellesz quali-
fient cette force jouent en ceci le rôle de modérateurs : si cette force est chré-
tienne, c’est d’abord qu’elle est « sanctifiante », autrement dit qu’elle instaure
bel et bien un rapport spécifique à Dieu (ce qu’on appelle la sainteté), et ne
se réduit pas à un simple comportement moral. Il y a de l’infini, de l’absolu
à l’œuvre dans cette force. Voilà pourquoi Jellesz la définit encore comme
« vivifiante » : il reprend là un terme courant chez les mennonites, pour qui le
baptême, réalisé à l’âge adulte, est l’occasion d’une seconde naissance.
Cela étant acquis, de quoi Jésus Christ est-il exactement le modèle ?
40 JELLESZ, J., Profession de foi…, in SPINOZA, B. DE, Correspondance, op. cit., p. 415.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
186 Maxime Rovere
Le latin ajoute par exemple un modérateur pour préciser que Spinoza était
un être « tout entier » consacré à ses études philosophiques (§ 341). D’ail-
leurs, Meyer préfère dire que Spinoza, en s’éloignant vers Voorburg, se libérait
« d’occupations en tous genres42 » (« omnigenis occupationibus ») plutôt que de
traduire toute l’expression néerlandaise, qui parle de « toutes les occupations
mondaines » (« alle werremtsche beslommeringen »). Ici, il est très clair que
la version néerlandaise applique à la vie de Spinoza un modèle religieux
d’ermitage spirituel ; de fait, cette terminologie est très présente dans le Court
Traité, où Spinoza admet notamment que l’on peut être convaincu de « ne
faire aucun cas de ce corps43 ». La version latine, en revanche, n’emploie pas
ce vocabulaire – Meyer préfère, semble-t-il, jouer de la proximité du titre de
Lucrèce lorsqu’il montre Spinoza s’intéresser à la « nature des choses » (§
344). Plus loin, il s’attache encore à souligner que les interlocuteurs et cor-
respondants du philosophe sont des « hommes de haut rang et d’une so-
lide érudition45 » (§ 6), insistant sur l’inscription de Spinoza dans une élite
intellectuelle et politique. Ce faisant, il le situe aux antipodes de l’ermitage
ascétique où le décrit Jellesz…
On voit ainsi, pour ainsi dire en temps réel, la figure ou « persona46 » du
philosophe traversée par deux modèles alternatifs, dont on pourrait dire que
l’un rappelle les grands ordres monastiques, tandis que l’autre annonce déjà
les philosophes des Salons ; mais cette alternance entre méditation solitaire et
collaboration entre amis est sans aucun doute constitutive de la philosophie
en général, et du parcours de Spinoza en particulier47.
47 Sur l’alternance chez Spinoza entre travail solitaire et réflexion en groupe, voir ROVERE, M.,
Le Clan Spinoza.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 187
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
188 Maxime Rovere
d’idées. Car en définitive, ce qui prévaut au terme de cette analyse n’est pas
la rigide certitude d’un système philosophique, mais les fragiles incertitudes
de pensées in statu nascendi, qui trouvent leur chemin dans les petits écarts
que l’on décèle en comparant deux versions d’un même texte. D’ailleurs, il
est curieux de relever que dans l’index rerum des Opera Posthuma, l’entrée
« Spiritualia » – les choses spirituelles –est occupée par une seule ligne, qui
renvoie à une phrase écrite par Spinoza à Oldenburg :
Referências
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
Spinoza collectif: la double écriture de la Préface aux Opera Posthuma 189
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Conversation avec Sténon sur la liberté. In : FREMONT,
C. (ed.). Discours de métaphysique et autres textes. 1663 – 1689. Paris: Flammarion,
2001, p. 117-134.
______. Essais de Théodicée. Paris: GF / Flammarion, 1999a [1710].
LICATA, G. (ed.), L’averroismo in età moderna (1400-1700). Macerata: Quodlibet
Studio, 2014.
MIGNINI, Filippo. Introduction au Court Traité. In: SPINOZA, B. de. Œuvres I.
Premiers écrits. Paris: Presses Universitaires de France, 2009.
PROIETTI, Omero; LICATA, Giovanni (eds.). Il carteggio Van Gent-Tschirnhaus (1679
– 1690). Storia, cronistoria, contesto dell’‘editio posthuma’ spinoziana. Macerata: eum-
Edizioni Università di Macerata 2013.
ROVERE, M. Présentationn de l’index rerum. JELLESZ, J.; MEYER, L. (ed.). Spinoza
par ses amis. Traduction par Maxime Rovere. Paris: Payot & Rivages, 2017, p. 81 et
suiv.
______. Le Clan Spinoza. Paris: Flammarion. 2017.
SPINOZA, B. de, Correspondance. Présentation et traduction par Maxime Rovere.
Paris: GF / Flammarion, 2010. 464 p.
______. Court Traité. In: Œuvres I. Premiers écrits. Paris: Presses Universitaires de
France, 2009.
______. Ethique, trad. B. Pautrat. Paris : Seuil, 1988.
VAN SUCHTELEN, Guido. Nil volentibus arduum. Les amis de Spinoza au travail.
Studia Spinozana, vol. III, p. 391-404, 1987.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.163-189, jul.-dez. 2017
tradução de Pedro H. G. Muniz
Resumo
Neste artigo, estuda-se o livro Medicina mentis, publicado em 1689 (2º ed. 1695)
pelo ex-discípulo de Spinoza, Ehrenfried Walther von Tschirnhaus. Eu mostro como,
sem nunca mencionar Spinoza pelo nome, Tschirnhaus empresta muito da teoria
de Spinoza das noções comuns ao elaborar o que ele chama de ars inveniendi.
Com base na correspondência de Tschirnhaus com Spinoza e com Leibniz sobre
Spinoza, mostro também como Tschirnhaus provavelmente se beneficiou das
conversas pessoais que ele teve com Spinoza sobre um tratado planejado, mas
nunca completado - um “outro tratado” - que iria ser dedicado, exatamente, para
a teoria das noções comuns, tanto no contexto metodológico quanto epistemológico.
Abstract
In this paper, I am interested in the Medicina mentis, a book published in 1689 (2nd
ed. 1695) by the former disciple of Spinoza, Ehrenfried Walther von Tschirnhaus. I
show how, without ever mentioning Spinoza by name, Tschirnhaus borrows greatly
from Spinoza’s theory of common notions when elaborating what he calls his ars
inveniendi. Based on Tschirnhaus’ correspondence with Spinoza, and with Leibniz
about Spinoza, I also show how Tschirnhaus very likely profited from personal
conversations he had with Spinoza about a treatise planned but never completed
by the latter—“another treatise” which was dedicated, exactly, to the theory of
common notions, in both a methodological and an epistemological context.
* Morgens Lærke é diretor de pesquisa no CNRS, associado ao laboratório IHRIM (UMR 5317),
em ENS de Lyon. E-mail: mogenslaerke@hotmail.com.
Pedro Muniz é doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio). E-mail: phgmuniz@gmail.com.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
192 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
2 Nota do tradutor: fizemos a tradução de todos os trechos citados no artigo, e sempre fornece-
mos em nota as passagens originais, em francês, como a seguir: “La force interne d’une doctrine
se mesure au degré de désorganisation qu’elle est capable de subir sans être dénaturée en son
fond”. Nota do autor: V. Delbos, Le Problème moral dans la philosophie de Spinoza dans l’histoire du
spinozisme. Paris: Ancienne Librairie Gemer Baillière, 1893, p. 3; P. Vernière, Spinoza et la pensée
française avant la Révolution. Paris: Presses Universitaires de France, 1954, p. 3.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 193
***
3 Ver a carta escrita por Schuller a Spinoza no dia 14 de novembro de 1675, Carta nº 70 (que
relata algumas questões feitas por Tschirnhaus), e a que Spinoza escreveu a Schuller no dia 18 de
novembro de 1675, Carta 72, em Correspondance, p. 355 e p. 359. Elas dizem respeito à inter-
pretação de EIIP5. A cópia de Tschirnhaus não contém erros no local indicado. Ver L. Spruit & P.
Totaro (eds.), The Vatican Manuscript of Spinoza’s Ethica. Leiden/Boston: Brill, 2011.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
194 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
4 “En nous envoyant Tschirnhaus, vous m’avez rendu un service d’ami; car j’ai beaucoup de
plaisir à le fréquenter, et je décèle en ce jeune homme une intelligence remarquable, sur laquelle
on peut fonder des grands espoirs”. Ver carta de Leibniz a Oldenburg do dia 28 de dezembro de
1676, em G. W. Lebniz, Der Briefwechsel von G. W. Leibniz mit Mathematikern, ed.: C. I. Gerhardt,
Berlin: Mayer & Müller, 1899, p. 143.
5 “Mons. Tschirnhaus m’a conté beaucoup de choses du livre ms. de Spinoza”. Leibniz, Über
Spinoza’s Ethik, Final de 1675-início de 1676, Sämtliche Schriften und Briefe, vol. VI, iii, p. 384-85.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 195
7 Ver K. O. Meinsma, Spinoza et son cercle. Étude critique historique sur les hétérodoxes hollandais,
trad.: S. Roosenburg, Paris: Vrin, 2002.
8 Sobre Leibniz, Tschirnhaus e Spinoza, ver M. Kulstad, “Leibniz, Spinoza and Tschirnhaus: Me-
taphysics à Trois, 1675-76”, em O. Koistinen e J. Biro (dir.), Spinoza. Metaphysical Themes, Oxford:
Oxford University Press, 2002, p. 221-40. Para meus próprios trabalhos sobre a questão, ver es-
pecialmente Leibniz lecteur de Spinoza. La genèse d’une opposition complexe, Paris: Champion 2008,
p. 359-556; “A Conjecture about a Textual Mystery. Leibniz, Tschirnhaus and Spinoza’s Korte
Verhandeling”, in The Leibniz Review 20 (2011), p. 33-68; Leibniz and Spinoza, Medelingen vanwe-
ge het Spinozahuis 111, Voorschoten: Uitgeverij Spinozahuis 2016; « Leibniz’s Encounter with
Spinoza’s Monism, October 1675 to February 1678”, in M. Della Rocca (dir.), Oxford Handbook
to Spinoza, Oxford: Oxford University Press, 2018, p. 434-63 ; « De Summa Rerum: Metaphysical
Fragments, 1675-1676”, in P. Lodge & L. Strickland (dir.), Leibniz: Key Philosophical Texts, Oxford:
Oxford University Press [no prelo].
9 Ver, além de sua bela edição da Medicina mentis (ver nota 1): J.-P. Wurtz, “Tschirnhaus und
die Spinozismus-beschuldigung”, in Studia Leibnitiana 13 (1981): p. 61-75; “Die Tschirn-
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
196 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
10 “Avant tout, il faut réfléchir et trouver le moyen de guérir l’entendement et, autant qu’on le
peut, de le purifier”. Spinoza, Tractatus de intellectus emendatione, sect. 15, in Œuvres, vol. ed.: I, F.
Mignini, trad.: M. Beyssade & J. Ganault, Paris: Presses Universitaires de France, 2009, p. 72-73.
Para Wurtz, ver por exemplo sua “Introdução”, em Tschirnahaus, Médicine de l’esprit, p. 19-20
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 197
do texto de intellectus emendatione que Schuller havia lhe enviado (A II, i, 613).
Surpreso, Leibniz responde informando-o de que o texto já está disponível
em sua versão impressa há vários meses: “Você está ciente, sem dúvida, de
que as obras póstumas de Spinoza acabaram de ser publicadas. Nelas há um
fragmento sobre A Reforma do Entendimento” (A II, i, 623).13 Além disso,
podemos tirar a mesma conclusão de uma observação sobre o Tractatus de
intellectus emendatione encontrada em Eilfertiges Bedencken, que Tschirnhaus
publica em 1688, segundo a qual “foi somente após a morte do autor que ele
teve este tratado em mãos”14. Em resumo, se Tschirnhaus realmente associa
seu projeto de medicina mentis à filosofia de Spinoza desde 1675, inicialmente
ele não o associa ao Tractatus de intellectus emendatione, mas sim ao texto de
cujo manuscrito ele dispõe no momento, a saber, a Ética.
***
13 “Tu es au courant, sans doute, que les œuvres posthumes de Spinoza viennent d’être publiés.
Il s’y trouve un fragment sur La Réforme de l’Entendement”.
14 E. W. von Tschirnhaus, Eilfertiges Bedencken wieder di Objectiones, soi m Mense Martio Schertz-
und Ernsthafter Gedancken üder den Tractat Medicinae Mentis enthalten, em Chr. Thomasius, Freimü-
tige, lustige und ernsthafter, je deoch vernunftmässige Gedanken oder Monatsgespräche über allerhand,
fürnehmlich aber neue Bücher 1 (Janeiro-Junho, 1688), p. 775: “Hernach habe lange Zeit erst hie-
rauff diesen Tractat nach dem Tode des Autoris in die Hände bekommen”.
15 D. Pätzold, “Ist Tschirnhaus’ Medicina mentis ein Ableger von Spinozas Methodologie?”, in
L. Nauta & A. Vanderjagt (eds.), Between Demonstration and Imagination. Essays in the History of
Science and Philosophy Presented to John D. North, Leiden: Brill, 1999, p. 339-64.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
198 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
inconcebível. Assim, “a falsidade consiste naquilo que não pode ser concebido,
e a verdade no que pode” (MM II 35/69). Ademais, continua ele: “entre ser e
não-ser também não há nenhuma outra diferença além da que há entre o pos-
sível e o impossível, ou entre o concebível e o inconcebível” (MM II 36-37/70).
Em conformidade com essa visão do ser e da verdade, Tschirnhaus propõe
uma física que reivindica ser a física da certeza absoluta, fundada a priori em
deduções necessárias, como as que são encontradas na matemática: “[...] por
física, não entendo nada mais do que a ciência do universo demonstrada a
priori pelo método rigoroso dos matemáticos [...]” (MM II 280/243). Esse mé-
todo fornece o modelo para uma nova ars inveniendi, uma “filosofia do real”,
em oposição à “filosofia do verbo” das escolas de filosofia anteriores (MM, Pre-
fácio, XIII / 39, ver também II 25/62 e II 29/65). Quando Tschirnhaus declara
em seguida que a álgebra é “a verdadeira filosofia da matemática”, o progra-
ma soa distintamente cartesiano (MM, Prefácio, XIII / 39). Entretanto, na real
elaboração dessa epistemologia “matemática” das ciências, não é o modelo
algébrico que domina, mas sim o geométrico e euclidiano, também adotado
por Spinoza. Assim, na base da ars inveniendi tschirnhausiana, encontramos
definições e axiomas comparáveis aos que formam o ponto de partida para a
construção sintética das proposições de acordo com o mos geometricus:
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 199
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
200 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
18 De acordo com Edwin Curley, que sobre este ponto retoma uma tese proposta por Martial
Gueroult, o outro tratado em questão seria o Tractatus de intellectus emendatione (ver Spinoza,
Collected Works, ed. e transl. E. Curley, vol. I, Princeton : Princeton University Press, 1985, 426 n.
64 ; M. Gueroult, Spinoza II : L’âme, Paris, Aubier, 1974, 364 – no entanto, se nota que a formu-
lação de Gueroult é mais cautelosa do que a de Curley). Agora, este trabalho do jovem Spinoza,
abandonado, acredito, por causa de problemas doutrinários intratáveis, não menciona noções
comuns em nenhum lugar. Além disso, o Tractatus não é principalmente um tratado metodológico
ou epistemológico, mas sim um tratado sobre a natureza do intelecto, como indicado tanto pelo
título como pelo desenvolvimento, portanto, um trabalho em filosofia do mente, como diria hoje.
Não vemos como este texto corresponde à descrição do «outro tratado» de Spinoza. Sobre os
problemas no Tractatus, veja M. Lærke, “Leibniz on Spinoza’s Tractatus de intellectus emenda-
tione,” in Y. Melamed (ed.), The Young Spinoza. A Metaphysician in the Making, New York: Oxford
University Press, 2015, 106-120.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 201
***
19 Ver MM II 36/70 : « Il est manifeste […] qu’un concept, ou comme disent d’autres, une idée,
n’est rien de muet, telle une peinture sur un panneau, mais renferme nécessairement soit une
affirmation, soit une négation » ; MM II 25/62 : « Tout ce qui a une valeur supérieure est égale-
ment rare »; M II 24/61-62 : « L’esprit du sage s’unit toujours plus à DIEU et aux choses divines et
immuables, et pareillement il accède par là à une tranquillité d’esprit toujours plus inaltérable ».
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
202 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 203
de insistir mais no fato de ser fácil de comunicá-las, pois “se [...] for verdade
que eu concebo alguma coisa, não há dúvida de que poderei fazer com que
esse mesmo conceito que possuo seja conhecido por outros que compartilham
comigo o mesmo poder de conceber” (MM II 45/76). Também ele crê que
o caráter amplamente compartilhado dessas noções não é um critério, mas
somente o indício das verdades que são demonstráveis pela consideração das
próprias coisas e de suas propriedades comuns. As “verdades comuns” ainda
são, portanto, baseadas na concepção das propriedades objetivas das coisas.
***
Uma vez tendo combinado essa concepção de noções comuns com o progra-
ma de demonstração geométrica dos “primeiros conceitos possíveis”, Tschir-
nhaus chega à conclusão extrema de que as noções comuns são sempre de-
monstráveis a priori, a partir dos conceitos das coisas apenas, e sem recorrer
à experiência, a qual ele só concede um papel auxiliar. De fato, a experiência
serve apenas para direcionar a atenção do cientista na direção certa, e então,
no fim, corroborar com os resultados obtidos dedutivamente, mas sem nunca
fazer parte da demonstração propriamente dita. “Na minha opinião, certa-
mente é necessário, em primeiro lugar, começar a posteriori, pela experiência.
Mas em seguida, para continuar, tudo deve ser deduzido unicamente a priori,
e em todos os lugares, cada verdade em particular deve ser confirmada por
experiências evidentes” (MM III 290/249). É claro, ao seguir este método,
Tschirnhaus nos assegura que ele “fez um caminho de certa maneira interme-
diário entre os de todos os filósofos anteriores, alguns dos quais estimaram
que todo conhecimento deve ser deduzido a priori, com o raciocínio apenas,
e outros que acharam que ele deve ser a posteriori, pela experiência” (MM III
290/249). Ele insiste até mesmo que “assim, compreenderemos o quanto eu
gostaria que começássemos a posteriori na fase inicial da filosofia” (MM III
294/251). Essas declarações foram usadas para fazer de Tschirnhaus uma es-
pécie de filósofo experimental, lendo-as no contexto da admiração que ele ex-
pressa em outro texto pelo boyliano Johann Christian Sturm e seu Collegium
Experimentale sive Curiosum.20 E é verdade que, na tentativa de responder a
20 Ver C. A. Van Peursen, “E. W. von Tschirnhaus and the Ars Inveniendi”, in Journal of the History
of Ideas 54: 3 (1993), p. 399-400.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
204 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
21 Ver Chr. Thomasius, Freymüthige Lustige und Ernsthaffte iedoch Vernunfft- und Gesetz -Massige
Gedancken Oder Monats-Gespräche, über allerhand, fürnehmlich aber Neue Bücher Durch alle zwölff
Monate des 1688. und 1689. Jahrs, Halle, 1690.
23 Cf. G. Mühlpfordt, Ehrenfried Walhter von Tschirnhaus (1651-1708), Leipzig: Leipzier Univer-
sitäts verlag, p. 48, que apresenta a filosofia natural de Tschirnhaus como um Rationalempirismus.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 205
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
206 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
***
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 207
que, de outra forma, era bastante próxima.25 Mas pouco importa, isso não é
motivo para descartar o livro de Tschirnhaus alegando que ele não nos ensina
nada de novo sobre Spinoza, assim como não devemos rejeitar aqueles que
se provam mais criativos sob o pretexto de que eles tenham entendido mal a
doutrina spinozista original. Plagiar bem não é fácil. O plágio bem-sucedido
é uma forma de apropriação que requer um conhecimento particularmente
preciso de uma doutrina, a tal ponto que podemos nos perguntar se ele vale a
pena. Pois quem compreendeu uma doutrina o suficiente para plagiá-la com
sucesso a conhece bem o suficiente para saber também como se apropriar
dela de maneira legítima para seus próprios fins. E quem precisa plagiar para
se apropriar de uma doutrina não a entendeu bem o suficiente para realmente
conseguir ser bem-sucedido no plágio. Não há dúvidas de que Tschirnhaus,
por razões psicológicas que nos escapam (Tschirnhaus é uma figura cujas
ações atestam uma mente complicada), situa-se no primeiro grupo de plagia-
dores. Foi alguém que entendeu extremamente bem a teoria spinozista das
noções comuns – em alguns aspectos melhor do que os spinozistas de hoje. E,
finalmente, para que justiça seja feita, seria mentira dizer que Tschirnhaus é
apenas um plagiador, pois ele também se utiliza da doutrina de Spinoza para
elaborar pontos que não se encontram na obra do próprio Spinoza. Ele o
faz especialmente ao aplicar de maneira específica princípios metodológicos
e epistemológicos no campo da física, algo que Spinoza não fez por não ter
vivido tempo suficiente. E ele também utiliza tal doutrina para elaborar uma
reflexão original sobre a experimentação em ambiente controlado, a partir de
uma teoria de inspiração spinozista do entendimento, da imaginação e das
relações que existem entre ambos.
25 Ver E. W. von Tschirnhaus, “Methodus Datae figurae, rectis lineis & Curva Geometrica termi-
natae, aut Quadraturam aut impossibilitatem ejusdem Quadraturae determinandi”, in Acta Erudi-
torum, Octobre 1683, p. 433-37. Para a acusação de plágio, ver a carta de Leibniz a Huygens do
dia 13 de outubro de 1690, em Leibniz, Briefwechsel, p. 602-603, e a carta de Leibniz a Huygens
do dia 21 de junho de 1695, em Briefwechsel, p. 758. Ver também o apêndice III, p. 305, na edição
da Médecine de l’esprit de Wurtz. De maneira geral, Tschirnhaus não gozava de uma boa reputação
na república das letras, na qual por vezes ele era considerado um charlatão. Para um comentário
especialmente severo, ver J. Peiffer, “Communicating mathematics in the late seventeenth century:
The Florentine cupola”, in History of Universities, vol. XXIII/2, Oxford: Oxford University Press,
2008, p. 105.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
208 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
Referências
ANDRAULT, R.; LÆRKE, M. (dir.). Steno and the Philosophers. Leiden: Brill, 2018.
DELBOS, V. Le Problème moral dans la philosophie de Spinoza dans l’histoire du
spinozisme. Paris: Ancienne Librairie Gemer Baillière, 1893.
GUEROULT, M. Spinoza II: L’âme. Paris: Aubier, 1974.
HUYGENS, Chr. Œuvres complètes, vol. VIII. La Haye: Martinus Nijhoff, 1888-1950.
KULSTAD, M. Leibniz, Spinoza and Tschirnhaus: ‘Metaphysics à Trois’, 1675-76.
In: KOISTINEN, O.; BIRO, J. (dir.). Spinoza. Metaphysical Themes. Oxford: Oxford
University Press, 2002, p. 221-40.
LÆRKE, Mogens. Leibniz lecteur de Spinoza. La genèse d’une opposition complexe.
Paris: Champion 2008.
______. A Conjecture about a Textual Mystery. Leibniz, Tschirnhaus and Spinoza’s
‘Korte Verhandeling’. The Leibniz Review, n. 20, p. 33-68, 2011.
______. Leibniz on Spinoza’s Tractatus de intellectus emendation. In: MELAMED,
Y. (ed.). The Young Spinoza. A Metaphysician in the Making. New York: Oxford
University Press, 2015.
______. Leibniz and Spinoza. Medelingen vanwege het Spinozahuis 111. Voorschoten:
Uitgeverij Spinozahuis 2016.
______. Leibniz’s Encounter with Spinoza’s Monism, October 1675 to February 1678.
In : DELLA ROCCA, M. (dir.). Oxford Handbook to Spinoza. Oxford: Oxford University
Press, 2018, p. 434-63.
______. ‘De Summa Rerum’: Metaphysical Fragments, 1675-1676. In: LODGE, P.;
STRICKLAND, L. (dir.). Leibniz: Key Philosophical Texts. Oxford: Oxford University
Press [no prelo].
