Crise e Dinâmica Das Estruturas Produtivas Regionais No Brasil

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CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS

PRODUTIVAS REGIONAIS NO BRASIL*

Claudio A. G. Egler**

Introdução

O conceito de estrutura produtiva regional procura


responder às indagações acerca da permanência da
questão regional em economias que completaram o pro-
cesso de integração produtiva em escala nacional
{EGLER, 1993, 1995a e 1995b). Existe uma tradição nas
ciências sociais de transformar o conceito de região em
uma entidade real, que pode ser definida tanto por seus
atributos naturais, como também históricos e culturais.
No entanto, esta reificaçâo do conceito de região contri-
buiu para envolvê-lo em uma camisa-de-força e atirar
os analistas da dimensão territorial do capitalismo no

• Texto apresentado no Simpósio "O Novo Mapa da Economia Brasileira"


promovido pelo IPEA.
··Geógrafo.Doutor em Economia (UNICAMP). Professor de Geografia
Económica do Departamento de Geografia da UFRJ e Pesquisador do CNPq
no Laboratório de Gestão do Território (LAGET-UFRJ).
186 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 187

debate estéril sobre a existência e/ ou permanência da regulação. Em estruturas de mercado em oligopólio,


região em nações que consolidaram um mercado do- onde as barreiras à entrada e a velocidade de introdução
méstico integrado. do progresso técnico são fatores econômicos determi-
Neste trabalho, a região está definida como uma nantes de regionalização do espaço econômico (MARKU-
escala geográfica de análise (EGLER, 1991 ), isto é, um SEN, 1985), a dimensão política do regionalismo vai se
nível de abstração do raciocínio espacial em ciências manifestar na capacidade de criar estruturas produtivas
sociais. Possui o mesmo estatuto lógico dos níveis glo- regionais diferenciadas, aptas a atrair investimentos em
bal, nacional e local, que são sincronicamente articula- ritmo e intensidade superiores às demais.
dos através da dinâmica do desenvolvimento desigual e Nessa direção, é importante partir das análises que
combinado do capitalismo. Seu poder explicativo foi tratam dos 'sistemas produtivos regionais', que avaliam
originalmente explorado em economia por Prebisch "a lógica regional de articulação das fases produtivas
(1949), através das relações centro-periferia, nas análises que levam à elaboração de um produto" (BERTRAND, Y. e
sobre as transformações da economia mundial no pós- HAY, F. 1987:101), que decompõem as cadeias produtivas
guerra e seus efeitos sobre a América Latina. em sistemas territoriais integrados. Elas são capazes de
A dimensão regional na análise espacial da dinâ- dar conta do processo de regionalização do espaço eco- 1

I'
mica capitalista, independente que seja definida na nômico em suas diversas escalas; entretanto - ao privi-
escala intra ou supranacional, pressupõe que se parta da legiarem a dimensão técnica do processo produtivo -, 11
concorrência e dos instrumentos políticos disponíveis não conseguem abranger os demais componentes da
para a sua regulação. A região é a resultante de um concorrência intercapitalista, aí incluindo as suas deter- 'li
duplo movimento: de um lado a regionalização, enten- minantes políticas expressas no regionalismo. 1
dida como a divisão de um determinado espaço em ter- Ao nosso juízo, o conceito de estrutura produtiva,
1
ritórios econômicos com finalidades diversas, desde dis- além de precisar "a lógica regional das fases produti- ,1
tritos fiscais até áreas de mercado. De outro, o regiona- vas", expressa o sentido básico da análise geográfica das
lismo, onde os agentes sociais localizados em um deter- escalas, que rompe com a visão positivista de considerar ·1 .
,11
minado território, aí incluídas as firmas nele estabeleci- as regiões como entes em si, e procura exprimir a mate-
das, procuram exercer pressão sobre o Estado para dis- rialidade dinâmica da economia capitalista no território,
por de tratamento político diferenciado do restante do J!:
fundada na concorrência entre massas de capital e
espaço econômico em que se inserem. 1 ,.
mediada e regulada pela ação do Estado.
A lógica da integração/ diferenciação territorial é A questão reside em que - apesar de toda a tenta- 'fi
inerente ao desenvolvimento desigual e combinado do tiva de tornar o global independente do lugar - a crise
capitalismo. Em sua evolução modificam-se os pesos e a reestruturação das parcelas nacionais da economia ·i
relativos de cada uma das partes dessa equação, que são mundial têm mostrado que a região é a escala de opera-
condicionadas pelo padrão de concorrência e pelos ção produtiva no capitalismo, seja para consolidar e
mecanismos à disposição do Estado para atuar na sua proteger seus próprios mercados domésticos, seja para \
il
li
. J.
188 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 189

ampliar os limites dos seus territórios econômicos. ao ritmo de sua acumulação endógena. Neste aspecto,
Neste sentido, as regiões constituem espaço privilegia- os mercados domésticos desenvolvidos em capitalismos
do da produção capitalista e, corno tal, a instância corre- tardios e periféricos, corno é o caso do brasileiro, pos-
ta para analisar as transformações que estão se proces- suem traços constitutivos próprios, que se refletem
sando no sistema produtivo. tanto ao nível da articulação interna entre os setores
É nesta perspectiva que deve ser feita a aproxima- econômicos, como também entre as estruturas produti-
ção com as estruturas produtivas regionais da economia vas regionais, o que se manifesta claramente na confor-
brasileira. Elas são frutos de um determinado padrão de mação de sua base técnica.
concorrência vigente no mercado mundial no pós-guer- A base técnica da economia nacional possui carac-
ra, definidas por um processo tardio e periférico de terísticas próprias ligadas a fatores geográficos e históri-
industrialização nacional caracterizado pela forte pre- cos. É importante observar que o Brasil consolidou, no
sença do Estado e da grande corporação multinacional e pós-guerra, uma complexa indústria pesada fundada no
plasmado em urna estrutura territorial diferenciada e padrão tecnológico norte-americano, com sérias limita-
heterogênea, porém integrada dinamicamente em um ções no que diz respeito à oferta de hidrocarbonetos fós-
mercado doméstico nacional e, através desse, ao merca- seis: carvão mineral e petróleo. Isto em si não constitui
do mundial. um óbice, já que nações como a França ou o Japão segui-
ram o mesmo caminho. Entretanto, as dimensões terri-
Integração e Crise da Base Técnica da toriais e a eficiência dos sistemas de circulação destes
Economia Nacional países são completamente distintas da realidade brasi-
leira, onde a matriz de transportes da Primeira Revolu-
A consolidação e integração do mercado doméstico ção Industrial praticamente inexiste.
foram metas explícitas de políticas públicas que incidi- No caso brasileiro, a base técnica desenvolvida
ram diretamente sobre o setor industrial, que constitui o durante a industrialização centrada em bens de consu-
segmento mais dinâmico do sistema produtivo nacio- mo duráveis, com o vetor principal na automobilística,
nal. Urna idéia aproximada das dimensões desse merca- foi capaz de contornar esse obstáculo graças à disponi-
do pode ser obtida através da matriz de insumo-produ- bilidade de recursos naturais e energia hidrelétrica no
to de 1980, que mostra a importância do consumo inter- Sudeste, onde está concentrada a maior parcela desse
mediário, isto é, aquele realizado pelo próprio sistema segmento industrial. Isto considerando também a oferta
produtivo, vis-a-vis o consumo final das famílias e das abundante de hidrocarbonetos fósseis no mercado inter-
administrações públicas. nacional, que perdurou até o início da década de 70.
A importância do sistema produtivo para a avalia- Entretanto, o Sudeste do Brasil está muito longe do
~;5o das dimensões e características do mercado domés- Nordeste dos EUA, não apenas por uma diferente dota-
1 ico não reside apenas em seu aspecto estático, mas ção de recursos minerais, mas também porque não pos-
nrim-innlmente no oue Sf' refere a sua dinâmica. isto P.
CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIV A5 ... 191
19(1 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

