Antropologia Teológica
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o
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APRESENTAÇÃO
Caro(a) Cursista,
Você está recebendo um Curso dividido em quatro panes: 1)A Criação do Mundo; 2) A Criação do Homem;
3) O Pecado dos Primeiros Pais; 4) Os Anjos. Poderíamos também distribui-lo em duas panes: Criação e
Pecado, com um Apêndice sobre os Anjos. Estes vêem considerados logo após os temas anteriores, na medida
em que são criaturas inteligentes que foram afetadas pelo pecado.
A temática da Criação é, hoje em dia, trazida à tona pelas descobertas do macro e do, microcosmos. Quanto
mais o homem penetra o reino da matéria, tanto mais percebe a ordem e a harmonia que regem este mundo,
dando testemunho de uma inteligência e um Poder transcendentais. É, pois, cada vez mais necessário que a fé
se associe às ciências naturais para oferecer ao pensador uma cosmovisão completa e satisfatória.
Neste contexto o homem aparece como imagem e semelhança de Deus; tem uma tarefa a cumprir neste
mundo, procurando levar a termo a obra do Criador. Ao mesmo tempo, é dotado de aspirações que ultrapassam
o mundo visível; feito pelo, Infinito e para o Infinito, só repousa no Infinito; o mistério de Deus se espelha no
mistério do homem.
O pecado é uma das expressões da misteriosidade da pessoa humana. Chamada ao Bem absoluto, ela pode
preferir-lhe o bem relativo e limitado das criaturas, cometendo o pecado. Este não só se volta contra a glória do
Criador, mas fere também o pecador, desfigurando-o. Este fato, porém, não deve ser estudado
independentemente da obra da re-criação efetuada por Jesus Cristo, o novo Adão, e aprofundada no Curso de
cristologia da nossa Escola.
A temática do pecado se prende à primeira página da Bíblia, onde é abordada em estilo rico de imagens. Faz-
se importante levar em conta exata o significado do texto sagrado no que diz respeito tanto ao pecado quanto à
própria criação do homem.
Finalmente os Anjos se apresentam como criaturas ontologicamente mais perfeitas do que o homem; são
espíritos sem corpo, ao passo que o homem. é alma espiritual em corpo material. A devoção popular tem dado
grande ênfase à realidade dos Anjos, confundindo-os com entidades afro-brasileiras ou esotéricas. Uma
corrente oposta nega a existência dos Anjos. Verdade é que a parapsicologia explica naturalmente muitos
fenômenos outrora atribuídos a Anjos bons e aos demônios; todavia ela não pode negar a realidade e a ação dos
Anjos.
Caro(a) Cursista, o estudo dos tratados teológicos não é obra meramente acadêmica; interpela a fé e o
coração, despertando no estudioso mais intenso amor ao Deus que criou porque quis dar às criaturas racionais o
consórcio de sua vida. Bons estudos! Disponha da equipe de trabalho da sua Escola “Mater Ecclesiae”.
Domingo de Cristo-Rei, 23 de novembro de 1997
Pe. Estêvão Tavares Bettencourt OSB
BIBLIOGRAFIA
I. CRIAÇÃO, HOMEM,PECADO
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EUDOKIMOV, PAUL, A Mulher e a Salvação do Mundo. São Paulo. 1986.
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Regensburg. 1983.
LADARA, L. F., Antropologia Teológica. Madri – Roma. 1983.
MARTELET, G., Libre réponse à un scandale. La faute originelle, la souffrance et la mort. Paris. 1988.
2 Escola Mater Ecclesiae
RAHNER, KARL, Teologia e Antropologia. São Paulo. 1969.
RONDET, H., Le Péché 0riginel dans la Tradition. Patristique et Théologique. Paris. 1967.
RUIZ DE LA PEÑA, JUAN L., O Dom de Deus. Antropologia Teológica. Petrópolis. 1997.
SCHEFFCZYK, LEO, Création et Providence. Paris. 1967.
VIVAR FLORES, ALBERTO, Antropologia da Libertação na América Latina. São Paulo. 1991.
II. OS ANJOS
ARCHIBALD, JOSEPH MACINTYRE. Os Anjos, Uma Realidade Admirável. Rio de Janeiro. 1983
DATTLER, FREOERICO. O Mistério de Satanás. São Paulo. 1977.
GALACHE, GABRIEL C., Os Anjos. São Paulo. 1994.
MARTINS TERRA, JOÃO EVANGELISTA. A Angelologia de Karl Rahner à luz de seus princípios
Hermenêuticos. Aparecida. 1996.
SOLIMEO, GUSTAVO ANTONIO E LUIZ SERGIO. Anjos e Demônios. São Paulo. 1994.
TAVARD, GEORGES. Les Anges. Paris. 1971.
Repouso 7o dia
2,1-4a
Como se vê, a criação é apresentada dentro do esquema de seis dias de trabalho e um de repouso (uma
semana). Embora sejam oito as obras realizadas (duas no 3o dia e duas no 6o dia), o autor não quis apresentar
oito dias de trabalho, mas seis, para ficar dentro do quadro de uma semana.
Os seis dias se distribuem em duas séries: três dias para a distinção das três regiões do universo
respectivamente (ares, águas, terra) e três dias para o povoamento ou a ornamentação dessas regiões (astros,
peixes e voláteis2, animais terrestres e o casal humano).
Sete são as fórmulas que compõem o hexaémeron:
a) Introdução: "E disse Deus..."
b) Ordem: "Haja luz!..."
c) Execução: "E assim se fez".
1
Supomos aqui a noção de que Gn 1-3 consta de dois relatos das origens: 1,1-2,4a e 2,4b - 3,24. O primeiro data dos séculos VI / V a .C.; é tido
como pertencente ao Código Sacerdotal (P); o segundo é mais antigo, pois data do século X a . C. e pertence ao Javista (J) ; este segundo relato tem
âmbito mais restrito do que o primeiro, mas considera a questão da origem do mal no mundo, não encarada pelo primeiro relato. Sendo de épocas e
mãos distintas, os dois textos hão de ser estudados independentemente um do outro.
2
Os peixes e os animais que voam, são colocados na mesma categoria de aquáticos, porque ou vivem nágua (peixes) ou nascem nágua (mosquitos)
ou vivem entre as águas que há à flor da terra e as águas que há acima do firmamento ou da abóbada cristalina que cerca a terra (tais como são as
aves).
3 Escola Mater Ecclesiae
d) Descrição: "Separou Deus..."
e) Nome ou Bênção
f) Elogio: "E viu que era bom"
g) Conclusão: "E houve tarde e manhã..."
Essas fórmulas dispõem-se de maneira simétrica, como se pode ver a seguir:
1o dia: obra la - a b c f d e g =7
o
2 dia: obra 2a - a b c d - e g =6
o a
3 dia: obra 3 - a b c- e f- =5
obra 4a - a b c d - f g =6
o a
4 dia: obra 5 - a b c d- f g =6
5o dia: obra 6a - a b c - f e g =6
o a
6 dia: obra 7 - a b c d- f- =5
obra 8a - a b d e c f g =7
Note-se que na quarta e na quinta obras o número de fórmulas é proposto do mesmo modo.
Pode-se ainda observar a seguinte simetria:
OBRA FÓRMULAS FÓRMULAS OBRA
1a 7 6 5a
2a 6 6 6a
a
3 5 5 7a
a a
4 6 7 8
Observe-se outrossim o esquema 7 dias = 6+1 dias. Mediante o número sete o autor quer indicar não só a
perfeição de todo o conjunto criado, mas ainda significa que a criatura encontra essa sua perfeição, consumação
(ou santidade) em Deus, e em Deus só. Com efeito o número 7 é atingido, no hexaémeron, pela apresentação de
seis dias das criaturas e um dia, o sétimo, de Deus. Somente quando os seis dias das criaturas se juntam ao dia
de Deus, realizam o número da perfeição; assim somente quando as criaturas voltam para Deus, repousam
consumadas; toda a história dos seres neste mundo é uma contínua tendência para o repouso em Deus.
A arquitetura do hexaémeron, simétrica como é, leva a concluir que o gênero literário dessa peça é o
didático-artístico, de caráter sapiencial. A cadência dos números tem finalidade mnemotécnica. Em última
análise, trata-se de um hino litúrgico em, seis estrofes e uma conclusão, composto para o dia de sábado a fim de
incutir o repouso sabático ou a dedicação do Sábado ao Senhor Deus. Este é proposto como o primeiro
operário, que observa o ritmo de seis dias de trabalho e um de repouso a fim de que o homem siga o exemplo
divino3. A peça portanto não tem finalidade científica; não pretende narrar a maneira como o mundo foi criado,
mas expõe conceitos sapienciais (filosófico-teológicos) e morais a respeito do mundo e do homem.
3) A respeito do homem
a) O ser humano é algo de totalmente novo entre os demais. Isto se depreende do modo como teve origem.
O autor, ao descrever a formação do homem, quebra o seu esquema: "Deus disse... e foi feito" e propõe um
monólogo de Deus, que delibera fazer uma criatura à sua imagem e semelhança4, isto é, dotada de dignidade
única no mundo. É claro que a imagem e semelhança de Deus não se acham na corporeidade do homem (Deus
não tem corpo), mas nas faculdades espirituais (inteligência e vontade) ; pelo conhecimento e o amor é que o
homem imita a Deus e consegue dominar o mundo; note-se que, depois de criado, o homem é investido de
poder sobre os animais e plantas, afim de que os domine. Em conseqüência, pode-se reproduzir a dinâmica do
hexaémeron do seguinte modo:
b) Igual dignidade convém ao homem e à mulher, pois ambos foram feitos à imagem e semelhança de Deus,
cada qual refletindo a seu modo o exemplar divino (1,26) ; também a ambos, sem distinção, é dada a ordem de
dominar sobre animais e plantas.
c) O matrimónio é algo de santo, instituído pelo próprio Deus. Este criou dois tipos humanos diferentes,
destinando-os, porém, a representar um exemplar único, a perfeição divina - o que só se pode entender se o
homem e a mulher são, por natureza, destinados a se completar mutuamente em tudo o que falta a um e outro.
O matrimônio, implicitamente instituído pela criação dos dois sexos, foi explicitamente promulgado pela
bênção divina acompanhada das palavras: "Sede fecundos e multiplicai-vos!" (1,28).
d) O trabalho é também abençoado por Deus. O homem é incentivado a continuar, a seu modo, a obra do
Criador, não como senhor absoluto do mundo, mas como representante de Deus e pontífice entre o mundo
inferior e o Senhor Deus. Pelo trabalho do homem, as criaturas infra-humanas devem ser levadas a glorificar o
Criador.
e) O sétimo dia é por Deus santificado (2,3). Santificar, na linguagem bíblica, significa reservar para Deus.
Por conseguinte, o Senhor reserva para si o sétimo dia da semana, diferenciando-o dos demais dias, que são
dedicados ao trabalho. "E abençoou-o"(2,3), ou seja, desejou-lhe e concedeu-lhe algo de bom, já que abençoar é
dar uma bênção, uma benedictio, uma boa palavra; fez o sétimo dia portador de um bem divino, evidentemente
em favor do homem, a quem o sétimo dia devia ser proposto como participação antecipada do repouso eterno
(cf. Hb 3,4-11).
4
“Imagem e semelhança” não são coisas distintas uma da outra, mas significam enfaticamente a proximidade do ser humano em relação ao Criador.
Dir-se-ia: “imagem muito semelhante”.
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PERGUNTAS
1) Qual é o gênero literário de Gn 1, 1-2,4a?
2) Que é que se chama hexaémeron ? Por que assim se chama ?
3) Que é que o hexaémeron ensina a respeito de Deus? Responda sucintamente
4) Que ensina o hexaémeron a propósito do mundo?
5) Que ensina o hexaémeron a respeito do homem?
O CASAL HUMANO
terra e animais terrestres
águas e animais aquáticos
céus e astros
Gn 2,4b-25:
HOMEM MULHER
plantas animais irracionais
Se, pois, ambas as narrativas são nitidamente traçadas com o fim de realçar a dignidade do indivíduo
humano mediante comparação com outras criaturas, conclui-se que os respectivos autores não se propunham a
questão: como, em que ordem, surgiu o mundo inferior ao homem? - Referindo-se ao mundo inferior, os
escritores falaram conforme as concepções do seu povo, sem querer proferir juízo algum sobre as mesmas;
partiam dos seus pressupostos científicos sem os discutir, pois isto não era necessário à tese antropológica a que
visavam.
Daqui se vê que, para interpretar devidamente Gn 2,4b-3,24, o exegeta deve concentrar a sua atenção sobre o
problema antropológico; mais precisamente: sobre o problema das relações do homem com Deus, o problema
religioso, pois este problema, e só este, é que prendeu diretamente a atenção do hagiógrafo; não considere os
demais enunciados do texto sacro senão enquanto significam alguma coisa para a religiosidade do homem.
6 Escola Mater Ecclesiae
Lição 2: A Origem do Mundo
Como visto, a intenção dos autores sagrados, tanto no hexaémeron quanto em Gn 2,4b-3,24, é mostrar a
dignidade do casal humano e a superioridade do mesmo em relação às demais criaturas. Como quer que seja,
em Gn 2,4b-3,24 depreende-se algo também sobre o mundo e seu significado.
Com efeito; Gn 2 apresenta sobre o mundo uma mensagem de índole religiosa, que não contradiz à ciência,
mas versa em plano diferente do da ciência. Em poucas palavras, está dito aí que o mundo irracional e o homem
vêm de Deus e, como tais, nada de desregrado ou mau contêm; a princípio, existiam mesmo numa harmonia
que é proverbialmente dita "paradisíaca", fundada na sujeição dos seres inferiores ao homem e do homem a
Deus; se, pois, hoje há mal no mundo e no homem, ele não se deve a Deus, tem outra origem; entrou
posteriormente à obra do Criador, por ato livre do homem, dirá o c.3. É esta doutrina que a história das origens
em Gn 2 quer transmitir ao leitor.
Ainda é de notar aqui explicitamente o que já foi insinuado: Gn 2 manifesta uma fase do pensamento
religioso de Israel bem primitiva, anterior à do "hexaémeron". Deus aí produz as criaturas à semelhança de um
operário oleiro: toma a argila para modelar o corpo do homem e sopra na face do boneco plasmado para lhe dar
vida (2,7) ; é jardineiro, que planta o horto (2,8), forma os animais, condu-los à presença do homem; é
arquiteto, que constrói o corpo de Eva após haver tirado uma costela de Adão durante o sono; como cirurgião,
preenche com carne o espaço vazio (2,21); em 3,21 faz as vezes de alfaiate; além disto, o âmbito geográfico
que o autor conhece é assaz restrito. Ao contrário, o "hexaémeron" apresenta-se com caráter muito mais
filosófico e universal ista: o mundo inteiro entra em cena e é produzido pela Palavra soberana do Criador, cujos
efeitos são instantâneos. - Todavia as expressões rudimentares de Gn 2 não deixam deter um sentido muito rico
e belo ainda hoje: "Os antropormofismos dos cc.2 e 3 põem em relevo a personalidade extremamente viva de
Deus, sem derrogar aos conceitos de poder e soberania. É difícil falar de Deus; se se empregam expressões
abstratas para respeitar melhor a transcendência divina, Deus parece mais longínquo de nós, e, se se usa uma
linguagem que queira traduzir a sua presença e a sua atividade, corre-se o risco de diminuir a grandeza divina...
O autor não possuía o que chamamos hoje a cultura do espírito; era incapaz de se elevar a noções abstratas;
mas, mediante termos concretos, mostra-nos Deus familiar ao homem, muito próximo do homem e, não
obstante, Criador do homem" (Chaine, Genèse p.69).
5
A imagem do "Deus-Oleiro" era muito propagada entre os antigos; encontra-se na literatura sumérica, entre os Assírios e Babilônios, os Egípcios,
nos autores gregos e latinos, assim como nas tradições de alguns povos ditos primitivos. Assim na epopéia babilônica de Gilgamesch conta-se que,
para criar Enkidu, a deusa Aruru “plasmou argila” Na lenda assiro-babilônica de Ea e Atar-hasis, a deusa Miami, intencionando criar sete homens e
sete mulheres, fez quatorze corpos; a deusa rematou-os, imprimindo-lhes traços de indivíduos humanos e configurando-os à sua própria imagem. No
Egito um baixo-relevo em Deir-el-Bahari e outro em Luxor apresentam o deus Cnum modelando sobre a sua roda de oleiro os corpos
respectivamente da rainha Hatshepsout e do Faraó Amenofis III; as deusas colocavam sob o nariz de tais bonecos o sinal hieroglífico da vida +, para
que a respiqassem e se tornassem seres vivos. Notícias devidas a G. Lambert, L’Encyclique "Humani Generis" et l’Ecriture Sainte, em "Nouvelle
Revue Théologique" 73 (1951) 233ss. Entre os Maoris da Nova Zelândia conta-se o seguinte episódio: Um certo deus, conhecido pelos nomes de Tu,
Tiki e Tané, tomou argila vermelha à margem de um rio, plasmou-a misturando-lhe o seu próprio sangue, e dela fez uma cópia exata da divindade;
depois de a terminar animou-a soprando-lhe na boca e nas narinas; ela então nasceu para a vida, e espirrou. O homem plasmado pelo criador Maori
parecia-se tanto com este que mereceu por ele ser chamado Tiki-Ahua, isto é, imagem de Tiki. (cf Taylor, New-Zeland 1870, 117),
6
Vêm a propósito os seguintes textos: "Farei vir o dilúvio,.. para destruir... toda carne que tem hálito de vida debaixo do céu" (Gn 6,17), "Entraram
com Noé na arca os casais, provenientes de toda carne que tem hálito de vida" (Gn 7,15). "Tudo que respira para viver, tudo que habita sobre a terra
firme, morreu" (Gn 7,22).
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sopro de vida insuflado nas narinas do boneco de argila é traço coerente com a imagem do oleiro; a argila
inanimada tem que ser vivificada.
No texto hebraico nota-se um jogo de palavras muito fino: do solo ou da ‘adamah é tirado um ser chamado
‘Adam, homem. Para a mentalidade primitiva, as relações entre palavras são relações entre os seres designados;
se, pois, o homem deve viver sobre a terra (‘adamah), cultivar a terra e se tornar um dia poeira da terra (cf. 2,5.
15; 3,17.19), é lógico que se chame ‘Adam. Esta observação permite concluir que o nome do primeiro homem
não era necessariamente Adam.
2) Já que o texto sagrado não trata do aspecto científico da origem do homem, fica aberta a questão: será
compatível com a fé no Criador a teoria evolucionista?
- Quando Charles Darwin (†1882) propôs a sua teoria evolucionista, os teólogos católicos mostraram-se
contrários à mesma, pois era mecanicista ou afinalista, ateleológica; com efeito, a evolução se faria mediante a
luta pela vida (struggle for life), na qual as espécies mais fracas teriam perecido, ao passo que as mais fortes
terão sobrevivido. A Providência Divina ou a Sabedoria do Criador não eram devidamente consideradas. Com o
tempo, porém, os pensadores católicos tomaram consciência de novas e novas descobertas nos campos da
paleontologia, da arqueologia, da biologia; verificaram que se podem separar os dados da ciência da filosofia
materialista com que Charles Darwin os interpretou. Daí a nova posição assumida oficialmente pela Igreja e
formulada por Pio XII em 1950, conforme o texto da encíclica Humani Generis:
"O Magistério da Igreja não proíbe que, em conformidade com o atual estado das ciências e da teologia, seja
objeto de pesquisas e de discussões, por parte dos competentes em ambos os campos, a doutrina do
evolucionismo, enquanto ela investiga a origem do corpo humano, que proviria de matéria orgânica
preexistente (a fé católica nos obriga a professar que as almas são criadas imediatamente por Deus). Isto,
porém, deve ser feito de tal maneira que as razões das duas opiniões, isto é, da que é favorável e da que é
contrária ao evolucionismo, sejam ponderadas e julgadas com a necessária seriedade, moderação, justa medida
e contanto que todos estejam dispostos a se sujeitarem ao juízo da Igreja, à qual Cristo confiou o ofício de
interpretar autenticamente a S. Escritura e de defender os dogmas da fé. Alguns, porém, ultrapassam
temerariamente esta liberdade de discussão, procedendo como se estivesse já demonstrado com certeza plena
que o corpo humano se tenha originado de matéria orgânica preexistente, argumentando com certos indícios
encontrados até agora e com raciocínios baseados sobre tais indícios; e isto como se nas fontes da Revelação
não existisse nada que exija neste assunto a maior moderação e cautela" (Acta Apostolicae Sedis 42 - 1950,
57s).
O S. Padre João Paulo II corroborou estas idéias, como se dirá mais detidamente no Módulo 15 deste Curso.
PERGUNTAS
1) Qual a tese que o texto de Gn 2, 4b-25 quer evidenciar?
2) Que nos diz este texto a respeito da origem do mundo?
3) Que diz o mesmo texto sobre a origem do homem?
4) Que significado tem a imagem do oleiro?
5) Se a Igreja condenou o darwinismo, pode ser favorável à evolução?
7
A derivação etimológica de ischschah (=mulher em hebraico) a partir de isch (=homem) é discutida pelos filólogos. Há quem admita, há quem
negue, uma raiz comum para as duas palavras. Como quer que seja, ao hagiógrafo interessava apenas propor a derivação popular baseada na
assonância dos termos (paronomásia); com isto já inculcava suficientemente a afinidade vigente entre homem e mulher.
8
Os árabes traçam a árvore genealógica até mesmo dos seus cavalos; o mais humilde dos nômades orientais, ainda hoje, costuma saber com
segurança os nomes dos seus antenatos através de diversos séculos; uma biografia de guerreiro, artista ou sábio, no Oriente, abre-se invariavelmente
com uma longa genealogia.
9 Escola Mater Ecclesiae
Ademais, a descrição da origem da mulher a partir do corpo de Adão servia (e serve) para dar, de forma bem
viva, a explicação profunda do atrativo sexual. Este era considerado pelos semitas como um mistério
incompreensível9. Ora o autor do Gênesis explica o enigma como sendo uma instituição do Criador: o amor
conjugal tende a consumar o tipo do homem, a desdobrar toda a perfeição de que é capaz a espécie humana,
mas que o indivíduo humano por si só não pode atingir10;
3) o texto sagrado insinua também a Magna Carta do matrimônio. Esta impõe monogamia, indissolubilidade
do vínculo, primazia dos deveres conjugais sobre o afeto filial dos cônjuges a seus pais: "Desta vez esta é osso
de meus ossos ... É por isto que o homem abandonará pai e mãe, e aderirá à sua esposa, e tornar-se-ão os dois
uma só carne" (vv.23s). Cristo citou e sancionou definitivamente este ensinamento de Gênesis (cf. Mt 19, 3-9),
e S. Paulo ainda o quis inculcar apelando também para Gn 2,24 (cf. Ef 5,30-32);
4) a procedência de Eva a partir do corpo de Adão no início do mundo era prenúncio de uma atuação do
plano de Deus ainda mais estupenda, que se devia dar na plenitude dos tempos. - De fato, o Filho de Deus,
assumindo a carne humana, quis aparecer na terra qual segundo Adão, novo pai do gênero humano, que
transmite uma vida mais elevada que a do primeiro Adão (cf. l Cor15,45-49). E, essa vida, o novo Adão a
comunica por sua Igreja, a qual, por conseguinte, lhe faz as vezes de esposa, segunda Eva, mãe de todos os
homens regenerados, como Eva é a mãe de todos os homens gerados por linhagem carnal 11. Ora, conforme
muitos Padres, a Igreja Esposa de Cristo teve origem quando o lado de Jesus adormecido (=morto) sobre a cruz
foi transpassado pela lança, deixando jorrar sangue e água; estes dois elementos sempre foram tidos como
figuras dos dois sacramentos principais, a Eucaristia e o Batismo, que constituem a Igreja, os cristãos. E este
quadro, de que fala o Evangelho de São João 19,33s, é pelos Padres posto em conexão com a cena do Gênesis
que narra a procedência de Eva a partir do lado de Adão.
A união de Cristo com a Igreja, conforme a Escritura, encontra um reflexo na união matrimonial desde que
ela foi instituída no início da história.
PERGUNTAS
1) O texto de Gn 2,18-24 incute alguma teoria científica?
2) Como entender o desfile dos animais e a imposição de nomes em Gn 2, 19s.?
3) Qual o significado teológico de Gn 2, 18-24?
9
CL Pr 30, 18s; Ct 8, 6s.
10
Foi justamente por perceberem a unidade que esposo e esposa constituem, que antigos povos, fora de Israel, professavam ter sido a mulher
formada de uma metade do homem. Assim os Hindus, numa lenda cosmogônica do Rig-Veda; os Babilônios, numa narrativa de Berosso tirada dos
documentos sumero-acádicos; uma cosmogonia fenícia conservada em grego sob o nome de “Sanchoniaton”.
11
É São Paulo mesmo quem apresenta essa união de Cristo com a Igreja como união matrimonial, da qual é tipo a sociedade conjugal de homem e
mulher indivíduos, e, em particular a dos primeiros pais, Adão e Eva: "Maridos, amai vossas esposas como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela
a fim de santificá-la... É assim que os maridos devem amar suas esposas, como seus próprios corpos... Ninguém jamais odiou sua própria carne, mas
nutre-a e a cerca de cuidados, como Cristo faz para com a Igreja, pois que somos membros de seu corpo. É por isto que o homem abandonará pai e
mãe para aderir à sua esposa, e de dois tornar-se-á uma só carne. Este mistério é grande; quero dizer em vista de Cristo e da Igreja" ( Ef 5,25s. 28-
33).
10 Escola Mater Ecclesiae
fez com sua palavra todo-poderosa, vencendo o caos inicial, como o Primeiro e o Último, anterior a todas as
coisas - o que faz nítido eco a Gn 1,1-2,4a. E o que se depreende, em especial, das seguintes passagens:
"Quem pôde medir as águas do mar na cavidade de sua mão?
Quem conseguiu avaliar a extensão dos céus a palmos,
medir o pó da terra com o alqueire
e pesar os montes na balança
e os outeiros nos seus pratos?
Quem dirigiu o espírito do Senhor
ou, como conselheiro, o instruiu?...
As ilhas pesam tanto quanto um grão de areia...
Todas as nações são como nada diante dele...
