José Roberto Alves Barbosa

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ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 1227

ASPECTOS DA INTERLÍNGUA:
CONTRIBUIÇÕES PARA A AQUISIÇÃO DE L2
José Roberto Alves Barbosa∗

INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo discutir a noção de interlingua nos diferentes aspectos
dos estudos lingüístico, discursivo, psicolingüístico e sociolingüístico, ressaltando as
contribuições dessas investigações, nesses diversos campos, para uma melhor compreensão
do processo de aquisição de Segunda Língua (L2).

1 O CONTINUUM INTERLINGÜÍSTICO

A utilização do termo interlíngua é, inicialmente, atribuída a Selinker (1972). Para


esse autor, a interlíngua revela a existência de um sistema lingüístico baseado na tentativa
do aprendiz de produzir enunciados na norma da língua-alvo. A ocorrência desse
fenômeno, de acordo com Selinker, demonstra a ocorrência de padrões sistemáticos de
“erros” e de estratégias comunicativas. Ele percebeu que esses supostos “erros”
desenvolvimentais tendem a desaparecer quando o aprendiz recebe um input suficiente e
apropriado.
Sem fazer uso do termo interlíngua, Corder (1967) propôs, anteriormente, uma teoria,
a fim de tentar explicar o conhecimento temporal subjacente da língua dos aprendizes de
L2, a qual ele denominou de competência transitória. De acordo com essa teoria, os
aprendizes, no processo de aquisição de L2, passam por um continuum, cujos dois pólos
são a língua materna e a língua-alvo. Esse continuum caracteriza-se por uma série de
estágios delineados pelo tipo de “erros” que são produzidos em um dado estágio.
Para explicar a existência desses estágios, Ellis (1997) afirma que os aprendizes
mudam sua gramática de um ponto para outro através da adição de regras, apagamento de
regras e reestruturação do sistema. Como conseqüência desse movimento, os aprendizes
acabam por construir uma série de gramáticas mentais ou interlínguas na medida em que
aumentam gradualmente a complexidade de seu conhecimento na L2.

2 ASPECTOS LINGÜÍSTICOS

A compreensão do processo de aquisição de uma L2 deve muito à teoria da


Gramática Universal de Chomsky. Em conformidade com a perspectiva gerativista, a
língua é governada por um conjunto de princípios abstratos que fornece parâmetros para os
ajustes particulares nas diferentes línguas.


Professor de Lingüística e Língua Inglesa na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e
aluno do Programa de Pós-graduação em Lingüística da Universidade Federal do Ceará – UFC.
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Chomsky (1965) aponta que as crianças, no processo de aprendizagem de L1,


dependem de conhecimentos inatos da língua. Ele argumenta também que o input ao qual a
criança é exposta é insuficiente para capacitá-la a descobrir as regras da língua que estão
aprendendo. Ele se refere a essa insuficiência como pobreza de estímulo.
Partindo da crítica à mera dependência do estímulo, Chomsky propõe a existência de
dispositivo de aquisição lingüística, que constituiria a Gramática Universal. A grande
discussão em torno da aquisição de L2, a partir dos estudos chomskianos, parece ser a
determinação ou não de uma idade que regule os mecanismos de aprendizagem. A partir
dessa tentativa de explicação lingüística, surgiu, então, a teoria do período crítico, que
propõe a existência de um momento no qual a aquisição da língua seria mais fácil, e em
outro, mais difícil.
Essa hipótese baseia-se em achados de pesquisas nas quais pessoas vítimas de algum
tipo de acidente, e que perderam suas habilidades lingüísticas, demonstraram ser capazes de
recuperá-las totalmente antes da puberdade, enquanto que outras não obtiveram o mesmo
sucesso depois dos doze anos de idade. Um ponto a considerar, em prol do período crítico,
advém da constatação de que os aprendizes de L2 parecem demonstrar maior dificuldade de
obter uma pronúncia tal qual o falante nativo após esse período.
Essa constatação, porém, não se restringe à pronuncia. Long (1990) demonstrou
existirem evidências de que o limite maturacional para o aprendizado de uma L2 não se
restringe apenas aos aspectos fonológicos. Estudos têm demonstrado haver vantagens
iniciais no aprendizado de uma L2 por crianças em relação aos adultos também no que diz
respeito à morfologia e à sintaxe. Com base em suas pesquisas, Long (op. cit.) sugere que a
exposição à língua-alvo deva ocorrer antes dos seis anos de idade, para que o aprendiz
atinja uma pronúncia semelhante à do falante nativo, mas antes dos quinze, para que se
obtenha o mesmo bom êxito em relação à morfologia e à sintaxe.