desprezíveis, as minas de carvãP às jazidas de minério consumo ou terminais de exportação revelam a fragili-
de ferro. Isto facilitou, não apenas a integração precoce dade da matriz de transportes fundada no padrão rodo-
do complexo metal-mecânico ne}'>ta parcela do território viário e colocam em cheque as possibilidades futuras de
~
norte-americano, corno também a rápida consolidação
1 expansão dos fluxos interindustriais e inter-regionais,
de uma rede ferroviária que a interligou às demais caso não seja enfrentado esse gargalo básico do sistema
estruturas produtivas regionais, muitas delas ainda em produtivo nacional.2
formação. O esgotamento do "modelo" rodoviário é uma
As reais dimensões do proJJlema logístico da eco- conseqüência da integração do mercado doméstico e
nomia nacional começam a se manifestar a partir do sua expressão mais acabada está na incapacidade do
maciço bloco de investimentos induzido pelo Estado governo federal em manter a expansão da rede rodoviá-
para completar, de uma só vez, a sistema produtivo dos ria federal, que é aquela que "abre" novas terras e
complexos metal-mecânico e químico no Brasil. Inicia- "puxa" as redes estadual e municipal. É interessante
do na década de setenta, com o I e o II PND, e prolonga- observar que este esgotamento se deu na segunda meta-
do nos anos oitenta, com o Projeto Grande Carajás na de da década de 70, após os megaprojetos rodoviários
Amazônia Oriental, esse processo forçou a realocação da Transamazônica e da Perimetral Norte, isto é, ainda
da indústria de bens intermediários - cuja autonomia durante a vigência do "Brasil Potência" (Figura 1).
locacional é restrita em função da distribuição "imper- Hoje, os efeitos desse processo podem ser estendi-
feita" dos recursos naturais - rompendo com os limites dos à agropecuária, cujos dispêndios com comercializa-
espaciais impostos pela industrialização substitutiva de ção e transportes elevavam-se a 12,7% do total dos insu-
importações. mos em 1980. Esta situação assume contornos críticos
O deslocamento espacial da indústria pesada para quando se assume que o deslocamento da área produto-
fora do Sudeste vai mostrar que a base técnica que havia ra de grãos em direção aos cerrados centrais, intensifica-
dado suporte à industrialização pretérita revela sinais de do durante a década de 80, coloca problemas cruciais de
esgotamento e uma das principais manifestações deste transportes e armazenagem para o escoamento das sa-
fato é a elevada participação do comércio e transportes fras. Mais do que isto, dado o avanço da tecnificação dos
como insumo para a construção clvil (17,2% ), a indústria tratos culturais, a demanda de energia e insumos tende
de madeira (17,0% ), a extração mit1eral (16,6% ), de mine- a crescer exponencialmente, juntamente com o consumo
rais não-metálicos (14,3% ), papel e papelão (11,2% ), quí- de derivados de petróleo do sistema de transportes
mica (9,9%) e metalurgia (8,6%).1 necessário para distribuí-los nas regiões produtoras.
As longas distâncias percorridas entre as minas, Eis aqui um legado da modernização conservadora
que dificilmente será superado, sem uma ruptura pro-
fl< irestas e áreas produtoras de irsumos e os centros de

2 Estas limitações da base técnica, no que diz respeito à matriz de transportes,


1 1 1,,d1>s calculados com base na Tabela de }luxos de 1980 compatibilizada
já foram apontadas com detalhes por DINIZ, Clélio C. (1987) .
•• , •• · 1v11,N1:zi,:s_ Antonio C. e ORTEGA, [osé A. (".991).
192 BRASIL: QUESTÕES A TUA!S DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRITTURAS PRODlITIVAS ... i'J:I

10.000.00 r
A integração regional do Nordeste ao centro dinâ-
i
mico é um processo que se completa na década de
100 - ~1 (>-__..--<>- -~----_.-<>-----~-----0-- --o o
+ o Federal setenta através da intervenção planejada do Estado. O
1 :=--;,_:: :;;. . :;;:·:-::.~:.::-·:.;;.·~= it-==~ .:-; o +
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Estadual
Municipal Centro-Oeste, que fisiograficamente corresponde ao
Planalto Central dominado pelos cerrados, iniciou efeti-
1.000
1952 1960 1968 1976 1984 vamente seu processo de integração com a fundação de
Fonte: IBGE, EstatiSlicas Históricas do Brasil Brasília em 1961, cuja rede de infra-estrutura viária faci-
litaria a expansão da soja, enquanto cultura agrícola que
Figura 1 - Extensão da rede rodoviária nacional 'abriu' os cerrados e integrou definitivamente essa
(escala logarítmica) região ao mercado doméstico na década de oitenta.

funda no padrão vigente de expansão territorial do sis- Tabela 1 - Dados Básicos sobre as Macrorregiões
tema produtivo, no sentido de garantir e ampliar a inte- Brasileiras
gração territorial das estruturas produtivas regionais.
Região Área População Renda
Anatomia das Regiões Brasileiras 1991 (1) 1985 (2)

Mil % Milhões % Milhões %


A anatomia das regiões brasileiras tem como refe- km- de hab. de US$
rencial inicial a classificação em cinco macrorregiões
Norte 3.864 45,4 10.146 6,9 8.828 4,3
definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-
Nordeste 1.546 18,2 42.387 29,0 27.511 13,5
tica (IBGE). Fundada em grupamentos de unidades da
Sudeste 925 10,9 62.121 42,6 118.139 58,3
Federação, segundo características geoeconômicas bási-
cas, ela é útil para uma primeira aproximação com a Sul 578 6,8 22.080 15,1 35.914 17,7

dimensão espacial da industrialização recente no Brasil, Centro-Oeste 1.593 18,7 9.420 6,4 12.667 6,2

revelando mas manifestações mais gerais no que diz


respeito à distribuição territorial da base técnica e as Brasil 8.506 100,0 146.154 100,0 203.059 100,0

disparidades regionais na apropriação social da renda.


