Representação Ao MP - Luísa Nunes
Representação Ao MP - Luísa Nunes
Representação Ao MP - Luísa Nunes
I. Fatos
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3. Com isso, tem-se de forma cristalina que a pessoa cuja prática se noticiará se
utiliza das ferramentas disponíveis na internet, sobretudo redes sociais, para dar vazão
a ideias e, com isso, gerar propaganda e publicidade para seus produtos.
4. Sua conta no Instagram conta hoje com pouco mais que 58 mil seguidores. Se
antes era uma conta púlica, hoje está restrita, em virtude dos fatos que se passará a
expor.
5. Em 4 de junho de 2020, a influenciadora em questão foi alvo de polêmica na
internet, uma vez que publicou, em suas redes sociais, críticas aos movimentos
antirracistas e que pregavam a hashtag vidas eg as i po ta .
6. O fato propulsor do evento foi, de acordo com a mídia, a violenta morte de
George Floyd, negro, pelas mãos de um policial branco, que permaneceu com o joelho
em seu pescoço por cerca de 9 minutos, até provocar sua completa asfixia.
7. No entanto, o propulsor do evento no Brasil é, na verdade, o racismo sistêmico
e o o sta te pe igo ue se eg o ep ese ta po a ui. Ou seja, a u ião do fato os
EUA com os constantes abusos e episódios de raccismo no país contribuíram para dar
força ao movimento.
8. No entanto, a influenciadora em questão, no afã de criticar o movimento e fazer
vale sua opi ião, g avou vídeo pa a os seus vá ios seguido es a uivo . p Vídeo ,
no qual afirmou categoricamente que:
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11. As falas da influenciadora provocaram imensa comoção nas redes sociais, de
modo que diversas personalidades se posicionaram contra as ideias veiculadas. De igual
modo, o episódio foi alvo de diversas matérias em portais de notícias de massa, como
Veja, Metropoles, O Globo, Catraca Livre e afins.
12. Diante da mobilização provocada pelo episódio, sua conta no Instagram,
aplicativo esse que não dispõe de um canal de denúncias específico para episódios do
tipo, foi removida do ar. Não sem antes ganhar muitos seguidores, em virtude da
veiculação da imagem da influenciadora na internet.
13. No entanto, dia 22 de junho sua conta voltou ao ar normalmente, de tal forma
que não resta outra saída que não o encaminhamento da presente notícia de fato, de
modo a levar o episódio ao conhecimento das autoridades que possam, efetivamente,
tomar providências nas searas institucionais contra tal prática.
II. Mérito
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Os influenciadores digitais e sua responsabilidade
1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Influenciadores_digitais
2 Idem
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definido de ações: a publicidade, a repercussão, a mudança de opinião (ou a desativação
da rede social) e a redenção.
26. Na primeira parte do ciclo, há a divulgação da opinião ou posição discriminatória.
Essa opinião causa choque ou indignação em segmentos da sociedade, deflagrando
amplo debate e publicidade para a prática.
27. Na repercussão, a pessoa responsável (ou marca, a depender do caso), fica em
ampla evidência. Chama a atenção de celebridades, portais e veículos de imprensa, se
torna assunto nas redes sociais. Há a divisão de opiniões, mas normalmente muitas
visualizações no que foi produzido.
28. No ciclo da mudança de opinião ou de remoção da opinião polêmica do ar, a
pessoa ou marca normalmente anuncia que o conteúdo não está mais disponível. É
comum que personalidades apaguem as postagens polêmicas ou mesmo encerrem
temporariamente suas redes sociais.
29. Por fim, há a redenção, na qual a pessoa ou marca em questão pede desculpas,
se retrata publicamente ou indica ter adotado uma mudança de postura, já que estava
errada. Nessa fase, há o ganho de mais seguidores, uma vez que se indica uma
p edisposição da pessoa de ap e de o os e os .
30. Pode parecer que a tese formulada não tem suporte fático, mas a observação de
casos como o de Júlio Cocielo, objeto de ação por parte deste MPSP indicam que é
perfeitamente possível observar a utilização desses passos para crescimento de redes
sociais OU defesa em caso de externalização de opiniões discriminatórias e eventual
capitalização com as mesmas.