MÜHLPFORDT, G. Ehrenfried Walhter von Tschirnhaus (1651-1708). Leipzig: Leipzier
Universitäts verlag, 2008.
LEIBNIZ, G. W. Der Briefwechsel von G. W. Leibniz mit Mathematikern. ed.: C. I.
Gerhardt. Berlin: Mayer & Müller, 1899.
______. Über Spinoza’s Ethik. Final de 1675-início de 1676. In : ______. Sämtliche
Schriften und Briefe, vol. VI, iii, p. 384-85.
MEINSMA, K. O. Spinoza et son cercle. Étude critique historique sur les hétérodoxes
hollandais. Trad. S. Roosenburg. Paris: Vrin, 2002.
PÄTZOLD, D. Ist Tschirnhaus’ Medicina mentis ein Ableger von Spinozas
Methodologie? In: NAUTA, L.; VANDERJAGT, A. (eds.). Between Demonstration and
Imagination. Essays in the History of Science and Philosophy Presented to John D.
North. Leiden: Brill, 1999, p. 339-64.
PEIFFER, J. Communicating mathematics in the late seventeenth century: The
Florentine cupola. In: History of Universities, vol. XXIII/2. Oxford: Oxford University
Press, 2008.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
O Spinozismo de Tschirnhaus: da teoria das noções comuns à verdadeira física 209
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
210 Mogens Lærke . tradução de Pedro H. G. Muniz
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.191-210, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la
María Jimena Solé*
Resumen
El objetivo de de este artículo es presentar algunos episodios de la historia de la
recepción del spinozismo en el territorio alemán durante la segunda mitad del siglo
XVIII, tomando como hilo narrativo el vínculos de amistad profunda y duradera
que unió a muchos de los protagonistas de esta historia. Esa amistad se fundó, en
cierta medida, en la admiración compartida por Spinoza; pero además, fue el suelo
fértil que dio nacimiento a nuevas interpretaciones y nuevas lecturas del spinozismo.
Así, adoptar esta perspectiva para abordar la recepción alemana del spinozismo
permite reflexionar acerca de la conexión entre la filosofía y el amor.
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar alguns episódios da história da recepção
do espinosismo no território alemão durante a segunda metade do século XVIII,
tomando como fio narrativo os laços de profunda e duradoura amizade que uniram
muitos dos protagonistas desta historia. Essa amizade foi fundada, em certa medida,
na admiração compartilhada por Spinoza; mas, além disso, foi o solo fértil que deu
origem a novas interpretações e novas leituras do espinosismo. Assim, a adoção
dessa perspectiva para abordar a recepção alemã do espinosismo nos permite
refletir sobre a conexão entre filosofia e amor.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
212 María Jimena Solé
Abstract
This article presents some episodes in the history of the reception of Spinoza’s
philosophy in Germany during the second half of the 18th century, through the ties
of deep and lasting friendship between many of the main characters of this story.
That friendship was founded, to some extent, in the shared admiration towards
Spinoza; but it was also fertile soil for new interpretations and new readings of
his doctrine. Thus, adopting this perspective to address the German reception of
Spinozism allows to reflect on the connection between philosophy and love.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 213
Amigos ilustrados
1 Acerca de la recepción de Spinoza en Alemania, pueden verse las siguientes obras: Walther,
M., “Histoire des problèmes de la recherche”. Les Cahiers de Fontenay, Nº 36-38, Spinoza entre
lumière et romantisme, París, 1985; Timm, H., Gott und die Freiheit. Studien zur Religionsphilosophie
der Goethezeit. I. Die Spinozarenaissance. Frankfurt del Meno: Vittorio Klostermann, 1974; Otto,
R., Studien zur Spinozarezeption in Deutschland im 18. Jahrhundert. Frankfurt del Meno: Peter Lang,
1994; Schröder, W., Spinoza in der deutschen Frühaufklärung. Würzburg: Königshausen & Neu-
mann, 1987; Walther, M., “Machina civilis oder Von deutscher Freiheit”. En Cristofolini, P. (edi-
tor), L’Hérésie Spinoziste. La discussion sur le Tractatus Theologico-Politicus 1670-1677, et la Réception
immédiate du spinozisme. Ámsterdam y Maarssen: Apa-Holland University Press, 1995; Winkle,
S., Die heimlichen Spinozisten in Altona und der Spinozastreit. Hamburgo: Verein für Hamburgische
Geschichte, 1988. En español: Solé, María Jimena, Spinoza en Alemania (1670-1789). Historia de la
santificación de un filósofo maldito, Editorial Brujas, Córdoba, 2011.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
214 María Jimena Solé
secular. La amistad que forjaron duró hasta el final de sus vidas y fue el símbolo
de la nueva era de mayor tolerancia religiosa y libertad de expresión, que Fede-
rico II impulsaba en Prusia desde que había subido al trono hacía algunos años.
Probablemente sobre un tablero de ajedrez, la conversación entre ellos
debe haber revelado rápidamente profundas afinidades y un interés comparti-
do: la filosofía de Spinoza.3 Atreviéndose a desafiar el anatema que desde hacía
más de un siglo prohibía a los judíos leer sus escritos, Mendelssohn ya lo había
estudiado.4 Lessing probablemente se sentía atraído por la extravagante ima-
gen del Filósofo maldito, del Príncipe de los ateos, que sus biógrafos y refutadores
habían instalado en el imaginario de la ortodoxia intelectual alemana.5 Inme-
diatamente emprendieron un proyecto en conjunto: la escritura de un ensayo.
La excusa era participar del concurso de la Academia Real de Ciencias y Letras
que Federico II había transformado en una de las principales instituciones
para el fomento de la cultura y difusión de las ideas de la Ilustración. La con-
signa de ese año proponía investigar el significado de la frase “todo está bien”
del poema An Essay on Man de Alexander Pope6 y su relación con la doctrina
leibniziana del optimismo metafísico, según la cual Dios ha creado el mejor
de los mundos posibles. En un contexto en que la filosofía leibniz-wolffiana
comenzaba a perder apoyo entre los filósofos alemanes, Mendelssohn y Les-
sing decidieron satirizar la consigna y denunciarla como un intento por elevar
al poeta Pope al rango de filósofo. Spinoza se coló en el escrito, que titularon
¡Pope un metafísico!,7 y que finalmente no ingresaron al certamen pero publi-
caron anónimo antes de que se conocieran los resultados.
4 Cf. Levy, Z., Baruch Spinoza –Seine Aufnahme durch die jüdischen Denker in Deutschland, Kohlham-
mer, Stuttgart, 2001, p. 24. El anatema contra Spinoza se encuentra reproducido en J. Freudent-
hal / M. Walther, Die Lebensgeschichte Spinozas. Lebensbeschreibungen und Dokumente. Stark erweiter-
te und neu kommentierte Neuausgabe der Lebensgeschichte Freudenthal 1899, Frommann-Holzboog,
Stuttgart-Bad Cannstatt, 2006, t. I, p. 262. Véase la versión castellana en Domínguez A., (comp.),
Biografías de Spinoza, Alianza, Madrid, 1995, pp. 186-187.
5 Véase, entre otros, el artículo “Spinoza” en el Dictionnaire Historique et Critique de Pierre Bayle
(Idem, Diccionario histórico y crítico (antología), estudio, trad. y notas de F. Bahr. Buenos Aires:
FFyL-UBA, 2003).
6 Pope, A., An Essay on Man; In Epistles to a Friend. London: Wilford, 1733 y 1734.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 215
Las referencias a Spinoza son pocas, pero elocuentes. Había algo de rebel-
día en el gesto de citarlo. Los jóvenes amigos mostraban públicamente que lo
conocían, que lo habían leído y que, a pesar de conceder que había sido un
“renombrado hereje”8 por afirmar que la extensión era un atributo de Dios,
no estaban dispuestos a deshacerse de él por completo ni a aceptar cualquier
calumnia en su contra. Al analizar el poema de Pope, Lessing y Mendelssohn
rechazan una supuesta influencia spinoziana que estaría expresada en los
versos “Whose body Nature is, and God the soul” [Cuyo cuerpo es la Naturaleza,
y cuya alma es Dios]. “¡Cuán distinta era la opinión de Spinoza!”, se lamentan;
y advierten que ha habido “otros filósofos equivocados” que han considerado
a Dios como el alma de la naturaleza “y que se encuentran tan alejados del
spinozismo como de la verdad.”9
Es posible adivinar tras esta afirmación una voluntad de hacer una lectura
novedosa del spinozismo, que probablemente surgió en el franco intercambio
de ideas al que dio lugar, seguramente, el vínculo amistoso –vínculo que, a
la vez, debe haberse visto fortalecido gracias al poderoso ingrediente de la
complicidad. A diferencia de lo que la mayoría de los profesores de filosofía
y teología alemanes habían hecho hasta el momento, los amigos intentaban
comprender a Spinoza sin condenarlo pero, además, parecían querer encon-
trar la vía para rescatarlo de una larga historia de ataques injustos.10 Esta acti-
tud vuelve a aparecer en una carta que Lessing envió a Michaelis pocos meses
después de conocer a Mendelssohn, en la que lo elogia por sus habilidades en
matemáticas, lenguas, filosofía y poesía y, para resumir su descripción, elige
8 Lessing, G. E., Werke, 8 tomos, editado por H. G. Göpfert. München: Carl Hanser, 1970-1979,
t. III, p. 662. Esta crítica puede rastrearse tanto en el artículo de Bayle ya mencionado como en la
refutación que Christian Wolff hace del spinozismo incluida en su obra Teología natural. Cf. Wolff,
Ch., Theologia naturalis, Methodo scientifica pertractata. Pars 1. Editio nova. Frankfurt am Main/
Leipzig: Renger, 1739.
10 Existen ciertos antecedentes que pueden entenderse como condiciones que habilitaban una
nueva actitud hacia el Filósofo maldito. En primer lugar, la refutación que Wolff había publica-
do en 1739 (cf. Wolff, op. cit.) era una primera refutación filosófica que apuntaba a mostrar la
inexactitud de algunos de sus conceptos sin recurrir a las estrategias usuales de tergiversación y
ataques personales. Poco después, había aparecido la traducción alemana de la Ética que incluía
también la refutación wolffiana, hecha por Johann Lorenz Schmidt (cf. B.v.S. Sittenlehre widerleget
von dem berühmten Weltweisen unserer Zeit Herrn Christian Wolff, trad. y ed. de Johann Lorenz
Schmidt. Leipzig/Frankfurt am Main, 1744). También se había publicado un ensayo contra la
interpretación de Bayle del spinozismo con la protección de la Academia Real. (cf. Goldenbaum,
op.cit., p. 279 y Altmann, op.cit., p. 35).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
216 María Jimena Solé
11 Carta a Michaelis del 16 de octubre de 1754 en Lessings Briefe, Berlin y Weimar: Aufbau-Ver-
lag,1983, p. 28.
13 Según Mendelssohn, la Sinagoga no tenía derecho a aplicar esa clase de castigo –propio del
Estado que ejerce el poder temporal– sino que, en tanto que iglesia que ejerce un poder espiritual,
únicamente puede recurrir a la persuasión. Al respecto, véase Zac, S., op.cit., pp. 11 y ss.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 217
15 Los dos fragmentos son: “Durch Spinoza ist Leibniz nur auf die Spur der vorherbestimmten Harmo-
nie gekommen” [“A través de Spinoza, Leibniz dio sólo con la pista de la armonía preestablecida”]
y “Über die Wirklichkeit der Dinge außer Gott” [“Sobre la realidad de las cosas fuera de Dios”].
Lessing los envía a Mendelssohn en una carta del 17 de abril de 1763. Ambos fueron publicados
póstumos bajo el título Spinozisterey. Véase Lessing, G. E., Sämtliche Werke, ed. K. Lachmann y F.
Muncker. Berlín, 1886-1924, t. XVII, pp. 196 y ss.. Traducción al español en Mendelssohn, M. y
Lessing, G. E., Debate sobre Spinoza, op. cit.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
218 María Jimena Solé
Dios tiene de esa cosa. La idea de la cosa que existe en la mente divina y la
cosa realmente existente deben ser idénticas. Trazar allí una distinción sería
duplicar innecesariamente los entes y, por lo tanto, conviene sostener que
todas las cosas son reales en Dios.
Claramente, la lectura de Lessing tomaba un camino diferente a la de su
más querido amigo. La reivindicación de Spinoza no podía hacerse a cosa de
una interpretación que lo aproximaba al respetado Leibniz, al punto de tergi-
versar su doctrina por completo. El Filósofo maldito debía ser redimido por
sus propios méritos. No sólo había honradez y espíritu filosófico en Spinoza.
Había también verdad en su filosofía. ¿Era quizás la única filosofía? ¿Se había
hecho Lessing amigo de Spinoza?
Es probable que Lessing haya comenzado a pensar de esta manera. La
influencia de ciertas ideas spinozianas en algunas de sus obras, especialmente
en La educación del género humano, no pasó inadvertida a sus contemporá-
neos.16 Además, algunos de sus allegados habían visto escritas de su puño y
letra en sus cuadernos y hasta en una madera en el jardín de la casa del poeta
Gleim, en Habertstadt, las palabras en griego “εν και παν” –“uno y todo”–
lema asociado desde hacía tiempo al panteísmo y, por lo tanto, a Spinoza.17
Es, por lo tanto, dudoso que Friedrich Heinrich Jacobi se haya sorpren-
dido cuando, en julio de 1780 visitó a Lessing en Wolfenbüttel y, después de
darle a leer la oda Prometeo –escrita por Goethe por todavía inédita–, éste le
confesó su disgusto frente a las ideas ortodoxas de la divinidad, su rechazo
del libre arbitrio y su adopción del punto de vista del hen kai pan. “Entonces
usted estaría bastante de acuerdo con Spinoza”, replicó Jacobi. Lessing asintió
y su respuesta desencadenó una polémica que cambió el rumbo de la historia
de la filosofía: “Mejor conviértase en su amigo. No hay otra filosofía que la
filosofía de Spinoza”.18
17 Los testimonios son de Johann Albert Reimarus (carta a Mendelssohn en Mendelssohn, M.,
Gesammelte Schriften. Jubiläumsausgabe, op. cit., tomo 13.3, p. 155) y de Herder (carta a Jacobi
del 6 de febrero de 1784 en Jacobi, F. H., Briefwechsel. Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie
der Wissenschaften. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 1987 y ss., tomo I.3, p. 279).
18 Jacobi, F. H., Über die Lehre des Spinoza in Briefen an den Herrn Moses Mendelssohn [Car-
tas sobre la doctrina de Spinoza al señor Moses Mendelssohn]. Breslau: Gottlieb Löwe, 1785, p. 13.
Traducción al español en AAVV, El ocaso de la Ilustración. La polémica del spinozismo. Trad., notas
y estudio preliminar de M. J. Solé. Bernal: Editorial de la Universidad Nacional de Quilmes/
Prometeo, 2013.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 219
Amigos sentimentales
19 Goethe, J. W., Die Leiden des jungen Werther. Leipzig: in der Weygandschen Buchhandlung,
1774.
20 Véase H. Nicolai, Goethe und Jacobi. Studien zur Geschichte ihrer Freundschaft, Metzlersche und
Poeschel, Stuttgart, 1965, pp. 37 y ss.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
220 María Jimena Solé
¡Qué días!”.21 Spinoza tuvo una importancia fundamental en las biografías in-
telectuales de ambos. Fue también el nudo que los mantendría atados en una
sinuosa amistad hasta el final de sus vidas.
Goethe había descubierto a Spinoza poco tiempo antes. En una carta del 7
de mayo de 1773, solicitaba a Höpfner conservar el ejemplar de la Ética que
le había prestado, pues deseaba ver cuán lejos podía seguirlo “en sus fosas
y túneles subterráneos”.22 Su interés se concentró en el aspecto práctico del
sistema. Años más tarde, en un conocido pasaje de su autobiografía Poesía y
verdad, Goethe relata que la lectura del artículo de Pierre Bayle, que presenta
a Spinoza como un ateo virtuoso, lo había hecho desconfiar. Una vida a acor-
de a los seres humanos y a Dios no podía basarse en principios perniciosos.23
Según una entrada del diario personal de Lavater, del 28 de junio de 1774,
Goethe consideraba que “Spinoza fue un hombre extraordinariamente justo,
sincero y humilde” y que “nadie se ha expresado tan adecuadamente sobre la
divinidad y el Salvador”.24
Goethe consideró a Spinoza, desde el comienzo, un ejemplo de vida.
Consideró, además, que a una vida virtuosa debía corresponder una filosofía
verdadera. Ya en sus primeras obras literarias es posible encontrar ciertas
ideas de inspiración spinozista, como la presencia del sentimiento panteísta
de la unidad con la totalidad, la concepción de la libertad como autodeter-
minación, la afirmación de una necesidad universal y la identificación de los
conceptos de realidad y perfección.25 Lejos del ateísmo y el fatalismo que le
21 Jacobi a Goehte, 28 de diciembre de 1812. Carta citada en Bach, A., Goethes Rheinreise, mit
Lavater und Basedow, im Sommer 1774. Zürich: Seldwyla, 1923, p. 169, documento 93.
23 “Primero, el hombre es denunciado como ateo y sus opiniones como sumamente reprobables;
pero luego se admite que fue un hombre tranquilo, reflexivo y dedicado a sus estudios, un buen
ciudadano, un ser humano confiado, una persona comunicativa, un individuo callado. De este
modo, parece que se han olvidado totalmente las palabras del Evangelio: «¡Por sus frutos los
conoceréis!» Pues, ¿cómo puede ser que una vida acorde a los seres humanos y a Dios se base
en principios perniciosos?” (Goethes Werke. Hamburger Ausgabe in 14 Bänden, ed. por Erich Trunz,
Christian Wegener. Hamburgo, 1948 y ss., t. 10, p. 76).
24 Goethe, J. W., Goethe und Lavater. Briefe und Tagebücher, Schriften der Goethe-Gesellschaft,
tomo 16. Hermann Böhlaus Nachfolger, 1901, pp. 287, 291-2.
25 Cf. Bolacher, M., Der junge Goethe und Spinoza. Studien zur Geschichte des Spinozismus in der
Epoche des Sturms und Drang. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1969, pp. 175-191. También Car-
los Astrada indica la tendencia panteísta de Goethe en Werther y Fausto, y afirma que ésta remite
a la influencia spinozista (cf. Astrada, C., Goethe y el panteísmo spinociano. Santa Fe: Universidad
del Litoral, 1933).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 221
27 Jacobi mismo relata todo esto en un pasaje autobiográfico de su David Hume. Über den Glauben
oder Idealismus und Realismus [David Hume. Sobre la creencia o idealismo y realismo]. Breslau: Löwe,
1786. Existe una traducción al español de esta obra, de J. L. Villacañas (en Jacobi, F. H., Cartas a
Mendelssohn. David Hume. Carta a Fichte, trad., intr. y notas de J.L.Villacañas, Madrid: Biblioteca
Universal, 1995).
28 Idem., p. 188.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
222 María Jimena Solé
estas novelas capturan el ideario del nuevo movimiento literario del Sturm
und Drang –la figura del genio, la concepción panteísta de la naturaleza y la
exaltación de las emociones individuales– pero desde una perspectiva crítica,
intentando poner en evidencia ciertas contradicciones que veía en ambos. Si
bien no existen fuentes textuales que permitan reconstruir la discusión entre
ellos acerca del spinozismo, es factible suponer que Jacobi descubrió que Goe-
the y los Stürmer creían ver en aquel sistema, específicamente en el concepto
spinoziano de una divinidad inmanente, el fundamento para la construcción
de una nueva posición estética, ética y religiosa fundada en una visión divini-
zada de la naturaleza, que conducía al rechazo del Dios creador y a la reivin-
dicación de una nueva imagen del ser humano que exaltaba su autonomía. A
partir de ese momento, Goethe y Spinoza conformaron, en la mente de Jacobi,
una unidad indisociable.29 Es por ello que años más tarde utilizaría su oda Pro-
meteo como una manera de escudriñar las convicciones teológicas de Lessing
y confirmar la sospecha de su secreto spinozismo.
Goethe reaccionó con crueldad a las críticas al ideario del Sturm und Drang
contenidas en la novela de Jacobi. Clavó un ejemplar de Woldemar en un ár-
bol del parque Ettersburger, en las afueras de Weimar y se burló de él frente
a un grupo de personas.30 La recientemente iniciada amistad en seguida se
mostró conflictiva. Las convicciones fundamentales de los nuevos amigos
parecían imposibles de armonizar y los años posteriores pondrían en eviden-
cia en qué medida el terreno fértil del spinozismo en el que su vínculo había
echado raíces, tenía para cada uno un sentido contrapuesto e irreconciliable.
Se trataba, en realidad, de terrenos diferentes.
Spinoza era para Jacobi, al mismo tiempo, un héroe y un monstruo. En el
curso de su famosa conversación con Lessing en Wolfenbüttel, luego de que
éste le confesara que conocía a Spinoza y que si debía “invocar un nombre”,
no conocía “ningún otro”,31 Jacobi afirma que, por fundarse en el principio “a
nihilo, nihil fit” –nada proviene de la nada–, Spinoza rechaza la posibilidad de
una creación absoluta y postula una causa inmanente del universo, que con-
duce tanto al ateísmo como al fatalismo y, por lo tanto, destruye los fundamen-
tos de la moral, la religión y el orden político. Jacobi no quiere ser amigo de
Spinoza, como le recomienda Lessing. Sin embargo, acepta que el spinozismo
29 Cf. Villacañas, J. L., “Una entrevista que transformó la cultura alemana”. En Jacobi, F. J., Cartas
a Mendelssohn. David Hume. Carta a Fichte, op. cit., pp. 5 y ss.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 223
32 Ibidem, p. 29.
33 Mendelssohn, M., Morgenstunden oder Vorlesungen über das Daseyn Gottes. Berlin: Voss, 1785.
Mi traducción al español de una selección de esta obra se encuentra publicada en AAVV, El ocaso
de la Ilustración…, op. cit.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
224 María Jimena Solé
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 225
37 Idem.
40 Goethe, J. W., Studie nach Spinoza en IDEM, Werke. Berliner Ausgabe, ed. por Siegfried Seidel.
Berlin: Aufbau, 1960 y ss., t. 18, p. 140. Mi traducción al español de una esta obra se encuentra
publicada en AAVV, El ocaso de la Ilustración…, op. cit..
42 Herder, J. G., Gott. Einige Gespräche, Gotha: Karl Wilhelm Ettinger, 1787. Mi traducción al
español de una selección de esta obra se encuentra publicada en en AAVV, El ocaso de la Ilustra-
ción…, op. cit..
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
226 María Jimena Solé
Herder en este texto. Para ello, expone una novedosa interpretación del spi-
nozismo, que identifica la sustancia con la fuerza originaria de la naturaleza y,
de esta manera, enfatiza su carácter vital, dinámico y productivo.
Spinoza había encontrado, en los lectores de Weimar, nuevos amigos.
La Ética, con su divinidad inmanente y su amor Dei intellectualis como fin
práctico al que tiende el proyecto de perfeccionar el conocimiento humano,
se transformó para ellos en un nuevo Evangelio y Spinoza en un cristiano
ejemplar.43
Amigos idealistas
43 “Que Spinoza sea para vosotros siempre el santo cristiano”, escribe Herder en la dedicatoria
del ejemplar de la Ética que obsequia a Charlotte von Stein en 1784 (Herder, Sämtliche Werke.
Berlin: Suphan, 1877 y ss., t. XXIX, p. 697).
44 Hölderlin, F. Sämtliche Werke, Briefe und Dokumente. Ed. por D. E. Sattler. München: Luchter-
hand, 2004, tomo 3, p. 60. Traducción al español: Hölderlin, F., Correspondencia completa, intro y
trad. de H. Cortés y A. Leyte. Madrid: Hiperión, 1990, p. 115. La referencia a libros sobre Spinoza
remite a las Cartas sobre la doctrina de Spinoza de Jacobi, que había tenido una segunda edición
en 1789 y al que Hölderlin le dedica un breve fragmento de noviembre de 1790. Cf. “Zu Jakobis
Breifen über die Lehre des Spinoza” en Hölderlin, F. Sämtliche Werke, Briefe und Dokumente, op. cit.,
pp. 40 y ss. Traducción al español: “Acerca de las cartas de Jacobi sobre la doctrina de Spinoza” en
Hölderlin, F., Ensayos, trad. F. Martínez Marzoa. Madrid, Hiperión, 1976.
