Ética e Felicidade

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ÉTICA DA FELICIDADE EM ARISTÓTELES

ETHICS OF HAPPINES IN ARISTÓTELES

Wellington Lima Amorim1


Everaldo da Silva2
Matêus Ramos Cardoso 3

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o conceito de Felicidade em Aristóteles. Em
primeiro momento Aristóteles discute sobre os bens, que podem até ser prejudiciais para muitas
pessoas. Fala de um bem supremo que é a Felicidade. Para ele o bem agir e o bem viver equivale
a ser feliz. A Felicidade é uma atividade da alma conforme a virtude. E esta virtude ele divide em
modalidades: intelectuais que se dá pela geração e crescimento realizado pelo ensino e as morais
que se adquire pelo hábito e costume. Aristóteles diz que o governo e as leis devem promover a
Felicidade para as pessoas, mas não os privando da Felicidade particular. De fato se observa que
a Felicidade pode ser um ideal a ser conquistado através da virtude e da prática de atos justos.

Palavras-chave: Felicidade. Bem. Prazer. Honra

ABSTRAC: This article aims to analyze the concept of Happiness in Aristoteles. First time
Aristotle discusses the assets, which may even be harmful to many people. It speaks of a supreme
good which is Happiness. For him to act well and living well means being happy. Happiness is an
activity of soul in accordance with virtue. And he shares this virtue in sports: intellectuals who
gives the generation and growth achieved by education and morals that is acquired by habit and
custom. Aristoteles says that the government and laws should promote happiness to people, but
not depriving then of Happiness particular. In fact it is observed that happiness can be an ideal to
be achieved through the practice of virtue and righteous deeds.

Key-words: Happiness. Well. Pleasure. Honour.

INTRODUÇÃO

A Felicidade é a busca de todo ser humano, de fato, tudo o que fazemos tem um fim,
sendo a felicidade o seu fim último. Muitos pensadores trataram do tema da ética e da felicidade
desde os gregos até os dias atuais. Para tanto, analisaremos este tema sob a ótica aristotélica.
Muito antes de ter sido reduzida em nossos tempos a uma mercadoria publicitária, a busca da
Felicidade era um ideal ético. A desvalorização da Felicidade no contexto capitalista se relaciona

1
Dr. em Ciências Humanas – Universidade Federal de Santa Catarina – E-mail: [email protected]
2
Dr. em Sociologia Política – Centro Universitário de Brusque – E-mail: [email protected].
3
Especialista em Ética e Ciências da Religião, Universidade Cândido Mendes-RJ. E-mail: [email protected]

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ao mundo do espetáculo, à banalização do desejo e também do sentido dos afetos em nossas


vidas. Antes de qualquer análise, temos de nos perguntar se ainda podemos falar de Felicidade
em nossos dias e de qual modalidade estamos vivenciando. Primeiramente vamos analisar o
conceito de felicidade em Aristóteles. Mas, para isso serão necessários descobrir conceitos que
apoiam tal discussão.
Percebe-se que algumas pessoas têm uma visão aristotélica da felicidade, mesmo sem
saber, pois, para Aristóteles toda ação visa um bem, tudo que é feito por alguém, é feito em vista
de algo de bom para si. Aristóteles considera que para alcançar a Felicidade toda ação visa um
bem qualquer, um fim. Segundo Aristóteles, esse fim deve ser o sumo bem, e esse, em suma, é a
felicidade. Para se chegar ao conceito de Felicidade, é necessário trilhar um caminho muito vasto
de conceitos e definições, que será tratado no desenvolver desta pesquisa. Alguns conceitos
precisam serem esclarecidos: o sumo bem, o prazer, a honra e a virtude. Aristóteles afirma que o
governo é quem deve promover a Felicidade para todos. Assim, daremos os passos para entender
como é possível chegar à felicidade em Aristóteles.

