A Tragédia Por Albin Lesky e Nietzsche

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A tragédia grega de Albin Lesky.

No 1º capitulo “Do Problema do Trágico” ele procura


demonstrar a “essência do trágico” e o conceito de trágico, que veio se consagrar através de
teóricos e artistas da modernidade após a renascença. A tragédia grega ao atingir seu ápice de
forma no século V a.C., desenvolveu elementos formais e de recepção que são trabalhados até
os dias atuais com diferentes funções daquelas do seu surgimento.

O conteúdo trágico é retirado dos mitos e cosmologia dos povos gregos e indo-europeus que
aparecem na forma literária da épica primeiramente, na Ilíada e Odisséia de Homero no séc
VIII a.C, por onde se esboça os germes da visão trágica do mundo. Assim como os cantos
heroicos, as odes e poesia cantada por rapsodos e cantores primitivos faziam circular
elementos trágicos das tradicionais sagas de povos primevos e a memória social. O herói é o
primeiro denominador dessas narrativas com armas e feitos que tenta vencer a morte e
desafiar os deuses. A glória de um dia é seguida de um momento trágico e uma queda no
abismo insondável. Enquanto os Deuses brigam entre si, fazem os homens e semideuses
sofrerem os efeitos sendo disputados na ira e no afeto e serem condenados a destinos
trágicos.

O gênero épico propõe uma visão de mundo: a vida como uma cadeia de acontecimentos,
ação e reação. É o chamado “fluxo épico” que faz o encadeamento das motivações das
personagens e anima vidas em conflito, que seria o primeiro passo para o drama dento da
linguagem épica. Outro elemento básico do estilo dramático que vai aflorar e criar seu ramo é
a “condensação temporal” de uma série de acontecimentos no espaço exíguo de alguns dias
ou um único dia. O diálogo é o elemento mais dramático que vai ganhar autonomia da epopeia
que funda o gênero dramático assim como as ações representadas das personagens. O herói
trágico se confronta com o destino dos outros (família, amigos, inimigos e povos inteiros) e seu
agir consciente ou inconsciente conduz ao acontecimento trágico, por meio de erros, excessos,
orgulho, vingança, ira e outros desejos plantados por deuses sequiosos. Toda decisão de agir
cobra uma reação que quase sempre é a morte, guerra, peste, sofrimento, etc. Chama-se
concatenação fatal essa dinâmica de acontecimentos que o drama vai concentrar numa ação
unificada e objetiva em direção ao trágico do mito ou fato histórico.

Traços essências do trágico na configuração do drama antigo são difíceis de recuperar sob os
escombros das tragédias. Mas o “trágico” da antiguidade era sinônimo de arte narrativa mítica
através das linguagens orais e escritas. Na poética de Aristóteles, que é um fragmento
inacabado de uma análise geral dos gêneros dramáticos, destaca-se a definição da imitação de
uma ação importante e nobre, dentro de extensão limitada, com a finalidade de suscitar terror
e piedade, a “catarse”. Efeito moral disputado pelo entendimento subjetivo como purgação,
alívio, expiação ou pelo objetivismo social como entendimento da contradição e reforço das
leis civilizacionais. Aristóteles diz também sobre o tom da poesia trágica ser solene e tratar
sobre o desmedido de figuras que sofrem um revés fatal e são destruídas. Encontra-se alguns
vestígios através das classificações “triste”, “terrível”, “estarrecedor”, e “horrível”, em que a
tragédia se ocuparia de histórias em que “queda no infortúnio” e as paixões humanas
ultrapassem os “limites do normal”, dando a ideia de serem sinônimos de peças tristes ou com
fim trágico. Mas não abarca toda a poesia trágica, pois há tragédias que possuem o fim
conciliador, apaziguador e até feliz, mesmo o percurso sendo de atrocidades inolvidáveis. Por
isso Leskin diz não haver na Poética um conceito de trágico em Aristóteles pois não trata de
uma cosmovisão e sim de uma descrição da forma da linguagem.