31. Acontece que, independente de se tratar ou não de estratégia de crescimento
das redes sociais, o fato não é menos grave. Se trata da naturalização de expediente
criminoso, eis que discriminatório e terrivelmente assustador.
32. Os influenciadores digitais fazem desta profissão um excelente meio de auferir
lucros, visto que seu o teúdo pode se alvo de o etização , ue seja, existi
pagamento pelo o que for produzido nas redes.
33. De igual forma, o sucesso em número de seguidores pode facilitar contratos de
representação, patrocinío, dentre outras vantagens financeiras. Não por menos, a
prática está cada vez mais disseminada.
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34. Portanto, há que se ter responsabilidade redobrada com as opiniões emitidas,
uma vez que o potencial danoso é extremamente alto. Uma opinião como a veiculada
pela influenciadora em questão possui potencial de provocar extenso dano, atingindo
milhares, quiçá milhões de pessoas, uma vez que se alastra infinitamente pela internet.
35. E como as manifestações contrárias ou repressivas ao que foi postado despertam
ainda mais atenção para o que foi dito ou feito, há aí uma dificuldade redobrada, uma
vez que o ato ou fato ganha mais divulgação e mais potência.
36. É preciso frisar que a influenciadora em questão tem perfeita consciência disso,
uma vez que ela admite que o seu conteúdo chega em lugares que talvez ela não
conseguiria chegar por sua própria conta (Vídeo 2 e Vídeo 3).
37. Portanto, é elementar a responsabilidade dos influenciadores digitais, classe que
engloba a personagem cujo fato aqui se noticia. E, conforme se passará a demonstrar,
existem elementos capazes de ensejar persecução na área cível e na área criminal contra
a influenciadora Luísa Nunes.
38. O racismo é uma praga na sociedade brasileira. Apesar de grande parte dos
habitantes do país se declarar como preto ou parto, há, até hoje, ampla estigmatização
e sistemática exclusão dessa população.
39. O racismo no Brasil é sistêmico. É natural para um país no qual o próprio governo
incentivou práticas eugenistas e de embranquecimento da população, que incentivou
famílias de senhores de terras brancos e somente aboliu a escravidão em 1888, após
intensa pressão de outros países.
40. Não se trata de problema que será resolvido em curto prazo. Mas também não
será resolvido sem ampla atividade das autoridades competentes. Ou seja, o Estado
precisa se mover para que a sociedade brasileira vença este mal que mata e exclui.
41. Por isso mesmo, houve a implementação de ações afirmativas, que se fundam
na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na
sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da
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distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da
população afrodescendente , o fo e palav as do MM. Mi ist o Ro e to Ba oso
(ADC 41).
42. Sabe-se que, com o avanço da medicina, das pesquisas médicas, só há uma raça
para fins de classificação biológica: a raça humana. No entanto, a separação em raças,
cores, também tem o condão de proporcionar proteção e políticas específicas de
inclusão de segmentos sociais historicamente excluídos. Neste interim é que se fala em
aça ou o pa a defi i pessoas eg as.
43. As mazelas do racismo institucional, estrutural são amplamente reconhecidas.
Enquanto o primeiro decorre do próprio funcionamento das Instituições, o segundo se
desdobra num processo político e histórico, intrinsecamente relacionado à história
deste país. Portanto, a omissão das autoridades competentes no combate a este mal
contribui tão somente para sua perpetuação, reforçando-se a ideia de um sistema que
confere privilégios baseados numa distinção racial3.
44. Portanto, a omissão das autoridades competentes no combate a este mal
contribui tão somente para sua perpetuação.
45. Como resta cada vez mais bem demonstrado, o racismo exclui e mata. Faz com
que as pessoas vítimas desse mal sejam alvo de todo tipo de constrangimento, opiniões
negativas, estigmas e dificuldades adicionais. Ou seja, não se trata de mal banal.
46. Neste sentido, pede-se licença para expor lição do Ministro do E. Supremo
Tribunal Federal, Celso de Mello, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão nº 26:
3 Nesse sentido, ALMEIDA, Sílvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. 203p.
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inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de
exclusão do sistema geral de proteção do direito.