45 Citado en Rosenkranz, K., Georg Wilhelm Friedrich Hegel’s Leben. Berlin, Duncker und Hum-
blot: 1844, p. 40. También en Hölderlin, F. Sämtliche Werke, Briefe und Dokumente, op. cit., 58.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 227
46 Hegel, G. W. F., Escritos de juventud, trad. de J. M. Ripalda. México: FCE, 1978, p. 51.
47 Ibidem, p. 52.
48 Idem.
49 Idem.
50 Ibidem, p. 54.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
228 María Jimena Solé
51 Ibidem, p. 58.
52 Ibidem, p. 59.
53 Idem.
54 Idem.
55 Schelling, Vom Ich als Princip der Philosophie oder über das Unbedingt im menschlichen Wissen,
1795. En Schelling, Sämtliche Werke, editada por K. F. A. Schelling. Stuttgart: Cotta, 1856-1861,
tomo I.1, pp. 73-168. Traducción al español: Del Yo como principio de la filosofía, trad. Giner
Comín y F. Pérez-Borbujo. Madrid: Trotta, 2004.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 229
“ser uno con todo lo viviente”, se transforma en “el cielo del hombre”57 y
anima el viaje de retorno al origen, de retorno a la naturaleza que empren-
de el atormentado protagonista.
Algunos años más tarde, cuando Hegel se trasladó a Jena para ocupar
un puesto de Docente privado gracias a las gestiones de su amigo Schelling,
publicó dos obras en las que se pone en evidencia que también él había
adoptado el hen kai pan como el símbolo de una nueva visión de la totalidad.
En Fe y saber dedica largas páginas a responder a las críticas de Jacobi al spi-
nozismo, mostrando no sólo su familiaridad con la polémica, sino también
la madurez de su lectura.58 En el Proemio al escrito sobre la Diferencia entre
los sistemas de Fichte y Schelling, Spinoza parece perfilarse como el auténtico
filósofo frente a Kant y frente a Fichte, ambos atrapados en la escisión pro-
pia del punto de vista de la reflexión.59 Spinoza es, para el joven Hegel, el
único que había logrado elevarse al pensamiento de la totalidad en el que el
momento de la negatividad, de la determinación, es fundamental.
Spinoza fue, para Schelling, Hölderlin y Hegel, un lugar de encuentro.
La lectura que hicieron en conjunto de sus obras, signada por la juvenil
irreverencia de estudiantes brillantes y críticos, tejió entre ellos un lazo
invisible que los mantuvo unidos todavía después de separarse. Spinoza
fue, además, una de las principales fuentes de inspiración para ellos. Las
referencias constantes a su doctrina en las primeras obras de los jóvenes
idealistas lo confirman. Así, junto con el idealismo trascendental de Kant
y la Doctrina de la ciencia de Fichte, el sistema de Spinoza es usualmente
señalado como el otro pilar sobre el cual se apoyan los primeros desarro-
llos filosóficos y poéticos de estos tres amigos, y sin el cual la génesis del
Idealismo alemán sería inexplicable.
57 Hölderlin, F., Hyperion oder der Eremit in Griechenland, Tübingen: Cotta, 1797. Traducción al
español: Hölderlin, F. Hiperión o el eremita en Grecia, trad. J. Munárriz. Madrid: Hiperión, 1998,
p. 25.
58 Hegel, G. W. F., Glauben und Wissen. En Kritisches Journal der Philosophie. N° II.2. Tübingen:
Cotta, 1802. Traducción al español: Hegel, G.F.W., Fe y saber: o la filosofía de la reflexión de la
subjetividad en la totalidad de sus formas como filosofía de Kant, Jacobi y Fichte, trad. de V. Serrano.
Madrid: Biblioteca Nueva, 2006.
59 Hegel, G. W. F., Die Differenz des Fichteschen und Schellingschen Systems der Philosophie. Jena:
Seidler, 1801. Traducción al español: Idem, Diferencia entre los sistemas de Fichte y Schelling, trad.
M. del Carmen Paredes Martín. Madrid: Tecnos, 1990.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
230 María Jimena Solé
La amistad, según Spinoza, es el lazo que une a los hombres que viven según
la guía de la razón y concuerdan plenamente unos con otros, pues hacen
necesariamente lo que es bueno para sí mismos y para el resto de los seres
humanos60. Se trata de hombres libres, cuyas acciones se siguen de su sola
naturaleza y, por lo tanto, promueven la concordia y la unión. El bien que
desean para sí, lo desean también para los demás hombres61. La generosidad,
que caracteriza a los seres humanos en la medida en que conocen adecuada-
mente, es “el deseo por el que cada uno se esfuerza, en virtud del solo dicta-
men de la razón, en ayudar a los demás hombres y unirse a ellos mediante la
amistad”62. Ahora bien, Spinoza reconoce que raramente el ser humano es
plenamente racional, plenamente libre. Somos modos finitos y no podemos
dejar de serlo63. Estamos siempre sujetos a las pasiones y nos acomodamos
al orden común de la naturaleza en la medida en que las circunstancias nos
lo imponen. Nos esforzamos por conocer, por actuar. Pero jamás somos ple-
namente racionales ni plenamente activos. ¿Es entonces la amistad también
un ideal inalcanzable, un objetivo hacia el cual avanzamos, pero en definitiva
imposible? La experiencia –a la que el propio Spinoza recurre tan frecuente-
mente como fuente de enseñanzas– parece indicar lo contrario.
Si imaginamos que alguien ama lo que nosotros amamos, explica Spinoza
en una proposición de la cuarta parte de la Ética, su amor “resulta alentado”64
y si bien la concordancia en las pasiones suele ser frágil, es innegable que
amamos con más ardor y más constancia aquello que los otros seres huma-
nos también aman65. De hecho, constantemente nos esforzamos por que los
otros amen lo que nosotros amamos. El amor por Spinoza se alimenta y da
60 Spinoza, B., Ethica ordine geometrico demostrata (1677) en Spinoza, B., Opera, 4 tomos, ed.
C. Gebhardt. Heidelberg: Winter, 1925, tomo I. Cito esta obra como es habitual, indicando la
sigla E, la parte en números romanos y la proposición en números arábigos. Si me refiero a otra
sección, lo indico con la abreviatura. Cito siempre según la siguiente traducción al español: Ética
demostrada según el orden geométrico, introd., trad, y notas de Vidal Peña. Barcelona: Orbis, 1980.
E IV, 35 y E IV, 71, esc.
61 E IV, 37
63 E IV, 4.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 231
Referencias
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
232 María Jimena Solé
______. Studie nach Spinoza en IDEM, Werke. Berliner Ausgabe, ed. por Siegfried Seidel.
Berlin: Aufbau, 1960 y ss.
______. Goethes Werke. Weimarer Ausgabe, Weimar, 1887-1912.
______. Goethes Werke. Hamburger Ausgabe in 14 Bänden, ed. por Erich Trunz,
Christian Wegener. Hamburgo, 1948 y ss.
______. Goethe und Lavater. Briefe und Tagebücher, Schriften der Goethe-Gesellschaft,
tomo 16. Hermann Böhlaus Nachfolger, 1901.
______. Estudio sobre Spinoza. En AAVV, El ocaso de la Ilustración. La polémica del
spinozismo, selección, traducción y estudio preliminar de M. J. Solé. Bernal: Editorial
de la Universidad Nacional de Quilmes/Prometeo, 2013.
GOLDENBAUM, U. “Mendelssohns schwierige Beziehung zu Spinoza”. En Schürmann,
E., Waszek, N., y Weinreich, F. (comps.), Spinoza im Deutschland des achtzehnten
Jahrhunderts. Stuttgart-Bad Cannstatt: Forman-Holzboog, 2002.
HEGEL, G. W. F. Gesammelte Werke, Rheinisch-Westfälischen Akademie der
Wissenschaften, Felix Meiner Verlag, Hamburg, 1968.
______. Die Differenz des Fichteschen und Schellingschen Systems der Philosophie. Jena:
Seidler, 1801.
______. Glauben und Wissen. En Kritisches Journal der Philosophie. N° II.2. Tübingen:
Cotta, 1802.
______. Diferencia entre los sistemas de Fichte y Schelling, trad. M. del Carmen Paredes
Martín. Madrid: Tecnos, 1990.
______. Fe y saber: o la filosofía de la reflexión de la subjetividad en la totalidad de sus
formas como filosofía de Kant, Jacobi y Fichte, trad. de V. Serrano. Madrid: Biblioteca
Nueva, 2006.
HERDER, J. G. Gott. Einige Gespräche. Gotha: Karl Wilhelm Ettinger, 1787.
______. Sämtliche Werke, editado por B. Suphan, Berlin, 1877 y ss.
______. Dios. Algunas conversaciones. En AAVV, El ocaso de la Ilustración. La polémica del
spinozismo, selección, traducción y estudio preliminar de M. J. Solé. Bernal: Editorial
de la Universidad Nacional de Quilmes/Prometeo, 2013.
HÖLDERLIN, F. Sämtliche Werke, Briefe und Dokumente. Ed. por D. E. Sattler.
München: Luchterhand, 2004.
______. Hyperion oder der Eremit in Griechenland, Tübingen: Cotta, 1797.
______. Correspondencia completa, intro y trad. de H. Cortés y A. Leyte. Madrid:
Hiperión, 1990.
______. Ensayos, trad. F. Martínez Marzoa. Madrid, Hiperión, 1976.
______. Hiperión o el eremita en Grecia, trad. J. Munárriz. Madrid: Hiperión, 1998.
JACOBI, F. H. Über die Lehre des Spinoza in Briefen an den Herrn Moses
Mendelssohn. Breslau: Gottlieb Löwe, 1785.
______. Briefwechsel. Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie der Wissenschaften.
Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 1987 y ss.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Los amigos prusianos. Episodios de la recepción de Spinoza en el siglo XVIII 233
______. Cartas a Mendelssohn. David Hume. Carta a Fichte, trad., intr. y notas de
J.L.Villacañas, Madrid: Biblioteca Universal, 1995.
______. Cartas sobre la doctrina de Spinoza al señor Moses Mendelssohn. En AAVV, El
ocaso de la Ilustración. La polémica del spinozismo, selección, traducción y estudio
preliminar de M. J. Solé. Bernal: Editorial de la Universidad Nacional de Quilmes/
Prometeo, 2013.
LESSING, G. E. Sämtliche Werke, ed. K. Lachmann y F. Muncker. Berlín, 1886-1924.
______. Lessings Briefe, Berlin y Weimar: Aufbau-Verlag, 1983.
LEVY, Z. Baruch Spinoza –Seine Aufnahme durch die jüdischen Denker in Deutschland.
Stuttgart: Kohlhammer, 2001.
MENDELSSOHN, M. Moses Mendelssohn’s gesammelte Schriften. Leipzig, 1843-1845.
______. Philosophische Gespräche. Berlin: Voss, 1755.
______. Morgenstunden oder Vorlesungen über das Daseyn Gottes. Berlin: Voss, 1785.
______. Gesammelte Schriften. Jubiläumsausgabe, editado por A. Altmann. Berlin:
Akademie-Verlag, 1929 y ss. Reedición: Stuttgart-Bad Cannstatt: Friedrich Frommann
Verlag (Günther Holzboog), 1974 y ss.
______. Horas matinales o lecciones acerca de la existenncia de Dios. En AAVV, El ocaso de
la Ilustración. La polémica del spinozismo, selección, traducción y estudio preliminar de
M. J. Solé. Bernal: Editorial de la Universidad Nacional de Quilmes/Prometeo, 2013.
MENDELSSOHN, M.; LESSING, G. E. Debate sobre Spinoza, estudio preliminar,
selección de textos, traducción y notas M. J. Solé. Córdoba: Encuentro Grupo Editor/
Brujas, 2010.
MORFINO, V. Genealogia di un pregiudizio, in La Spinoza-renaissance nella Germania di
fi ne Settecento. Milano: Unicopli, 2017.
NICOLAI, F. Introducción. En Moses Mendelssohn’s gesammelte Schriften. Leipzig,
1843-1845.
OTTO, R. Studien zur Spinozarezeption in Deutschland im 18. Jahrhundert. Frankfurt del
Meno: Peter Lang, 1994.
POPE, A. An Essay on Man; In Epistles to a Friend. London: Wilford, 1733 y 1734.
ROSENKRANZ, K. Georg Wilhelm Friedrich Hegel‘s Leben. Berlin, Duncker und
Humblot: 1844.
SCHELLING, F. Sämtliche Werke, editada por K. F. A. Schelling. Stuttgart: Cotta, 1856-
1861.
______. Del Yo como principio de la filosofía, trad. Giner Comín y F. Pérez-Borbujo.
Madrid: Trotta, 2004.
SCHÜRMANN, E.; WASZEK, N.; WEINREICH, F. (comps.), Spinoza im Deutschland
des achtzehnten Jahrhunderts. Stuttgart-Bad Cannstatt: Forman-Holzboog, 2002.
SOLÉ, M. J. Spinoza en Alemania (1670-1789). Historia de la santificación de un filósofo
maldito. Córdoba: Brujas, 2011.
SPINOZA, B. Opera, 4 tomos, ed. C. Gebhardt. Heidelberg: Winter, 1925.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
234 María Jimena Solé
______. B.v.S. Sittenlehre widerleget von dem berühmten Weltweisen unserer Zeit Herrn
Christian Wolff, trad. y ed. de Johann Lorenz Schmidt. Leipzig / Frankfurt a. Main,
1744.
______. Ética demostrada según el orden geométrico, introd., trad, y notas de Vidal
Peña. Barcelona: Orbis, 1980.
TIMM, H. Gott und die Freiheit. Studien zur Religionsphilosophie der Goethezeit. I. Die
Spinozarenaissance. Frankfurt del Meno: Vittorio Klostermann, 1974.
SCHRÖDER, W. Spinoza in der deutschen Frühaufklärung. Würzburg: Königshausen &
Neumann, 1987.
VILLACAÑAS, J. L. “Una entrevista que transformó la cultura alemana”. En Jacobi, F.
J., Cartas a Mendelssohn. David Hume. Carta a Fichte, op. cit.
WALTHER, M. “Histoire des problèmes de la recherche”. Les Cahiers de Fontenay, Nº
36-38, Spinoza entre lumière et romantisme, París, 1985.
WINKLE, S. Die heimlichen Spinozisten in Altona und der Spinozastreit. Hamburgo:
Verein für Hamburgische Geschichte, 1988.
WOLFF, Ch. Theologia naturalis, Methodo scientifica pertractata. Pars 1. Editio nova.
Frankfurt am Main/Leipzig: Renger, 1739.
ZAC, S. Spinoza en Allemagne. Mendelssohn, Lessing et Jacobi. París: Meridien
Klincksieck, 1989.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.211-234, jul.-dez. 2017
Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga*
O silêncio de Marx:
sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845
Marx’s silence:
on the reception of Spinoza, 1841-1845
Resumo
Esse artigo tem como objetivo não só analisar a recepção da filosofia de Espinosa
por Marx, mas também estabelecer um diálogo entre ambas as filosofias. A partir
da análise de obras dos dois autores, conclui-se que, embora se possa estabelecer
uma relação de influência na formulação do conceito de “verdadeira democracia”
por Marx, o resultado interpretativo mais produtivo ocorre quando um diálogo
filosófico é estabelecido entre ambos os autores. Aí se pode ver o que constitui a
originalidade de cada um.
Abstract
This paper aims not only to analyse the reception of Spinoza’s philosophy by Marx,
but also to establish a dialogue between both philosophies. From the analyses
of works by Spinoza and Marx, it can be concluded that, although it is possible
to establish a relation of influence in Marx’s formulation of the concept of “true
democracy”, the most productive interpretative result occurs when a philosophical
dialogue is established between the two authors, as it is only then that one can see
what constitutes the originality of each of these thinkers.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
236 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
1. Marxismo e Espinosismo
1 Nesse sentido, Tosel afirma que “é mais fácil fazer a história das interpretações de Espinosa
no seio dos diversos marxismos do que determinar a função precisa da referência a Espinosa
na obra de Marx e de definir o uso feito por Marx da problemática espinosana na elaboração de
seu pensamento” (1997. Tradução minha). No entanto, como aponta Fischbach, apesar de Marx
nunca ter se declarado explicitamente um discípulo de Espinosa, não se deve concluir que há um
papel menos importante da filosofia de Espinosa para a constituição da própria obra de Marx, pois
“Marx teve necessidade de Espinosa para poder escapar de Hegel, no sentido de que Marx jogou
Espinosa contra Hegel , no sentido de que Espinosa apareceu a Marx como aquele que permitiria
criticar de modo radical, no próprio interior de sua realização hegeliana, a filosofia moderna com-
preendida como uma metafísica idealista e teológica da subjetividade” (FISCHBACH, 2014, p.35.
Tradução nossa). Embora afirme que haja um papel preponderante de Espinosa na constituição
do pensamento de Marx, Fischbach não realiza um estudo conceitual consistente de forma que
demonstrasse tal relação de influência.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 237
4 Ibidem, p.15
5 Tosel, A. Pour une étude systématique du rapport de Marx à Spinoza: remarques et hypothèses.
In: Tosel, A.; Moreau, P-F; Salem, J. Spinoza au XIXe siècle. Paris: Publications de la Sorbonne,
2007. Tradução nossa.
6 Ibid.
7 Althusser, L. Elementos de autocrítica. In: Posições 1. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978a.
P.104.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
238 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
a mesma oscilação entre uma tendência a ler Spinoza segundo uma pers-
pectiva pré-marxista, no sentido de uma dialética da emancipação, da
liberação do complexo teológico-político e da desalienação, ou do poder
constituinte, e uma outra tendência insistente sobre a infinidade da luta
contra todas as ilusões [...] afirmando a incapacidade de se ultrapassar a
dimensão imaginária na constituição do conatus e na produção da potên-
cia da multidão.11
8 Ibid., p.105.
9 Ibid., p.107.
10 Althusser, L. O objeto de O Capital. In: ALTHUSSER, L. et al. Ler o capital. 2 vol. Tradução
Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979-1980. P.42.
13 Yovel, Y. Espinosa e outros hereges. Tradução de Maria Ramos e Maria Elisabete. Lisboa: Impren-
sa Nacional – Casa da Moeda, 1999.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 239
que, embora tenha feito juízos distintos ao longo de sua obra a respeito de
Espinosa, “Marx utilizou o pensamento de Espinosa para muito além do que
admitiu”, e que sua filosofia da imanência em muitos aspectos “parece-se
com a de Espinosa”.15 Para Yovel, “Espinosa está quase sempre presente no
pensamento de Marx”.16 Um ponto comum entre tais autores encontra-se na
análise da relação de Marx com Espinosa sob a perspectiva da influência. Tal
caminho também será seguido por Diogo Aurélio.17 Para esse autor, Marx
depara-se na obra de Espinosa com a defesa mais contundente da democracia
no pensamento moderno. Para Aurélio, tal defesa, realizada por Espinosa,
não se dá apenas em termos retóricos, mas consiste numa conclusão neces-
sária decorrente duma ontologia que rejeita toda e qualquer transcendência
e finalismo, e “não pode, em coerência, identificar a política senão com a
realização coletiva dos indivíduos, preservando a liberdade de cada um deles
e aumentando a sua potência de agir”.18 Embora Marx jamais tenha com-
partilhado do entusiasmo por Espinosa que podemos encontrar em Heine e
Hess, o seu conceito “de democracia [...] apresenta marcas evidentes do autor,
cuja obra, redescoberta no último quartel do século XVIII, tinha inflamado
a cultura alemã, suscitando a célebre ‘querela do panteísmo’”.19 Seguindo a
mesma linha, Pascucci20 considera que não só há uma influência de Espinosa
na obra da juventude de Marx, mas também que parte do sistema da maturi-
dade de Marx, principalmente O Capital, deriva da leitura que Marx efetuou
da obra espinosana nos Cadernos Espinosa: “O aparato conceitual espinosano,
da Ética, do TTP e das Cartas, é o fundamento de uma teoria da práxis que
encontramos em O Capital e no Grundrisse e, sobretudo, no conceito de va-
lor”.21 Bensussan, por outro lado, considera que não é possível falar de qual-
quer influência de Espinosa sobre Marx, pois o autor da Crítica da Filosofia
16 Ibid., p.296.
17 Aurélio, D. O mais natural dos regimes: Espinosa e a democracia. Lisboa: Círculo de Leitores, 2014.
18 Ibid., p. 38.
19 Ibid., p.37. Ainda que Aurélio afirme que possamos encontrar “marcas evidentes” de Espinosa
na elaboração do conceito de “verdadeira democracia” de Marx, o seu texto carece de um trabalho
conceitual mais forte.
20 Pascucci, M. La potenza della povertà: Marx legge Spinoza. Verona: Ombre corte, 2006.
21 Ibid., p.11. Tradução nossa. Caso admitamos que a tese de Pascucci esteja correta, qual seria,
de fato, o elemento que constitui a originalidade de Marx? Se grande parte do aparato conceitual
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
240 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
Como nos diz Solè, o estudo da recepção de um filósofo envolve superar dois
pressupostos: 1. O pressuposto objetivo, que é localizar as menções explíci-
tas que um autor faz de outro autor ao longo de sua obra. 2. O pressuposto
subjetivo, que é tentar medir o impacto inconsciente que a leitura do autor
influenciador provoca no autor influenciado. A respeito da impossibilidade
de se atender a esse segundo pressuposto, Solè escreve:
de Marx deriva de Espinosa, o que Marx apresentou de novo em relação a Espinosa? Pascucci não
se preocupou em responder a essas questões.
23 Ibid., p.1082. Tradução nossa A afirmação de Bensussan de que o Espinosa utilizado por Marx
é de “segunda mão” é incorreta, ou pelo menos não pode ser tomada ao pé da letra, se conside-
ramos que em 1842 Marx transcreveu 171 fragmentos do TTP, apresentados nesta edição pela
primeira vez em português, além de trechos de cartas de Espinosa.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 241
Com efeito, Marx refuta Espinosa com três argumentos que poderiam ser
admitidos como espinosistas.28 Em primeiro lugar, a matéria é causa de si ou,
como afirma Marx se referindo a Hobbes, “ela [a matéria] é a causa de todas
25 Os Cadernos Espinosa consistem-se em trechos do TTP e das Cartas copiados por Marx duran-
te o período em que cursava o doutorado em 1841.
26 Nesse sentido, Tosel afirma que “o Espinosa aqui criticado é aquele da Ética compreendida
como um tratado dogmático de metafísica que possui um ‘conteúdo profano’, mas que perdeu
a sua razão histórica de existir. Não é mais o Espinosa antiteológico-político, mas o filósofo que
especula.” Tosel, A., op.cit. Tradução nossa.
27 Marx, K.; Engels, F. A sagrada família, ou A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e
consortes. Tradução, organização e notas de Marcelo Backes. – 1. Ed. revista. São Paulo, Boitempo,
2011. P. 143-144. Grifos dos autores.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
242 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
A partir desse momento Marx não colocará mais Espinosa no rol dos pen-
sadores que ele considerava como detentores de uma reflexão que tivesse
como objeto privilegiado o questionamento do imaginário teológico-político.
Diante disso, a relação aqui estudada entre Espinosa e Marx não tratará de
uma pesquisa de influência, em que menções explícitas ao filósofo holandês
e relações de continuidades constituiriam o objeto privilegiado de investiga-
ção. Seguimos aqui Yves Citton31, que, referindo-se ao problema do estudo
da presença do espinosismo nos pensadores do Iluminismo Radical francês,
observa que
30 Ibidem, p.150.
31 Citton, Y. L’invention du spinozisme dans la France du XVIIIe siècle. In: Bove, L., Citton, Y.,
Lordon, F. Qu’est-ce que les Lumières « Radicales ». Paris : Éditions Amsterdam, 2007, p. 299-324.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 243
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
244 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[68] Por direito e instituição da natureza não entendo outra coisa que
as regras da natureza de cada indivíduo, segundo as quais concebemos
cada um como naturalmente determinado para existir e agir de certo modo.