3 ASPECTOS DISCURSIVOS

Em relação a interlíngua, a principal preocupação dos estudos discursivos tem sido


descrever como a exposição e a interação atuam sobre os diferentes estágios do
aprendizado. Para tal, as perspectivas interacionistas ressaltam a importância tanto do
processamento interno quanto externo na aquisição da L2. Esse processo envolve fatores
resultantes da interação complexa entre o ambiente lingüístico e os mecanismos internos do
aprendiz.
Krashen (1993) explica que a aquisição de L2 ocorre quando o aprendiz compreende
o input, contendo formas gramaticais que são 1 + I, ou seja, são um pouco mais avançadas
do que o estado atual da interlíngua do aprendiz. Para esse pesquisador, o nível apropriado
de input é alcançado automaticamente quando interlocutores conseguem se fazer
compreendidos na comunicação.
A partir dessa perspectiva, podemos entender que o progresso no aprendizado da L2
acontece numa ordem natural, através da compreensão do input que tem estruturas do
‘estágio’ seguinte – estruturas essas que estão além do nível atual de competência. Para
efetivar a aquisição, o aprendiz apela para o contexto a fim de compreender o conteúdo
gramatical ainda não adquirido.
O aprendiz obtém sucesso na comunicação na medida em que utiliza o contexto
situacional a fim de se fazer claro, recorrendo, ao mesmo tempo, às modificações do input
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da L2. Long (1983), porém, acrescenta que essa teoria do input deve também levar em
conta a hipótese da interação, pois, segundo ele, o input compreensível se torna mais
eficiente quando é modificado através da negociação de significado. Isso acontece sempre
que os interlocutores indicam quando não se fazem compreendidos e, no decorrer da
interação, modelam, estrategicamente, as formas apropriadas da língua-alvo.
Essa negociação, segundo Hatch (1983), ocorre através do processo de andaimagem.
Isso acontece porque os aprendizes usam o próprio discurso a fim de ajudá-los a produzir
enunciados que eles não são capazes de produzir sozinhos. Essa teoria tem como base às
idéias do psicólogo russo Vygotsky. De acordo com sua proposta, um iniciante pode ser
capaz de solucionar problemas através da mediação de um par mais competente.
Vygotsky (1962) explica que a mediação é necessária para que os aprendizes possam,
através da atividade interpessoal, formar conceitos que não seriam capazes de fazê-lo sem a
interação com os outros. Dentro dessa abordagem, o conhecimento socialmente construído
na L2 torna-se, assim, condição necessária para o desenvolvimento do aprendiz nos
diferentes estágios da interlíngua.

4 ASPECTOS PSICOLINGÜÍSTICOS

A Psicolingüística, ao partir da análise das estruturas e processos mentais envolvidas


na aquisição e uso da língua, tem trazido contribuições significativas para o estudo da
aquisição de L2. Na área de interlíngua, são dignas de destaque as pesquisas que visam
identificar a influência ou transferência da L1 sobre a L2.
A preocupação inicial dos estudos psicolingüísticos, no âmbito da interlíngua,
reduzia-se à transferência negativa – a transferência lingüística que resulta em “erro”.
Outras pesquisas, porém, têm sido realizadas com o objetivo de identificar a chamada
transferência positiva - a transferência lingüística que facilita a aquisição das formas da
língua-alvo.
Kellerman (1983) expõe que a transferência interlingüística pode funcionar tanto
como repressor quanto como desencadeador no processo de aquisição de L2. Pesquisas têm
demonstrado que a interlíngua funciona, na maioria das vezes, como um mecanismo
facilitador na identificação, pelo aprendiz, de estruturas e formas cognatas entre L1 e L2.
Sobre a relação de custo e benefício das línguas envolvidas na constituição da
interlínguas, no que tange as suas semelhanças e diferenças, Kellerman (op. cit.) aponta
que, nos casos de línguas mais aproximadas, certos “erros” de interlíngua podem se tornar
mais resistentes à eliminação. Por outro lado, se a L1 for mais distantes da L2, pelos menos
nos estágios iniciais, o aprendiz poderá ter maior dificuldade para fazer a inter-relação
necessária entre L1 e a L2.