47. Apesar de o objeto da ação em questão não ter diretamente a ver com o objeto
aqui discutido, deve-se considerar a tese levada a cabo pelo MM. Ministro e acolhida
por maioria pelo Plenário do E. STF, uma vez que se tratou de histórico julgamento no
qual homofobia e racismo foram equiparados.
48. Isso porque o racismo é crime inafiançável, imprescritível, conforme definido
pela Constituição Federal. Há a obrigação de o Estado agir ativamente, aplicando o
ordenamento jurídico específico.
49. No caso, a conduta da influenciadora em questão é compatível com o ilícito
previsto no art. 20 da Lei 7716/1989 (Lei Antirracismo):
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53. É muito forte ver a defesa que é feita pela influenciadora em questão, com
tamanha certeza e sem qualquer sombra de dúvidas, sendo que ela mesma reconhece
que suas palavras podem atingir milhares de pessoas.
54. Nos vídeos em questão, ela deixou muito bem exposto seu total desprezo por
pessoas negras. Deixou claro que se deve partir do ponto de vista que se um negro está
na rua com você, você pode estar em perigo.
55. Tal absurdo argumentativo remonta à criminologia lombrosiana que
compreendia o crime enquanto fenomeno biológico necessariamente atrelado a
características físicas. Despiciendo, por óbvio, ressaltar o quanto essa concepção é
ultrapassada e indesculpavelmente racista.
56. Pessoas como a influenciadora em questão precisam sofrer as consequências
legais cabíveis por suas palavras. Em todas as oportunidades possíveis, pessoas como
ela, com falas abertamente racistas e com acesso, evocam o manto protetivo da própria
opinião para dizer impropérios. Como se estivesse em curso uma tentativa vil de
i i aliza opi iões .
57. No entanto, não se trata de criminalização de opinião. Pedir apuração e
responsabilização por uma opinião racista é responsabilizar uma opinião criminosa. É
pedir que o Estado cumpra seu papel de erradicação do racismo e de todas as formas
de discriminação negativa.
58. Portanto, diante de todo o exposto, pede-se a investigação da influenciadora em
questão pelo ilícito tipificado pelo art. 20 da Lei Antirracismo, uma vez que houve a
prática de uma opinião que induz discriminação de raça e cor. Mais grave ainda é que o
possível delito foi praticado por meio de redes sociais com amplo alcance.
59. Os vídeos em anexo demonstram, de forma cabal, indícios de autoria e
materialidade do crime em comento, de tal forma que o procedimento investigatório
se faz necessário, com eventual responsabilização da influenciadora caso se entenda ter
ocorrido o delito indicado.
60. No entanto, a responsabilização criminal não é suficiente para, sozinha,
promover o efeito didático necessário para que esta prática seja cada vez mais evitada
por quaisquer pessoas.
61. Neste sentido, também é preciso que haja a investigação e eventual
procedimento civil, conforme se passará a expor.
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A existência de danos sociais a partir da fala da influenciadora
62. Tendo em vista a brilhante atuação do Ministério Público de São Paulo no caso
do influenciador Júlio Cocielo, bem como a justeza daquele caso ao que aqui se expõe,
pede-se licença para transcrever os termos da petição inicial de responsabilização civil
por danos sociais utilizado contra aquele influenciador.
63. Os danos sociais, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo4, são aqueles
que causam um rebaixamento no nível de vida da coletividade e que decorrem de
condutas socialmente reprováveis, ou seja, condutas corriqueiras que causam mal-estar
social. Envolvem interesses difusos e as vítimas são indeterminadas ou indetermináveis
(correspondem ao art. 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor).
64. Esses danos constituem-se, pois, na aplicação da função social da
responsabilidade civil, atrelada ao fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, o
qual, com fulcro na supremacia da Constituição, preceitua que os fundamentos de
validade jurídica do Direito Civil devem ser extraídos da Constituição.
