Economia Extrativa

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UNIVERSIDADE MUSSA BIM BIQUE

FACULDADE DE DIREITO

JOYCE ERNESTO PACULE

Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique

Nampula
2020
UNIVERSIDADE MUSSA BIM BIQUE
FACULDADE DE DIREITO

JOYCE ERNESTO PACULE

Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique

Trabalho de caracter em Contabilidade na


Faculdade de Gestão e Contabilidade da
Universidade Mussa Bim Bique.

Nampula
2020
Índice

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................3
2 Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique....................................4
1.1 Economia extractiva – metodologia de análise do modo de acumulação capitalista em
Moçambique................................................................................................................................8
3 Caracterização do modo de acumulação capitalista em Moçambique..................................11
4 Concentração e desarticulação da base produtiva e comercial e do investimento.................12
1.2 Concentração da produção..............................................................................................14
1.3 Concentração do comércio..............................................................................................14
1.4 Concentração e dependência externa do investimento privado......................................14
1.5 Concentração das infra-estruturas e serviços..................................................................14
1.6 Padrão mais geral de dependência externa.....................................................................15
1.7 Insustentabilidade do modo de acumulação medida pela conta corrente.......................16
1.8 Economia política da acumulação e reprodução dependentes........................................17
1.9 Dinâmicas e desafios das ligações fiscais.......................................................................18
1.10 Desafios de industrialização: para além da economia extractiva................................18
1.11 Desafios de industrialização........................................................................................19
5 REFERENCIAS....................................................................................................................20
6 Conclusões.............................................................................................................................21
1 INTRODUÇÃO
Por estudo dos “padrões” e “dinâmicas” de acumulação económica e de pobreza entendemos a
análise das características económicas, sociais e políticas das tendências de crescimento,
reprodução, diferenciação e distribuição económica e social em condições históricas específicas,
tomando em conta as relações complexas e dinâmicas entre os agentes e as pressões económicas
e sociais com as quais eles se relacionam. Este estudo requer a análise das estruturas (o que é
produzido, quanto, como, com que grau de interligação e como é distribuído) e instituições
(políticas, sistemas políticos e organizações políticas, participação dos cidadãos na vida política e
na governação, etc.),
2 Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique
A experiência económica de Moçambique é frequentemente apresentada como um exemplo de
sucesso na promoção de rápido crescimento com estabilização e redução da pobreza. O grau e a
robustez do sucesso económico

moçambicano são determinados pela magnitude das taxas de variação, isto é, por quanto é que a
economia cresce e a pobreza reduz, e por quão estáveis são (ou por quão pouco variam) os
indicadores monetários, chave da abordagem monetarista de estabilização (inflação, reservas
internacionais e taxa de câmbio).

Este sucesso é geralmente explicado pela prudência das políticas monetárias e fiscais do
Governo de Moçambique (GdM) e pelo crescente incentivo ao sector privado. O grau de
prudência monetária e fiscal é avaliado pelo enfoque de tais políticas na estabilização monetária
de curto prazo, nomeadamente no controlo da massa monetária e do défice fiscal, através da
utilização de vários instrumentos: as reservas obrigatórias dos bancos, as reservas externas, a
esterilização da ajuda externa, a emissão de títulos e obrigações do tesouro para financiar o
défice fiscal e enxugar a liquidez da economia, entre outros. O grau de incentivo ao sector
privado é determinado pela magnitude da liberalização económica, privatização de activos e
redução dos custos de transacção, através da remoção ou redução das chamadas barreiras ao livre
negócio como o licenciamento, exigências de informação sobre os investidores, protecção
laboral, entre outras. Mais recentemente, o aparente limitado impacto da crise económica e
financeira global na economia de Moçambique está a ser usado como evidência do sucesso
económico moçambicano, da robustez da sua economia e da prudência das suas políticas
económicas. Por consequência, o exemplo moçambicano parece validar os modelos neoliberais
de política económica avançados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco
Mundial (BM), segundo os quais a estabilização monetarista e a liberalização económica
promovem rápido crescimento económico e redução da pobreza com uma base sustentável do
ponto de vista macroeconómico.

Paradoxalmente, a economia nacional mantém anormalmente elevadas taxas de dependência em


relação a fluxos externos de capitais, tanto oficiais (ajuda externa, com incidência em donativos)
como privados (investimento directo estrangeiro e empréstimos no sistema bancário
internacional). Estes fluxos externos de capitais determinam a magnitude e os padrões de
investimento público e privado, bem como a relação entre as políticas públicas e os interesses
privados.

Por um lado, a ajuda externa financia metade da despesa pública on budget, ou mais de 60% da
despesa pública se os projectos off budget forem considerados.

Por via da despesa pública, a ajuda externa financia a balança comercial, pagando por 60% das
importações nacionais (excluindo as importações dos megaprojectos). A construção de reservas
externas é parcialmente financiada com recursos consignados por instituições financeiras
internacionais, com a esterilização da ajuda externa e com a aplicação financeira desses recursos
nos mercados financeiros internacionais. Por exemplo, ao longo de 2008 e 2009, as reservas
internacionais de Moçambique foram protegidas pela injecção de cerca de US$ 200 milhões pelo
FMI. Recentemente, durante as festividades do 35º aniversário do Banco de Moçambique, o
Governador do banco central afirmou que, apesar de as exportações de Moçambique terem
diminuído em cerca de um terço entre 2008 e 2009 e as importações terem aumentado no mesmo
período (assim agravando um défice comercial crónico de mais de três décadas), as reservas
internacionais foram protegidas e até aumentaram com base no financiamento do FMI.2
Portanto, sem a ajuda externa, o Estado, ou entraria em colapso e não conseguiria manter a sua
imagem de efectivo provedor de serviços, ou teria que melhorar substancialmente a colecta de
impostos, o que implicaria diminuir os generosos incentivos fiscais para o investimento
estrangeiro de grande escala.

Por outro lado, os fluxos externos de capitais privados nos últimos quinze anos representaram
aproximadamente 85% do investimento privado total em Moçambique.

A importância relativa destes fluxos vai tender a aumentar à medida que as empresas
multinacionais de economias emergentes (China, Índia e Brasil) penetrem na economia nacional.
O grosso deste investimento é aplicado num pequeno número de grandes projectos de natureza
extractiva (minerais, florestas, energia, produtos agrícolas não processados para exportação,
entre outros) ou em indústrias de natureza oligopolista (bebidas, açúcar, cimento, entre outras), o
que origina que apenas duas dezenas de empresas, que empregam cerca de cinquenta mil
trabalhadores, produzam o grosso do crescimento do PIB. Como é que estes níveis de
dependência externa e de concentração económica são consistentes com a história de sucesso
económico de Moçambique?