(1) Dados preliminares do Censo Demográfico de 1991 (FIBGE,
A industrialização foi responsável pela maior con- 1992).
centração de população e renda no Sudeste, cuja inte- (2) Dados básicos das Contas Nacionais - Renda Interna por
gração com o Sul já era relevante desde primórdios da Unidade da Federação (FIBGE, 1991).
i mplantaçâo industrial, graças ao fornecimento de ali-
m entos e matérias-primas agrícolas. O Nordeste, a O Norte, que corresponde à grande planície ama-
Sl·gunda região mais populosa do país, ainda é a área zônica, é ainda uma imensa superfície florestada e um
, uai s pobre com sua participação na renda nacional infe- vazio demográfico de dimensões planetárias. Os esfor-
ri1 ir :, metade de seu peso demográfico (Tabela 1). ços de ocupação realizados a partir da década de ses-
194 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 195

senta, com a abertura de rodovias que partiam de Bra- Tabela 2 - População Residente em 1980 e em 1991, e
sília, permitiram o adensamento populacional em man- Taxa de Crescimento Anual, Segundo as Regiões Me-
chas na franja meridional da grande massa florestal. tropolitanas e Distrito Federal
Entretanto, a atividade econômica ainda é em grande População residente Taxa de
Regiões Metropolitanas
parte pontual ou, no máximo, axial em cidades disper- E Distrito Federal 1980 1991 Crescimento
sas e ao longo dos rios e rodovias. Os grandes projetos (1) Anual (2)
agropecuários e mineradores implantados a partir da Brasil 119.002.706 146.154.502 1,89
década de setenta seguem basicamente este padrão,
mesmo em Carajás, a grande província metalífera da Belém 999.165 1.334.460 2,67
região, onde a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD) Fotaleza 1.580.066 2.294.524 3,45
é o elemento de integração do território sob seu controle Recife 2.347.146 2.859.469 1,81
com o mercado mundial. Salvador 1.766.582 2.472.131 3,10
Belo Horizonte 2.609.520 3.461.905 2,60
Rio de Janeiro 8.772.265 9.600.528 0,82
a) A consolidação da constelação metropolitana
São Paulo 12.588.725 15.199.423 1,73
Curitiba 1.440.626 1.975.624 2,91
Considerando os resultados preliminares do Censo
Porto Alegre 2.285.167 3.015.960 2,55
de 1991, do ponto de vista da dinâmica demográfica, 1.596.274 2,81
Distrito Federal 1.176.935
alguns aspectos devem ser ressaltados. Primeiro, a rela-
".t
tiva estabilização do crescimento das megacidades de SUBTOTAL 35.566.197 43.810.298 1,91
São Paulo e do Rio de Janeiro, que apresentam taxas de
incremento inferiores à média nacional e mesmo aque- % SUBTOTAL/BRASIL 29,89 29,98
las da população dos Estados de que fazem parte,
demonstrando indícios de desconcentração territorial Fonte: FIBGE. Censo Demográfico de 1991 - Resultados Preliminares.
(1) Resultados preliminares
do efetivo humano. Esta situação é compartilhada por
(2) Taxa média geométrica de incremento anual
Recife, embora a população do Estado de Pernambuco
cresça mais lentamente, indicando que ainda perdura o década de cinqüenta, se reproduz em escala regional
processo de concentração metropolitana nesta porção nos anos oitenta. Fortaleza assume situação quase para-
do território nacional (Tabela 2). digmática deste caso, pois em 1991 a região metropolita-
Segundo, e reverso do primeiro, o rápido cresci- na já concentra cerca de 36% da população do Estado do
mento de Fortaleza e Salvador, no Nordeste, revela que Ceará, com uma taxa de crescimento equivalente a apro-
o processo de metropolização acompanha a industriali- ximadamente o dobro da média nacional.
zação periférica e que o grande movimento nacional de Terceiro, a formação de um cinturão metropolitano
convergência para as metrópoles do Sudeste, a partir da em tomo do núcleo industrial original através do cresci-
196 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODlITIVAS ... 197

mento acelerado de Belo Horizonte, Curitiba, Porto O Sul, dadas as características históricas e geográfi-
Alegre e Brasília (DF). Todos estes grandes aglomerados cas de seu desenvolvimento, apresenta uma estrutura
urbanos apresentam taxas de crescimento superiores a mais dispersa, com maior concentração metropolitana
São Paulo e Rio de Janeiro, destacando-se, dentre eles, na oferta de serviços. Por outro lado, é flagrante os efei-
por já terem ultrapassado a barreira de 3 milhões de tos territoriais da "nova indústria" nordestina, cuja pro-
habitantes, Belo Horizonte, na porção setentrional, e dução está fortemente concentrada nas áreas metropoli-
Porto Alegre, no extremo meridional do cinturão agroin- tanas de Salvador, Recife e Fortaleza (58,9% ), concentra-
dustrial que está se consolidando em torno do núcleo ção superior à receita dos serviços (50,1 % ), o que consti-
original da industrialização brasileira. tui um efeito peculiar das políticas regionais centradas
A constelação formada pelas nove regiões metro- na indústria corno motor dinâmico do desenvolvimen-
politanas e o Distrito Federal era responsável, em 1985, to, cujo melhor exemplo está na região metropolitana de
por cerca da metade do valor bruto do valor da produ- Salvador, que concentrava cerca de 80% do total do va-
ção industrial e da receita de vendas de mercadorias e lor da transformação industrial do Estado da Bahia e
praticamente dois terços das receitas do setor de servi- aproximadamente 35% do valor total da região Nor-
ços do Brasil. Tornando, por exemplo, a metrópole pau- deste.
listana, sozinha era responsável por um quarto do valor O Norte e o Centro-Oeste revelam estruturas seme-
bruto da produção industrial, um quinto das receitas do lhantes no que diz respeito ao peso metropolitano da
indústria e do comércio, em grande parte devido ao
comércio de mercadorias e um quarto das receitas do
papel de cidades médias, como é o caso de Goiânia e
setor de serviços. Neste sentido, a crise é antes de tudo
Manaus, que dividem as funções urbanas com os aglo-
uma crise metropolitana, cujos efeitos se propagam de
merados metropolitanos de Brasília e Belém, respectiva-
modo desigual pelas grandes cidades brasileiras, dadas
mente. Deve ser ressaltada a ponderável presença de
as peculiaridades regionais de seu desenvolvimento.
Belém no comércio regional, atividade tradicional nesta
Os dados relativos ao sistema urbano das regiões
. cidade da foz do Amazonas, como também o papel de
brasileiras revelam alguns aspectos importantes (Tabela
destaque de Brasília na receita dos serviços da região
3). O Sudeste, que corresponde a núcleo original da in-
Centro-Oeste, reforçando, em grande parte devido à
dustrialização, revela a formidável concentração da in- função de capital federal, sua centralidade na rede urba-
dústria (52,4% ), do comércio (58,9%) e dos serviços na regional.
(75,4%) nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Uma das questões centrais neste contexto é o abas-
Janeiro e Belo Horizonte, sendo particularmente acen- tecimento destas aglomerações metropolitanas, que
tuado o fato de que três quartos das receitas de serviços exige redes de circulação eficientes para manter a oferta
estejam concentrados nas metrópoles, o que é um indi- de bens agrícolas a este grande contingente populacio-
cador indireto da elevada centralidade urbana da região. nal, garantindo, através do aumento da oferta de ali-
199
198 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRlITURAS PRODUTIVAS ...