65. Nas palavras da Ministra aposentada do STJ Eliana Calmon,
66. Aqui cabe a compreensão de que as técnicas de tutela do direito são opções
políticas e ideológicas ligadas à cultura, à filosofia e ao modo de ser do direito em
determinado momento histórico. A partir do constitucionalismo, movimento político
cultural surgido no século XVIII na Europa Ocidental, os direitos fundamentais foram
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gradativamente, por meio de suas denominadas dimensões, assumindo a centralidade
do ordenamento jurídico.
67. Assim, a própria ideia de tutela da personalidade merece um novo enfoque
atualmente. Isso porque
os direitos de perso alidade a ifesta -se como uma categoria histórica, por
serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria
que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são
determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua
o eituaç o o o ategoria apta a re e er ovas i st ias so iais .6
68. Evidentemente, pois, que uma coletividade está sujeita a suportar danos morais.
Certas condutas atingem não apenas pessoa determinada, mas, também, um grupo
indeterminado de pessoas ou toda a sociedade. Esta lesão descumpre com a
solidariedade e coloca em risco a segurança social. E, por tais características, foi
designada como dano social.
69. Atualmente, essa categoria de dano é reconhecida tanto pela doutrina, quanto
pela jurisprudência.
70. Nesse sentido é o Enunciado 455, aprovado na V Jornada de Direito Civil do
Conselho da Justiça Federal/Superior Tribunal de Justiça que, fazendo referência ao
artigo do Código Civil que trata da medida da indenização derivada do dano, reconheceu
a existência dos danos sociais:
6 José Rubens Morato Leite. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. RT, São Paulo,
2000, p. 287.
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71. Examinando essa nova categoria de dano, o dano social, Antônio Junqueira7 aduz
que se um ato é doloso, gravemente culposo ou negativamente exemplar, pode não ser
lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas atingir toda a sociedade.
72. O STJ, em recurso repetitivo8, seguiu esse entendimento, ao reconhecer que a
condenação por danos sociais requer pedido expresso e deduzido no âmbito de uma
ação judicial coletiva.
73. Cuida-se, portanto, de um dano que atinge os fundamentos da sociedade
organizada, em suas expressões políticas, culturais e institucionais, refletindo sobre os
valores que inspiram as relações humanas, tais como a solidariedade, a justiça, a
generosidade, a igualdade democrática e de direitos e, sobretudo, o sentimento
profundo de justiça.
74. Assim, é patente que uma coletividade, diante de ofensas praticadas contra seus
bens e direitos, pode ser culturalmente ofendida ou sofrer abalo em sua honra, crença,
dignidade e reputação. Como ensina a douta Ministra aposentada Eliana Calmon,
referindo-se aos danos morais coletivos lato sensu, incluindo os aqui denominados
da os so iais , ai da o ojo do es o a ó dão já itado:
o dano moral deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos
interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das
pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou
indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais
que dão singularidade ao valor coletivo 9.
75. No entanto, não é qualquer atentado aos interesses da coletividade que merece
ocasionar o seu ressarcimento por dano moral. De acordo com o Ministro do STJ
Massami Uyeda, é indispensável que o fato transgressor seja de razoável significância
e desborde os limites da tolerabilidade .10
7 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano
social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato
Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
8 STJ. 2ª Seção. Recl. 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014
9 STJ, Resp. 1.269.494-MT, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 24.09.2013.
10 STJ, REsp 1221756/RJ, Rel. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 02.02.2012.
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76. Nesse ponto, importante destacar que o racismo sempre existiu e continua
existindo, mas não deve o direito legitimá-lo. Ao contrário, cabe ao Direito ser uma
barreira contra; uma arma para brecá-lo e quiçá eliminá-lo.11
77. A indiferença que eventualmente o Direito poderia dispensar às expressões de
racismo seria, em última análise, uma naturalização do fenômeno, o que está na base
de toda forma de preconceito.
