Economia Extrativa
Economia Extrativa
Economia Extrativa
FACULDADE DE DIREITO
Nampula
2020
UNIVERSIDADE MUSSA BIM BIQUE
FACULDADE DE DIREITO
Nampula
2020
Índice
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................3
2 Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique....................................4
1.1 Economia extractiva – metodologia de análise do modo de acumulação capitalista em
Moçambique................................................................................................................................8
3 Caracterização do modo de acumulação capitalista em Moçambique..................................11
4 Concentração e desarticulação da base produtiva e comercial e do investimento.................12
1.2 Concentração da produção..............................................................................................14
1.3 Concentração do comércio..............................................................................................14
1.4 Concentração e dependência externa do investimento privado......................................14
1.5 Concentração das infra-estruturas e serviços..................................................................14
1.6 Padrão mais geral de dependência externa.....................................................................15
1.7 Insustentabilidade do modo de acumulação medida pela conta corrente.......................16
1.8 Economia política da acumulação e reprodução dependentes........................................17
1.9 Dinâmicas e desafios das ligações fiscais.......................................................................18
1.10 Desafios de industrialização: para além da economia extractiva................................18
1.11 Desafios de industrialização........................................................................................19
5 REFERENCIAS....................................................................................................................20
6 Conclusões.............................................................................................................................21
1 INTRODUÇÃO
Por estudo dos “padrões” e “dinâmicas” de acumulação económica e de pobreza entendemos a
análise das características económicas, sociais e políticas das tendências de crescimento,
reprodução, diferenciação e distribuição económica e social em condições históricas específicas,
tomando em conta as relações complexas e dinâmicas entre os agentes e as pressões económicas
e sociais com as quais eles se relacionam. Este estudo requer a análise das estruturas (o que é
produzido, quanto, como, com que grau de interligação e como é distribuído) e instituições
(políticas, sistemas políticos e organizações políticas, participação dos cidadãos na vida política e
na governação, etc.),
2 Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique
A experiência económica de Moçambique é frequentemente apresentada como um exemplo de
sucesso na promoção de rápido crescimento com estabilização e redução da pobreza. O grau e a
robustez do sucesso económico
moçambicano são determinados pela magnitude das taxas de variação, isto é, por quanto é que a
economia cresce e a pobreza reduz, e por quão estáveis são (ou por quão pouco variam) os
indicadores monetários, chave da abordagem monetarista de estabilização (inflação, reservas
internacionais e taxa de câmbio).
Este sucesso é geralmente explicado pela prudência das políticas monetárias e fiscais do
Governo de Moçambique (GdM) e pelo crescente incentivo ao sector privado. O grau de
prudência monetária e fiscal é avaliado pelo enfoque de tais políticas na estabilização monetária
de curto prazo, nomeadamente no controlo da massa monetária e do défice fiscal, através da
utilização de vários instrumentos: as reservas obrigatórias dos bancos, as reservas externas, a
esterilização da ajuda externa, a emissão de títulos e obrigações do tesouro para financiar o
défice fiscal e enxugar a liquidez da economia, entre outros. O grau de incentivo ao sector
privado é determinado pela magnitude da liberalização económica, privatização de activos e
redução dos custos de transacção, através da remoção ou redução das chamadas barreiras ao livre
negócio como o licenciamento, exigências de informação sobre os investidores, protecção
laboral, entre outras. Mais recentemente, o aparente limitado impacto da crise económica e
financeira global na economia de Moçambique está a ser usado como evidência do sucesso
económico moçambicano, da robustez da sua economia e da prudência das suas políticas
económicas. Por consequência, o exemplo moçambicano parece validar os modelos neoliberais
de política económica avançados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco
Mundial (BM), segundo os quais a estabilização monetarista e a liberalização económica
promovem rápido crescimento económico e redução da pobreza com uma base sustentável do
ponto de vista macroeconómico.
Por um lado, a ajuda externa financia metade da despesa pública on budget, ou mais de 60% da
despesa pública se os projectos off budget forem considerados.