mentos, ganhos relativos nos salários reais. Este é um dade brasileira, pois embora, a nível geral, a tendência
dos nós centrais de uma política territorial de distribui- possa ser observada, principalmente entre o Sudeste, o
ção de renda com profundas implicações sociais, na Sul e o Centro-Oeste, que constitui a parcela do territó-
medida em que observou-se, nos anos 80, a convivência rio nacional mais solidamente integrada, ainda é grande
de grandes safras com elevações constantes nos preços a clivagem entre esta porção e o Norte e, principalmen-
da cesta básica nos mercados metropolitanos. te, o Nordeste.
É importante frisar que não se trata de resgatar as
Tabela 3 - Brasil e Regiões - 1985 velhas teses dualistas acerca dos "dois brasis" ou do
Participação das Regiões Metropolitanas e do Distrito arcaico contra o moderno, que marcaram a interpreta-
Federal no Valor Bruto da Produção Industrial (VBPI), ção da dinâmica da sociedade brasileira nos anos 50;
Receita da Venda de Mercadorias (RVM) e Receita pelo contrário, este reconhecimento parte da constata-
Total dos Serviços (RTS). ção inequívoca de que, apesar da integração nacional
Brasil e Regiões VBPI RVM RTS resultante da industrialização e estimulada pelo Estado,
Brasil 47,0 46,5 65,4
o mercado doméstico ainda é segmentado por profun-
das desigualdades na distribuição territorial da renda.
Norte 11,0 25,6 22,3
Nordeste 58,9 40,4 50,1
Sudeste 52,4 58,9 75,4 ~,
... O- -- <>
Sul 34,1 27,7 43,3 1~ - º- ~ ---· º·-. . ··<>
Centro-Oeste (1) 10,8 21,5 55,4 120 A o Norte
.• A ·A
100
+ Nordeste
(1) Dados relativos ao Distrito Federal A .. A .. ...x·· o Sudeste

x· o A Sul
Fonte: IBGE, Censos Econômicos de 1985, Municípios: Indústria, .-X. .,o--· X Centro-Oeste
-~<_.....--"'"' D

:\
Comércio e Serviços. o + Brasil
1S + - -·+ + +

b) A distribuição territorial da renda e do emprego 1949 1959 1970 1975 19'0 19S5

Fonte: IBGE. Co,1tas Nacionais Consolidadas


A inexistência de contas regionais consolidadas
para o final da década de 80 limita as análises desagre-
gadas até 1985; apesar disto a Figura 2 é ilustrativa acer-
Figura 2 - Renda per capita regional
ca das tendências das regiões brasileiras a longo prazo e
(em percentagem da média nacional)
permite algumas inferências iniciais sobre os efeitos da
crise na distribuição territorial da renda. As teses da
economia regional neoclássica acerca da convergência
Do ponto de vista dinâmico, é importante avaliar o
dos níveis de renda por região em torno da média
desempenho no período 1980-85, marcado por forte
nacional parecem encontrar certas resistências na reali-
200 BRASIL: QUESTÕES A TU AIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓIU, CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 201

contração da atividade econômica, para elaborar algu te favorável acelerando o seu ritmo de crescimento a
mas suposições acerca do comportamento das econo partir de 1975, quando começou o avanço da agricultura
mias regionais. Em primeiro lugar é notória a inflexâr tecnificada sobre os cerrados. Entretanto, não foram ape-
para baixo na participação percentual da renda per capi nas as transformações no campo que justificam este
ta do Sudeste em relação à média nacional. Isto pode se desempenho; o papel das cidades ampliou-se e diversifi-
visto corno resultante de um lento processo de redistri cou-se, seja como suporte logístico e financeiro à agricul-
buição territorial iniciado na década de setenta, já que , tura, seja corno centros de processamento industrial,
indicador tende para a média nacional. Por outro Jade comercialização e gestão do complexo agroindustrial.
existe uma componente conjuntural inequívoca, qua É importante que fique claro que o padrão de
seja, a contração do ritmo da acumulação incidiu forte expansão agrícola do Centro-Oeste é radicalmente dis-
mente sobre o núcleo dinâmico da economia nacional. tinto daquele que prevaleceu no Nordeste ou no Sul. A
O Sul foi a região brasileira que apresentou indica pequena propriedade praticamente inexiste enquanto
dores de renda mais próximos à média nacional durant unidade produtiva nos cerrados por uma razão elemen-
todo o período considerado. Já em 1949 estavam próxi tar: os custos dos insumos e dos equipamentos para
mos a este valor e após um ligeiro descenso durante a vencer a barreira ecológica dos solos lateríticos e atingir
primeiras fases da industrialização, a região apresentoi economias de escala que compensem os investimentos
desempenho francamente favorável quando acentuam realizados transformaram esta área no território econô-
se a modernização agrícola e a integração territorial de mico da agroindústria oligopólica.
mercado doméstico no início da década de setenta, qrn O desempenho do Nordeste é a antítese do Centro-
atingiu diretamente a estrutura produtiva regional. Oeste. A região de mais antigo povoamento e de estru-
A partir de então outro componente fundamenta tura sócio-econômica solidamente enraizada no passado
passa a atuar no comportamento dinâmico desta região agrário-exportador permaneceu sendo aquela de pior
sua transformação em área de forte emigração devido à desempenho quanto ao indicador de PIB per capita, com
alterações introduzidas nas relações de trabalho na agro cerca de 50% da média nacional. A despeito de sua inte-
pecuária. Esse processo transformou, em três décadas, , gração territorial ao mercado doméstico, da diversifica-
Paraná, que era o principal foco de atração de migrante ção de sua base produtiva com a industrialização regio-
no Estado da Federação que apresentou a menor taxa d nal, o Nordeste ainda é a síntese da questão regional no
incremento populacional (0,9 % a.a.) na década de 80. Brasil e desafio para a erradicação da miséria e o resgate
O Centro-Oeste foi a região brasileira de maio da cidadania.
dinamismo no que diz respeito aos ganhos relativos en Por final, a região Norte que, dadas as característi-
termos de renda per capita no cenário nacional. Desde 1 cas naturais, demográficas e econômicas já apontadas,
início da década de sessenta, marcado pela transferênci. deve ser observada com cuidado. A frente de expansão
da capital federal para Brasília, o indicador é francamen agropastoril e mineradora intensificada a partir da
2112 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 203

