Gottfried Böhm e Sua Obra No Brasil
Gottfried Böhm e Sua Obra No Brasil
Gottfried Böhm e Sua Obra No Brasil
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João Francisco Noll, Gottfried Böhm, Elisabeth Böhm e Silvia Odebrecht, escritório
do arquiteto, Colônia, Alemanha
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
Uma pesquisa realizada no âmbito do Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Regional de Blumenau – FURB – sobre arquitetura moderna, que está
desenvolvendo o inventário arquitetônico em Blumenau e região, levou ao
interesse em conhecer a história da construção da então igreja matriz da
cidade (1953-61), hoje Catedral de São Paulo Apóstolo, e de conhecer
pessoalmente o arquiteto Gottfried Böhm, autor desse projeto e também dos
projetos da Igreja São Luis Gonzaga (1953-62), em Brusque, da Igreja Nossa
Senhora da Piedade e de um centro de acolhida de crianças portadoras de
deficiências visuais, de Tubarão, da Igreja São Francisco Xavier, de Joinville
e de uma residência em Itajaí, todos em Santa Catarina, os quatro últimos não
executados. Para alcançar este intuito realizou-se uma viagem a Colônia, na
Alemanha, onde mora o arquiteto, para sabermos um pouco mais sobre suas obras
no Brasil. Não foi exatamente uma entrevista, mas uma conversa informal num
aconchegante ambiente envidraçado com visuais para um vistoso jardim, num dia
chuvoso, na qual tudo se relaciona com arquitetura.
Em 1985, antes da reunificação alemã, Böhm foi convidado pelo então chanceler
Helmut Kohl para fazer, confidencialmente, um projeto para a reconstrução do
Reichstag, em Berlin. Böhm desenvolveu a ideia da cúpula de vidro do
parlamento, em cujo topo passarelas helicoidais proporcionassem vistas aos
visitantes, tanto das atividades dos políticos – como forma de fiscalizá-los -
como das adjacentes paisagens urbanas. Em 1992, quando da realização do
concurso internacional, seu projeto tornou-se público e disponibilizado aos
arquitetos participantes como informação complementar. Böhm não estava
diretamente envolvido na sua implementação, mas algumas de suas originais
ideias fizeram-se presentes no projeto vencedor apresentado por Norman Foster.
Gottfried Böhm
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
2. Projetos no Brasil
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Igreja de Blumenau
Perspectiva de Gottfried Böhm [Arquivo Histórico do Museu Alemão de Arquitetura,
Frankfurt]
Silvia Odebrecht: Como o Sr. veio a realizar projetos no Brasil, mais
precisamente em Santa Catarina?
Gottfried Böhm: Os padres franciscanos convidaram meu pai Dominikus Böhm (1)
para realizar o projeto da nova Igreja Matriz de Blumenau. Como meu pai não
pode viajar naquele momento, indicou que eu fosse em seu lugar. Inicialmente
os padres não acreditaram que eu pudesse realizar um bom projeto, e se
posicionaram receosos. Todavia, isso eu fiz em aproximadamente um mês. A
partir deste projeto eles já puderam realizar a construção. Naturalmente
depois, aqui na Alemanha, eu ainda fiz os detalhamentos, mas o projeto em si
foi desenvolvido em Blumenau. E neste meio tempo, veio o Sr. Renaux, de
Brusque, e viu como eu estava trabalhando; e foi assim que ele também
encomendou uma igreja para sua cidade. No entanto, esse projeto não foi
desenvolvido no Brasil, mas já de volta, aqui em Colônia.
SO: O Frei Brás Reuter, idealizador do projeto em Blumenau, conhecia seu pai,
Dominikus? Como foi este contato?
GB: Não, meu pai nunca esteve no Brasil. Um outro padre, de quem não lembro o
nome, esteve aqui e fez o contato com meu pai, e foi ele que me levou a
Blumenau.
João Francisco Noll: Quantas vezes o senhor esteve no Brasil?