Por via da despesa pública, a ajuda externa financia a balança comercial, pagando por 60% das
importações nacionais (excluindo as importações dos megaprojectos). A construção de reservas
externas é parcialmente financiada com recursos consignados por instituições financeiras
internacionais, com a esterilização da ajuda externa e com a aplicação financeira desses recursos
nos mercados financeiros internacionais. Por exemplo, ao longo de 2008 e 2009, as reservas
internacionais de Moçambique foram protegidas pela injecção de cerca de US$ 200 milhões pelo
FMI. Recentemente, durante as festividades do 35º aniversário do Banco de Moçambique, o
Governador do banco central afirmou que, apesar de as exportações de Moçambique terem
diminuído em cerca de um terço entre 2008 e 2009 e as importações terem aumentado no mesmo
período (assim agravando um défice comercial crónico de mais de três décadas), as reservas
internacionais foram protegidas e até aumentaram com base no financiamento do FMI.2
Portanto, sem a ajuda externa, o Estado, ou entraria em colapso e não conseguiria manter a sua
imagem de efectivo provedor de serviços, ou teria que melhorar substancialmente a colecta de
impostos, o que implicaria diminuir os generosos incentivos fiscais para o investimento
estrangeiro de grande escala.
Por outro lado, os fluxos externos de capitais privados nos últimos quinze anos representaram
aproximadamente 85% do investimento privado total em Moçambique.
A importância relativa destes fluxos vai tender a aumentar à medida que as empresas
multinacionais de economias emergentes (China, Índia e Brasil) penetrem na economia nacional.
O grosso deste investimento é aplicado num pequeno número de grandes projectos de natureza
extractiva (minerais, florestas, energia, produtos agrícolas não processados para exportação,
entre outros) ou em indústrias de natureza oligopolista (bebidas, açúcar, cimento, entre outras), o
que origina que apenas duas dezenas de empresas, que empregam cerca de cinquenta mil
trabalhadores, produzam o grosso do crescimento do PIB. Como é que estes níveis de
dependência externa e de concentração económica são consistentes com a história de sucesso
económico de Moçambique?
Duas décadas e meia após o início da implementação das medidas de estabilização e ajustamento
estrutural em Moçambique,3 a “estabilidade” dos indicadores monetários, a “redução” da
pobreza e o “limitado” impacto da crise internacional continuam dependentes destes fluxos
externos de capitais públicos e privados. O efeito potencial das “prudentes” medidas monetárias
e fiscais seguidas pelo GdM na contracção do investimento público e da economia não se faz
sentir, porque estas medidas “prudentes” são compensadas pela ajuda externa.
Logo, por cada 1% da pobreza que se reduziu, foi necessário que a economia crescesse um pouco
mais do que 3,6%; por outras palavras, para cada aumento do PIB em 1%, a pobreza reduzia
0,27%.4 No entanto, no período seguinte, 2003-2008, o PIB voltou a crescer cerca de 55%, mas
os dados preliminares do IAF, ainda não oficiais, indicam que, em termos globais, a percentagem
da população vivendo abaixo da linha da pobreza diminui apenas 7% ou menos, tendo
aumentado nas zonas urbanas e em algumas zonas rurais. Logo, neste período foi necessário que
o PIB crescesse 7,9% para que a pobreza reduzisse 1%; em outras palavras, para cada aumento
do PIB em 1%, a pobreza reduziu apenas 0,13%.5 Isto significa que a eficácia do crescimento do
PIB a reduzir a pobreza piorou substancialmente, tendo a economia sido forçada a crescer 2
vezes mais do que no período anterior para que a pobreza reduzisse por uma unidade percentual.