Na renascença, por volta de 1550 com a redescoberta das tragédias vai surgir conceituações
que vão marcar o modo dominante de se ler as tragédias. No início são reinterpretações das
poéticas gregas e latinas que dizem servir as tragédias para a valorização do racional perante
os afetos tentados ao irracional, que seria um alerta contra a vulnerabilidade da felicidade e às
aspirações sublimes. O trágico ressurge como atenção e lembrança do erro humano que
incorre na infelicidade e desgraças. O erro humano é moralizado como culpa e perigo que
afasta o homem de Deus, agora cristianizado e monoteísta. A inversão vem de um filtro com
diferenças históricas e espirituais. Passa a se ressaltar a fragilidade humana e o risco
existencial da culpa originária. O filósofo Soren Kierkegaard vai sintetizar essa retomada do
trágico como uma maneira de visão de mundo muito definida, apoiado na afirmação de que
“nosso mundo é trágico”, pois estamos historicamente separados de Deus por um abismo
intransponível, segundo a ideia cristã de expulsão do paraíso. Assim os classicistas vão reforçar
normas tiradas de Aristoteles com as unidades de ação, tempo e lugar para estabilizar e
cristianizar a tragédia tirando-lhes o movimento da transcendência e da dialética das paixões
para uma tentativa de moralizar o mito e ascender o herói com a ideia de negação do mundo
pela vida eterna.

O pré-Iluminismo e neo-humanismo do séc. XVIII vai propor um novo começo, mais conciliado
com a razão transcendente. Goethe vai propor a seguinte definição: “todo o trágico se baseia
numa contradição inconciliável”. Isso significa que a os termos dessa contradição são os
homens e os deuses ou o homem com outro homem em relação em que nenhum se reduz ao
outro, mas digladiam-se até a destruição de m dos termos ou mútua, por isso o inconciliável.
Diferente da antiguidade, a tragédia do mundo burguês se libertaria da nobreza das figuras
principais, mas não abriria mão da “altura da queda”, permitindo a qualquer personagem
sofrer os golpes da tragédia desde que haja uma queda de um estado de felicidade,
prosperidade, mesmo ilusório, para um abismo de desgraça. A tragédia também não abre mão
de seu intenso dinamismo nos acontecimentos, mesmo abarcando narrações de assassinatos e
estados de miséria, a ação deve estar encadeada com “impertinente familiaridade” que
recobre o conceito de verossimilhança clássico. O “grau trágico” goethiano deve ser atingido
pelo despertar o interesse do público com a possibilidade de o trágico acontecer em nosso
próprio mundo, e a capacidade de comover profundas camadas do nosso ser. A experiência do
trágico se da na experiência aumentada de tempo vivido numa tragédia por um espectador.
Abolição das unidades é necessária e um “pincelamento da psicologia” individual começam a
operar a maneira construir esse efeito dramático que expande a experiência de tempo ao
expectador ao mesmo tempo que condensa tempo nas sequencias dramáticas. O sujeito
trágico no lugar do herói grego, ainda continua a sofrer um certo determinismo e é levado à
destruição quando sua consciência descobre crimes e hediondezas.

Com Nietszche é recuperada a aspiração mais elevada do espírito grego, quando ressalta que o
fogo das paixões do caráter grego fundado na honra e vingança se cumpre fatais destinos
expressos na dualidade de duas divindades, Dionísio e Apolo, sincretizados na cultura como
forças contraditórias, as forças apolínias que aspiram ao belo disputam com o horror de Baco
gerando a tensão da criação artística capaz de conceber uma visão estritamente trágica do
mundo. Concepção de mundo como sede de aniquilação absoluta de forças e valores que
necessariamente se contrapõem, inacessível a qualquer e inexplicável por nenhum sentido
transcendente . Morte e ruína são parte de um todo transcendente onde as leis se derivam,
num plano superior em contraposição do cenário do ajuste de contas. A situação trágica é o
embate de forças contrárias. O homem é veículo e não compreende totalmente a necessidade
do conflito e se vê abandonado à destruição até que um deus ex-machine possa irromper a
cena. Cosmovisão, integração com outros mundos em disputa.

A falha trágica, hamartia, é responsável pela queda trágica, após uma grave falha, em que a
reviravolta é um percurso que amplia a distância da fortuna à desgraça. O herói tem caráter
médio, não tem perfeição moral, isso se relaciona com nosso reconhecimento das atitudes
falíveis, de onde brota nossa compaixão que é o sentimento de desgraça imerecida. A falha
trágica ao refutar a falha moral, mostra-se como falha intelectual, falta de compreensão
humana perante as situações imposta pelos deuses. O pensamento antigo, segundo Kurt Von
Fritz, separa a falha do crime, e não aceita a culpa moral de um crime que subjetivamente não
é imputável, mesmo que objetivamente haja uma culpa grave, é odioso aos homens e aos
deuses assumir essa culpa no sentido estóico ou cristão, pois o que está em jogo é “a falha do
espírito humano ante a superioridade das forças contrárias”. Porém a culpa moral existe no
teatro grego, principalmente em Ésquilo, como elemento motor na tragédia contando que a
culpa moral imputável também é um dado humano e existencial.