GB: Eu estive cinco vezes no Brasil. A primeira vez que eu voei para lá foi em
janeiro de 1953, quando os aviões ainda eram de hélice. Para mim esta viagem
foi muito excitante; os motores esquentavam muito e pela noite ficavam
incandescentes, parecia que iam pegar fogo. Sempre que eu estive no Brasil
também estive em Blumenau. A igreja de Blumenau eu conheci concluída, pois
estive lá, com minha esposa Elisabeth (2), na inauguração. Nós fomos com um
navio cargueiro numa viagem de três semanas. Eu também estive pessoalmente em
Brusque.
Igreja Nossa Senhora do Rosário, Presidente Getúlio SC, década de 1960, projeto do
arquiteto Dominikus Böhm, pai de Gottfried Böhm
Foto divulgação [Acervo da Paróquia Nossa Senhora do Rosário]
JFN: Quantos projetos o senhor realizou para Santa Catarina? E no Brasil,
foram realizados projetos para outros estados?
GB: Somente realizei projetos para Santa Catarina. A igreja de Blumenau e a
igreja de Brusque. Para Tubarão eu fiz um projeto para uma catedral, mas não
sei se ela foi construída. Aliás, para Tubarão eu fiz dois projetos, uma
catedral e um abrigo para crianças. Temos que procurar no meu livro onde estão
esses projetos. Por favor pegue aí em cima o meu livro, aí dentro está o
croqui da igreja para Tubarão.
JFN: E a igreja de Presidente Getúlio?
GB: Sim, é uma igreja pequena. Este projeto é de meu pai, Dominikus Böhm. Ela
é anterior. Quando eu fui para o Brasil acho que sua construção já estava
praticamente pronta. Naquela época eu fui visitá-la (3).
SO: E os originais de seus projetos, poderíamos ter acesso a eles?
GB: Os originais estão no Museu Alemão de Arquitetura em Frankfurt. Vocês
poderiam ir até lá e provavelmente conseguirão cópias dos projetos (4).
JFN: A igreja em Blumenau foi construída conforme o projeto? E a torre já
fazia parte do projeto inicial?
GB: Sim, igreja e torre nasceram juntas. Para mim, o início, lá em Blumenau,
não foi nada fácil. Em primeiro lugar, eles esperavam meu pai, o famoso
Dominikus (5), e aí apareceu um jovem rapaz. Depois, os padres franciscanos me
disponibilizaram uma grande sala de aula na escola ao lado, já que era período
de férias. Os materiais necessários para desenvolver o projeto, como papel e
outros, creio que eu havia levado junto. Eles me deixaram lá sozinho e estava
extremamente quente. Assim, eu tive que tirar a roupa e colocar algo debaixo
para não molhar o papel dos desenhos com o suor. Isto se deu com muita
dificuldade (6). A todo instante chegava um padre e entrava para espiar o que
eu estava fazendo. Até que eu fiz uma grande perspectiva, de um metro de
altura. Quando eles viram a perspectiva o gelo se quebrou. Então à noite fui
convidado para ir ao convento, pois eles ficaram realmente entusiasmados. A
partir de então eles tornaram-se muito amáveis.
Depois deste episódio, até fui com os padres à praia onde eles possuíam um
terreno com uma pequena casa. Foi naquela praia, que agora se transformou numa
cidade muito grande, e onde, naquela época, somente existiam casas
unifamiliares (7). Ela era tão encantadora e hoje ficou tão horrível. Para
esse lugar também desenvolvi um projeto de uma residência para o jovem Renaux
(8). Esta casa também está no meu livro.
3
A igreja de Presidente Getúlio foi construída a partir do projeto realizado em
Colônia, Alemanha, entre 1949-51, conforme os originais encontrados nos arquivos da
Paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Presidente Getúlio, SC.
4
Em posterior visita ao Museu Alemão de Arquitetura em Frankfurt, tivemos acesso a
alguns originais no respectivo Arquivo Histórico, onde nos foi permitido fotografar
os documentos, como as impressionantes perspectivas de grandes dimensões.
5
Dominikus foi pioneiro no conceito de um volume único, de uma igreja de planta
aberta. Suas obras tendem para o expressionismo, mas mantém um forte senso de
geometria e materialidade. Ao reduzir a forma da igreja à sua forma essencial, e
jogar uma sofisticada iluminação natural sobre o altar, ele criou uma nova tradição
de moderna arquitetura de igrejas. Em particular, ele usou a luz como material de
construção e como parte da liturgia católica.