Esta análise é partilhada por Arndt, James and Simler (2005) e Arndt, Jones and Tarp (2006) que
argumentam que a eficácia do crescimento do PIB a reduzir apobreza é mais baixa em
Moçambique do que em outros países africanos com níveis semelhantes de desenvolvimento, e
está a reduzir, o que chama a atenção para a necessidade de medidas que permitam alargar a base
produtiva e aumentar a produtividade, em vez de apenas terem um impacto incremental na
economia. Até que ponto é que a redução da eficácia do impacto do crescimento económico no
combate à pobreza reflecte os padrões de acumulação, crescimento e distribuição gerados pela
dependência da economia em relação ao investimento privado estrangeiro (concentrado em
grandes projectos de recursos naturais)? Até que ponto seria esta eficácia ainda pior na ausência
de ajuda externa para financiar o investimento público? Até que ponto é que a redução da
eficácia do crescimento económico em reduzir pobreza em Moçambique é o produto, ou está
relacionada com as características historicamente específicas de formação das classes capitalistas
nacionais?
Até que ponto é que medidas de natureza monetarista e de curto prazo (como a esterilização da
ajuda externa, o aumento excessivo das reservas externas, a emissão de obrigações e títulos do
tesouro para financiar a despesa pública e enxugar liquidez) são, de facto, eficazes para
estabilizar a economia nacional, dado que as debilidades da economia, incluindo a sua
incapacidade de se financiar e a sua tendência para a instabilidade, são de natureza estrutural?
Até que ponto é que tais medidas são necessárias?
Quais são os impactos das tentativas de gerir indicadores monetários, com enfoque na
estabilização de curto prazo, no comportamento e opções dos investidores nacionais e
estrangeiros, ou, por outras palavras, até que ponto é que estas medidas monetaristas de
estabilização constrangem as opções, o comportamento e os interesses dos agentes económicos
nacionais, encorajando-os a optarem por actividades de alto retorno a curto prazo e a engajarem-
se na luta por rendas financeiras e relacionadas com política pública, capital estrangeiro e
especulação com os recursos naturais do país? Estas e outras perguntas e inquietações vêm sendo
levantadas há mais de uma década [Castel-Branco (2002a, 2002b, 1997, 1996 e 1995) e Castel-
Branco, Sulemane et al (2005)],6 mas tanto as autoridades nacionais como os seus parceiros
externos lhes têm prestado pouca atenção.
Recentemente, quatro pressões poderosas contribuíram para que estas questões começassem a
tornar-se politicamente mais relevantes. Primeiro, depois de uma década de silêncio ou de
ambiguidades e contradições, o BM e o FMI reconheceram oficialmente que os mega projectos
pouco ou nada contribuem para a redução da pobreza e para a sustentabilidade do crescimento
económico e que os incentivos fiscais que lhes são atribuídos os tornam irrelevantes e elevam os
seus rácios de custo/benefício social. Segundo, a manutenção da profunda dependência fiscal
começou a alarmar tanto o Governo de Moçambique (GdM), por causa de factores de soberania,
como os seus parceiros externos, por causa das dificuldades de justificar e manter os níveis
correntes de ajuda externa depois de duas décadas e meia de estabilização e ajustamento
estrutural. Terceiro, tanto a revolta popular de 5 de Fevereiro de 2008 (suscitada pelo aumento
dos preços de combustíveis, transportes colectivos e alimentos, um dia após o Presidente do
Banco Mundial ter declarado Moçambique como exemplo de sucesso em África) como a crise
económica internacional revelaram algumas das fraquezas e vulnerabilidades da economia e dos
seus padrões de acumulação. Quarto, a questão do espaço fiscal tornou-se central no debate de
política económica tanto para as economias industrializadas e doadoras, como para as economias
recipientes da ajuda externa. No caso específico de Moçambique, este debate inclui duas outras
dimensões: (i) a preocupação do FMI com a estabilidade macroeconómica e a gestão da dívida
em face das intenções do Governo de Moçambique de utilizar fluxos privados de capital (por
exemplo, as parcerias público-privadas) e créditos concessionais e não concessionais para o
financiamento do défice do orçamento do Estado; e (ii) a preocupação mais geral sobre o
impacto que tais modalidades de financiamento privado do défice do orçamento do Estado
poderão ter na estratégia de despesa pública, dado que o Estado poderá concentrar-se mais no
retorno financeiro de curto prazo e nas taxas de mercado das suas despesas do que no retorno
social de longo prazo do investimento público no desenvolvimento alargado da economia. Este
artigo concentra-se na discussão das causas estruturais e dinâmicas das fraquezas dos padrões de
acumulação económica em Moçambique. O artigo desenvolve o conceito de economia extractiva
e relaciona-o com a história e a economia política do padrão de acumulação, distribuição e
reprodução. Esta discussão realiza-se, revisitando as análises históricas e os dados oficiais da
economia moçambicana e, nesse processo, explorando duas vertentes relacionadas: a composição
do crescimento económico e o seu impacto na estabilidade estrutural da macroeconomia de
Moçambique. O artigo avança pontos para a construção da economia política da dependência
externa em Moçambique e o tratamento da questão fiscal. Finalmente, o artigo discute alguns
desafios fundamentais para a transformação destes padrões e, por conseguinte, para o processo
de industrialização.