Ele está entronizado sobre o círculo da terra,
cujos habitantes são como gafanhotos;
ele estende os céus como uma tela,
abre-os como uma tenda que sirva de habitação...
Elevai os olhos para o alto e vede:
Quem criou estes astros?
É Ele que faz sair o seu exército
em número certo e fixo;
a todos chama pelo seu nome.
Tal é o seu vigor tão grande a sua força
que nenhum deles deixa de se apresentar".
(Is 40, 12s. 15. 17.22.26)
O Senhor, disto isto, indaga: "Por que dizes tu, Jacó, porque indagas, Israel: O meu caminho está oculto ao
Senhor, o meu direito passa despercebido a Deus? Pois não sabes?
Acaso não ouviste? O Senhor é um Deus eterno, criador das regiões mais remotas da terra. Ele não se cansa
nem se fadiga, a sua inteligência é insondável" (Is 40, 27s).
Vários outros textos de [saías reproduzem as mesmas idéias; assim Is 41,4; 42,5-9; 43,5-7; 44,24-28; 45,5-
8.11-13.18-25; 48,12s; 51 ,9s; 51 ,13-15.
Vê-se que o autor sagrado recorda o passado para suscitar a esperança num futuro melhor; o poder de Deus
revelado na criação e em acontecimentos posteriores é penhor de novas façanhas em prol do povo de Israel; a
sabedoria e a bondade do Senhor não estão esgotadas, mas tendem a se manifestar ulteriormente. Assim a
doutrina da criação é encaixada na doutrina da Providência Divina, que há de cumprir o que prometeu e levar a
termo a sua obra.
Tanto em Is como em Gn 1s o autor sagrado não tem em vista a fenomenologia ou o aspecto cientifico da
criação, mas deseja propor uma meditação religiosa, que sirva para reestruturar a fé e a coragem do povo de
Deus.
1.2. Jeremias
Jeremias deixou-nos uma obra de várias facetas, entre as quais veemente censura das práticas idolátricas; ao
propô-la, o autor se refere ao Deus de Israel, que não tem igual, pois foi Ele quem deu início ao universo.
Tenha-se em vista Jr lo,11-13.15:
"Os deuses que não criaram o céu e a terra desaparecerão da terra e de debaixo dos céus. Ele fez a terra por
sua potência, por sua sabedoria estabeleceu o mundo e por sua inteligência estendeu os céus. Quando Ele faz
ressoar o trovão, há um bramido de águas no céu; ele faz subir as nuvens do extremo da terra, produz os raios
para a chuva e faz sair o vento de seus depósitos... Ele é que formou o universo”
Os mesmos dizeres ocorrem em Jr 5, 22-24; 14,21s; 27,5s; 31,35s; 32,17-25; 33,25s; 51,15-19.
1.3. Amos
O profeta Amós, em meio às repreensões que dirige ao povo de Israel, apresenta três doxologias, que louvam
o Criador, exaltando o poder de Deus e incitando os leitores a temer o Senhor. Eis o que se lê em Am 5,8s:
"Ele que faz as Plêiades e o Orion,
que transforma as trevas em manhã,
que escurece o dia em noite,
que convoca as águas do mar
11 Escola Mater Ecclesiae
e as despeja sobre a face da terra,
Javé é seu nome!"
E em Am 9,6:
“Aquele que constrói nos céus suas altas moradas,
e funda na terra a sua abóbada;
aquele que chama as águas mar
e as derrama sobre a face da terra,
Javé é seu nome!”
Os livros proféticos repetem dizeres semelhantes, visando sempre a incutir o poder e a grandeza de Deus
afim de restaurar os ânimos do povo eleito. Ver ainda Br 3,32. Passemos a outra categoria de escritos.
2.5. Os Salmos
Os Salmos apresentam alusões à obra criadora de Deus inseridas em orações de ação de graças ou de súplica
como também em cantos de louvor. Dentre estes destaca-se o Sl 104, que é quase um paralelo de Gn 1, pois
evoca sucessivamente a produção da luz (v.2), a separação dos continentes e das águas (vv. 5 e 6), a origem dos
vegetais (vv. 13-18), a dos astros (vv. 19-23) a dos animais irracionais (vv. 25-30)... e termina numa expressão
de complacência nas maravilhas da criação e do Criador (vv. 31-35).
Sejam citados ainda SI 89,6-19; 74,12-17; 33,6-10; 8, 2-10; 95,1-5;19.1-7...
PERGUNTAS
1) Como o Dêutero-Isaías (Is 40-55) vê a criação? Porque a menciona?
2) O livro de Jó trata do sofrimento. Por que se refere à criação?
3) Que é que o livro dos Provérbios acrescenta de novo aos livros anteriores quando trata da criação?
4) Diga o que de novo se encontra no livro da Sabedoria ao encarar este mundo?
5) Que há de importante no 2Mc?
PARTE I: CRIAÇÃO: B) história do Dogma
13 Escola Mater Ecclesiae
MÓDULO 5: OS TEXTOS PAULINOS E JOANEUS
O Novo Testamento supõe a doutrina do Antigo Testamento relativa à criação e a completa, pois lhe
acrescenta um visão cristológica: toda a história do mundo e do homem, desde as suas origens, tende ao
Messias; é em Jesus Cristo que ela se consuma. Podem-se deduzir dos escritos paulinos e joaneus algumas
teses, que vão, a seguir, enunciadas.
A segunda versão merece preferência não só porque é a mais antiga, 12 mas também porque observa melhor a
cadência dos dizeres. No versículo 3 o paralelismo é perfeito se lemos: "Tudo foi feito por Ele ( o Verbo) e sem
Ele nada foi feito"; não há necessidade do pleonasmo "do que foi feito. "
Os versículos 4 e 5 se configuram então muito bem com frases do mesmo tamanho:
"O que foi feito, nele é vida13
E a vida é a luz dos homens, E a luz brilha nas trevas E as trevas não a venceram".
Vejamos agora como entender estes versículos.
O versículo 3, apresentando a mediação do Verbo na criação do mundo, tem em vista a causalidade
exemplar: no Verbo de Deus estavam os arquétipos ou os exemplares das diversas criaturas. Sem essa
exemplaridade do Verbo nada veio a existir.
O versículo 4 acrescenta que nesse Verbo os seres criados têm a sua fonte de vida; a vida de todas as
criaturas tem sua origem no Verbo de Deus; as criaturas são ditas "vida" porque elas recebem do Verbo toda a
sua vida; participam da vida daquele que é a Vida por excelência.
Essa vida brilha no caminho dos homens e os ilumina. As trevas não a puderam vencer ou extinguir. Trata-se
do conflito entre a morte do pecado e a vida de Deus; aquele não pôde, nem jamais poderá, vencer a esta.
Assim o Evangelho segundo São João toca de leve na criação para apontar o papel de causa exemplar e fonte
de vida que nela coube ao Verbo de Deus.
Em suma, o Novo Testamento considera a criação quase exclusivamente em função da Redenção realizada
por Cristo na Cruz e na Ressurreição. Daí haver pouca coisa a depreender de tal texto para completar o nosso
percurso bíblico.
PERGUNTAS
1) Que sentido São Paulo atribui à criação do mundo quando fala aos pagãos?
2) Que sentido São Paulo atribui à criação do mundo quando escreve a cristãos?
3) Que há de interessante no Prólogo de João (1, 1-18) no tocante à criação?
A TRADIÇÃO CRISTÃ
A Tradição Cristã faz eco às páginas bíblicas. Eis um texto da "Carta a Diogneto", documento de um cristão
anônimo do século III: exalta o papel do Filho ou do Verbo na criação e na re-criação do mundo.
"Foi o próprio Deus invisível, verdadeiramente Senhor e Criador de tudo, que do alto dos céus colocou entre
os homens a Verdade, o Logos santo e incompreensível, e o inseriu firmemente nos seus corações. Não, como
pode alguém conjectuar enviando aos homens algum ministro, anjo ou príncipe, algum daqueles que governam
as coisas terrenas ou dos que têm a seu cargo o cuidado das coisas celestes, e sim mandando o próprio Artífice e
Autor de tudo, aquele por meio de quem criou as coisas e encerrou o mar nos seus limites; a cujos mistérios os
elementos obedecem fielmente; aquele de quem o sol recebeu a medida a seguir; aquele a quem a lua obedece
brilhando durante a noite, e os astros como a lua; no qual todas as coisas foram distribuídas, especificadas e
12
Essa versão mais antiga foi substituída pela outra a partir do século IV por causa do arianismo. Com efeito, Ario, querendo demonstrar que o
Verbo é criatura, apelava para Jo 1, onde ele lia: "O que foi feito nele, era vida. " Ora, para tirar o argumento a Ario, os ortodoxos puseram-se a ler:
"Sem Ele (o Verbo) nada foi feito do que foi feito. Nele estava a vida... "
13
E não "o que foi feito nele era vida"
15 Escola Mater Ecclesiae
subordinadas: o céu e o que nele existe, a terra e o que ela contém, o mar e o que nele se encontra, o fogo, o ar o
abismo, o que está nas alturas, nas profundezas e no espaço intermediário. Foi a esse que Deus enviou.
Mas, pergunto, tê-lo-á mandado para exercer tirania e incutir terror como alguém poderia pensar? De modo
algum. Mandou-o com demência e mansidão. Foi um Rei enviando seu filho Rei, Deus enviando Deus;
mandou-o como homem aos homens. Mandou-o num ato de Salvador agindo pela persuasão, não pela
violência. Enviou-o como quem chama, não como quem persegue, como quem ama, não como quem condena.
Enviá-lo-á futuramente para julgara quem então enfrentará a sua segunda vida...
Realmente, o Senhor é o autor de tudo. Deus, que fez todas as coisas e as dispôs em ordem, não só amou os
homens, mas foi paciente para com eles. Ele sempre foi, é e será benigno e bom, sem ira e veraz. Só ele é bom.
E, tendo concebido um grande e inefável desígnio, só a seu Filho o comunicou. Enquanto mantinha em mistério
e conservava em segredo o seu sábio plano, parecia descuidar-se e desinteressar-se de nós. Quando, porém, o
revelou pelo seu Filho amado e fez aparecerem as coisas que estavam preparadas desde o princípio, no-las
apresentou todas de uma só vez, quer na participação dos seus benefícios, quer na contemplação e inteligência
das mesmas. Quem de nós esperou jamais tais coisas?".
14
"O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; aquilo que a virgem Eva atou com a sua incredulidade, Maria o desatou
com a sua fé" (Contra as Heresias III 22, 4).
17 Escola Mater Ecclesiae
Em réplica ao falso espiritualismo gnóstico, que repudiava a matéria, a vida do homem, para Ireneu , é a do
homem todo, corpo e alma,... e do homem situado neste mundo feito por Deus. Conseqüentemente, o efeito do
pecado é a morte - não somente a morte corporal, mas também a morte espiritual.
Ainda combatendo o falso espiritualismo, Ireneu afirma a verdadeira encarnação do Verbo; rejeita assim
todo tipo de docetismo, segundo o qual o Filho de Deus terá assumido um corpo aparente. A fé cristã afirma
que, por mais molesta que seja a carne com suas paixões, Deus Filho se dignou assumi-la sem chegar ao
pecado, porque o homem consta de carne e espírito:
"Como poderia Ele ser crucificado e como poderia ter jorrado do seu lado transpassado sangue e água, se Ele
não tivesse verdadeira carne ou se fosse apenas um homem aparente? Que corpo teriam sepultado os seus
amigos e que teria sido ressuscitado dentre os mortos?" (CH IV 33,2).
"(Tal discípulo) julgará aqueles que dizem ter sido Cristo um homem aparente apenas. Como pretendem
discutir se o seu Mestre não foi mais do que aparência ? Ou como podem obter certeza da parte de quem foi
apenas uma aparência e não uma realidade? Como podem obter verdadeira salvação se aquele em quem dizem
acreditar se manifestou de modo meramente aparente?" (CH IV 33,5).
PERGUNTAS
1) Exponha sumariamente o esquema de pensamento gnóstico.
2) Como Santo Ireneu combateu as heresias?
3) Pode apontar alguma influência do neoplatonismo na literatura cristã antiga?
1.2. O Tempo
O final do texto acima aborda um particular importante da temática: ao criar o mundo a partir do nada, Deus
deu origem, juntamente com o mundo, ao tempo. Sim; o tempo é a medida do movimento das coisas corpóreas,
e as coisas corpóreas só começaram a existir por um ato do Criador. Antes das coisas corpóreas ou do mundo,
19 Escola Mater Ecclesiae
não havia tempo, não havia nem "antes" nem "depois", mas só havia o eterno, ... o eterno que é um instante
sempre presente, sem distinção de passado e futuro.
15
Ver Módulo 4, Lição 2 deste Curso.
20 Escola Mater Ecclesiae
Santo Agostinho exerceu grande influência no pensamento latino dos séculos seguintes; através dele,
algumas concepções platônicas foram transmitidas à Idade Média, na medida em que eram compatíveis com a
fé cristã.
Vejamos como a idéia de criação se desenvolve em autores posteriores.
16
O nome Teodicéia vem do grego théos (= Deus) e dike (=justiça). Significa justificar Deus ou ressaltar a bondade, a santidade e a onipotência de
Deus frente aos males que afligem este mundo. A expressão foi criada por Leibniz em 1710 para designar o seu tratado de otimismo a respeito deste
mundo.
17
Dizemos que as limitações das criaturas não são necessariamente um mal. Assim o fato de que a pedra não tem olhos não é um mal; o fato de que
o homem não tem asas, não é um mal. O mal é sempre a ausência ou a carência de um bem devido, pertencente à natureza de tal ou tal criatura;
assim a falta de olhos no homem, a falta de asas no pássaro.
24 Escola Mater Ecclesiae
O positivismo exerceu influência no cultivo das ciências naturais nos séculos XIX e XX: muitos dos seus
autores se têm revelado indiferentes às questões metafísicas e religiosas. O fascínio das descobertas científicas
levou vários cientistas a crer que poderiam dispensar a noção de Deus. A evolução da matéria, a multiplicação
das espécies de viventes pareciam explicáveis pelas virtualidades mesmas da matéria. Todavia este
cientificismo cede hoje a posições diversas. Com efeito; o próprio progresso das ciências induz os estudiosos
mais a mais a reconhecer a existência de um Ser Supremo, responsável pela ordem e a beleza do universo
(macrocosmos e microcosmos).
Aliás, a reação ao cientificismo teve um expoente notável fora do Catolicismo na pessoa do pensador judeu
Henri Bergson (1859-1941), que defendeu a tese da evolução criadora: a vida, segundo Bergson, é evolução
criadora, é criação, livre e imprevisível, de formas contínuas, que se diversificam como os feixes de um leque.
Enquanto as escolas não católicas dos séculos XIX e XX se afirmavam nos termos acima, a Teologia
Católica recebeu novo impulso da parte do Papa Leão XIII, que promoveu a renovação da Escolástica e do
Tomismo; o século XX foi um período de volta às fontes bíblicas e patrísticas, onde os estudiosos encontraram
fecunda inspiração para aprofundadas pesquisas.
PERGUNTAS
1) Como via Averróis a duração do mundo?
2) Como julgara condenação de Galileu por parte do S. Ofício?
3) Pode-se conceber "o melhor mundo possível?"
4) Como se apresentou o panteísmo dos séculos XVII - XIX?
5) Em que consiste o positivismo filosófico?
"COSMOGÊNESE => BIOGÊNESE => NOOGÊNESE => CRISTOGÊNESE" (sentença escrita por
Teilhard em seu "Diário", três dias antes de sua morte).
Seria Cristo um produto do cosmos ou da matéria inanimada? Haveria paralelismo entre o aparecimento da
vida (biogênese) e o aparecimento de Cristo (Cristogênese) na história? - Certamente não é isto o que o
Religioso (sempre fiel à sua fé cristã) quis dizer. Contudo não se pode negar o perigo de mal-entendidos nessa
passagem.
Os vocábulos "cefalização, cerebralização, enervamento", vocábulos-chaves dos escritos de Teilhard,
prestam-se igualmente a não pouca confusão.
2.3. Naturalismo
As explanações do cientista francês deixam assaz longe as grandes verdades do Cristianismo (elevação do
homem à ordem sobrenatural, pecado, Redenção, graça de Deus...), a ponto que tais verdades parecem
dispensáveis a quem procure esboçar uma visão da realidade que nos cerca. Tem-se assim a impressão de que a
história se pode explicar satisfatoriamente sem se levar em conta a Revelação sobrenatural. Nas páginas de
Teilhard, é verdade, não falta a menção de Cristo; contudo o Cristo aí referido está tão fundido com o cosmos
que o seu papel transcendente vem a ser obnubilado. O autor parece pregar um belo messianismo, mas... sem
Messias pessoal; julgar-se-ia que tudo neste mundo corre e correrá bem, desde que se observem as leis da
natureza. A obra de Cristo parece destinada a beneficiar principalmente a ordem de coisas temporal e social;
fica assim um tanto apagada a finalidade primária do Redentor, finalidade que é transfigurar o mundo e o
homem mediante a morte e a ressurreição (produção da nova criatura de que fala S. Paulo em 2 Cor 5,17; Rm
6,4).
PERGUNTAS
1) Quem foi Teilhard de Chardin?
2) Como concebeu a evolução do mundo?
3) Como se pode avaliar a sua teoria?
Lição 1: Os Símbolos de Fé
A palavra símbolo vem do grego syn-bállo, verbo que significa "jogar junto" ou "reunir, compendiar".
Desde os primeiros tempos houve na Igreja símbolos ou compêndios (sínteses) da fé cristã. Sejam
mencionados:
O Símbolo dos Apóstolos, que erroneamente é atribuído aos Apóstolos e deve datar do começo do século
III, professa: "Creio em Deus Pai Todo-Poderoso". A referência à Onipotência é certamente devida à criação.
Esta é obra das três Pessoas Divinas ou de Deus em sua unidade, mas a teologia apropriou-a ao Pai, por ser Este
o Princípio não principiado, como ensina o tratado da Santíssima Trindade.
O Símbolo de Nicéia I (325), tendo em vista o dualismo gnóstico (que julgava o espírito bom e a matéria
má), proclamou: "... Pai Onipotente, Criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis". Por "coisas
visíveis" entenda-se a matéria e por "invisíveis" o espírito; donde se segue que umas e outras têm o mesmo
princípio; não há dois deuses (um bom e outro mau). - Até a Alta Idade Média o pensamento humano foi
tentado a atribuir o mal no mundo a um princípio próprio mau (na verdade, o mal não é algo subsistente em si,
como se dirá pouco adiante.
O Símbolo de Constantinopla I (381) repetiu a fórmula do anterior.
18
Distinguem-se Concílios regionais (que reúnem os Bispos de uma região apenas) e Concílios gerais, universais ou ecumênicos (que congregam os
Bispos do mundo inteiro).
29 Escola Mater Ecclesiae
"Quem afirma ou crê que o poder de Deus é limitado..., seja anátema" (Denzinger-Schönmetzer ou DS,
Enquirídio no 411).
O Concílio universal de Constantinopla II (553) apropriou a criação a cada uma das Pessoas Divinas,
declarando:
"Um é Deus Pai, de quem são todas as coisas; um é o Senhor Jesus Cristo, por quem são todas as coisas;
um é o Espírito Santo, em quem são todas as coisas" (DS 421).
Em 561 o Concílio regional de Braga (Portugal) condenou outra modalidade de dualismo devida a um certo
Prisciliano (385), que defendia ser o diabo o Criador da matéria e o princípio do mal. A alma humana teria
natureza divina; existia antes do corpo (diziam) e terá sido encarcerada na matéria em castigo de pecados
anteriores . Na ocasião a Igreja teve a oportunidade de repelir toda depreciação da matéria, principalmente do
corpo humano, e afirmar que tudo o que existe é ontologicamente bom19, pois procede do único Criador; ver DS
455-464.
Na Idade Média a partir de 11 80, os cátaros ou albigenses renovaram o erro dualista ou maniqueu.
Afirmavam que a matéria é má e foi criada por Satanás; conseqüentemente Cristo não teve um corpo real, mas
aparente; daí a rejeição das instituições que neste mundo favorecem a matéria, inclusive o matrimônio. Em
réplica, uma Profissão de Fé datada de 1208 afirmava:
"Cremos de todo coração e professamos com a boca que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, o único Deus é o
Criador o formador o diretor e promotor de todas as coisas corporais e espirituais, visíveis e invisíveis. Cremos
que o Antigo e o Novo Testamento têm um mesmo e único autor Deus, que, permanecendo na Trindade de sua
vida, tudo criou do nada" (DS 790).
Pouco depois, o Concílio do Latrão IV (1215) reafirmou as mesmas verdades: "Deus é o único princípio de
tudo, o Criador do visível e do invisível, de todo ser espiritual e corpóreo. Por sua virtude onipotente, no
começo dos tempos criou do nada ambos os reinos, o espiritual e o corporal, o afundo dos anjos e o terrestre e
finalmente o dos homens; estes, de certo modo, pertencem aos dois níveis da realidade, sendo constituídos de
corpo e espírito. O diabo e os demônios foram criados bons por sua própria natureza, e foi por si mesmos que se
tornaram maus. Quanto ao homem, ele pecou por instigação do diabo" (DS 800).
Em 1274 o Concílio de Lião II se pronunciou do mesmo modo; ver DS 851.
No século seguinte, em 1311, o Concílio de Viena (França), o 15 o Concílio Geral, tendo em vista ainda o
dualismo, afirmou que a união de corpo e alma não é contrária à natureza das coisas, e que a alma se une ao
corpo como a forma se une à matéria (no sentido aristotélico-tomista).
"Com a aprovação do Santo Concílio, rejeitamos, como errônea e oposta à fé católica, toda doutrina ou toda
tese que afirme que a substância da alma racional e intelectiva não é realmente, e por si mesma, a forma do
corpo humano, ou o põe em dúvida. Para que todos conheçam a verdade da fé pura e para fechar a porta a todo
erro, definimos que quem ouse afirmar, defender ou sustentar obstinadamente que a alma racional ou intelectiva
não é por si mesma e essencialmente a forma do corpo, seja considerado herege" (DS 902).
Em 1442 o Concílio Geral de Florença tratou também da criação:
"A Igreja crê, professa e proclama que o único Deus verdadeiro, Pai, Filho e Espírito Santo, é o Criador de
todas as coisas visíveis e invisíveis. Quando quis, em sua bondade produziu todas as criaturas, tanto as
espirituais quanto as materiais. Estas são boas, porquanto criadas pelo Supremo Bem, porém sujeitas à
mudança, pois foram criadas a partir do nada. A Igreja ensina que o mal não tem natureza alguma, pois toda
natureza, enquanto natureza, é boa. Além disto, a Igreja condena a doutrina insensata dos maniqueus, que
afirmavam haver dois primeiros princípios, um das coisas visíveis e outro das coisas invisíveis, e que sustentam
que o Deus do Novo Testamento não é o Deus do Antigo Testamento" (DS 1333).
Neste texto retorna a noção de que o mal não é uma realidade positiva ou, como se diz aí, é uma natureza.
Tudo o que é , é bom, na medida do que é; é mau se a esse bem (a esse ser) falta algo que lhe é devido. Assim a
cegueira é um mal, porque supõe um bem (um ser humano) ao qual faltam os olhos (o bem) que lhe são
devidos; a cegueira não é um mal numa pedra, porque a pedra não foi feita para ter olhos.
O Concílio do Latrão V em 1513, o 18 o Concílio Geral ou ecumênico, afirma que cada ser humano tem sua
alma própria, imortal, em oposição à tese de uma alma coletiva:
"De acordo com este Santo Concílio, condenamos e reprovamos todos aqueles que afirmam que a alma
intelectiva é mortal ou única em todos os homens, assim como todos aqueles que têm dúvidas a tal respeito. Na
verdade, não somente a alma é a forma do corpo humano, por si mesma e essencialmente, como diz o cânon do
nosso predecessor o Papa Clemente V de feliz memória, no Concílio de Viena, mas a alma também é imortal, e
19
Ontologicamente, isto é, na medida em que é, supõe-se que o mal não seja algo positivo, mas carência de um bem devido. Moralmente bom ou
mau são qualidades que afetam não o ser mas o comportamento humano.
30 Escola Mater Ecclesiae
pode haver muitas almas, como de fato as há e deve haver dada a multidão dos corpos que recebem, por
infusão, uma alma humana" (DS 1440).
No século passado, o Concílio do Vaticano I em 1870, tendo em conta o materialismo e o panteísmo do
século XIX, declarou:
"A Santa Igreja Católica Apostólica Romana crê e afirma que existe um só Deus, verdadeiro e vivo, Criador
e Senhor do céu e da terra, Todo-Poderoso, eterno, imenso, incompreensível, infinito em inteligência, vontade e
em toda perfeição, que, sendo uma substância espiritual única e singular rigorosamente simples e inalterável,
deve ser tido como realmente e essencialmente distinto do mundo, sumamente bem-aventurado em si mesmo e
por si mesmo, indizivelmente elevado acima de tudo o que, fora dele, existe ou se pode conceber" (DS 3001).
" O único Deus verdadeiro, com sua bondade e onipotência - não para aumentar sua bem-aventurança nem
para adquirir perfeição, mas para manifestar a perfeição que Ele possui, concedendo seus bens às criaturas, -
por um decreto libérrimo de sua vontade, criou a partir do nada, no princípio dos tempos, uma e outra criatura -
a espiritual e a corporal, isto é, o mundo dos anjos e o da terra, e, finalmente, os homens, que de certo modo
pertencem a esses dois níveis da realidade, sendo compostos de alma e corpo "(DS 3002).
"Tudo o que Ele estabeleceu, Deus o guarda e o governa por sua Providência, 'desenvolvendo seu vigor de
um extremo ao outro do mundo e governando tudo com suavidade'(Sb 8, 1), pois tudo é desnudo e descoberto
aos seus olhos (cf Hb 4, 13), até mesmo aquilo que decorre da livre atividade das criaturas" (DS 3003).