Duas décadas e meia após o início da implementação das medidas de estabilização e ajustamento
estrutural em Moçambique,3 a “estabilidade” dos indicadores monetários, a “redução” da
pobreza e o “limitado” impacto da crise internacional continuam dependentes destes fluxos
externos de capitais públicos e privados. O efeito potencial das “prudentes” medidas monetárias
e fiscais seguidas pelo GdM na contracção do investimento público e da economia não se faz
sentir, porque estas medidas “prudentes” são compensadas pela ajuda externa.

Se o investimento privado é tão dependente de fluxos externos de capitais, e se estes fluxos


reflectem sobretudo os interesses globais dos grandes investidores multinacionais, interessados
em explorar os recursos naturais de Moçambique (terra, florestas, água, recursos minerais e
energéticos), que padrão de produção e comércio está a ser criado? A continuação desta
dependência profunda não será um indicador da fragilidade estrutural da base produtiva,
comercial e fiscal da economia e das características específicas e historicamente determinadas do
padrão de acumulação primitiva pelas classes capitalistas emergentes nacionais?
Ao longo da última década e meia, a eficácia do crescimento da economia em reduzir a pobreza,
medida pela elasticidade da redução da percentagem da população que vive abaixo da linha da
pobreza em relação à taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), tem vindo a diminuir.
Dados dos inquéritos aos agregados familiares (IAF) mostram que entre 1997 e 2002 a
percentagem da população vivendo abaixo da linha da pobreza diminuiu 15% (isto é, em média
diminuiu 2,35% ao ano), enquanto o PIB aumentou 55% (isto é, em média cresceu 7,5% ao ano).

Logo, por cada 1% da pobreza que se reduziu, foi necessário que a economia crescesse um pouco
mais do que 3,6%; por outras palavras, para cada aumento do PIB em 1%, a pobreza reduzia
0,27%.4 No entanto, no período seguinte, 2003-2008, o PIB voltou a crescer cerca de 55%, mas
os dados preliminares do IAF, ainda não oficiais, indicam que, em termos globais, a percentagem
da população vivendo abaixo da linha da pobreza diminui apenas 7% ou menos, tendo
aumentado nas zonas urbanas e em algumas zonas rurais. Logo, neste período foi necessário que
o PIB crescesse 7,9% para que a pobreza reduzisse 1%; em outras palavras, para cada aumento
do PIB em 1%, a pobreza reduziu apenas 0,13%.5 Isto significa que a eficácia do crescimento do
PIB a reduzir a pobreza piorou substancialmente, tendo a economia sido forçada a crescer 2
vezes mais do que no período anterior para que a pobreza reduzisse por uma unidade percentual.
Esta análise é partilhada por Arndt, James and Simler (2005) e Arndt, Jones and Tarp (2006) que
argumentam que a eficácia do crescimento do PIB a reduzir apobreza é mais baixa em
Moçambique do que em outros países africanos com níveis semelhantes de desenvolvimento, e
está a reduzir, o que chama a atenção para a necessidade de medidas que permitam alargar a base
produtiva e aumentar a produtividade, em vez de apenas terem um impacto incremental na
economia. Até que ponto é que a redução da eficácia do impacto do crescimento económico no
combate à pobreza reflecte os padrões de acumulação, crescimento e distribuição gerados pela
dependência da economia em relação ao investimento privado estrangeiro (concentrado em
grandes projectos de recursos naturais)? Até que ponto seria esta eficácia ainda pior na ausência
de ajuda externa para financiar o investimento público? Até que ponto é que a redução da
eficácia do crescimento económico em reduzir pobreza em Moçambique é o produto, ou está
relacionada com as características historicamente específicas de formação das classes capitalistas
nacionais?

Até que ponto é que medidas de natureza monetarista e de curto prazo (como a esterilização da
ajuda externa, o aumento excessivo das reservas externas, a emissão de obrigações e títulos do
tesouro para financiar a despesa pública e enxugar liquidez) são, de facto, eficazes para
estabilizar a economia nacional, dado que as debilidades da economia, incluindo a sua
incapacidade de se financiar e a sua tendência para a instabilidade, são de natureza estrutural?
Até que ponto é que tais medidas são necessárias?

Quais são os impactos das tentativas de gerir indicadores monetários, com enfoque na
estabilização de curto prazo, no comportamento e opções dos investidores nacionais e
estrangeiros, ou, por outras palavras, até que ponto é que estas medidas monetaristas de
estabilização constrangem as opções, o comportamento e os interesses dos agentes económicos
nacionais, encorajando-os a optarem por actividades de alto retorno a curto prazo e a engajarem-
se na luta por rendas financeiras e relacionadas com política pública, capital estrangeiro e
especulação com os recursos naturais do país? Estas e outras perguntas e inquietações vêm sendo
levantadas há mais de uma década [Castel-Branco (2002a, 2002b, 1997, 1996 e 1995) e Castel-
Branco, Sulemane et al (2005)],6 mas tanto as autoridades nacionais como os seus parceiros
externos lhes têm prestado pouca atenção.