1.1 Economia extractiva – metodologia de análise do modo de acumulação capitalista em
Moçambique
Esta secção define o conceito de economia extractiva e identifica e descreve, empiricamente, as
características dominantes do padrão de acumulação e industrialização em Moçambique. Por
conseguinte, esta secção fornece a base para discutir as características estruturais da produção e
comércio, as ligações dessas características com os padrões de instabilidade e os desafios que se
colocam para mudar estas características.
explicação lógica. Por um lado, o período reflecte a tentativa de encontrar padrões económicos e
sociais que se reproduzam ou alterem ao longo do tempo bem como descobrir as dinâmicas que
expliquem essa reprodução ou alteração. Três características dominantes da economia nacional
contemporânea podem ser traçadas ao longo do tempo para o passado: (i) a natureza primária e
concentrada das exportações, (ii) a dificuldade de substituição efectiva de importações e de
articulação da economia e (iii) as pressões crónicas e insustentáveis sobre a balança de
pagamentos que se intensificam quando a economia expande e que se reflectem em ciclos
relativamente curtos de expansão e contracção económica. Por outro lado, os padrões
económicos e as suas dinâmicas, os seus conflitos e as suas tensões são mais facilmente visíveis
em momentos de crise ou mudança.
Dados os traços característicos dos padrões de acumulação que se reflectem ao longo do tempo,
seria lógico que a análise começasse antes da independência nacional (mudança de regime
político é sempre um momento de crise e tensão) e conseguisse captar um momento importante
de crise e tensão ainda no tempo colonial. Para a corrente caracterização dos padrões de
acumulação, este período seria, logicamente, o momento anterior à grande aceleração da
indústria de acabamento, que se iniciou em finais dos anos 50 do século XX. Esta lógica
analítica, associada à disponibilidade de informação estatística, determinou que o período em
análise fosse, sempre que possível entre finais dos anos 50 ou inícios dos anos 60 e 2008 ou
2009.
A indústria energética, por exemplo, tem a componente puramente extractiva (por exemplo, de
minerais como petróleo, gás, carvão e urânio) e processamento básico (por exemplo, refinação
do petróleo e separação da hulha (carvão industrial para a formação de ligas de aço, por
exemplo) do restante carvão para queima) antes de estes minerais/combustíveis serem postos à
disposição das indústrias utilizadoras. O desenvolvimento da ciência e tecnologia permite a
produção de combustíveis líquidos sintéticos com base no carvão e gás, de biocombustíveis de
primeira e segunda geração a partir de vegetais ou resíduos, bem como a extracção de energia do
hidrogénio, a captação da energia produzida pela ruptura do núcleo de elementos pesados (como
o urânio), a colheita da energia das águas dos rios, das ondas do mar, da força do vento ou da luz
solar. O mesmo acontece com a indústria de metais básicos (que incluiu desde a extracção e
gradual refinação de areias pesadas, ou minerais, até à obtenção dos metais básicos e formação
de ligas metálicas, bem como a colocação de uns e outros à disposição das indústrias que os
transformam em bens de uso corrente para consumo e produção).