segunda metade da década de setenta, aliada ao desem- São Paulo, o "core" industrial do país (SEDLACEK, Gui-
penho favorável da Zona Franca de Manaus, cujos lherme et alli, 1989), que apresentava a terceira maior ta-
incentivos fiscais e tarifários funcionaram como verda- xa de desemprego, abaixo das metrópoles nordestinas
deira bomba de sucção para a indústria eletro-eletrônica de Recife e Salvador.
estabelecida no mercado doméstico, podem ajudar a A incidência diferenciada do desemprego é uma
explicar inflexão para cima da participação relativa do expressão transformada da tendência à ampliação da
PIB per capita regional na média nacional naquele perío- segmentação do mercado de trabalho no Brasil, o que é
do. Entretanto, a simples comparação com o desempe- um processo já detectado nas economias avançadas
nho do Centro-Oeste no primeiro qüinqüênio da década corno parte da estratégia de quebrar a resistência sindi-
seguinte permite perceber que este padrão de ocupação cal e forçar reduções nos ganhos de produtividade.
da Amazônia dificilmente será sustentável por um A partir de distintas oportunidades educacionais e
longo período, como ocorreu com a área dos cerrados de acesso aos serviços coletivos, de diferenças interseto-
centrais. riais e inter-regionais nos níveis de emprego e salários e
na ruptura das cadeias internas no ambiente de traba-
Em urna economia de dimensões continentais e
lho, a reestruturação econômica tem procurado romper
marcada por urna desigual distribuição territorial de
com a unidade forjada na fábrica e no setor produtivo, o
renda, o comportamento do mercado de força de traba-
que em uma economia com as características da brasilei-
lho é um sensível indicador das condições de reprodu-
ra assume uma dimensão perversa e fortemente exclu-
ção do trabalhador e de sua família. Os ajustes recessi-
dente.
vos efetuados no início dos anos oitenta elevaram a taxa
de desemprego aberto nas seis maiores regiões metro- As Estruturas Produtivas Regionais e sua Dinâmica
politanas do país, onde é realizada a Pesquisa Mensal
de Emprego (PME) do IBGE3. Seus efeitos se prolonga- Uma primeira aproximação com as estruturas pro-
ram até 1984, quando atingiram o ponto mais elevado dutivas regionais da economia brasileira pode ser obti-
da década. da a partir da observação da distribuição territorial do
O curto ciclo de recuperação entre 1985 e 1986 inter- valor da produção e das receitas e do pessoal ocupado
rompeu este ritmo, porém o final da década de oitenta nos setores considerados produtivos pelo Censo
mostra o rápido crescimento das taxas de desemprego Econômico de 1985.
aberto, com um agravante particular, a acentuada infle- É flagrante a concentração da atividade e do empre-
xão positiva do desemprego na Região Metropolitana de go no Sudeste industrial; entretanto, a simplicidade das
relações entre centro e periferia não é capaz de abranger
a diversidade de situações presentes na distribuição ter-
:~ Os índices de desemprego aberto da PME só são comparáveis entre si a par-
tir de maio de 1982, quando o JBGE reformulou a metodologia de seu levan- ritorial do sistema produtivo no Brasil dos anos oitenta.
tamento.
204 BRA SIL: Q U ESTÕ ES ATU A IS D A REO RG A N IZA Ç Ã O D O T ER RITÓ R IO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 205

Em primeiro lugar, o grau de concentração territo- Esse sub-setor é normalmente o que apresenta os
rial é diferenciado, tanto em valor, como no emprego, maiores índices de concentração, mesmo em economias
de acordo com os setores e subsetores da economia. A avançadas, justamente porque depende de economias
agropecuária é, como seria esperado, a atividade menos de escala e de aglomeração típicas do padrão vigente no
concentrada no Sudeste, onde, empregando um quinto mercado mundial desde a 2~ Revolução Industrial. É
da força de trabalho no campo, é gerado mais de um evidente que em capitalismos tardios e periféricos a
terço da produção agrária nacional. Situação oposta ao concentração seja maior, seja porque necessita de um
Nordeste, onde quase a metade da população emprega- mercado doméstico de dimensões nacionais para sua
da na agropecuária brasileira retira do solo menos de implantação, seja porque seu desenvolvimento e diver-
um quinto da produção nacional; nessa região, a sim- sificação depende também de sua capacidade de 'criar'
ples observação dos indicadores é reveladora das condi- mercados inter e intra-setoriais na própria estrutura
ções de produção vigentes. industrial.
O Nordeste e o Norte são as regiões onde a partici- No entanto, apesar da elevada concentração do
pação do emprego rural supera aquela do valor da pro- subsetor, um aspecto relevante deve ser observado na
dução no total nacional, mostrando estruturas agrárias Tabela 4: o Sul, que ocupa a segunda posição, tem maior
mais resistentes às transformações econômicas e so- peso relativo quanto ao emprego industrial do que
ciais. No outro extremo, o Centro-Oeste, embora ainda quanto ao valor da produção. Situação totalmente inver-
tenha pequena participação relativa no conjunto do sa do Norte, que devido ao deslocamento da indústria
agro, responde com cerca de 10% do valor total empre- eletro-eletrônica de consumo para Manaus, é responsá-
gando 5% da força de trabalho que atua na agropecuá- vel por 5,3% do valor da produção, com apenas cerca de
ria brasileira.
3% da força de trabalho empregada no subsetor.
A indústria, inclusive a da construção civil, é forte-
Isto pode ser atribuído a vários motivos, desde à
mente concentrada no Sudeste, que responde por 70%
idade da implantação industrial até aos favores tarifá-
do valor da produção e por 64 % do emprego nacional
rios e fiscais concedidos para a indústria incentivada na
na indústria de transformação e de extração mineral.
Zona Franca de Manaus. No entanto, a despeito de
Entretanto, quando se desagregam os dados segundo os
qualquer consideração mais profunda ou avaliação de
subsetores manufatureiros, a distribuição territorial
mérito, não deixa de ser curioso observar que existe um
revela alguns aspectos importantes quanto ao grau de
foco da indústria de bens de consumo duráveis no meio
concentração. Em primeiro lugar, os indicadores mais
da floresta amazônica.
elevados, tanto em valor, corno em emprego, estão na
O subsetor industrial que apresenta índices menos
indústria de bens de consumo duráveis e de capital, isto
expressivos de concentração, embora ainda sejam bas-
é, o "core" da estrutura produtiva nacional, responsável
pela sua capacidade de acumulação endógena. tante elevados, dadas as suas características locacionais,
206 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE EDINÁMJCA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 207

é a indústria de bens de consumo não duráveis. Entre- Mais do que isto, agregue-se toda a infra-estrutura
tanto, sem procurar incorrer em uma tautologia, não de transportes e comunicações herdada do apogeu
deixa de ser curioso como esse setor final da cadeia in- cafeeiro, que estava disponível para ligar os centros pro-
dustrial acompanha, grosso modo, a distribuição territo- dutores aos portos, de onde provinha a maior parcela
rial da renda, e não da população, no Brasil. do carvão mineral, e às indústrias nascentes nos núcleos
Comparando as duas distribuições temos cerca de urbanos em expansão. Diante deste quadro, sem deter-
58% da renda e do valor da produção da indústria de minismos geográficos, seria difícil pensar em outra loca-
bens de consumo não-duráveis no Sudeste e, respectiva- lização para a siderurgia e metalurgia pesada, e de toda
mente e em ordem decrescente, 17,7% e 26,0% no Sul e a cadeia industrial a elas associada, senão o Sudeste.
13,5% e 11,l % no Nordeste. O Norte e o Centro-Oeste Quanto aos bens intermediários, deve-se destacar a
fogem a essa regra elementar devido às condições de química de base, em especial a petroquímica, que com-
povoamento, à consolidação relativamente recente e às põe um dos estruturantes fundamentais do sistema pro-
menores dimensões relativas dos mercados regionais. dutivo que emergiu da Segunda Revolução Industrial.
Na verdade, se existe alguma especialização espa- No Brasil, no entanto, a petroquímica é um fato recente
cial nesse subsetor ela deve ser procurada no Sul e não que pode ser datada da segunda metade da década de
no Sudeste, já que os estados meridionais detêm uma sessenta, quando iniciou-se a construção do Pólo
participação bem maior na produção de bens de consu- Petroquímico de Capuava, em São Paulo. Naquele
mo não-duráveis do que na renda nacional, o que pode momento, a produção nacional de petróleo era despre-
ser atribuído à sua história e geografia peculiares, fun- zível e a oferta de nafta abundante, devido à capacidade
dadas na colonização européia e na pequena proprieda- instalada de refino no Brasil.
No entanto, esse cenário mudou a partir da década
de familiar.
de setenta. Primeiro com a implantação do Pólo Petro-
A indústria de bens intermediários é aquela que
químico de Camaçari na Bahia, que representou - no
melhor responde aos modelos weberianos de localiza-
que diz respeito ao investimento -, um Programa de
ção, na medida em que depende tanto da distância às
Metas em escala regional, alterando significativamente
fontes de matérias-primas, como ao mercado consumi-
as posições relativas entre a Bahia e Pernambuco, as
dor, isto é, de outras indústrias à jusante na cadeia pro-
duas principais economias do Nordeste. Segundo por-
dutiva. Boa parte da base de recursos naturais, princi-
que, após o primeiro choque do petróleo, e intensificado
palmente ferro e metais não-ferrosos, conhecida até
com o segundo, elevou-se substancialmente a produção
recentemente no Brasil, estava em Minas Gerais. Da
nacional de óleo e gás natural "offshore" em praticamen-
mesma maneira, as principais bacias fluviais com poten-
te todo o litoral brasileiro, com maior ênfase na Bacia de
cial hidrelétrico aproveitável, dadas as condições técni-
Campos. Multiplicaram-se também as destilarias de
cas atuais, têm sua origem e boa parte do curso com
álcool etílico no Sudeste e no Nordeste, com os subsí-
quedas nos Planaltos Central e Meridional.
201t BR A SIL: Q U ESTÕ ES ATU A IS D A REO RG A N IZ A Ç Ã O D O TER R ITÓ RJO CR ISE E DIN Â M IC A D A S ESTR U T U R A S PRO D U T IV A S ... 209