Recentemente, quatro pressões poderosas contribuíram para que estas questões começassem a
tornar-se politicamente mais relevantes. Primeiro, depois de uma década de silêncio ou de
ambiguidades e contradições, o BM e o FMI reconheceram oficialmente que os mega projectos
pouco ou nada contribuem para a redução da pobreza e para a sustentabilidade do crescimento
económico e que os incentivos fiscais que lhes são atribuídos os tornam irrelevantes e elevam os
seus rácios de custo/benefício social. Segundo, a manutenção da profunda dependência fiscal
começou a alarmar tanto o Governo de Moçambique (GdM), por causa de factores de soberania,
como os seus parceiros externos, por causa das dificuldades de justificar e manter os níveis
correntes de ajuda externa depois de duas décadas e meia de estabilização e ajustamento
estrutural. Terceiro, tanto a revolta popular de 5 de Fevereiro de 2008 (suscitada pelo aumento
dos preços de combustíveis, transportes colectivos e alimentos, um dia após o Presidente do
Banco Mundial ter declarado Moçambique como exemplo de sucesso em África) como a crise
económica internacional revelaram algumas das fraquezas e vulnerabilidades da economia e dos
seus padrões de acumulação. Quarto, a questão do espaço fiscal tornou-se central no debate de
política económica tanto para as economias industrializadas e doadoras, como para as economias
recipientes da ajuda externa. No caso específico de Moçambique, este debate inclui duas outras
dimensões: (i) a preocupação do FMI com a estabilidade macroeconómica e a gestão da dívida
em face das intenções do Governo de Moçambique de utilizar fluxos privados de capital (por
exemplo, as parcerias público-privadas) e créditos concessionais e não concessionais para o
financiamento do défice do orçamento do Estado; e (ii) a preocupação mais geral sobre o
impacto que tais modalidades de financiamento privado do défice do orçamento do Estado
poderão ter na estratégia de despesa pública, dado que o Estado poderá concentrar-se mais no
retorno financeiro de curto prazo e nas taxas de mercado das suas despesas do que no retorno
social de longo prazo do investimento público no desenvolvimento alargado da economia. Este
artigo concentra-se na discussão das causas estruturais e dinâmicas das fraquezas dos padrões de
acumulação económica em Moçambique. O artigo desenvolve o conceito de economia extractiva
e relaciona-o com a história e a economia política do padrão de acumulação, distribuição e
reprodução. Esta discussão realiza-se, revisitando as análises históricas e os dados oficiais da
economia moçambicana e, nesse processo, explorando duas vertentes relacionadas: a composição
do crescimento económico e o seu impacto na estabilidade estrutural da macroeconomia de
Moçambique. O artigo avança pontos para a construção da economia política da dependência
externa em Moçambique e o tratamento da questão fiscal. Finalmente, o artigo discute alguns
desafios fundamentais para a transformação destes padrões e, por conseguinte, para o processo
de industrialização.
1.1 Economia extractiva – metodologia de análise do modo de acumulação capitalista em
Moçambique
Esta secção define o conceito de economia extractiva e identifica e descreve, empiricamente, as
características dominantes do padrão de acumulação e industrialização em Moçambique. Por
conseguinte, esta secção fornece a base para discutir as características estruturais da produção e
comércio, as ligações dessas características com os padrões de instabilidade e os desafios que se
colocam para mudar estas características.

O conceito “economia extractiva” resulta da tentativa de caracterização sistemática, lógica e


envolvente das dinâmicas dominantes de acumulação económica em Moçambique, ao longo do
tempo, com base na investigação das forças e actividades nucleares e periféricas de acumulação
em Moçambique. E também de procurar saber como é que estas se interligam e como estruturam

os padrões de investimento, de financiamento, de produção, de comércio, de políticas públicas e


de dinâmicas de formação e acumulação das classes capitalistas nacionais e ainda como são, por
sua vez, estruturadas por esses padrões. 7 A escolha do período coberto pela análise estatística
neste artigo (tanto quanto possível, o último meio século de economia de Moçambique) tem uma

explicação lógica. Por um lado, o período reflecte a tentativa de encontrar padrões económicos e
sociais que se reproduzam ou alterem ao longo do tempo bem como descobrir as dinâmicas que
expliquem essa reprodução ou alteração. Três características dominantes da economia nacional
contemporânea podem ser traçadas ao longo do tempo para o passado: (i) a natureza primária e
concentrada das exportações, (ii) a dificuldade de substituição efectiva de importações e de
articulação da economia e (iii) as pressões crónicas e insustentáveis sobre a balança de
pagamentos que se intensificam quando a economia expande e que se reflectem em ciclos
relativamente curtos de expansão e contracção económica. Por outro lado, os padrões
económicos e as suas dinâmicas, os seus conflitos e as suas tensões são mais facilmente visíveis
em momentos de crise ou mudança.

Dados os traços característicos dos padrões de acumulação que se reflectem ao longo do tempo,
seria lógico que a análise começasse antes da independência nacional (mudança de regime
político é sempre um momento de crise e tensão) e conseguisse captar um momento importante
de crise e tensão ainda no tempo colonial. Para a corrente caracterização dos padrões de
acumulação, este período seria, logicamente, o momento anterior à grande aceleração da
indústria de acabamento, que se iniciou em finais dos anos 50 do século XX. Esta lógica
analítica, associada à disponibilidade de informação estatística, determinou que o período em
análise fosse, sempre que possível entre finais dos anos 50 ou inícios dos anos 60 e 2008 ou
2009.

O leitor desprevenido, mas informado, poderá questionar a validade do conceito “economia


extractiva” quando ele é aplicado para caracterizar a história económica de Moçambique no
último meio século. O argumento deste leitor incidirá, correctamente, sobre pelos menos dois
factos. Primeiro facto, a indústria extractiva, propriamente dita, tornou-se dominante no
investimento privado apenas na primeira década do séc. XXI, isto é, na última década do meio
séculoem análise. Segundo facto, a indústria extractiva, propriamente dita, representa apenas
uma pequena fracção do PIB de Moçambique, embora se preveja que a sua importância venha a
crescer muito rapidamente na próxima década dado o seu peso crescente no investimento
produtivo. Portanto, concluirá o leitor, “economia extractiva” é uma previsão (do futuro) em vez
de uma descrição (do passado e presente) das dinâmicas de acumulação da economia de
Moçambique. Comotal, segundo este leitor, este conceito não pode constituir base metodológica
de análise das dinâmicas económicas de Moçambique ao longo do tempo, porque estas não
parecem estar associadas com a indústria extractiva propriamente dita. Dado que as questões
colocadas por este leitor informado, mas desprevenido, têm razão de ser, é necessário dedicar
algum espaço e tempo a explicar o significado analítico deste conceito neste artigo.

Por “indústria extractiva propriamente dita” referem-se as actividades de extracção de recursos


naturais, sem ou com pouco processamento (semiprocessamento) que adicione valor ao recurso
em si, antes de este recurso ser posto à disposição de outro utilizador. As indústrias extractivas
são as que extraem os recursos e os fornecem a outros utilizadores que eventualmente os
processam. Classicamente, as indústrias de extracção de recursos minerais (minerais ferrosos e
não ferrosos, hidrocarbonetos e outros), florestais e marinhos (incluindo a pesca) são
constituintes das chamadas “indústrias extractivas propriamente ditas”.