6
Blumenau é uma cidade com alto índice de umidade relativa do ar, e por isso a
transpiração é elevada no verão.
7
Gottfried estava fazendo referência à Balneário Camboriú SC.
8
Conforme documento encontrado no arquivo histórico do Museu Alemão de Arquitetura
em Frankfurt, a localização da residência Renaux é em Itajaí, cuja perspectiva
apresenta o título “Residência junto ao mar”. Portanto, provavelmente deve tratar-
se de Cabeçudas, balneário próximo à Balneário Camboriú e pertencente ao município
de Itajaí.
9
Paul Böhm (1959) é o filho mais novo de Gottfried Böhm.
Igreja de Blumenau
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
notas
10
Conforme consta gravado no vitral da igreja, estes foram executados em 1957 por
Lorenz Heilmair, proprietário da Arte Sul, São Paulo.
11
Trata-se da Igreja St. Maria Königin, edificada entre 1952 e 1954.
12
St. Gertrud é uma paróquia no Bairro Agnes na cidade nova de Colônia, projetada em
1960 e construída entre 1962 e 1965. Em 1967 o arquiteto Gottfried Böhm recebeu por
esta obra, com suas formas assimétricas e construção em concreto aparente, o prêmio
alemão de arquitetura.
13
St. Engelbert é uma igreja católica construída entre 1930 e 1932 a partir de um
projeto do arquiteto Dominikus Böhm, e constitui-se na primeira igreja de
Arquitetura Moderna na cidade de Colônia.
14
Trata-se da Igreja Cristo Ressuscitado, edificada entre 1963 e 1970.
15
Peter Böhm (1954) é o terceiro filho de Gottfried Böhm.
16
Gottfrid Böhm refere-se à Igreja Santa Elisabeth, em Koblenz, que concebeu em
parceria com seu pai, Dominikus, um ano antes de projetar a de Blumenau.
17
No discurso de recebimento do Premio Pritzker, Gottfried Böhm também se refere à
limpeza projetual: “linhas limpas, não no sentido de que essas linhas sejam como
hoje muitas vezes sinônimo de geometria - até mesmo uma forma complexa pode ter
linhas limpas - mas no sentido de que não se pode adicionar nada, e também não se
gostaria de tirar nada”.
18
Aqui traduzido como “Rochas de concreto e vidro”.
4. Difusão da obra
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João Francisco Noll, Elisabeth Böhm, Gottfried Böhm e Silvia Odebrecht, escritório
do arquiteto, Colônia, Alemanha
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
João Francisco Noll: Quais são as indicações de livros de suas obras?
Peter Böhm: A Exposição “Felsen aus Beton und Glas”, no Museu Alemão de
Arquitetura de Frankfurt, deu origem a um Catálogo das obras de meu pai (19).
Também houve outra exposição intitulada “Väter und Söhne” (Pais e Filhos), em
Bielefeld (20), com os desenhos arquitetônicos do meu avô, meu pai e nós três
filhos, também organizada em forma de livro. Penso que a produção do trabalho
em arquitetura não depende do tamanho da obra, isto não é decisório. Quando a
gente trabalha, concebe um projeto pequeno com a mesma magnitude que um
projeto grande. A gente se envolve tornando-o tão importante como um projeto
de grandes dimensões.
Gottfried Böhm: Sim, isto confere. Um arquiteto não se nutre somente de
grandes realizações. Eu já fiz edificações significativas, muito grandes e
complexas, e com a mesma dedicação, uma pequena moradia, um anexo de uma
residência existente. Todos podem ser trabalhos atrativos.
Escritório de Arquitetura da família Böhm, em Colônia
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
Silvia Odebrecht: E esta residência, hoje escritório, quando foi construída?
GB: Ela foi concluída em 1933, alguns meses antes que meu pai fora afastado da
universidade pelo partido nacional socialista (21).
SO: O senhor continua trabalhando?