Assim, por exemplo, os peixes são determinados por natureza para nadar,
os maiores para comerem os menores, por isso que os peixes, por supremo
direito natural, são os senhores da água e os maiores comem os menores.35
[69] E como a lei suprema da natureza é que cada coisa se esforce, tan-
to que esteja em si, por perseverar em seu estado, não tendo nenhuma
outra razão, mas apenas esta, segue-se que cada indivíduo tem supremo
direito a isto, ou seja, para existir e para agir conforme é determinado
naturalmente.36
35 Marx, K. Exzerpte und Notizen bis 1842. MEGA Marx/Engels Gesamtausgabe, IV, Abteilung,
Band I, Dietz Verlag, Berlim, 1976. Tradução nossa.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 245
[73] Se [...] cada um transfere todo o poder que possui para a socieda-
de, que, deste modo, reteria sozinha o sumo direito natural sobre todas as
coisas, isto é, o poder supremo, ao qual cada um, ou por ânimo livre ou
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
246 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
por temor do sumo suplício, será obrigado obedecer. De fato, tal direito da
sociedade é chamado democracia, que, por conseguinte, é definido como a
união de todos os homens, que coletivamente tem o direito soberano sobre
todas as coisas que estão sem seu poder. 40
[74] este direito de ordenar seja o que for que queiram apenas compete
às autoridades supremas enquanto possuam realmente o sumo poder: se
o perderem, perdem também ao mesmo tempo o direito de ordenar todas
as coisas e (este direito) recai naquele ou naqueles que o conquistaram e o
podem conservar.41
Nos cadernos de extratos, Marx não copia o trecho no qual Espinosa ex-
põe as garantias do Estado democrático contra os absurdos dos governantes.
Por ser uma forma de governo na qual o poder é exercido por um colegiado, é
pouco provável que a maioria de seus membros concordem com um absurdo.
Além disso, o próprio “fundamento e finalidade” da democracia “não é senão
o de evitar os absurdos do instinto e conter os homens, tanto quanto possível
dentro dos limites da razão, para que vivam em concórdia e paz”.42
A possibilidade de um governante deter um poder absoluto não só em re-
lação às leis e às regras práticas, mas também em relação aos corpos e a subje-
tividade dos súditos, é recusada por Espinosa. Ora, se um ocupante do poder
soberano fosse capaz de controlar totalmente os ânimos dos súditos nenhum
governo necessitaria recorrer à violência ou estaria em risco de dissolver-se.
“A vontade”, por conseguinte, “de um homem não pode estar completamente
sujeita à jurisdição alheia, porquanto ninguém pode transferir para outrem,
nem ser coagido a tanto, o seu direito natural ou a sua faculdade de raciocinar
livremente e ajuizar sobre qualquer coisa.”43
43 Idem, p.300.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 247
[75] Mas talvez alguém pensará que tornamos por este motivo os súditos es-
cravos, porque julgam ser escravos quem age por mandato e livre quem gere
a sua natureza de acordo com a sua vontade [...] na realidade, é escravo no
mais alto grau quem é, deste modo, arrastado por sua paixão e não pode
ver nem fazer nada que não lhe seja útil; somente (é) livre aquele que vive
com a alma inteiramente conduzida pela razão. [...] se o fim da ação não é
a utilidade do próprio que age, mas (daquele) que ordena, então o que age é
escravo e inútil para si: mas na república e no Estado onde a lei suprema é a
salvação de todo o povo e não daquele que manda, quem em todos as coisas
obedece à autoridade suprema não deve se considerar a si mesmo um escra-
vo inútil, mas um súdito; por este motivo, a república absolutamente livre é
aquela cujas leis são fundadas na reta razão, aí, nesse lugar cada um pode
ser livre onde queira, isto é, viver inteiramente pela condução da razão.44
45 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
248 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 249
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
250 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
54 Althusser, L. O marxismo como teoria “finita”. Revista Outubro, v.2, n.5, 1998. P.66.
55 Idem, p.71.
56 Garo, I. Marx, une critique de la philosophie, Seuil (Points Essais), Paris, 2000, p.38. Tradução
nossa.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 251
se, por um lado, dependente de uma ideia do sujeito como causa de si, esse
pensamento oblitera, incontestavelmente, a finitude, por outro lado, na
medida em que ele não para de insistir nessa vontade de autoinstituição
continuada, ele declara volens nolens que essa identidade de si a si só
pode existir reconquistada, permanentemente, ao desprendimento e à des-
possessão que, por sua vez, não cessa de introduzir o tempo. Assim a verda-
deira democracia, regida pelo princípio de autofundação continuada, não é
pensada como realização definitiva, mas como uma unidade, fazendo-se e
refazendo-se permanentemente, contra o surgimento sempre ameaçador da
heteronomia; em resumo, levada pelo movimento da infinitude do querer.58
3. Conclusão
59 Conferir, sobre este tema, Kouvelakis, S. Philosophy and Revolution: from Kant to Marx. Lon-
don: Verso, 2003. P.313.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
252 Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
Referências
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
O silêncio de Marx: sobre a recepção de Espinosa em 1841-1845 253
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.235-253, jul.-dez. 2017
tradução de Pedro H. G. Muniz
Pierre-François Moreau*
Resumo
Spinoza baseia suas teorias éticas e políticas num estudo geométrico dos afetos
humanos. A raiz destes afetos é o esforço de cada um para perseverar em seu ser,
racional ou não. Os efeitos desta produção passional são complicados pela imitação
espontânea dos afetos dos outros e pela opacidade de cada indivíduo para si mesmo.
O poder desses indivíduos é traduzido, em nível pessoal, por um devir singular;
no plano político, por um direito natural permanente que permanece, de fato, um
direito apaixonado e às vezes torna cada um inimigo potencial do Estado.
Abstract
Spinoza bases his ethical and political theories on a geometric study of human
affects. The root of these affects is the effort of each one to persevere in its being,
rationally or not. The effects of this passional production are complicated by the
spontaneous imitation of the affects of others and by the opacity of each individual
to himself. The power of these individuals is translated, on a personal level, by
a singular becoming; on the political level, by a permanent natural right which
remains in fact a passionate right and makes sometimes each one a potential enemy
of the State.
* Pierre-François Moreau é professor da École Normale Supérieure (ENS) de Lyon (IHRIM, ENS
de Lyon). E-mail: moreau.pf@free.fr.
Pedro Muniz é doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
-Rio). E-mail: phgmuniz@gmail.com.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
256 Pierre-François Moreau . tradução de Pedro H. G. Muniz
“Ser radical, dizia o jovem Marx, é levar as coisas às suas raízes; e para o
homem a raiz é o próprio homem”. Spinoza (quase) poderia ter dito o mes-
mo. Sua filosofia não se reduz a uma antropologia, mas esta última constitui
grande parte dela, e determina o essencial do resto. Uma antropologia que se
baseia em três pilares: uma doutrina dos afetos; uma teoria das aptidões e das
disposições e uma reorganização do direito natural.
Para os filósofos do século XVII, falar do homem é antes de tudo falar de suas
paixões: elaborar uma lista delas e deduzir as paixões derivadas das paixões
primárias, buscar suas causas (nas relações entre a alma e o corpo) e aprender
a superá-las ou a governá-las. Spinoza não deixa de fazer o mesmo: de fato,
ele constrói toda uma geometria dos afetos a partir de três raízes, que são o
desejo, a alegria e a tristeza. Ele analisa a impotência e o dilaceramento do
homem apaixonado. Ele insiste constantemente no fato de que, diante da
vida afetiva que descreve, mesmo que com frequência ela nos torne infeli-
zes e impotentes, ainda assim não devemos condená-la como os teólogos e
os moralistas; nem zombarmos dela, com os autores satíricos; nem reclamar
dela e fugir, como os homens melancólicos. É preciso estudar os afetos como
os geômetras estudam linhas, superfícies e volumes.2 Esta vida afetiva é o
conteúdo e o próprio produto do nosso esforço para perseverar na existência,
ou seja, ela é a consequência das leis da nossa natureza assim como a chuva
ou a tempestade são as consequências das leis da natureza externa. É melhor
conhecer essas leis para usá-las e governá-las do que reprová-las em nome de
uma essência ideal do homem que não existe em lugar nenhum. Mas ao invés
de opor diretamente a razão e as paixões, Spinoza distingue entre os afetos ati-
vos e os afetos passivos. A alegria ou o desejo ativos não contrariam a conduta
racional, pelo contrário: eles a reforçam. O universo afetivo não é, portanto,
o mundo do mal absoluto: ele é o lugar de um conflito no qual a potência de
agir traça o seu caminho partindo da servidão e em direção à liberdade.
Spinoza não é o primeiro a dizer isso: antes dele veio Descartes, e para
este, uma parte essencial de nossas vidas se baseia nas paixões. As paixões são,
portanto, fundamentalmente boas – todo o problema vem do mau uso que
2 Sobre o modelo geométrico, ver Fabrice Audié, Spinoza et les mathématiques, Presses de l’Uni-
versité Paris-Sorbonne, 2005.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
Spinoza: uma teoria do homem. Uma antropologia materialista 257
fazemos delas. Descartes havia assim rompido tanto com a tradição antiga e
medieval de condenação das paixões como vícios (nas obras dos estoicos ou
dos cristãos), quanto com o seu uso puramente pragmático (em Aristóteles,
que se pergunta como o falante pode usá-las para convencer seu público, ou
o poeta trágico para emocionar sua audiência). Ele afirmou ter construído
uma ciência das paixões e, de fato, em seu tratado As Paixões da Alma, ele
edificou uma análise delas a partir de seis paixões primitivas (a admiração,
o desejo, o amor, o ódio, a alegria e a tristeza), às quais todas as outras, da
inveja à cólera, do medo à esperança, eram interligadas como sendo ou deri-
vadas, ou composições. Todavia, essa construção é baseada em uma doutrina
das relações da alma e do corpo que, por um lado, coloca-os em oposição (o
que é ação no corpo é paixão na alma e vice-versa) e, por outro, tem como
base uma fisiologia altamente questionável – fundamentada na hipótese de
que uma pequena glândula localizada no meio do cérebro pode, através de
seus movimentos, transmitir ao corpo os impulsos da alma e a esta última as
percepções do corpo. O erudito dinamarquês Steno havia mostrado que isso
era impossível. Antes de se converter ao catolicismo e de se tornar um propa-
gandista militante da religião, Steno foi amigo íntimo de Spinoza, e este citou
seus argumentos, sem citar o nome de Steno, no prefácio da quinta parte da
Ética.3 Para além dessa recusa empírica fundamentada na estrutura concreta
do cérebro, as metafísicas spinozista e cartesiana se contradizem precisamen-
te no que diz respeito à questão do próprio status da alma e do corpo: onde
Descartes vê uma oposição, Spinoza identifica uma unidade de potência. Des-
sa forma, ele rejeita o núcleo da explicação cartesiana, mas guarda a ideia de
um tratamento científico dos afetos, o qual escapa à retórica ou à moralidade.
A raiz dos afetos é fornecida pelo esforço de cada ser, incluindo os huma-
nos, para perseverar em seu ser, isto é, para desenvolver sua potência de agir.
Assim, há apenas três afetos fundamentais: o desejo, que é esse esforço e a
consciência que o indivíduo possui dele; e a alegria ou a tristeza, que deno-
tam o aumento e a diminuição da potência de agir. Eles são, portanto, defi-
nidos por uma mecânica interna do indivíduo, e não por seus objetos – estes
últimos são secundários em relação aos movimentos afetivos que os visam.
Todo o repertório passional é então produzido a partir desses movimentos
fundamentais: representar (de maneira correta ou incorreta) uma causa ex-
terna à própria alegria ou tristeza é colocar em movimento o amor e o ódio;
3 Cf. Steno: Discours sur l’anatomie du cerveau, apresentado e anotado por Raphaële Andrault,
Paris, Classiques Garnier, 2009.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
258 Pierre-François Moreau . tradução de Pedro H. G. Muniz
4 Ver Philippe Drieux: Perception et sociabilité. La communication des affects chez Descartes et Spino-
za, Classiques Garnier, 2015
5 No original: “Atque haec neminem ignorare existimo, quamvis plerosque se ipsos ignorare
credam”. Nota do tradutor.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
Spinoza: uma teoria do homem. Uma antropologia materialista 259
A transformação do indivíduo
6 Ver Isabelle Sgambato-Ledoux: Oreste et Néron. Spinoza, Freud et le mal. Classiques Garnier, 2017.
7 Julie Henry: Spinoza, une anthropologie éthique – Variations affectives et historicité de l’existence. Clas-
siques Garnier, 2015 ; Jacques-Louis Lantoine: Politique des dispositions. Sur l’Etat spinoziste, no prelo.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
260 Pierre-François Moreau . tradução de Pedro H. G. Muniz
luz, diante dos nossos olhos, a personagens que evoluem, buscam o poder
ou a sabedoria, resistem ou não aos golpes do destino. Por que Alexandre o
Grande, depois de uma inversão da sorte, repentinamente se torna vítima da
superstição? O que acontece com esse poeta espanhol que, depois de uma
doença, perde sua memória e não reconhece suas próprias obras? Por que um
filho foge da autoridade paterna se alistando no exército, onde sofrerá com
uma disciplina ainda mais forte? Como os pais usam o estímulo da honra e
da inveja para incitar seus filhos a determinados comportamentos e não a
outros? Ao lado da história dos historiadores, outra história é invocada por
Spinoza: a dos indivíduos de todos os dias, tal como nos fornecem os nossos
próprios olhos e nossa memória, mas também os poetas e os dramaturgos,
que de alguma forma condensaram tal história em suas obras, e os quais
Spinoza cita com frequência, integrando-as em sua prosa. Sempre que ele
menciona a impotência primordial da Razão diante dos afetos, a frase que
Ovídio coloca na boca de Medéia retorna regularmente: “enxergo o que é
melhor, mas sigo o que é pior”. Estaríamos errados em ver nessas citações
uma beleza retórica, um ornamento como os que são apreciados pelos auto-
res humanistas desde o Renascimento. Se a escrita seca e sóbria de Spinoza se
preocupa em incluir esses fragmentos vivos da existência humana, é porque
eles trazem um material insubstituível para o questionamento aguçado que
anima sua obra sobre essa questão: o que, no fundo, é o indivíduo?
A invocação de exemplos (históricos ou emprestados da vida cotidiana)
e o raciocínio sobre a dinâmica das interações humanas se juntam hoje em
dia, de uma forma diferente, aos questionamentos que fazem a sociologia ou
a psicologia a respeito da formação das individualidades ou da inculcação dos
habitus. E aí também a sorte e o livre-arbítrio dão lugar à descoberta das leis
que regulam o feixe de possibilidades através das quais nossa personalidade,
nossas ideias e nossas ações são construídas e modificadas. Essas teses sobre o
indivíduo são, portanto, exatamente o oposto de um individualismo: trata-se
de saber o que atrai esse indivíduo de um lado ou de outro, o que lhe dá a
possibilidade de evoluir na direção de um melhor conhecimento de si mesmo
e da Natureza e na direção de um controle de seus afetos – ou, pelo contrário,
o que o leva à escravidão e à infelicidade, pessoal ou coletiva. A doutrina
spinozista do indivíduo deve, portanto, conduzir de uma forma muito lógica
a uma teoria da educação (que é apenas esboçada, mas que podemos recons-
tituir com a ajuda das poucas indicações dispersas na Ética, nos Tratados e
em suas correspondências) e a uma política – a qual é longa e amplamente
exposta nos dois Tratados que lhe são consagrados.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
Spinoza: uma teoria do homem. Uma antropologia materialista 261
O direito natural
Essas leis da natureza que compõem o indivíduo também governam seu re-
lacionamento com os outros – e, portanto, também com o Estado e com a
sociedade. Aqui, Spinoza parece retomar sabiamente os instrumentos desen-
volvidos por seus predecessores, e que por muito tempo permanecerão em
uso: os direitos naturais. Mas ao olhar de perto, não é o caso.
Teorias do contrato social, antes de Spinoza (Grotius, Hobbes) e depois
dele (Locke, Pufendorf, Rousseau), seguem todas um raciocínio com uma
série de conceitos organizados entre si: estado de natureza, direito natural,
lei natural, pacto, sociedade civil, etc. Cada um desses teóricos modifica essa
organização, e a concepção que cada um deles desenvolve do estado de na-
tureza tem um efeito sobre sua concepção da sociedade civil. Por exemplo,
se imaginamos que é absolutamente impossível viver no estado de natureza
(como na obra de Hobbes), o indivíduo não tem nada a perder ao abandoná-
-lo e é absolutamente necessário que ele o faça. Dessa forma, ele não tem nada
para negociar no momento do pacto, e entrega praticamente todos os seus
direitos ao Estado – exceto, às vezes, o de fugir caso o Soberano queira matá-
-lo ou mandar matá-lo. Se, pelo contrário, imaginamos o estado de natureza
como já permitindo um início de vida humana, e até mesmo social (com tra-
balho e propriedade, como em Locke), é certamente necessário passar para o
estado de sociedade para melhorar essa vida (por exemplo, ao tornar a justiça
mais eficaz do que no estado de natureza, no qual cada indivíduo só pode
contar consigo mesmo para fazer justiça), mas não a qualquer preço. Temos
então algo a negociar no momento do pacto e, por exemplo, também certo
direito de controle sobre o governo. Em ambos os casos, a oposição entre os
indivíduos, que os colocam uns contra os outros no estado de natureza (e
que de alguma forma é legítima nesse estado, já que ainda não existe uma lei
do que é “proibido”) torna-se ilegítima no estado de sociedade civil, uma vez
que este é criado. Assim, a sociedade deriva sua legitimidade do fato de que
supostamente os indivíduos entraram nesse estado voluntariamente, saindo
de um estado de natureza no qual eles estavam isolados. É, portanto, a sua
vontade, ou algo equivalente, que originalmente os tornou membros do Esta-
do e sujeitos ao soberano. As condições desse pacto fornecem as razões pelas
quais eles devem, a partir desse momento, obedecer ao Soberano e às leis. É
possível que tais condições forneçam ainda as razões pelas quais eles podem
desobedecer ou até derrubar o Soberano (caso este não tenha cumprido as
promessas do pacto – contanto que ele as tenha feito).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
262 Pierre-François Moreau . tradução de Pedro H. G. Muniz
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
Spinoza: uma teoria do homem. Uma antropologia materialista 263
poder – isso é certo. Mas tal dinâmica não basta para esclarecer o que é uma
sociedade bem construída, isto é, um poder que não abuse dos direitos que
lhe são conferidos pelos cidadãos, e que pode se permitir respeitá-los preci-
samente porque o equilíbrio das estruturas sociais faz com que a liberdade
dos cidadãos não represente um perigo para ele. Melhor ainda, a liberdade
dos cidadãos é a condição mesmo da duração de um poder que não é abusivo.
Contudo, a mera constatação das dinâmicas de forças e dos equilíbrios na
verdade não é suficiente para representar essa ligação de segundo nível entre
o poder e os cidadãos. É preciso recorrer a outro sistema de visualização, um
que apresente a potência dos indivíduos de uma forma legível. A temática
da lei natural e do contrato fornece tal representação. Dessa forma, ela não
é uma ilusão em relação à verdade naturalista da espontaneidade social: ela
é ao mesmo tempo o produto e a condição de seleção dessa espontaneidade,
que permite passar da vida humana simples à verdadeira vida, no sentido
histórico-social desse termo. E a verdadeira vida nesse sentido é também a
que faz com que o máximo de indivíduos possa se encaminhar para o conhe-
cimento e a bem-aventurança.
Voltemos ao jovem Marx: o homem em Spinoza é, de fato, o objeto central
do olhar, mas ele não está na raiz – a verdadeira raiz são as leis da natureza.
Trata-se, portanto, de uma antropologia materialista, e não humanista.
Referências
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.255-263, jul.-dez. 2017
entrevista
Por Maxime Rovere*
How did Spinoza change in the last fifteen years ? In what sense is this author
not any more the one the commentators used to read ?
Spinoza has recently become an object not only of philosophical studies, but
also of intellectual history. To understand this, one must acknowledge the pe-
culiar gap, in some academic cultures, existing between « philosophy » and
« history of philosophy » on the one hand, and « historical studies » and « in-
tellectual history » on the other. In these countries (France and Brazil seem
to be some of them), the organisation of academic life didn’t allow to “intel-
lectual history” the place it had in Germany, where it appeared in the XIXth
century, or later in Italy, Great Britain or in the United States. Now, what is
the difference? Whereas history of philosophy looks at philosophical ideas,
philosophers and others things that might have influenced them, focusing on
the philosophical debate itself, intellectual history is about how philosophers
and economists, legal reformers, scientists, etc., influence the intelligentsia
as a group in order to reform and refine institutions. It is about society, but
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
268 Entrevista com Jonathan Israel . Por Maxime Rovere
In this approach, Spinoza appears as one actor among the Spinozist movement.
And this is not only helpful to explains how Spinoza’s philosophy emerged,
but also how it contributed to political changes.
This is the reason why I find the book by Jean-Baptiste Stouppe, La Religion
des Hollandais (1673), but also Cornelis Bontekoe’s notebook and later Pierre
Bayle’s Dictionnaire historique et critique (1697) extremely important, because
they all describe how Spinoza established a movement. This has never been
totally accepted by intellectual historians. Antoine Lilti, for example, main-
tains that Spinoza’s circle was isolated, that their publications in Dutch had
little influence in Europe, and that the reference to Spinoza in the XVIIIth
century is “déracinée”, far from its original Dutch context. But Stouppe sug-
gests that Spinozism is not just a philosophical movement; it has some fea-
tures of an almost religious sect. Others documents from the period of Bayle
say that. I want to show that in the wider European scene, early texts of Eng-
lish deism for example – think of John Toland (1670 – 1722) – are in direct
connection with Spinozism. A less known example is Matthew Tindal’s book,
The Rights of the Church Demonstrated (1706). It gave birth to one of the main
controversies of the XVIIIth century; thirty books were published in reply.
Why was it seen as so highly offensive ? Because it claimed that the Christian
church had no political rights regarding society. This certainly doesn’t sound
like Hobbes, but it recalls an anonymous book, De jure ecclesiasticorum, pub-
lished in Holland in 1665 and certainly written by someone close to Spinoza.
Tindal took his argument from this text, written in Latin. This shows that a
huge controversy on the rights of the church came out of a specifically Dutch
context. But the problem is, European intellectual historians have made a
gentlemen’s agreement that each of them would claim its own country to have
played the most important role. This is why the Cambridge school – J. G. A.
Pocock and Quentin Skinner – didn’t pay enough attention to the Dutch
Republic.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
Spinozismo, or how to raise higher political consciousness 269
But then, it sounds as if everything came from a single origin. Isn’t it strange
to drawn back this movement to the very person or figure of Spinoza ?
Shouldn’t we avoid diffusionnism?
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
270 Entrevista com Jonathan Israel . Por Maxime Rovere
The specificities you are pointing seem to cause a spectacular break. How
does this match with long scale evolutions ? Are there no continuities with
previous movements ?
Well, the difference between Moderate and Radical Enlightenment, for exam-
ple, was meant to particularize our understanding of political ideas. Or cour-
se, there are other categories that could be dropped: liberalism for instance
is so vague (especially in the XIXth century) that it is misleading; there are
too many different directions. When a term generates more misuse than help,
then it should be abandoned. On the contrary, there is a general agreement
1 J.I. has published so far : Radical Enlightenment: Philosophy and the Making of Modernity, 1650
– 1750 (2001) ; Revolutionary Ideas: An Intellectual History of the French Revolution from The Rights
of Man to Robespierre (2014) ; The Expanding Blaze: How the American Revolution Ignited the World,
1775-1848 (2017).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
Spinozismo, or how to raise higher political consciousness 271
on certain points about Enlightenment: the ideas that many institutions and
laws are obsolete, that they should be changed or improved, and that philoso-
phy and science will give us the bases and guidelines for these improvements.
One who would not subscribe to these points, even if he goes frequently to
coffee-houses in Paris, would not be part of the Enlightenment. And one who
would, would then find himself in opposition to the spirit of the time, becau-
se Enlightenment is not a “mentalité”. Now, the difference between Moderate
and Radical Enlightenment actually comes from Leo Strauss. In Leo Strauss’
views, the main feature of the Radical Enlightenment is that it is persecuted,
its partisans must hide, and therefore they should be read between the li-
nes. This category is useful for very complicated cases. Moses Mendelssohn
(1729 – 1786), for instance, is one of them. He is moderate and radical at
the same time, because he is not so much concerned with intellectual consis-
tency as achieving certain goals. Nonetheless, we can’t just point out all the
nuances, contradictions and different strategies. If you just say that there is
a vast range of possibilities and leave it there, it won’t be very helpful to the
general reader or even to the scholars. We need broad categories to have a
discussion, to compare the XVIIth with the XIXth century, to describe general
phenomenon. After all, why do we think that our institutions are archaic and
need to be changed, some say intensively, some say only on many aspects ?