A indústria energética, por exemplo, tem a componente puramente extractiva (por exemplo, de
minerais como petróleo, gás, carvão e urânio) e processamento básico (por exemplo, refinação
do petróleo e separação da hulha (carvão industrial para a formação de ligas de aço, por
exemplo) do restante carvão para queima) antes de estes minerais/combustíveis serem postos à
disposição das indústrias utilizadoras. O desenvolvimento da ciência e tecnologia permite a
produção de combustíveis líquidos sintéticos com base no carvão e gás, de biocombustíveis de
primeira e segunda geração a partir de vegetais ou resíduos, bem como a extracção de energia do
hidrogénio, a captação da energia produzida pela ruptura do núcleo de elementos pesados (como
o urânio), a colheita da energia das águas dos rios, das ondas do mar, da força do vento ou da luz
solar. O mesmo acontece com a indústria de metais básicos (que incluiu desde a extracção e
gradual refinação de areias pesadas, ou minerais, até à obtenção dos metais básicos e formação
de ligas metálicas, bem como a colocação de uns e outros à disposição das indústrias que os
transformam em bens de uso corrente para consumo e produção).

O mesmo exemplo pode ser estendido à indústria de materiais de construção (que inclui uma
vertente de extracção de pedra, areias, argilas, calcário e outros componentes do cimento e
cerâmicas) ou de agroquímicos (que inclui a componente de extracção de hidrocarbonetos e
outros recursos minerais que entram na composição de fertilizantes, herbicidas e pesticidas). A
“indústria extractiva propriamente dita” pode ser expandida para incluir a extracção de madeira e
produtos do mar na edida em que esta actividade é essencialmente a mesma (extrair um recurso
natural para utilização noutras actividades, a jusante ou montante, ou para consumo final).
Em todos estes casos, com mais ou menos complexidade científica e tecnológica, com mais ou
menos possibilidades de renovação do recurso extraído, em função do seu ciclo de reprodução e
da gestão da sua exploração, o conceito dominante nestas actividades é a extracção de um
recurso para o pôr à disposição de outrem, sem processamento adicional ou com o
processamento mínimo necessário para conservar o recurso uma vez extraído, para minimizar os
custos de transporte e aumentar o valor por unidade de carga transportada. Nos parágrafos
anteriores, foram descritas actividades extractivas nucleares (por exemplo, as de extracção dos
minerais, das madeiras e dos produtos do mar) e periféricas (as de utilização desses recursos
naturais para produzir energia, ligas metálicas, metais de alta tecnologia, materiais de construção,
agroquímicos, entre outros).

Nas empresas extractivas há outras actividades (reparação de máquinas, operações especializadas


de engenharia, pesquisa laboratorial, prospecção física, administração) mas estas existem para
servir a componente nuclear da empresa, a extracção. Algumas empresas extractivas expandem
verticalmente ao longo da cadeia de valor, (por exemplo do carvão para o aço, da extracção de
gás para os fertilizantes e combustíveis sintéticos, da mineração de bauxite para a fabricação de
alumina e alumínio, e para a produção de peças e partes de alumínio para a indústria automóvel).
Outras expandem horizontalmente para outras actividades (por exemplo, para uma variedade de
metais não preciosos).

A expansão vertical e/ou horizontal, assim como a evolução de actividades extractivas nucleares
para as periféricas, são geralmente financiada pelo processo da acumulação realizada na
actividade extractiva nuclear e, frequentemente, correspondem a estratégias de controlo dos
mercados e das rendas monopolistas ou oligopolistas.

Portanto, a indústria extractiva descreve um tipo de produção que faz parte de cadeias de valor
mais amplas (do mesmo modo que o carvão pode ser parte da cadeia dos metais básicos ou de
energia) e que tem ligações económicas complexas através do sistema financeiro, da alocação de
direitos de propriedade, da acumulação de rendas de recursos naturais, da estruturação dos
mercados e das ligações corporativas.

Fará sentido aplicar este exemplo a uma economia (em vez de uma empresa ou uma indústria
com as suas ligações)? Que vantagens analíticas poderá tal aplicação trazer? Em que é que esta
aplicação difere da metodologia utilizada por Fine e Rustomjee (1996) para a análise da
economia sul-africana? Por economia extractiva (em vez de indústria extractiva propriamente
dita) entende-se uma dinâmica económica e social produtiva e de acumulação que é dominante
(isto é, que estrutura e subordina as dinâmicas fundamentais de acumulação) e que se estrutura
em torno de um conjunto de características semelhantes às usadas para descrever a indústria
extractiva. Ao nível da economia como um todo, este padrão extractivo de acumulação tem
efeitos estruturantes sobre os padrões de produção, comércio, propriedade, acumulação,
distribuição e relações sociais, bem como sobre as capacidades, opções e sustentabilidade dos
processos de reprodução económica e social ao longo do tempo.
3 Caracterização do modo de acumulação capitalista em Moçambique
Este capítulo procura demonstrar, com recurso intensivo a estatística descritiva, que o modo (ou
padrão) de acumulação em Moçambique é dominantemente extractivo, e que esta característica
foi adquirida historicamente, foi desenvolvida em torno de interesses específicos do capitalismo
internacional e contribuiu, ao longo do tempo, para gerar e consolidar uma aliança próxima entre
o capital nacional e o capital internacional. A análise demonstra, ainda, que este padrão de
acumulação gera vulnerabilidades económicas fundamentais, estruturais e dinâmicas, tendo
gerado um padrão de dependência externa multidimensional. Por estudo dos “padrões” e
“dinâmicas” de acumulação económica entendesse a análise das características económicas,
sociais e políticas das tendências de crescimento, reprodução, diferenciação e distribuição
económica e social em condições históricas específicas, tomando em conta as relações
complexas e dinâmicas entre os agentes e as pressões económicas e sociais a que estes estão
sujeitos e com as quais interagem dinamicamente. Este estudo requer a análise das dinâmicas das
estruturas produtivas (o que é produzido, quanto, como, com que grau de interligação e como é
distribuído, e ainda como é que estas “estruturas” mudam e porquê) e das dinâmicas do poder,
instituições e relações políticas, bem como o estudo de como é que as estruturas, os agentes e as
tensões económicas e políticas se relacionam e interligam. Sobretudo, tal estudo requer a
compreensão da forma como as forças, os interesses e as pressões políticas, económicas e sociais
se conjugam e operam no quadro dessas estruturas, instituições, conflitos e tensões. Em outras
palavras, o estudo dos padrões e dinâmicas de acumulação reflecte uma abordagem de economia
política das capacidades e relações de produção, reprodução, diferenciação e distribuição.