O mesmo exemplo pode ser estendido à indústria de materiais de construção (que inclui uma
vertente de extracção de pedra, areias, argilas, calcário e outros componentes do cimento e
cerâmicas) ou de agroquímicos (que inclui a componente de extracção de hidrocarbonetos e
outros recursos minerais que entram na composição de fertilizantes, herbicidas e pesticidas). A
“indústria extractiva propriamente dita” pode ser expandida para incluir a extracção de madeira e
produtos do mar na edida em que esta actividade é essencialmente a mesma (extrair um recurso
natural para utilização noutras actividades, a jusante ou montante, ou para consumo final).
Em todos estes casos, com mais ou menos complexidade científica e tecnológica, com mais ou
menos possibilidades de renovação do recurso extraído, em função do seu ciclo de reprodução e
da gestão da sua exploração, o conceito dominante nestas actividades é a extracção de um
recurso para o pôr à disposição de outrem, sem processamento adicional ou com o
processamento mínimo necessário para conservar o recurso uma vez extraído, para minimizar os
custos de transporte e aumentar o valor por unidade de carga transportada. Nos parágrafos
anteriores, foram descritas actividades extractivas nucleares (por exemplo, as de extracção dos
minerais, das madeiras e dos produtos do mar) e periféricas (as de utilização desses recursos
naturais para produzir energia, ligas metálicas, metais de alta tecnologia, materiais de construção,
agroquímicos, entre outros).
A expansão vertical e/ou horizontal, assim como a evolução de actividades extractivas nucleares
para as periféricas, são geralmente financiada pelo processo da acumulação realizada na
actividade extractiva nuclear e, frequentemente, correspondem a estratégias de controlo dos
mercados e das rendas monopolistas ou oligopolistas.
Portanto, a indústria extractiva descreve um tipo de produção que faz parte de cadeias de valor
mais amplas (do mesmo modo que o carvão pode ser parte da cadeia dos metais básicos ou de
energia) e que tem ligações económicas complexas através do sistema financeiro, da alocação de
direitos de propriedade, da acumulação de rendas de recursos naturais, da estruturação dos
mercados e das ligações corporativas.
Fará sentido aplicar este exemplo a uma economia (em vez de uma empresa ou uma indústria
com as suas ligações)? Que vantagens analíticas poderá tal aplicação trazer? Em que é que esta
aplicação difere da metodologia utilizada por Fine e Rustomjee (1996) para a análise da
economia sul-africana? Por economia extractiva (em vez de indústria extractiva propriamente
dita) entende-se uma dinâmica económica e social produtiva e de acumulação que é dominante
(isto é, que estrutura e subordina as dinâmicas fundamentais de acumulação) e que se estrutura
em torno de um conjunto de características semelhantes às usadas para descrever a indústria
extractiva. Ao nível da economia como um todo, este padrão extractivo de acumulação tem
efeitos estruturantes sobre os padrões de produção, comércio, propriedade, acumulação,
distribuição e relações sociais, bem como sobre as capacidades, opções e sustentabilidade dos
processos de reprodução económica e social ao longo do tempo.
3 Caracterização do modo de acumulação capitalista em Moçambique
Este capítulo procura demonstrar, com recurso intensivo a estatística descritiva, que o modo (ou
padrão) de acumulação em Moçambique é dominantemente extractivo, e que esta característica
foi adquirida historicamente, foi desenvolvida em torno de interesses específicos do capitalismo
internacional e contribuiu, ao longo do tempo, para gerar e consolidar uma aliança próxima entre
o capital nacional e o capital internacional. A análise demonstra, ainda, que este padrão de
acumulação gera vulnerabilidades económicas fundamentais, estruturais e dinâmicas, tendo
gerado um padrão de dependência externa multidimensional. Por estudo dos “padrões” e
“dinâmicas” de acumulação económica entendesse a análise das características económicas,
sociais e políticas das tendências de crescimento, reprodução, diferenciação e distribuição
económica e social em condições históricas específicas, tomando em conta as relações
complexas e dinâmicas entre os agentes e as pressões económicas e sociais a que estes estão
sujeitos e com as quais interagem dinamicamente. Este estudo requer a análise das dinâmicas das
estruturas produtivas (o que é produzido, quanto, como, com que grau de interligação e como é
distribuído, e ainda como é que estas “estruturas” mudam e porquê) e das dinâmicas do poder,
instituições e relações políticas, bem como o estudo de como é que as estruturas, os agentes e as
tensões económicas e políticas se relacionam e interligam. Sobretudo, tal estudo requer a
compreensão da forma como as forças, os interesses e as pressões políticas, económicas e sociais
se conjugam e operam no quadro dessas estruturas, instituições, conflitos e tensões. Em outras
palavras, o estudo dos padrões e dinâmicas de acumulação reflecte uma abordagem de economia
política das capacidades e relações de produção, reprodução, diferenciação e distribuição.