78. Esse p o esso de atu alização é esse ial e te ideológi o, a edida e
ue se ela io a o o se so o u , ao é o o é , o o se o u do tivesse u a
essência e não fosse resultado de construções históricas e sociais. 12
79. No artigo A naturalização do preconceito na formação da identidade do
afrodescendente, Ricardo Ferreira e Amilton Camargo (2001) discorrem sobre a
contradição entre o que se acredita positivo (lutar contra a opressão racial) e o que
realmente está sendo realizado (a disseminação dessa mesma opressão), que se
enraizou em nosso cotidiano de maneira poderosa a partir da desintegração da
escravidão13.
80. Essa exposição dos negros ao mercado de trabalho e a formação de classes após
a libertação dos escravos é vital para entender, já observava Florestan Fernandes, os
aspectos brasileiros do preconceito racial.
81. Diante de um cenário que lhes era integralmente desfavorável, sem acesso a
nenhuma compensação e perante um sistema econômico cada vez mais competitivo, os
negros passaram a ocupar meios pouco privilegiados para sobreviver, na periferia do
crescimento econômico e social.
82. Assim, crescia o número de mães solteiras, desempregados, debilitados pelo
vício no álcool, praticantes da prostituição e da criminalidade, essa última um fenômeno
que ainda causa tristes distorções associadas à pele escura, a exemplo da publicação da
influenciadora em questão, que relacionou pessoas negras à prática de crimes, de
forma direta.
11 Nunes, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, Doutrina e Jurisprudência, Editora
Saraiva, 2ª Edição
12 No País do Racismo Institucional, Dez anos de ações do GT Racismo no MPPE.
13 Idem
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83. Nesse ponto, evocam-se as importantes análises de Charles Taylor, ao observar
que a identidade do ser humano é parcialmente moldada a partir do reconhecimento e
da representação exterior que possui, legitimando uma imagem positiva ou negativa14.
84. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLII, no rol dos direitos e
garantias fundamentais, assenta que a prática do racismo constitui crime inafiançável
e i pres ritível, sujeito pe a de re lus o .
85. A Carta Magna, pois, conferiu à prática do racismo a maior reprovabilidade penal
existente em seu texto; logo, a maior reprovabilidade existente no ordenamento jurídico
brasileiro. O racismo, ao lado das ações de grupos armados contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático, são os únicos crimes imprescritíveis existentes
no país.
86. Paralelamente, a Constituição da República elencou dentre os seus objetivos
fu da e tais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação A t. º, IV e afi ou ue todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade...
87. Uma sociedade livre de discriminações, como vertente da dignidade da pessoa
humana, constitui um dos objetivos mais caros do Estado brasileiro. A prática do
racismo, que fere frontalmente o princípio da igualdade, merece, pois, a mais absoluta
intolerância por parte do Estado.
88. O repúdio a condutas como a discutida nos autos se manifesta na sociedade
brasileira de modo crescente. No que tange ao caso concreto, a perda de seguidores,
patrocínios e campanhas publicitárias por parte do Réu demonstra o nível de
intolerabilidade que a sociedade atingiu para com a prática do racismo.
89. E o Poder Judiciário vem contribuindo para tal elevação do patamar civilizatório
brasileiro: tanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto o Superior Tribunal
de Justiça, já pacificaram o entendimento a fim de conceder indenizações por dano
moral individual em casos de condutas racistas.
14 Idem
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90. É induvidosa, quanto à ocorrência de dano moral individual in re ipsa em casos
de práticas racistas, a responsabilidade civil do agente racista, como comprovam as
ementas de julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Superior
Tribunal de Justiça a seguir:
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atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de
intolerância, inclusive:
(...)
II. publicação, circulação ou difusão, por qualquer forma e/ou meio de
comunicação, inclusive a internet, de qualquer material racista ou racialmente
discriminatório que:
a) defenda, promova ou incite o ódio, a discriminação e a intolerância; e
b) tolere, justifique ou defenda atos que constituam ou tenham constituído
genocídio ou crimes contra a humanidade, conforme definidos pelo Direito
I ter a io al, ou pro ova ou i ite a pr ti a desses atos . Grifo osso
15 Oscar Vilhena Vieira, Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF, Editora Malheiros,
1ª Edição.
16 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Doutrina e Jurisprudência, Editora Saraiva, 2ª Edição
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Conclusão e pedido
OAB/DF nº 60.544
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