1. A FELICIDADE SEGUNDO ARISTÓTELES

Aristóteles trata da Felicidade em seu livro Ética a Nicômaco. Para entender a felicidade
Aristóteles discorre sobre o sentido dos bens para o homem, quais são esses bens e que vantagens
eles trazem para a vida do humana. Para se conseguir determinar o que é Felicidade é preciso
determinar qual é o fim da natureza humana e esta é uma angústia que vem sendo despertada no
ser humano desde o princípio do seu pensar, afinal, para poder resolver essa angústia, faz-se
necessário descobrir e definir esse “bem, para o qual, antes de tudo, é feito o homem, o bem pelo
qual em ente racional se realiza e que lhe é propriamente conveniente”. (MARITAIN, 1973. p.
52). Segundo Jacques Maritain, Aristóteles procura determinar em que consiste a felicidade. Esta
felicidade é um dado da natureza que existe no homem. Desta forma analisaremos a definição dos
termos, o bem; o prazer; a honra; a virtude e a Felicidade. Isto ocorre, pelo fato de que o bem não
pode ser algo único e universal presente em todos os casos. Precisa-se fazer referência a uma
única ideia do que realmente vem a ser o bem. Para isto Aristóteles propõe separar as coisas boas
em si mesmas das coisas úteis. Os termos são muito distintos, por isso Aristóteles indaga sobre
empregar o bem atingível e realizável como um padrão, mas, é preciso “conhecermos melhor os

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bens que verdadeiramente são bons para nós, e desse modo, poderemos atingi-los”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 24.)
Para todas as coisas há um fim, segundo Aristóteles, e esse fim deve ser o Sumo Bem: “Se
existe, então, para as coisas que fazemos algum fim que desejamos por si mesmo e tudo o mais é
desejado por causa dele; (...) evidentemente tal fim deve ser o bem, ou melhor, o sumo bem”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 17.) E este merece ser buscado por si mesmo e por ser mais absoluto
do que aquilo que merece ser buscado por causa de outra coisa. Então, esse bem é absoluto, e
Aristóteles chama de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e
nunca no interesse de outra coisa. Considera ele que esse bem prevalece sobre todas as coisas. É
preciso que esse bem seja atingível e realizável pela pessoa. Aristóteles também discorre sobre os
bens que podem ser até prejudiciais para muitas pessoas, pelo fato de que alguns chegam até a
perecer por causa de suas riquezas, e alguns perecem pelo fato de se confiarem demais em sua
coragem, “em relação aos bens, existe uma flutuação semelhante, em razão de poderem ser, para
muitas pessoas, até prejudiciais”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 18). É necessário buscar com
precisão, conforme permite a natureza do assunto, pois cada ser humano julga bem as coisas que
ele conhece. O modo de viver de cada um não deve ser a busca dos objetivos ao sabor das
paixões, o fim a que se deve visar é o conhecimento e não a ação.
Esse bem se encontra nas mais diversas ações e artes, pelo fato de que é por sua causa
(bem) que os humanos realizam todas as coisas, como por exemplo: na medicina o bem é a saúde,
na arquitetura é uma casa. Considerando isso, então, há um fim em vista do que é realizado, e
esta é o bem atingível pela ação. Em se havendo mais de uma ação estas serão, segundo
Aristóteles, os bens atingidos por meio dela: “tal finalidade será o bem atingível pela ação, e se
há mais de uma, serão os bens atingíveis por meio dela”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 25.). É
preciso discorrer sobre o que é peculiar ao homem, excluindo as atividades de nutrição e
crescimento, excluindo também a atividade de percepção, pois, os animais (boi, cavalo) também
as possuem. Ficando para verificação a atividade de percepção do elemento racional, Aristóteles
refere-se à acepção de exercício ativo desse elemento. Pelo fato da função do individuo ser uma
atividade da alma que implica em princípio racional, “o bem do homem vem a ser a atividade da
alma em consonância com a virtude”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 27). Aristóteles divide os bens
em:

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exteriores, relativos à alma ou ao corpo. Os que são relacionados à alma


classificam-se em ações e atividades psíquicas; os bens que são relativos ao
corpo são considerados como a boa ação do homem; e os considerados
exteriores são aqueles relacionados às posses do homem, como as riquezas, por
exemplo. (ARISTÓTELES, 2003. p. 28-29)

O Sumo Bem não pode ser concebido como posse ou exercício, nem como estado de
ânimo ou de atividade, pois a atividade virtuosa, deve agir bem:

Mas há uma diferença – e não pequena – em concebermos o sumo bem como


posse ou exercício, ou, de outro lado, como estado de ânimo ou atividade, pois
pode existir o estado de ânimo sem produzir qualquer bom resultado, como o
caso de um homem que dorme ou que permanece inativo por algum motivo; mas
não pode acontecer assim com a atividade virtuosa; essa deve ser
necessariamente agir e agir bem. (ARISTÓTELES, 2003. p. 29.)