A questão de ser a tragédia grega um exemplo moral com intuito à educação como missão do
poeta trágico deve ser considerada. Para isso é preciso observar os conceitos de poesia e
educação no pensamento antigo. Seria o teatro grego uma instituição moral? As Rãs de
Aristófanes apresenta esse problema e exigência aos autores trágicos para proveito da cidade,
Ideia tirada da sofística. Aparece em Platão, no livro sobre a República e em Horácio, no Ars
Poetic, no Classicismo francês e no Lessing, os indubitáveis efeitos educativos; esse último
disse na “dramaturgia de Hamburgo: “todos os gêneros de poesia têm a função de melhorar-
nos.” Goethe coloca a tendência pedagógica como incompatível à obra de arte. Porém as
vozes dos poetas perpassam as histórias mitológicas e comunicam aos atenienses, seu público,
suas opiniões sobre homens e deuses. Entre efeito educativo e tendência educativa, a arte há
de ter “consequências morais”, pois ela surge em conexão com altos valores que discutem o
justo, o belo e o bom.

Qual o sentido do trágico, na tragédia grega? O acontecer trágico é dotado de sentido , pois o
sofrimento trágico surge ao assistirmos um sofrimento imerecido, segundo Aristóteles. No séc.
XIX, Schopenhauer dividiu o trágico em 3 variedades: o mal, o destino cego e o trágico das
circunstâncias, que se produz quando se entra em conflito dois ou mais contrários, mostranto
que tanto no bem quanto no mau pode-se passar dos limites. Trata-se de um drama supremo.
O herói trágico se opõe a ordem do mundo e sua destruição é inevitável. Não precisa de
sentido, mas seu sacrifício abre caminho para um futuro onde possa se escolher o destino.
Para Hegel, o acontecer trágico exprime um “choque de contrários igualmente justificados”.
Agora o sentido dialético da tragédia foi Max Scheler (1914) com sua “visão cerradamente
trágica do mundo” que atribuiu à inevitabilidade do trágico como traço essencial para a dor
trágica recorrer a certa frieza e satisfação com a destruição, a ruina e a morte. O sentido é não
ter sentido, mas ser inevitável. Jean Anouilh, diz que a tragédia é segura, ordenada e
tranquilizadora, pois já se sabe de antemão que tudo vai ser destruído, é em vão, absurdo e
não tem saída.

Com o pantragicismo, o sofrimento do mundo e o pessimismo, Nietzsche combate o


aburguesamento do sentido da vida e a atrofia da imaginação pelo racionalismo que nos
impede de compreender o verdadeiro trágico. O trágico é a separação do homem com o
absoluto, o herói trágico estabelece um conflito trágico que só alcança solução numa esfera
superior e desfecha em conciliação e harmonia afirmando a importância do destino. Para Karl
Jaspers “não há tragédia sem transcendência”, pois o homem vai além do destino dos deuses
se reconhece na ruína. O trágico nada tem de mensagem clara e conclusiva, mas é um caminho
aberto pelo tempo com dureza e gravidade para o ser trilhar o caminho de seu auto
conhecimento. A concepção do trágico é uma visão de mundo e assimila diferentes estágios da
visão trágica ao longo da história. Por isso a importância de se tratar cada obra ou autor de
forma isolada pra tirarmos qual visão de mundo está em jogo, uma cosmovisão trágica do
mundo.

Nos primórdios da tragédia, a criação espiritual é um fenômeno único que se converte em


possessão. A obra de arte trágica é um cosmos onde a essência é indeterminada e a história
persegue sua origem. A síntese entre a especulação da origem e os processos históricos pode
ser o caminho de compreensão.
Fichamento: O Nascimento da tragédia – Nietzsche (1870)

Introdução e cap. 1 e 2

Arte – metáfísica do homem / Arte grega – pessimista, signo da ruína, do fracasso, dos
instintos cansados, causados pelo socratismo, cientificismo, ironia, dialética, teorias que são
doenças do cansaço e da vontade epicúria. Deus é um artista amoral. A moral é a negação da
vida. Obras de arte são jogos, atividade metafísica da vida, propõe uma intelecção lógica e a
introvisão.

O mundo grego cultivava o prazer da força, saúde, plenitude. Preconiza a auto-educação para
o sério, a seriedade da estética, a seriedade da existência e do horror, aprender a rir e o
pessimismo; o riso e o auto-coroamento. Zaratrusta como símbolo do santo riso, o salto, voar
com asas. Relação do artista grego com seus arquétipos, a duplicidade das figuras de Dionísio e
Apolo. Na criação da tragédia temos um ato metafísico de emparelhar os impulsos dionisíacos
e apolíneos, lado-a-lado, em disputa, discordantes. O sonho apolíneo e a embriaguez
dionisíaca.