Nor the Chinese thinkers, nor the authors before the XVIIth century, looked
at society that way. We wouldn’t see this without the Radical Enlightenment.
We wouldn’t see the novelty of Spinozism without it.
You describe Spinozism as a long term current that seems to run throughout
history. How do you conceive of the continuity of an intellectual movement?
What conception of time is conveyed by this type of storytelling?
The continuity lies in the fact that the spinozist concepts have been con-
stantly reintroduced in intellectual history. Think of G. E. Lessing (1729 –
1781) and Heinrich Heine (1797 – 1856). They are obsessed with Spinoza.
Why ? Because Heine basically thinks : “we have a revolutionary conscious-
ness and eventually this conscience might achieve real things”. Of course, the
revolutionary consciousness doesn’t need Spinoza, but with Spinoza, you can
elevate it to a higher level. Spinoza’s readers can draw from him an ethical
inspiration which will help underpin the better society they long for. And
there are so many of these people who keep on reintroducing Spinoza – even
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
272 Entrevista com Jonathan Israel . Por Maxime Rovere
today, there is a whole lot of rhetoric about “conatus” and these words… –,
that I would argue there is a continuous process in a sense. It is not always
refined, not always rigorous, many writers do strange things with Spinoza
(see for example Moses Mendelssohn), but his philosophy is still playing an
inspirational role. It is a powerful force. Another eloquent example: a fellow
named Ignác Einhorn (1825 – 1875), son of a rabbi, joined the revolutionary
movement in Budapest and became a proeminent journalist and activist in
1847-1849; during these years, he became very disillusioned when he discov-
ered that the Magyars leaders were not so keen on securing ethnic minorities’
rights in any sense. When the Hungarian revolution became defeated in 1849,
Einhorn fled to Leipzig and wrote a book called Spinozas Staatslehre, were his
argument reads as follows. Hegel, Fichte, Schelling all say Spinoza is impor-
tant for philosophy, but they ignore his political thought. This, according to
Einhorn, is absurd because Spinoza’s political thought is just as important as
his metaphysics, and is going to change Europe and the world through revo-
lutionary action. This is a good illustration of the significant role Spinozism
did play. Einhorn is not a great thinker, but his book was very influential.
In the discussion about what democracy is, universal and equal rights again
have become central for Europeans and Americans since 1848, and the place
of the individual in society, and how to stabilize and guarantee all the free-
doms of expression, individual liberty of conviction, etc., are today vital in
our societies. What can we do to understand and promote that ? The Marxists
historians who studied XVIIth century were often looking at mass movement
and great shifts, and were not really looking at the position of the individu-
als within the society. Although it has appeared here and there, one of the
most important things about Spinoza is the articulation between individual
and society. Anarchist traditions preserved this aspect better than Marxist
traditions. On a small scale, anarchists are good at promoting the individual
freedoms, but they are not interested in their constitutional forms, nor how
to build a democratic state. Spinoza was very interested by both aspects. So
the way Radical Enlightenment conceived of oppression and human misery
in the world differs from the way socialists did. That seems to me very impor-
tant. Both movement agree that we could live much better, because we are
under an oppression that makes the majority of humans live an unnecessary
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
Spinozismo, or how to raise higher political consciousness 273
miserable life. And fairly, that could be changed. But these movements disa-
gree on the causes of oppression. Radical Enlightenment considers it happens
because our ideas are all wrong. And if we could change the way people think,
then we would have a better society. Now, according to socialism, ideas are
not the issue; the problem is that the economic system is all wrong, and if
you could take hold of the economic system and change it, then we would
have a happier life. As you see, both the perspective and the emphasis is very
different about how to remedy to a problem they basically agree on. That
is why spinozism today would need to be more comprehensively a « post-
-marxist spinozism ». There are changes and transformations in society that
can be explained in terms of philosophical ideas, changes of understanding,
new writings, science, etc. That is the function of Enlightenment. Nicolas de
Condorcet (1743 – 1794), just before he died, maintained that the demo-
cratic republic is the best form of government, provided you can enlighten
the society sufficiently and raise the educational level to the point where it
works. If you can’t do that, it’s better not to try, because if you try to build a
democratic republic with a ignorant and superstitious society, you will end
up with more turmoil than before. Again, the educational issue might be why
the Radical Enlightenment is regaining force today. Doesn’t the “spinozismo”
play a role in Brasil and latin America in general since the 1970s ? This would
illustrate how, in a post-marxist context, Spinozism might be a way to help
the intelligentsias see how to stabilize democratic forms and systems. In any
case, they are enthusiasts who think politics in these terms, and that, in itself,
is interesting.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.267-273, jan.-jun. 2017
tradução
José Francisco Andrade Alvarenga
tradução de Rodrigo Nunes e
1 Esta tradução, por Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga, foi realizada com base
na MEGA Marx/Engels Gesammtausgabe, IV, Abteilung, Band I, Exzerpte und Notizen bis 1842.
Dietz Verlag, Berlim, 1976.
2 Marx utilizou a edição de Heinrich Eduard Gottlieb Paulus da Opera Quae Supersunt Omnia de
Spinoza publicada em 1802-1803.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
278 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[1] Julgam por isso que nada possa com mais clareza provar a existência
de Deus, que quando a natureza, segundo supõem, deixa de seguir sua ordem.
[2] Julgam naturalmente que Deus de modo algum age quando a natureza
pela ordem habitual segue a sua lei, e, ao contrário, que Deus age quando a
potência da natureza e as causas naturais estão ociosas.
[3] O vulgo chama, desta forma, os milagres de a obra insólita da natureza.
[4] É evidente que o vulgo é incapaz de adorar a Deus e só pode referir
todas as coisas a seu domínio e a sua vontade a não ser suprimindo as causas
naturais e imaginando façanhas fora da ordem da natureza, e não adora mais
a potência de Deus a não ser enquanto a imagina como que a subjugar a po-
tência da natureza.
[5] De quanta estultícia não se arroga para si o vulgo, que não tem de
Deus nem da natureza algum conceito sóbrio, que confunde as volições de
Deus com as volições dos homens e que por fim imagina a tal ponto a natu-
reza limitada que crê ser o homem a sua parte principal.
[6] Se acontecesse, por conseguinte, na natureza alguma coisa que re-
pugnasse às suas leis universais, repugnaria necessariamente também aos de-
cretos, ao intelecto e à natureza divina; ou então, se por ventura estatuísse
que Deus faz alguma coisa contrária as leis da natureza, seria, além disso,
obrigado a estatuir ao mesmo tempo que Deus age contra a sua natureza, o
que é um absurdo.
[7] Desta maneira, em virtude de que na natureza nada acontece que não
se siga pelas suas leis, que as suas leis se estendem a tudo o que é concebido
pelo próprio intelecto divino, e, finalmente, que a natureza segue uma ordem
fixa e imutável; conclui-se muito claramente que a palavra milagre não pode
ser compreendida a não ser que relativamente às opiniões dos homens, e não
significa outra coisa que não um fato cuja causa natural não podemos explicar
pelo exemplo de outra coisa costumeira, ou pelo menos não pode explicar
aquele que escreve ou narra o milagre.
[8] Embora a existência de Deus não seja evidente por si mesma, ela deve
ser deduzida por meio de noções cuja verdade seja de tal forma firme e inaba-
lável que nenhuma potência possa ser apresentada nem ser concebida capaz
de modificá-las.
[9] mas de um fato que supera de modo absoluto o nosso poder de com-
preensão, nada podemos conhecer. Com efeito, tudo o que conhecemos clara
e distintamente [isso para si ou para outro, pelo fato de ser conhecida clara e
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 279
5 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
280 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
Primeira página
do caderno de
extratos do Tratado
Teológico-Político
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 281
[17] que separar a fé da filosofia foi o objetivo precípuo de toda essa obra,
[18] Dissemos [no capítulo anterior]8 que o intento da Escritura é sim-
plesmente ensinar a obediência.
[19] Em seguida, o que cada um deve buscar para que obedeça a Deus.
[20] Em suma, é reconhecido por todos que a Escritura não foi escrita e
divulgada para os peritos, mas para todos os homens de qualquer gênero e
raça.
[21] [a fé]9 não é nenhuma outra coisa que atribuir a Deus características
tais que, se ignoradas, é suprimida a obediência no tocante a Deus, e que, se
posta esta obediência, são necessariamente atribuídas.
[22] Segue, enfim, que a fé não requer tanto dogmas de verdade, quanto
dogmas de piedade, isto é, dogmas que levem o ânimo para a obediência.
Ainda que entre estes existam numerosíssimos que não possuam nem sombra
de verdade, contanto que aquele que os abraça ignore que são falsas.
[23] Com efeito, como também já advertimos, do mesmo modo que ou-
trora a fé foi revelada e escrita conforme a compreensão e as opiniões dos
profetas e do vulgo daquele tempo, assim também agora cada um teve que
adaptá-la às suas opiniões, para que deste modo a fé seja abraçada sem algu-
ma oposição da mente e sem alguma hesitação.
[24] Quanto ao que é Deus, ou aquele exemplo da verdadeira virtude:
seja Ele, de fato, fogo, espírito, luz, pensamento, etc. isto não é nada para a fé.
[25] Resta agora, como demonstrarei finalmente, que entre a fé, ou a te-
ologia, e a filosofia não existe nenhuma relação nem afinidade, quanto a isto
quem conheceu o fundamento e escopo destas duas disciplinas não pode
ignorar que divergem completamente. O escopo da filosofia não é nada mais
que a verdade. Por outro lado, o objetivo da fé é apenas a obediência e a pie-
dade. Em seguida, o fundamento da filosofia são as noções comuns, e devem
ser procuradas unicamente por meio da natureza. Os fundamentos da fé, por
outro lado, são a história e a língua; e devem ser procuradas só por meio da
Escritura e da revelação.
8 Inserção de Marx.
9 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
282 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[26] Não importa qual das duas opiniões sigamos, ou a razão ou a Escri-
tura serão corrompidas.
[27] que um dos dois, este naturalmente sem razão, aquele de fato com
razão, enlouquecerá.
[28] É que se a razão, embora proteste contra a Escritura, deve ser, todavia,
submetida completamente, eu pergunto se devemos fazer isso com a razão ou
sem a razão, como os cegos? Se sem a razão, agimos sem dúvida estupidamente
e sem discernimento; se com aquela, só por meio do domínio da razão acolhemos
a Escritura que, por conseguinte, se esta repugnasse a razão, não a acolhería-
mos. E quem, eu pergunto, pode admitir alguma coisa mentalmente com a razão
protestando? O que significa, com efeito, negar alguma coisa com a mente senão
que a razão protesta?
[29] Julgam ser piedoso não se fiar na razão e no próprio juízo, mas, ao
contrário, julgam ímpio duvidar da fé deles, que nos transmitiram por meio
dos livros sagrados; o certo é que isso é uma mera estultícia, não piedade.
[30] Reconheço, evidentemente, que os que julgam que a filosofia e a
teologia se contradizem mutuamente [...] devem renunciar a esta ou àquela,
não estão sem razão ao tentar estudar a teologia, estabelecer os seus funda-
mentos sólidos e demonstrá-la matematicamente. Quem, com efeito, senão um
desesperado e insano desejaria sem piedade renunciar à razão, ou desprezar as
artes e as ciências e negar a certeza da razão? Mas não podemos desculpá-los ab-
solutamente, visto que desejam chamar a razão em seu auxílio e ao mesmo tempo
repeli-la; tentam também tornar incerto o que há de certo na razão.
[31] Enquanto eles desejam expor a autoridade e a verdade da teologia
por meio de demonstrações matemáticas e suprimir a autoridade à razão
e à luz natural, não fazem nada mais que atrair a própria teologia para o
domínio da razão, parecem supor que a autoridade da teologia não tem
nenhum esplendor a não ser que seja iluminada pela luz natural da razão. E
se, ao contrário, se vangloriam de repousarem inteiramente no testemunho
interno do Espírito Santo e só convocar em auxílio a razão para convencer
os infiéis.
[32] Sobre a natureza e a certeza das coisas que são de pura especula-
ção, nenhum espírito dá testemunho a não ser a razão, que somente [como já
apresentamos]10 reivindicou para si o reino da verdade.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 283
[33] para que eles não falem a não ser por causa do preconceito das paixões,
ou diante de grande temor não sejam vencidos pelos filósofos e sejam expostos
ao escárnio público, eles se refugiam nas coisas sagradas, mas inutilmente, pois
em qual altar pode encontrar refúgio quem ultraja a autoridade da razão?
[34] Todos podem obedecer absolutamente e são pouquíssimos [...] que adqui-
rem o hábito da virtude conduzidos só pela razão.
[35] se fosse fácil mandar nos ânimos da mesma maneira como nas línguas,
cada um reinaria em segurança e nenhum governo seria violento. Pois cada
um viveria segundo a índole dos soberanos e só por meio dos seus decretos
julgaria o que seria verdadeiro ou falso, bom ou mal, justo ou injusto. Mas isto,
[como já escrevíamos no início do capítulo XVII]11, não é possível, que a von-
tade de um homem esteja absolutamente sob a jurisdição de outro; pois nin-
guém pode transferir o seu direito natural a outro, ou seja, a sua faculdade de
raciocinar livremente e de julgar sobre as coisas, e ele não pode ser coagido a isto.
[36] Se ninguém pode, desta maneira, renunciar à sua liberdade de julgar
e de opinar o que quiser, mas se cada um por magníssimo direito de natureza é
senhor de seus pensamentos, segue que jamais poderá ser tentado na república,
a não ser com bastante infelicidade, que os homens, ainda que tenham opi-
niões diversas e contrárias, nada falem senão aquilo que estiver de acordo com a
prescrição do poder supremo.
[37] O fim do Estado é portanto a liberdade.
[38] Quem quer determinar todas as coisas por meio de leis antes incitará os
vícios que os corrigirá. O que não pode ser proibido deve ser permitido neces-
sariamente, ainda que muitas vezes sigam daí danos. Quantos males originam-
-se, seguramente, a partir da luxúria, da inveja, da avareza, da embriaguez e
outros similares? No entanto, estas coisas são toleradas, porque o domínio
das leis não pode afastá-las, por mais que sejam realmente vícios; por isso a
liberdade de julgar, que é sem dúvida uma virtude, deve ser concedida muito mais e
nem pode ser oprimida. [Acrescente que a partir desta não se origina nenhum
incômodo que não possa (como mostrarei logo) ser evitado pela autorida-
de do magistrado]12, para que já não se diga que esta liberdade é necessária
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
284 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 285
[43] para que a fidelidade seja, assim, avaliada, não a bajulação, que as
autoridades supremas conservem muito bem o Estado, nem sejam coagidas
a ceder aos sediciosos, deve ser concedida necessariamente a liberdade de pensar.
[44] consta mais claro que a luz meridiana ser antes os cismáticos que con-
denam os escritos dos outros, e instigam sediciosamente o vulgo petulante contra os
escritores, que esses próprios escritores, que, a maior parte do tempo, escrevem
tão somente aos doutos e só convocam em auxílio a razão, donde ser realmente
os perturbadores quem quer num Estado livre abolir a liberdade de pensar, que,
no entanto, não pode ser destruída.
[45] as boas artes e a fidelidade são corrompidas, os aduladores e os pér-
fidos são favorecidos, triunfam os adversários, porque cedem à ira deles, su-
jeitando o Estado à sua doutrina, tornando-se discípulos da doutrina em que
eles se consideravam intérpretes. A que ponto eles são levados? Que tenham
a audácia de tentar lhes usurpar a autoridade e o direito, nem enrubeçam ao
proferir serem eleitos diretamente por Deus e os seus decretos serem divinos, ao
contrário das autoridades supremas que são humanas, e por esta razão deve-
riam ceder aos decretos divinos, que são os seus próprios.
[46] Deus não possui nenhum domínio singular sobre os homens a não
ser através dos que possuem a soberania.
[47] Com efeito, não importa como aquele culto tenha sido revelado [...]
que ele seja para os homens uma lei soberana.
[48] Segue que a saúde do povo é a lei suprema, à qual todas (as leis) tanto
humanas quanto divinas devem ser adaptadas.
[49] De fato, o que estes [os poderes soberanos]13 podem decidir, se para
eles mesmos o direito [sobre as coisas sagradas]14 é denegado? Certamente
nada, nem sobre as guerras, nem sobre a paz, nem sobre assunto algum; se
são subjugados a esperar a opinião de outrem lhes diga se aquilo que porventu-
ra julgam é piedoso ou impiedoso. Mas antes todas as coisas, contrariamente,
serão executadas pelo decreto daquele que tem o poder de julgar e decretar o que
é piedoso ou impiedoso, legítimo ou ilegítimo.
13 Inserção de Marx.
14 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
286 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[50] Onde as opiniões, que cada um possa ter, são tidas [...] por crime, aí se-
guramente será governado violentissimamente; onde isto acontece, a ira enorme
da plebe costuma reinar.
[51] De fato, se quisessem transferir o seu direito para Deus, eles deve-
riam, do mesmo como fizeram os hebreus, fazer um pacto explícito com Ele,
seria exigido não só a vontade de quem transfere o direito, mas também [a
vontade]15 de Deus, para quem (esse direito) seria transferido. Por outro lado,
Ele revelou por meio dos apóstolos que o pacto divino não seria mais escrito
com tinta ou em pedra, mas no coração e no espírito de Deus.
[52] Com efeito, não é a razão de obedecer, mas a obediência que faz o súdito.
[53] Ainda que o homem faça alguma coisa de acordo com a sua própria delibe-
ração, não se deve concluir imediatamente que ele age segundo o seu direito próprio
e não por direito do império.
[54] Se quem fosse muito temido tivesse grandíssimamente o poder, então
teriam mais poder os súditos dos tiranos, que os temem muito.
[55] Instituir, deste modo, o Estado [...] para que todos, seja qual for a sua ín-
dole, prefiram o direito público aos interesses privados, aí é que está a dificuldade.
A urgência desta questão forçou, certamente, a imaginar muitas coisas, mas
no entanto nunca foi possível alcançar a ideia de que o Estado não estivesse
mais em perigo por causa dos cidadãos do que pelos inimigos, e que (os so-
beranos) não tivessem mais medo destes do que daqueles.
[56] Pois os reis, que outrora tinham usurpado o Estado, tentaram, para
se sustentar em segurança, persuadir que as suas origens remontavam aos
deuses imortais, porque, certamente, estimavam que se os súditos e todos os
outros os considerassem não como iguais a eles, mas acreditassem ser deuses,
assentiriam aos reis de bom grado e entregar-se-iam facilmente a eles.
[57] Não há homens, a não ser que sejam inteiramente bárbaros, que permi-
tam ser manifestamente enganados de tal forma que, de súditos, tornam-se escravos
mutilados. Ora, outros puderam mais facilmente persuadir que a majestade
é sagrada e administra a terra no lugar de Deus, que a sua autoridade não é
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 287
constituída pelo sufrágio e consenso dos homens, que ela é conservada e de-
fendida pela providência singular e pelo auxílio divino.
[58] Por isso, neste Estado o direito civil e o religioso, que, como demons-
tramos, consiste somente na obediência a Deus, eram uma única e mesma
coisa. É evidente que os dogmas de religião não eram ensinamentos, mas
leis e mandamentos; a piedade era considerada justiça, a impiedade, crime e
injustiça. [...]. Todas estas coisas consistiam mais em opinião do que em fato.
[59] Com efeito, o que prometeram não seria, como antes, obedecer a
todas as coisas ditas por Deus, mas o que Deus disse a Moisés.
[60] Pelo fato de que o povo crê que o monarca não comanda nada a não
ser pelo próprio decreto revelado por Deus, (o povo) não está menos subme-
tido, mas, ao contrário, está mais submetido a ele.
[61] Os que administram o Estado, ou os que o possuem, seja qual for a
ação que cometam, esforçam-se para sempre imitar a aparência do direito e
persuadir o povo de que agiram honestamente, o que conseguem facilmente
quando toda interpretação do direito depende somente deles.
[62] Isto [ou seja, que o exército era formado por todos os cidadãos]16 foi
um momento de grande importância. Pois é evidente que os príncipes só com
um exército a soldo podem oprimir o povo.
[63] Desta exprobração cotidiana teve origem um ódio constante tal que
nada mais firme poderia enraizar-se nos espíritos, dado ser um ódio que, nas-
cido da máxima devoção ou piedade, era tido ele mesmo como pio, no que
nada pode haver de maior ou mais tenaz.
[64] Sua vida [dos Hebreus]17 era um culto contínuo à obediência.
[65] Esta [a natureza]18 não cria nações, mas indivíduos, que na verdade
não se distinguem em nações a não ser pela diversidade da língua, das leis e
dos costumes herdados.
[66] De modo que as leis foram vistas não como leis, isto é, instrumentos
da salvação do povo, mas como penas e súplicas.
[67] O direito divino ou da religião nasce de um pacto, sem o qual não
existe nenhum (direito) a não ser o (direito) natural, por esta razão os hebreus
não possuíam nenhuma piedade ordenada pela religião para com os povos
que não estivessem presentes no pacto, mas apenas aos (seus) concidadãos.
16 Inserção de Marx.
17 Inserção de Marx.
18 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
288 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[68] Por direito e instituição da natureza não entendo outra coisa que as
regras da natureza de cada indivíduo, segundo as quais concebemos cada um
como naturalmente determinado para existir e agir de certo modo. Assim,
por exemplo, os peixes são determinados por natureza a nadar, os maiores
a comerem os menores, por isso que os peixes, por supremo direito natural,
são os senhores da água e os maiores comem os menores.
[69] E como a lei suprema da natureza é que cada coisa se esforce, tanto
quanto esteja em si, por perseverar em seu estado, não tendo nenhuma outra
razão, mas apenas esta, segue-se que cada indivíduo tem supremo direito a isto,
ou seja, a existir e agir conforme é determinado naturalmente.
[70] Desta maneira, o direito natural de cada homem não é determinado
pela reta razão, mas pelo desejo e pela potência.
[71] veremos claramente que os homens para viver em segurança e muito
bem deveriam unir-se necessariamente em um só, e, por conseguinte, ter
feito com que o direito que cada um por natureza possuía de todas as coisas fosse
mantido coletivamente, e não fossem mais determinados pela força e pelo apetite
de cada um, mas pelo poder e pela vontade de todos simultaneamente.
[72] Disto concluímos que um pacto não pode ter nenhuma força a não
ser pela razão de sua utilidade e que, esta abolida, também o pacto é supri-
mido e tornado sem valor.
[73] cada um transfere todo o poder que possui para a sociedade, que,
deste modo, retém sozinha o sumo direito natural sobre todas as coisas, isto
é, o poder supremo, ao qual cada um, ou por ânimo livre ou por temor do
sumo suplício, será obrigado a obedecer. De fato, tal direito da sociedade
é chamado democracia, que, por conseguinte, é definido como a união de
todos os homens, que coletivamente têm o direito soberano sobre todas as
coisas que estão em seu poder.
[74] este direito de ordenar seja o que for que queiram apenas compete
às autoridades supremas enquanto possuam realmente o sumo poder: se o
perderem, perdem também ao mesmo tempo o direito de ordenar todas as
coisas e (este direito) recai sobre aquele ou aqueles que o conquistaram e o
podem conservar.
[75] Mas talvez alguém pensará que tornamos por este motivo os sujeitos
escravos, porque julgam ser escravos quem age por mandato e livre quem
gere a sua natureza de acordo com a sua vontade [...] na realidade, é escravo
no mais alto grau quem é, deste modo, arrastado por sua paixão e não pode
ver nem fazer nada que não lhe seja útil; somente (é) livre aquele que vive
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 289
com a alma inteiramente conduzida pela razão. [...] Se o fim da ação não é a
utilidade do próprio que age, mas (daquele) que ordena, então o que age é
escravo e inútil para si: mas na república e no Estado onde a lei suprema é a
salvação de todo o povo e não daquele que manda, quem em todos as coisas
obedece à autoridade suprema não deve se considerar a si mesmo um escra-
vo inútil, mas um súdito; por este motivo, a república absolutamente livre é
aquela cujas leis são fundadas na reta razão, pois nela cada um pode ser livre
quando queira, isto é, viver inteiramente segundo os ditames da razão. [...]
[o Estado democrático]19 parece ser o que mais se aproxima da liberdade que
a natureza concede a cada um.