O agir e viver bem segundo Aristóteles equivale a ser feliz. Convém neste momento
analisar o que vem a ser o prazer para Aristóteles em sua construção da felicidade. A definição de
prazer para Aristóteles é questionada a partir do que os homens entendem por prazer. Para ele os
homens vulgares identificam o bem ou a felicidade com o prazer e por isso amam a vida
agradável. Para cada um é agradável àquilo que ama. Os prazeres segundo Aristóteles estão
sempre em conflito uns com os outros porque não dão prazer por natureza, pois, as coisas que os
homens amam não trazem prazer, em si mesma, essas coisas são como que uma espécie de
encanto acessório, algo que delicia as atividades do homem sem acrescentar e sem fazer parte do
prazer em si. O prazer que ocorre depois de cada ato do homem deve ser tomado como sinal
indicativo de suas disposições morais, “o prazer ou a dor que sobrevêm aos atos devem ser
tomados como sinais indicativos de nossas disposições morais”, (ARISTÓTELES, 2003. p. 46.),
e por disposições Aristóteles quer significar que são “as coisas em razão das quais nossa posição
em relação às paixões é boa ou má”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 46).
O prazer não pode ser considerado como um movimento, porque todo movimento visa a
um fim, e só se torna completo depois de realizar o fim desejado. Segundo Aristóteles
“movimento e geração não podem ser atribuídos a todas as coisas, e sim apenas às que são
divisíveis e não constituem um todo”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 222.) Por isso Aristóteles
considera a forma do prazer como completa em todo e qualquer movimento, e ainda, o prazer é
uma coisa inteira, sendo assim podemos sentir prazer, pois cada momento de prazer é um todo

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completo. Em nossos sentidos temos prazer, e não menos em relação ao pensamento e à


contemplação segundo Aristóteles, e quanto mais perfeita for à atividade ela é mais agradável e
completa. Sendo assim o prazer acompanha qualquer sentido:

... o prazer é experimentado, sobretudo quando o sentido se encontra nas melhores


condições e em atividade com relação a um objeto apropriado; quando o sentido que o
percebe e o objeto são os melhores possíveis, há sempre prazer, já que estão presentes o
agente e o paciente requerido. (ARISTÓTELES, 2003. p. 223.).

Com isso o prazer, segundo Aristóteles, completa a atividade como um fim. E o prazer
acompanha a atividade que é realizada. Enquanto realizada, algo encanta e delicia o homem,
enquanto é novidade para ele, e em determinado tempo ela já se torna parte da sua vida e já não é
mais novidade, e essa coisa já não traz tanto ou quase nenhum prazer ao individuo. Aristóteles
explica esse fenômeno: “a princípio o espírito é estimulado e desenvolve intensa atividade em
relação a tais coisas, como no caso do sentido da visão quando olhamos alguma coisa com
atenção, mas depois nossa atividade se torna menos intensa, e por isso o prazer também diminui”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 223). Quando o homem realiza alguma atividade e esta lhe é
agradável, ela se intensifica pelo prazer que lhe proporciona e é feita com mais precisão do que
outras atividades. Para Aristóteles os prazeres sempre acompanham as atividades do homem, e
cada atividade é reforçada pelo prazer que lhe é próprio, que é o caso quando algo é bem
realizado, esse algo se torna mais prazeroso, e com isso o prazer irá intensificar a atividade,

uma vez que cada classe de coisas é mais bem julgada e feita com maior
precisão por aqueles que se dedicam com prazer à correspondente atividade; por
exemplo, são as pessoas que se comprazem no raciocínio geométrico que se
tornam geômetras e compreendem os vários teoremas da geometria, do mesmo
modo, os que gostam de música, de arquitetura, e assim por diante, fazem
progresso nas respectivas áreas porque sentem prazer nelas. (ARISTÓTELES,
2003. p. 224.)

Os prazeres do homem são aqueles que ele constitui como prazer, mas só pode
constituir prazer, um homem que é bom, “a virtude e o homem bom enquanto tais são a medida
de todas as coisas, e, portanto as coisas que ao homem bom constituir prazer serão prazer e as
coisas em que ele se deleitar serão agradáveis”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 226.). No entanto, “se
as coisas que ele acha desagradáveis parecerem agradáveis a outras pessoas, nada há de

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surpreendente nisso, pois os homens podem perverter-se e corromper-se de muitos modos”.