GB: Sim, com muito prazer. Estou feliz por meus filhos sempre me incluírem em
seus trabalhos. No momento estou um pouco livre aqui no escritório e assim
estou planejando cidades visionárias, cidades do futuro.
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FEIREISS, Kristin (Org.). Elisabeth Böhm: Stadtstrukturen und Bauten. Tübingen-
Berlin, Wasmuth, 2006. Por meio de preciosos desenhos e algumas fotografias o livro
apresenta a obra da arquiteta.
5. Créditos
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João Francisco Noll, Peter Böhm e Elisabeth Böhm, escritório do arquiteto, Colônia,
Alemanha
Foto divulgação [Acervo Noll & Odebrecht]
Gottfried Böhm
Filho do arquiteto Dominkus Böhm, Gottfried nasceu em Offenbach-am-Main em 23
de janeiro de 1920. Graduou-se como arquiteto pelo Instituto Técnico de
Munique em 1946, e estudou escultura na Academia de Belas Artes de Munique. A
partir de 1947 trabalhou com seu pai, em Colônia. Quanto este faleceu, em
1955, Gottfried assumiu o escritório de arquitetura. Durante sua carreira,
Böhm projetou um grande número de edifícios, incluindo igrejas, museus,
teatros, centros culturais, centros cívicos, escritórios e residências. De
1963 a 1985 lecionou na Universidade RWTH Aachen. Nos anos 1980 lecionou no
Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Cambridge, na Universidade da
Pennsylvania, na Philadelphia e na Universidade de Washington, em St. Louis,
Estados Unidos. Gottfried Böhm recebeu várias condecorações e prêmios, entre
eles o Grande Prêmio Bund Deutscher Architekten (1975), a Medalha de Ouro de
l'Academie d'Architecture, Paris, (1982); o Prêmio Fritz Schumacher, Hamburgo,
(1985), e o prestigioso Prêmio Pritzker de Arquitetura (1986). É sócio
honorário da Associação estadunidense de Arquitetos (AIA) e do Instituto Real
de Arquitetos Ingleses (RIBA). Recebeu o prêmio Doctor Honoris Causa da
Universidade Técnica de Munique.
Silvia Odebrecht
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, RS (1981), possui especialização em Engenharia Urbana e Ambiental pela
Universidade Regional de Blumenau (1995) e doutorado em Modernidad
Contemporaneidad en la Arquitectura pela Escola Técnica Superior de
Arquitetura da Universidade de Valladolid, Espanha (2005). Atualmente é sócia-
proprietária da Neo Arquitetura Paisagismo Interiores e professora da
graduação em Arquitetura e Urbanismo e da pós-graduação em Arquitetura
Sustentável da Universidade Regional de Blumenau – FURB.
João Francisco Noll
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, RS (1981), possui mestrado em Educação: Ensino Superior pela
Universidade Regional de Blumenau (1997) e doutorado em Modernidad
Contemporaneidad en la Arquitectura pela Escola Técnica Superior de
Arquitetura da Universidade de Valladolid, Espanha (2005). Atualmente é sócio-
proprietário da Neo Arquitetura Paisagismo Interiores, e professor da
graduação em Arquitetura e Urbanismo e da pós-graduação em Arquitetura
Sustentável da Universidade Regional de Blumenau – FURB.
Entrevista
A entrevista de Silvia Odebrecht e João Francisco Noll com Gottfried Böhm, que
contou com a participação dos familiares do arquiteto alemão, aconteceu no dia
17 de julho de 2012, no escritório de arquitetura da família Böhm, em Colônia,
Alemanha.
referências bibliográficas
DER SPIEGEL. Gott treibt Geometrie. Der Spiegel, Hamburgo, n. 52, 23 dez. 1953, p.
30-37. Disponível em: www.spiegel.de/spiegel/print/d-25658204.html. Acesso em
10.04.2013.
FEIREISS, Kristin (Org.). Elisabeth Böhm: Stadtstrukturen und Bauten. Tübingen-
Berlin, Wasmuth, 2006.
REUTER, Brás. Mensagem do padre vigário. In: MATRIZ de São Paulo Apóstolo.
Blumenau: Liv. e Tip. Blumenauense, 1963.