[76] este contrato [entre duas cidades]20 será válido enquanto subsistir
seu fundamento, isto é, o motivo do perigo ou da utilidade [...] ainda que
os diferentes Estados celebrem entre si acordos de mútua não-agressão, eles
também buscam, tanto quanto possível, impedir-se uns ao outros de tornar-
-se excessivamente poderosos, e não tem fé na palavra empenhada pelo outro
a não ser que percebam claramente o interesse e a vantagem para ambos os
lados; e, aliás, eles temem a trapaça com razão; quem, com efeito, a não ser
um estulto que ignora o direito das autoridades supremas, aquiescerá nos
ditos e nas promessas de quem detém o poder supremo e o direito para fazer
o que quiser, e para o qual a suprema lei deve ser a salvação e o interesse de
seu Estado? E, se, por outro lado, estivermos atentos para a piedade e para a
religião, melhor veremos que ninguém que detenha o poder pode sem crime
cumprir as (suas) promessas quando (isto implica) a ruína do Estado; seja o
que for que tenha prometido que se perceba em dano de seu Estado isto ele
não pode cumprir, a não ser rompendo com os súditos o compromisso assu-
mido, ao qual estão obrigados no mais alto grau, pelo qual costumam fazer
neste sentido os mais sagrados juramentos.
[77] O estado natural não deve ser confundido de modo nenhum com o
estado religioso, mas deve ser concebido sem religião e sem lei, por conse-
guinte, sem pecado e sem injúria.
[78] Ninguém seria obrigado [pela justiça da cidade]21 àquilo que julgasse
decretado contrário a sua fé e sua superstição, e, por outro lado, cada um com
este pretexto se arrogaria a licença para tudo que se permitir.
19 Inserção de Marx.
20 Inserção de Marx.
21 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
290 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
22 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 291
nome de seu tema principal. Por este mesmo motivo, chamou o sexto pelo
nome de Josué, o sétimo dos Juízes, o oitavo de Rute, o nono e por ventura
também o décimo de Samuel e, finalmente, o décimo primeiro e o décimo
segundo dos Reis.
[87] [A principal é que] Esdra não impôs uma redação final às narrativas
contidas nestes livros, nem fez outra coisa do que coligir as histórias de
diversos escritores e às vezes simplesmente as transcreveu, deixando-as para
a posteridade sem examiná-las ou ordená-las.
[88] De tudo isso conclui-se claramente que nem estas narrativas contêm
uma cronologia correta, nem estão de acordo sobre uma cronologia só, mas
antes supõem cálculos bastante distintos.
[89] Desta maneira, inventam muitas outras coisas, que se fossem verda-
deiras, dir-se-ia que os antigos hebreus ignoravam absolutamente não só a
própria língua, mas também a arte de compor uma narrativa ordenada, e não
haveria nenhuma regra ou método de interpretação da Escritura, mas cada
um poderia inventar o que quisesse.
[90] Mas muito não admitem que o texto possua algum defeito sequer
na marginália, ao contrário, julgam que Deus, por uma Providência singular,
preservou intacta toda a Bíblia, dizem, por outro lado, que as diversas leitu-
ras são sinais de profundíssimos mistérios [...] […] [e] nos próprios acentos
das palavras [sustentam]25 estarem contidos grandes arcanos. Dizem isto de
modo são ou por estultícia e devoção senil ou por arrogância e malícia, por-
que creem que só eles têm acesso aos arcanos de Deus, não sei responder; eu
sei ao menos isto: que jamais li (em seus escritos) algo que tenha a aparência
de misterioso, mas tão somente imaginações pueris.
[91] Quanto às notas marginais que se encontram em desordem nos có-
dices hebreus, ninguém certamente pode duvidar que foram textos dúbios, se
se pensa que a maior parte deles tenham sido originados por causa da grande
similitude entre as letras hebraicas.
[92] Qual motivo impeliu os escribas a anotar na margem certas coisas
que deveriam ser lidas de um modo expressivo? Isto irei expor imediatamen-
te. Na verdade, nem todas as notas marginais são leituras duvidosas, estas
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
292 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
anotação também foram feitas para substituir as que eram de uso remoto,
certamente as palavras obsoletas e as que os costumes estimados daquele tem-
po não permitiam que fossem lidas em público.
[93] Por que razão jamais foram encontradas em número maior que as
duas versões para a mesma passagem? Por que não algumas vezes três ou
mais? [...] Eu respondo que já existiram mais versões que as que encontramos
anotadas em nossos códices.
[94] No que se refere [à segunda objeção]26 sobre certas passagens serem
encontradas tão mal escritas, que de nenhum modo se possa duvidar que elas
fossem incompatíveis com as regras linguísticas de todos os tempos, de tal
forma que deveriam ter sido corrigidas em definitivo em vez de serem feitas
anotações às margens, este argumento não me convence, nem creio ser preciso
discernir qual escrúpulo religioso impeliu (os copistas) a assim procederem.
[95] Sobre os dois livros de Paralipôneos não tenho nada a dizer [...] a
não ser que foram escritos muito tempo depois de Esdra e talvez depois da
reconstrução do templo por Judas Macabeu.
[96] Os Salmos foram recolhidos e também reunidos em cinco livros no
segundo templo.
[97] Creio que os provérbios de Salomão foram recolhidos também na
mesma época ou no mínimo no tempo do rei Josias.
[98] Por isso estes livros [dos Profetas]27 não são senão fragmentos dos
Profetas.
[99] Mas Aben Esdra [...], em seus comentários sobre este livro [de Jó]28,
afirma que este foi traduzido para o hebraico de outra língua; quanto a isso eu
desejaria certamente que ele nos demonstrasse de modo mais claro, porque
de fato poderíamos concluir que os gentios também tiveram livros sagrados.
[100] Conjecturo [no entanto]29 que Jó foi um homem gentio com espírito
perseverante.
27 Inserção de Marx.
28 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 293
[103] Com efeito, quem quer que seja que queira confirmar os seus dog-
mas pela razão submete-os ao julgamento de cada um.
[104] Assim, tanto do seu modo de falar, quanto das discordâncias entre
os apóstolos, quanto do fato de que, ao irem a outras partes pregar, a Es-
critura não diz, como dizia dos antigos profetas, que o faziam por mandato
divino, deve-se concluir que eles pregavam não como profetas, mas como
doutores.
[105] Em seguida, se percorrermos as próprias Epístolas com alguma
atenção, veremos que os Apóstolos estão de acordo em relação à própria
religião, no entanto, discrepavam grandemente sobre os seus fundamentos.
[106] Ensinaram a religião despojada das especulações filosóficas. Ora,
certamente seria mais feliz a nossa época se a víssemos também livre de toda
superstição.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
294 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[110] Ninguém pode ser sábio por decreto, do mesmo modo como não se
pode viver e existir por obediência a uma ordem.
[111] Sabemos que o objetivo da Escritura não foi ensinar as ciências: daí
podemos concluir facilmente que Ela não exige nada dos homens exceto a
obediência e só condena a insubmissão, não a ignorância.
Capítulo I. Da Profecia
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 295
[115] Os judeus nunca fazem menção nem tratam das causas intermédias
ou das particulares, [...] recorrem sempre a Deus [...]. Por conseguinte, não
deve ser visto como profecia e conhecimento natural tudo o que a Escri-
tura afirma que Deus disse para alguém, mas apenas onde o escrito afirma
claramente, ou onde pela circunstância da narração conclui-se que foi uma
revelação ou profecia.
[116] Tudo o que Deus revelou para os profetas foi revelado ou por pala-
vras ou por figuras, ou de ambas as maneiras. Ou as palavras e também as fi-
guras foram, com toda certeza, verdadeiras fora da imaginação do profeta que
as ouve ou que as vê; ou foram imaginárias, porque certamente a imaginação
dos profetas, mesmo em estado de vigília, é disposta que para si pareceria
claramente que ouviu as palavras ou que viu alguma coisa.
[117] Só esta, por meio da qual foi proferida a lei [de Moisés]30, foi a voz
verdadeira [de Deus]31, como demonstraremos em seguida.
[118] Não parece muito racional estatuir que uma coisa criada, que de-
pende de Deus do mesmo modo que as outras restantes, pudesse explicar por
si mesmo a essência ou existência de Deus ou exprimir as suas palavras [...],
mas eles não conheceram de Deus nada antes a não ser o nome e desejavam
lhe falar para ter certeza de sua existência; não vejo de que maneira a preten-
são deles fosse satisfeita por uma criatura [...] que dissesse, eu sou Deus. Se
Deus forçasse os lábios de Moisés, até de um animal qualquer, para pronun-
ciar as mesmas palavras e para dizer eu sou Deus, será possível compreender
a existência de Deus a partir daí?
[119] Por isso não deve haver dúvida que os outros profetas não ouviram
uma voz verdadeira, conforme é mostrado por Deuteronômio, 34:10, onde
é dito: não houve alguma vez [...] em Israel nenhum profeta como Moisés,
que conheceu Deus face a face; mas conheceu só pela voz, pois nem mesmo
Moisés vira alguma vez a face de Deus (Êxodo, 33).
[120] Ainda que compreendamos claramente que Deus possa se comu-
nicar imediatamente com os homens, pois comunica a sua essência à nossa
mente sem recorrer a nenhum meio corporal, para que um homem perce-
ba só pela mente algumas coisas que não estão contidas nos fundamentos
de nosso conhecimento, e nem por meio deles podem ser deduzidas, a sua
mente deveria ser necessariamente mais superior e de longe mais excelente
que a humana. Não creio, por isso, que alguém chegou a atingir tão grande
30 Inserção de Marx.
31 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
296 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
perfeição sobre os outros a não ser Cristo, para o qual os preceitos de Deus,
que conduzem os homens para a salvação, foram revelados imediatamente
sem palavras ou visões. Deus manifestou-se, então, aos apóstolos pela mente
de Cristo, como outrora a Moisés por meio de uma voz no ar. Por esta razão,
a voz de Cristo, do mesmo modo que aquela que Moisés ouvia, pode ser
chamada a voz de Deus. Neste sentido, podemos afirmar também que a Sa-
bedoria de Deus, isto é, a sabedoria que excede a sabedoria humana, assumiu
em Cristo a natureza humana, e Cristo foi o caminho da salvação.
[121] De modo que se Moisés falava com Deus face a face, como um ho-
mem está acostumado a falar com seu colega, Cristo comunicou-se de mente
para mente com Deus.
[122] Para profetizar não é necessário ter uma mente mais viva, mas uma
imaginação mais viva.
[123] Visto que a obra insólita da natureza é chamada obra de Deus e as
árvores de grandeza excepcional são chamadas de árvores de Deus, devemos
nos admirar muito pouco que no Gênesis sejam chamados filhos de Deus os
homens muito fortes e de grande estatura, ainda que ímpios e ladrões.
[124] Que [os hebreus]32 se gabavam de ser superiores a todos, ou melhor,
costumavam desprezar a todos, e, consequentemente, desprezavam a ciência
comum aos homens.
[125] No entanto, segundo quais leis da natureza estas (revelações) foram
causadas, confesso que eu as ignoro.
[126] É certo que não compreendemos a potência de Deus enquanto ig-
noramos as causas naturais, é, portanto, uma tolice recorrer à potência de
Deus quando ignoramos a causa natural de alguma coisa, isto é, a própria
potência de Deus. Realmente, não é preciso saber a causa do conhecimento
profético, pois, como já adverti, tentamos analisar apenas os ensinamentos
da Escritura, para deles extrair, como dados naturais, nossas conclusões. No
entanto, não tratamos das causas destes ensinamentos.
[127] Uma vez que os profetas perceberam pela imaginação as revelações
de Deus, não há dúvida que eles poderiam ter percebido muitas coisas que
excedem os limites do entendimento; pois com palavras e imagens podem
ser compostas, de longe, mais ideias do que só com os princípios e as noções
pelas quais é edificado todo o nosso conhecimento natural.
32 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 297
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
298 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
certeza profética não era, certamente, matemática, mas apenas moral, como
consta também da própria escritura; assim, Moisés, no capítulo XIV33 de
Deuteronômio, chama a atenção para algum profeta que queira ensinar no-
vos deuses, devendo este ser condenado à morte, ainda que confirme a sua
doutrina com sinais e milagres pois, como escreve Moisés, Deus também faz
sinais e milagres para tentar o povo, como consta em Mateus, 24:24.
[134] Deus nunca engana os piedosos e os eleitos, mas [...] se serve dos
piedosos como instrumento de sua piedade.
[135] Ninguém pode justificar-se perante Deus nem vangloriar-se de ser o
instrumento da piedade divina, como ensina a própria Escritura.
[136] sinais [...] eram produzidos para persuadir os profetas, de onde
conclui-se que os sinais eram adaptados às opiniões e às capacidades dos
profetas; de tal modo que o sinal que oferecia a um profeta a certeza de sua
profecia podia convencer muito pouco a um outro que estivesse imbuído de
opiniões distintas; por esta razão, os sinais variavam em cada profeta. A pró-
pria revelação, desta maneira, variava em cada profeta segundo a disposição
de seu temperamento, de sua imaginação e segundo as opiniões que foram
anteriormente acolhidas.
[137] se tudo fosse avaliado bem, facilmente demonstrar-se-ia que Deus
não tem estilo peculiar algum ao falar.
[138] Disto resulta, mais do que evidente, aquilo que propúnhamos de-
monstrar; Deus, naturalmente, adaptou as revelações à inteligência e às opi-
niões dos profetas, que estes podiam ignorar e ignoravam realmente coisas
puramente especulativas, as quais não tinham relação com a claridade e com
a vida prática, além de terem opiniões contrárias.
33 Marx escreve capítulo XIV quando deveria ter escrito capítulo XIII.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 299
unicamente pela potência divina, enquanto ela atue ou pela natureza humana
ou por coisas fora desta. Desta maneira, podemos chamar, com razão, tudo o
que a natureza humana pode fazer por meio de sua potência para conservar
o seu ser de auxílio interno de Deus; e tudo aquilo que acontece de útil para
o homem, produzido pela potência de causas externas, denomino de auxílio
externo de Deus.
[141] Como ninguém faz nada a não ser que esteja predeterminado pela
ordem da natureza, isto é, pelo decreto e governo eterno de Deus, segue-se
que ninguém escolhe para si alguma maneira de viver, nem faz algo a não ser
por uma vocação singular de Deus, que escolhe tal pessoa em detrimento de
outra para tal obra ou para viver de alguma forma. Finalmente, por fortuna
entendo o governo de Deus enquanto dirige as coisas humanas por causas
externas e inesperadas.
[142] as nações se distinguem uma das outras pelo tipo de sociedade e
leis sob as quais vivem e são governadas; desta forma, a nação hebraica foi
escolhida por Deus entre as outras não por sua inteligência ou por serenidade
de alma, mas pela forma de sociedade e pela fortuna que lhe permitiu con-
quistar um Estado e lhe conservou por muitos anos.
[143] não vemos que Deus tenha prometido outra coisa aos patriarcas e
aos seus sucessores; longe disso, na lei nada é prometido (em troca de) obe-
diência a não ser a prosperidade contínua do Estado e os outros bens desta
vida e, contra a desobediência e a quebra do pacto, ameaça-se com a ruína do
Estado e com as maiores desgraças.
[144] Uma vez que Deus os escolheu para construir apenas um Estado e
uma sociedade particular, eles também deviam ter leis particulares.
[145] É indubitável que todas as nações tiveram profetas, e que o dom da
profecia não foi peculiar aos judeus.
[146] [Enfim]34 Jeremias não é chamado de profeta apenas pelo povo he-
breu, mas por todas as nações.
[147] que ele [Balaão]35 recebia dinheiro para profetizar, o mesmo que
fazia Samuel. (Samuel, 9, 2-8)36.
[148] Todos foram, judeus e gentios, igualmente pecadores, mas não ha-
via pecado sem mandamento e lei.
35 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
300 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[149] Ora, que o ódio das outras nações conservou-os [os judeus]37 imen-
samente, isso a experiência ensinou.
[150] O sinal da circuncisão me parece ser tão importante que eu estou
convencido que só este é suficiente para conservar a nação judaica.
[151] É apenas assim [pelo Estado e pela forma de cada sociedade]38 que é
possível distinguir uma nação da outra; mas nenhuma distinção entre nações exis-
te quanto ao intelecto e a verdadeira virtude, e Deus favorece a todas igualmente.
[152] A palavra lei tomada em sentido absoluto significa aquilo que faz um
indivíduo, ou todos, ou alguns da mesma espécie, agir de uma certa e determina-
da maneira. Esta lei depende ou da necessidade natural ou da decisão do homem.
[153] Porque o homem, enquanto é parte da natureza, constitui uma par-
te da potência desta: tudo o que segue pela necessidade da natureza humana,
isto é, da própria natureza, na medida em que a concebemos determinada
pela natureza humana, resulta, ainda que necessariamente, da potência hu-
mana; por isso se pode dizer muito bem que o estabelecimento dessas leis
depende da decisão dos homens, porque ela depende da potência da mente
humana, visto que esta, enquanto percebe as coisas como verdadeiras ou
falsas, pode ser concebida muito claramente sem estas leis, mas não sem uma
lei necessária, como ainda há pouco a definimos.
[154] para a prática da vida é melhor considerar as coisas como possíveis.
[155] A lei [...] uma regra de viver que o homem prescreve para si ou para
os outros em vista de algum fim.
[156] Aquele que [...] age por [sua vontade]39 própria e não por decisão
de outro; [...] é com razão chamado justo.
[157] Parece que a lei deve ser distinguida em humana e divina [...]; por
divina [eu compreendo]40 aquela que diz respeito somente ao sumo bem, isto
é, ao verdadeiro conhecimento e amor de Deus.
37 Inserção de Marx.
38 Inserção de Marx.
40 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
Karl Heinrinch Marx, Spinoza, Tratado Teológico-Político 301
[158] Na sua perfeição [do intelecto]41 deve consistir o nosso sumo bem.
[159] Segue que o nosso sumo bem e perfeição dependem [do
conhecimento]42 de Deus.
[160] [O nosso sumo bem]43 não depende apenas do conhecimento de
Deus, mas consiste inteiramente nele.
[161] Quanto a isso se pode concluir também que o homem é mais per-
feito conforme a perfeição e a natureza da coisa que ele ama e vice-versa;
assim, o mais perfeito e o que mais participa completamente da suma be-
atitude é necessariamente aquele que ama acima de tudo o conhecimento
intelectual de Deus, isto é, do ser perfeitíssimo, que o atrai mais do que
todas as outras coisas.
[162] Portanto, a lei suprema de Deus está neste preceito supremo: amar
a Deus como o sumo bem.
[163] A vontade e o entendimento de Deus são em si uma única e mesma
coisa; não se distinguem a não ser pelas ideias que formamos a respeito do
entendimento de Deus.
[164] Donde se segue que a afirmação e negação de Deus sempre envolve
uma necessidade, ou seja, uma verdade eterna.
[165] Foi por falta de conhecimento que, para os hebreus, o Decálogo foi
tomado apenas como lei.
[166] Daí que imaginassem Deus como um chefe, um legislador, um rei,
misericordioso, justo, etc. quando, todavia, tudo isto são atributos da natu-
reza humana.
[167] A respeito de Cristo [...] deve ser pensado [...] que ele percebeu
verdadeiramente e adequadamente as coisas. Cristo, de fato, não foi tanto um
profeta, quanto a própria boca de Deus.
[168] Uma coisa é, de fato, entendida quando é percebida puramente pela
própria mente sem palavras e imagens. Nestas circunstâncias, Cristo perce-
beu verdadeiramente e de modo adequado as coisas reveladas.
41 Inserção de Marx.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
302 tradução de Rodrigo Nunes e José Francisco Andrade Alvarenga
[169] O objetivo, portanto, das cerimônias foi que os homens não fizes-
sem nada de acordo com a sua própria deliberação, mas segundo a ordem
dos outros e que reconhecessem, em todas as ações e reflexões, que não eram
donos de si mesmos, mas estavam completamente sob o domínio de outrem.
De tudo isto resulta com claridade que as cerimônias não são úteis para a
beatitude e que aquelas do Antigo Testamento, como toda a lei de Moisés,
visavam ao Estado dos hebreus e por consequência aos interesses materiais.
[170] A fé nas narrativas históricas [...] não tem relação com a lei divina.
[171] Não estou disposto a refutar aqui a opinião daqueles que estabelecem
que a luz natural não pode ensinar nada de bom para a verdadeira salvação.
Quem a si mesmo não concede nenhuma razão sólida não pode provar tam-
bém com a razão alguma questão; se eles se gabam de possuir algo superior à
razão, isso é mera ficção e de longe inferior à razão, como mostra muito bem
o seu modo habitual de viver.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.41, p.277-302, jul.-dez. 2017
resenha
Felipe Jardim Lucas*
Resenha do livro:
PROIETTI, Omero; LICATA, Giovanni (a cura di). Tradizione e illuminismo
in Uriel da Costa: Fonti, temi, questioni dell’Exame das tradições phariseas.
Macerata, eum edizioni università di Macerata, 2016.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.305-308, jan.-jun. 2017
306 Felipe Jardim Lucas
1 PROIETTI, Omero, Dal Somnium Scipionis alla Biblia de Ferrara, da Abner de Burgos a Camões:
fonti e intrecci di fonti dell’Exam dacostiano. in Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa: Fonti,
temi, questioni dell’Exame das tradições phariseas. Macerata, eum edizioni università di Macerata,
2016, p. 203.
2 Idem, p. 207
3 Ibid, p. 202.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.305-308, jan.-jun. 2017
Tradição e Iluminismo em Uriel da Costa 307
4 TRAVANTI, Eleonora. Finiti ad infinitum nulla est proportio. Eternità delle pene e giustizia di
Dio nella controversia tedesca da Soner a Lessing. in Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa:
Fonti, temi, questioni dell’Exame das tradições phariseas. Macerata, eum edizioni università di
Macerata, 2016, p. 363.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.305-308, jan.-jun. 2017
308 Felipe Jardim Lucas
Referências
BARCHESI, Sara. La scoperta dalle fonti del transito polmonare del sangue di Ibn al-
Nafis e la sua influenza in età moderna. In: PROIETTI, Omero; LICATA, Giovanni (a
cura di). Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa: Fonti, temi, questioni dell’Exame
das tradições phariseas. Macerata: Università di Macerata, 2016.
PROIETTI, Omero. Dal ‘Somnium Scipionis’ alla Biblia de Ferrara, da Abner de Burgos
a Camões: fonti e intrecci di fonti dell’Exam dacostiano. In: PROIETTI, Omero; LICATA,
Giovanni (a cura di). Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa: Fonti, temi, questioni
dell’Exame das tradições phariseas. Macerata: Università di Macerata, 2016.
SCHRÖDER, Winfried. Proto-iluminismo dalle fonti dell’ebraismo: l’Origo et
fundamenta religionis Christianae di Martin Seidel e i “Semijudaizantes” del tardo
Cinquecento. In: PROIETTI, Omero; LICATA, Giovanni (a cura di). Tradizione e
illuminismo in Uriel da Costa: Fonti, temi, questioni dell’Exame das tradições phariseas.
Macerata: Università di Macerata, 2016.
TRAVANTI, Eleonora. Finiti ad infinitum nulla est proportio. Eternità delle pene e
giustizia di Dio nella controversia tedesca da Soner a Lessing. In: PROIETTI, Omero;
LICATA, Giovanni (a cura di). Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa: Fonti, temi,
questioni dell’Exame das tradições phariseas. Macerata: Università di Macerata, 2016.
5 BARCHESI, Sara. La scoperta dalle fonti del transito polmonare del sangue di Ibn al-Nafis e la
sua influenza in età moderna. in Tradizione e illuminismo in Uriel da Costa: Fonti, temi, questioni
dell’Exame das tradições phariseas. Macerata, eum edizioni università di Macerata, 2016, p. 151.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.305-308, jan.-jun. 2017
varia
As conversões de Friedrich Schlegel:
Fabiano Lemos*
Resumo
Ao se converter ao catolicismo, em 1808, Friedrich Schlegel, figura central do
Romantismo de Jena, assumiu posições políticas e filosóficas muito diferentes
daquelas desenvolvidas em seus textos anteriores. Este artigo investiga se e sob que
condições podemos ainda supor certas continuidades epistemológicas e ideológicas
entre os dois períodos. Para tanto, é abordada a complexidade da filosofia da
história veiculada através da própria ideia de conversão e se tenta mostrar que,
a partir dela, o esforço de leitura retrospectiva da história empreendido pelo
próprio Schlegel em muitos de seus textos tardios ilustra a questão do destino do
Romantismo alemão.