(ARISTÓTELES, 2003. p. 226.). Neste momento convém definir o que é honra. Afinal, para
muitos a felicidade é a honra. Mas, esta é muito superficial para definir a felicidade, pois, a honra
pertence a alguém, “visto que a honra depende mais de quem a concede que de quem a recebe”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 221.). Logo, parece que a maioria dos homens que buscam a honra, a
buscam visando ao reconhecimento de seu valor: “Ademais, os homens parecem buscar a honra
visando ao reconhecimento de seu valor”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 221). Para Aristóteles a
virtude em relação à honra é a magnanimidade, que é a grandeza de coração, que é julgar-se
digno de grandes coisas, é de fato sê-lo. O excesso desta virtude é a ambição ou pretensão,
também tida como vaidade, que é ter os olhos ou discurso maior que a alma, acreditando ou
pretendendo ser capaz de algo que na realidade não é capaz de realizar; e a sua falta é a pequenez
do ânimo ou humildade inadequada, que é julgar-se incapaz de uma grande ação e, por isso
mesmo ser incapaz de tal ato. (ARISTÓTELES, 2003. p. 51.). A honra é o reconhecimento da
comunidade pelo bem feito à comunidade, “pois a honra é o prêmio da virtude e da benevolência
(...), pois o que pertence à comunidade é dado a quem a beneficia, e as honras pertencem à
comunidade”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 194.).

2. DEFINIÇÃO DE VIRTUDE

Para compreender a felicidade, Aristóteles argumenta que esta é uma atividade da alma
conforme a virtude “ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que ele
possui discernimento, mas, que é calmo, amável ou temperante; porém, louvamos um homem
sábio referindo-nos à sua disposição de espírito, e às disposições de espírito louváveis chamamos
virtudes”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 39.). Para definir virtude se seguirá a divisão que o autor
faz dela, dividindo-a em duas espécies, a virtude intelectual e a virtude moral.

Há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A primeira deve, em grande


parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e
tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em resultado do hábito (...). É
evidente, pois, que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza,
visto que nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 40.).

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Adquirimos as virtudes intelectuais a partir da natureza que nos dará a devida capacidade
de recebê-las, e essa capacidade, segundo Aristóteles, aperfeiçoa-se com o hábito. O que vem
pela natureza nos vem primeiro como potência e depois como atividade exterior. Aqui ele cita
como exemplo a audição e a visão, que não foi por usá-las várias vezes que são adquiridas pelo
homem, mas já “tínhamos antes de começar a usá-las, e não foi por usá-las que passamos a tê-
las”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 40.). Já com as virtudes as adquirimos pela experiência,
exercitando-a, assim como acontece com as artes. O caráter (ou disposições morais) de uma
pessoa, segundo Aristóteles, nasce das atividades semelhantes a ele (caráter) “nossas disposições
morais nascem de atividades semelhantes a elas. É por esta razão que devemos atentar para a
qualidade dos atos que praticamos, pois nossas disposições morais correspondem às diferenças
entre nossas atividades” (ARISTÓTELES, 2003. p. 42.), e precisamos definir como se devem
praticar estes atos, pois eles determinam a natureza das disposições morais, e é preciso considerar
“que está na natureza das virtudes o serem destruídas pela deficiência e pelo excesso”
(ARISTÓTELES, 2003. p. 42.), é o caso dos exercícios, que segundo Aristóteles, a prática
excessiva de exercício ou sua falta prejudicam o vigor da pessoa, assim acontece também com os
alimentos, com a coragem e com o prazer, todos são destruídos pelo excesso e pela deficiência
(falta) e são preservados pela mediania (mediania aqui quer se referir ao meio termo, que será
tratado mais à frente).
As virtudes para Aristóteles estão relacionadas com as ações e as paixões, e cada uma
delas é acompanhada por prazer ou sofrimento e é por isso que muitos se tornam maus, uns
buscando estes prazeres e outros se desvencilhando deles. As virtudes e os vícios do homem se
relacionam com as mesmas coisas, o nobre e vil, o vantajoso e o prejudicial, o agradável e o
doloroso, e cada homem mede suas “ações (...) pelo critério do prazer e do sofrimento”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 44.). O caminho para conseguir a felicidade é a virtude, e virtude para
este pensador, significa ter o hábito de escolher o justo meio. Para tornar mais clara a natureza da
virtude, analisaremos o que vem a ser o meio-termo. Meio-termo vem a ser aquilo que está entre
o excesso e a falta. Aristóteles define por meio termo aquilo que está distante entre os extremos
(falta e excesso), algo que é único para todos os homens, o que não é demais nem muito pouco.
Esse meio-termo é em relação à pessoa e não ao objeto: “Por ‘meio termo no objeto’ quero
significar aquilo que é equidistante em relação aos extremos, e que é o único e o mesmo para
todos os homens; e por ‘meio termo em relação a nós’ quero dizer aquilo que não é nem