Os cânones que se seguem a esta declaração, retomam a doutrina em proposições sintéticas:
"Se alguém negar a existência do único Deus verdadeiro, Criador e Senhor das coisas visíveis e invisíveis,
seja aná tema"
"Quem não se envergonha de afirmar que, fora da matéria, nada existe, seja anátema"
"Quem disser que a substância ou a essência de Deus e a de todas as coisas, é uma e a mesma, seja anátema"
"Quem disser que tanto as coisas corporais quanto os espíritos finitos ou, pelo menos, estes emanaram da
substância divina, ou que a essência divina, por sua revelação ou evolução, se converte na realidade de todas as
coisas, ou finalmente que Deus é o universal e indeterminado e por sua autodeterminação dá origem à
totalidade das coisas, suas classes, espécies e essências individuais, seja anátema"
"Quem não professar que o mundo e todas as coisas, com toda a sua substância, foram criados por Deus a
partir do nada ou quem disser que Deus não criou por vontade livre e sem necessidade, mas tão
necessariamente quanto ama a si mesmo, ou quem negar que o mundo foi criado para a glória de Deus, seja
anátema "(DS 3021-3025).
Estes textos assinalam não somente o fato da criação, mas também o motivo e a final idade da criação. Vê-se
que se opõem nitidamente às formas de materialismo (não haveria senão matéria) e panteísmo (Deus e o
mundo, ao menos o mundo espiritual, seriam uma só realidade a se expandi r por emanação) do século XIX.
PERGUNTAS
1) Que é um Símbolo da Fé?
2) Qual a principal heresia que as declarações conciliares combateram até o século XIV?
3) O mal é algo de positivo?
4) Que é panteísmo?
5) Em síntese, quais são as proposições que se deduzem dos ensinamentos conciliares?
PARTE I: CRIAÇÃO: c) Aprofundamento
20
Recordamos que matéria prima em Filosofia não significa o mesmo que no comércio ou na indústria. Entende-se, em Filosofia, a matéria prima
como sendo potência, pura potência, para receber determinada forma. Assim quando produzimos, com dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio,
uma molécula d’água, as formas do hidrogênio e do oxigênio são substituídas por outra forma, que faz que hidrogênio e oxigênio não funcionem
mais como tais, mas como água; a matéria prima de cada elemento perdeu as formas de hidrogênio e oxigênio para receber a da água. Houve
transformação e não criação.
21
Contingente é o ser que existe, mas poderia não existir; não existe necessariamente.
32 Escola Mater Ecclesiae
Lição 3: Eternidade do Mundo?
A idéia de criação, em sentido lato, não está necessariamente ligada à de início ou começo. Ao contrário, ela
faz abstração completa da noção de princípio temporal. Significa apenas a absoluta dependência do mundo, até
o fundo do ser, em relação a Deus.
Daí a pergunta: pode-se conceber a criação desde toda a eternidade ou sem começo? Respondemos: a
eternidade do mundo, se bem entendida, não é algo impossível, mas também não se impõe com clareza e
evidência; é uma hipótese aceitável, mas não demonstrável.
Como então conceber o mundo eterno?
Não se trataria de eternidade no sentido de Deus, pois esta é a duração de um ser absolutamente imutável.
Ora o universo é mutável, e essencialmente mutável. Por conseguinte a eternidade do mundo seria a duração de
seres contingentes e variáveis, capazes de desaparecer, mas que, na realidade, não teriam nem começo nem fim.
As mudanças verificadas nas criaturas estariam sujeitas à medida do tempo, embora o conjunto dessas
mudanças não pudesse ser encerrado em um número determinado de anos ou séculos. Notemos ainda que, em
tal caso, a noção de criação perderia seu sentido estrito, pois lhe faltaria a referência a um início e ao nada
prévio; ter-se-ia, porém, criação no sentido lato, implicando total dependência do mundo em relação a Deus; a
existência do mundo seria sempre dependente de Deus. Como se vê, a noção de criação desde toda a eternidade
é um tanto manca, pois de certo modo derroga ao pleno conceito tanto de criação como de eternidade. A
maioria dos filósofos pagãos admitia a eternidade do universo, geralmente movidos por tendências panteístas;
concebiam o mundo como uma teofania (manifestação de Deus) necessária à perfeição suprema. Na época
moderna o judeu Baruch Spinoza († 1677) professou essa doutrina, identificando Deus com a natureza.
A questão da eternidade do mundo, que a Filosofia deixa aberta, é elucidada pela fé cristã. A S. Escritura diz
que "no começo Deus fez o céu e a terra" (Gn 1,1), insinuando um começo para o mundo 22- proposição esta que
a Tradição explicitou repetidamente; tenhamos em vista a afirmação do Concílio do Latrão (1215):
"No início dos tempos Deus criou do nada as criaturas espirituais como as corporais, os anjos e o mundo.
Deus criou o homem, constituído de corpo e espírito".
De resto, embora a noção de criação esteja ao alcance da razão humana e , por isto, seja uma verdade
filosófica, pode-se dizer que a Filosofia não chegou por si só a conceber tal idéia ou a produção de algo a partir
do nada. Nem Platão († 347 a.C.) nem Aristóteles († 322 a.C.) explicitaram tal noção, embora se tenham
aproximado da mesma. O judaísmo mesmo, embora tenha professado o monoteísmo estrito, não parece ter
chegado à clareza sobre o assunto nos seus escritos mais antigos; todavia no século I a.C. o texto de 2
Macabeus 7,28 professava a criação a partir" do nada. Foi principal mente na base do Novo Testamento que a
idéia de criação se tornou lúcida a filósofos e teólogos.
1) Do nada, nada se tira. Esta objeção impugna a noção mesma de criação como sendo algo de absurdo.
- Respondemos apelando para o exato sentido da noção de criação. Esta, no sentido próprio da palavra,
ultrapassa o alcance da nossa inteligência, pois se trata de uma atividade que é exclusiva de Deus, ... atividade
que exige um poder infinito. Isto, porém, não implica que a idéia de criação seja absurda. Ao contrário, ela é
inteligível por si mesma, pois atribui a Deus a onipotência que pertence lógica e necessariamente ao Ser
infinitamente perfeito. Mais: a noção de criação é uma exigência decorrente do exame da realidade contingente
e mutável que nos cerca; a existência de tal realidade supõe um ser absolutamente perfeito que seja a causa
explicativa ou a razão suficiente deste mundo. Negar a criação equivale a fazer do absurdo a lei universal.
Quanto à expressão "a partir do nada", reconhecemos que o nada não é uma causa nem é matéria que dê
origem a alguma coisa. Mas a noção de criação não supõe que o ser venha do nada, mas afirma que vem após o
nada. Na realidade, vem de Deus e de seu poder infinito. Deus não fez o mundo do nada, como se fosse matéria
preexistente, mas Ele o fez por seu poder absoluto.
2) Quanto à eternidade do mundo (hipótese que a fé cristã não aceita), objeta-se:
Toda causa deve preceder o seu efeito. Ora um mundo que fosse coetemo com Deus, já não seria uma
criatura.
Os defensores da eternidade do mundo respondem que a causa deve preceder o seu efeito, sim, mas não
necessariamente na linha do tempo ( a precedência temporal é exigida quando se trata de causas físicas, não da
22
Ver também Pr 8, 22-26; Eclo 24, 8s; Sl 90,2.
33 Escola Mater Ecclesiae
causa criadora que é metafísica); a precedência da causa, neste último caso, deve estar na linha da perfeição; ora
Deus é e será sempre mais perfeito do que o mundo.
Se o mundo é eterno, a criação vem a ser inútil, pois a existência do mundo já não precisa de ser
explicada.
- A objeção supõe errônea noção de criação, dizem os defensores da eternidade do mundo, pois
indevidamente associa criação a um começo no tempo. - É preciso, pois, lembrar que a hipótese da eternidade
do mundo não suprime a necessidade da criação, porque esta, em sentido lato, não inclui a noção de começar
após o nada, mas apenas o conceito de dependência em relação a Deus ou ao Criador; com outras palavras...
inclui apenas a tese de que o mundo é contingente ou não tem em si mesmo a razão de sua existência. - Por
conseguinte, se o mundo fosse eterno (coisa que de fato ele não é), não seria menos dependente de Deus
eternamente; seria criado por Deus em todo o seu ser...; e isto em cada momento de sua duração, e em cada um
dos seres singulares que o compõem.
3) Que fazia Deus antes da criação?
Esta pergunta carece de sentido, porque supõe estar Deus sujeito ao ritmo do tempo, ou às categorias do
antes e depois. Na verdade, isto não se dá. Desde toda a eternidade, Deus decretou que do nada sairiam tais e
tais criaturas ( a matéria primitiva inicial) e elas se desenvolveriam de tais e tais modos; decretou também que
sucessivamente sairiam do nada os seres espirituais necessários para vivificar os corpos humanos. Tal decreto
não é um acidente em Deus, mas identifica-se com a própria essência divina muito simples e muito ativa.
Produzir o mundo é, para Deus, querer o mundo com uma decisão e uma escolha eficazes. O começo do mundo
não implica mudança em Deus. Podemos dizer: o mundo começou a existir há bilhões de anos, mas não
podemos dizer : após bilhões de anos Deus criou o mundo.
PERGUNTAS
1) Que se entende por criação? Como se distingue de transformação?
2) Que é o emanatismo?... E o panteísmo?
3) Que vem a ser conservação das criaturas?
4) O mundo pode ser eterno ? Aliás, que se entenderia por "criação desde toda a eternidade"?
5) O mundo é realmente eterno?
6) "Do nada nada se tira. Portanto é absurdo o conceito de criação". Analise a proposição.
7) Que fazia Deus antes de criar?
8) O nosso mundo poderia ser melhor? Poderia ser o melhor mundo possível?
23
Aliás, não somente ao homem Deus está presente conservando-lhe a existência; Ele está presente também a toda criatura, mesmo irracional, numa
permanente ação criadora; sem esta, qualquer criatura recairia no nada, do qual foi tirada.
35 Escola Mater Ecclesiae
Respondemos, afastando todo tipo de emanação (que redunda em panteísmo). Valha-nos a imagem do
artesão,... artesão, porém, que é totalmente livre ao produzir seus artefatos. A razão desta liberdade consiste em
que Deus é transcendente ou paira acima de qualquer categoria compulsória. Deus, sendo a bondade infinita, só
pode ser movido pela sua própria bondade ou pelo seu amor. Ele não depende de motivo ou finalidade alguma
que não seja Deus mesmo. Conseqüentemente devemos dizer que Deus não criou o homem por causa do
homem, mas, sim, por causa de Deus, pois, se Deus criasse por causa de algo fora de Deus, dependeria desse
algo; esse algo estaria condicionando as normas do comportamento de Deus - o que é impossível. Podemos,
porém, explicitar um pouco mais porque Deus quis livremente criar:
Reza um princípio neoplatônico que o bem é difusivo de si. Ora Deus é o Sumo Bem. Donde resulta que
Deus é sumamente difusivo ou comunicativo de si.
Ou ainda: Deus é o Amor Infinito. Ora o Amor Infinito não pode não se doar a outros. Por conseguinte é
impossível que Deus queira ficar só...
Estas duas fórmulas são legítimas, contanto que se guarde sempre a consciência da transcendência ou
soberania de Deus, a qual não pode ser enquadrada dentro de algum raciocínio que a limite ou constranja.
Estendendo nossas considerações, afirmamos que a finalidade da criação é a glória de Deus. Participando da
bondade e das perfeições do Criador, as criaturas proclamam esses predicados e dão glória ao Criador. Não há
antítese entre glorificação do Criador e auto-realização da criatura; tudo que esta possa ter de belo, nobre e
perfeito vem-lhe do Criador e, desta forma, apregoa a grandeza e perfeição do próprio Deus. Também todo
artefato, quanto mais belo é, tanto mais exalta a arte do artesão. Escreve Santo Ireneu : "A glória de Deus é o
homem vivo".
As criaturas não são minimizadas pelo fato de serem destinadas à glória de Deus. Glorificar a Deus, para
elas, é conhecer e amar a Deus, é unir-se à Verdade Infinita e à Bondade Infinita. Com outras palavras: os seres
humanos não são instrumentos da glória de Deus, mas, de certo modo, coincidem com o objetivo da criação,
visto que se tornam imagens vivas e lúcidas de Deus em Cristo Jesus.
Também é de notar que Deus não precisa da glorificação que as criaturas lhe dão. Promovem apenas a glória
externa de Deus,... glória externa que é a manifestação da glória interna ou da santidade de Deus, que é
permanente. A S. Escritura insiste nessa vocação do homem (que é também a honra do homem) para dar glória
a Deus:
Ef 1,14: "Deus adquiriu para si um povo para o louvor da sua glória".
Fl 2, 15s: ".. para vos tomardes irrepreensíveis e puros, filhos de Deus, sem defeito, no meio de uma geração
má e perversa, no seio da qual brilhais como astros no mundo, mensageiros da Palavra de vida".
Mt 5,16: "Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai
que está nos céus"
Ver ainda Jo12,24; 15,8; 17,10; 2Cor 3,18; Cl 1,1o-12; 2Ts1,12; 1Pd 4,14.
24
Concurso é a palavra técnica que significa a intervenção de Deus em virtude da qual a criatura age.
36 Escola Mater Ecclesiae
falam as Escrituras em Dn 2,20-22; Mt 6,25-34 e no Apocalipse. Não há casual idade no plano de Deus.
Também não há forças diabólicas nem poderes superiores capazes de entravar o plano de Deus.
PERGUNTAS
1) Quem estuda o tratado da criação, pode descobrir melhor a face de Deus? Por quê ?
2) Exponha em que consiste a dependência da criatura frente ao Criador.
3) Porque e para que Deus quis criar?
4) Que é que se chama concurso de Deus em Teologia?
5) A criação é obra própria do Pai?
25
Mucilagem é a designação comum a compostos viscosos produzidos por plantas (N.d.R.).
39 Escola Mater Ecclesiae
Varia a programação, mas a gravação é a mesma para todos, protistas, plantas, animais e homens,
Foi com essa programação gravada naquela fita biológica que teve início a vida na Terra, e foi com essa
programação que ela se difundiu no tempo, até aos nossos dias.
A fita DNA é imensamente fina. Não é visível ao microscópio. Foi possível vê-la indiretamente, mediante
uma técnica nova, extremamente sofisticada, que permite ver as sombras dos átomos mediante a difração dos
raios X. Sua espessura é de apenas dois milionésimos de milímetro, igual a dez átomos. Somos incapazes de
imaginar.
É também imensamente comprida; contrariamente não poderia conter a enorme gravação necessária para
fornecer todas as indicações técnicas e as informações indispensáveis para construir um ser vivo, complicado
como é. A fita de um micróbio é, em média, mil vezes mais comprida do que o próprio micróbio. Pode caber no
micróbio, espiralada e enrolada, unicamente por ser imensamente fina.
A Ciência descobriu que na fita DNA achava-se gravada a programação completa de todo ser vivo. Contém
todas as indicações técnicas para que o ser vivo possa antes autoconstruir-se e depois, 'funcionar', ou seja, viver.
De quem derivaria esse projeto, essa programação, essa gravação em fita biogenética?
Evidentemente, apenas de Alguém que está acima da matéria e da energia, acima da própria vida e da
natureza, além do tempo e do espaço.
Somente de Deus Criador.
Lição 3: O Acaso
Imaginemos agora o recurso ao acaso para explicar a origem e os fenômenos do universo.
3,1. Que é o acaso?
Por "acaso" entender-se-ia a ausência de leis e de ordens previstas por uma inteligência. Imagine-se, por
exemplo, um dedal em que haja bilhões e bilhões de átomos: girariam e agitar-se-iam sem lei nem regra, em
total anarquia. Sabe-se também que os glóbulos vermelhos, aos milhões, circulam nos vasos sangüíneos. Por
conseguinte, não se pode crer que o mundo atual seja uma combinação, entre as inúmeras combinações
possíveis que podiam casualmente proceder do caos inicial? A nebulosa primitiva podia permanecer no caos
perene... Todavia a agitação cega de seus elementos deu origem ao nosso universo.
Em resposta, pode-se observar o seguinte: O acaso é o cruzamento contingente, isto é, não necessário, nem
previsto, de duas causas independentes uma da outra, das quais cada uma age em vista de um fim determinado.
Assim, por exemplo, dois amigos se encontram por acaso numa cidade para onde cada um, sem saber do outro,
fora a negócios. Vê-se , pois, que o acaso supõe sempre duas ou mais causas que agem com ordem e finalidade.
26
Famosas se tornaram as experiências de Th. H. Morgan, que se dedicou ao estudo da Drosophila melanogaster a pequena mosca do vinagre. Este
inseto se presta particularmente a investigações por ser sobremodo fecundo; uma só fêmea pode ter de uma só vez entre 300 e 500 descendentes, os
quais se desenvolvem dentro de doze dias, à temperatura de 24 o. após algumas gerações, ou seja, dentro de dois ou três meses, obtêm-se assim
centenas de milhares de indivíduos, que constituem átimo campo de observação. O citado cientista em 1910 submeteu fêmeas da Drosophila a raios
X no momento interessante, conseguindo os seguintes resultados: dentro de um primeiro grupo, Morgan obteve uma mosca de asas chanfradas, que
deu início à raça beaded; na segunda geração desta raça, apareceu um indivíduo que tinha asas curtas demais, alargadas, com nervuras anormais,
mutante este que originou a raça de asas rudimentares. Na sétima geração da linhagem beaded observou-se um filhote que tinha as asas mal
acabadas como se houvessem cortado as suas extremidades; tornou-se o ponto de partida da raça de asas truncadas. Outro mutante tinha as asas bem
configuradas, mas reduzidas em todos os sentidos, dando princípio à raça miniatura. - Na linhagem rudimentar vieram à luz mutantes com as asas
encurvadas para cima ou para baixo, com os olhos bar etc. Apareceram aos poucos indivíduos de olhos negros, olhos reniformes , olhos rugosos,
olhos brancos, olhos castanhos, olhos róseos... Müller e nmofeeff-Ressowsky associaram-se aos trabalhos de Morgan na América e na Europa,
ocasionando a formação de 400 raças de Drosophila melanogaster, diferenciadas imprevisivelmente e das mais diversas maneiras possíveis: pelas
asas, pelas nervuras, pela cor do corpo, pela forma do abdómen, pela forma e a cor dos olhos, pelo tipo de pelo, etc. (donde D. virilis, D. simulans,
D. willistoni, D, obscura, D,funebris, D,busckii, D,immigrans...). Conhecem-se numerosas mutações também entre os vertebrados: peixes, aves e
mamíferos (cão, gato, roedores, cavalo, vaca, etc. ).
42 Escola Mater Ecclesiae
Os fenômenos ditos casuais só são casuais para quem ignora as causas que os produziram; por isto o acaso
propriamente não existe como sujeito real.
De resto, a reflexão e o bom senso recusam a hipótese de que este mundo tenha sido produzido por acaso.
Com efeito; imagine-se que alguém coloque em uma sacola os tipos de imprensa que se empregam na
composição de um jornal ; agite o todo na esperança de que tais tipos se disporão entre si de modo a dar o texto
da edição do jornal do dia seguinte. Tal esperança, embora não fosse absurda por completo, seria tão
improvável que deveria ser tida como irrisória.
Considere-se a vida. A proteína é o elemento básico de todos os organismos vivos. Para facilitar os cálculos,
admita-se que uma molécula de proteína tenha 2.000 átomos, de duas espécies apenas, com peso molecular de
20.000 e 0,9 de assimetria (a realidade é muito mais complexa). A probabilidade de se formar por acaso uma
molécula de proteína seria de 2,02 x 10-321, ou seja, um número decimal com 320 zeros depois da vírgula
(0,000...202). Supondo-se um total de 500 trilhões de lances por segundo num volume de matéria igual ao
globo terrestre, o tempo necessário para se obter uma molécula de proteína, segundo o cálculo das
probabilidades, seria de 10243 bilhões de anos. Ora a idade da terra, a partir do seu resfriamento, não passa de 2x
109 anos, ou seja, dois bilhões de anos apenas.
Admita-se, porém, que a molécula de proteína foi a que se formou por acaso em primeiro lugar, sem esperar
tantos bilhões de séculos. Admita-se até que a mesma combinação se efetuou duas vezes consecutivas. Crer,
porém, que se tenha dado ainda outra vez equivale a crer num milagre. Mais: admitir que em tempo
extremamente curto o mesmo fenômeno se tenha dado bilhões de vezes equivale a negar a aplicação do cálculo
das probabilidades a esse problema.
É preciso observar outrossim que, para formar uma célula viva, são necessários milhares de moléculas. Num
ser vivo há bilhões de células; e a paleontologia ensina que bilhões de seres vivos apareceram sobre a terra num
período de tempo extremamente curto. É impossível, portanto, apelar para o cálculo das probabilidades a fim de
explicar pelo puro acaso a existência da vida sobre a terra.
Por isto, dizia Voltaire († 1778), não sem sarcasmo: "Encham um saco de pó; lamcem-no numa pipa.
Agitem com força durante muito tempo, e hão de ver sair lá de dentro quadros, violinos, jarras de flores e
coelhos!"
Vitor Hugo († 1885), o grande poeta francês, definia o acaso como "um prato feito pelos espertalhões para
que comam os tolos".
Muito diverso é o depoimento de Einstein, que servirá de conclusão às considerações destas páginas:
"Uma profunda fé na racionalidade do edifício do mundo e um ardente desejo de apreender o reflexo da
razão revelada neste mundo deviam animar Keppler e Newton no seu longo e solitário estudo... Somente quem
consagrou a sua vida a objetivos análogos, pode ter noção clara do que sustentaram esses homens; eles
tiveram força para, entre mil insucessos, permanecer com os olhos fixos no objetivo que haviam escolhido...
Um contemporâneo disse, e não sem razão, que, em nossa época tão imbuída de materialismo, os verdadeiros
sábios são apenas aqueles que são profundamente religiosos... O sábio é penetrado do senso de causalidade
dos acontecimentos... A sua religiosidade consiste na atônita surpresa diante da harmonia das leis da
natureza, na qual aparece uma razão tão superior que, em comparação com ela, as mais engenhosas formas
do pensamento humano, com as suas diretrizes, parecem apenas um pálido reflexo... Não há dúvida, tal
sentimento é bastante semelhante ao que, em todos os tempos, animou as produções dos grandes espíritos
religiosos" (Comment je vois le monde. Ed.Flammarion, p.21).
PERGUNTAS
1) Pode-se aceitar a evolução para explicar a origem do mundo? Em que sentido seria aceitável?
2) Como julgar o darwinismo?
3) Que é o mutacionismo? É apto a explicar a realidade do nosso mundo?
4) Que é o acaso?
5) O acaso explica a realidade do nosso mundo ?
1.1. Teorias
Assinalamos duas hipóteses propostas para explicar a origem da vida na Terra.
a) Geração espontânea: Os animais teriam origem na matéria putrefeita, diziam alguns antigos, pois vemos
que na madeira em decomposição, por exemplo, aparecem vermes; admitiam que tal surto de vida era
provocado pela ação dos corpos celestes (outrora considerados corpos vivos). - Esta teoria foi refutada pelas
experiências de Pasteur († 1895) : este sábio mostrou que em ambiente totalmente esterilizado não aparecem
vermes dentro da matéria putrefeita; estes se devem a micróbios e bactérias existentes no ar.
b) Panspermia: A vida teria chegado à Terra a partir de aerólitos ou sob forma de poeira cósmica vinda dos
espaços celestes. - Tais teorias carecem de fundamento científico, pois se derivam da imaginação. Além do
mais, não dispensam o recurso à criação e à Providência de Deus.
1.3. Comentando...
1) A sentença proposta não se opõe ao evolucionismo.
Com efeito; admitamos a evolução da matéria desde o grau inanimado até o grau do vivente irracional mais
aperfeiçoado... Quando o corpo do primata, posto em evolução, estava suficientemente organizado e
diversificado em suas funções para poder ser sede da vida intelectiva ou humana, o Criador criou e infundiu
uma alma humana nesse corpo; doravante, o primata passou a ser homem 100%, embora com feições corpóreas
grosseiras.
2) Diga-se algo de semelhante em relação a todo e qualquer ser humano que nasça através dos séculos:
quando ocorre a conceição no seio materno, o Criador cria e infunde uma alma própria ao concepto que assim
se forma. Este então passa a ter sua personalidade própria, distinta da personalidade da sua genitora.
3) Já que o principio vital ou a alma é algo de indivisível (é 100% principio vital de animal irracional ou é
100% principio vital humano), não há animal que seja 80% macaco e 20% homem, ou 50% macaco e 50%
homem; mas todo primata ou é 100% macaco ou 100% homem, embora possa ter traços corpóreos muito
semelhantes aos do macaco (pode ter uma configuração corpórea de transição entre o macaco e o homem).
4) Por conseguinte, não se vê objeção, por parte da fé cristã, a que y homem pretenda produzir em
laboratório um vivente vegetativo ou um sensitivo (cão, macaco) 28. Todavia é preciso recusar a hipótese de se
produzir em laboratório a vida humana ou intelectiva, visto que esta não é o produto de reações físico-químicas,
mas, sim, de um ato criador de Deus.
5) Em síntese, podemos assim conceber as origens do mundo, da vida e do homem, em hipótese simplificada
ou atendendo apenas às exigências mínimas da Teologia:
ATO CRIADOR EVOLUÇÃO ATO CRIADOR
↓ ↓ ↓ ↓ ↓
MATÉRIA PRIMITIVA MINERAIS VEGETAIS AN. IRRACIONAIS ALMA HUMANA
INFUNDIDA
NA MATÉRIA QUANDO
DEVIDAMENTE ORGANIZADA
6) Há pensadores que, analisando as funções próprias da vida vegetativa, julgam que esta não se pode
explicar por reações físico-químicas da matéria inanimada. A vida vegetativa, por mais simples que seja, não
poderia estar incluída na potencialidade da matéria inerte. Admitem, por isto, um ato criador de Deus para
produzir a vida vegetativa mesma, desde os seus inícios. Esta tese é aceitável, mas não se impõe rigorosamente
à razão, pois a vida vegetativa e a sensitiva não transcendem o setor da matéria; são de índole meramente
material.
O que acabamos de expor, tornar-se-á ainda mais claro a seguir.
Como se vê, a tese que admite abismo intransponível entre o ser inanimado e o animado, tardia e contingente
como é, pode ceder lugar à antiga e tradicional concepção. Neste caso, não haveria dificuldade em admitir
(dado que as ciências naturais o insinuassem) a transição da matéria inanimada para os graus da vida vegetativa
e senstiva (não, porém, para o da vida intelectiva, que supõe um princípio vital espiritual).