Abstract
By converting to Catholicism in 1808, Friedrich Schlegel, a central figure within
Jena Romanticism, assumed very different political and philosophical positions from
those developed in his previous texts. This paper investigates if and under which
conditions we could still suppose some epistemological and ideological continuities
between the two phases. In order to do so, it approaches the complexity of the
philosophy of history introduced through the very idea of conversion, and intends
to demonstrate that, from its emergence on, the efforts that Schlegel himself had
undertaken towards a retrospective reading of history illustrates the issues on the
fate of German Romanticism.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
312 Fabiano Lemos
A deriva romântica
1 Cf. AYRAULT, 1961-1976, vol. I, p. 16. A afirmação de Goethe é narrada por Eckermann na
entrada do dia 2 de abril de 1829 de seu Gespräche mit Goethe in den letzten Jahren seines Lebens
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 313
3 Sobre o que se segue a respeito das conversões românticas, cf. BESSLEY, 2013, passim; JOSHUA,
2005, p. 152; HEUVEL, 2001, p. 272; e também a breve, mas significativa menção em SCHMITT,
1925, p. 32.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
314 Fabiano Lemos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 315
1936, J. Weltman havia se dedicado a apontar o modo como a promessa do catolicismo estava
alinhada ao resgate da mitologia como modelo histórico desde seus escritos de juventude (Cf.
WELTMAN, 1936, passim). Mais recentemente, Ethel De Mazza pretendeu mostrar que a con-
versão de 1808 repercute as premissas hermenêuticas da filologia do começo do século XIX (DE
MAZZA, 2008, pp. 102-103).
7 Tieck, ao contrário de sua esposa e filha, nunca se converteu totalmente ao catolicismo, embora
tenha pensado seriamente nessa hipótese nos primeiros anos do século XIX. No geral, sua posição
resulta em uma interpretação estetizante do catolicismo, frequentemente crítica. É o que acontece
em sua peça satírica Der Autor (1800), onde a figura farsesca do fanático católico – que todos
sabiam ser inspirada em Clemens Brentano –a uma certa altura da peça, é levada a admitir, em
seu delírio, que o esforço na direção da religião deveria levar o homem a rir de todas as coisas, in-
clusive, da própria religião (cf. FRANK, 1997, p. 150). Por fim, nos últimos anos de sua vida, sua
posição se consolida como exemplarmente anticatólica, chegando a responsabilizar a tendência
conservadora da época pela ruína das ciências e das artes (Idem, pp. 156-157).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
316 Fabiano Lemos
pouco tempo, caso houvesse vivido mais um pouco (cf. BEHLER, 1988, p.
177), é inegável que sua postura em seu período maduro é não só antagônica,
em muitos pontos, quando observada diante de seus escritos juvenis, mas
também incisiva. Ainda assim, ao confrontarmos os textos da Athenäum com
os cursos e as anotações privadas das décadas de 1810 e 1820, minha hipóte-
se é a de que podemos recuperar uma certa lógica do desenvolvimento intelectu-
al que reúne os dois períodos, sem que um possa ser reduzido ao outro. Em
outras palavras, gostaria de analisar como a conversão católica de Schlegel,
em última análise, se desdobra desde certos elementos presentes já em sua
juventude, ou ainda, como o conservadorismo é a deriva da subversão – uma
hipótese que tem sua reverberação mais plena na compreensão do destino do
Romantismo nas mãos dos nazistas, mesmos com todas as manipulações e
recortes que eles promoveram em seu interior.
Friedrich Schlegel não é, certamente, o único romântico alemão que mi-
grou de um polo ao outro da ideologia política na mesma direção. Joseph
Görres, por exemplo, passou “de um adepto da Revolução Francesa a um
ardente advogado do nacionalismo” (cf. SEGEBERG, 1988, p. 153). O pro-
blema reside, entretanto, na definição desse diagrama que circunscreve e ten-
siona os dois limites políticos, e, nesse sentido, é plausível supor que Schlegel
tenha aprendido muito com seu amigo íntimo, Novalis. Se a transformação
político-teológica do primeiro se dispõe ao longo do tempo, nesse último, o
elogio ao catolicismo e a defesa da monarquia ocorrem simultaneamente ao
entusiasmo ético, o antifundacionismo gnosiológico e a performatividade da
política. A peça de acusação de Novalis contra Lutero, que constitui seu Cris-
tandade ou Europa [Cristlichkeit oder Europa] (1799) e a de defesa do rei, cen-
tral em seu Fé e amor [Glaube und Liebe] (1798), são atravessadas pela ironia
revolucionária, tão pontualmente manifesta em seu Monolog, escrito no mes-
mo período. Com isso, não se pode sobrepor, inconsequentemente, as figuras
de Novalis e Schlegel – a tendência catolicizante do primeiro, funciona, antes,
como um limite móvel que nunca se realiza, e, portanto, não exclui as outras
confissões religiosas. Mas sob a perspectiva de uma dinâmica intrínseca, o
paradoxo de Novalis representa a própria destinação do Romantismo alemão
(e, segundo minha hipótese, de Friedrich Schlegel), não apenas entre seus
autores – muitos deles se mantiveram revolucionários, liberais ou indiferen-
tes até o fim de suas vidas – mas, especialmente, entre seus leitores.8 O fato
8 Sobre o destino político da filosofia de Novalis, especialmente de sua estética, cf. HOWE, 2010,
pp. 102 e ss. Howe explora também em seu artigo a ligação entre hermenêutica, visualidade e
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 317
As histórias da salvação
política em Novalis, um tema que é, como procurarei mostrar mais adiante, central na mística
convertida de Schlegel.
9 Utilizo os termos diagrama e deriva a partir da perspectiva de Gilles Deleuze. Sobre o diagrama,
conceito que desenvolve, inicialmente, através de sua colaboração com Félix Guatarri, e estendi-
do, sobretudo, às suas análises de Foucault e Francis Bacon, podemos dizer que se trata de um
modelo de confrontamento de forças, que opera, sempre, no limite de uma desestabilização total
e de uma nova reconfiguração: “O diagrama é, certamente, um caos, uma catástrofe, mas também
um germe de ordem ou de ritmo” (DELEUZE, 1981, p. 67). Complementar a esse conceito, a
deriva pode ser entendida como o movimento produzido por uma lógica interna dos conjuntos
de signos, que não é formulada desde o ponto de vista da identificação e da estabilização, mas da
dispersão que lhes é própria. Seria uma lógica da diáspora, ou, como aponta David Lapoujade,
uma lógica que incorpora os ”movimentos aberrantes” (LAPOUJADE, 2014, p. 13). O termo
deriva [derive] também pode ser encontrado, em um sentido próximo, na obra de Jacques Der-
rida, notoriamente nas passagens de De la grammatologie dedicadas a explorar a tensão entre a
perpetuação e a dissolução do signo em relação ao fundamento do significado: “Pelo movimento
de sua deriva, a emancipação do signo constitui, ao retornar, o desejo da presença. Esse devir –
ou essa deriva – não sobrevém ao sujeito que a escolhe ou que se deixaria aí levar passivamente”
(DERRIDA, 1967, p. 100).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
318 Fabiano Lemos
11 Sobre as transformações da vida de Dorothea Schlegel, cf. READE, 2007, pp. 97-120.
12 Posteriormente, por ocasião de uma visita de Friedrich Schlegel a Weimar, Goethe voltou atrás
em sua opinião (cf. BEHLER, 1988, p. 171).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 319
13 Sobre a transformação dos interesses de Schlegel posteriores aos escritos sobre a poesia grega
de 1794-1796, cf. SZONDI, 1974b, pp. 96 e ss.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
320 Fabiano Lemos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 321
14 Joachim de Fiore, monge italiano do século XII, formulou uma teologia que dividia a história
da salvação em três tempos, a Idade do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo, e teve profunda
influência na historiografia dos místicos posteriores. Apesar da ideia geral de sucessão das eras,
suas teses não são totalmente compatíveis com as de Schlegel, já que os joaquinistas acreditam na
supressão da autoridade institucional com o advento da Idade do Espírito Santo. Contudo, uma
certa retórica e uma vaga concepção de tempo messiânico formuladas nesse contexto foram, algu-
mas vezes, aproximadas do Romantismo alemão – cf. SVENUGSSON, 2016, pp. 80-82.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
322 Fabiano Lemos
apenas ela não foi, então, levada até o fim, e nem solucionada muito satis-
fatoriamente – <porque faltou-lhe a base [Basis] correta – que não deve ser
o idealismo, mas o cristianismo católico, portanto, como filosofia – os prin-
cípios do espiritualismo e uma filosofia da natureza cristã>” (KSF 6, p. 61).
Levar a crise até o fim constitui aqui o ato místico por excelência. Um frag-
mento privado do mesmo período acrescenta, ainda, que essa crise de 1800
constitui um “caótico inferno de ideias [chaotische Ideenhölle]” (Idem, p. 62).
Sua visão de mundo catolicizante opera, inclusive, a introdução de uma cro-
nologia em Schlegel, que, no final da década de 1820, ao se perguntar sobre
o futuro da poesia e da prosa alemãs, arrisca projetar, para a década seguinte,
a emergência de uma disposição católica – que, no entanto, seria sobrepujada,
por volta de 1850, por uma oposição não protestante, mas, mais enfatica-
mente, anticristã (KSF Bd. 6, p. 64). O que se seguiria a ela permanece um
mistério, já que nada é dito nesse sentido. De certo modo, o suspense que
ronda o fim dos tempos, especificamente nessas passagens mais joaquinistas,
nos permite especular até que ponto Schlegel confiava no advento efetivo do
Reino de Deus e em que medida algo de sua perspectiva de juventude acerca
do inacabamento da verdade ainda se insinuava pelos avessos.
Seja como for, parece haver indícios suficientes de que a passagem para o
catolicismo, considerada desde a perspectiva da filosofia da história, não se
reduzia a uma mera mudança de trajeto ou de campo ideológico-dogmático.
Bem além disso, ela devia se inscrever, para Schlegel, em um movimento
circular de reintegração do Cristianismo como um todo, apontando para
a síntese triunfante da verdadeira fé. Na medida em que certos aspectos
litúrgicos, assim como todo paganismo, são deixados de fora, poderíamos
ser tentados a reconhecer aí uma espécie de versão sectária da dialética he-
geliana em ação. Em alguns fragmentos sobre história e política escritos em
1816, isso é exemplarmente nítido. Neles, ao associar a história dos Estados
europeus desde o século XVIII ao papel que a religião reformada exerceu
em suas transformações, Schlegel é levado a admitir que o protestantismo
foi o passo necessário na destruição dos falsos reinados – o de Luís XIV é
dado como exemplo – e na dissolução do ateísmo francês (KSF 6, p. 104).
Descrito como momento negativo, de recusa sistemática da imposição do
poder externo, sua formulação filosófica mais acabada é o sistema da Wis-
senschaftslehre fichtiana, lida como “o mais alto cume do espírito protestante”
(Idem). Mas a virada para o século XIX se confrontaria com uma dificuldade
que, na verdade, já havia sido repisada de diferentes maneiras pela geração
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 323
15 A figura de Napoleão parece ter exercido uma influência, mesmo que indireta, na conversão
de Schlegel. Ao menos essa é uma das hipóteses erguidas também por Ethel De Mazza, que pro-
curou mostrar como as descrições das obras de arte do Louvre, apresentadas por Schlegel em sua
memória da viagem à França, publicada em 1803 em sua revista Europa, é atravessada pela crítica
à pilhagem das pinturas e esculturas que tornaram o lugar possível. As descrições dessas obras na
narrativa schlegeliana parecem ter, assim, por função reconduzi-las a uma unidade espiritual que
o saque francês na Itália e na África, sobretudo, destruiu. De Mazza deixa em aberto, com isso,
a hipótese de que a visão da destruição da Europa através da imposição da política napoleônica
sobre a arte teria exigido de Schlegel uma nova solução narrativa, que ele encontraria na religião
(cf. DE MAZZA, 2008, p. 121).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
324 Fabiano Lemos
16 Para Novalis, “Nada é mais indispensável para a verdadeira religiosidade que um termo médio
[Mittelglied], que nos une com a divindade” (NOVALIS, 2005, Bd, 2, p. 257). Mas não devemos
esquecer que esse mediador não é, para este, representado exclusivamente por nenhuma figura
mediadora [Mittler] definitiva, de tal modo que seria possível pensar que qualquer um poderia se
tornar mediador da verdadeira religião, numa síntese entre panteísmo e monoteísmo – o que seria,
evidentemente, impensável para o Schlegel católico.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 325
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
326 Fabiano Lemos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 327
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
328 Fabiano Lemos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 329
O tempo do reconhecimento
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
330 Fabiano Lemos
“A história que serve de fonte para Schlegel não é feita, em suma, senão de
tais suspensões: duas épocas de poesia, tão fulgurantes quanto rapidamen-
te interrompidas (a grega e a romântica) e dois longos períodos de crítica,
durantes os quais é suspenso (até certo ponto) o ‘sentido da poesia’ ou a
capacidade poética” (LACOUE-LABARTHE & NANCY, 1978, p. 381).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 331
viva do Cristo exige uma presença determinada que, embora resulte na inter-
rupção da narrativa teológica para reposicioná-la, não pode ser considerada
como um mero instante entre duas negações: “O critério entre a nobre e
ignóbil revelação é o próprio Cristo” (KSF 5, p. 129).
A interpretação de Szondi poderia ser corrigida caso colocássemos em
termos mais precisos o significado do colapso do tempo no instante místico
da conversão. Ao invés de uma distensão vazia, abstrata, o que encontramos,
por exemplo, no êxtase de uma mística como Santa Catarina de Sena, no
século XIV, é a presentificação da promessa e a transubstanciação do próprio
corpo perceptivo. Em uma de suas muitas cartas sobre o tema, Santa Catarina
insiste nisso: se há um momento de contração máxima da duração, de modo
que, no amor de Deus, a lembrança do passado, os sentimentos do presente
e as expectativas de não ser afetado pelas provações cotidianas e demoníacas
se unificam na Glória de Cristo, isso não significa que o corpo é abandonado.
O amor cristão vivifica e transforma a realidade:
18 Cf. KSF 5, p. 120: “Os escritos religiosos devem também ser lidos religiosamente. O entendi-
mento íntimo, iluminado, místico da Bíblia está necessariamente vinculado à fé católica – há de se
rejeitar completamente a exegese crítico-filológica”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
332 Fabiano Lemos
“Pode-se quase dizer que não existe mais nenhuma religião disponível – e
somente um Deus pode voltar a produzi-las (para o homem, não é pos-
sível), com isso parece que nenhum católico compreende os mistérios da
cristandade. – Deveria haver ainda no catolicismo uma Cristandade mais
altamente mística; isso já quase desapareceu agora – mas o catolicismo é
o melhor, de fato o único abrigo para o que ainda resta inteiro” (KSF 5, p.
121).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 333
O começo interminável
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
334 Fabiano Lemos
21 É esse exatamente o ponto que torna toda conciliação com Schleiermacher, do começo ao fim,
impossível para Schlegel. Cf. MAAS, 2010.
22 Também sob esse aspecto, a leitura crítica que Schlegel promove em torno do próprio Lessing
só pode ser feita como um comentário ativo à diversidade de sua obra – o texto de 1804 se apre-
senta como introdução a uma miscelânea bastante variada de seus textos (poesias, fragmentos de
dramas, textos políticos etc.). Como mostrou Ethel De Mazza, o comentário de Schlegel se ins-
taura como o sentido de unidade dessa obra, renovando-a em ato – e, assim, seu projeto antecipa
algo da ideia de restauração e restituição que a conversão católica radicaliza (cf. DE MAZZA, 2008,
pp. 116-118).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 335
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
336 Fabiano Lemos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
As conversões de Friedrich Schlegel: filosofia política como mística do tempo 337
Referências
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
338 Fabiano Lemos
LEMOS, F. O ethos luterano e a filosofia do romantismo alemão. Numen, vol. 17, n.2,
2015a.
________. Soldados e centauros. Educação, filosofia e messianismo no jovem Nietzsche,
1858-1869. Rio de Janeiro: Mauad, 2015b.
MAAS, W. P. Hermenêutica e anti-hermenêutica. Friedrich Schlegel e Schleiermacher,
Pandaemonium germanicum, n. 15, 2010.
MILLÁN-ZAIBERT, E. Friedrich Schlegel and the Emergence of Romantic Philosophy. New
York: State University of New York Press, 2007.
NANCY, J.-L. Les Muses. Paris: Galilée, 1994.
NOVALIS. Werke, Tagebücher und Briefe. 3 Bände, 2. Aufl. München/Wien: Carl
Hanser, 2005.
READE, C. Mendelssohn to Mendelssohn. Visual Case Studies of Jewish Life in Berlin.
Bern: Peter Lang, 2007.
SCHILLER, F.. Über die ästhetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von
Briefen In: Sämmtliche Werke, Bd. 5, München: Hanser, 1962.
SCHLEGEL, F. Kritische Schriften und Fragmente, 6 Bde. herausgegeben von Ernst
Behler und Hans Eichner. Paderborn/München/Wien/Zürich: Ferdinand Schöningh,
1988.
SCHMITT, C. Politische Romantik. München und Leipzid: Duncker und Humblot,
1925.
SCHNYDER, P. Politik und Sprache in der Frühromantik Zu Friedrich Schlegels
Rezeption der Französischen Revolution. In: Athenäum. Jahrbuch der Friedrich
Schlegel-Gesellschaft, Bd. 9, 1999.
SEGEBERG, H. Germany. In: DANN, O.; DINWIDDY, J. (ed.). Nationalism in the Age
of the French Revolution. London: Hambledon Press, 1988.
SVENUGSSON, J., Divining History: Prophetism, Messianism and the Development of
the Spirit. New York/Oxford: Berghahn, 2016.
SZONDI, P., Schriften II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1978.
________. Poetik und Geschichtsphilosophie I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974a
________. Poetik und Geschichtsphilosophie II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1974b.
WELTMAN, J., The religion of Friedrich Schlegel. In: The Modern Language Review,
Vol. 31, No. 4, 1936.
WIESE, B. von. Friedrich Schlegel: Ein Beitrag ƶur Geschichte der Romantischen
Konversionen. Berlin: Julius Springer, 1927.
ŽIŽEK, S. The puppet and the dwarf : the perverse core of Christianity. Cambridge: MIT
Press, 2013.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.311-338, jan.-jun. 2017
Rafael Henrique Teixeira*
Resumo
O objetivo deste artigo é abordar a leitura que Canguilhem oferece da biologia
cartesiana. Mais que simples comentário de intérprete, Canguilhem pretende
demonstrar como, por meio da representação mecânica do organismo, máquina cujo
funcionamento depende exclusivamente da disposição de seus órgãos, Descartes foi
obrigado a integrar à elucidação mecânica do corpo vivo elementos refratários a um
mecanicismo integral. Esses elementos Canguilhem encontra no antropomorfismo
tecnológico observável na metafísica que subentende a tese do animal-máquina. De
um lado, essa maneira de encarar a filosofia cartesiana se apresenta como corolário
da filosofia biológica da técnica de Canguilhem; de outro, ela se enquadra em um
aspecto não menos fundante de sua filosofia: a busca, na história dos saberes sobre a
vida, de elementos que permitem concluir acerca da irredutível originalidade do vital
às tentativas teóricas de sua anexação a modelos não-vivos. Tomando por objeto a
filosofia cartesiana, essa tentativa ganha em notoriedade. Ela se dá precisamente lá
onde o mecanicismo parecia fornecer a última palavra acerca dos contornos da vida.
Abstract
The purpose of this article is to discuss Canguilhem’s approach of Cartesian biology.
More than a simple textual criticism, Canguilhem aims to demonstrate how, through
the mechanical representation of the organism, a machine whose performance
depends exclusively on the arrangement of its organs, Descartes was forced to
incorporate refractory elements to a comprehensive mechanism to the mechanical
elucidation of the living body, elements that Canguilhem observes in the technological
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
340 Rafael Henrique Teixeira
Introdução
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 341
7 Ibidem, p. 69.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
342 Rafael Henrique Teixeira
13 Ibidem, I, 645b.
15 Ibidem, p. 323.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 343
20 Idem, “Le tout et la partie dans la pensée biologique” in Études d’histoire et de philosophie des
sciences concernant les vivants et la vie, 2002, p. 323.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
344 Rafael Henrique Teixeira
22 Sebestik, J. “Le rôle de la technique dans l’œuvre de Georges Canguilhem” in Georges Can-
guilhem, philosophe, historien des sciences (Actes du colloque, 6-8 décembre 1990), 1998, p. 245.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 345
impulsão lhe é comunicada”. Uma máquina, tal qual definida, “deve receber
de algures um movimento que ela transforma. Apenas representamo-la em
movimento, consequentemente, em sua associação com uma fonte de ener-
gia”. Mas “Mecanismo não é motor”, precisa Canguilhem, e essa diferença é
fundamental, pois “a representação de um modelo mecânico do ser vivo não
faz intervir unicamente mecanismos de tipo cinemático”26.
A fonte de energia de dispositivos de tipo cinemático foi, por muito tempo,
o esforço muscular animal ou humano, o que tornava necessário que houves-
se, colado à máquina, um vivo que lhe comunicasse movimento. Para que, no
entanto, uma explicação como a cartesiana nascesse, foi preciso que, “ao lado
das máquinas no sentido de dispositivos cinemáticos”, existissem “máquinas
no sentido de motores”. Enquanto “o vivo humano ou animal “cola” à máqui-
na, a explicação do organismo pela máquina não pode nascer”. Ela é tributária
da construção de “aparelhos que imitam movimentos orgânicos (...), cuja ação,
colocada à parte a construção e o desencadeamento, prescindi do homem”27,
máquinas nas quais “a parte que comanda seu movimento é dissociada daquela
que fornece a força, o que dá a ilusão de uma espécie de vida autônoma”28. A ex-
plicação mecânica das funções da vida supõe então, “historicamente”, a constru-
ção de autômatos, cujo nome significa, ao mesmo tempo, o “caráter milagroso”
e a aparência de “suficiência de um mecanismo que transforma uma energia que
não é, ao menos imediatamente, o efeito de um esforço muscular e animal”29.
30 Ibidem, p. 136.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
346 Rafael Henrique Teixeira
31 Idem, “L’homme du Traité de l’homme” in Œuvres complètes t. IV, 2015, p. 688. Canguilhem
remete na ocasião à Vênus de Dédalo mobilizada por Aristóteles. Há, dentre aqueles que preten-
dem que “a alma move o corpo onde ela se encontra do mesmo modo que ela é movida”, afirma
Aristóteles (De l’âme, 1989, I, 3, 406b), quem diga que “Dédalo deu o movimento à sua Afrodite
de madeira nela vertendo mercúrio”.
32 Dagognet, F. Georges Canguilhem. Philosophe de la vie, 1997. Ao ponto de, no fim do século, o
animal-máquina não ser “mais simples visão filosófica”, pois ele se aperfeiçoa e toma forma (Idem,
L’animal selon Condillac, 1987, p. 25). Essa materialização não é obra, a bem dizer, de Descartes.
Pela redução das funções animais aos efeitos das leis mecânicas encontradas nas máquinas, Des-
cartes deveria se tornar espécie de patrono do que se configurará como uma tradição (Cangui-
lhem, G. “Du singulier et de la singularité en épistémologie biologique” in Études d’histoire et de
philosophie des sciences concernant les vivants et la vie, 2002). Mas patronato é coisa distinta
de antecipação dos efeitos dessa influência. “O animal-máquina cartesiano permanecia da ordem
do manifesto, da máquina de guerra filosófica”, mas ele não constituía “o programa, o projeto ou
o plano de construção de nenhum equivalente de função ou de estrutura (...). Ao contrário, a
atenção dada por Vaucanson e Le Cat à elaboração de planos detalhados em vista da construção
de simuladores, e o sucesso notório do primeiro desses biomecânicos, devem nos autorizar a
remontar, ao século XVIII, ao menos, a consciência explícita de um método heurístico que utiliza,
sob o nome de imitação, o recurso a modelos analógicos funcionais” (Idem, “Modèles et analogies
dans la découverte en biologie” in Études d’histoire et de philosophie des sciences concernant
les vivants et la vie, p. 309). É o que observamos na descrição que Vaucanson oferece dos meca-
nismos de seu Flautista. Após descrever os mecanismos que compõem seu autômato e os efeitos
sonoros que com eles se trata de obter, Vaucanson (Le mécanisme du fluteur automate, présenté à
Messieurs de l’Académie Royale des Sciences, 1738, p. 15), comparando-os com aqueles obtidos por
uma “uma pessoa viva”, demonstra cuidadosamente as ações do homem que se tratou de imitar na
composição de sua réplica. O que em Descartes é apenas anedótico adquire a consistência de um
método. Trata-se de comparar o vivo a “máquinas efetivamente construídas” e de imiscuir, assim,
através da unidade do cientista-construtor, no procedimento analógico, uma espécie de método
que preconiza “a construção efetiva dos modelos construídos pelo espírito” (Doyon A. e Liaigre
L., “Méthodologie comparée du biomécanisme et de la mécanique comparée”, Dialectica, v. 10, n.