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demasiado nem muito pouco, e isto não é o único e o mesmo para todos”. (ARISTÓTELES,
2003. p. 47).
A virtude deve ser qualitativa no tocante de visar o meio termo, aqui no sentido da virtude
moral, pois esta se relaciona com as paixões e ações e em cada uma existe o excesso, a carência e
um meio-termo: “a virtude deve ter a qualidade de visar ao meio-termo. Falo da virtude moral,
pois é ela que se relaciona com as paixões e ações, e nestas existe excesso, carência e meio-
termo”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 48). Com o meio-termo Aristóteles define a virtude como
“uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consiste numa
mediania, isto é, a mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio racional próprio
do homem dotado de sabedoria prática.” (ARISTÓTELES, 2003. p. 49). Em algumas paixões ou
ações não há meio-termo, pois, a maldade está implícita em si mesmas, ou seja, nos seus próprios
nomes já está contido a maldade, como o desejo, o despudor, o adultério, o roubo e o assassinato.
Para atingir o meio termo é necessário não dar ouvidos ao prazer somente, se o homem é
impulsionados a fazer o mal ou o que é errado, precisa-se ir à direção do extremo contrário, assim
conseguirá atingir o estado intermediário, conseguindo afastar-se o mais possível do erro: “
devemos nos forçar a ir na direção do extremo contrário, pois chegaremos ao estado
intermediário afastando-nos o mais possível do erro, tal qual se faz para endireitar madeira
empenada.” (ARISTÓTELES, 2003. p. 55). A virtude para Aristóteles também consiste na justiça
que é praticada em relação ao próximo, “justiça é aquela disposição de caráter que torna as
pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo”
(ARISTÓTELES, 2003. p. 103), pois justiça é o exercício da virtude completa, e é completa pelo
fato de a pessoa não usa-lá só para si, mas em função do outro, “Com efeito, a justiça é a virtude
completa no mais próprio e pleno sentido do termo, porque é o exercício atual da virtude
completa”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 105).
A virtude é algo que pode ser realizada pelo homem bom, o homem bom é aquele que
pratica a justiça, e todos os atos que são praticados dentro da lei são justos. Para uma
compreensão melhor é preciso também dar uma breve definição do que vem a ser estes atos
justos, para Aristóteles. Ato justo é aquela ação que está em conformidade com as leis prescritas,
“evidentemente todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, pois os atos
prescritos pela arte do legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo.”
(ARISTÓTELES, 2003. p. 104). E por atos justos Aristóteles define que são aqueles que são

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praticados em função de “produzir e a preservar a Felicidade e os elementos que a compõem para


a sociedade política”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 105).
Segundo Valls, em Aristóteles se conquista a felicidade pelas virtudes, e esta deve ser
adquirida pelo homem: “A Felicidade verdadeira é conquistada pela virtude (...) O ser do homem
é uma substância composta: corpo material e alma espiritual. Como o corpo é sujeito às paixões,
a alma deve desenvolver hábitos bons, uma vez que a virtude é sempre uma força adquirida, um
hábito, que não brota espontaneamente da natureza”. (VALLS, 1994. p. 32-33). Por fim, é preciso
definir agora o sentido de homem bom “o homem bom jamais cometerá más ações
voluntariamente.” (ARISTÓTELES, 2003. p. 102), com isso se verifica que o homem bom,
evidentemente é aquele que pratica boas ações e nunca más ações, pois, “uma pessoa boa (...)
visto que vive com o pensamento fixo no que é nobre, submete-se à argumentação”.
(ARISTÓTELES, 2003. p. 235). Sendo assim, o pensamento do homem bom está sempre
voltado para tudo que é nobre.