Neste artigo, desenvolve-se a análise dos padrões de acumulação económica, com ênfase nos
padrões de industrialização, investimento e comércio. O foco nas dinâmicas de industrialização
deve-se a vários factores. Em primeiro lugar, o desenvolvimento do capitalismo é um processo
de industrialização e, como consequência, de proletarização [Fine and Rustomjee (1996),
Hamilton (1983) e Dobb (1963 e 2007)]. Questões como subdesenvolvimento, dependência,
pobreza e desenvolvimento desigual do capitalismo, em última análise, referem-se a padrões de
industrialização e proletarização em condições históricas específicas. Em segundo lugar, a
industrialização está relacionada com o processo de transformação e articulação da base e da
organização social, económica, logística e tecnológica da produção e do comércio. As
características específicas dos processos de industrialização em determinada realidade história
são simultaneamente o reflexo do padrão de acumulação e reprodução e um indicador dos
desafios de industrialização. Em terceiro lugar, o desafio de diversificação e articulação da
actividade económica é, por natureza, um desafio de industrialização entendido numa
perspectiva de economia política do desenvolvimento [Fine and Rustomjee (1996), Hirschman
(1958), Amsden (1997), Brum (1976), Stewart (1976), Shirai and Huang (1994) e Chang
(1996)]. Em quarto lugar, a evidência histórica mostra que nenhuma economia se diversificou,
articulou e desenvolveu no contexto do capitalismo sem o processo de transformação económica
através da industrialização e proletarização [Amsden (1997, 1994 e 1989), Chang (1996), que
seguiram processos de industrialização e proletarização sustentaram níveis
O artigo de Brum é uma boa introdução para este debate pois, para além doseu contributo geral
para a caracterização do padrão de acumulação industrial, permite identificar algumas
consequências fundamentais deste tipo de expansão económica que se repetem ao longo da
história independentemente de quais são os produtos, firmas e sectores que predominam num
certo período. Em primeiro lugar, este tipo de expansão industrial depende do desempenho das
indústrias de exportação de produtos primários, as quais são vulneráveis à monopolização e
finanças dos mercados internacionais, são sujeitas a altas taxas de substituição determinadas pelo
progresso tecnológico e, pelas razões anteriores, enfrentam preços e mercados voláteis.
O IDE em projectos de grande escala, que começou a crescer rapidamente em meados da década
de 90, trouxe consigo a capacidade tecnológica, a penetração em mercados oligopolistas, a
reputação comercial e os meios de financiamento, substituindo a necessidade de
desenvolvimento de uma burguesia nacional industrial e criando mais uma oportunidade para
uma acumulação primitiva não produtiva e assente na utilização do acesso privilegiado das elites
nacionais aos recursos naturais, para se associarem às empresas multinacionais neles
interessadas.