5 ASPECTOS SOCIOLINGÜÍSTICOS

A sociolingüística tem abordado a interlíngua de formas distintas, dentre elas,


podemos destacar as seguintes: 1) como estilos diferentes que o aprendiz recorre em
condições diferentes de uso da língua; 2) como os fatores sociais que determinam o uso dos
aprendizes na construção da interlíngua; e 3) como as identidades sociais que os aprendizes
negociam em suas interações com os falantes nativos.
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Tarone (1983) propõe que a interlíngua envolve um continuum estilístico. Para ela, os
aprendizes desenvolvem uma capacidade para usar a L2 que subjaz a “todo comportamento
lingüístico regular”. Esta capacidade, que constitui um “sistema lingüístico abstrato”, é
constituída por um número de estilos diferenciados que os aprendizes acessam, levando em
contas os fatores sociolingüísticos.
De um lado, se encontra o estilo mais cuidadoso, demonstrado quando o aprendiz faz
suas escolhas das formas lingüísticas conscientemente. Do outro lado, encontra-se o estilo
mais vernacular demonstrado quando os aprendizes estão fazendo escolhas espontâneas das
formas lingüísticas.
Ellis (1997) acredita que essa idéia de um contínuo estilístico é bastante atrativa. Isso
porque ela explica a variabilidade do uso lingüístico do aprendiz e sugere a existência de
uma gramática interlingüística, que, embora diferente da do falante nativo, é construída de
acordo com os mesmos princípios. Para reforçar essa teoria, Tarone (op. cit.) justifica que
essa não é uma especialidade apenas dos aprendizes de L2, já que também os falantes
nativos demonstram variações de estilos.
Outra teoria bastante produtiva sobre os aspectos sociolingüísticos da interlíngua foi
defendida por Schummann (1978). De acordo com o seu modelo de acomodação, quando
os aprendizes interagem socialmente, eles podem fazer com que sua fala seja semelhante à
do seu interlocutor (convergência) ou diferenciar-se do interlocutor (divergência) com o
objetivo de estabelecer uma identificação e/ou distinção social.
Shummann (op. cit.) propõe que, na aquisição de L2, ocorre um processo
interlingüístico resultante das línguas em contato, geralmente, denominado de pidginização.
Esse fenômeno acontece quando os aprendizes não conseguem obter bom êxito no processo
de aculturação do grupo da língua-alvo, ou, por outro lado, quando eles não demonstram
interesse de se adaptarem à nova cultura.
Uma abordagem mais crítica desse fenômeno tende a conceber o uso da interlíngua
oral como uma possibilidade do aprendiz demarcar a identidade social. É nesse sentido que
Pierce (1995) ressalta a natureza múltipla e contraditória do universo lingüístico. A
interlíngua dos aprendizes, a partir desse ponto de vista, pode ocorrer enquanto
posicionamento de sujeitos discursivos com o intuito de estabelecer um contradiscurso em
relação às metas estabelecidas em relação ao uso da língua alvo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em seus diferentes aspectos, os estudos da interlíngua têm trazido contribuições


significativas para a compreensão do processo de aquisição de L2. Através desses estudos
tem sido possível comprovar a existência de estágios diferentes na aquisição de L2. Para o
desenvolvimento do aprendiz, nesses diferentes estágios, a interação mediada, através da
negociação discursiva, exerce papel fundamental para o desenvolvimento do aprendiz. Em
relação à oralidade na L2, parece haver, cada vez mais, um maior respeito quanto ao uso da
variação interlingüística do aprendiz como forma de demarcar sua identidade social.
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REFERÊNCIAS

CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge, Mass.: The MIT Press,
1965.
CORDER, P. The significance of learners’ errors. IRAL, 5, 1967, pp. 161-170.
ELLIS, R. Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1997.
HATCH, E. ‘Simplified input and second language acquisition’ In ANDERSEN, R. (ed.)
Pidginization and Creolization as Language Acquisition. Newbury House, 1983.
KELLERMAN, E. “Now you see it, now you don’t’ GASS, S. & SELINKER, L. (eds.):
Language Transfer in Language Learning. Newbury House, 1983, pp. 113-114.
KRASHEN, S. The Input Hypothesis: Issues and Implications. Longman Publishing
Company, 1993.
LONG, M. ‘Native speaker/non-native speaker conversation and negotiation of
comprehensible input’ Applied Linguistics 4, 1983 pp. 126-141.
LONG, M. ‘Maturational constraints on language development’ in Studies in /second
Language Acquisition 2, 1990, pp. 273-274.
PEIRCE, B. N. ‘Social identity, investment, and language learning’ TESOL Quarterly 29,
1995, pp. 15-16.
SCHUMANN, J. The pidginization process: a model for Second Language Acquisition.
Newbury House, 1978.
SELINKER, L. ‘Interlanguage’. International Review of Applied Linguistics 10. 1972,
pp. 209-131.
TARONE, E. ‘On the variability of interlanguage systems’. Applied Linguistics 4, 1983,
pp. 143-163.
VYGOTSKY, L. S. Thought and language. Cambridge. Mass.: The MIT Press, 1962
(Translated by E. Hanfmann and G. Vakar).
ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB 1232

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