3. A DEFINIÇÃO DE FELICIDADE

Muitos pensam que a felicidade é algo simples e óbvio, como o prazer. O Sumo bem, é
aquele que é buscado por si mesmo e a felicidade é buscada acima de qualquer outra coisa, por si
mesma e não em vista de outra coisa, ao passo que “a honra, o prazer, a razão e as demais
virtudes, ainda que escolhamos por si mesmas, fazemos isso no interesse da Felicidade (...) mas a
Felicidade ninguém a escolhe tendo em vista alguma outra virtude, nem, de uma forma geral,
qualquer coisa além dela própria”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 26). Aristóteles entende a
Felicidade como algo autossuficiente e absoluto, algo que não possui carência, além disso, ela é a
mais desejável de todas as coisas dentre os bens. Também a considera como a finalidade da ação.
Para entender melhor o que é a felicidade é preciso identificar qual é a função do homem, pois é
na função que está o bem e a perfeição da atividade do homem e das coisas que são próprias do
homem e de nenhum dos demais animais ou plantas, é somente “a atividade do elemento
racional”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 27), que constitui a excelência humana.
A função que o homem exerce deve ser boa com relação aos outros. Sendo assim “o bem
do homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude, e se há mais de uma
virtude, em consonância com a melhor e mais completa entre elas.” (ARISTÓTELES, 2003. p.

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27). É preciso dizer também que somente os que agem retamente é que podem conquistar as
coisas nobres e boas da vida. Se o que é bom na vida de um homem é a sua virtude, este deverá
buscar sempre agir conforme a virtude para ser bom, e a bondade pertencerá ao homem que é
feliz, pois estará sempre buscando através de suas ações ou na contemplação do que está em
conformidade com a virtude. “O atributo com apreço, portanto, pertencerá ao homem feliz, que o
será por toda a vida, pois estará sempre, ou quase sempre, empenhado na ação ou na
contemplação do que é conforma a virtude”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 33). Aquele que
consegue suportar todas as eventualidades da sua vida com certa dignidade é considerado por
Aristóteles um homem ‘verdadeiramente bom e sábio’, ele precisa tirar o máximo proveito das
atividades realizadas. Esta autossuficiência da felicidade, deve ter uma relação com a atividade
contemplativa.
Sendo assim essa atividade citada é apreciada por si mesma, pois a única coisa que se
origina dela mesma é a contemplação, já no caso das demais atividades práticas, segundo o autor,
o homem alcança vantagens além da própria ação. Muitos pensam que a felicidade depende do
lazer, “pensa-se que a Felicidade depende do lazer, pois trabalhamos para poder ter momentos de
ócio” (ARISTÓTELES, 2003. p. 27). Mas, muitas atividades das virtudes em si visam uma
finalidade, e não são buscadas por si mesmas. Ao passo que a atividade racional é superior e tem
maior validade pelo fato de ela ser contemplativa não visando nenhum outro fim além dela
mesma, e por ser buscada por si mesma, ela traz em si o seu prazer próprio.
Por isso Aristóteles considera o filósofo como o detentor da felicidade plena pelo fato de
ele ser essa pessoa que busca a contemplação da verdade em sua vida. E segundo Aristóteles só
onde há contemplação é que chega a felicidade, e os únicos que podem exercer a atividade
contemplativa com maior capacidade é que desfrutam da felicidade, “nesse sentido o filósofo é o
mais feliz dos homens”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 234). Mas é claro que o amante da
contemplação, este homem que é feliz ou possui a felicidade, precisa também de outros bens, os
bens exteriores, pois “a Felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois é impossível, ou
pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os devidos meios” (ARISTÓTELES, 2003. p.
30), e assim, deve buscar sempre as necessidade básicas da sua vida, “o que possui qualquer
outra virtude, necessite das coisas básicas da vida”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 229). Seu corpo
precisa ser saudável, ter boa alimentação e os cuidados devidos para manter-se longe de doenças.
Não precisando de muitas coisas, não é necessário ser ‘dono do mundo’ para praticar ações boas