Enquanto não se souber precisamente definir em que consistem a vida e as funções vitais, fica a critério de
cada estudioso optar ou pela tese que afirma a absoluta transcendência da vida em relação ao inanimado, ou
também optar pela sentença que ensina ser a vida vegetativa e sensitiva o produto de um funcionamento mais
complexo e perfeito da matéria orgânica, coloidal.
PERGUNTAS
1) Que é "evolução teleológica (finalista)"?
2 Quantos tipos de princípio vital existem? Caracterize-os bem.
3) Poderia dizer como, na mais simples das hipóteses, se conciliam criação e evolução?
4) A matéria viva pode provir da matéria inanimada?
5) Exponha as duas concepções possíveis relativas a matéria, espírito, matéria inanimada e a matéria
animada.
30
A alma humana é espírito ou espiritual. Todavia devemos notar que o conceito de espírito é mais amplo do que o de alma. Espírito é, sim, um ser
incorpóreo dotado de inteligência e vontade. Ora Deus é espírito não criado. O anjo é espírito criado para existir sem corpo. A alma humana é
espírito criado para se aperfeiçoar no corpo.
48 Escola Mater Ecclesiae
"Não se pode perder de vista a importância da cerâmica nas civilizações antigas e primitivas e quanto a
profissão do oleiro estava espalhada. Para o homem que então procurava explicação para a sua origem própria,
a hipótese do Oleiro Divino era algo de óbvio, como parece...
Numa viagem às terras bíblicas, o autor destas linhas visitou um oleiro de Naplous. Em homenagem aos seus
visitantes, o velho artesão fabricou sucessivamente, em um nada de tempo, uma lamparina com três bocas, um
gracioso jarro de quinze centímetros de altura, um pote para o leite, um jarro grande e dilatado, de
aproximadamente cinqüenta centímetros de altura. Não tinha instrumento a não ser seus olhos, o polegar e o
dedo indicador; não tinha compasso a não ser os seus olhos. Sobre o seu torno, que ele impulsionava com o pé,
todos estes objetos surgiam de repente entre os seus dedos criadores, a seu bel-prazer e segundo a sua fantasia.
Com maravilhosa facilidade e surpreendente rapidez. Então foi-nos dado compreender porque nas Escrituras o
oleiro e sua obra servem de imagem da obra do Criador. Tal imagem evoca perfeitamente a soberana liberdade
de Deus, seu maravilhoso poder criador seu domínio absoluto sobre a obra de suas mãos, a total dependência da
criatura que somos nós frente ao nosso Criador assim como a bondade e a misericórdia de Deus para com a
nossa fragilidade.
O tema antigo e popular do Deus - oleiro poderá parecer infantil e simplório tão somente àqueles que não se
derem ao trabalho de procurar conhecer a mentalidade segundo a qual tal explicação nos é proposta pelo Divino
Autor das Escrituras".
Eis alguns exemplos de quanto era propagada a imagem do Deus-oleiro na antigüidade, especialmente entre
os assírios e babilônios, os egípcios, os autores gregos e latinos, assim como nas tradições de alguns povos ditos
primitivos:
Assim na epopéia babilônica de Gilgamesch conta-se que, para criar Enkidu, a deusa Aruru "plasmou
argila". Na lenda assiro-babilônica de Ea e Atar-hasis, a deusa Miami, intencionando criar sete homens e sete
mulheres, fez quatorze blocos de argila, dos quais suas auxiliares plasmaram quatorze corpos; a deusa rematou-
os, imprimindo-lhes traços de indivíduos humanos e configurando-os à sua própria imagem.
No Egito um baixo-relevo em Deir-el-Bahari e outro em Luxor apresentam o deus Cnum modelando sobre a
sua roda de oleiro os corpos respectivamente da rainha Hatshepsout e do Faraó Amenofis III; as deusas
colocavam sob o nariz de tais bonecos o sinal hieroglífico da vida, para que a respirassem e se tornassem seres
vivos.
Entre os Maoris da Nova Zelândia conta-se o seguinte episódio:
Um certo deus, conhecido pelos nomes de Tu, Tiki e Tané, tomou argila vermelha à margem de um rio,
plasmou-a misturando-lhe o seu próprio sangue, e dela fez uma cópia exata da divindade; depois de a terminar,
animou-a soprando-lhe na boca e nas narinas; ela então nasceu para a vida, e espirrou. O homem plasmado pelo
criador Maori parecia-se tanto com este que mereceu por ele ser chamado Tiki-Ahua, isto é, imagem de Tiki.
Quando o escritor sagrado em Gn 2,7 recorre à imagem do Oleiro, não quer significar senão que há uma
analogia entre o oleiro e Deus no modo de tratar seu artefato: como o oleiro é sábio, providente, carinhoso,
soberano...em relação ao barro, assim Deus é (infinitamente mais) sábio, providente, carinhoso, soberano em
relação ao homem, independentemente do modo como tenham vindo à existência o homem e a mulher.
Assim se verifica que o texto bíblico não faz obstáculo às concepções modernas à origem do ser humano.
PERGUNTAS
1) Qual é a distinção fundamental que se deve observar para resolver a questão da origem do ser humano ?
2) Em que sentido se pode falar da origem do ser humano por evolução?
3) Que diz a Igreja a respeito?
4) A condenação do darwinismo não é a condenação do evolucionismo?
5) O texto bíblico exclui a evolução?
Lição 1: O Problema
Muitos dos autores que admitem a evolução das espécies, julgam que a passagem de uma espécie a outra,
superior, se faz geralmente em ramos ou populações ("par buissonnements", em tufos), e não em um casal
49 Escola Mater Ecclesiae
apenas; a evolução nesses ramos pode-se realizar convergentemente, tendo por termo uma estirpe única,. com
caracteres mais ou menos uniformes. Tal teria sido o caso do gênero humano atual; dizem-no produto da
evolução convergente de vários troncos independentes uns dos outros. - Esta teoria é conhecida pelo nome de
"polifiletismo".31
Em oposição está o "monofiletismo", que afirma ser o gênero humano oriundo de um ramo apenas.
Ulteriormente, dentro do monofiletismo, duas hipóteses se defrontam: o monogenismo e o poligenismo. Este
último pretende que muitos casais do mesmo ramo deram origem à humanidade atual. O monogenismo, ao
contrário, defende que todos os homens descendem de um único casal. O monogenismo, portanto, supõe
sempre monofiletismo; o monofiletismo, porém, não implica necessariamente monogenismo. O que assim se
pode esquematizar:
PERGUNTAS
1) Que são polifiletismo, monofiletismo, poligenismo, monogenismo?
2) Qual a posição da Igreja frente ao poligenismo?
3) Explique as razões da posição da Igreja.
4) Quem são os pré-adamitas?
5) Os primeiros pais eram belos? Foram realidade histórica?
PERGUNTAS
1) Como se define uma raça humana?
2) A pluralidade de raças exige pluralidade de troncos iniciais do gênero humano?
3) Existem raças inferiores e raças superiores?
a) A seleção natural
É fato óbvio que os seres humanos são obrigados a viver em ambientes assaz diversos; as reações dos
indivíduos a esses diversos ambientes não são sempre as mesmas; há pessoas cujo potencial genético se adapta
bem, como há aquelas que menos bem, e aquelas que de modo nenhum se adaptam. Registram-se, portanto,
casos em que o patrimônio biológico de alguém não se pode plenamente exprimir no âmbito em que está
colocado. É este fato que explica as grandes migrações de grupos humanos de uma região para outra, assim
como o desaparecimento de raças.
Estudos efetuados em animais e vegetais deram a ver que a proporção de indivíduos dotados da configuração
genética mais vantajosa para viver em determinado ambiente tende a se aumentar de geração em geração, ao
passo que os indivíduos menos adaptados tendem a se extinguir. É este fenômeno que se chama seleção natural.
Atribui-se-1he grande peso na formação das raças hu manas (é certo, porém, que a seleção natural não age ao
acaso ou mecanicamente; é sempre contrabalançada por uma aspiração espontânea da natureza a manter o seu
tipo próprio ou as suas notas essenciais).
Entre os homens, a seleção natural contribuiu para que se associasse o nome de determinado continente com
o de determinada constituição racial. Assim os negros, por seus caracteres genéticos, são muito mais adaptados
às condições de vida equatorial da África do que os brancos: a pigmentação da sua pele, seu sistema de
transpiração e seu metabolismo em geral, sua fecundidade, as modalidades do desenvolvimento das suas
crianças são fatores bem acomodados às condições climatéricas em que vivem.
b) As migrações e os cruzamentos
"O homem sempre foi um grande emigrante" (J. Millot, Biologie des races humaines.
Paris 1952). Ora, emigrando, uma tribo humana se sujeita não somente a sofrer influências climatéricas
novas, mas também a encontrar outras tribos, pertencentes quiçá a diversa raça. Desses encontros por vezes
originam-se conflitos e batalhas; geralmente, porém, resultam uniões conjugais. É o que explica não haver em
nossos dias raças puras, mas tipos raciais provenientes do cruzamento de outros tipos e tendentes a produzir,
por sua vez, novos tipos (mestiçagens).
Podem-se apontar exemplos contemporâneos de raças novas em formação: tais são as que se devem à união
de europeus e negros na África do Sul e nos Estados Unidos da América; as que redundam dos casamentos de
indígenas com os imigrantes europeus ou chineses nas ilhas Hawai.
PERGUNTAS
1) Que é o genótipo? Qual a sua importância ?
2) Que é que se chama "mutação" em Genética?
3) Qual a influência do ambiente na formação do tipo humano ? Dê três exemplos.
4) Qual o papel dos hormônios na configuração do ser humano?
5) Em conclusão, qual o conceito de raça mais condizente com a ciência moderna ?
A alma (psyché) dos justos está nas mãos de Deus; nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos
parecem morrer... mas eles estão em paz. Aos olhos humanas pareciam cumprir uma pena, mas sua esperança
estava cheia de imortalidade; por um pequeno castigo receberão grandes favores. Julgarão as nações, dominarão
os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre" (Sb 3, 1-4).
O texto não fala de, ressurreição, dos corpos, mas apenas de sobrevivência da alma lúcida no além. A razão
pela qual a ressurreição não é mencionada, é que o autor escrevia no Egito, terra de cultura helenística, para
qual a volta da alma ao corpo seria punição e desgraça. Todavia na mesma época os judeus residentes na terra
de Israel professaram nitidamente a ressurreição dos corpos. Tenham-se em vista os seguintes dizeres:
Dn 12,2s: "Muitos dos que dormem no solo poeirento, acordarão, uns para a vida eterna, e outros para o
opróbrio, para o horror eterno. Os que são esclarecidos resplandecerão como o resplendor do firmamento, e os
que ensinam a muitos a justiça hão de ser como as estrelas por toda a eternidade".
2Mc 7 registra as últimas palavras dos irmãos macabeus condenados a morrer por causa da sua fé:
61 Escola Mater Ecclesiae
"Tu, celerado, nos tiras da vida presente. Mas o Rei do mundo nos fará ressurgir para uma vida eterna, a nós
que morremos por suas leis!"(v 9).
"Do céu recebi estes membros, e é por causa de suas leis que os desprezo, pois espero dele recebê-los
novamente (v 11).
"É desejável passar para a outra vida às mãos dos homens, tendo da parte de Deus as esperanças de ser um
dia ressuscitados por Ele" (v 14).
"Nossos irmãos, após ter suportado uma aflição momentânea por uma vida eterna já estão na Aliança de
Deus. Tu, porém, pelo julgamento de Deus, hás de receber os justos castigos da tua soberba " (v 36).
É também 2 Mc que, testemunhando indiretamente a existência do purgatório, alude explicitamente à
ressurreição dos mortos:
"Tendo feito entre os seus homens uma coleta de duas mil dracmas, (Judas Macabeu) enviou-a a Jerusalém
para ser convertida num sacrifício expiatório do pecado. Bela e nobre ação, inspirada pela idéia da ressurreição!
Com efeito, se ele não esperasse que esses soldados mortos houvessem de ressuscitar fora coisa supérflua e vã
orar pelos defuntos" (12,43s).
Com o decorrer dos tempos, a fé na ressurreição se firmou cada vez mais em Israel. Para o judeu em
particular, esta fé era corolário lógico da crença numa justa sanção póstuma; com efeito, a mentalidade israelita,
sempre propensa a afirmar o concreto, dificilmente podia conceber sorte feliz para as almas que estivessem
separadas do corpo; estariam condenadas a viver uma vida mutilada. Assim, pois, encontram-se no Evangelho
testemunhos da fé israelita na ressurreição dos mortos:
Conforme Mt 14,2, Herodes julgava ser Jesus o próprio João Batista ressuscitado; outros confundiam o
Senhor com algum dos antigos profetas redivivo (cf. Lc 9,8); Marta admitia, sem dúvida, que seu irmão Lázaro
ressuscitaria no último dia (Jo 11,23-25). Os fariseus, que representavam a facção tradicionalista de Israel,
faziam mesmo da ressurreição um dogma de fé, que a ninguém era lícito negar. Todavia o partido dos "livres
pensadores" de Israel, ou seja, dos saduceus, imbuídos de princípios filosóficos gregos, rejeitava
peremptoriamente a ressurreição, o que criava intransponível barreira entre eles e os fariseus (cf. Mt 22,23-33;
At 23,6-10; 26,5-8).
Observa-se, nos textos do Antigo Testamento, a transição da idéia de refaim, sombras inconscientes
póstumas, para a de alma (psyché) dotada de imortalidade e lucidez mesmo separada do corpo pela morte. O
fato de que a noção de psyché imortal tenha vindo à consciência dos judeus em terra helenista ou no Egito não
depõe contra a veracidade desta doutrina. Deus pode revelar a verdade aos homens em qualquer terra e através
de qualquer canal. Não existe uma filosofia oficial (como seria a filosofia semita) para o Senhor Deus; qualquer
sistema de raciocínio, também de origem grega, pode ser válido instrumento da Revelação divina, desde que
diga a verdade.
PERGUNTAS
1) Os judeus antigos distinguiam entre corpo e alma do homem? Saberia dizer porquê ?
2) Exponha o sentido de basar e o de leb (ab) no Antigo Testamento.
3) Como evoluiu a antropologia do Antigo Testamento?
4) Quando e onde aflorou o conceito de ressurreição dos corpos?
5) Qual a relação entre refaim e psyché?
Lição 1 : O Tempo
O homem vive no tempo, do qual Deus é o Senhor:
"Desde o princípio manifestei o futuro; desde a antigüidade, aquilo que ainda não acontecera" (Is 46, 10).
Deus é tão soberano que parece estar acima ou fora do tempo:
"Teu trono está firme desde sempre. Desde sempre tu existes "(SI 93, 2).
O homem, ao contrário, tem efêmera duração sobre a terra:
"O homem, nascido de mulher pobre em dias, cheio de tormentos, floresce como uma flor que se abre e logo
murcha; foge como sombra sem consistência" (Jó 14, 1s).
Esse tempo passageiro, porém, é precioso porque nele Deus fala ao homem.
O Deuteronômio enfatiza muito especialmente o hoje no qual o Senhor comunica ao homem seus desígnios
e seus preceitos. A palavra hoje (hajjom) se encontra 70 vezes naquele livro, sempre chamando a atenção para
a importância do momento em que Deus fala:
62 Escola Mater Ecclesiae
"Escuta, ó Israel, as determinações e prescrições que hoje te faço ouvir... Não foi com nossos pais que o
Senhor concluiu aliança, mas conosco, que estamos aqui hoje todos vivos".
"Se esqueceres completamente o Senhor teu Deus, seguindo outros deuses, asseguro-vos hoje solenemente
que perecereis"( Dt 8, 19).
"Guarda, pois, o mandamento que hoje te ordeno seguir"(Dt 7, 11).
Aliás, o tempo é precioso não só porque Deus nele se revela da maneira explícita, fazendo aliança com seu
povo, mas também porque o tempo é harmoniosamente disposto; há um tempo oportuno para cada uma das
atividades do homem:
"Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu:
Tempo para nascer e tempo para morrer.
Tempo para plantar e tempo para arrancar a planta.
Tempo para matar e tempo para curar
Tempo para construir e tempo para destruir
Tempo para chorar e tempo para rir
Tempo para lamentar-se e tempo para dançar.
Tempo para atirar pedras e tempo para recolher pedras.
Tempo para abraçar e tempo para se separar.
Tempo para buscar e tempo para perder.
Tempo para guardar e tempo para jogar fora.
Tempo para rasgar e tempo para costurar.
Tempo para calar-se e tempo para falar
Tempo para amar e tempo para odiar
Tempo para a guerra e tempo para a paz"(Ed 3, 1"8).
Depreende-se que Deus, o Senhor do tempo, dispõe harmoniosamente os tempos, de tal modo que, se o
homem, limitado como é, não observa a ordem devida, ele se condena ao fracasso. Muitas vezes o homem se
torna cego para o momento presente e não compreende o que este acarreta:
"O homem não conhece o seu tempo. Como peixes presos na rede traiçoeira, como pássaros presos na
armadilha, assim os filhos dos homens são surpreendidos pela desgraça" (Ecl 9, 12).
Apesar de todos os enigmas que o tempo apresenta ao homem, este pode exclamar em paz:
"Meus tempos repousam em tua mão"(Sl 31, 16).
Lição 2: O Trabalho
O tempo do homem é tempo de trabalho,... embora não só de trabalho, pois há tempo para rir e dançar, como
lembrava o Eclesiastes 3, 1-8.
Logo ao criar o homem, o Senhor Deus lhe impõe o encargo de trabalhar. Deve reinar sobre os animais
inferiores e dominar a terra (Gn 1, 26-28).
O Senhor colocou o homem no jardim para que o cultivasse e o guardasse (Gn 2,15). Após o pecado, o
trabalho se torna penoso e ingrato para o homem (Gn 3, 17-19).
O trabalho humano assume muitas modalidades: é o do lavrador, o do pastor e domesticador de animais (Gn
4,2), é o dos músicos, metalúrgicos, artesãos de bronze e ferro (Gn 4, 21s). É o da viticultura (Gn 9, 20s) e até o
da construção de cidades com seus edifícios gigantescos (Gn 4, 17.20;11,3).
Mais tarde aparece o trabalho intelectual: a pedagogia, a educação dos jovens (príncipes e funcionários da
corte), a diplomacia, o saber jurídico, a historiografia, as ciências naturais; cf. l Rs 3,8"13; 5,12"14... Para
fundamentar e incutir o trabalho durante seis dias e o repouso no sétimo, a Bíblia apresenta o próprio Deus a
criar o mundo como o Operário Modelo, que produz todas as criaturas no decorrer de uma semana e descansa
no sétimo dia; cf. Gn 1,1-2,4a.
Todos os que trabalham, "ainda que não brilhem pela cultura e o discernimento", cada qual a seu modo,
"sustentam a criação "(cf Eclo 38, 34).
A experiência ensina que o zelo pelo trabalho é penhor de riqueza e bem-estar, como a preguiça é fonte de
miséria e desgraça:
A mão preguiçosa empobrece, mas a mão diligente enriquece"(Pr 10, 4).
A mão dos diligentes dominará, mas a mão preguiçosa será escrava "(Pr 12,24). Ver Pr 11,16; 12,27; 14,23;
21,5.
O sábio chega a satirizar a preguiça:
"Passei pelo campo de um preguiçoso e pela vinha de um tolo. E eis que tudo estava cheio de urtigas, sua
superfície coberta de espinhos, e seu muro de pedras em ruínas. Ao ver isso, comecei a refletir, vi e tirei uma
63 Escola Mater Ecclesiae
lição. 'Dormir um pouco, cochilar um pouco, um pouco cruzar os braços e deitar-se' e tua pobreza virá como
um salteador de estradas, e como um mendigo a tua indigência "(Pr24, 30-34).
Ou ainda:
"O preguiçoso diz: 'Há uma fera no caminho, um leão no meio da praça'. A porta gira nos seus gonzos, o
preguiçoso no seu leito. Se o preguiçoso põe a mão no prato, já se sente cansado para levá-la à boca. Aos seus
próprios olhos, o preguiçoso é mais sábio do que sete pessoas que respondem sensatamente" (Pr 26, 13-16).
Os animais podem servir de exemplo para o homem:
"Preguiçoso, vê a formiga, observa o seu proceder e torna-te sábio!
Ela não tem capataz, ninguém que dirige, nenhum chefe. Contudo no verão cuida do seu pão, recolhe a sua
forragem no tempo da colheita. Até quando dormirás, ó preguiçoso? Quando te levantarás do sono?
Dormes um pouco, cochilas um pouco, um pouco cruzas os braços e descansas, e tua pobreza virá como um
salteador de estradas, e como um mendigo a tua indigência "(Pr 6,6-11).
Todavia, ainda observam os sábios de Israel , toda a diligência do homem é inútil se não vem abençoada por
Deus:
"Se o Senhor não construir a casa, em vão trabalharão os que a constróem. Se o Senhor não protege a cidade,
em vão vigia a sentinela. É inútil que madrugueis e que atraseis o vosso olhar para comer o pão com duros
trabalhos. Aos seus amigos Ele o dá enquanto dormem" (SI 127, 1s).
A própria riqueza não vale se não é associada à prática da virtude:
"Mais vale pouco com temor do Senhor do que grandes tesouros com sobressalto" (Pr 15,16).
"No dia da ira a riqueza para nada serve, mas a justiça salva da morte" (Pr 11,4).
"Melhor um bocado de pão seco com tranqüilidade do que uma casa cheia de carne de sacrifício e discórdia"
(Pr 17, 1).
"Melhor um prato de hortaliças com amor do que um boi cevado com ódio "(Pr 15, 17).
Em suma, "quem confia na sua riqueza cai, mas como folhagem verde desabrocham os justos" (Pr 11 ,28).
A sabedoria no trabalho consiste em conhecer a regra e, antes do mais, o Senhor da regra.
Assim o homem evitará os dois extremos: estar abaixo dos animais (a formiga) pela preguiça ou querer estar
acima de Deus enganando-se a si mesmo.
Lição 4: A Esperança
Deus, que confiou tarefas ao homem, nem sempre lhe dá motivos para esperar um futuro que corresponda às
expectativas do ser humano. O futuro para o israelita, ficava sempre algo de obscuro, pois nos séculos iniciais
de sua história o povo não tinha consciência de uma vida póstuma lúcida; a retribuição da fidelidade à Lei de
Deus, por conseguinte, devia ocorrer na vida presente. Todavia esta vida nem sempre parece lógica e ordenada,
pois neste mundo muitas vezes os maus prevalecem sobre os bons; não se vê a recompensa para a virtude e a
punição para o pecado, como observa o Eclesiastes em seus doze capítulos. O Senhor é soberano em seus
desígnios, de modo que o homem, limitado como é, não pode definir com segurança o seu futuro na terra; é o
que notam os sábios de Israel:
"O corcel é preparado para o dia da batalha, mas a vitória está com o Senhor" (Pr 21,31).
"O espírito do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor dirige o seu passo" (Pr 16, 9).
Por isto, "os justos e os sábios com as suas obras estão nas mãos de Deus" (Ed 9,1).
Apesar de tudo, porém, o israelita piedoso tem sua esperança no Senhor. Ele, que deu a terra a seu povo,
guiando-o através do deserto, havia de completar a sua obra.
"A nossa alma espera no Senhor; Ele é a nossa ajuda e o nosso escudo" (SI 33,20).
"Agora, que devo esperar Senhor? A minha esperança se funda em vós, só em vós" (SI 39, 8).
"Espero no Senhor espero com desejo, espero na sua palavra. O meu anseio vai para o Senhor mais do que
aquele dos vigias para a manhã" (SI 130,5s).
A tentação de desconfiar é superada pela esperança mais forte do orante:
"Não digas: 'Quero retribuir o mal!'Espera no Senhor Ele te salvará" (Pr20,22).
Mesmo nos momentos mais angustiantes, como são os que se seguiram à destruição de Jerusalém em 587, a
esperança vence o desânimo; há sempre uma voz que se levanta para reconfortar os desfalecentes:
"Eu disse: Desfaleceu o meu vigor e minha esperança no Senhor...
O Senhor é bom para quem nele espera, para aquele que O busca" (Lm 3, 18.25).
O fundamento da esperança de Israel está nos próprios benefícios concedidos pelo Senhor aos antepassados:
as promessas feitas a Abraão, não somente em favor de Israel, mas em favor de todo o povo (cf. Gn 12,3)...; a
promessa de paz (Shalom), que era o grande ideal dos israelitas: "Um menino nos nasceu, um menino nos foi
dado... e recebeu este nome: Conselheiro Maravilhoso... Príncipe da Paz...assegurando o estabelecimento de
uma paz sem fim" (Is 9,5s).
O mesmo ideal é retornado por Os 2, 20:
"Exterminarei da face da terra o arco, a espada e a guerra; fa-los-ei repousar em segurança".
Ver ainda Mq 5,9: "Ele será a paz!"
Por fim, notemos que as promessas do Senhor se dirigiam, antes do mais, ao povo de Israel como tal. O
indivíduo era nos tempos mais remotos, considerado em função da comunidade e não diretamente como tal. A
mentalidade do clã assim concebida devia ceder à valorização explícita e direta de cada indivíduo com o passar
do tempo. Principalmente os Profetas Jeremias e Ezequiel incutiram a responsabilidade pessoal de cada um,
dissipando assim a alegação hipócrita dos israelitas do século VI a. C.; ameaçados e punidos pelos babilônios,
recusavam-se a reconhecer seus pecados e fazer penitência, alegando que os antepassados é que haviam pecado
e os descendentes estavam pagando pelas culpas de seus ancestrais:
"A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: Que vem a ser este provérbio que vós usais na terra de
Israel: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados? Por minha vida, oráculo do
Senhor lahweh, não repetireis jamais esse provérbio em Israel... Aquele que pecar esse morrerá "(Ez 18, 1-4; cf.
Jr 31,29).
O livro da Sabedoria, no séc. I a.C., professa claramente a responsabilidade pessoal e o cumprimento das
promessas do Senhor não na vida presente, mas na vida póstuma. A revelação da vida póstuma lúcida veio
corroborar a esperança do israelita no Deus que falava aos pais.