4, p. 292-323, 1956).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 347
37 Ibidem, p. 814.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
348 Rafael Henrique Teixeira
(...) é certo que, no corpo dos animais, como nos nossos, há ossos, nervos,
músculos, sangue, espíritos e outros órgãos dispostos de tal modo que por
eles próprios, sem nenhum pensamento, eles podem produzir todos os mo-
vimentos que observamos nos animais. O que é evidente nas convulsões,
quando, malgrado o espírito, a maquinaria do corpo se move frequentemen-
te por si mesma e de modos mais diversos do que ela tem o costume de fazer
sob a ação da vontade41.
43 Não nos enganemos com essa denominação: “o que nomeio aqui espíritos são apenas corpos,
e eles não têm outra propriedade senão que são corpos muito pequenos e que se movem muito
rápido, assim como as partes da chama que saem de uma tocha” (Idem, “Les passions de l’âme”
in Œuvres et lettres,1953, p. 700). Suas propriedades são aquelas dos corpos em geral, “proprie-
dades mecânicas da inércia, do movimento e do choque” (Canguilhem, G. “L’homme du Traité de
l’homme” in Œuvres complètes t. IV, 2015, p. 686).
44 Idem, La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 30.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 349
circular no organismo, não sai do coração com as mesmas qualidades que ele
tinha ao entrar, sai mais quente, rarefeito e agitado. A dilatação do sangue,
tributária do calor presente no coração, não é responsável somente pelo movi-
mento do coração47, mas também pela mudança de sua natureza.
As partes desse sangue que se tornam mais vivas e mais sutis, que o calor
tornou rarefeitas no coração, vão dar nas concavidades do cérebro, “visto que
as artérias que as conduzem são aquelas que vêm do coração mais em linha
reta do que todas e que, como sabeis, todos os corpos que se movem tendem,
cada um, tanto quanto possível, a continuar seu movimento em linha reta”.
Chegadas ao cérebro, elas não servem apenas para nutrir e conservar sua
substância, mas, principalmente, “para produzir um certo vento muito sutil,
ou, antes, uma chama muito viva e muito pura, que nomeamos os Espíritos
animais”. As artérias que trazem as partes agitadas do sangue até o cérebro
se juntam ao redor de uma pequena glândula, onde há “um grande núme-
ro de pequenos buracos por onde as partes mais sutis do sangue contidas
nessas artérias podem escoar para essa glândula”, buracos tão estreitos que
não permitem a passagem das partes maiores48. Essas partes do sangue não
têm necessidade “de receber nenhuma outra modificação no cérebro”, elas
apenas são nele “separadas das outras partes menos sutis do sangue”49. Assim,
conclui Descartes, “sem outra preparação, nem mudança, senão que elas são
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
350 Rafael Henrique Teixeira
separadas das mais grosseiras, e que elas retêm ainda a extrema velocidade
que o calor do corpo lhes conferiu, elas deixam de ter a forma do sangue e se
nomeiam os Espíritos animais”50.
A geração dos espíritos animais se liga aos movimentos das partículas de
matéria agitadas e rarefeitas pelo calor do coração. Uma análise mais detalha-
da poderia mostrar que, em suas agitações, nos choques entre as suas partes
mais sutis e suas partes de maior densidade ao redor da substância cerebral,
na triagem que aí se opera em virtude da dimensão e figura dos poros pelos
quais elas passam, não há nada que faça exceção às “leis da natureza”51 des-
critas no Traité de la lumière, leis relativas à jurisdição divino-metafísica do
mundo, mundo no qual o homem seria “máquina em uma máquina”52. Pois,
“segundo as regras da mecânica, que são as mesmas que aquelas da natureza”,
quando muitas coisas se movem conjuntamente para um mesmo lugar, “tal
como as partes do sangue que saem da concavidade esquerda do coração” e
que “tendem para o cérebro, as mais fracas e menos agitadas devem ser dele
afastadas pelas mais fortes que, desse modo, para lá se dirigirão sozinhas”53.
O mesmo pode ser dito da ação dos espíritos animais no movimento da má-
quina corporal por meio da ligação entre órgãos dos sentidos, cérebro, ner-
vos e músculos: “ela pode ser movida (...) somente pela força dos espíritos
animais que escoam do cérebro para os nervos”. Inflando e enrijecendo os
músculos, os espíritos animais não são levados por nenhuma potência, ape-
nas pela “inclinação que eles têm de continuar seu movimento seguindo as
leis da natureza”54. Vejamos de que modo a máquina corporal é colocada em
movimento:
(...) os filetes (...) provenientes da parte mais interna de seu cérebro e que
compõem a medula de seus nervos, estão dispostos de tal forma em todas
aquelas suas partes que servem de órgão a alguns sentidos, que eles podem
ser facilmente movidos pelos objetos desses sentidos. Quando eles aí são
movidos com um pouco de força, puxam no mesmo instante as partes do
cérebro de onde vêm e abrem, pelo mesmo meio, as entradas de certos
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 351
poros que estão na superfície interna desse cérebro, por onde os espíritos
animais, que estão nas concavidades, começam imediatamente a tomar o
seu curso e vão dar, através deles, nos nervos e nos músculos que servem
para provocar, nessa máquina, os movimentos55.
55 Ibidem, p. 823.
56 Ibidem, p. 814.
61 Canguilhem (La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015) observa que
a fisiologia cartesiana do movimento não se estende muito acerca do músculo, contrariamente
à descrição do nervo. É o que observamos na Dioptrique, que distingue nele três elementos: (1)
as peles que os envolvem e que se originam naquelas que envolvem o cérebro, pequenos tubos
divididos em ramos que se espalham pelos membros, (2) sua substância interior, que se estende
em forma de pequenos filetes ao longo dos tubos, desde o cérebro onde ela se origina até as extre-
midades dos membros aos quais ela se liga, de modo a existir, no interior de cada pequeno tubo,
muitos filetes independentes um dos outros, (3) os espíritos animais que, vindo das concavidades
do cérebro e passando por pequenos poros que funcionam como válvulas, escoam pelos tubos
até os músculos (Descartes, R. “La dioptrique (six premiers discours)” in Œuvres et lettres, 1953).
Esse terceiro elemento é elucidativo da mecânica de tração subentendida na motricidade animal.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
352 Rafael Henrique Teixeira
Os espíritos animais, conduzidos através dos condutos estendidos desde o cérebro até os múscu-
los, são a causa de os filetes permanecerem, em seu interior, livres e estendidos, e “de tal modo que
a menor coisa que move a parte do corpo onde a extremidade de algum deles se encontra ligado
faz mover, pelo mesmo meio, a parte do cérebro de onde ele vem, do mesmo modo que quando
puxamos uma das pontas de uma corta fazemos mover outra” (Descartes, 1953b, p. 701). Não
menos mecânico é o gênero da ação por sobre os órgãos dos sentidos, que faz acionar a tração
da fibra nervosa e desencadear o movimento dos espíritos animais. “(...) não poderemos sentir
nenhum corpo a menos que ele seja a causa de alguma alteração dos órgãos dos sentidos (...), a
menos que ele mova de alguma maneira as pequenas partes da matéria de que tais órgãos são
compostos” (Idem, “O mundo ou Tratado da luz” in O mundo – O homem, 2009, p. 53).
65 Se nestas uma alma se unirá ao corpo, não é menos verdade que ela apenas poderá excitar
nele movimento se todos os “órgãos corporais (...) requeridos para esse movimento” estiverem
“bem-dispostos” (Idem, “La description du corps humain” in Œuvres t. XI, 1986, p. 225).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 353
67 Idem, “Lettre à Reneri pour Pollot, avril ou mai 1638” in Correspondance t. II, 1970, p. 240 e 241.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
354 Rafael Henrique Teixeira
grous durante o voo, apenas se dão “por instinto”, sem pensamento, “natu-
ralmente e por molas, assim como um relógio, que mostra muito melhor as
horas do que nosso julgamento nos ensina”70.
Contra esse gênero de regulação dos movimentos animais se voltará Con-
dillac, por exemplo, neles observando “um movimento incerto, uma espécie
de convulsão”71, incapaz de dar conta dos movimentos determinados dos
animais, aqueles que lhes fazem fugir do que é nocivo e buscar o que convém.
De outro lado, podemos observar em La Mettrie não uma reação contra o
determinismo mecanicista na ação dos animais, mas uma suspeita para com
o abismo que Descartes estabelecera entre esse determinismo e os procedi-
mentos do Cogito, que faz figura de exceção no campo da natureza. Nós nos
encontraríamos, segundo La Mettrie, na situação de um relógio orgulhoso
que diria: “O quê! Foi esse operário que me fez, eu, que divido o tempo! Eu,
que observo tão exatamente o curso do Sol; eu, que repito em alta voz as
horas que indico! Não, isso não é possível”72. Não é descabido afirmar que
Canguilhem, igualmente, buscará séculos mais tarde verificar os limites dos
desenvolvimentos cartesianos acerca do corpo vivo. Porém, de seu ponto de
vista, não é preciso observar o que negligenciara ou extrapolara Descartes,
como fazem Condillac e La Mettrie, mas o que ele, ao contrário, admitiu;
ainda que essa admissão adquira contornos particulares e dissimulados, de
expressão observável em suas teses metafísicas.
70 Idem, “Lettre au Marquis de Newcastle, 23 novembre 1646” in Œuvres et lettres, 1953, p. 1256.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 355
76 Ibidem, p. 159.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
356 Rafael Henrique Teixeira
sível acreditar que esse movimento faça sentir no espírito, “entre todos os sentimentos que ele é
capaz de causar, aquele que é o mais próprio e (...) útil à conservação do corpo humano quando
ele se encontra em plena saúde”. Quanto às análises de Gueroult, em se tratando de reservas
relativas à opinião segundo a qual a biologia cartesiana seria um mecanicismo integral e coerente,
que exclui toda finalidade, suas visões constituem para Canguilhem (La formation du concept de
réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 53) um “encorajamento”. Em Descartes selon l’ordre des
raisons (1968) Gueroult traça uma análise em filigrana da união psicofísica da alma com o corpo,
visando demonstrar, de um lado, de que maneira ela impõe o reconhecimento de um valor real à
finalidade interior ao todo substancial e, de outro, as dificuldades por ela levantadas ao abrir uma
fenda no mundo orgânico (pois apenas a união substancial, vedada aos animais e à causalidade
eficiente dos dispositivos de seu corpo, transformaria a relação puramente mecânica de seus ele-
mentos em nexus teleológico).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 357
realizam um fim que a habita sem encontrar seu princípio nas leis segundo
as quais ela se realiza”. Logo, se um animal que vive “é uma máquina, ele
deve também ser habitado por algum fim”. Deus fabrica seus animais-má-
quinas, seus autômatos naturais. Sabemos, desde as Méditations, que seus
fins são impenetráveis. Haveria então contradição, pergunta-se Canguilhem,
se Deus “montou esses autômatos que são os animais-máquinas”, em dizer
que ele assegura pelas vias mecânicas sua conservação por meio de “fins ina-
cessíveis ao nosso entendimento (...) que, consequentemente, a ciência dos
seres vivos pode e deve negligenciar?”. Brindando-se com um “equivalente
mecânico do vivo, Descartes apenas teria conseguido eliminar a finalidade
do plano do conhecimento humano para reportá-la, esquecendo-a rapida-
mente, sobre o plano da ação divina”82. Ruyer dirige suas conclusões na
mesma direção.
82 Canguilhem, G. La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 55.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
358 Rafael Henrique Teixeira
e animal pela união substancial da alma com o corpo. Pois, com efeito, é a
partir das operações da indústria humana, sem a qual Descartes não teria
elaborado seu modelo do orgânico, que Canguilhem julga poder identificar
uma finalidade de aspecto antropomórfico no mecanicismo cartesiano, um
“antropomorfismo tecnológico”84.
85 Ibidem, p. 145-146.
86 Ibidem, p. 148.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 359
87 Idem, La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 56.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
360 Rafael Henrique Teixeira
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 361
esse fenômeno massivo tem um sentido não gratuito”94. Toda técnica humana
“se encontra inscrita na vida, ou seja, em uma atividade de informação e de
assimilação da matéria. Não é porque a técnica humana é normativa que a
técnica vital é julgada tal por compaixão. É porque a vida é atividade de in-
formação e de assimilação que ela é a raiz de toda atividade técnica”95. A esse
enraizamento, Canguilhem acrescenta a verificação da relação entre técnica e
ciência: uma ciência “não seria nada sem uma técnica preexistente”96. O elã
que conduz à fabricação de instrumentos artificiais, por exemplo, não pode
advir do puro mecanicismo, “do qual não saberíamos retirar diretamente a
menor possibilidade de fabricação. De modo algum o conhecimento integral
das leis do atrito teria podido conduzir à fabricação da ferradura”97.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
362 Rafael Henrique Teixeira
103 Reconhecer que o conhecimento se inscreve na vida por intermédio da técnica não implica
usurpar-lhe o sentido de seu enraizamento. O racionalismo, “se ele quer ser fecundo, não pode
permanecer puro”. A razão é “menos um poder de percepção de relações essenciais incluídas na
realidade das coisas ou do espírito” do que “um poder de instituição de relações normativas na
experiência da vida” (Idem, “Note sur la situation faite en France à la philosophie biologique”
in Œuvres complètes t. IV, 2015, p. 313 e 320). Remetido à normatividade biológica do vivo
humano, o conhecimento se define como um “método geral para a resolução direta ou indireta
das tensões entre o homem e o meio”, visando “permitir ao homem um novo equilíbrio com o
mundo, uma nova forma e uma nova organização de sua vida” (Idem, “La pensée et le vivant” in
La connaissance de la vie, 2009, p. 12).
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 363
107 Tese que ganha força se observarmos um texto capital, Descartes et la technique. Sem deixar
de reconhecer que “A consciência do possível técnico” pode ser dada “pelo conhecimento do
necessário teórico” – o que não apresenta nenhuma novidade, dada a “longa familiaridade do
pensamento moderno com um tema de reflexão que, de da Vinci à Marx, passando pelos En-
ciclopedistas e Comte, foi a ocasião de um desenvolvimento tornado clássico” –, Canguilhem
(“Descartes et la technique”, in Œuvres complètes t. I, 2011, p. 494) afirma que a “tese do co-
nhecimento convertível em ação técnica não se dá, no pensamento cartesiano, sem importantes
restrições”. Tratando da invenção das lunetas na Dioptrique, Descartes (“La dioptrique (six pre-
miers discours)” in Œuvres et lettres, 1953, p. 180) lamenta que, “para a vergonha de nossas
ciências, essa invenção, tão útil e admirável, apenas foi primeiramente alcançável pela experiência
e ao acaso”. Eis o suficiente para Canguilhem (“Descartes et la technique”, in Œuvres complètes
t. I, 2011, p. 496) postular que Descartes integrou à sua reflexão “uma forma de relação entre o
conhecimento e a construção outra que aquela que faz depender (...) a segunda da primeira”. Mais
importante é a consequência que Canguilhem retira desse fato aliado ao reconhecimento de Des-
cartes (“La dioptrique (six premiers discours)” in Œuvres et lettres, 1953 p. 180) que, toda nossa
vida dependendo de nossos sentidos, dentre os quais o mais nobre é a visão, “não há dúvida de
que as invenções que servem para aumentar sua potência sejam as mais úteis que possam existir”.
Segundo Canguilhem (“Descartes et la technique”, in Œuvres complètes t. I, 2011, p. 497) essa
postura cartesiana não deixa dúvidas: a iniciativa de uma técnica como essa, da qual se alimentará
a ótica, mas cujo elã não aguardou a permissão do teórico, se encontra “nas exigências do vivo”.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
364 Rafael Henrique Teixeira
por parte de Descartes, mas de um ardil que o ignora para fins de sua legi-
timação racional. Citemos a passagem do Traité de l’homme a partir da qual
Canguilhem justifica esse ponto de vista.
Suponho que o corpo não seja outra coisa senão uma estátua ou máquina
de terra, que Deus forma intencionalmente para torná-lo o mais possível
semelhante a nós. De modo que ele não apenas lhe dá externamente a cor
e a figura de todos os nossos membros, como também coloca dentro dela
todas as peças que são necessárias para fazer que ela ande, coma, respire
e, enfim, imite todas as nossas funções que possam ser imaginadas como
procedentes da matéria e que só dependem da disposição dos órgãos108.
“Ao ler esse texto em um espírito tão inocente quanto possível”, afirma
Canguilhem, a teoria do animal-máquina parece ganhar sentido graças a dois
postulados: a existência de um Deus fabricador e que o vivo é dado enquan-
to tal, previamente, à construção da máquina. Seria preciso, para compre-
ender a máquina-animal, “percebê-la como precedida, no sentido lógico e
cronológico, ao mesmo tempo por Deus como causa eficiente e por um vivo
preexistente a imitar, como causa formal e final”, como se, longe de romper
com a “concepção aristotélica da causalidade”, todas as causalidades mobili-
zadas por Aristóteles se fizessem presentes, ainda que “não no mesmo lugar
e não simultaneamente”. Desse Deus que assume os ares de um Engenheiro,
reserva de finalidade antropo-tecnológica no corpus cartesiano, já nos ocupa-
mos. Detenhamo-nos no segundo aspecto mobilizado por Canguilhem. “O
modelo do vivo-máquina é o próprio vivo”, a construção da máquina viva
implica (...) uma obrigação de imitar um dado orgânico prévio”109. Segundo
Hacking, “A fascinação de Canguilhem pelo vital, pela vida como condição
prévia, é aqui evidente”110. Canguilhem encontra assim uma rara licença con-
cedida por Descartes a uma vida apresentada como condição, e não como
condicionada, seja pelas razões tecnológicas do Artifex Maximus, seja pela
explicação mecânica do exercício de suas funções. Se essa licença é, enquanto
tal, rara, ela possui grande valor para seus propósitos. “A teoria do animal-
-máquina seria então para a vida o que uma axiomática é para a geometria
110 Hacking, I. “Canguilhem parmi les cyborgs” in Braunstein, J-F. Canguilhem, histoire des scien-
ces et politique du vivant, 2007, p. 116.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 365
(...), apenas uma reconstrução racional, mas que apenas ignora por um ardil
a existência daquilo que deve representar e a anterioridade da produção so-
bre a legitimação racional”111. Ignorar por um ardil não seria o mesmo que
reconhecer uma exigência sem, contudo, levá-la adiante na representação do
fato ao qual ela se liga, o que é coisa distinta de negá-lo pura e simplesmente,
como pretendem aqueles que se limitam a observar, no Traité de l’homme, um
mecanicismo estrito? Integrando um fato humano à sua biologia, Descartes
teria assimilado Deus a um Engenheiro, a indústria divina à indústria huma-
na. Poderíamos conjecturar que, tivesse Descartes levado às últimas consequ-
ências algo que ele parece ter pressentido – ao menos do ponto de vista de
Canguilhem –, tivesse ele integrado ao seu edifício teórico o enraizamento
orgânico do fato humano que ele, com efeito, integrara, reportando-o à me-
tafísica, esse Engenheiro metafísico seria apresentado, talvez, como um Vivo
Artífice demiúrgico.
Considerações finais
Por detrás das operações pelas quais Canguilhem apresenta a integração car-
tesiana, no trato do fenômeno orgânico, de elementos rebeldes à jurisdição
de um mecanicismo estrito, é possível observar o seguinte fato. A vida, na
filosofia cartesiana, não é objeto de uma negação categórica, mas um objeto
necessariamente problemático, marcado por tensões decorrentes de um fato
incontornável: máquinas bem podem servir de modelo à representação dos
organismos, mas sua simples presença no mundo é testemunho de que um
organismo vivo a construiu por meio de uma potência não mecânica. Má-
quinas não produzem, no sentido de uma invenção espontânea, máquinas.
Talvez uma convicção do próprio Descartes servisse para ilustrar essa asser-
tiva canguilheniana. O mais perfeito não pode depender do menos perfeito,
“deve haver ao menos tanta realidade na causa eficiente e total que em seu
efeito: pois de onde o efeito pode retirar sua realidade senão de sua causa? E
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
366 Rafael Henrique Teixeira
como essa causa poderia lhe comunicar sua realidade se ela não a possuísse
em si mesma?”112. Nos termos de nosso problema: como uma máquina pro-
duziria uma máquina se da disposição de suas partes não podemos retirar
nada de novo, se essa própria disposição depende de uma intenção da ordem
do vital? Diante disso, Descartes teria adotado duas resoluções, segundo a
leitura canguilheniana. De um lado, a necessária anterioridade da produção
por sobre sua legitimação racional no corpo da teoria é como que garantida
ao ser reportada a um Deus fabricador. De outro, por um ardil epistemológi-
co, Descartes simplesmente ignoraria a existência que se trata de representar,
organismos que, por produzirem máquinas, são mais que máquinas, e justa-
mente para poder assimilá-los a esse gênero de fatos, visando à elucidação de
seu funcionamento pelos produtos de sua atividade.
A maneira pela qual Canguilhem apresenta Descartes é, decerto, pouco
canônica. Mas ela ganha legitimidade quando remetida ao pano de fundo
representado pela intenção da filosofia de Canguilhem: uma “compreensão
sistemática das invenções técnicas como comportamentos do vivo”113. Diante
disso, o partido de Canguilhem ao tomar por objeto a face dissimulada pela
qual a vida se apresenta no sistema cartesiano, essa vida que é solo originário
da máquina que lhe servirá de modelo, não é descrever as teses cartesianas
por seus aspectos negativos (negação da irredutibilidade da vida, redução do
orgânico ao mecânico), mas a maneira pela qual, no próprio sistema cartesia-
no, os fenômenos vitais “resistem (...) à sua integral expressão por seus equi-
valentes mecânicos”114. Os indícios dessa resistência encontrados por Can-
guilhem se apresentam a partir de feições fugidias, vimo-lo. Essa expressão,
por assim dizer, dissimulada, de atributos que são refratários à mecanização,
pode ser tomada como o corolário “de uma esperança paradoxal, aquela de
explicar um poder por meio de conceitos e de leis inicialmente formadas a
partir de hipóteses que o negam”115. Podemos nos perguntar, não sem ressal-
vas, se o que Canguilhem define como vitalismo, “uma exigência mais que
um método (...), uma moral mais que uma teoria”, exigência que se faz sentir
no vivo humano “separado da vida pela ciência e que tenta alcançar a vida
através da ciência”, não nos ajudaria a melhor circunscrever as conclusões
114 Idem, La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 54.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 367
que ele retira de sua leitura de Descartes. A teoria biológica se revela para
Canguilhem, através de sua história, “como um pensamento dividido e os-
cilante” no qual “Mecanicismo e Vitalismo se afrontam”, como um “retorno
pendular a posições das quais o pensamento parecia estar definitivamente
afastado”. Dessa persistência de teses vitalistas, Canguilhem conclui que o
vitalismo traduz uma “exigência permanente da vida no vivo, a identidade
consigo mesma da vida” imanente ao vivo humano “consciente de viver”116.
117 Idem, La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 123.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
368 Rafael Henrique Teixeira
Referências
120 Idem, La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 01.
123 Canguilhem, G. La formation du concept de réflexe aux XVIIe et XVIIIe siècles, 2015, p. 124.
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 369
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
370 Rafael Henrique Teixeira
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017
Sobre máquinas e organismos. Canguilhem e os aspectos dissimulados do animal-máquina cartesiano 371
O que nos faz pensar, Rio de Janeiro, v.26, n.40, p.339-371, jan.-jun. 2017