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e nobres, atingindo assim a Felicidade, “de fato, a autossuficiência e a ação não implicam
excesso, e podemos praticar ações nobres sem para isso necessitarmos ser donos da terra e do
mar”. (ARISTÓTELES, 2003. p. 233
A virtude, que já foi definida pela sua prática, não consiste na mesma coisa que possuir a
felicidade, porque para Aristóteles “a arte de viver bem não é a arte de ser feliz por meio da
virtude ou de realizar a adequação virtude-felicidade”, (MARITAIN, 1973, p. 54), mas, sim de
manter uma ordem na vida, que pelo seu feitio possa atingir o fim supremo, que é a felicidade. A
felicidade é formada por três coisas essenciais que são a sabedoria, a virtude e o prazer. E a
sabedoria possui maior importância ou está acima das outras, pois ela é adquirida pelo espírito e
contemplação: “a sabedoria é essencialmente contemplativa. É uma atividade imanente, uma
atividade de repouso e de fruição” (MARITAIN, 1973, p. 55), e é por isso que ela é considerada
mais importante que a própria ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, procurou-se demonstrar em linhas gerais a ética aristotélica que tem por
finalidade a busca da felicidade pela virtude. A felicidade é considerada por ele o maior de todos
os bens, sendo que a ação de cada pessoa é realizada em vista desse supremo bem. Percebeu-se
ao longo desse artigo, que Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco, procura conceituar a
felicidade como o soberano bem. Define bem como aquilo que deve ser buscado por si, sem o
desejo de algo mais, além do próprio bem. E a felicidade é esse bem que é buscado por si mesmo
não em vista de uma outra coisa. Dado o exposto no texto, compreende-se que a virtude é uma
disposição de caráter relacionado com as escolhas que a pessoa faz de suas ações e paixões, e a
justiça que é praticada em relação ao outro. Fica claro que felicidade para Aristóteles é algo
absoluto, autossuficiente e possui em si todos os bens desejados; e que só pode viver a felicidade
aquele que tem a capacidade de contemplação, e a única pessoa que tem essa capacidade é o
filósofo. Então, somente o filósofo pode ser feliz.
O que se pode também observar é a importância do governo na elaboração de uma boa
legislação que possa promover ou proporcionar a felicidade dos indivíduos em particular e na
defesa da felicidade coletiva, quando essa é ameaçada, por um determinado indivíduo. Com o
término desta discussão, convêm citar a expressão latina: “Omnis agens agit propter finem” –

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“todo agente age por uma finalidade/alvo”, ou seja, toda pessoa que está agindo está agindo por
um fim. Se a finalidade da pessoa é a busca da felicidade, toda a sua ação será realizada nesse
intuito. Tudo o que pode proporcionar a felicidade, ela o fará, pois, o fim de determinada ação lhe
trará a Felicidade almejada. Em Aristóteles a diferença entre outras éticas reside no fato de ele ser
finalista, ou seja, a sua ética parte para os fins que precisam ser alcançados pelo homem. Então,
para alcançar, conquistar e viver a felicidade, é preciso ser uma pessoa virtuosa, que pratica atos
justos e bons e que saiba viver a vida com prazer. De fato, é algo autossuficiente e absoluto, algo
que não possui carência e é a mais desejada de todas as coisas. É também a finalidade da ação,
pois é na ação que está o bem e a perfeição da atividade do homem. Logo, esta é função que o
homem exerce e que deve ser boa com relação aos outros, pois, os que agem retamente é que
podem conquistar as coisas nobres e boas da vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Martin Claret. São Paulo, 2003.

ARISTÓTELES. Política. Nova Cultural. São Paulo, 1999.

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MARITAIN, J. A Filosofia Moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1973.

MORA, J. F. Dicionário de Filosofia – Tomo II. Loyola. São Paulo, 2001.

SPAEMANN, R. Felicidade e Benevolência – ensaio sobre ética. São Paulo: Loyola, 1996.

SILVA, M. B. Sentido Ético de Práxis Comunitária – o valor da consciência. São Paulo:


Paulus, 1994.

RUSS, J. Pensamento ético contemporâneo. Paulus. São Paulo, 1999. p.66.

PEGORARO, O. A. Ética é Justiça. 3. ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 1995.

VALLS, A. L. M. O que é Ética. 9. ed. Brasiliense. São Paulo, 1994. p. 29.

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