PERGUNTAS
65 Escola Mater Ecclesiae
1) Como é que os israelitas viam o tempo, levando em conta principalmente o Deuteronômio e o
Eclesiastes?
2) Como era estimado o trabalho em Israel?
3) Como eram vistas as doenças e a medicina no Antigo Testamento?
4) Em que se baseava a esperança de Israel?
5) Que é a mentalidade do clã ? Como foi encarada pelo Profeta Ezequiel?
Lição 3: O Trabalho
O trabalho, no Antigo Testamento muito valorizado, é de modo especial santificado pela vinda de Cristo.
Fazendo-se homem, Deus Filho quis assumir a condição de trabalhador (cf. Mc 6,3; Mt 13,55) como bem
registra o Concílio do Vaticano II:
"Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com
coração humano. Nascido de Maria Virgem, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo,
exceto no pecado "(Gaudium et Spes n°. 22).
Com sua participação na vida dos homens, Jesus consagrou o trabalho intelectual e manual, à diferença da
aristocracia grega, que desdenhava o trabalho braçal. O Senhor Jesus encontra, no mundo do trabalho, imagens
que bem ilustram a missão do Salvador: pastor, vinhateiro, médico, semeador (cf. Jo lo,11 .14; 15,1; Mc 2,17;
4,3). O apostolado é comparado à ceifa (Mt 9,37; Jo 4,38) e à pesca (Mt 4,19). As parábolas de Jesus se voltam
para o mundo do trabalho: o lavrador em seu campo (Lc 9,62), a dona de casa com a sua vassoura (Lc 15,8), o
homem que enterra o talento em vez de trabalhar com ele (Mt 25,14-30).
Os Apóstolos eram também trabalhadores, sobressaindo-se São Paulo, que fazia questão de trabalhar com as
mãos para poder subsistir em vez de viver às custas das comunidades que ele evangelizava:
"Ainda vos lembrais, meus irmãos, dos nossos trabalhos e fadigas. Trabalhamos de noite e de dia para não
sermos pesados a nenhum de vós. Foi assim que pregamos o Evangelho de Deus" (1Ts 2, 9). Ver At 18, 3; 20,
34; 1Cor 4, 12
Conseqüentemente o Apóstolo podia exortar os fiéis ao trabalho, principalmente em Tessalônica, onde
alguns, dados à fantasia, não trabalhavam à espera de "imediata" Segunda vinda de Cristo:
"Quando estávamos entre vós, já vos demos esta ordem; quem não quer trabalhar também não há de comer.
Ora ouvimos dizer que alguns dentre vós levam vida ociosa, atarefados em fazer coisa alguma. A essas pessoas
ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na tranqüilidade, para ganhar o pão com o
próprio esforço" (2Ts 3, lo-12).
A solidariedade existente entre o homem (microcosmos) e o mundo irracional (macrocosmos) explica que,
por causa do pecado da origem, as criaturas irracionais estejam em desordem; acham-se sujeitas à vaidade, ou
seja, à loucura (mataiótes) do homem, servindo ao egoísmo e à cobiça do homem que trabalha contrariamente
ao plano de Deus; "elas gemem e sofrem dores de pano até o presente, na expectativa ansiosa da plena redenção
dos filhos de Deus; quando estes forem livres de toda desordem do pecado, as criaturas inferiores serão livres
da escravidão a que o homem atualmente as sujeita" (cf. Rm 8,18-22).
O cristão trabalha com afinco, sem dúvida, para cumprir a missão que Deus lhe confiou, mas ele sabe que
não lhe adianta ganhar o mundo inteiro se ele se perder ou arruinar a si mesmo (cf. Lc 9,25). Diante do valor
absoluto, que é Deus descoberto e plenamente amado, tudo empalidece, pois "passa a figura deste mundo"(1Cor
7,31).
PERGUNTAS
1) Qual a grande novidade do Novo Testamento para a antropologia ?
2) Quantos e quais são os componentes do ser humano, conforme o Novo Testamento?
3) Como entender o texto de 1Ts 5,23 ?
4) Como é visto o trabalho humano no Novo Testamento?
5) Como entender a escravidão do mundo irracional conforme Rm 8, 18-22?
6) Como Jesus Cristo realiza a re-união da família humana dividida pelo pecado?
PERGUNTAS
1) Quais as dificuldades que os Apóstolos encontraram para definir a natureza do ser humano? Cite dois
textos.
2) Até o século IV que influência sofreram os escritores cristãos ao procurar conceber a natureza humana?
3) Qual o pensamento antropológico de S. Ireneu?
4) Quem foram os origenistas? Que professaram?
5) A teoria da reencarnação foi reconhecida pela Igreja ?
PERGUNTAS
1) Que é Escolástica?
2) Como se configurou a Antropologia da Escolástica do século Xll?
3) Como S. Tomás entendeu a dualidade e a unidade do ser humano?
4) Como se distinguem dualidade e dualismo?
5) Qual a sentença de Pedro Olivi? Que significado tinha? Como foi considerada pelo magistério da Igreja ?
Lição 1: Os Símbolos de Fé
Ao tratar da Encarnação do Filho de Deus, os Símbolos de Fé professaram uma certa antropologia. Sejam
citados dois espécimens.
O Símbolo de S. Epifânio, datado de 374, em sua recensão mais longa, reza o seguinte:
36
É importante distinguir dualidade e dualismo. - Dualismo significa dois princípios distintos e antagônicos entre si, como o Bem. e o Mal no
Maniqueísmo. Dualidade implica dois princípios distintos, mas não antagônicos entre si, como homem e mulher.
37
Eram ditos "espirituais", porque entendiam a pobreza franciscana em sentido extremado e impraticável.
74 Escola Mater Ecclesiae
"Cremos... no Filho de Deus... que se fez homem, isto é, assumiu a humanidade total: alma, corpo e mente e
tudo mais que pertence ao homem, exceto o pecado" (DS 44).
O Símbolo de S. Atanásio (DS 46) é de data e autor incertos; alguns o atribuem ao século IV (época de S.
Atanásio de Alexandria) ; outros, ao século VI1. Repete a fórmula acima, a ponto que alguns críticos julgam ser
o próprio Símbolo longo de S. Epifânio.
Em ambos os textos chama-nos a atenção a trilogia "corpo (soma), alma (psyché), e mente (nous)". Talvez
seja inspirada pelo texto de São Paulo em 1Ts 5,23, já analisado no Módulo 22 deste Curso. O Apóstolo não
tinha em vista definir alguma concepção antropológica, mas recorreu (uma vez só, aliás, em todo o seu
epistolário) à tricotomia da Filosofia grega. Os Padres da Igreja, influenciados pelo pensamento grego,
retomaram tal fórmula, sem que se possa dizer que estabeleceram um princípio dogmático.
O Símbolo Quicumque, falsamente atribuído também a S. Atanásio, é dos séculos IV ou V. Professa "Jesus
Cristo como homem perfeito, constando de alma racional e carne humana" (DS 76). A tricotomia cede à
dicotomia ou à dualidade.
PERGUNTAS
1) Quais foram os principais erros que o magistério da Igreja teve de enfrentar até o séc. XI em matéria
antropológica ?
2) Qual a importância do Concílio de Viena em 1313?
3) Que afirmou o Concílio do Latrão Vem 1513?
39
Lc 19,10.
40
Jo 3,5.
77 Escola Mater Ecclesiae
que vem a ser o ato de tal potência. Assim a alma racional (forma substancial) é o ato que faz da matéria prima
(primeira) um corpo humano.
3. Observemos outrossim que a matéria prima (primeira) não existe nem pode existir separadamente de
alguma forma substancial, pois a matéria prima é indeterminada. Todo ser material real é matéria segunda,
determinada por uma forma substancial. Do mesmo modo, a forma substancial (excetuado o caso da alma
humana, como se verá em Psicologia) não existe nem subsiste sem matéria; a forma substancial de todo ser
corpóreo infra-humano é eduzida da matéria prima 41 quando este começa a existir, e absorvida pela matéria
prima quando deixa de existir.
41
Está claro que esse eduzir da matéria prima supõe um agente extrínseco que atualiza a matéria ou que reduza a ato a potencialidade da matéria.
42
A noção de pura potência indeterminada, mas real, pareceu inaceitável e pensadores como S. Boaventura († 1274), Duns Scotus († 1308), Suárez
(† 1617); em conseqüência, atribuíram à matéria prima real uma atualidade incompleta; daí, falarem de diversas matérias: uma corporal, outra
espiritual... Tal teoria é inconcebível aos olhos de quanto acabamos de expor. Para que a pura potência seja real, não se requer que seja determinada.
Não existe matéria espiritual no âmbito da Filosofia.
78 Escola Mater Ecclesiae
cada corpo. As formas acidentais correspondem aos diversos acidentes que se encontram em cada ser
corpóreo. As formas acidentais não modificam a natureza do ser, mas apenas as suas modalidades de ser.
Observemos, por exemplo, um bloco de mármore; compõe-se de matéria prima e forma substancial (forma
substancial que o faz ser mármore, e não ferro); esse bloco de mármore é matéria segunda, e não prima, pois
tem sua forma substancial; está em potência para receber formas acidentais, visto que um escultor poderá fazer
com ele um banco, uma bacia, uma coluna, uma estátua (... de Júpiter, ... de Vênus, ... de Marte). Também a
água, que é matéria segunda, está em potência para assumir estados acidentais, como o do gelo e o do vapor. As
formas acidentais são ditas atos segundos, em relação à matéria segunda; sobrevêm a um corpo já dotado de
forma substancial.
PERGUNTAS
1) Que se entende por matéria em Filosofia?
2) Que se entende por forma correlativa à matéria ?
3) Que é união substancial?
4) Que é forma acidental?
5) Como se aplica o hilemorfismo ao ser humano?
incriado: Deus
ESPÍRITO criado, não unido à matéria: anjo
criado, unido à matéria, para nela se aperfeiçoar: alma humana (espiritual)
O espírito que é o princípio vital do organismo humano, é chamado alma humana. Esta, portanto, é
espiritual ou não material. Se a alma humana é espiritual, também é imortal, pois a imortalidade é propriedade
de todo espírito.
Procuremos agora considerar a alma humana em suas duas notas essenciais: 1) espiritual idade e 2)
Imortalidade.
43
Observa-se uma diferença entre intelectivo e racional. Intelectivo é todo ser que conhece noções universais, distinguindo essência e acidentes.
Racional é o ser cuja inteligência não é intuitiva, mas progressiva, passando de premissas a conclusões, para estabelecer novas premissas e chegar a
ulteriores conclusões. O ser humano, por exemplo, é intelectivo racional (aos poucos vai penetrando a verdade). Deus e os anjos são intelectivos não
racionais, mas intuitivos.
80 Escola Mater Ecclesiae
Paralelamente, depois de ver diversos objetos belos (uma flor, uma paisagem, um animal, uma escultura...), a
inteligência humana se emancipa dos elementos extrínsecos e concretos que apreende, e formula a definição da
beleza. A partir da percepção de situações justas e injustas, formula as noções universais de justiça e injustiça.
A Psicologia Experimental, por sua vez, corrobora estas afirmações mediante a seguinte experiência:
Disponha-se uma série de vasilhas fechadas, na primeira das quais se coloca o alimento de um macaco. O
animal, posto diante de tal série, não sabe onde encontrar a sua ração; o operador então abre a primeira vasilha e
lhe mostra o seu alimento.
Repita-se a experiência, encerrando na segunda vasilha o alimento, e não na primeira. O animal, recolocado
diante da série, é guiado pela memória sensitiva e, recordando-se do ocorrido no dia anterior, vai à primeira
vasilha. O operador então o coloca diante do segundo recipiente, do qual o animal se serve.
Num terceiro ensaio, coloque-se o alimento fechado no terceiro recipiente: guiado pelas impressões
sensíveis do ensaio anterior, o macaco se dirige para o segundo vaso... Caso se multipliquem as experiências,
verifica-se que o animal procura de cada vez o recipiente em que no ensaio anterior encontrou o que lhe
interessava. Nunca chega a abstrair dessas diversas experiências a lei da progressão que as rege. Nunca se
desvencilha das notas concretas da vasilha em que, por último, encontrou a sua ração, deduzindo que não é o
fato de ser a segunda, a terceira ou a quarta vasilha que interessa, mas o fato de ser a vasilha n + 1 (fórmula em
que n designa o número da experiência anterior). Ora uma criança sujeita a tal teste, depois de quatro ou cinco
experiências, consegue abstrair a lei n +1 do fenômeno.
Destes ensaios se conclui que o animal, por mais semelhante que seja ao homem, jamais se desembaraça da
percepção do concreto, material; ele percebe o primeiro, o segundo, o terceiro objetos...postos à sua frente, mas
é incapaz de perceber a proporção que há entre esses objetos:
1=n+1
2=n+1
3=n+1
4=n+1
5=n+1
Na coluna da esquerda temos acima a lista dos termos concretos, particulares, ao passo que na coluna da
direita temos a fórmula universal e a indicação de proporção. Ora passar da coluna da esquerda para a da
direita, percebendo a constante n + 1 por debaixo das variações 2, 3, 4, 5... é algo que só a inteligência faz,
porque só esta abstrai do concreto. O animal irracional não se eleva ao abstrato, universal. Por conseguinte, o
irracional não tem princípio de conhecimento ou princípio vital imaterial ou espiritual; a alma do macaco ou do
animal irracional é material. Ao contrário, o homem, que é capaz de abstrair do concreto singular, possui um
princípio vital ou uma alma imaterial ou espiritual.
Observe-se também: não há transição entre o material e o imaterial (ou espiritual). O espiritual não é a
matéria rarefeita ou gasosa energética, pois mesmo a matéria rarefeita e a energia elétrica são dimensionáveis
mediante números ou estão sujeitas à quantidade, ao passo que o espírito não é quantitativo nem comensurável.
2) A consciência de si mesmo
Verifica-se que os animais têm conhecimento de objetos que os cercam, ameaçando-os ou favorecendo-os. O
ser humano além deste tipo de conhecimento, possui o conhecimento de si mesmo ou a autoconsciência; o
homem não somente sente dor, mas sabe que sente dor ou que está lesado fisicamente; este fator aumenta
enormente a sua dor, pois o sujeito humano percebe que a sua moléstia o impede de trabalhar devidamente, o
que pode prejudicar a sua família, a sua carreira, o seu ideal... Possuindo o conhecimento dos objetos e de si
mesmo, o homem concebe o plano de ordenar o mundo e a si mesmo, dominando fatores estranhos ao seu ideal,
superando paixões desregradas, cultivando boas tendências, etc. Isto tudo escapa às possibilidades de um
animal irracional, pois este conhece o seu objeto concreto, singular, e é incapaz de se emancipar das notas
concretas deste e de se voltar para si mesmo de maneira sistemática a fim de se conhecer. O ser humano, ao
contrário, realiza esta introspeção, porque o seu princípio de conhecimento (intelecto) é capaz de ultrapassar o
seu objeto concreto, material para atingir o próprio sujeito...
3) A cultura e o progresso
Verifica-se que o homem intervém no ambiente natural que o cerca, modificando-o de acordo com as suas
intenções e os seus planos; cria assim a cultura, que se sobrepõe à natureza, adaptando-a ao homem; assim é
que surgem casas, estradas, cidades, fábricas, artefatos... Essa atividade científica e técnica, social e ética,
artística e religiosa, não é o produto de processos fisiológicos apenas ou de fatores materiais e econômicos tão
somente, mas se deve à ação intelectiva e planejadora da inteligência e à liberdade de arbítrio do ser humano.
81 Escola Mater Ecclesiae
Com efeito, ao conhecer a natureza que o cerca, o homem apreende as relações entre meios e fins ou as
proporções entre diversos termos e concebe projetos para melhorar o seu ambiente (o seu habitat natural, a sua
alimentação, seu vestuário, as expressões de sua arte, de seus sentimentos religiosos...) ; vai assim construindo
civilizações sucessivas... Ora o animal é incapaz de progredir em suas expressões, porque é guiado por
instintos; assim o animal. embora certeiro e apurado em seus movimentos instintivos, é incapaz de dar contas a
si mesmo do que faz e dos porquês da sua atividade; é, por isto, incapaz de se corrigir ou de se ultrapassar. Em
última análise, a raiz da diferença entre o comportamento do homem e o do animal reside no fato de que o
homem tem um princípio vital ou um princípio de atividades imaterial ou espiritual, ao passo que o animal tem
uma alma material ou confinada pelas potencialidades da matéria.
Os argumentos em prol da espiritualidade da alma humana continuarão a ser estudados no próximo Módulo,
que tratará da linguagem ou do falar do homem.
PERGUNTAS
1) Que é a Psicologia Filosófica ou Racional?
2) Que é alma? Quantos tipos de alma há ? Como se distinguem alma e espírito?
3 Que é a percepção do universal? Como se prova a espiritualidade da alma humana?
4) Como a consciência de si mesmo é sinal da espiritualidade da alma humana?
5) O progresso e a civilização estão relaciona dos com a espiritualidade da alma ?
PERGUNTAS
l) Se a alma intelectiva não funciona quando o cérebro está lesado, como se pode dizer que é espiritual?
2) Qual a diferença entre dualisno, dualidade e monismo?
3) Que é hilemorfismo? Como se aplica ao ser humano?
Conclusão
Os três argumentos apresentados em favor da imortalidade da alma se corroboram mutuamente.
Vê-se que recusar a sobrevivência pessoal e consciente do ser humano equivale a fazer do homem uma
simples peça da máquina do mundo e reduzir a história a um jogo de concorrências movidas pela esperteza e a
brutalidade. Conseqüentemente, como diz Blondel, o problema da imortalidade "torna-se a pedra de toque que
manifesta o valor das doutrinas, a chave que abre o mistério da vida" (Supplément de la Vie Spirituelle, oct.
1939, pág. [11]).
Não há dúvida, a alma, separando-se do corpo, entra em novas condições de existência: deixa de exercer as
funções da vida vegetativa e sensitiva, que dependem de órgãos corpóreos. Mas nem por isto é destituída de
suas atividades mais elevadas, que são as da vida intelectiva; ela continua a gozar das faculdades de pensar e
amar. Por conseguinte, conhece, pensa e ama, e, segundo S. Tomás,... de maneira muito mais desimpedida,
muito mais profunda e pura, do que quando unida ao corpo, que a sujeita à opacidade da matéria e às paixões da
concupiscência (cf. Suma Teológica I qu. 89).
PERGUNTAS
1) Exponha o primeiro argumento em favor da imortalidade da alma.
2) Exponha o segundo argumento.
3) Exponha o terceiro argumento.
4) Qual a importância da temática "imortalidade da alma humana"?
2.3. Sofrimento-serviço
Na sua Carta dobre a Dor Salvífica, João Paulo II alude ao sentimento de inutilidade que acomete, muitas
vezes, as pessoas que sofrem; julgam ser apenas fardo para os outros – o que as aflige e humilha. Ora a
propósito escreve o S. Padre:
"Torna-se fonte de alegria o superar o sentimento de inutilidade do sofrimento, sensação que, por vezes, está
profundamente arraigada no sofrimento humano; e isto não só desgasta o homem por dentro, mas parece fazer
dele um peso para os outros. O homem sente-se condenado a receber ajuda e assistência da parte dos outros e,
ao mesmo tempo, considera-se a si mesmo inútil. A descoberta do sentido salvífico do sofrimento em união
com Cristo transforma esta sensação deprimente. A fé na participação nos sofrimentos de Cristo traz consigo a
certeza interior de que o homem que sofre, completa o que falta aos sofrimentos do mesmo Cristo, e de que, na
dimensão espiritual da obra da Redenção, serve, como Cristo, para a salvação dos seus irmãos e irmãs.
Portanto, não só é útil aos outros, mas presta-lhes ainda um serviço insubstituível" (no 27).
O Papa frisa que o sofrimento é serviço insubstituível. E isto a dois títulos: 1) na comunhão dos santos,
aquele que se santifica contribui para santificar o mundo inteiro ("uma alma que se eleva, eleva o mundo
inteiro", diz Elizabeth Leseur); a mais íntima configuração a Cristo beneficia os irmãos; 2) aquele que sofre
com paciência e tenacidade heróicas, dá aos seus semelhantes um exemplo que os homens fortes, importantes e
violentos não conseguem dar. É dos enfermos heroicamente prostrados sobre o seu leito de dor que os homens
sadios podem aprender coragem e magnanimidade. Não fossem tais figuras pacientes, o mundo careceria de
lições valiosas e insubstituíveis. Aquele que remata uma discussão dando um murro sobre a mesa e quebrando
valores, é mais fraco do que aquele que sabe aguardar magnanimamente a hora precisa para salvar os valores
em perigo.
É preciso, pois, que se congreguem em espírito, junto à Cruz do Calvário, todos aqueles que sofrem e
acreditam em Cristo... a fim de que o oferecimento dos seus sofrimentos apresse o realizar-se da oração do
mesmo Salvador pela unidade de todos os homens (cf. Jo 17,11.21s).
Em seu último parágrafo dirige o S. Padre um apelo caloroso: "Pedimos a todos vós que sofreis, que nos
ajudeis. Precisamente a vós, que sois fracos, pedimos que vos tomeis uma fonte de força para a Igreja e para a
humanidade. Na terrível Juta entre as forças do bem e do mal, de que o nosso mundo contemporâneo nos
oferece o espetáculo, que vença o vosso sofrimento em união com a Cruz de Cristo!" (no 31).
A tal ponto o S. Padre valoriza o sofrimento aceito em união com Cristo que ele pede aos enfermos e
fisicamente fracos que o ajudem a desenvolver a sua função pastoral. Colaborem com o Papa não tanto
enviando-lhe sugestões e escritos, mas configurando-se a Cristo Redentor pregado à Cruz.
Tal é, em última análise, o significado do sofrimento para o cristão.
PERGUNTAS
1) O sofrimento é algo de positivo? Que é o mal?
2) Enuncie os dois tipos de mal que existem.
3) Como entender o sofrimento das pessoas inocentes?
4) Como a S. Escritura explica o sofrimento e a morte na realidade concreta da história?
5) Diga algo sobre o sofrimento-serviço.
APÊNDICE
O mal moral (o pecado) é mais grave do que o mal físico, conforme a razão humana, que já Platão († 347
a.C.) exprimia nos seguintes termos:
O INJUSTO E O JUSTO
Sócrates discute com Polos, ardente e verboso discípulo do sofista Górgias, a respeito do que é justo e do
que é injusto.
Polos: Na minha opinião, aquele que é levado à morte injustamente, é, ao mesmo tempo, infeliz e digno de
pena, não é verdade?
Sócrates: Ele o é menos do que aquele que o faz morrer injustamente. E também menos do que aquele que,
simplesmente, morre por causa de uma sentença justa.
Polos: Mas que absurdo! E como assim ?
Sócrates: No sentido de que o maior de todos os males é cometer a injustiça.
89 Escola Mater Ecclesiae
Polos: Será realmente este o maior de todos os males? Sofrer uma injustiça não é, porventura, um mal
maior?
Sócrates: Absolutamente, não!
Polos: Então, tu preferirias ser vítima da injustiça a cometer a injustiça?
Sócrates: Por minha parte, eu preferiria não ter de encontrar-me nem numa situação nem na outra. Mas se,
forçosamente, tivesse que haver ou uma injustiça praticada ou uma injustiça sofrida, eu preferiria sofrer uma
injustiça a cometê-la".
(Platão, Oeuvres Complètes. Bibliothèque de la Pléiade, I vol. p.406; Diálogo "Górgias", § 469).
O ângulo que se fecha, representa a vida corpórea, biológica, sujeita ao definhar e à morte, ao passo que o
ângulo que se abre designa nossa vida espiritual, elevada à filiação divina pelo Batismo e os demais
sacramentos. E em consideração desta que o Senhor Jesus pode dizer:
"Quem comer do pão que desce do céu, não morrerá" (Jo 6,50).
"Quem crê em mim, mesmo que estivesse modo, há de reviver e todo aquele que vive e crê em mim, jamais
morrerá" (Jo 11,25s).
"Em verdade, em verdade eu vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, possui a
vida eterna..., passou da morte para a vida" (Jo 5,24).
Vejamos agora
PERGUNTAS
1) Qual a relação entre morte e pecado, segundo a S. Escritura ?
2) Que fez Deus para tirar o homem da condenação à morte definitiva?
3) Como o cristão que vive o seu Batismo, encara os valores desta vida e a própria morte?
4) Como se pode dizer que a morte é o natalício do cristão?
5) Qual é a desgraça de que o cristão deve realmente ter horror?
47
2 A água viva de que fala Inácio, é símbolo do Espírito Santo, conforme Jo 7,37-39.
92 Escola Mater Ecclesiae
Lição 1: Morte - Termo Final
1. A morte coloca o homem num estado definitivo e imutável. O homem fica sendo para sempre amigo ou
inimigo de Deus, conforme as disposições que tenha ao deixar este mundo; somente enquanto peregrina na
terra, pode merecer ou desmerecer o Sumo Bem.
Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discípulos a que vigiem, pois a atitude que
tiverem assumido nesta vida em relação a Deus, definirá a sua sorte definitiva. É o que incutem as parábolas
das dez virgens (Mt 25, 1-13), dos dez talentos (Mt 25, 14-30), do ricaço e de Lázaro (Lc 16, 18-31), o quadro
do juízo final em Mt 25, 31-46...
A mesma idéia ressoa na pregação dos Apóstolos; ver Gl 6, 10; 1Cor 15, 24; 2Cor 5, 10; 6,2; Hb 3, 13. A
tradição cristã a repetiu sempre, e o Concílio do Vaticano 1 (1870), suspenso antes de concluído, estava para
promulgá-la em suas definições teológicas, nos seguintes termos:
"Depois da morte, que é o remate da nossa caminhada, todos teremos logo de nos apresentar perante o
tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a retribuição do que tiver feito de bem ou de mal quando
estava no corpo (2Cor 5, 10); depois desta vida mortal, não há mais possibilidade de penitência e justificação"
(Man si - Petit, Conc. t. LIII, 175).