dios do PRÓ-ÁLCOOL, e iniciou-se a construção do III melhor posição da região na estrutura produtiva brasi-
Pólo Petroquímica, em Triunfo, no Rio Grande do Sul. leira, superando o Sul tanto na participação relativa,
Neste quadro, a indústria química consolida-se tanto quanto ao valor, como ao emprego, e, o que é mais
durante a fase de integração produtiva do mercado importante, na relação entre eles.
doméstico e, portanto, manifesta uma distribuição terri- A posição ocupada pelo Nordeste no quadro nacio-
torial bem menos concentrada, o que explica a expressi- nal do setor de construção civil provavelmente tem mui-
va participação do Sul e do Nordeste no valor da produ- to pouco a ver com a produção manufatureira de habita-
ção e no emprego do segmento de bens intermediários. ções - embora. seja relevante dado ao tamanho de suas
A indústria extrativa mineral sinaliza alguns as- metrópoles regionais -, mas sim está relacionado a pre-
pectos interessantes, que podem ajudar na elaboração sença na região de grandes empresas de construção
de perspectivas de localização futura da indústria de civil, como a ODEBRECHT ou a OAS, cujo peso na eco-
bens intermediários. A região Norte já é a segunda área nomia regional e nacional ainda está para ser avaliado.
produtora de minérios do Brasil, no que diz respeito à Os transportes possuem uma curiosa característica.
participação relativa no valor total da produção mine- É o único setor onde a participação relativa no emprego
ral. Mais do que isso, essa posição é completamente dis- é superior à do valor na região Sudeste. Isto tende a
tinta no que diz respeito ao emprego, onde ocupa o reforçar o que já foi discutido no item anterior quanto à
penúltimo lugar, imediatamente acima do Centro-Oeste. adequação da matriz de transportes. Essa singular
A descoberta recente de grandes reservas minerais característica só é compartilhada pelo Nordeste, já que
na Amazônia, como é o caso da Serra de Carajás e da todas as demais regiões estão em situação inversa.
Foz do Trombetas, bem como as distâncias a serem ven- Especial destaque deve ser dado à região Sul, que
cidas para transformar os minérios em mercadorias, concentra cerca de um quarto do valor das receitas de
fazem da extração na Amazônia um negócio para gran- transportes no Brasil. Isto pode ser explicado pela pre-
des empresas oligopólicas, do porte da CVRD ou da sença, na região, da sede da maior companhia aérea bra-
ALCO A, com lavras totalmente mecanizadas. sileira, a VARIG, bem como a maior atualidade de seus
No extremo oposto, está a região Sul, onde predo- portos, já que foram modernizados e ampliados a partir
mina a extração carbonífera, com sérias limitações natu- da década de setenta, como é o exemplo do "superpor-
rais quanto à qualidade do produto. A defasagem entre to" de Rio Grande (RS), bem como do Paranaguá (PR),
a participação no valor nacional da produção mineral e que são terminais de corredores de exportações agrope-
na percentagem do emprego de força de trabalho nas cuárias, cujas hinterlândias extrapolam os limites do ter-
minas é muito grande para garantir um futuro tranqüilo ritório nacional.
a esta atividade regional. O comércio, assim como a indústria de bens de
Na construção civil, chama a atenção o segundo consumo não-duráveis, tem uma distribuição semelhan-
lugar ocupado pelo Nordeste no cenário nacional. Do te àquela observada na renda nacional e, de certa ma-
ponto de vista de todos os setores considerados, esta é a neira, mais ajustada a ela, já que o Norte e o Centro-
210 BRASIL: QUESTÕES ATUAIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURASPRODUTNAS ... 211

Oeste estão bem representados, demonstrando que há Tabela 4 - Relação entre o Valor da Produção e Recei-
uma brecha a ser ocupada no futuro pela indústria tas e o Pessoal Ocupado - 1985 (Em Milhões de Cru-
regional. Deve ser observada também a elevada partici- zeiros de 1985)
pação do Nordeste no total nacional do emprego no
Setores Norte Nordeste Sudeste Sul Centro- BRASIL
setor. Em termos relativos à região, é o segundo setor econômicos Oeste
em importância após a agropecuária, o que ajuda a
compreender o papel do segmento mercantil, não ape- Agropecuária 3,1 3,2 16,0 13,2 15,4 8,4
Indústria 176,3 161,9 216,3 163,5 129,6 196,9
nas como fonte de lucros mercantis para comerciantes,
- Extração mineral 294,2 87,4 345,5 82,7 122,2 229,4
mas também como uma das alternativas de sobrevivên- - Bens Intermediários 111,8 268,7 311,6 191,8 109,1 272,0
cia para a população trabalhadora. - Bens de Consumo
Quanto aos serviços, sua expressiva concentração Duráveis e de Capital 311,4 107,2 174,7 137,0 62,3 170,2
- Bens de Consumo
no Sudeste pode ser explicada pela presença das duas
Não-duráveis 109,0 113,4 159,7 163,6 157,9 152,7
grandes metrópoles nacionais na região, onde se locali- Construção Civil 71,3 91,4 88,7 85,5 85,2 88,2
zam as sedes dos principais bancos brasileiros e todas as Transportes 122,4 59,3 80,8 120,5 94,3 87,3
atividades a eles associadas. De certa maneira, a distri- Comércio 164,3 145,0 214,2 207,0 204,5 198,3

buição das populações metropolitanas é um fator Serviços 38,7 31,9 45,5 35,0 41,2 41,4