Para manter a coerência das políticas de estabilização monetaristas do FMI em face dos
crescentes fluxos combinados de capitais externos (IDE, empréstimos comerciais e ajuda
externa), o BdM intensificou as políticas de estabilização monetária por via da limitação da
dívida pública ao sistema financeiro, da criação de reservas externas excessivas, sucção de
liquidez da economia, rácios elevados de reservas precaucionais obrigatórias, esterilização da
ajuda externa, entre outras, de modo a manter a massa monetária em linha com os alvos de
inflação [Amarcy (2009a e 2009b), Castel-Branco (2002a)]. Num contexto em que a despesa
pública é sobretudo aplicada em importações e consumo social por via da construção de infra-
estruturas sociais, a liquidez sugada da economia é de facto transferida para investimento não
directamente produtivo e intensivo em importações. Portanto, as políticas de estabilização
monetária têm restringido as oportunidades e a liquidez disponível para investir, ao mesmo
tempo em que criam incentivos para aplicação especulativa das poupanças privadas em
transacções financeiras [Amarcy (2009a e 2009b), Castel-Branco (2002a)].
As dinâmicas fiscais em Moçambique podem ser resumidas em dois pontos principais. Primeiro,
a base fiscal como percentagem do PIB tem crescido muito lentamente, apenas nove pontos
percentuais em mais de três décadas, a partir de uma base bastante baixa de 7% do PIB em 1975.
De 1995 (três anos após o fim da guerra civil e um ano após as primeiras eleições
multipartidárias) até 2006, as receitas fiscais como percentagem do PIB mantiveram-se
praticamente estáticas (aproximadamente em 12% do PIB) [Byiers (2009)]. O peso percentual da
receita fiscal no PIB aumentou cerca de meio ponto percentual por ano entre 2006 e 2009, como
resultado da melhoria da administração fiscal, da introdução de maior rigor na colecta do IVA e
dos impostos aduaneiros e também da redução da evasão das empresas ao pagamento do imposto
sobre o seu rendimento.
Esta lentidão no crescimento das receitas fiscais em Moçambique é consistente com a tendência
na África Sub-Sahariana, embora, em média, as receitas fiscaiscomo percentagem do PIB neste
sub-continente sejam mais altas do que em Moçambique (aproximadamente 17% do PIB), e
cresçam mais rapidamente (1% do PIB por ano) [McKinley and Kyrili (2009) e McKinley
(2009)].
Castel-Branco, C. N. and N. Goldin. (2003). Impact on the Mozal aluminium smelter on the
Mozambican economy. Research report. Maputo. (também disponível no website do IESE
através do link http://www.iese.ac.mz/lib/cncb/Mozal_and_economic_ development.pdf ).
Dobb, M. (1963). Economic growth and underdeveloped countries. Lawrence and Wishart:
London.
Eaton, J. and S. Kortum. (1995). “Engines of growth: domestic and foreign sources of
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Fine, B. and A. Saad-Filho. (2004). Marx’s Capital. 4th Edition. Pluto Press: London.
Fine, B. and Z. Rustomjee. (1996). The Political Economy of South Africa: from Minerals-
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80. Gore, C. (1996.) “Methodological nationalism and the misunderstanding of East Asian
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Greenaway, D. (1991). “New trade theories and developing countries”. in Balasubramanyam, V.,
and S. Lall. (eds.) Current Issues in Development Economics. Macmillan: London.
6 Conclusões
Os resultados mostram que a contribuição mais importante que está a ser feita pela Dunavant na
esfera do emprego é a sua oferta de oportunidades de geração de rendimentos a um grande
número de agricultores na produção e venda de algodão, bem como oferecendo um número
(embora menor) de empregos aos trabalhadores da fábrica e a algumas empresas locais.
As culturas alimentares ainda continuam a ser produzidas, portanto, a produção de algodão não
constitui uma ameaça para a saúde e segurança alimentar. De facto, de acordo com Benfica
(2003 e 1998), os agricultores de algodão cultivam mais milho porque o milho é usado como
salário para a mão-de-obra adicional contratada. Embora as mulheres suportem um fardo
desproporcionado de trabalho, especialmente se se tomar em conta as suas tarefas domésticas e
responsabilidades com as crianças, o seu papel na geração de rendimentos produzindo algodão
para a Dunavant parece ter melhorado o seu poder de negociação e acesso a rendimentos dentro
do agregado familiar.