Neste artigo, desenvolve-se a análise dos padrões de acumulação económica, com ênfase nos
padrões de industrialização, investimento e comércio. O foco nas dinâmicas de industrialização
deve-se a vários factores. Em primeiro lugar, o desenvolvimento do capitalismo é um processo
de industrialização e, como consequência, de proletarização [Fine and Rustomjee (1996),
Hamilton (1983) e Dobb (1963 e 2007)]. Questões como subdesenvolvimento, dependência,
pobreza e desenvolvimento desigual do capitalismo, em última análise, referem-se a padrões de
industrialização e proletarização em condições históricas específicas. Em segundo lugar, a
industrialização está relacionada com o processo de transformação e articulação da base e da
organização social, económica, logística e tecnológica da produção e do comércio. As
características específicas dos processos de industrialização em determinada realidade história
são simultaneamente o reflexo do padrão de acumulação e reprodução e um indicador dos
desafios de industrialização. Em terceiro lugar, o desafio de diversificação e articulação da
actividade económica é, por natureza, um desafio de industrialização entendido numa
perspectiva de economia política do desenvolvimento [Fine and Rustomjee (1996), Hirschman
(1958), Amsden (1997), Brum (1976), Stewart (1976), Shirai and Huang (1994) e Chang
(1996)]. Em quarto lugar, a evidência histórica mostra que nenhuma economia se diversificou,
articulou e desenvolveu no contexto do capitalismo sem o processo de transformação económica
através da industrialização e proletarização [Amsden (1997, 1994 e 1989), Chang (1996), que
seguiram processos de industrialização e proletarização sustentaram níveis

de desenvolvimento e transformação a longo prazo, mas nenhuma atingiu essas dinâmicas de


desenvolvimento e transformação sem industrialização e proletarização. A caracterização dos
padrões de acumulação industrial em Moçambique e da sua relação com os padrões económicos
mais gerais de crescimento e acumulação centra-se em quatro questões: (i) o que está a acontecer
com a produção, comércio e investimento, como é que essas tendências se explicam e que
relação têm com os padrões mais gerais de acumulação e reprodução? (ii) até que ponto é que
este padrão de acumulação é consistente com os desafios económicos mais gerais, incluindo os
desafios relacionados com a construção de um quadro macroeconómico mais viável e dinâmico?
(iii) como é que os padrões de acumulação industrial são consistentes com a observação sobre a
extensão e profundidade da dependência em relação à ajuda externa? e (iv) até que ponto a
economia consegue reter a riqueza eventualmente gerada pela produção?

4 Concentração e desarticulação da base produtiva e comercial e do


investimento
Brum (1976) apresentou um dos primeiros estudos de um economista moçambicano a fornecer
uma descrição histórica e estrutural sistemática do desenvolvimento da economia capitalista
colonial em Moçambique, com enfoque no seu padrão de industrialização. Este estudo
classificou as indústrias em Moçambique em três categorias: (i) indústrias orientadas para
exportação, que consistem no semi-processamento de produtos primários maioritariamente
agrícolas e pesqueiros (pouco mais de um terço do sector manufactureiro e 80% das exportações
em princípios dos anos 1970); (ii) indústrias orientadas para o mercado doméstico mas
dependentes de importações, que consistem na montagem final de produtos de consumo com
limitado valor acrescentado (pouco mais de 40% do sector manufactureiro) e (iii) indústrias
orientadas para o mercado doméstico mas baseadas em recursos locais (açúcar, moagens de
cereais e óleos alimentares), correspondendo a pouco menos de 25% do produto industrial. Este
estudo identificou duas tendências interessantes no padrão industrial. Por um lado, as indústrias
que contribuíam com a maior proporção do valor industrial bruto tendiam a ter um valor
acrescentado industrial proporcionalmente menor que o médio das restantes indústrias. Esta
tendência pode ser explicada pela sua dependência de importações e por o seu contributo se
limitar à etapa final que acrescenta pouco valor às componentes importadas). Por outro lado, a
proporção do valor acrescentado relativamente ao produto industrial bruto tendia a diminuir à
medida que a produção industrial se expandia. Esta tendência pode ser explicada por três
factores. Primeiro, a expansão rápida das indústrias de acabamento dependentes de importações,
as quais acrescentam pouco valor em si, reduz a média do valor acrescentado da indústria e
aumenta a média da dependência de importações. Segundo, como as indústrias de acabamento
não desenvolviam fortes ligações dentro da economia nacional – por exemplo, com as indústrias
produtoras de matérias-primas ou as produtoras de peças, equipamentos e materiais auxiliares ou
intermediários – o valor acrescentado total aumentava muito mais lentamente do que o valor
bruto da produção. Terceiro, dado que as indústrias de acabamento (que produzem menos valor
acrescentado) cresciam muito mais depressa do que as de matérias-primas (que produzem mais
valor acrescentado por serem baseadas em recursos locais) e como entre essas indústrias as
ligações eram débeis ou inexistentes, a média do valor acrescentado nacional na indústria
diminuía. Estas conclusões são também confirmadas por Castel-Branco (2002a), Castel-Branco
(2003a), Castel-Branco and Goldin (2003), Wield (1977a) e (1977b), Wuyts (1989 e 1984).

Brum identificou três fraquezas estruturais fundamentais no padrão de industrialização em


Moçambique. Em primeiro lugar, o padrão de industrialização era excessivamente especializado
e concentrado. O semi-processamento de 10 produtos agrícolas representava 50% do produto
industrial, e oito subsectores eram responsáveis por 85% desse mesmo produto. Em segundo
lugar, as ligações entre actividades, firmas e subsectores eram fracas, limitadas e ocasionais por
causa da fraqueza das indústrias de bens de capital e intermediários. Finalmente, a expansão
industrial, determinada pelo rápido crescimento da indústria dependente e de acabamentos,
estava concentrada nas duas maiores cidades com grandes portos, Maputo e Beira por causa do
rápido crescimento das importações, que requeria a proximidade das indústrias a grandes portos
marítimos, e por causa da concentração populacional dos colonos, que eram o principal mercado
de consumo para essas indústrias, nessas cidades.