importante para explicar a relativa semelhança entre o Fonte: FIBGE, Censos Econômicos de 1985.
Sul e o Nordeste quanto à participação relativa no valor certamente não é um indicador de eficiência da agrope-
das receitas e no pessoal ocupado no setor. cuária nestas regiões.
Para aprofundar um pouco mais a análise das es- Na situação oposta, deve ser destacado que o
truturas produtivas regionais, calculou-se a relação en- Centro-Oeste apresenta indicador imediatamente abai-
tre o valor da produção/ receitas e o pessoal ocupado xo do Sudeste e superior ao do Sul, demonstrando o
nos setores econômicos por região. Grosseiramente, caráter avançado, em termos nacionais, da agropecuária
tem-se um indicador geral de produtividade e rentabili- regional.
dade que permite algumas comparações limitadas sobre No comportamento da indústria em geral, o
o comportamento setorial das regiões brasileiras refe- Sudeste é a única região brasileira que está acima da
renciado à média nacional (Tabela 4). média nacional. Entretanto, o que chama a atenção não
Novamente a agropecuária apresenta-se como um é isto, e sim que o Norte, o Nordeste e o Sul apresentam
setor específico, caracterizado pelos baixos indicadores indicadores muito semelhantes, o que é uma conse-
de produtividade/rentabilidade. Entretanto, pode-se qüência da integração territorial do mercado doméstico.
constatar que as duas únicas regiões que estão abaixo No entanto, quando se desagrega a atividade industrial
da média nacional são o Norte e o Nordeste, que pos- por subsetores, diferenças marcantes emergem da com-
suem valores muito baixos e próximos entre si, o que paração entre as estruturas produtivas regionais.
212 BRASIL: QUESTÕES A TU AIS DA REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CRISE E DINÃMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 213

Iniciando pela extração mineral, somente duas os indicadores de produtividade/rentabilidade reafir-


regiões estão acima da média nacional: o Sudeste e o mam a situação peculiar desse setor no Nordeste, acima
Norte. Chama atenção que os indicadores destas duas da média nacional e do Sudeste, o que tende a confir-
regiões são, pelo menos, equivalentes ao dobro do mar que a grande empresa é a principal responsável
maior valor apresentado pelas demais estruturas produ- pela destacada posição do Nordeste na construção civil
tivas regionais, o que significa que a produção mineral é nacional.
altamente diferenciada no território nacional e que a O setor de transportes chama atenção porque é o
região Norte, conforme já foi dito anteriormente, está se único em que o indicador relativo ao Sudeste está abai-
consolidando como uma dinâmica área mineradora. xo da média nacional, e não apenas isso, abaixo também
Na indústria de bens intermediários, o Nordeste do Norte, Sul e Centro-Oeste, que são regiões onde a
apresenta o segundo indicador nacional, superando o estrutura de transporte de carga foi resultante direta da
Sul no que diz respeito à relação entre o valor da produ- integração territorial do mercado doméstico. Nesse sen-
ção e o pessoal ocupado e aproximando-se da média tido, existem fortes indicadores de que existe um garga-
nacional. Isso comprova a importância do Pólo Petro- lo setorial no Sudeste e que boa parte da renda dos
químico de Camaçari, não apenas no quadro regional, transportes de mercadorias aí produzidas é capturada
mas também no cenário brasileiro. pelo capital mercantil de outras regiões.
Quanto à indústria de bens de consumo duráveis e No comércio, a distribuição repete aquela observa-
de capital, é notório o elevado indicador apresentado da na agropecuária com o Nordeste e o Norte, destacan-
pelo Norte, bem acima da média nacional e do Sudeste, do-se por apresentar indicadores abaixo da média na-
revelando que a indústria eletro-eletrônica que se cional. Isto tende a confirmar a importância dos domí-
implantou na Zona Franca de Manaus opera com eleva- nios agrário-mercantis que se consolidaram nestas
da relação capital/ trabalho, que a distancia das demais regiões, que conseguem sobreviver pelos mais diversos
regiões. Esse indicador deve ser relativizado pela possi- expedientes e graças à rigidez das estruturas produtivas
bilidade de que haja maquiagem de produtos importa- regionais.
dos, o que garantiria uma competitividade 'espúria' à Por final, quanto aos serviços destacam-se os
região, usando a denominação de FAJNZYLBER (1992). desempenhos do Sudeste e do Centro-Oeste, este último
Os indicadores da indústria de bens de consumo ligeiramente abaixo da média nacional. O motivo dessa
não-duráveis mostram a importância do complexo agroin- distribuição regional do indicador aparentemente está
dustrial e suas ligações com a agropecuária regional, pois ligado ao papel urbano das grandes metrópoles do
as três regiões de melhor desempenho - Sudeste, Sul e Sudeste e de Brasília, enquanto centros nacionais de
Centro-Oeste - são justamente aquelas que apresentam gestão financeira.
índices acima da média nacional no que diz respeito à É importante frisar que a integração territorial do
produção de alimentos e matérias-primas agrícolas. mercado doméstico não borrou completamente as pecu-
No que diz respeito à indústria da construção civil, liaridades das estruturas produtivas regionais, hornoge-
214 BR A SIL: Q U ESTÕ ES A TU A IS D A R EO R G A N IZA Ç Ã O D O TERR IT Ó R IO CRISE E D IN Â M IC A D A S ESTRU TU R A S PR O D U T N A S ... 215

neizando integralmente o espaço econômico nacional. Sudeste, os impactos foram importantes, porém não
Mais do que isso, a observação das tabelas acima tende determinantes. No Centro-Oeste, dada a relevância do
a mostrar que este processo criou e recriou territórios complexo agroindustrial e sua orientação preferencial
econômicos dotados de características peculiares, cujos para a produção de grãos, ainda predominam as indús-
desdobramentos futuros passam a ser importantes para trias ligadas ao processamento de matérias-primas ori-
compreender a totalidade dinâmica da economia nacio- ginárias da agropecuária.
nal e o papel das regiões diante da crise e de sua rees-
truturação produtiva. Tabela 5 - Estrutura Regional da Produção Industrial
É possível ter urna primeira aproximação ao poten- (Em Percentagem do Valor da Transformação Industrial)
cial relativo de cada estrutura produtiva regional a par- Segmentos/ Norte- Nor- Sudeste Sul Centro- BRASIL
tir da participação que nelas assumem os dois princi- Gêneros deste Oeste
pais complexos industriais da economia brasileira (Ta- 1 - Metal-mecânica e
bela 5). É evidente que não se pode perder de vista a Eletrônica 42,1 15,8 40,6 23,4 14,6 35,4
dimensão nacional e as fortes ligações de complementa- - Metalúrgica 4,5 7,7 14,6 6,5 7,2 12,2
-Mecânica 7,2 3,7 10,1 9,4 2,4 9,2
ridade entre as frações regionais destes complexos com
- Material de Transporte 7,3 0,9 8,0 3,2 1,1 6,4
o núcleo dinâmico implantado no Sudeste, o que deter-
- Material Elétrico e de
mina o próprio ritmo de acumulação endógena no mer- Comunicações 23,1 3,5 7,9 4,3 3,9 7,6
cado doméstico. 2-Química 3,5 31,3 19,5 13,6 12,1 19,0
No entanto, o reverso da moeda deve também ser -Química 3,4 30,9 17,3 13,3 11,2 17,3
avaliado, pois ao estender seus braços produtivos para - Produtos Farmacêu-
ticos e Veterinários 0,1 0,4 2,2 0,3 0,9 1,7
outras regiões, as empresas são obrigadas a criar víncu-
los locais que vão desde a demanda por força de traba-
Subtotal (1 +2) 45,6 47,1 60,1 37,0 26,7 54,4
lho até serviços financeiros, que alteram as condições de Outras Indústrias 54,4 52,9 39,9 63,0 73,3 45,6
produção e reprodução das estruturas regionais. É evi-
dente que, no nível de agregação de dados da Tabela 5, Total Geral 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
é impossível uma correta avaliação destas ligações,
porém pode abrir caminho para futuras pesquisas neste Fonte: IBGE, Censo Industrial de 1985

sentido. No que diz respeito ao Norte e ao Nordeste, as


É importante observar que a extensão territorial medidas recentes de política econômica com forte rebati-
dos complexos metal-mecânico e químico afetou dife- mento territorial, como a implantação da Zona Franca de
rencialmente as estruturas produtivas regionais. Isto Manaus e do Pólo Petroquímica de Carnaçari, que atua-
por motivos diversos. No Sul, dadas as condições preté- ram sobre estruturas produtivas regionais pouco inte-
ritas de industrialização e integração territorial ao gradas, tiveram efeitos ponderáveis em sua orientação.
216 BRA SIL: Q U ESTÕES ATUA IS DA REO RGA N IZA Ç Ã O D O TERRITÕ RIO
CRISE E DINÂMICA DAS ESTRUTURAS PRODUTIVAS ... 217