2. Levanta-se agora a pergunta: não se poderia imaginar que, após a morte, a alma humana continue a
merecer e desmerecer, sujeita à mutabilidade que caracteriza a vida na terra? - A rigor, respondemos que sim. A
Palavra de Deus, porém, nos ensina que a morte é a entrada numa situação definitiva. S. Tomás de Aquino
procura ilustrar tal proposição do seguinte modo:
Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa (alma e corpo) e dotada das
faculdades que concorrem para a sua evolução (sentidos, inteligência e vontade). Ora é lógico que a decisão do
homem relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. O homem não é espírito
só, mas espírito destinado a vivificar um corpo e desenvolver-se mediante o corpo.
Verdade é que, depois da ressurreição, o corpo estará de novo unido à alma. Por que então não poderá haver
mudança de opções após a ressurreição? - Respondemos dizendo que a re-união de corpo e alma após a morte é
algo a que a natureza hu mana não tem, por si mesma, direito; é dom gratuito de Deus. O corpo então não
servirá de instrumento mediante o qual a alma mude as suas inclinações; ao contrário, as condições do corpo se
adaptarão às disposições, boas ou más, da alma, em vez de as influenciar; os justos terão um corpo glorioso, ao
passo que os réprobos terão um corpo dito "tenebroso".
3. A irrevogabilidade de um destino é algo que nós, peregrinos na terra, dificilmente concebemos; tudo o que
conhecemos neste mundo, se nos apresenta como transitório; não temos a experiência do definitivo ou da
morte. Por isto é que, fora das Escrituras Sagradas, nunca, nas crenças religiosas da humanidade, se encontra a
noção de sorte póstuma irrevogável ou definitiva.
Entregues ao próprio raciocínio, o pagão e o filósofo foram, muitas vezes, levados a imaginar a vida humana
à semelhança do ritmo da natureza. Nesta a morte não parece ser definitiva, mas sempre seguida de nova vida;
ao inverno sucede regularmente novo nascimento da vegetação na primavera; ao ocaso cotidiano do sol segue-
se sempre nova aurora. Em conseqüência, o homem, considerando-se como parcela da natureza, julgou sua vida
sujeita ao ritmo do renascimento na carne mortal, destinada a recomeçar sua peregrinação na terra. A teoria da
metempsicose ou das reencarnações sucessivas, daí resultante, tomou mais de uma forma através da história.
Seu berço é a Ásia. Os hindus a professavam na religião dos Vedas; desta, a doutrina passou para o budismo.
Do Oriente, a metempsicose entrou no sistema de vários filósofos gregos: Pitágoras, Empédodes, Platão, os
neoplatônicos...Ainda hoje está muito em voga na Teosofia, no Esoterismo, no Espiritismo... O assunto e
explicitamente abordado no Módulo 7 do nosso Curso de Novíssimos (Escatologia).
48
São Paulo, ao falar dos acontecimentos finais, costuma referir-se apenas à sorte dos justos.
94 Escola Mater Ecclesiae
Respondemos que a melhor preparação para a morte é a vida de cada dia, vivida quando estamos lúcidos ou
precisamente quando a morte ainda parece distante. É nos dias bons que nos preparamos para os dias finais e
para a morte, e não apenas quando as faculdades mentais e físicas começam a desfalecer (pois então é mais
difícil pensar, ler, orar...). A ação de sedativos e analgésicos dificulta o raciocínio e obnubila a mente. A
tendência a afastar o pensamento da morte é paradoxal, pois na verdade "a morte é a única certeza que temos
desde a infância".
Cada qual viva como desejaria morrer, prestando atenção às coisas que realmente terão algum valor naquele
momento e distinguindo-as bem de bagatelas e ninharias, que nada significarão no momento final, mas que
muito empolgam e apaixonam no decorrer desta caminhada. Procure o cristão julgar tudo como Deus julga, ou
seja, a partir da eternidade; coloque-se assim na rota e na luz do definitivo, e a morte não será um susto nem
uma desinstalação. Assuma o cristão as provações desta vida como aprendizado para o instante terminal.
Trabalhe por deixar este mundo um pouco melhor do que o encontrou, pois este aspecto entrará na prestação de
contas que cada qual fará a Deus. Ame os irmãos com sinceridade e benevolência. E principalmente ore, pois o
contato com Deus cultivado na oração é a mais viva antecipação do grande encontro final.
É tradicional pedir a Deus que nos preserve da morte subitânea e imprevista. É para desejar que estejamos
tão maduros na fé que vamos conscientemente ao encontro dá morte. A nossa vida de cada dia é como um livro,
do qual escrevemos diariamente uma página; no fim da redação, é oportuno que tenhamos um espaço de tempo
e lucidez de espírito para rever esse livro, corrigir o que nele esteja errado ou inadequado, e ainda melhorar o
que precise de ser melhorado; assim o cristão poderá entregar aos pósteros o livro de sua vida emendado e
rematado - o que será, sem dúvida, um grande presente.
Possa ainda cada qual morrer reconfortado pelos últimos sacramentos, exclamando as palavras finais da
Escritura Sagrada: "Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22,20).
A boa morte é fruto de graça especial ou do dom da perseverança final. Não é algo que se possa merecer,
mas algo que o Senhor concede, atendendo às orações dos seus fiéis. Merecer o dom da perseverança final seria
o mesmo que merecer a graça - o que é contraditório (a graça é sempre gratuita). A oração, porém, humilde e
confiante obtém o grande dom; por isto, pedir a graça de uma boa morte é coisa freqüentemente recomendada
pelos Santos e teólogos. Aliás, ao invocarmos diariamente a Virgem Santíssima na "Ave Maria", pedimos-lhe
que rogue por nós "agora e na hora da nossa morte".
PERGUNTAS
1) Após a morte, será possível mudar de opção ou converter-se para Deus? Explique bem.
2) Todos hão de morrer sem exceção?
3) Que podemos fazer no plano espiritual, em prol dos gravemente enfermos?
4) É recomendável afastar da mente o "pensar na morte"?
5) Como o cristão se pode preparar para a morte?
PERGUNTAS
1) Qual a distinção existente entre trabalho objetivo e trabalho subjetivo?
2) Como se relacionam entre si trabalho e capital? Qual dos dois tem a prioridade?
3) Como a encíclica vê o trabalho da mulher?
4) Como são avaliados os sindicatos e as greves?
5) Descreva os traços de uma espiritualidade do trabalho.
100 Escola Mater Ecclesiae
49
Para além de Deus o Pai. Em direção de uma Filosofia de Libertação da Mulher.
50
Organização protestante e ortodoxa, não católica.
101 Escola Mater Ecclesiae
inventivo e improvisado, menos substancioso e mais ambíguo" (Dra. Catharina Halkes, Gott hat nicht nur
starke Söhne. Deus não tem apenas filhos fortes, pp.36.73). Por isto algumas representantes da TF preferem
falar de Teo-fantasia a professar Teo-logia (discurso lógico a respeito de Deus).
Os círculos protestantes foram os primeiros a adotar a TF; transmitiram-na aos católicos especialmente
através de duas mulheres convertidas do protestantismo ao Catolicismo: Christa Meves e Horst Bürkle. Em
1977 a Sra. Catharina Halkes conseguiu uma cátedra na Universidade Católica de Nimega (Holanda) para
lecionar "Feminismo e Cristianismo". O Movimento se expandiu rapidamente, lançando livros, artigos e
realizando Jornadas de Estudos periodicamente: apresenta atualmente matizes diversos, pois há teólogas
feministas que querem permanecer dentro dos moldes do Cristianismo, como há algumas que abandonaram a fé
cristã como sendo um dado patriarcal, do qual nada se salva; a demarcação entre uma e outra corrente é um
tanto indistinta, como reconhece a teóloga Ursula Krattiger: "Quem se tornou feminista, só pode viver na
fronteira do mundo atual , onde já não é importante saber 'se estou dentro' ou 'se já estou fora"'. Mary Daly já
não calcula o tempo a partir do nascimento de Cristo como sendo "anos do Senhor", mas adota nova contagem:
a dos "anos das mulheres". Essas teólogas se comprazem em afirmar que estão a caminho e não pretendem
apresentar algum sistema teológico fechado; "aonde o caminho leva, elas mesmas não o sabem", conforme
Ursula Krattiger.
51
Andrógino vem do grego: anén andrós = homem; gyné, gynaikos = mulher Traduzir-se-ia por "homem-mulher".
102 Escola Mater Ecclesiae
feminismo é a teoria e o lesbianismo é a prática". Embora a maioria das feministas não compartilhe esse modo
de viver, consideram-no com certa complacência. Também se deve registrar a afinidade do Feminismo com o
Partido Verde. Está também muito próximo do movimento dito "Nova Era" (New Age), que tem sua mística e
seu "profetismo"; uma das mensageiras de New Age - Fritjof Capra - louva o Feminismo como sendo a
expressão mais autêntica da Nova Era.
Em suma, o Feminismo extremado vem a ser uma contracultura, com tendência a reestruturar toda a
sociedade. Principalmente a rejeição do que existe, o caracteriza, sem que possa oferecer um substitutivo muito
concreto. Assim é certo que repele como Sexismo qualquer diferenciação entre os sexos. Todo domínio de
pessoa sobre pessoa deve desaparecer,... mas não se sabe bem em favor de quê ...
52
Neste título gyn lembra gyné, mulher em grego.
103 Escola Mater Ecclesiae
Em 1984 Daly publicou mais um livro - Pure Lust (Puro Prazer) -, em que exalta o prazer como plenitude
do ser e consumado poder!
4.1. Antropologia
Como se percebe, a TF é, mais do que outra coisa, uma antropologia relacionada com o Transcendental. A
concepção básica é a do andrógino, que é tido como subjacente a todo indivíduo humano e que reúne em si o
masculino e o feminino. A palavra androginia é evitada pelas teólogas feministas, que preferem falar de
"totalidade" ou "conjunto". Halkes entende, por este vocábulo, a integração das polaridades (homem-mulher,
espírito-corpo) numa unidade pessoal. Por conseguinte, rejeitam a fórmula: "O homem e a mulher têm o mesmo
valor, mas de maneiras diferentes e complementares" ; em vez de complementação mútua do homem e da
mulher, pleiteiam a autonomia de cada indivíduo; a complementaridade, como quer que seja concebida, leva à
subordinação da mulher. Qualquer hierarquização, qualquer relação de submissão é o próprio Mal. A diferença
sexual (em que o masculino acaba predominando) é responsável por outras formas de subordinação ou
hierarquização: homem superior à natureza, Deus mais perfeito do que as criaturas, dirigentes da sociedade e
simples cidadãos... Subordinação significa depreciação. Por isto também as teólogas feministas rejeitam a
distinção entre corpo material e alma espiritual, devendo aquele obedecer às aspirações desta. Espírito e matéria
seriam apenas o interior e o exterior da realidade corpórea. Em conseqüência, não existe alma imortal ou
imortalidade da alma. O controle do corpo e dos seus impulsos por parte da inteligência e da vontade é uma
forma de violência.
Como dito, também é típico das teólogas feministas rejeitar o primado do raciocínio, que formula verdades
perenes. Mais importante, para elas, é a experiência; esta gera a "Teo-fantasia", em lugar da "Teo-logia". A vida
tem que ser reconhecida como ela é vivida, sem que se estabeleça uma dicotomia entre o espírito e seus
ditames, de um lado, e os anseios das paixões e dos sentidos, de outro lado. Todo tipo de controle é vestígio de
masculinidade ou de estrutura patriarcal; por isto tem que desaparecer.
5. Reflexões críticas
5.1. A Antropologia da TF
1. A tese de que todo ser humano encerra em si aspectos masculinos e aspectos femininos pode valer-se da
psicologia das profundidades de Carl Gustav Jung; este mestre ensina que todo indivíduo deve integrar em si
valores do outro sexo: a mulher integra o animus e o homem a anima.
Todavia é certo que todo indivíduo, até as mínimas células do seu organismo, é marcado pela masculinidade
ou pela feminilidade. As diferenças entre homem e mulher não são apenas evidentes no momento da
propagação da espécie, mas vão muito mais a fundo; toda a realidade psicossomática de cada indivíduo é
caracterizada por essa diferença fundamental. - O próprio Carl Gustav Jung (cujas idéias são discutidas por
outros psicólogos) reconhece as diferenças sexuais do homem e da mulher e não pretende extinguir a identidade
singular de cada sexo.
De resto, os psicólogos se comprazem em estudar as peculiaridades sexuais e mostram minúcias muito
interessantes. Assim, segundo Philipp Lersch, o homem é caracterizado pela "ex-centricidade", simbolizada por
uma linha que parte do íntimo do sujeito e se lança no mundo; ao contrário, a mulher é definida pela
centralidade, simbolizada por uma linha circular que se vai recolhendo nu m ponto central. Esta central idade
104 Escola Mater Ecclesiae
faz que a mulher tenha mais facilidade para a apreensão dos conjuntos ou do todo e tente expandir seus talentos
ao redor de si no mesmo plano, sem criar a pirâmide do poder.
Segundo o Cristianismo, o homem e a mulher não são apenas produtos transitórios da evolução cósmica,
mas criaturas de Deus sábio, que quis o masculino e o feminino como tais: "Deus criou o homem à sua imagem;
à imagem de Deus Ele o criou; homem e mulher Ele os criou... Deus viu tudo o que tinha feito; era muito bom"
(Gn 1,27.31). O homem e a mulher são imagem de Deus, desfrutando do mesmo valor, mas não da mesma
maneira. Quem quer extinguir as diferenças do masculino e do feminino, extingue a própria natureza humana,
que não é um neutro assexuado.
2. Um sinal da fragilidade dos princípios das teólogas feministas é a sua complacência para com o
lesbianismo. Este significa a extinção da espécie humana; sem complementaridade sexual, não há futuro para a
humanidade. A família, na qual o masculino e o feminino se encontram como tais num convívio enriquecedor
para ambas as partes, não pode ser alijada sem prejuízo para a espécie hu mana. O homem precisa da mulher, e
vice-versa; são as diferenças sexuais que provocam a atração mútua do homem e da mulher e ocasionam uma
comunhão de interesses e valores, à diferença da autonomia andrógina, que se opõe à colaboração harmoniosa.
É na família que se exprimem por excelência a excentricidade do homem e a centralidade da mulher; esta,
como mãe, é naturalmente voltada para os filhos e o lar, enquanto o homem procura fora de casa o sustento dos
seus; o homem tende a ser a cabeça da família e a mulher o coração, embora estes papéis possam, na vida
moderna, ser atenuados em favor de uma certa equiparação de tarefas. A propósito veja-se a Constituição
Gaudium et Spes do Concílio do Vaticano II, §§ 48-51, onde é freqüentemente citada a encíclica Casti
Connubii de Pio XI (1930).
3. À subordinação que São Paulo atribui à esposa frente ao marido (cf. Ef 5,21"33), corresponde uma
subordinação do homem à mulher, pois é esta que educa e forma o homem, quando o tem em seus braços e ao
seu lado nos primeiros anos de vida. É o que lembra o Papa João Paulo II na sua exortação Apostólica sobre a
Dignidade da Mulher no 18:
"O ser genitores - ainda que seja comum aos dois - realiza-se muito mais na mulher especialmente no
período pré-natal. É sobre a mulher que recai diretamente o peso deste comum gerar que absorve literalmente as
energias do seu corpo e da sua alma. É preciso, portanto, que o homem seja consciente de que contrai, neste seu
comum ser genitores, um débito especial para com a mulher. Nenhum programa de paridade de direitos das
mulheres e dos homens é válido, se não se tem presente isto de modo todo essencial...
A educação do filho, globalmente entendida, deveria conter em si a dúplice contribuição dos pais: a
contribuição materna e a paterna. Todavia a materna é decisiva para as bases de uma nova personalidade
humana".
4. De resto, subordinação não significa depreciação. Sem hierarquia, não pode haver sociedade; é o bom
andamento mesmo da vida social que pede haja direção e governo promulgando leis justas; esta estrutura nada
tem que ver com as diferenças entre masculino e feminino. A afirmação paulina de que em Cristo não há
homem nem mulher (cf. Gl 3,28), há de ser entendida no respectivo contexto: o Apóstolo fala do Batismo e dos
seus efeitos, que enriquecem com a graça de Deus o homem e a mulher indiferentemente. Aliás, o próprio
Apóstolo incute a diferença de funções na sociedade e na Igreja, quando propõe a imagem de um corpo, cujos
membros precisam uns dos outros, sem que possa haver menosprezo de algum (cf. l Cor 12,12-27).
De resto, o poder da mulher na sociedade tem sido mais e mais exaltado na bibliografia dos últimos tempos.
Com razão a mulher assume papéis sempre mais salientes na vida pública. Às vezes tem-se a impressão de que
as feministas querem simplesmente copiar o modelo negativo do homem machista e dominador, como se
inconscientemente estivessem sofrendo de um complexo de inferioridade.
5. Além do mais, a TF cai em contradição quando, de um lado, apregoa a mansidão e os afetos da mulher
como valores principais e, de outro lado, propugna o aborto: o seio materno torna-se assim campo de batalha e
morte. Não se poderia conceber mais brutal dominação de um indivíduo sobre outro, dominação que
precisamente a TF diz rejeitar. À mulher compete justamente segurar o braço do homem, cuja cabeça fria e
calculista pode muitas vezes cometer desatinos, desatinos que só o coração da mulher autenticamente feminina
consegue impedir.
6. A orientação do corpo e de seus afetos por parte da alma não pode ser tida como atitude de violência.
Caso não exista, o ser humano se torna escravo de suas paixões e caprichos irracionais. É a alma humana
espiritual e imortal que configura a personalidade, imprimindo seus traços à respectiva corporeidade.
PERGUNTAS
1) Segundo o Cristianismo, as diferenças entre o masculino e o feminino têm sentido?
2) Como se caracteriza a psicologia masculina? ... E a feminina... ?
3) Como entender o pensamento de S. Paulo em Gl 3,28?
4) É justificado o domínio das paixões por parte do próprio indivíduo?
5) Qual a posição católica frente á Ecologia ?
A PALAVRA DA FÉ
(Catecismo da Igreja Católica)
DEUS É PAI
238. A invocação de Deus como Pai é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes
considerada como pai dos deuses e dos homens. Em Israel, Deus é chamado de pai enquanto Criador do mundo.
Deus é Pai, mais ainda, em razão da Aliança e do dom da Lei a Israel, seu 'filho primogênito' (Ex 4,22). É
também chamado de Pai do rei de Israel. Muito particularmente ele é 'o Pai dos pobres', do órfão e da viúva,
que estão sob a sua proteção de amor.
239. Ao designar a Deus com o nome de "Pai", a linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que
Deus é origem primeira de tudo e autoridade transcendente, e que ao mesmo tempo é bondade e solicitude de
amor para todos os seus filhos. Esta ternura paterna de Deus pode também ser expressa pela imagem da
maternidade, que indica mais a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a sua criatura. A linguagem da fé
inspira-se assim na experiência hu mana dos pais (genitores), que são de certo modo os primeiros
representantes de Deus para o homem. Mas esta experiência humana ensina também que os pais humanos são
falíveis e que podem desfigurar o rosto da paternidade e da maternidade. Convém então lembrar que Deus
transcende a distinção humana dos sexos. Ele não é nem homem nem mulher, é Deus. Transcende também à
paternidade e à maternidade humana, embora seja a sua origem e a medida: ninguém é pai como Deus o é.
IGUALDADE E DIFERENÇA QUERIDAS POR DEUS
369. O homem e a mulher são criados, isto é, são queridos por Deus: por um lado, em uma perfeita
igualdade enquanto pessoas humanas, e por outro, no seu ser respectivo de homem e de mulher. 'Ser homem',
'ser mulher' é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível que
lhes vem diretamente de Deus, seu Criador. O homem e a mulher são criados em idêntica grande dignidade, 'à
imagem de Deus'. No seu 'ser-homem' e seu 'ser-mulher', refletem a sabedoria e a bondade do Criador.
370. Deus não é de modo algum à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito,
não havendo nele lugar para a diferença dos sexos. Mas as perfeições do homem e da mulher refletem algo da
infinita perfeição de Deus: as de uma mãe e as de um pai e esposo".
53
Esta mesma Mensagem prossegue nos seguintes termos não citados por João Paulo II: "Vós, mulheres, vós tendes sempre, como
responsabilidade, a guarda do lar o amor das fontes, o sentido da maturidade. Vós estais presentes ao mistério da vida que começa.
Vós consolais na partida da morte. Nossa técnica corre o risco de se tornar desumana. Reconciliai os homens com a vida. E,
sobretudo, velai, nós vos suplicamos, sobre o futuro da nossa espécie. Segurar a mão do homem que, num momento de loucura,
tentasse destruir a civilização humana" (ib.).
54
Pode-se acrescentar a partir de 19/10/97, a inclusão de S. Teresinha de Lisieux no catálogo das Doutoras (nota da redação).
107 Escola Mater Ecclesiae
mãe: tal como uma mãe, Deus carregou no próprio regaço a humanidade e, particularmente, o seu povo
escolhido, deu-o à luz na dor, nutriu-o e consolou-o (cf. Is 42,14; 46, 3s)" (no 8).
Ao usar tais imagens, os autores sagrados não esquecem as limitações da semelhança ou da analogia
existente entre Deus e o homem: "Deus não é homem para que minta, nem filho de Adão para que se retrate.
Por acaso Ele diz e não o faz, fala e não realiza?" (Nm 23,19; cf. Os 11,9; Is 40,18; 46,5). Afinal há mais
dissemelhanças do que semelhanças entre Deus e o homem: Deus é "o Diverso" por essência, "o totalmente
Outro", "Aquele que habita uma luz inacessível" (1Tm 6,16). Estas dissemelhanças se aplicam especialmente à
paternidade divina comparada à paternidade humana: embora se derive de Deus toda paternidade nos céus e na
terra (Ef 3,14s), a paternidade divina não implica as características corpóreas (masculinas ou femininas) que
marcam o gerar humano.
PERGUNTAS
1) Que se entende por Proto-Evangelho? E pelo título "Nova Eva "?
2) Como Jesus trata as mulheres no Evangelho ?
3) Qual o sentido cristão da maternidade?
4) Qual o sentido cristão da virgindade?
5) Que é que valoriza alguém aos olhos de Deus?:
1. Gratidão
O ponto de partida deste diálogo ideal não pode ser senão um obrigado. A Igreja – escrevia na Carta
Apostólica Mulieris Dignitatem - "deseja render graças à Santíssima Trindade pelo "mistério da mulher" - por
113 Escola Mater Ecclesiae
toda mulher - e por aquilo que constitui a eterna medida da sua dignidade feminina, pelas "grandes obras de
Deus" que, na história das gerações humanas, nela e por seu meio se realizaram" (n. 31).
O obrigado ao Senhor pelo seu desígnio sobre a vocação e a missão da mulher no mundo torna-se também
um concreto e direto obrigado às mulheres, a cada mulher, por aquilo que ela representa na vida da
humanidade.
Obrigado a ti, mulher-mãe, que te fazes ventre do ser humano na alegria e no sofrimento de uma experiência
única, que te torna o sorriso de Deus pela criatura que é dada à luz, que te faz guia dos seus primeiros passos,
amparo do seu crescimento, ponto de referência por todo o caminho da vida.
Obrigado a ti, mulher-esposa, que unes irrevogavelmente o teu destino ao de um homem, numa relação de
recíproco dom, ao serviço da comunhão e da vida.
Obrigado a ti, mulher-filha e mulher-irmã, que levas ao núcleo familiar, e depois à inteira vida social, as
riquezas da tua sensibilidade, da tua intuição, da tua generosidade e da tua constância.
Obrigado a ti, mulher-trabalhadora, empenhada em todos os âmbitos da vida social, econômica, cultural,
artística, política, pela contribuição indispensável que dás à elaboração de uma cultura capaz de conjugar razão
e sentimento, a uma concepção da vida sempre aberta ao sentido do "mistério", à edificação de estruturas
econômicas e políticas mais ricas de humanidade.
Obrigado a ti, mulher-consagrada, que, a exemplo da maior de todas as mulheres, a Mãe de Cristo, Verbo
Encarnado, te abres com docilidade e fidelidade ao amor de Deus, ajudando a Igreja e a humanidade inteira a
viver para com Deus uma resposta "esponsal", que exprime maravilhosamente a comunhão que Ele quer
estabelecer com a sua criatura.
Obrigado a ti, mulher, pelo simples fato de seres mulher! Com a percepção que é própria da tua
feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e contribuis para a verdade plena das relações humanas.
2. O Reconhecimento da Mulher
Mas agradecer não basta, já sei. Infelizmente, somos herdeiros de uma história com imensos
condicionalismos que, em todos os tempos e latitudes, tornaram difícil o caminho da mulher, ignorada na sua
dignidade, deturpada nas suas prerrogativas, não raro marginalizada e, até mesmo, reduzida à escravidão. Isto
impediu-a de ser profundamente ela mesma, e empobreceu a humanidade inteira de autênticas riquezas
espirituais. Não seria certamente fácil atribuir precisas responsabilidades, atendendo à força das sedimentações
culturais que, ao longo dos séculos, plasmaram mentalidades e instituições. Mas, se nisto tiveram
responsabilidades objetivas mesmo não poucos filhos da Igreja, especialmente em determinados contextos
históricos, lamento-o sinceramente. Que este pesar se traduza, para toda a Igreja, num compromisso de
renovada fidelidade à inspi ração evangélica que, precisamente no tema da libertação das mulheres de toda
forma de abuso e de domínio, tem uma mensagem de perene atualidade, que brota da atitude mesma de Cristo.
Ele, superando as normas em vigor na cultura do seu tempo, teve para com as mulheres uma atitude de abertura,
de respeito, de acolhimento, de ternura. Honrava assim, na mulher, a dignidade que ela sempre teve no projeto e
no amor de Deus. Ao fixar o olhar n'Ele, no final deste segundo milênio, vem-nos espontaneamente a pergunta:
em que medida a sua mensagem foi recebida e posta em prática?