O artigo de Brum é uma boa introdução para este debate pois, para além doseu contributo geral
para a caracterização do padrão de acumulação industrial, permite identificar algumas
consequências fundamentais deste tipo de expansão económica que se repetem ao longo da
história independentemente de quais são os produtos, firmas e sectores que predominam num
certo período. Em primeiro lugar, este tipo de expansão industrial depende do desempenho das
indústrias de exportação de produtos primários, as quais são vulneráveis à monopolização e
finanças dos mercados internacionais, são sujeitas a altas taxas de substituição determinadas pelo
progresso tecnológico e, pelas razões anteriores, enfrentam preços e mercados voláteis.

Portanto, quando a indústria expande as pressões macroeconómicas podem atingir ponto de


ruptura, provocando uma contracção da produção. Este processo de ajustamento gera a segunda
consequência intertemporal, nomeadamente a instabilidade da acumulação industrial a médio e
longo prazo, por causa dos constrangimentos macroeconómicos criados pela estrutura produtiva
e comercial. Finalmente, este padrão de acumulação industrial reforça a dependência de fluxos
externos de capital e de um leque limitado de produtos primários semi-processados para
exportação, o que tende a reproduzir o padrão de acumulação e a limitar as opções de mudança e
de disseminação do progresso tecnológico e a generalização do aumento da produtividade [Brum
(1976), Castel-Branco (2002a e 2004a), Wield (1977a ) e Wuyts (1989)].
1.2 Concentração da produção
A evidência fornecida pela estatística oficial demonstra que os problemas descritos por Brum,
em 1976, não só permaneceram como se aprofundaram. Os gráficos 1, 2 e 3 mostram que a
produção industrial cresceu significativamente, mas a sua composição concentrou-se ainda mais
em torno de um pequeno leque de produtos primários ao longo do tempo. Este processo de
concentração foi acelerado com a entrada em funcionamento da Mozal (fundição de alumínio). O
gráfico 1 mostra que, com a fundição de alumínio (Mozal) e o projecto de gás natural da Sasol, a
produção industrial bruta atingiu cerca de 41 biliões de meticais em 2007 (cerca de 18 vezes o
produto industrial de 1959). Quando se excluem estes dois produtos, a produção industrial bruta
é de apenas 10 biliões de meticais (5 vezes a produção industrial de 1959). Portanto, com a
inclusão da Mozal e da Sasol (duas empresas e dois produtos primários, empregando no total
cerca de dois mil trabalhadores), o produto industrial bruto cresceu a uma média anual de 6,5%
entre 1959 e 2007, pelo que o produto industrial per capita aumentou em média cerca de 4% por
ano. Excluindo estes dois produtos, o produto industrial bruto cresceu, no mesmo período, a uma
média de 2,5% por ano, o que é semelhante à taxa de crescimento da população. Por outras
palavras, excluindo a Mozal e a Sasol, o produto industrial per capita estagnou no último meio
século.

1.3 Concentração do comércio


Como seria de esperar, a composição e dinâmicas do comércio são semelhantes às da produção –
as exportações cresceram, mas estão concentradas num leque cada vez menor de produtos
relacionados com o complexo mineral e energético, e as importações são muito sensíveis à
variação do investimento por causa do grau de dependência da produção nacional em relação a
importações de equipamentos, combustíveis, matérias-primas e outros materiais intermediários.

1.4 Concentração e dependência externa do investimento privado


A análise das dinâmicas do investimento permite identificar várias tendências e dinâmicas
económicas: por um lado, as taxas e as fontes de investimento dão uma ideia sobre a capacidade
e incentivo de mobilização de recursos e sobre as origens das motivações de investimento e, por
outro, a magnitude e a alocação do investimento permite antever as tendências dos padrões de
acumulação no futuro, quando os efeitos do investimento se fizerem sentir. Finalmente, esta
análise também permite identificar como é que se transmitem os efeitos do investimento para as
dinâmicas e estrutura macroeconómica por via da estrutura produtiva e comercial, o que oferece
indicações sobre a sustentabilidade do investimento, como se verá mais adiante.

1.5 Concentração das infra-estruturas e serviços


As mesmas tendências de concentração e desarticulação afectam as infraestruturas e serviços. A
dependência dos grandes portos e dos respectivos corredores ferroviários e rodoviários do
movimento de cargas dos países da hinterland ou, alternativamente, das plantações e minas, é
assunto bem conhecido e documentado na literatura sobre o desenvolvimento económico e social
em Moçambique no último meio século [Brum (1976), Castel-Branco (2002a), Wield (1977a),
Wuyts (1984 e 1980)]. Após o fim da guerra civil e até meados de 2000, objectivos político-
administrativos ligados ao controlo territorial e à expansão do acesso à terra predominaram na
definição das estratégias de construção das colunas vertebrais das vias e meios de comunicação
(estradas e sistemas de telecomunicações) e das redes de energia. Mais recentemente, a partir de
meados da década de 2000, voltaram a predominar os interesses dos mega projectos minero-
energéticos, o que se manifesta na implementação das prioridades na construção de infra-
estruturas e redes de energia associadas com estes projectos. Entre as prioridades político-
administrativas e as dos mega projectos mineroenergéticos, as necessidades da diversificação e
articulação da base produtiva e comercial não foram prioritárias. A questão das infra-estruturas
levanta alguns pontos interessantes de economia política e de política económica. Por um lado, a
ênfase do desenvolvimento e oferta de infra-estruturas reside nas parcerias público-privadas, ou
mesmo privatização completa, o que é inconsistente com a ideia de que os mercados falham na
provisão de infra-estruturas. Por outro lado, e como consequência da privatização parcial do
desenvolvimento e provisão de infra-estruturas e serviços associados, o grosso das infra-
estruturas em desenvolvimento está relacionado com os grandes interesses económicos a que o
padrão de acumulação em Moçambique está subordinado: o complexo minero-energético,
grandes projectos turísticos para os segmentos mais altos do mercado internacional, as grandes
plantações e os grandes centros urbanos nacionais. Como já foi mencionado (ver gráficos 16, 17
e 18), a actividade dominante nas intenções de investimento do grande capital privado nacional
é, precisamente, nas infra-estruturas associadas com o capital mineiro e energético, turístico e de
plantações. A concentração das infra-estruturas reflecte-se na sua distribuição regional. Se a
realidade da presença e domínio de grandes interesses económicos privados internacionais e
nacionais for reconhecida e tomada em conta no debatepolítico nacional, será então possível
discutir política económica real e como tirar proveito dos grandes projectos e interesses
económicos para desenvolver ligações (em primeiro lugar, fiscais), enfrentar o desemprego e a
pobreza, diversificar as exportações e substituir as importações, multiplicando, assim, as fontes
de influência económica e política sobre o processo de decisão, implementação e análise de
políticas públicas.