Quanto à região Norte, a extensão do complexo Considerações Finais


metal-mecânico - principalmente nos segmentos da
eletro-eletrônica de consumo e de montagem de veícu- O reconhecimento da existência de estruturas pro-
los de duas rodas - fez com que o peso relativo deste dutivas regionais com dinâmicas diferenciadas é funda-
complexo na estrutura industrial regional fosse superior mental para a definição de metas e instrumentos de
à média nacional e, mesmo, ao indicador apresentado políticas públicas para a retomada do crescimento da
pelo Sudeste. É evidente que este é um valor relativo e
economia nacional. O processo de integração territorial
pouco expressivo nas dimensões absolutas do mercado
não foi capaz de vencer as grandes disparidades na dis-
nacional.
tribuição regional da renda, como também a industriali-
No entanto, não se deve esperar que posições con-
zação e a integração produtiva e financeira do mercado
quistadas nesse mercado sejam cedidas facilmente,
II
doméstico não erradicaram a pobreza da maioria da
mesmo considerando as medidas artificiais" de política
população brasileira. No entanto, o Brasil é hoje bastan-
econômica que facilitaram a conquista. Na verdade, na
te diferente do que era na segunda metade da década de
lógica do capitalismo tardio e periférico é bastante difí-
II
40, tanto do ponto de vista dos indicadores econômicos,
cil definir quais são os limites da artificialidade", a não
como dos sociais.
ser que se caia no discurso vazio em torno da "perfei-
A crise do padrão de desenvolvimento, expressa
ção" das forças do mercado como fator alocativo.
principalmente no esgotamento fiscal e financeiro do
As mesmas observações podem ser estendidas ao
l•:stado, reduziu drasticamente sua capacidade de regio-
Nordeste, quanto ao complexo químico. Seu peso relati-
nalizar o gasto público e de influir através dos instru-
vo de quase um terço do valor da transformação indus-
mentos convencionais, basicamente incentivos fiscais e
trial na estrutura regional é único no Brasil e não pode
1 rvditícios, na alocação do investimento privado no ter-
ser desprezado. Significa simplesmente que qualquer
ri tório nacional (BECKER e EGLER, 1993). Nesta conjuntu-
alternativa de reestruturação econômica regional deve
1.1 desfavorável, aquilo que havia sido o elemento de
considerar a importância que assume a química de base,
1 ·( icsão em torno do projeto de integração do mercado
seja a petroquímica, seja a cloroquímica, em sua estrutu-
doméstico fratura-se em regionalismos de todos os
ra produtiva.
O reverso da moeda também é verdadeiro e deve matizes, que vão desde a manutenção de privilégios his-
óricos junto às agências governamentais até a garantia
ser considerado quando se discute a política industrial í

nacional. O peso relativo do complexo químico no de mercados preferenciais diante do acirramento da


Nordeste ou do segmento eletro-eletrônico no Norte concorrência intercapitalista.
permitiu a consolidação de grupos econômicos de ori- É importante destacar que o regionalismo que
gem regional que, hoje, possuem dimensões nacionais vmerge após a integração do mercado doméstico é radi-
em seus respectivos complexos industriais, participando calmente distinto daquele que a precede historicamente.
decisivamente na definição de seus rumos futuros. 1 'rimeiro, porque não se tratam de estruturas econômi-
218 BRA SIL: Q U ESTÕ ES A TU AIS D A REO R G A N IZ A Ç Ã O D O TER RITÓ R IO CRISE E D IN Â M IC A D A S ESTR U T URA S PR O D lITIV A S ... 219

co-sociais articuladas entre si através do comércio de O que o discurso conservador procura ocultar é
mercadorias, mas sim de parcelas diferenciadas de um que a dimensão da concorrência já está presente ex ante
mesmo mercado doméstico financeiramente integrado e na formulação das políticas macroeconômicas e seto-
internacionalizado, onde estão presentes distintas com- riais, principalmente aquelas que afetam diretamente as
posições entre grupos econômicos, sejam regionais, regras do jogo no interior dos complexos industriais. Do
nacionais ou multinacionais. Segundo, porque posições ponto de vista mais geral, a primeira, e também mais
conquistadas no mercado doméstico, e mesmo mundial, evidente, manifestação disto está na relação entre a polí-
não são neutras às vantagens competitivas obtidas atra- tica monetária, fiscal e cambial, expressão mais nítida
vés de localizações determinadas no espaço econômico. da atuação regulatória do Estado, que deu - e ainda dá
É aqui que reside a principal contribuição deste - consistência e garante a parcela doméstica do merca-
trabalho, A análise das estruturas produtivas regionais do mundial, enquanto território econômico nacional
mostra que elas não são 'atrasadas' do ponto de vista de para as firmas que nele operam.
sua composição interna, embora possam ter dimensões O segundo aspecto, mais relevante no escopo desse
absolutas ainda modestas quando consideradas no con- trabalho, está na ligação entre as políticas setoriais e a
junto do mercado nacional. A questão está em que o dinâmica das estruturas produtivas regionais. Ela está
potencial de crescimento não reside em dimensões abso- presente na proposta de criação de Zonas de
lutas, mas sim nas relações estruturais entre suas partes Processamento de Exportações, no debate acerca da
componentes, tanto do ponto de vista intra, como inter- manutenção e ampliação das Zonas Francas e, por final,
regional. na definição do MERCOSUL, enquanto instrumento de
Não resta muita dúvida de que o elevado peso do integração econômica dos países do Cone Sul. Todas
complexo químico na estrutura produtiva do Nordeste estas formulações têm em comum uma característica
tem implicações sobre sua evolução futura. Assim como fundamental: possuem uma nítida dimensão territorial
também a forte presença do complexo metal-mecânico, cujos efeitos não são, nem poderiam ser, homogenea-
principalmente no segmento eletro-eletrônico, no Norte, mente distribuídos nas diversas parcelas regionais que
influirá sobre os seus destinos. O que é importante per- compõem o mercado doméstico nacional.
ceber também é que afetarão também o comportamento
futuro do mercado doméstico nacional. Não se trata Bibliografia
apenas de tentar descrever esta distribuição espacial a
partir de uma 'nova' divisão territorial do trabalho, mas BECKER, B. K. e EGLER, C. A. G. (1993) Brasil: uma potência regional
por fatores um pouco mais complexos que devem na economia-mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
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