Sim, é tempo de olhar, com a coragem da memória e o sincero reconhecimento das responsabilidades, a
longa história da humanidade, para a qual as mulheres deram uma contribuição não inferior à dos homens, e a
maior parte das vezes em condições muito mais desfavoráveis. Penso, de modo especial, nas mulheres que
amaram a cultura e a arte, e às mesmas se dedicaram partindo de condições desvantajosas, excluídas
freqüentemente de uma educação paritária, submetidas à inferiorização, ao anonimato e até mesmo à
expropriação da sua contribuição intelectual. infelizmente, da obra imensa das mulheres na história, bem pouco
restou de significativo com os métodos da historiografia científica. Mas, por sorte, se o tempo sepultou os seus
vestígios documentais, não é possível não perceber os seus influxos benfazejos na seiva vital que impregna o
ser das gerações, que se foram sucedendo até à nossa. Relativamente a esta grande, imensa "tradição" feminina,
a humanidade tem uma dívida incalculável. Quantas mulheres foram e continuam ainda a ser valorizadas mais
pelo aspecto físico que pela competência, pela profissionalidade, pelas obras da inteligência, pela riqueza da sua
sensibilidade e, em última análise, pela própria dignidade do seu ser
3. Igualdade de Direitos
Que dizer também dos obstáculos que, em tantas partes do mundo, impedem ainda às mulheres a sua plena
inserção na vida social, política e econômica? Basta pensar como, com freqüência, é mais penalizado que
gratificado o dom da maternidade, à qual, todavia, a humanidade deve a sua própria sobrevivência. Certamente,
resta ainda muito a fazer para que o ser mulher e mãe não comporte discriminação. Urge conseguir, onde quer
114 Escola Mater Ecclesiae
que seja, a igualdade efetiva dos direitos da pessoa e, portanto, idêntica retribuição salarial por categoria de
trabalho, tutela da mãe-trabalhadora, justa promoção na carreira, igualdade entre cônjuges no direito de família,
o reconhecimento de tudo quanto está ligado aos direitos e aos deveres do cidadão num regime democrático.
Trata-se não só de um ato de justiça, mas também de uma necessidade. Na política do futuro, os graves
problemas em aberto verão sempre mais envolvida a mulher: tempo livre, qualidade da vida, migrações,
serviços sociais, eutanásia, droga, saúde e assistência, ecologia, etc. Em todos estes campos, se revelará
preciosa uma maior presença social da mulher, porque contribuirá para manifestar as contradições de uma
sociedade organizada sobre critérios de eficiência e produtividade, e obrigará a reformular os sistemas a bem
dos processos de humanização que delineiam a "civilização do amor".
4. O Heroísmo Feminino
Pensando, depois, a um dos aspectos mais delicados da situação feminina no mundo, como não lembrar a
longa e humilhante história - com freqüência, "subterrânea" - de abusos perpetrados contra as mulheres no
campo da sexualidade? No limiar do terceiro milênio, não podemos permanecer impassíveis e resignados diante
deste fenômeno. Está na hora de condenar vigorosamente, dando vida a apropriados instrumentos legislativos
de defesa, as formas de violência sexual, que não raro têm a mulher por objeto. Mais, em nome do respeito pela
pessoa, não podemos não denunciar a difusa cultura hedonista e mercantilista que promove a exploração
sistemática da sexualidade, levando mesmo meninas de menor idade a cair no circuito da corrupção e a permitir
comercializar o próprio corpo.
Por outro lado, diante de tais perversões, quanto louvor merecem as mulheres que, com amor heróico pela
sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de relações sexuais impostas pela força; e isto não só no
quadro das atrocidades que, infelizmente, se verificam nos contextos de guerras, ainda tão freqüentes no
mundo, mas também nas situações de bem-estar e de paz, não raro viciadas por uma cultura de permissivismo
hedonista, na qual prosperam facilmente também tendências de machismo agressivo. Nestas condições, a
escolha do aborto, que permanece sempre um pecado grave, antes de ser uma responsabilidade atribuível à
mulher, é um crime que deve ser imputado ao homem e à cumplicidade do ambiente circundante.
Assim, o meu "obrigado" às mulheres converte-se num premente apelo a que, da parte de todos,
particularmente dos Estados e das Instituições Internacionais, se faça o que for preciso para devolver à mulher o
pleno respeito da sua dignidade e do seu papel. A este propósito, não posso deixar de manifestar a minha
admiração pelas mulheres de boa vontade que se dedicaram a defender a dignidade da condição feminina,
através da conquista de direitos fundamentais sociais, econômicos e políticos, e assumiram corajosamente tal
iniciativa em épocas em que este seu empenho era considerado um ato de transgressão, um sinal de falta de
feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez um pecado!
Como escrevi na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano, ao contemplar este grande processo de
libertação da mulher, pode-se dizer que "foi um caminho difícil e complexo e, por vezes, não isento de erros,
mas substancialmente positivo, apesar de ainda incompleto, devido a tantos obstáculos que, em diversas partes
do mundo, se interpõem não deixando que a mulher seja reconhecida, respeitada, valorizada na sua peculiar
dignidade" (no 4).
É preciso continuar neste caminho! Estou convencido, porém, de que o segredo para percorrer
diligentemente a estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa só pela denúncia, apesar de
necessária, das discriminações e das injustiças, mas passa também, e sobretudo, por um eficaz e claro projeto de
promoção, que englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de uma renovada e universal tomada de
consciência da dignidade da mulher. Ao reconhecimento desta, não obstante os múltiplos condicionalismos
históricos, leva-nos a própria razão, que capta a lei de Deus inscrita no coração de cada homem. Mas é
sobretudo a Palavra de Deus, que nos permite identificar com clareza o radical fundamento antropológico da
dignidade da mulher, apontando-o no desígnio de Deus sobre a humanidade.
5. O Livro do Gênesis
Permiti-me, pois, caríssimas irmãs, que juntamente convosco, medite uma vez mais aquela página bíblica
maravilhosa que mostra a criação do homem, e na qual se exprime bem a vossa dignidade e missão no mundo.
O Livro do Gênesis fala da criação, de modo sintético e com linguagem poética e simbólica, mas
profundamente verdadeira: "Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou varão
e mulher" (Gn 1, 27). O ato criador de Deus desenvolve-se segundo um preciso projeto. Antes de mais, diz que
o homem é criado "à imagem e semelhança de Deus" (cf. Gn 1, 26), expressão que esclarece logo a
peculiaridade do homem no conjunto da obra da criação.
115 Escola Mater Ecclesiae
Depois, diz que ele, desde o início, é criado como "varão e mulher" (Gn1, 27). A mesma Sagrada Escritura
fornece a interpretação deste dado: o homem, mesmo encontrando-se rodeado pelas inumeráveis criaturas do
mundo visível, dá-se conta de estar só (cf. Gn 2, 20). Deus intervém para fazê-lo sair desta situação de solidão:
"não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele" (Gn 2, 18). Portanto na
criação da mulher está inscrito, desde o início, o princípio do auxílio: auxílio - note-se - não unilateral, mas
recíproco. A mulher é o complemento do homem, como o homem é o complemento da mulher: mulher e
homem são entre si complementares. A feminilidade realiza o "humano" tanto como a masculinidade, mas com
uma modulação distinta e complementar.
Quando o Gênesis fala de "auxiliar", não se refere só ao âmbito do agir, mas também ao do ser. Feminilidade
e masculinidade são entre si complementares, não só do ponto de vista físico e psíquico, mas também
ontológico. Só mediante a duplicidade do "masculino" e do "feminino" é que o "humano" se realiza
plenamente.
(Continua no próximo Módulo)
7. O Gênio da Mulher
9. Faço votos pois, caríssimas irmãs, para que se reflita com particular atenção sobre o tema do gênio da
mulher, não só para nele reconhecer os traços de um preciso desígnio de Deus, que há-de ser acolhido e
116 Escola Mater Ecclesiae
honrado, mas também para lhe dar mais espaço no conjunto da vida social, bem como da vida eclesial.
Precisamente sobre este tema, de resto já considerado por ocasião do Ano Mariano, pude deter-me amplamente
na mencionada Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, publicada em 1988. Além disso, este ano, por ocasião
da Quinta-Feira Santa, quis unir idealmente a Mulieris Dignitatem à habitual Carta que envio aos sacerdotes
convidando-os a refletirem sobre o significativo papel que na sua vida desempenha a mulher como mãe, como
irmã e como colaboradora nas obras de apostolado. Esta é outra dimensão - distinta da conjugal, mas
importante também - daquele auxílio que a mulher, segundo o Gênesis, é chamada a prestar ao homem.
A Igreja vê, em Maria, a máxima expressão do gênio feminino e encontra nela uma fonte incessante de
inspiração. Maria definiu-se serva do Senhor (cf. Lc 1,38). Foi por obediência à Palavra de Deus que ela
acolheu a sua vocação privilegiada, mas nada fácil, de esposa e mãe da família de Nazaré. Pondo-se ao serviço
de Deus, ela colocou-se também ao serviço dos homens: um serviço de amor. Este mesmo serviço permitiu-lhe
realizar na sua vida a experiência de um misterioso, mas autêntico reinar. Não é por acaso que é invocada como
Rainha do céu e da terra. Assim a invoca toda a comunidade dos crentes; invocam-na como Rainha muitas
nações e povos. O seu reinar é servir! O seu servir é reinar!
Assim deveria ser entendida a autoridade, tanto na família, como na sociedade e na Igreja. O reinar é
revelação da vocação fundamental do ser humano, enquanto criado à imagem daquele que é Senhor do céu e da
terra, e chamado em Cristo seu filho adotivo. O homem é a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus
por si mesma, como ensina o Concílio Vaticano II, o qual, de modo significativo, acrescenta que o homem não
se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo (Gaudium et Spes,24).
Nisto consiste o materno reinar de Maria. Tendo-se feito, com todo o seu ser, Dom para o seu Filho, ela veio
a tornar-se também dom para os filhos e filhas de todo o gênero humano, gerando uma profundíssima confiança
em quem a ela recorre para ser guiado pelos caminhos difíceis da vida até ao próprio destino definitivo e
transcendente. Cada um chega através das etapas da própria vocação a esta meta final, uma meta que orienta o
empenho na história tanto do homem como da mulher.
9. Conclusão
11. Vede, portanto, caríssimas irmãs, quantos motivos tem a Igreja para desejar que, na próxima Conferência
promovida em Pequim pelas Nações Unidas, se ponha em evidência a verdade plena sobre a mulher. Seja
colocado realmente em devido relevo o gênio da mulher, tendo em conta não somente as mulheres grandes e
famosas, do passado ou nossas contemporâneas, mas também as mulheres simples, que exprimem o seu talento
feminino com o serviço aos outros na normalidade do quotidiano. De fato, é no doar-se aos outros na vida de
cada dia, que a mulher encontra a profunda vocação da própria vida, ela que talvez mais que o próprio homem
vê o homem, porque o vê com o coração. Vê-o independentemente dos vários sistemas ideológicos e políticos.
Vê-o na sua grandeza e nos seus limites, procurando ir ao seu encontro e ser-lhe de auxílio. Deste modo,
realiza-se na história da humanidade o fundamental desígnio do Criador e aparece à luz incessantemente, na
variedade das vocações, a beleza - não só física, mas sobretudo espiritual - que Deus prodigalizou desde o
início à criatura humana e especialmente à mulher.
Ao mesmo tempo que, na minha oração, confio ao Senhor o bom êxito do importante encontro de Pequim,
convido as comunidades eclesiais a fazer do ano em curso ocasião para uma profunda ação de graças ao Criador
e ao Redentor do mundo precisamente pelo Dom de um bem tão grande como é o da feminilidade: esta, nas
suas múltiplas expressões, pertence ao patrimônio constitutivo da humanidade e da mesma Igreja.
Que Maria, Rainha do amor, vele pelas mulheres e pela sua missão ao serviço da humanidade, da paz, da
difusão do Reino de Deus! Com a minha Bênção Apostólica. Vaticano, 29 de junho de 1995, solenidade dos
Apóstolos S. Pedro e S. Paulo. Joannes Paulus PP.II
Os Módulos 36 e 37 deste Curso tem o caráter de documentário, que servirá à reflexão dos leitores, sem o
habitual questionário.
Família Cristã
2204. Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã, que
também, por isso, se pode e deve chamar igreja doméstica. É uma comunidade de fé, de esperança e de
caridade; na Igreja ela tem uma importância singular, como se vê no Novo Testamento.
2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Sua atividade procriadora e educadora é o reflexo da obra criadora do Pai. A família é chamada
a partilhar a oração e o sacrifício de Cristo. A oração cotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortificam nela a
caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.
2206. As relações dentro da família acarretam uma afinidade de sentimentos, de afetos e de interesses,
afinidade essa que provém sobretudo do respeito mútuo entre as pessoas. A família é uma comunidade
privilegiada chamada a realizar uma comunhão de alma no bem-querer, a decisão comum dos esposos e a
diligente cooperação dos pais na educação dos filhos.
PERGUNTAS
1) Em que consistiu o problema da alma das mulheres?
2) Como se resolveu?
3) Explique a questão lingüística subjacente ao problema.
A.FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA
Referida a formação do primeiro homem (Gn 2,7), o autor sagrado descreve o habitáculo em que Deus o
colocou: o chamado "paraíso terrestre" (2,8-15).
O estilo minucioso desta secção dá-lhe certa solenidade; mostra que o hagiógrafo lhe atribuía importância;
muito chamou a atenção dos teólogos, e também dos curiosos, no decorrer dos séculos.
Procuremos o significado desse paraíso, esclarecendo, antes do mais, a respectiva topografia.
55
Os Judeus e aqueles dentre os cristãos que seguiam a cosmologia judaica não teriam dificuldade em atribuir-lhes origem comum:
seria o oceano, que cercava a terra e dava origem a todos os rios.
56
Cf. Apocalipse de Baruque sírio 4,1-4; 51,9ss; 4 Esdras 3,6; 4,7s; 8,52.
121 Escola Mater Ecclesiae
Lição 2: O Significado Teológico do Paraíso
Diante da conclusão acima, alguns exegetas recentes propuseram a questão: Não será que o problema
mesmo está mal formulado?
O motivo desta dúvida é o seguinte: as sentenças enumeradas pressupõem que o autor sagrado nos queira
fornecer dados geográficos para localizarmos o jardim dos primeiros pais; supõem, pois, uma preocupação de
índole meramente topográfica, natural, na Sagrada Escritura. Ora as conclusões da exegese moderna têm
inculcado que tais pressupostos não se verificam: o que os hagiógrafos querem comunicar é a verdade religiosa;
ensinamentos de outra ordem não entravam, como tais, na sua tarefa de escritores sagrados; eram sempre
subordinados a uma finalidade religiosa. Donde argumentam: não sendo evidente que os quatro nomes de rios,
em Gn 2, 10-14, querem ser indicações topográficas (mas, ao contrário, sendo claro que não se podem entender
como dados geográficos), será preciso admitir que, conforme a finalidade de toda a narrativa de Gn 2 e da
Bíblia mesma, estes nomes têm significado não geográfico, mas religioso. Após aprofundados estudos da
literatura antiga, os autores hoje em dia chegam mesmo à conclusão de que os quatro nomes de rios citados
querem ser entendidos como indicações de qualidades, índices de valores, que servem para realçar verdades
religiosas contidas em Gn 2.
Eis como expõem e comprovam tal sentença.
O hagiógrafo, intencionando em Gn 2 inculcar a excelência do estado a que Deus elevou o primeiro homem,
quis ilustrar tal excelência também pelo seu modo de descrever a primeira mansão que Deus assinalou ao
homem; esta deveria ser apresentada bem harmoniosa, condigna de uma criatura altamente agraciada pelo
Criador (a Teologia ensina, sim, que Adão foi elevado a grande dignidade sobrenatural). Ora, para alcançar este
fim, o hagiógrafo julgou oportuno propor o paraíso irrigado por quatro rios.
O rio é sempre (e o era principalmente para o Oriental) um fator e símbolo de fecundidade, vida e
civilização (basta recordar que a vida do Egito se concentra toda em torno do Nilo);
quatro é o número que, conforme os antigos, simbolizava a totalidade das coisas deste mundo; 57 por
conseguinte, quatro rios significam toda a fecundidade, todos os benefícios, que as águas fluentes possam
trazer a uma região.
E, para mais ainda inculcar a sua tese, o autor quis dar aos quatro rios simbólicos os nomes de quatro
imponentes caudais: tal era certamente, para o Oriental, o Eufrates, nomeado sem ulterior explicação;58 tal era
o Tigre, caracterizado por correr a leste de Assur, capital de próspero Império até 1300 a.C.; o valor benéfico
do Fison é indicado por correr este rio em torno de uma terra rica em substâncias preciosas: ouro, pedra de
ônix, resina aromática; quanto ao Gehon, bastava dizer que tocava a Mesopotâmia, de um lado, e a Etiópia
(Cuche), de outro lado, para indicar pujança.
Em conclusão, pois, afirmar-se-á que os quatro rios paradisíacos devem ser interpretados como uma
expressão figurada da riqueza e dos encantos que ornavam a primeira vida do homem. O oriental incluía no
conceito de parque agradável a abundância de águas (os quatro rios, vv. 10-l 4), luz e sol ("a Oriente", v.8),
vegetação (as árvores plantadas por Deus, v. 9).
A fim de ilustrar, senão comprovar, esta explicação dos rios paradisíacos, os exegetas, com bom direito,
chamam a atenção para duas outras passagens da Sagrada Escritura e umas considerações de história literária:
1) Eclo 24,23.25: 'Á Lei de Moisés difunde a sabedoria como o Fison, e como o Tigre na primavera; é cheia
de sentido como o Eufrates...; faz jorrar a ciência... como o Gehon no tempo da vindêmia (isto é, da cheia)".
É este o único trecho de toda a Sagrada Escritura em que são de novo mencionados conjuntamente os quatro
rios paradisíacos. O seu autor tinha certamente em vista o texto de Gênesis; estabelece uma comparação da Lei
mosaica - algo de ótimo - com os quatro rios benéficos, e, usando a partícula "como", faz notar explicitamente
que está comparando. Todavia na linguagem humana, particularmente em hebraico, não é rara a comparação
"decurtata", ou seja, destituída de qualquer termo que indique claramente comparação. Pergunta-se, pois, se não
há em Gn 2, 10-14 uma dessas comparações implícitas, que diria: a harmoniosa mansão do primeiro homem era
semelhante a um jardim imaginariamente irrigado pelos mais benéficos rios do mundo.
2) Em Is 10,28.34, o profeta descreve de forma dramática uma futura incursão do exército assírio sobre
Jerusalém ; menciona etapa por etapa dos invasores como se estes fossem descer de Norte a Sul, para
finalmente, diante de Jerusalém, sucumbirem a inesperada derrota. Ora na realidade a incursão verificou-se e
terminou com o portentoso revés dos Assírios; todavia o itinerário anunciado por [saías não foi observado, pois
57
Alguns monarcas da Babilônia, no 3o milênio a.C., para significar seu domínio universal, cognominavam-se "Reis das quatro partes
do mundo". Na Sagrada Escritura, "as quatro extremidades da terra" (Is 11,12), "os quatro ventos" (Jr 49,36; Ez 37, 9; Dn 11,4; Mt
24,31) designam o mundo inteiro; cf. também Ap 7,1.
58
O Eufrates, na Sagrada Escritura, é não raro dito "o grande rio" (cf. Gn 15,18; Dt 1,7; Js 1,4) ou simplesmente o "rio" (cf Gn 31,21;
Ex 23, 31; SI 17,8).
122 Escola Mater Ecclesiae
os inimigos caíram sobre a Cidade Santa provindos do sudoeste (cf. Is 36s). Teria o profeta, por conseguinte,
errado em seu vaticínio? - Não, responde a sã exegese. O que Isaías intencionava, era predizer a incursão sobre
Jerusalém e a prodigiosa libertação desta cidade no sumo perigo. Dentro desta perspectiva, o itinerário era algo
de subordinado; servia, antes, de ornamento literário ao termo do vaticínio; por isto Deus não o revelou ao
profeta; em conseqüência, Isaías descreveu o percurso dos inimigos baseando-se nas experiências anteriores: os
Assírios, como os Babilônios, costumavam entrar na Palestina pelo Norte (cf. Jr 1,14). O profeta assim
colocava um acontecimento futuro, que ele predizia com segurança, dentro do seu ambiente ou "milieu"
provável, sem, porém, intencionar envolver sua autoridade neste pormenor acidental.
Ora algo de semelhante se terá dado em Gn 2, 8-14. Deus não quis revelar ao hagiógrafo a situação
geográfica do paraíso, minúcia que não interessava à finalidade religiosa do texto. Por conseguinte, o autor
sagrado referiu os dados que a tradição lhe fornecia ("o jardim era tal, irrigado pelos quatro ditos rios"), não,
porém, enquanto poderiam ser indicações topográficas, mas enquanto neles via um meio apto para exprimir a
bonança e a felicidade existentes no paraíso. – O paralelo assim estabelecido entre Is 10, 28-34 e Gn 2,8-14 se
funda no fato de que, conforme bons exegetas católicos, há uma analogia entre o estilo, muito ornamentado,
simbólico, com que os Profetas descreviam os acontecimentos futuros, e a forma literária com que o autor de
Gn 1-l1 narrava alguns feitos ou traços do passado; tais exegetas falam de uma "visão profética dos
acontecimentos pretéritos", paralela à "visão profética dos acontecimentos futuros".
PERGUNTAS
1) Afinal onde ficava o paraíso terrestre?
2) Que significado tem o paraíso terrestre?
3) Em que se baseia a interpretação teológica dada ao paraíso terrestre?
PERGUNTAS
1) Que é que se chama 'justiça original"?
2) Que elementos compreendia a justiça original?
3) Em que consistiu o pecado dos primeiros pais?
4) Que dizer da interpretação sexual do pecado dos primeiros pais ?
5) Que se entende por pecado original originante e pecado original originado?
6) Quais as conseqüências do pecado de Adão para os seus descendentes?
126 Escola Mater Ecclesiae
7) Deus é vingativo, punindo os filhos por causa dos pais?
PERGUNTAS
1) Qual o texto que mais inspirou os Padres da igreja ao abordarem o tema do pecado original?
2) Como justificavam os Padres da Igreja o Batismo de crianças?
3) Que ensinava o Pelagianismo? Como S. Agostinho lhe respondeu?
4) Que ensinavam os reformadores protestantes do século XVI e como lhes respondeu o Concílio de Trento?
5) Qual o ensinamento do Concílio do Vaticano II a respeito?
PERGUNTAS
1) Em que consiste o domínio de que os primeiros pais gozavam antes do pecado?
2) Como se relaciona a doutrina de pecado original com a obra da Redenção?
3) Qual foi o pecado dos primeiros pais ?
4) Quais as conseqüências do pecado para os primeiros pais?... E para os seus descendentes?
5) O pecado original nas crianças é culpa pessoal delas?
Lição 2: Um Problema
Pergunta-se: e Deus Pai não sabia que Adão seria infiel, tornando infelizes todos os seus descendentes? E, se
o sabia, porque depositou tanta responsabilidade sobre Adão?
- Não há dúvida, Deus Pai previa a desobediência de Adão. Esta havia de decorrer exclusivamente da
liberdade de arbítrio do primeiro homem; Deus não a provocou. Para impedi-la, o Criador deveria ter retirado
ou suspenso milagrosamente o livre arbítrio que Ele havia dado como característica da nobreza humana. Ora o
Senhor Deus não quis retirar, por pouco que fosse, o que Ele havia outorgado. Não o quis, pois isto seria
indigno. Mas, usando de maior sabedoria e magnanimidade, Deus Pai se comprometeu consigo mesmo a
remediar maravilhosamente à desgraça do gênero humano decaído; tomaria ocasião da própria falta de Adão
para derramar maior amor e maior bondade sobre o gênero humano.
Ensina S. Agostinho que Deus "jamais teria permitido existisse qualquer mal em suas obras, se a sua
Onipotência e a sua Bondade não fossem tais que pudesse tirar do próprio mal o bem" (Enchiridion III 11).
Este solene princípio, reafirmado mais tarde por S. Tomás, é como que a chave que abre o mistério do pecado
neste mundo; é ele que ilumina o procedimento aparentemente frio e desconcertante de Deus frente à liberdade
humana; Deus não faz o que julgamos deveria fazer, porque quer fazer algo de muito mais sábio e grandioso.
Admitida esta norma, esvanece-se a perplexidade ocasionada pela história do pecado original: Deus quis, sim,
respeitar até o fim a liberdade do homem, mas houve por bem servir-se da própria ruína do homem para o
beneficiar ainda mais.
E como o beneficiou ainda mais?
Cristo, centro da história, veio ao mundo não somente como Mestre e Modelo, mas também como
Instaurador de uma ordem de coisas ainda mais estupenda do que a inicial; não veio apenas para restabelecer o
homem no estado donde decaíra, mas para elevá-lo a destino mais sublime.
Escrevem os teólogos carmelitas de Salamanca (séc. XVII) :
"Seria desordem e como que uma espécie de crueldade permitir o mal em vista apenas de o reparar e de nos
reconduzir ao nosso estado inicial. lsto, porém, não se dá quando o mal é permitido em função de um grande
bem que de longe ultrapassa esse mal e o apaga... Ora eis aqui o caso. Se Deus permitiu a catástrofe humana,
não foi apenas para lhe dar remédio posteriormente, mas foi na previsão da glória de Cristo Redentor cuja
dignidade supera de muito a malícia da queda permitida ...; foi outrossim em vista de um bem maior do gênero
humano mesmo, que recebe mediante o sangue de Cristo uma graça mais abundante e uma suprema nobreza"
(De Incarnatione, disp. 2, dub. 1 no 36).
É São Tomás († 1274) quem escreve:
"Nada impede que a natureza humana tenha sido elevada a um estado melhor após o pecado. Com efeito,
Deus permite que os males aconteçam para deles tirar maior bem. Donde a palavra de São Paulo aos Romanos:
'Onde o pecado abundou, a graça superabundou' (5,20). E o canto do 'Exultet': 'Ó feliz culpa, que mereceu tal e
tão grande Redentor! "' (S. Teol. II qu. l. art. 3, ad 3).
É o que permite ao Cardeal Charles Joumet, em nossos dias, concluir:
'A quem pergunta por que o poder de Deus não impediu, por algum milagre, o pecado do primeiro homem,
pode-se responder que ele se preparava a compensá-lo sobejamente por um milagre mais estupendo" (Le Mal,
Desclée de Brouwer 1961, pág. 284).
Enfim, Deus jamais teria permitido a queda do homem se no mesmo instante divino e eterno não tivesse
previsto a Redenção.
Lição 3: Objeta-se . . .