1.6 Padrão mais geral de dependência externa


A economia nacional é profundamente dependente de fluxos privados e públicos de capital. No
que diz respeito aos fluxos privados, a análise na secção anterior havia já demonstrado que 43%
do investimento privado provém de IDE e cerca de dois terços dos empréstimos provêm da
banca internacional. O gráfico 20 confirma estes dados, mostrando que, ao longo do período
1990-2004, consistentemente cerca de 80% do investimento privado total dependia de fluxos
externos de capital privado (IDE e empréstimos). O gráfico 21 mostra como os fluxos totais de
capitais externos (IDE, empréstimos comerciais e ajuda externa) são determinantes para o
investimento total na economia (investimento público e privado). Portanto, para além de
confirmar a dependência do investimento na economia em relação a fluxos de recursos externos,
os gráficos 20 e 21 sugerem que o rápido crescimento da economia apenas timidamente afecta a
disponibilidade de recursos domésticos para investimento e as motivações de capitalistas
nacionais para investirem. A tímida relação entre crescimento económico e investimento
nacional pode-se relacionar com vários factores: (i) a porosidade da economia, que não retém a
riqueza produzida (discutida mais adiante neste artigo); (ii) a “financeirização” da base de
acumulação do grande capital nacional, exacerbada pela prática corrente de usar “capital
político” como forma de investimento (ambos discutidos em outras partes deste artigo); e (iii) a
concentração e centralização do capital nacional de tal modo que apenas um pequeno grupo de
elite acumula e investe (este artigo não fornece ainda suficiente evidência sobre esta hipótese,
embora ela possa ser facilmente sugerida pela informação disponível).

De todo o modo, é evidente que o padrão de acumulação e reprodução económica é dominado


pelo capital estrangeiro. Como é que esta conclusão pode ser consistente com a retórica
nacionalista actual das elites políticas e económicas moçambicanas? Mais adiante, uma análise
preliminar e ainda superficial do processo da chamada acumulação primitiva em Moçambique
sugere algumas hipóteses de resposta a esta pergunta. O gráfico 22 mostra a evolução da ajuda
externa ao país da parte dos membros do G-19 (ou PAP).22 Nos últimos cinco anos, a
percentagem desta ajuda alocada para financiar a despesa pública variou entre 85% e 92%, o que
significa que foram alocados a despesas públicas entre US$ 750 milhões (2004) e US$ 1,2
biliões (2009). Adicionalmente, os dados do gráfico 22 mostram que o principal determinante do
crescimento da ajuda a Moçambique nos últimos 5 anos tem sido a ajuda programática,23 que
financia a despesa pública, de acordo com os planos do governo recipiente e utilizando os seus
sistemas de gestão de finanças públicas. Portanto, a ajuda externa dos G-19 (ou PAP) tem
crescido por causa das necessidades de financiamento da despesa pública, em especial do
investimento.

1.7 Insustentabilidade do modo de acumulação medida pela conta corrente


Historicamente, os impactos do padrão de acumulação sobre a capacidade de sustentar
importações e de financiar a despesa pública são vitais para sustentar ou interromper o processo
de acumulação e expansão. A balança de transacções correntes (ou conta corrente) é
particularmente crítica nesta análise, porque reflecte a capacidade ou incapacidade da economia
em diversificar exportações e substituir importações, através de ligações a jusante e montante das
várias actividades económicas, bem como em reter ou perder a riqueza gerada. No caso de
Moçambique, o padrão de expansão económica coloca grandes pressões sobre a conta corrente a
médio e longo prazo. Os gráficos 24 a 26 ilustram a relação entre o investimento (proxy para
expansão da economia) e as diferentes componentes da balança de pagamentos. O gráfico 24
mostra o quanto o saldo da conta corrente (linha tracejada) se deteriora com o aumento do
investimento (linha negra). Esta é a relação esperada por causa da fragilidade da substituição de
importações (o que torna o investimento dependente de importações) e a rigidez das exportações
não diversificadas. O gráfico 25 confirma a relação estabelecida pelo gráfico 24, mas, desta vez,
relaciona a balança de capitais (ou de capitais e transacções financeiras) com a conta corrente e
identifica os diferentes momentos históricos em que as grandes variações acontecem. Note-se
que a ajuda externa não era contabilizada na balança de capitais. Cada período de aceleração do
investimento é acompanhado pela deterioração da conta corrente, do mesmo modo que cada
período de contracção do investimento é acompanhado pela aparente redução do défice da conta
corrente. Exceptua-se o período compreendido entre meados dos anos 1980 e princípios dos anos
1990, em que as importações eram garantidas quase exclusivamente pela ajuda externa, que não
era contabilizada na conta de capitais.

1.8 Economia política da acumulação e reprodução dependentes


Há razões históricas, de economia política e de política económica, que explicam a extensão,
profundidade e durabilidade da dependência externa. Por um lado, as classes capitalistas
nacionais são historicamente recentes e têm por base o comércio, o acesso ao erário público, por
via de ligações e história política ou dos fundos de investimento de iniciativas locais,25 e a
capacidade política para reestruturar a propriedade e o controlo sobre os recursos e o trabalho.
Por se terem desenvolvido num contexto de liberalização económica, as classes capitalistas
emergentes não têm a experiência de organização da produção, da logística produtiva e das
finanças à escala industrial [Castel-Branco (2002a), Castel-Branco and Cramer (2003) e Cramer
(2001)].

O IDE em projectos de grande escala, que começou a crescer rapidamente em meados da década
de 90, trouxe consigo a capacidade tecnológica, a penetração em mercados oligopolistas, a
reputação comercial e os meios de financiamento, substituindo a necessidade de
desenvolvimento de uma burguesia nacional industrial e criando mais uma oportunidade para
uma acumulação primitiva não produtiva e assente na utilização do acesso privilegiado das elites
nacionais aos recursos naturais, para se associarem às empresas multinacionais neles
interessadas.