Dionísio – culto ao deus-bode, deus-máscara, deus-sátiro. O que é dionisíaco? A música, a


dança, a dor, o anseio do feio, festas, loucura, divertimento, culto, o terrível, mito trágico, a
autocracia, o arbítrio. O coro que é o corpo do povo arrebatado, alucinado, instinto de
aniquilamento. > música > não figurativo > origem. A embriaguez dionisíaca: laços de
comunidade, multiplicidade, volta à natureza, aniquilação, destruição, tendência ao
inorgânico.

Apolo – o deus sol, deus-aparência. O que é apolíneo? O verso lírico, o metro, o otimismo, a
racionalidade, anseio do belo, democracia, justiça, lógica. O herói trágico, vontade triunfante.
> artes plásticas > figurativo > objetivo. Sonho apolíneo: metáfora do homem que navega na
tormenta e confia no futuro, principio de individuação.

Música – propriedade narcótica da melodia, inebriante, arte vocal, sedução dos ouvidos,
prazer destruidor do agora, do presente, abre-se para o nada como possibilidade, niilismo.
Música de Dionísio, o ditarambo, incita pavores, espantos, comovedora e violenta, envolve o
corpo coletivo. A música de Apolo é a forma musical, os contrapontos, a harmonia como guia e
destemor do olhar, o ritmo, a força, a clarividência.

“da mais elevada alegria soa o grito de horror” - festivais gregos, orgias dionisíacas são festas
de redenção universal, revelam a transfiguração animal, o júbilo artístico, rompimento da
individuação, volúpia e crueldade. Nessas festas a natureza soluça seu despedaçamento em
indivíduos. O cântico e a mímica do ditirambo dionisíaco elevava as capacidades simbólicas do
homem até o ponto da autodestruição, utilizando o corpo, a voz e a palavra para infundir o
temor.

Cap. 3 e 4

O edifício apolíneo, arquitetura assentada nos fundamentos dionisíacos, mistério e abismo. Os


deuses olímpicos são individuais, não tem ascese, espiritualidade e nem dever com o humano.
Transmitem a aparência triunfante e a existência opulenta, homens e mulheres exuberantes,
exaltação da vida. Esse impulso de vida é o “conhece-te a ti mesmo” colocando um espelho
transfigurador diante de si. Seu contrário é Sileno que aponta para o acaso, efemeridade,
tormento, doença e a filosofia “é melhor não saber de nada”, nunca ter sido nada e morrer o
quanto antes perante o temor e o horror de existir.

Primitiva teogonia titânica (terror) x teogonia olímpica (júbilo) – o impulso apolíneo da beleza
implica numa transcendência do sofrimento da vida em glória elevada inspirada pelos deuses.
O homem passa a suplicar e lamentar pela continuação da vida, vontade por existência,
mesmo sem glória e humilhado.

A ingenuidade artística – naif – é uma aptidão para o sofrimento e efeito da cultura triunfante
apolínea, “fazer-se vitoriosa sobre uma horrível profundeza da consideração do mundo”. Naif
– “engolfamento na beleza da aparência, ilusória imagem, ilusão apolínea. Gregos
necessitavam rever-se numa esfera superior, esfera da beleza, deuses olímpicos.

Mundo apolíneo da aparência da beleza x substrato terrível da sabedoria de Sileno dionisíaco.


Apolo é o endeusamento do principio de individuação assim como os deuses olímpicos,
necessita do mundo da tormenta para reforçar sua visão redentora. A polo exige a medida
(fronteiras do indivíduo), é uma divindade ética e para observar a medida, o
autoconhecimento pratica o “nada em demasia” e “conhece-te a ti mesmo”. Dionísio é o
desmedido, representado por demônios. É titânico e bárbaro. Esse mundo construído sobre a
aparência e o conhecimento conquistou os gregos, mas foi invadido por festejos, orgias,
cantares demoníacos do povo, embriaguez, a verdade amarga, a contradição, o deleita das
dores e sofrimento, etc. “Em toda parte onde o dionisíaco penetrou, o apolíneo foi suspenso e
aniquilado”. O embate dessas duas forças contrárias resulta em criações novas e sucessivas.
Dionisio é a força pulsante, uma torrente invasora por trás da filosofia popular e possui
princípios hostis ao formal Apolo.

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