Contudo ainda uma objeção surge espontaneamente: O mundo atual, constantemente visitado pela dor, pelas
epidemias, mentiras e injustiças, o mundo que se convulsiona em guerras intercontinentais, aterrorizado pela
bomba atômica, manchado pelos campos de concentração e as câmaras de gás, tal mundo de hoje após a vinda
de Cristo como pode ser considerado melhor, em seu conjunto, do que o mundo anterior à culpa, em que havia
132 Escola Mater Ecclesiae
inocência apenas e nenhuma aflição? Existe em nosso mundo de hoje algum bem que não existisse no paraíso
terrestre e que compense sobejamente o peso quase esmagador das misérias atuais?
Eis o núcleo mais íntimo de todo o problema do pecado original e da Redenção; eis o ponto decisivo da
questão debatida nestas páginas.
Uma resposta cabal jamais poderia ser dada com a filosofia ou com o raciocínio apenas. É a fé que a
formula.
Ora a fé ensina que Cristo, o segundo Adão, o novo Pai do gênero humano, não é mero homem, mas é o
Filho eterno de Deus, possuindo dignidade infinita. Ele comunica aos homens a sua vida mediante o Batismo
ou o sacramento da regeneração; não lhes dá apenas vida humana, mas vida imortal, eterna, fazendo-os
participar da comunhão de vida do próprio Deus (Pai, Filho e Espírito Santo).
Para fazer-nos solidários consigo, com sua bem-aventurança infinita, Cristo fez-se primeiramente solidário
conosco, com nossas misérias e nossa morte; não as quis cancelar ou apagar da história, pois constituem a
sanção que em justiça o gênero humano deve carregar, afim de que a ordem seja devidamente reparada; Cristo
preferiu assumir tais misérias, passar por elas e acompanhar-nos na dor e na morte, afim de transfigurar esses
males, tornando-os vestíbulo para a ressurreição e a glória. Conseqüentemente afirma São Paulo:
"É digna de crédito esta palavra:
Se morrermos com Ele (Cristo), com Ele viveremos,
Se nos conservarmos firmes com Ele, com Ele reinaremos.
Se O renegarmos, também Ele nos renegará.
Se somos infiéis, Ele permanece fiel,
Pois não se pode renegar a Si mesmo" (2Tm2,11-13)
O que quer dizer: se compartilharmos o sofrimento e a morte com Cristo, ressuscitaremos triunfantes com
Ele. Se O rejeitarmos de maneira definitiva na hora da nossa morte, Ele reconhecerá e respeitará a nossa recusa.
Mas, se O repudiarmos transitoriamente nos altos e baixos da vida cotidiana, sempre O encontraremos pronto a
nos receber de volta. Podemos estar certos de que Ele nunca retirará de nós o seu convite e a sua solidariedade,
pois, em caso contrário, se desdiria e não seria Deus.
É a inabalável certeza destas verdades que, para o cristão, torna refulgente o espectro sinistro do sofrimento,
transformando a cruz, patíbulo de ignomínia, em árvore de vida. O mundo de hoje é ambivalente aos olhos da
fé: profundo motivo de dor, sim, mas também, e mais ainda, profundo motivo de exultação.
O cristão não se ilude; não julga que, com o decorrer dos tempos, haverá menos pecado e menos pranto nesta
terra; com efeito, a Escritura Sagrada, no Evangelho e no Apocalipse, prediz a multiplicação de iniqüidades e
aflições no fim da história. Contudo o cristão sabe que, quanto mais íntima lhe é a participação da Cruz do
Senhor, tanto mais bela será também a sua partilha no Reino de Cristo.
É nestes termos que a visão cristã do mundo é otimista. Ela não receia dizer que houve uma queda original e
que carregamos as conseqüências desta queda; mas ela afirma a existência de uma Providência Divina, que,
respeitando o livre jogo da vontade humana e suas conseqüências, não permite as quedas senão afim de as fazer
servir a maiores bens. Todo homem que toma consciência disto, concebe a grande preocupação de ser
incondicionalmente fiel a Deus em todas as conjunturas da sua existência; só Ele pode fazer da ignominia
glória, e da morte vida.
PERGUNTAS
1) Qual é o primeiro Homem-compêndio no plano do Pai?
2) Como o primeiro Adão respondeu ao desígnio de Deus?
3) Deus não sabia que Adão ia pecar? Por que permitiu?
4) O mundo de hoje é realmente melhor do que o estado paradisíaco dos primeiros pais?
l) Responsabilidade coletiva
É real mente difícil aceitar a idéia de que todos paguem por uma culpa que não cometeram. Todavia o
conceito de responsabilidade coletiva não está necessariamente implicado na doutrina do pecado original.
Notemos o seguinte:
- O Catecismo da Igreja Católica afirma que "o pecado original não tem, em nenhum descendente de Adão,
um caráter de falta pessoal. É a privação da justiça e da santidade originais" (no 405).
Com outras palavras: o pecado original não pode ser tido como uma culpa que Deus impute a todo o gênero
humano; a Teologia não ensina que a culpa pessoal de Adão se transmite a todos os seus descendentes.
Em linguagem exata, deve-se dizer: O pecado original tem a índole de culpa em Adão apenas; a este só é ele
imputável. Nos descendentes de Adão, o pecado original significa carência dos dons sobrenaturais que Adão
possuía e que ele perdeu ao se afastar de Deus. Se tivesse perseverado na inocência, Adão teria sido
simultaneamente pai e sacerdote; teria transmitido a seus filhos, juntamente com a natureza humana, os dons
sobrenaturais ou a filiação divina. Após o pecado, Adão só pôde transmitir a natureza humana destituída do seu
ornato original. Ora esta ordem de coisas que, aos olhos da razão, nada tem de extraordinário, aos olhos de
Deus e da fé, é uma aberração ou um desvio do que deveria ser segundo os desígnios de Criador.
Tal aberração é, sem dúvida, inculpada da parte dos filhos de Adão; todavia ela não deixa de ser real; ela se
entende logicamente dentro do conjunto das verdades da fé. É a ela que se dá, por analogia 62, o nome de pecado
62
Esta expressão é muito importante: significa que o conceito de pecado não se realiza do mesmo modo nos primeiros pais e nos seus descendentes.
135 Escola Mater Ecclesiae
original. É uma nódoa que afeta diretamente a natureza humana como tal e, indiretamente, cada um dos
membros da natureza humana.
Pode-se comprovar, dentro de uma visão de fé, que o pecado original com que nascemos, não é culpa
pessoal nossa, pela seguinte consideração:
Uma criança pequena que morra com o pecado original (sem o Batismo, portanto), não é tratada como
alguém que morra com um pecado pessoal: tal criança não vai nem para o purgatório nem para o inferno.
Segundo teólogos seguidores de S. Anselmo de Cantuária († 1109), toca-lhe o limbo. Este não significa punição
nem expiação, mas, sim, felicidade: a felicidade de que a natureza humana pode gozar, independentemente de
qualquer elevação sobrenatural. O limbo é comparável à herança que compete a alguém por ser membro de
determinada família, ao passo que o céu é semelhante à sorte grande... sorte grande que ninguém tem o direito
de reivindicar.
É de lembrar, porém, que a existência do limbo não constitui dogma de fé: muitos e bons teólogos admitem
que Deus dê a todas as crianças meios para se salvar, caso não sejam batizadas; tais meios seriam a oração
oficial da Igreja, a ofertas dos filhos a Deus por parte dos pais.
Em conseqüência das considerações acima, vê-se que não é oportuno falar de responsabilidade coletiva,
como se todos os homens tivessem que responder pelo desatino de um só.
É mais adequado falar de solidariedade.
Inegavelmente os homens são solidários entre si. Note-se que há vínculos de solidariedade voluntários, como
os de educação, cultura, profissão, etc. ; e há vínculos de solidariedade naturais, anteriores a qualquer ato de
vontade, como são os de família e estirpe. Estes vínculos naturais são inevitáveis; para que um ser humano
exista, ele deve nascer dentro de alguma família, em determinada região do globo e em alguma fase da história.
Pois bem; o pecado original tem seu fundamento lógico e compreensível na solidariedade mais natural possível,
solidariedade que decorre do fato de que todos os homens compartilham da mesma natureza e, por geração, são
consangüíneos entre si; compreende-se então que, caso esta natureza esteja desordenada em sua origem, todos
os seus membros hão de aparecer neste mundo portadores da desordem original.
3) E o Poligenismo?
A respeito ver Módulo 17
4) Otimismo e pecado original
Para evitar equívocos neste setor, parecem ser úteis as seguintes considerações:
a) Não se deve acentuar exageradamente a perfeição do estado primitivo da humanidade dito de justiça
original. Terá sido um estado digno de todo apreço, mas do ponto de vista religioso e moral apenas, não sob o
aspecto da civilização ou da cultura. Os primeiros homens de que fala o Gênesis, podem muito bem ter tido a
configuração rudimentar ou grosseira de que dão indícios os fósseis da pré-história; não é necessário que hajam
vivido de modo diferente daquele que conjeturam as ciências naturais. Mesmo as idéias religiosas de Adão
poderão ter sido puras, sim, mas sob a forma de intuições concretas semelhantes às dos povos primitivos e das
crianças; não se tratava de altos conhecimentos teológicos. - Vê-se, pois, que as clássicas descrições do paraíso
terrestre não devem em absoluto ser identificadas com a doutrina da fé.
b) O estado de justiça original assim concebido foi de breve duração, pois afetou apenas o primeiro homem
antes que pecasse. Compreende-se, pois, que não tenha deixado vestígios na pré-história nem haja
necessariamente influído no curso natural de evolução do gênero humano. As pesquisas paleontológicas não
podem nem provar nem recusar empiricamente a existência de tal estado.
136 Escola Mater Ecclesiae
c) Também não se deve ceder a otimismo desmedido ao conceber a evolução da humanidade. É verdade que
o progresso material se faz sentir de maneira cada vez mais impressionante; verifica-se, porém, que tal
progresso não é sempre acompanhado de elevação moral correspondente. O fascínio que a matéria exerce sobre
muitos homens, faz que os valores da consciência e da filosofia sejam não raro obliterados e menosprezados.
O desajuste entre o aspecto material e o moral da evolução do homem é fenômeno intrigante, que certos
teólogos vêem como indício de uma desordem inicial da história.
Conclusão
Os autores que procuram novas formas de explicar o pecado original, caem muitas vezes em considerações
sutis ou em hipóteses, sem dúvida, muito eruditas, mas um tanto vagas e gratuitas.
Alguns como Schoonenberg e Smulders, em última análise, reduzem o conceito de pecado original ao do
"pecado do mundo", como se não fosse mais do que o acúmulo de faltas pessoais que se cometeram desde o
início da história, fazendo que todo homem seja desde os seus primeiros anos seduzido para o mal.
Em particular, a noção de "imaculadas conceições" proposta por Schoonenberg é insustentável dentro do
conjunto da mensagem cristã: segundo esta, somente a Virgem SS. foi imaculada em sua conceição. Mais
ainda: seria absurdo dizer que depois de Cristo não há as imaculadas conceições que antes havia.
A hipótese de Flick e Alszeghy é vulnerável pelo fato de apelar para o conceito de personalidade coletiva.
Em conclusão, deve-se dizer que a doutrina do pecado original pertence estritamente ao domínio da fé; não
pode ser provada, mas também não é contraditada pela razão humana.
PERGUNTAS
1) A clássica doutrina do pecado original implica responsabilidade coletiva? Explique bem.
2) Pode-se dizer que o ato biológico de gerar é pecaminoso?
3) A clássica doutrina do pecado original opõe-se a uma visão otimista da história ?
4) A vontade salvífica universal de Deus exclui a clássica concepção de pecado original?
Ver também:
W SCHMIDT Der Ursprung der Gottesidee. Munster i./W., 6 volumes.
P SCHEBESTA, Die Religion der Primitiven, em Christus und die Religionen der Erde. Handbuch der
Religionsgeschichte, herausgegeben von Fr. König 1. Wien 1951, 565s.
PERGUNTAS
1) Diga que significado tem os dizeres dos povos primitivos sobre a origem da morte para a doutrina católica
da morte. Reflita sobre o assunto.
2) Diga o mesmo, após reler os depoimentos referentes ao Demônio Adversário. Queira refletir sobre a
temática.
63
A razão deste fato é provavelmente a necessidade de evitar qualquer insinuação de politeísmo.
140 Escola Mater Ecclesiae
Como se vê, o anjo do Senhor é figura ambígua: ora distinta de Deus, ora identifica-se com Deus. Em última
análise, pode-se dizer que se trata de um mensageiro distinto de Deus, mas investido pelo Senhor com
determinada missão e plenos poderes, de modo que é o próprio Deus quem intervém e age por meio do seu
mal'ak.
2. No Antigo Testamento, mesmo nos livros mais arcaicos, os anjos desempenham diversas funções:
a) Anjos protetores:
Gn 24, 7: Quando Abraão envia seu servo Eleazar procurar uma mulher para seu filho, diz-lhe: "O Senhor
mandará seu anjo diante de ti para que tomes lá uma mulher para meu filho".
Ex 23,20-23: Disse o Senhor ao seu povo: "Enviarei um anjo diante de tique te guardará pelo caminho e te
levará ao lugar que te tenho preparado. Respeita a sua presença e observa a sua ordem e não sejas rebelde,
porque ele não perdoará a vossa transgressão, pois nele está o meu Nome... Meu anjo caminhará diante de ti e te
conduzirá à terra dos amorreus..."
Gn 48,16: "O anjo que me salvou de todo mal, abençoe estas crianças (Manassés e Efraim)", disse Jacó.
SI 34 (33),8: "O anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem, e os liberta" CL SI 91 (90), lo-13.
Dn 6,23: "Deus enviou-me o seu anjo e fechou a boca dos leões, de tal modo que não me fizeram mal".
b) Anjos cortesãos de Deus:
Gn 28,12: Jacó teve um sonho: eis que uma escada se erguia sobre a terra e o seu topo atingia o céu, e o
anjos de Deus subiam e desciam por ela".
Tb 12,15: "Eu sou Rafael, um dos sete anjos que estão sempre presentes e têm acesso junto à glória do
Senhor".
SI 89 (88),8: "Deus é terrível no conselho dos Santos".
1 Rs 22,19: "Eu vi o Senhor no trono e todo o exército do céu estava diante dele", disse o Profeta Miquéias
(cf. 2Cr 18, 18).
Quando a Escritura se refere ao "Deus dos exércitos", tem em vista as criaturas visíveis e invisíveis, que lhe
obedecem disciplinadamente.
64
No Alcorão, Gabriel é tido como o interlocutor de Maomé, portador de mensagem celeste. O seu nome árabe é Djibal.
141 Escola Mater Ecclesiae
(Quem é como Deus?), apresentado como um grande Príncipe da corte celeste (cf. Dn lo,13; 12,1) ; o anjo
protetor de cada povo (Dn lo,13.20).
Os apócrifos ampliaram a noção de atividade dos anjos, atribuindo-lhes a regência dos astros (Henoque
etíope 72,1.3; Henoque eslavo 19,2), dos ventos, dos raios, dos trovões, das chuvas, das estações do ano, etc.
Embora os livros canônicos só revelem os nomes de três anjos (como acima dito), os apócrifos imaginaram
outros nomes, como: Uriel (= Luz de Deus), o interlocutor no 4°. livro de Esdras; Jeremiel (4Esdr 4,36);
Selatiel ou Salatiel (= Oração de Deus) ; Jehudiel (= Louvação de Deus), Baraquiel (= Benção de Deus) ; são
nomes teofóricos, pois o sufixo EI significa Deus.
PERGUNTAS
1) Como aparece o mal'ak do Senhor nos livros bíblicos mais antigos?
2) Que é que favoreceu mais nítida concepção de anjos no Antigo Testamento?
3) Quais as principais funções dos anjos na Escritura Sagrada?
4) Como aparecem os anjos no Novo Testamento ?
5) Existe algum texto bíblico que fale explicitamente da queda dos anjos?
65
Jacobitas são monofisitas sírios que voltaram ao seio da Igreja.
145 Escola Mater Ecclesiae
fundamentavam-se em longa série de pronunciamentos anteriores do Magistério (baseados, por sua vez, sobre a
S. Escritura e a Tradição).
PERGUNTAS
Diga em síntese, o que o Magistério da Igreja propõe a respeito dos anjos bons e maus.
146 Escola Mater Ecclesiae
PARTE IV: OS ANJOS: C) APROFUNDAMENTO SISTEMÁTICO
PERGUNTAS
1) Os anjos têm corpo? ... corpo sutil?
2) Quando foram criados?
3) Foram elevados á ordem sobrenatural?
4) Perseveraram todos na fidelidade a Deus?
5) Que são e quais são os coros angélicos?
6) Como se desenvolveu a devoção aos anjos?
149 Escola Mater Ecclesiae
71
C-S- Lewis, The Screwtape Letters, Harper and Collins, London 1991, p. l1.
152 Escola Mater Ecclesiae
PERGUNTAS
1) Em que consiste o pecado dos anjos?
2) Os anjos maus podem arrepender-se ? Serão restaurados no bem ? Por quê ?
3) Que significam os nomes Beelzebul, Lúcifer Sátiro?
4) Em que sentido se pode dizer que Satanás era o Príncipe ou o Deus deste mundo?
5) Porque o demônio tenta os homens? Qual o papel de Deus diante deste fato?
6) Como Satanás tenta os homens? Como evitar as tentações?
Lição 2: O Exorcismo
A palavra exorcismo vem do grego exorkismós, derivado do verbo exorkízo, fazer prestar juramento;
exorkismós seria o ato de fazer prestar juramento. Na linguagem eclesiástica tornou-se o ato de conjurar ou
afastar e desviar o Maligno.
Distinguem-se dois tipos de exorcismo:
- o exorcismo simples, que ocorre no Ritual do Batismo, do qual consta "a renúncia a Satanás, às suas
pompas e às suas obras". Impropriamente certas orações que pedem o afastamento de Satanás, são chamadas
"exorcismos simples";
- o exorcismo solene: é um sacramental, que consta de solenes orações a ser proferidas tão somente por um
Bispo ou por um sacerdote devidamente designado pelo Bispo de sua Diocese.73
Então é toda a Igreja que reza e pede a Deus a expulsão do Maligno. Eis o que a propósito diz o Direito
Canônico:
"Cânon 1172 - § 1o- Ninguém pode fazer legitimamente exorcismos em possessos a não ser que tenha obtido
licença especial e explícita do Ordinário local.
§ 2o Essa licença seja concedida pelo Ordinário local somente a sacerdote que se distinga pela piedade,
ciência, prudência e integridade de vida ".
Por sua vez, o Catecismo da Igreja Católica § 1673 reza o seguinte:
"Quando a Igreja exige publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objeto
sejam protegidos contra a influência do Maligno e subtraídos a seu domínio, fala-se de exorcismo. Jesus o
praticou, é dele que a Igreja recebeu o poder e o encargo de exorcizar. Sob uma forma simples, o exorcismo é
praticado durante a celebração do Batismo. O exorcismo solene, chamado 'grande exorcismo [ só pode ser
praticado por um sacerdote, com a permissão do Bispo. Nele é necessário proceder com prudência, observando
estritamente as regras estabelecidas pela Igreja. O exorcismo visa a expulsar os demônios ou livrar da
influência demoníaca, e isto pela autoridade espiritual que Jesus confiou á sua Igreja. Bem diferente é o caso de
doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da ciência médica. É importante, pois, assegurar-se,
antes de celebrar o exorcismo, se se trata de uma presença do Maligno ou de uma doença".
Ainda é de notar a advertência da Congregação para a Doutrina da Fé, que, em 29/09/1985, pedia aos fiéis
católicos sobriedade no tocante ao recurso aos exorcismos. Dirigia-se aos Srs. Bispos do mundo inteiro nos
seguintes termos:
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
00193 Roma, dia 29 de setembro de 1985
Piazza del S. Ufficio 11
Prot. na 291/70
Excelentíssimo Senhor, Já há alguns anos, certos grupos eclesiais multiplicam reuniões para orar no intuito
de obter a libertação do influxo dos demônios, embora não se trate de exorcismo propriamente dito. Tais
reuniões são efetuadas sob a direção de leigos, mesmo quando está presente um sacerdote.
Visto que a Congregação para a Doutrina da Fé foi interrogada a respeito do que pensar diante de tais fatos,
este Dicastério julga necessário transmitir a todos os Ordinários a seguinte resposta:
1. O Cânon 11 72 do Código de Direito Canônico declara que a ninguém é lícito proferir exorcismo sobre
pessoas possessas a não ser que o Ordinário do lugar tenha concedido peculiar e explícita licença para tanto
(§1); determina também que esta licença só pode ser concedida pelo Ordinário do lugar a um presbítero dotado
de piedade, sabedoria, prudência e integridade de vida (§2). Por conseguinte, os Srs. Bispos são convidados a
urgir a observância de tais preceitos.
72
Referência colhida no livro de Gabriele Amorth "Um Exorcista conta-nos", pp.53s.
73
Sacramentais são certos objetos (água benta, velas bentas, medalhas, terços...) ou cenas ações (bênçãos, consagrações, exorcismos... ), dos quais a
Igreja se serve para obter efeitos espirituais. O valor dos sacramentais procede do poder de intercessão da Igreja.
154 Escola Mater Ecclesiae
2. Destas prescrições segue-se que não é lícito aos fiéis cristãos utilizar a fórmula de exorcismo contra
Satanás e os anjos apóstatas, contida no Rito que foi publicado por ordem do Sumo Pontífice - Leão XIII; muito
menos lhes é lícito aplicar o texto inteiro deste exorcismo. Os Srs. Bispos tratem de admoestar os fiéis a
propósito, desde que haja necessidade.
3. Por fim, pelas mesmas razões os Srs. Bispos são solicitados a que vigiem para que - mesmo nos casos que
pareçam revelar algum influxo do diabo, com exclusão da autêntica possessão diabólica -, pessoas não
devidamente autorizadas não orientem reuniões nas quais façam orações para obter a expulsão do demônio,
orações que diretamente interpelem os demônios ou manifestem o anseio de conhecer a identidade dos mesmos.
A formulação destas normas de modo nenhum deve dissuadir os fiéis de rezar para que, como Jesus nos
ensinou, sejam livres do mal (cf. Mt 6,13). Além disto, os Pastores poderão valer-se desta oportunidade para
lembrar o que a Tradição da Igreja ensina a respeito da função própria dos Sacramentos e a propósito da
intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos na luta espiritual dos cristãos contra os
espíritos malignos.
Aproveito o ensejo para exprimir a V. Excia. meus sentimentos de estima, enquanto lhe fico sendo dedicado
no Senhor
Joseph Card. Ratzinger - Prefeito
† Alberto Bovone - Secretário"
PERGUNTAS
1) Que se entende por obsessão diabólica ?
2) Que vem a ser possessão diabólica? Que sintomas a caracterizam?
3) Que é um exorcismo simples? Que é que a Igreja propõe a respeito?
4) Que é um exorcismo solene? Defina o que é um sacramental.
5) Quem pode aplicar o exorcismo solene?
6) Que diz Santa Teresa de Ávila sobre o Maligno?
Lição 3: Em Síntese
O que mais caracteriza o Satanismo, é a inversão dos valores: o que é, objetivamente falando, falso ou
errôneo, passa a ser considerado modelo correto e benéfico, que o indivíduo adota e transmite a seus
semelhantes.
Com isto está associada a aspiração à liberdade,... liberdade absoluta, formulada no seguinte axioma de
Croweyl: "Fazer o que tu queres - eis toda a lei". Isto quer dizer na prática que a liberdade do indivíduo não
termina onde começa a liberdade do vizinho.
157 Escola Mater Ecclesiae
A pretensa exaltação ou o endeusamento do homem cedo ou tarde deve chocar-se com a evidência das
limitações ou da finitude de todo ser humano. Tal choque é altamente amargo e frustrativo, podendo ter graves
conseqüências sobre a saúde física e psíquica da pessoa. O Satanismo é nutrido por forte tensão emocional e
poderosa atitude irracional, que se camuflam sob a capa de novas descobertas da razão e do saber do homem.
Assim um mal profundo, que mina e solapa o ser humano, se esconde sob aparências "atraentes": prazer sexual,
conquista do poder, procura de dinheiro e sucesso, narcisismo exacerbado... Os crimes perpetrados em grupos
satânicos dão testemunho da irracionalidade ou da loucura que move tais seitas.
PERGUNTAS
1) Que é o Satanismo?
2) Como é concebido Satanás nas seitas satânicas?
3) Como se manifesta o curto a Satanás?
4) Quem é que o homem moderno procura no culto a Satanás?
5) Quais as causas que favorecem o Satanismo?
6) Que resposta você daria ao Satanismo?
Escreva suas respostas em folhas à pane, e mande-as, com o nome e o endereço do (a) Cursista, para:
CURSOS POR CORRESPONDÊNCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970 Rio de Janeiro (RJ).
Caro (a) Cursista, aqui termina o nosso Curso. Que o Criador, mediante seus Anjos, nos faça ver este mundo
como reflexo da sua sabedoria, nos preserve de todo pecado e oriente nossos passos para chegarmos à visão
face-a-face da Beleza Infinita!
159 Escola Mater Ecclesiae
OS MESTRES E OS ANJOS
1.SÃO JOÃO DA CRUZ
São João da Cruz, o grande doutor místico da Igreja, atribui aos anjos uma ação constante e fiel na
santificação das almas. Eis algumas frases do santo:
"Olha que teu Anjo da Guarda nem sempre move o apetite para agir embora sempre ilumine a razão.
Portanto, não esperes pelo gosto para praticar a virtude: que te baste a razão e o entendimento " (D 35).
"Quando o apetite está posto em outra coisa, não dá lugar a que o anjo o mova" (D 36). "Todas as obras e
inspirações vindas dos anjos, diz a Sagrada Escritura, com verdade e propriedade, vêm deles e de Deus ao
mesmo tempo. O Senhor efetivamente, costuma comunicar suas vontades aos anjos, e eles as vão, por sua vez,
comunicando uns aos outros sem dilação alguma, como um raio de sol que atravessasse vários vidros colocados
na mesma linha. O raio, embora atravesse todos, todavia, atravessa-os um por um, e cada vidro transmite luz ao
outro, modificada na proporção em que a recebe, com maior ou menor esplendor e força, quanto mais ou menos
cada vidro está perto do sol" (2N 12, 3).