Para manter a coerência das políticas de estabilização monetaristas do FMI em face dos
crescentes fluxos combinados de capitais externos (IDE, empréstimos comerciais e ajuda
externa), o BdM intensificou as políticas de estabilização monetária por via da limitação da
dívida pública ao sistema financeiro, da criação de reservas externas excessivas, sucção de
liquidez da economia, rácios elevados de reservas precaucionais obrigatórias, esterilização da
ajuda externa, entre outras, de modo a manter a massa monetária em linha com os alvos de
inflação [Amarcy (2009a e 2009b), Castel-Branco (2002a)]. Num contexto em que a despesa
pública é sobretudo aplicada em importações e consumo social por via da construção de infra-
estruturas sociais, a liquidez sugada da economia é de facto transferida para investimento não
directamente produtivo e intensivo em importações. Portanto, as políticas de estabilização
monetária têm restringido as oportunidades e a liquidez disponível para investir, ao mesmo
tempo em que criam incentivos para aplicação especulativa das poupanças privadas em
transacções financeiras [Amarcy (2009a e 2009b), Castel-Branco (2002a)].

1.9 Dinâmicas e desafios das ligações fiscais


As ligações fiscais foram anteriormente identificadas como um elo crucial na mudança ou
consolidação do modo de acumulação e como um factor central na economia política do
desenvolvimento em Moçambique. A importância da base fiscal relaciona-se, neste artigo, com
quatro factores: (i) a retenção da riqueza produzida e, por essa via, a redução da porosidade da
economia; (ii) o financiamento da despesa pública no contexto da promoção da diversificação,
articulação e ampliação da base produtiva; (iii) a ampliação e diversificação da base fiscal por
via da transformação do modo de acumulação e socialização (apropriação pelo Estado) do
excedente e rendas dos recursos e (iv) a redução da dependência externa. A base fiscal é o
reflexo da base económica, bem como das intenções e expectativas do Estado e dos grupos
sociais que o dominam sobre o desenvolvimento dessa base económica e das instituições que
criam para servir os seus objectivos.

As dinâmicas fiscais em Moçambique podem ser resumidas em dois pontos principais. Primeiro,
a base fiscal como percentagem do PIB tem crescido muito lentamente, apenas nove pontos
percentuais em mais de três décadas, a partir de uma base bastante baixa de 7% do PIB em 1975.
De 1995 (três anos após o fim da guerra civil e um ano após as primeiras eleições
multipartidárias) até 2006, as receitas fiscais como percentagem do PIB mantiveram-se
praticamente estáticas (aproximadamente em 12% do PIB) [Byiers (2009)]. O peso percentual da
receita fiscal no PIB aumentou cerca de meio ponto percentual por ano entre 2006 e 2009, como
resultado da melhoria da administração fiscal, da introdução de maior rigor na colecta do IVA e
dos impostos aduaneiros e também da redução da evasão das empresas ao pagamento do imposto
sobre o seu rendimento.

Esta lentidão no crescimento das receitas fiscais em Moçambique é consistente com a tendência
na África Sub-Sahariana, embora, em média, as receitas fiscaiscomo percentagem do PIB neste
sub-continente sejam mais altas do que em Moçambique (aproximadamente 17% do PIB), e
cresçam mais rapidamente (1% do PIB por ano) [McKinley and Kyrili (2009) e McKinley
(2009)].

1.10 Desafios de industrialização: para além da economia extractiva


Com base na informação e na discussão da secção anterior, esta secção discute os desafios de
industrialização como proxy para a criação de uma base produtiva diversificada e articulada. Esta
discussão ocorre em duas etapas. A primeira parte da secção sistematiza os motivos pelos quais é
necessário transformar o padrão de acumulação. A segunda parte sistematiza os desafios para
fazer essa transformação. Esta discussão dos desafios de transformação é realizada em mais
detalhe através
1.11 Desafios de industrialização

A análise realizada mostra que o desenvolvimento económico e social emMoçambique enfrenta


cinco desafios cruciais, designadamente: (i) a diversificação da base produtiva e das
qualificações e capacidades, com articulação da produção, logística, comércio e finanças e
ampliação da base social e regional de acumulação e distribuição; (ii) o desenvolvimento,
exploração e gestão estratégicos dos recursos naturais numa perspectiva inter-temporal e inter-
geracional, gerando e retendo riqueza, por via de ligações fiscais e produtivas, que possa servir
de catapulta para a diversificação, articulação e ampliação da base de acumulação económica;
(iii) a construção de um quadro de análise e políticas macroeconómicas focado na diversificação,
articulação e ampliação da base económica, que construa e fortaleça relações positivas dinâmicas
entre a despesa pública e o desenvolvimento da base produtiva, que favoreça a diversificação das
exportações e a substituição de importações e que, neste processo, amplie a base fiscal de
sustentação do desenvolvimento social e económico; (iv) a apropriação pelo Estado, ou a
socialização, das rendas dos recursos e outras que permitam realizar as mudanças económicas,
sociais e políticas, incluindo a mudança de direcção e amplitude dos centros de acumulação e
padrões de distribuição bem como a redução da porosidade da economia e (v) a redução
acelerada da dependência externa. Em resumo, a economia de Moçambique tem que romper com
a sua natureza extractiva, concentrada e, por consequência, instável, porosa e dependente.
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6 Conclusões
Os resultados mostram que a contribuição mais importante que está a ser feita pela Dunavant na
esfera do emprego é a sua oferta de oportunidades de geração de rendimentos a um grande
número de agricultores na produção e venda de algodão, bem como oferecendo um número
(embora menor) de empregos aos trabalhadores da fábrica e a algumas empresas locais.

Os rendimentos aumentaram para a maior parte, embora não substancialmente. Comparando


com o trabalho forçado do período colonial, os agricultores aumentaram relativamente a sua
autonomia em termos de optar por entrar na produção de algodão ou não. Com a presença da
Dunavant têm também agora mais escolha em termos de equilíbrio entre culturas de rendimento
e produção de alimentos e a divisão do trabalho dentro do agregado familiar.

As culturas alimentares ainda continuam a ser produzidas, portanto, a produção de algodão não
constitui uma ameaça para a saúde e segurança alimentar. De facto, de acordo com Benfica
(2003 e 1998), os agricultores de algodão cultivam mais milho porque o milho é usado como
salário para a mão-de-obra adicional contratada. Embora as mulheres suportem um fardo
desproporcionado de trabalho, especialmente se se tomar em conta as suas tarefas domésticas e
responsabilidades com as crianças, o seu papel na geração de rendimentos produzindo algodão
para a Dunavant parece ter melhorado o seu poder de negociação e acesso a rendimentos dentro
do agregado familiar.

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